cronicalmente popular
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Segundo e-book do blog "De acordo com". Vinte textos sobre lugares e pessoas. "Próprio do povo, relativo ao povo, conhecido, rotineiro, comum..."TRANSCRIPT
valdívia costa
Porta de um dos antigos cabarés da Feira
cronicalmente popular
técnica Direção e execução geral: Valdívia Costa*Fotos da Feira Central de Campina Grande-PB: idem
agradecimentoso c v s e o iA s in enti o div rs s do Ton nho Borbo;
o o m l e e a r ca am r da fa í ia, m esp cial o Ma ley Lu ena; o n a e p c e toà c bra ç a iência d d@s.
contatoswww.facebook.com/deacordocomwww.twitter.com/[email protected]
flickr.com/zangarelhas
Os textos podem ser vistos: www.deacordocom.blogspot.com
R. M n el P eira de Araújo - eira e Tr caa o er F d o
sumário1. BLOGUEIRA NA ESSÊNCIA
2. LOURDES CHEIRA A ARTE
3. MULHERES E MINHOCAS
4. CENTENÁRIA NATHÉRCIA
5. BICICLETADAS
6. CAMPINA - GRANDE É A SUA FEIRA7. BIU DA GELADA
8. EPISÓDIO DA COVA DA ONÇA
9. LUCIANE WINEHOUSE
10. NA FEIRA OCULTA, O ELDORADO
11. WANDO, O NÃO-CANTOR
12. BREJO DAS FREIRAS
13. LUA, VEM!
. M el P a de A aúj fund Eldo adoR ano ereir r o - a o, O r
14. BIGODINHO AMEAÇADO
15. LIXO DE UM HOMEM
16. NORDESTINOFOBIA
17. O HOMEM AGROECOLÓGICO
18. QUADRINHOS NELES
19. SERTANEJOS NO AGRESTE
20. PEGA DE BOI DO CARIRI
atad d a com C or a Feir e uma invenção latas
Este é o 2° e-
book do blog De acordo
com. Textos maiores,
perfis, crônicas da
Feira... Foram destaques
por evidenciarem a
cultura popular
nordestina.
Uma parte do
Cronicalmente
Morei anos numa das
ruas mais badaladas do
local, a Manoel Pereira e
Araújo. Sede do Cassino Eldorado, esta rua me
Popular é
do universo encantado
(ainda, até hoje) da Feira
Central de Campina
Grande.
A reedição constante
para este formato foi feita
com mais critérios
linguísticos, menos apelo
visual.
A escrita diária no blog
me fez um tanto relapsa
com as palavras. Alguns
textos foram
praticamente refeitos.
A diagramação amadora
foi atenta, deixou esta
edição mais leve.
Vamos ler o e-book.
E esperar o 3°
Cronicalmente.
Qual será o tema?
Valdívia Costa
mostrou um mundo de
costumes.
Está aqui também o nosso
lado feminino de ser.
Homenageio a seridoense
Lourdes Ramalho pela
inteligência.
O processo de formatação
deste trabalho foi mais
demorado.
Ao invés de
elaborarmos quatro e-
books num ano,
preferimos apurar melhor
o conteúdo, corrigir,
aprimorar todas as
técnicas.
Fizemos uma seleção de
textos que trabalham o
mesmo tema, o popular...
cronicalmente popular
valdívia costa
“O texto é (deveria ser) essa pessoa desenvolta
que mostra o traseiro ao Pai Político.”
Roland Barthes - O prazer do texto (1973)
R. Cristovam Colombo, na Feira Central, vista de cima
blogueira na essência
Substitui a coleção de cartas pessoais por agendas. Vista por alguns como
um caderninho de (in)utilidades, a agenda sempre fica me cutucando pra escrever. Mesmo tendo agendas eletrônicas, quando acaba o ano, minha agenda física está cheia de opinião, poesia e anotações factuais. Fazendo essa pesquisa empoeirada descobri que tenho essência de blogueira desde 2000.
Quando ainda nem se tinha acesso diário a internet, lá pelo meio do curso de Comunicação Social, eu estava, cada vez mais, interessada no estilo opinativo. A prova está nas agendas! Todas com textos de letra caprichada (no começo), bilhetes, desenhos e compromissos. Verdadeiros posts! Chego a comentar nesse texto abaixo sobre essa necessidade de escrever diariamente. Vale salientar que é uma reflexão beeem dramática da antiga foca do jornalismo. Sintam...
Ainda guardo comigo aquela velha e tola vontade de contar o dia em páginas escritas de um diário. Agora por exemplo preciso perguntar: a que se deve tanta agonia e reviravolta na minha vida de jornalista? Será que fui marcada pra não completar o que pretendo ser?
Por que temos tanto que mudar? Por que tudo que se escolhe fazer nessa profissão chega a ser sacrificante? Não quero parar no tempo e ficar me irritando tanto, mas gostaria de ouvir algumas explicações que justificassem tanto tumulto, tanta fofoca e tanto descaso. A profissão que resolvi seguir é realizada por pessoas, muitas vezes, maldosas, sádicas e pervertidas intelectualmente.
Está certo que o jornalista tem que ter um pouco de malícia. Porém não é saudável que esse veneno contamine os membros de uma mesma equipe. Acho que sou muito romântica. Mas não gostaria de abrir mão das minhas virtudes pra praticar o meu trabalho. Não queria trocar o termo “falsidade” por “política da boa vizinhança”, como é a praxe.
A relação que construímos num mercado globalizado tende a exigir de nós mais do que a vontade de ficarmos juntos. Algo concreto, como bens materiais, nos falta enquanto profissionais. Vivemos compensando essa lacuna com nossos sentimentos utilitaristas. Às vezes acho-os tão frágeis pra suportar a tormenta capitalista.
Seria excelente se eu conseguisse notar que é possível viver em paz, sem sentir a pressão girando em torno da minha rotina, me cansando. É o medo que me faz pensar em desistir de tudo imediatamente. E é de mim mesma que eu tenho que me esconder. Para que eu consiga sobreviver mais um dia. Um de cada vez...
LINK: http://deacordocom.blogspot.com/2010/04/blogueira-na-essencia.html
Visitar Lourdes Ramalho deixa a gente com cheiro de arte e de história. Se
ela convidar a ver o cantinho onde ainda produz as peças teatrais ou os livros de pesquisas judaicas (um quarto ao lado da sala de visitas), o perfume é essência de raiz. A professora, autora, dramaturga, pesquisadora e incentivadora das artes, mora no centro de Campina Grande-PB há décadas, mas é natural da minha terra natal, Jardim do Seridó-RN.
Sinto-me na obrigação de fazer uma apresentação dessa personagem seridoense, com jeito de serrana, hábitos de sertaneja, olhar e pensamento afiados, de judeu. Lirismo e muita delicadeza poética na obra que já conta com mais de 100 textos teatrais.
Nada segura a mente. Muito consciente disto, mas equilibrada na ponderação artística, Lourdes já foi homenageada na sua Jardim do Seridó pela sua arte. Lembro saudosamente da apresentação em frente ao antigo Centro Educacional Felinto Elísio (Cefe)... da peça dela, A Feira. Teatro no meio da rua, na década de 1990. Eu nunca tinha visto teatro na cidade. Acreditem, e eu já tinha 14 ou 15 anos de idade. Encenando A Feira estavam as guerreiras Maria da Luz (Neta), Aparecida e Patrícia, amigas inesquecíveis e artísticas.
Mas havia um estudante que estava antenado e que já conhecia Lourdes Ramalho, Iran. Ele, se não me falha a memória, foi quem montou a peça. Foi Iran também um dos poucos desse pequeno grupo teatral do 3º ano científico do Cefe que seguiu a carreira no que seria o 1ª grupo teatral da cidade.
Depois desta única apresentação, a trupe se enxugou mais e caiu na estrada, encenando esquetes de rua em algumas cidades. Em 2002 o entrevistei. Iran teve que desfazer o grupo pela falta de incentivo. Não sei como está a área teatral na cidade ultimamente, mas naquele ano, não havia mais nenhum grupo de teatro.
Além desse texto, Lourdes produziu muitos outros teatrais. Mas ela mistura, em sua prosa, poesia e ainda contempla a área da genealogia. Tornou-se pesquisadora de fontes históricas. Interessada em descobrir as raízes judaicas da cultura nordestina e, por extensão, da sua própria família, ela estuda os judeus desde 2000.
Lourdes ainda brincava de teatro quando as primeiras peças foram escritas, por volta dos 10 anos de idade. Incentivada, a menina Lourdes colocava no papel falas e ações das personagens e comandava os 'ensaios' para as apresentações. Depois vieram as primeiras versões de alguns textos teatrais infantis.
Obras “Lourdeanas”- A arte da escritora pode ser conferida em: A Eleição, A Feira, Charivari e
LINK:
LOURDES.
http://deacordocom.blogspot.com/2009/03/mulher-lourdes-cheira-arte-e-historia.html
Fogo-Fátuo são algumas das suas obras.
lourdes cheira a arte
A família agroecológica é assim: dia de congresso ou encontro da área, todos
vão se capacitar pra encher seu próprio negócio de novidade. Os próprios homens
dessas famílias, ao contrário de toda casa rural, incentivam as mulheres a ir colher um
novo conhecimento ali, uma nova técnica acolá... No final, tudo vira lucro. Porque o
que uma mulher cata nesses eventos é muito mais precioso do que dinheiro.
Os homens ficam lidando com a plantação. E muito satisfeitos! Menos um deles, que
fez questão de ir pra um evento agroecológico. Manoel Messias é o cabra. Devido a
ser o único homem de uma família de seis filhos já pegou o apelido de Rei. Todos são
do Cariri paraibano, mas vieram para a Borborema fazer parte do 1º Encontro Estadual
do Pais (Produção Agroecológica Integrada Sustentável), ou seja, tudo aquilo
produzido por agricultores ecológicos.
No Sítio Lucas, a mãe Helena de Oliveira saía encabeçando a fila indiana feminina,
que seguia com Maria Verônica, presidente da Associação dos Produtores
Agroecológicos de Monteiro (Apam) e suas irmãs, Maria José, Maria Aparecida, Maria
Sueli e Eliane. Todas têm um Pais em casa. (E recebem rajadas de inveja de gente
como eu, que entende o que é uma produção agroecológica, mas ainda não pode
fazer uma por morar numa cidade.)
Mas nesse grupo caririzeiro tinha umas dez pessoas. Todas agricultoras trocadoras de
informações, traficantes de conhecimentos que são úteis à plantação ecológica.
Algumas não queriam admitir, por exemplo, a utilidade da minhoca. Maria Verônica
não. Ela sabe o valor de uma minhocona da boa. "Eu pego na minhoca mesmo! Nessa
aqui (mostrando uma enterrada) e na outra", disse sussurrando e gargalhando.
O que Verônica quis dizer somente foi que as minhocas têm muita riqueza e são
importantes para nossas atividades humanas. Ah, essa conversa dúbia rolou na hora
da oficina de minhoca. O palestrante entrou na onda, pois já tinha muita experiência
com minhocas. Antes das propriedades das minhocas, voltemos algumas horas...
Na hora do almoço, o palestrante do minhocário entrou na farra com as alunas... saiu
brincando de obstáculos. De tão animadas que estavam, as mulheres, atraíram alguns
homens, como seu Antônio, produtor do Cariri. Ele não resistiu e caiu na farra. A
mulherada do Cariri também sabe produzir os orgânicos de melhor qualidade do
Estado, atestado pelos órgãos federais de produtos agroecológicos.
Um dos ensinamentos que tive neste dia foi como preparar uma minhoca suculenta,
cozida ou frita. (receita no blog) A pacata Verônica discordou e disse que a minhoca
que ela produzia era melhor por causa de uma dieta diferenciada. "Eu corto um
mamão bem maduro no meio e distribuo as partes nas hortas. Em poucos dias não
tem nem casca mais!", contou. "Não creio! É a primeira vez que ouço isso", retrucou o
especialista, sorrindo. Verônica foi enfática e sarcástica: "Mas é. E a sua minhoca nem
chega perto da minha".
LINK: http://deacordocom.blogspot.com.br/2011/06/mulheres-e-minhocas.html
mulheres e minhocas
Viver é resistir. Seja por que tempo for, a vida é repleta de vontades. A gente é
quem escolhe qual seguir. Quando não se tem mais pressa, se caminha lento, mas
vivendo... Lembro de Nathércia e seus cabelos, pele e roupas brancos. Sentada numa
cadeira, fitando o chão, estranhando pessoas do novo século. Ela, que viu gente
passando do final do século 19 ao início do 21, se sentia enfadada.
Visitei Nathércia Cunha de Morais, "a professora que usou pela primeira vez a
palmatória em Jardim do Seridó-RN", quando ela ia completar seus 106 anos, em
2004. Fui com meu amigo Nilson Meira, que fez imagens dela, antes de morrer em
2008, com 110 anos. Nasceu em 25 de julho de 1898. "Vivi em cima dos costumes da
moral e do respeito do século XX. Eu mandava na sala. Quem não quisesse aprender
e fugisse da alfabetização, apanhava!", relembrou, de fala rude e olhar marejado.
Mesmo com ar dramático de severidade, Nathércia era encantadora. Aposentada
desde 1967, ganhou o título de "professora do século" em 2001. Uma de seus 10
netos que seguiram a carreira de professor, Terezinha Morais Neri de Oliveira, 59, foi
quem cedeu gentilmente as falas mais emocionadas da avó. Os 18 filhos de Nathércia
não quiseram saber da vida de professor.
Pelos relatos de Terezinha fiquei a imaginar a vida dessa que foi a primeira pessoa a
alfabetizar meus antecedentes jardinenses. Nathércia e seus rompantes de
autoritarismo nos sítios Sombrio, Cabaceiras e Três Irmãos, zona rural extrema e
machista... Era tanto aluno que a professora separava-os pelos cômodos. Tinha a
ajuda dos filhos. Na mesma sala, ela chegava a ensinar conteúdos da 1ª a 3ª séries.
"Eu ensinei tanto nesse mundo... tanto menino na minha vida que ninguém acredita",
dizia Nathércia, orgulhando-se da profissão. Casou-se com Rufino de Morais aos 19
anos, em 1917. "Considerava a maior façanha do mundo ter conseguido instruir os
alunos... o saber a iluminá-los", poetizava. Na época (como ainda hoje) em que ela
atuava, o "ganho" era pouco e ela associou essa profissão a de costureira.
Alfabetizou adultos à luz de lamparina com querosene em 1947. Mas continuou
trilhando os poucos caminhos existentes e conseguiu atuar pelo município, Estado e
como professora particular. A missão de levar adiante o conhecimento foi árdua.
"Certas vezes precisei ser valente, principalmente no que eu queria, porque eu ensinei
mais de um ano pelos sítios sem ganhar um tostão”, desabafou Nathércia à sua neta.
“Sessenta e seis anos ensinando Português, História, Geografia e Aritmética, "a
ciência elementar dos números, dos algarismos", dizia. Nathércia morreu e deixou 80
netos, 137 bisnetos e 25 tataranetos. Sementes que se espalharam pelo mundo com
pedaços dessa história de amor incondicional à educação atrelados aos DNAs.
LINK: http://deacordocom.blogspot.com.br/2010/07/centenaria-nathercia.html
centenária nathércia
"Um bom professor, além de enérgico, tem que ser de muita utilidade
para o aluno e fazer tudo o que pode e estiver ao seu alcance".
Neta relembra nossa livre infância. “Val sempre gostou de uma bicicleta... A
gente quando menos esperava, ela aparecia com uma”, comenta. Aí, surgem os
contos das bicicletadas que sofri... É bom lembrar do meu esforço, primeiro, para
aprender a andar de bicicleta. As primeiras bicicletas que andei foram uma Monark e
aquela que tem um bagageiro na frente... Com oito anos de idade, eu e minha
concunhada Derela - abreviatura de Cinderela - decidimos aprender, de qualquer jeito.
O negócio era bruto mesmo. O pai de Derela ia almoçar em casa com a Monarkzona e
o irmão mais velho dela, também. A do irmão dela era bicicleta de entregas, tinha um
quadro mais baixinho, que dava para gente de perna pequena andar. Como nem
tínhamos quem nos ensinasse, Derela inventou um jeito, com uma das pernas por
dentro do quadro. Mas a Monark tinha um círculo no meio, não dava! Aí, nos restou a
bike de entrega, com o quadro baixinho. Derela, logo nas primeiras tentativas e
quedas, se feriu na perna, foi muito sangue...
Mais duas amigas ganharam bicicletas. Mércia, filha da professora Maria Meira, tinha
uma pequeninha. Ela sempre visitava a avó, que era do lado da minha mãe.
Com essa bicicletinha, pude aprender a andar. Descia e subia uma pequena
ladeirinha, na lateral da casa da avó de Mércia. Uma volta era minha e outra dela... E
Marcileide. Essa ganhou uma bike que toda pré-adolescente queria, uma Monareta. A
dela era novinha, toda linda, cor púrpura parece... Depois de estudarmos e eu “copiar”
desenhos para ela pintar, ela chamava: “vamos brincar de bicicleta???”
Aprendi a fazer curvas (sempre caindo) e a andar mais tempo sem tocar o chão.
Estava tudo dando certo: andava de bike durante todos os dias da semana.
Nesse meio tempo, meu irmão Júnior comprou a primeira bicicleta da família, que era,
para ele, “um instrumento de trabalho”. Era um modelo moderno, daquelas bikes de
corrida, com o guidão em formato de C, curvado para baixo...
Eu tinha que andar subindo e descendo, escorregando o corpo para um lado e para
outro, para poder conseguir pedalar. Vendo que eu adorava, meu irmão começou a me
designar tarefas na bike. Eu caí horrores. Mas vou lembrar só de algumas quedas. A
primeira, eu não fui castigada. Meu irmão me pediu para eu ir comprar uns três ou
quatro galetos pequenos congelados... na bike!
Ao descer pela pista da BR com o sacão de galetos pendurado no guidão direito,
aparece um caminhão buzinando atrás. Desci do asfalto para o aterro lateral. Mas a
bike tinha os pneus fininhos, quicavam no chão quando cheios. Os galetos puxando
pro lado direito e eu raquítica, a bike caiu aterro abaixo. Fiquei toda escoriada! Sorte
que foi o meu irmão quem me incumbiu da tarefa. Me livrei de um possível castigo.
Com uns 14 anos, não pude fechar a curva completa para entrar na Avenida Dr.
Fernandes. O pneu dianteiro foi barrado pela calçada. A bike me lançou por cima do
guidão, eu “deslizei” uns 10 metros pela calçada... Essa foi grave. Ainda bem que foi
do lado do Hospital! Contei a meu irmão e ele levou de vez a bicicleta... Se não
“haveria mortes nela”! Era muito amor por duas rodas...
LINK: http://deacordocom.blogspot.com.br/2012/06/bicicletadas.html
bicicletadas
Falar da Feira de Campina Grande nunca é demais. Até porque é obrigação
falarmos dela. Primeiramente pela sua importância econômica. Depois pela sua
abrangência territorial (é a segunda maior do Nordeste no modelo tradicional de
comercializar, reunir feirantes e compradores). E pela sua história cultural, rica,
transbordante de personagens, lugares e estéticas das mais loucas e diversas.
BALAIEIRO - Figura em extinção na Feira Central, o balaieiro carregava a feira de
verduras e frutas na cabeça. Num balaio gigante que ele desfilava a mostrar pelas
ruas centrais da Feira. Hoje, o mototaxista ou até mesmo o taxista o substitui com
mais precisão. Mas ele dava toda a característica original de livre comércio, onde
todos escolhem, compram e negociam serviços, produtos etc.
BUSINESS - O livre trânsito de produtos com os quais os feirantes lidam diariamente é
intenso e cheio de surpresas. Um comerciante, por exemplo, mistura doces,
rapaduras, com alho e alguns CDs (para quem não larga o vício da música). O
importante para ele é negociar, vender, lucrar, essas coisas...
CRIATIVO - O bom humor, presente na luta diária dos feirantes, também é peça
primeira de marketing que eles usam. Muitas vezes uma "arrumação" como equilibrar
um guarda-sol num carrinho de mão pendurando um saco de cebolas no cabo, chama
a atenção. É um diferencial. A engenhoca que proporciona sombra só se sustenta pelo
saco de cebolas. Talvez uma metáfora da vida do vendedor...
SOUNDS - Não há quem não resista às news "musicais" das bancas de vinil da Feira.
Um dos vendedores, literalmente, pendurou as chuteiras na sua barraca de música.
Mas continua abrindo o ponto, vendendo discos pra quem curte brega, música latina e
a fossa. É deprê e retrô demais!
FLORES - Do Brejo, do Curimataú, da Borborema... as flores da Feira enchem de
perfume e cor as passarelas onde elas estão expostas diariamente. Abelhas de todos
os lugares vêm provar do nectar delas. A feira-enfeite da Feira é a de flores, lógico.
Muitos são os usos das flores, ensinam as agricultoras vendedoras. Elas vendem
sementes pra quem gosta do trato com a terra.
MERCADO - Cercado por imensos armazéns do início do século passado, o mercado
central é o coração da Feira, onde, a pouco tempo, acontecia o Dia do Rojão com forró
pé-de-serra e viola pra todo mundo ouvir. É dentro dele que está o mercado de carnes.
FRUTAS - As mais doces, coloridas e saborosas frutas estão por todo lugar na grande
feira de Campina Grande. Ao redor do mercado central, pelas ruas principais, pela
feira de troca... frutas passam em gigantescos balaios que entrecortam a cidade...
Uma delícia ambulante!
Para concluir essa ode à Feira, leia poesia de Lourdes Ramalho,no link: http://deacordocom.blogspot.com/2010/08/campina-grande-e-sua-feira.html
campina grande é a sua feira
Alguém já pensou, atualmente, em passar 50 anos trabalhando no mesmo
lugar, produzindo a mesma coisa? E gostar desse ritmo de vida? Se a resposta foi sim,
é bom ir visitar o empreendedor Biu da Gelada, na Feira Central de Campina Grande-
PB. Ele também é assim. Com 75 anos de idade, Biu, é Severino Pereira de Araújo e
se orgulha em vender lanche no mesmo ponto há meio século.
"Sou diferente", disse Biu. Ele não gosta de arte, detesta política e só dá um
pouquinho de moral para o seu time de coração, o Campinense. Apesar de todo esse
tempo trabalhando ali, Biu diz que o negócio "já foi bom". Em 2006, ele saiu com essa
pra cima de mim, durante reportagem especial. "Meus rendimentos caíram 1000%.
Antes, eu desmanchava 35 kg de açúcar/dia. Hoje eu desmancho 5 kg”. Essa semana
ouvi a mesma conversa. Parece até que o calor desse Verão não motivou à gelada.
Mas Biu é pessimista não só sobre o próprio negócio (que concorre injustamente com
sorveterias, mercados descentralizados, falta de cliente), mas sobre a política também,
que ele "tem nojo". Segundo ele, os políticos são péssimos nos relacionamentos com
os eleitores, "só vivem mentindo, só visitam os pobres no tempo das eleições". Por
causa desse discenso entre o discurso político e a prática politiqueira, Biu só votou
duas vezes nas sete décadas e meia de existência. E nem lembra em quem votou.
Informado, Biu aponta a crítica para o atual cenário político, assistido pela TV e
debatido frequentemente entre os feirantes. "Veja o que o Arruda fez lá em Brasília",
comprova, revoltado. Exemplo de administrador zeloso, como todo honesto, ele
econselha os políticos: "depois de ser eleito, mantenham o contato com o povo".
O pacífico e organizado Biu é um Buda da Feira. Todo mundo que quer ouvir suas
recomendações dá um tempinho na Gelada. "O futebol está muito violento. Eu não
sinto mais vontade de assistir a um jogo", justifica. Ele retirou os milhares de adesivos
que enfeitavam o seu treiler pra evitar as pileras nos pós-derrotas do Campinense. E
do igualmente querido Flamengo. Hoje, só dois adesivos e muito silêncio, pra evitar.
Quanto à cidade onde nasceu, se criou e viveu esse tempo todo, Biu se enternece, dá
até um sorriso (o que é difícil, de tão sério). "Tenho amor à cidade", confessa. Para ele,
o clima é um dos melhores. Mas o feirante não é apático a sua história. Ou não se
apercebeu dessa importância humana ou isso não o fascina.
Mas Biu guarda com carinho na memória os tempos áureos da Feira Central, seu
universo. "Comecei a vender lanche na antiga feira, no famoso Beco dos Bêbados.
Lembro bem da alegria dos feirantes com a mudança (há 50 anos)", declara.
Depois das perguntas sobre o gosto dele, confesso que fiquei sem ter o que
questionar quando Biu disse que seus passatempos eram visitar os filhos e ir à igreja.
"Meu xodó, a coisa que mais me dá prazer”, disse, mostrando a fotinha da neta de
quatro meses de vida.
LINK:
www.deacordocom.blogspot.com/2010/03/biu-50-anos-de-gelada-na-feira.html
biu da gelada
A Cova da Onça parece calma à noite. Tem madrugadas que o lugar mostra
cenas bucólicas da pobreza material e de espírito que acometem seus habitantes,
meio urbanos e suburbanos. Qualquer “tiração de onda” e o problema se resolve
rapidamente. A líder em brigas da área que o diga, uma das putas que trabalha no
beco estreito, que dá pra ser visto de boa parte do apartamento onde moro.
Ela está grávida e em breve nascerá o seu herdeiro, aquele que crescerá distante da
mãe, mas provavelmente numa realidade não muito distinta. Mesmo com sete meses
de barriga, a mulher não pára em casa. Ela tem que seduzir, envolver, atrair e aplicar
pequenos golpes até conseguir um parceiro pra dividir um quartinho imundo, alugado
por dois reais a hora. Ela satisfará um desejo carregado de ódio de um macho.
Calcula o lucro. Os três reais do ato em si vai se juntar aos outros seis que começou a
levantar desde cedo do dia pra comprar uma pedra de crack e passar a noite.
Revigorada na "instiga" que a pedra dá, ela cria coragem pra vencer a concorrência,
que é diversa na Feira Central. Afinal, a puta de hoje luta pelo mesmo espaço do
travesti, do garoto de aluguel... Acirrado é o competitivo mundo da prostituição.
Mas ela é da Cova da Onça. Tem a lábia certa. Precisa comer pra dar de comer ao
bebê. Por incrível que pareça, ela tem conseguido manter uma clientela. Homens que
têm fetiche por grávidas estão aparecendo mais no pedaço. Os idosos da zona rural,
que as visitam no sábado, sempre chegam com sacolas de verduras e legumes. Vejo
esperanças penduradas em suas cabecinhas solitárias...
Lá pelo quinto homem daquele dia puxado (e depois do cansaço de encontrá-los,
trazê-los ao quartinho), a pobrezinha passou por um calote. O cliente se fartou e a
deixou na mão com a desculpa: o liseu. Naturalmente, ela se aborreceu. Deu pra ouvir,
até o fim da Rua Manoel Pereira de Araújo, os gritos: "comeu, pagou, meu irmão! Não
tem essa de liso não. Liso um caralho, tá ligado?!"
A mulher teve que entrar numa luta corporal com o cliente! O cara saiu correndo e
sorrindo da peça que pregou na Cova. E ela já corria em seu encalço quando a dona
do quartinho, sempre alerta, a brecou gritando: "Tá pensando que vai pra onde sem
pagar o quarto?!". Bastou. As duas putas se engalfinharam verbalmente. A confusão
reiniciou, veio até o início da Cova e voltou pra dentro do beco.
Uma soltava palavrões agressivos e a outra revidava com mais meia dúzia de insultos,
dos mais baixos calões. Deu pra ver a grávida se aproveitando dum momento em que
a dona do quartinho disse que ia entrar pra pegar uma faca. Correu e mergulhou na
escuridão noturna, Cova adentro. Ainda ouviu-se ela resmungar na fuga: "oxe, o caba
me come de graça e eu ainda vou pagar o aluguel do quarto! É ruim!".
LINK: http://deacordocom.blogspot.com/2010/03/episodio-da-cova-da-onca.html
episódio da cova da onça
(baseado em fatos reais)
A feira do sábado começa na sexta à noite para Luciane “Winehouse”, uma
das tantas estrelas da night da Feira Central de Campina Grande. Ela sabe ser popular
e faz de seus dias palcos itinerantes por quase todas as feiras da Borborema. Odeia
quem diz que ela é "sobrinha" do homem que paga pelo sexo.
Na real, “Luci”, a sedutora, tem que dançar muito, cantar bem e ainda se embriagar
moderadamente para se safar nessa vida de literal “filha da puta”. Só a vemos aos
retalhos, pelas janelas. Uma noite, ela começou atrasado o “show” no Bar Tropicana
(central de desejos da Feira).
"Por dez contos, eu dou uma com você, mas se quiser um 'bola gato', é dois... bora?!",
se derrete para quem dá uma paradinha na moto. Os chamados dela na Cova da
Onça são estrondosos. Bem como as negociações sexuais que ouvimos embaixo da
janela. Tem hora que Luci xinga, depois "cativa" o cliente com alguma migalha de
crack... A vida artística dessas estrelas cortesãs não tem seguro.
Não vejo diferença dessa moça trabalhadora da Feira para a Winehouse verdadeira!
Só o dinheirão que a internacional ganha pra fazer o que a mulher da Feira faz: se
exibir. E cair. Para que falsomoralizar ou entristecer a vida dela, se é assim,
alegremente, que ela se sente uma pop star? Em milhares de palcos e ruas vende-se
diuturnamente. Seus "ganchos marketeiros" são inspirados em Zefa Tributino, que
reinou como dona do Eldorado nos anos 1940, dizem.
Luciane sensualiza o dia quando aborda os agricultores que bebem no Bar da Cova.
"Aqui é minhas áreas, tá ligado, gatão?", atiça a expertise máxima do plaisir féminin.
Inventa uma dança erótica (com um pano entre as pernas)... Com 25 anos e sem
alguns dentes, Luci equilibra pobreza e bom humor, perseguindo os adolescentes da
rua, levantando o pedaço de tecido que cobre a genitália em plena tarde morna...
O lado ”perverso” dela é o teatro que tenta vender, junto com outras prostitutas da
mesma idade, pra afugentar os agressivos. "Não venha não!", grita a perigosa Luci,
com a faca-peixeira na mão. Na primeira carreira que um homem dá, ela risca a faca
no chão e sai em disparada... "Chama o camburão! Maria da Penha nele!", gritam
erroneamente as colegas e inimigas.
Outra rivalidade é dividir o palco, tarefa necessária e tensa para quem está em início
de carreira. Por isso, Luci deixa que a experiente “Carlas Perez” (no plural mesmo)
dance antes dela se apresentar nas nights. Também não é muito tempo. As duas não
se falam, mas uma sucede a outra nos shows nos 10 barracos que vendem cachaça
nas ruas adjacentes ao Mercado Público.
Outra noite, Luciane subiu, de novo, no tablado. Entrou na rua puxando um cacho de
cabelo pra cima, empinando a bunda magra, se equilibrando em finas pernas e
desenhando o ar sinuosamente com a fumaça do cigarrinho que nunca sai da mão...
LINK: http://deacordocom.blogspot.com/2011/02/luciane-winehouse.html
luciAne winehouse
(baseado em fatos reais)
Respiro um ar puro, mistura de neblina com cheiro de manga. Já tá em época.
Passo pela Rua Cristovão Colombo no começo da noite. Ainda tem feirante arrumando
a bagunça. Hoje tem dança até de madrugada, melhor comprar umas mixiricas...
Tomara que Zefa queira dançar comigo. Tem jeito não, daquela mulher me querer, meu
Deus do céu!
Antes do Eldorado vou passar aqui na Casa da Loira. Tem umas meninas novas que
gostam de ouvir minhas histórias de luta com os caboclos pernambucanos... Vira e
mexe, eles vêm pra cá cantar no Cassino e querem pegar as mulheres. Elas são da
vida, mas a gente respeita. Dão amor para quem tem carinho com elas.
Entrei nesse cabaré cantando, elogiosamente, a música que Jackson tava começando
a tirar no pandeiro, que homenageava as meninas “Me lembro de Maria Pororoca, de
Josefa Tributino e de Carminha Vilar... Bodocongó, Alto Branco, Zé Pinheiro, aprendi
tocar paneiro nos forrós de lá..." Todas gostaram.
Depois de uns afagos e tragos, chego ao garboso Eldorado. Dizem que hoje tem um
grupo de dançarinas de Paris, que vieram fazer uma dança chamada Can can. Essa
entrada do Cassino, sempre tão bem segura, com "leões de chácara" que Zefa traz
Deus sabe de onde. Hum... que perfume! Hoje as meninas capricharam!
Vou deixar pra passar pelo paraíso dos 30 quartos no fim da madrugada... A feira hoje
foi boa no armazém de estivas, mas “painho” só me deu o merecido. As meninas
cobram caro. Só posso visitar uma por semana. Prefiro me deleitar com as moças do
salão, ouvindo e dançando uma boa gafieira.
E o luxuoso salão ainda está praticamente vazio. Ai, ai... vou tomar umas cachaças no
primeiro andar. Será que Carminha está com Zefa? Meu primo Valfredo vem
exclusivamente hoje pra encontrar com Carminha, que já foi avisada. Tomara que ela
bote o vestido de organdi que ele mandou fazer na medida.
O poeta Ronaldo já está no carteado?! Ele não perde uma novidade. Como Zefa traz,
nem que seja, uma dançarina nova por sábado, os filhos dos coronéis e dos políticos
sempre estão aqui, como ele, que só faz beber e escrever, a noite toda.
Nossa, como está abafado! Esses ventiladores não estão dando conta. Cadê Zefa e
Carminha? Deu pra ver uns carrões chegando... Vou esperar Valfredo tomando minha
dose lá no salão. Ao menos está mais ventilado...
Finalmente, Zefa... Tão afetuosa, recebendo no salão de festas. Não sei como podem
falar mal dela, que só trouxe alegrias. Sem esse Cassino concordo que seria uma nau
à deriva. Na Serra da Borborema a gente vê arte, conversa poemas e sente um frio na
barriga ao vê-la... A Zefa Tributino do Eldorado.
LINK: http://deacordocom.blogspot.com/2010/04/na-feira-oculta-o-eldorado.html
na feira oculta, o eldorado
(baseado em fatos reais)
Wando é um adolescente de 13 anos, mas aparenta ter cinco ou seis. Dizem
que foi um trauma que atrofiou seu crescimento. É um menino negro que não fala, mas
escuta, e é popularíssimo. Todos o conhecem na Feira Central de Campina Grande-
PB. Ele vive a andar, chupando o polegar, com uma camisa pendurada no ombro (que
às vezes ele perde) e uma barriga grande, exibicionista.
Quando retornava pra casa, lá estava ele na loja de ferragens do vizinho. Ouvi quando
um dos ajudantes do dono da loja, disse: "olha o que Wando fez", mostrando o
traquina com uma tarja prateada que ele mesmo tinha pintado no peito. De tinta óleo,
vale salientar. E haja gestos desordenados, de uma linguagem que não é a Libras,
mas algo parecido, pra explicar o que o artista pensou ter pintado em seu corpo-tela.
Neste mesmo dia teve um blecaute lá em casa, por volta das 16h. Achei estranho
porque as serralharias continuaram funcionando. Pensei que o levado do Wando teria
sido astuto pra estar envolvido naquele apagão sem sentido. Toni ainda duvidou. Mas
resolveu perguntar, do alto do segundo andar, ao tio dele, o Buldogue, se a chave de
energia geral, lá embaixo, em frente a casa deles, estava desligada. Estava!
Quem desligou a chave? Wando, que se entregou sorrindo e sem jeito. Mas Buldogue
não quis saber e jogou a ameaça: "se você mexer aí de novo eu toro sua munheca, tá
ouvindo Wando?!" O menino balançou a cabeça imediatamente e ficou por ali,
desconfiado. Não ficamos zangados. Pelo contrário, rimos muito. Descobri que tinha
sido ele porque de outra vez o pegamos, Toni reclamou... foi uma onda.
Antes desses episódios, o garoto ganhou uma pipa toda rasgada de Toni. Ela ficou
presa no terceiro andar e, quando foi removida, rasgou. A partir desse dia, nasceu um
ídolo para Wando. Toda vida que Toni sai, quando ele está na rua, corre sorrindo,
imitando uma guitarra com as mãos na roupa, tocando a ilusão da infância. Às vezes
rola um abraço. Ele, abraça todo mundo, melando todos com graxa de bicicleta.
Embaixo do prédio onde moro, o proprietário do imóvel, Seu João, conserta bicicletas.
Quando não está comendo, pedindo comida aos feirantes ou sendo procurado pelo tio
aos berros, Wando é ajudante de Seu João. Sem que o bicicleteiro saiba. Por que,
quando ele está por perto mexendo nos milhões de parafusos, é o jeito entregá-lo.
Ele, o tio e um primo de 15 anos moram num vão único, que é também a loja de
Buldogue consertar portões de ferro. Acredito que não tenham saneamento, pois
quando eles tomam banho, a água ultrapassa os portões fechados pra rua. O lugar é
na Cova da Onça, uma rua de pessoas carentes, bêbados, prostitutas.
O garoto passa alguns minutos se auto-embalando numa cantiga... "A-a-a-a-a..." A
música mais conhecida da Feira balança também meus pensamentos noturnos de
desapego. Como se pode ser feliz sem nada do que pensamos ser essencial? Ou o
sorriso de Wando não é de alegria e sim de ator, já que ele é um artista?
LINK: http://deacordocom.blogspot.com/2010/01/wando-o-nao-cantor.html
wando, o não-cantor
(baseado em fatos reais)
Charretes, cavalos e muito verde compõem telas maravilhosas, distribuídas num local onde a arquitetura antiga não é bem cuidada nem oferece um
histórico que se possa acessar facilmente.
Um lugar lindo, com muito verde ao redor. Águas termais curativas, fonte
mineral e uma comidinha tipicamente sertaneja. Esta é a Estância Termal Brejo das
Freiras, na cidade de São João do Rio do Peixe, no Sertão da Paraíba. Construções
ancestrais também estão lá, mas menosprezadas. Os oito chalés estão abandonados.
O imóvel mais importante do local, o convento onde sua história se inicia, está em
ruínas. E nada, nada escrito sobre o Brejo.
A área é enorme, com 400 hectares, segundo os trabalhadores do local. Composta por
uma arquitetura que eu não sei ainda qual é, mas muito comum nos conventos do
início do século passado. Segundo o portal , o Brejo foi construído em
1944, com 45 apartamentos, para 150 pessoas, com duas fontes termais, área de
lazer com duas piscinas, quadra de vôlei, mini-campo de futebol, pista de cooper etc.
Um lugar tão rico e bonito e não tem um material informativo sobre o Brejo! Outro sinal
de menosprezo. Para não dizer que não encontrei nada sobre o Brejo das Freiras,
achei poucas ocorrências pelo pai Google. "Certa vez, lá nas lonjuras do tempo, José
Américo de Almeida (Ele mesmo!) esteve no Brejo das Freiras, a aprazível estância
termal do município de São João do Rio do Peixe", escreveu o blogueiro Dirceu
Galvão, do .
O jornal A União publicou, em maio de 2008, que "a história da Estância Termal de
Brejo das Freiras, um verdadeiro oásis turístico localizado na região montanhosa de
São João do Rio do Peixe, a 482 quilômetros da Capital, se confunde com a própria
história do Sertão da Paraíba". Mas não expôs o motivo.
Apenas completou, publicitariamente: "isto porque, além da sua beleza panorâmica, as
águas que fluem do subsolo rochoso, saem com uma temperatura de 40ºC, distribuída
por toda estância, serve como revigorante para a pele, graças a sua riqueza
medicinal".
No portal SNN foi onde encontrei mais informações, só que sobre o poder de suas
águas milagrosas. "Devido à qualidade terapêutica das águas termominerais
presentes nas duas fontes do hotel, uma delas termal e outra magnesiana, as duas
são indicadas à cura de artrite, artrose, escrófula, reumatismo, dispepsia, anemia e
todas as fraturas e luxações", diz o portal, mas sem citar a fonte.
Mais fotos do lugar estão no .
LINK:
SNN Notícias
Sete Candeeiros Cajá
Flickr Zangarelhas
http://deacordocom.blogspot.com/2010/06/brejo-das-freiras-menosprezado.html
brejodas freiras
Por volta das 16h40, Dudu chegou com Gamela fazendo o chamado. Alê e
Toninho toparam e eu fui a reboque. O fenômeno da maior lua dos últimos tempos
apontava um caminho pra sua observação. Era a famosa Pedra de Santo Antônio, na
cidade de Fagundes, na Serra da Borborema. Aquela pedra que é gigante. Tem uma
fenda que encoraja quem passa pela pequena fenda essa imensa rocha. Com fé em
arrumar um casamento, quem passar, já pode se considerar comprometido! Histórias
da Serra de Bodopitá. Planejamos sair pra ver ela nascer lá, mas saímos atrasados.
O momento era especial porque, primeiro, era o dia 19 de março, Dia de São José, um
santo que dita ao sertanejo se o ano vai ser bom de chuva. Como diz a música Ciência
Nordestina, do nosso amigo Alê Maia. Não demorou, relembraram histórias...
Segundo: um evento lunar que não veremos mais em tantos anos tinha que ser bem
aproveitado... não podia ser vivido da sacada de casa, do meio da rua... não para
quem ama a lua como nós. Aí, juntando tantos motivos para se viajar um pequeno
trecho e ver a lua grandona, saímos de casa...
Dudu e Gamela foram num carro e eu, Toninho e Alê noutro. Durante todo o caminho,
sons muito bons. "Ô viagem ruim", pensei. Mas aguentei. (rss) Um caminho totalmente
iluminado. A BR 230 parecia um tapete negro com pequenos gliters aqui e acolá...
Fomos até do outro lado da pedra de Santo Antônio. Procurei uma luz natural... (luz
branca, mais forte e acentuada somente esta noite, em todo canto... fiquei doidinha!)
Enquanto isso, lá embaixo, Campina Grande derretia de amores pela lua... hihi...
A Pedra de Santo Antônio é encantada. Não sei se era a noite, o momento... mas senti
uma energia revigorante. Os meninos são visitantes assíduos. Foi aquela ginástica
noturna... descemos lagedos, entramos em trilhas de matos dos mais diversos,
ouvimos conversas sigilosas entre cigarras, no meio do coachar de sapos...
As três descidas de trilhas de barro e pedra nos alertaram para a subida, que seria
maior. Naquele clima Lost... voltamos. Paramos numa jaqueira enorme. Lembraram de
uma lente de uma máquina fotográfica que deixaram naquele mesmo lugar noutra
visita... continuamos. Olhei pra lua... pensei: "Lua, vem!".
E lá estava ela, como uma amiga que me visita uma vez a cada dez anos. Em casa,
chegamos com os dentes à mostra. E o papo foi alongado. Até o momento em que
Gamela lembrou de uma "visão" que ele teve lá na pedra, noutra ida ao local.
"Eu tava cortando lenha pra fogueira, aí uma mulher toda de branco com um véu no rosto veio saindo de dentro dos matos em minha direção". "E aí?!", em coro. "Dei um grito alto, disse 'não venha não', com a foice na mão... e cai pra trás, de cima da pedra. Me acharam no chão, todo escoriado... foi horrível!” Gama é muito legal. Deixou a gente curtir a maior noite do ano sem implantar noia de malassombros na cabeça...
LINK: www.deacordocom.blogspot.com/2011/03/lua-vem.html
LUA,VEM!
Um habitat que os animais procuram para se reproduzir, na intuição natural de
desenvolver a espécie, é o Brasil. Mas nesta terra farta, tanta beleza e liberdade são
liquidadas pelo homem! A começar pelas aves, com a caça predatória. Desde a
colonização, muitas araras foram caçadas. Na Paraíba, por causa desse hábito
egocêntrico de prender passarinho, espécies migratórias somem, como o Bigodinho.
Quem constata o fato é o ambientalista Aramy Fablício, da cidade de Fagundes, no
Agreste. Sem pesquisa formal, mas com conhecimento do território onde mora desde
criança, ele notou que correm risco de extinção aves migratórias como o Caboclinho
Lindo, o Papa-capim, a Chorona, entre outras. Elas vêm se reproduzir na Paraíba no
inverno. Desde 1970, ele percebe que as migratórias sumiram devido às caças.
Os capturadores de aves estão cada vez mais sofisticados, com gaiolas de oito
alçapões e redes que capturam de Beija-flor a Gavião. Para esses negociantes, o que
importa é a quantidade e a biodiversidade de aves capturadas. O mais preocupante é
que as caças ocorrem no período da reprodução.
"O alvo dos predadores é o Bigodinho. Com um canto alto e belo, de uma plumagem
destacável, o pássaro habita campos abertos e se alimenta de sementes de capim.
Geralmente, ele sai para se alimentar e se reproduzir na Paraíba. Demarca seu
território onde faz o ninho, por isso é alvo fácil. É vendido e exportado", diz.
Para conseguir capturar as aves, os predadores aliciam moradores da zona rural com
dinheiro. Alguns jovens deixam de estudar para capturar animais e vender. Alguns
caçadores também vêm de Pernambuco. Muitos moradores já têm consciência e
expulsaram os traficantes.
O alvo dos caçadores não é apenas ave migratória, mas as nativas, como o quase
extinto Azulão e outras. Os protetores da natureza dizem que pouco adianta a
fiscalização de crimes ambientais se não houver conscientização da sociedade civil para não comprar animais selvagens.
Biqueira Velha – Como forma de conscientizar os moradores de Fagundes, Aramy
criou projetos ambientais como o Biqueira Velha. Placas de zinco reaproveitado de
biqueiras (calhas), escritas "PROIBIDO CAÇAR E CAPTURAR ANIMAIS" e colocadas
nas propriedades rurais.
O Bigodinho (Sporophilalineola) é conhecido como Estrelinha ou Cigarrinha. É uma
ave passeriforme da família Emberizidae e mede 11 centímetros.
LINK: www.deacordocom.blogspot.com.br/2010/05/bigodinho-ameacado.html
bigodinhoameaçado
Aves alegres e diversificadas são esperadas pelos traficantes de animais. Eles são flagrados caçando indefesos como o Bigodinho. Um pássaro que se
pega em armadilhas, como os outros, atraídos pelo canto das fêmeas... geralmente já engaioladas.
Bega foi nosso vizinho durante alguns anos. Morava num quartinho na estimada
Cova da Onça, Feira Central de Campina Grande-PB. Uns dizem que ele morreu na
rua. Outros comentam que a irmã o levou para casa. Real mesmo foi o que ele deixou
para trás: dois caminhões de lixo.
Bem que eu achava estranho... Como alguém entra num único andar como se
estivesse subindo uma escada? Desconfiávamos que ele colecionava materiais
reciclados, porque alguns catadores são acumuladores... Mas daí a achar que o que
Bega subia era uma montanha de lixo, ao entrar no quartinho, seria impensável!
Não eram sacos gigantes de plásticos dos mais diversos. Nem caixas e mais caixas de
tecidos de todo tipo. Muito menos algo que parecesse um mini depósito de materiais
reutilizáveis. Era lixo do mais autêntico. Molhado. Lixo com chorume, amontanhado em
coisas de tempos remotos, talvez até de antes dos anos 1960.
Buldogue, o vizinho, se prontificou a "limpar" o quartinho em troca de um dinheirinho.
Ele subestimou a capacidade humana de criar e reter lixo. Em meio às pazadas que
todos deram ao longo de uma semana de retirada desse material, Buldogue era o mais
empenhado a dissolver aquele acúmulo bestial. A população de roedores migrou pra o
seu quartinho (ao lado de Bega).
O homem é surpreendente com suas criações e ausências delas. O lixo que tanto nos
incomoda (ao ponto de colocarmos para fora de nossas casas quase diariamente), era
posto para dentro daquele quartinho. Por que Bega se misturava ao lixo?
Era um solitário. Um sujeito cabisbaixo, que andava roto, como se tivesse tomado um
banho de ferrugem. Catador no sentido menos profissional da palavra. Cabelos
grudados, como num rasta de sujeiras mil... (parece que não tinha dentes, pela fala...).
Talvez tivesse motivos para o isolamento. Às vezes, gente se mostra esfinge. Viver
como a maioria vive, ter hábitos de higiene e organização é ultraje! Gente que vive
catando reflete num silêncio esquartejado pela chegada do próximo caminhão de lixo.
Buldogue e mais oito homens dispostos terminaram de encher o segundo caminhão de
lixo depois de dois dias. Bega era um catador simples, que saia de noite com um
espaço oco no lugar da barriga, tossindo rouco... Talvez fosse sujo por ser contrário a
uma forma higienizada de ser, algo que ele rejeitasse, sem saber bem porquê.
Não se sabe para onde, de fato, ele foi. Mas ficou o seu legado, o lixo. Da maneira
mais distribuída, esquematizada, a gente também farica a mesma quantidade de
resíduos sólidos ao longo da vida. Bega apenas inverteu o descarte.
LINK: http://deacordocom.blogspot.com.br/2011/07/lixo-de-um-homem-so.html?q=feira
Lixode um homem
Será que enfiamos o pé na jaca ao levantarmos Brasília? A maior parte da
construção da cidade foi feita por nós nordestinos, como sabemos. Será que estamos
sendo castigados? Nós nos equivocamos ao nos firmarmos no Sudeste. Ao darmos
nossos esforços em solo "alheio", desenvolvendo grandes centros como São Paulo,
premeditamos nossa maldição?
"O nordestino sofre hoje maus tratos por causa dessa mania feia de menosprezar suas
riquezas ao realizarem um êxodo inacabável", pode-se dizer. Mas a explicação desse
"menosprezo" pela própria região é medida pela lógica de expulsão da seca. Só que,
enquanto parte de nós dá quase de graça mão de obra na engenharia civil brasileira, o
Nordeste continua construindo, dando poder e dinheiro a outros nordestinos. Os que
ficam. Por que não ficar, desenvolver o que é nosso por herança?
O Sertão nordestino possui um dos mais ricos e diversos ecossistemas, a chamada
Caatinga. Claro que a gente só nota mais quando chove, evento raro na região.
Desamparados, aguentamos pouco nesse castigante clima semiárido. A baixa
umidade é nossa conterrânea, praticamente. O clima deita-se numa faixa que sobe do
Sudeste (torrando os Sertões mineiros de Guimarães Rosa) ao Nordeste, onde o vento
sopra seco. Mas, o resto da região é rica e próspera. Só precisa auto motivar-se.
É mais pelas agressividades que fugimos. A seca chegou, fugimos. A falta de
assistência governamental enraizou, nós fugimos. Seria por essa "covardia" que uma
onda de xenofobia aos nordestinos paira pesada sobre nós? Essa aversão exagerada
(como se nota em qualquer fobia), se desencadeou em fins de eleições de 2010. Uma
estudante deslumbrada saiu tuitando besteira, para ascender midiaticamente.
Esse povo índio, negro e branco, o brasileiro carregador de todos os defeitos e
virtudes dessa miscigenação, é surpreendente em seu sadismo mais do que na sua
responsabilidade social. Com a publicização dessa sujeitinha, os psicopatas tentaram
ganhar espaços midiáticos maiores, principalmente no Twitter.
Nem pensamos em afirmar que isso é assim e pronto. Mas acreditamos que qualquer
aversão excessiva ou pânico de algo ou alguém é uma psicopatologia. Precisa de uma
cura ou paliativo para que não tenhamos mais protótipos da eugenia nazista
ameaçando a paz entre a mesma raça aqui no Brasil. Ninguém precisa ser psiquiatra
para deduzir isso.
Nordestinofóbico – Carecas do Subúrbio e do ABC e White Power. Procurem o
significado dessas facções. Todas são perigosas para os nordestinos. Cada grupo tem
tipos para “massacrar”. Gays, judeus, negros e drogados também fujam!
LINK:
www.deacordocom.blogspot.com.br/2011/01/nordestinofobia.html?q=SERT%C3%83O
nordestinofobia
Somos bem pequenos diante da grandeza de um produtor rural. É ele o
responsável por nosso alimento. Das matas, dos bichos e da vida, ele tira tudo o que
precisa para vivermos. Sem sentimentos ruins, até. Era isso que pensava,
fotografando um evento agroecológico.
Quando entrei no salão do Seminário, que ocorria num convento na cidade de Lagoa
Seca, ouvi-o dizendo "repolho é um pacote de veneno". Lacei a frase no ar e sentei na
frente dele, um “velhinho” com uma barba longa e branquinha. Combatendo o uso de
agrotóxicos, ele continuou. Quem era aquele pequeno ser, frágil até, acuado ali por
mais de 300 pares de olhos, observando sua fala, que abriu meu ouvido com alegria?
João Guimarães. Cearense, mas habitante da Paraíba desde 1951. Vive de folhas,
legumes, frutas e carne de porco "bem cuidada". Ele produz a agroecologia brejeira há
14 anos. para 150 famílias de Campina Grande, que fica a cinco minutinhos de
distância da sua propriedade. A família trabalha com a mesma atividade, plantando
verduras, frutas e legumes. João disse, orgulhoso, que consegue pagar 20 salários
mínimos semanais para todos os parentes ecológicos.
Com o humor típico dos cearenses, ele fez todo mundo rir nas comparações simples,
de homem do campo. E com sua visão naturalista de ser. Agradeceu ao Convento
Ipuarana por ter-lhe dado abrigo e saberes, pelos estudos, às pessoas que deram
roupa, "barbeador, que quebrou um dia desses e eu nunca mais...", brincou,
acariciando a barba, emendada com os cabelos da mesma cor.
Mas João é lindo e sábio! Ficou com uma mata à sua porta, para ele “criar” os bichos
silvestres. "Já criei gato do mato, paca, veado... é uma mata que tem 35 hectares, que
é fechada, que tem uma trilha por dentro, que um dia vou transformar numa alameda
de flores, mas o resto é tudo cipoal. No inverno, a mata fica folhada, é uma festa de
flores. Aí, no Verão, as folhas amadurecem e caem e o solo fica coberto. Aí, o solo
coberto é abrigo para cupins, microorganismos, algas... tudo pra decompor folhas e
virar matéria orgânica. A mata é o roçado de Deus. Tem Bem-te-vi, Canário da Terra..."
Essa fala era de uma primeira tentativa de vídeo-reportagem. Infelizmente, na hora
que ele ia descrever mais as espécies de pássaros e depois de árvores dessa mata, a
bateria a máquina pifou. Depois saímos conversando em direção ao refeitório, onde eu
tinha comido uma deliciosa salada, com arroz, bolinhos de soja... Mas ele esnobou a
maravilhosa comida! Disse que só comia frutas, o dia todo.
"Eu só almoço de noite, quando chego em casa. Mas como muita fruta durante o dia,
bebo muita água. Me sinto bem assim", disse. João é contrário ao hábito de comer
carne. Reflete sobre o dilema: "Se você ama uns (cachorro), porque come outros
(boi)?". Embora adore criar uns porquinhos, vender e comer a carne... mas garante
que é tudo bem limpinho. O problema, para ele, é o excesso.
LINK: www.deacordocom.blogspot.com.br/2010/12/o-homem-agroecologico.html
o homemaroecológico
Sosso até estar enganada, mas me apaixonei por arte na adolescência, através,
principalmente, da comunicação e da arte. Tive sorte de poder ir a uma lanchonete me
refrescar com um picolé e ler as revistas e gibis que quisesse. Na cidade onde nasci
nunca houve muito incentivo às artes e eu achava que era privilegiada de ser colega
dos vendedores de revistas em quadrinhos.
Via o quadrinho Chiclete com Banana e acompanhava os roteiros inacabáveis de
Conan, o Bárbaro. E assim, colando pedaços de memórias com tantinhos de histórias
criei minha primeira e única revista em quadrinhos. A HQ era sobre uma menina
irreverente, mas antenada com a realidade, chamada Lobona (em homenagem a
quem???).
Bastava esse pequeno incentivo diário de leitura, antes e depois da aula, para viver
em companhia dessa personagem. Corria pra casa para rabiscar a heroína em
situações surreais vencedoras de opressão e de desdém humanos. Parte dessa
criatividade ganhava ao ler os quadrinhos na lanchonete.
Ando pelas ruas e esbarro, às vezes, em adolescentes ocos de inspiração, vazios de
conteúdos artísticos e crentes em correntes eletrônicas, como seguidores do vácuo da
ignorância. Eles não tiveram a chance de saber que a arte é o fio condutor da catarse.
Sem as percebermos, sem deixarmo-nos tocar por elas, sem as entendermos,
seremos adultos estúpidos sem o prazer da contemplação. Cegos dessa parte quase
abstrata da vida, os insensíveis se questionam o que é arte. Confundem-na com um
produto descartável, até imitável, mas jamais igualável.
Independente de sermos jovens ou velhos, a arte pode se apresentar na vida. Mas não
são todas as pessoas que entendem uma obra ou um artista. De tão exclusiva, a arte
é elitizada. Por isso encontramos imbecis. Porque eles não tiveram uma cultura
intelecual que os completasse. E muitos não tiveram por opção.
Sim, pois se eu, que nasci pobre, sem muitos estímulos, consegui alcançar num gibi
uma educação, um letramento artístico, qualquer um pode. Tanto que vimos isso
ocorrer diversas vezes ao nosso redor. O indivíduo se encontrar na realidade virtual da
arte, mesmo fazendo parte de uma dura realidade.
Aí eu reformulo a ideia da minha personagem Lobona, de que "tudo é um tédio".
Principalmente por causa da minha intolerância à ignorância pleiteada.
LINK http://deacordocom.blogspot.com.br/2010/03/quadrinhos-neles.html
quadrinhosneles
A personagem que criei tinha um pouco de mim, tinha um pouco dos heróis bonachões que admirava nos HQs raros, que só encontrava em cidades
maiores. Ela aparecia super feminina, mas sempre com o cabelo eletrizado.
O Agreste está recebendo visitantes nesta época do ano. Seres voadores,
cantadores e bem levinhos. Saíram do Alto Sertão paraibano, lugar que é quente e
está cada vez mais desmatado. Vieram viver no Agreste. Procuram a simples
sobrevivência. Acharam água e comida perto da cidade de Fagundes, onde estão
convivendo em paz com outros pássaros. Por que esse êxodo aéreo no Estado?
Pássaros são como nós, humanos. Porque são vivos, procuram um lugar adequado
para viver. Quando o lugar onde nasceram não proporciona comida e habitação, eles
se mudam. E parece que foi isso o que aconteceu no caso das Graúnas Nordestinas,
Casacas de Couro Grande, Lavadeiras de Caras Brancas, Noivinhas e Guriatãs, entre
outras que chegaram ao Agreste. O desequilíbrio ecológico as fez migrarem.
Essa é a tese do ambientalista Aramy Fablício, que nasceu (e conhece bem) na fauna
e flora da região. Isso é legal para nós, admiradores da natureza, apreciadores de
aves. "Mas significa que algo está errado. Ou seja, o habitat natural destas criaturas
certamente está sendo desmatado. Algumas das espécies, eu conheço desde criança
em gaiola, como a Guriatã, ave que se alimenta de frutas, nativa da zona da mata
nordestina. Começou a aparecer por aqui com o desmatamento da mata atlântica”, diz.
“A Noivinha, uma Lavadeira toda branca, é um pouco maior que a Lavadeira
Mascarada, nativa da região", descreve. Ele apresenta a sertaneja, vista cada vez
mais na região, principalmente no Sítio Várzea do Arroz. Ela tem o mesmo
comportamento que a nativa daqui, gosta de ficar nos arbustos, alimenta-se de
mosquitos e vive nas margens das águas. “Tem a Lavadeira de Cara Branca, outra
sertaneja. Antes não existiam esses pássaros por aqui”, diz.
O ambientalista observa que outra ave também está habitando em Fagundes, a
Casaca de Couro Gigante, ave nordestina e sertaneja. "Ela é parecida com a nossa
Casaca de Couro Pequena. A Gigante tem um canto muito alto e faz ninho parecido
com o da Casaca daqui, porém arredondado, de gravetos e espinhos”, explica.
Até um cantor cobiçado foi visto em Fagundes. A Graúna Nordestina, uma das aves
mais caçadas pelos criadores e traficantes (pelo seu canto alto e bonito). "Desde
criança eu observava quando esta ave passava voando alto e cantando ao migrar de
um habitat para outro", relembra Aramy. Ele a viu somente aprisionada em gaiolas
trazidas por traficantes. Hoje, eles estão protegidos na Fazenda Matias, onde tem os
projetos Biqueira Velha e Natureza Livre.
O Azulão Nordestino é hoje a ave símbolo da extinção no Nordeste. Aramy já alertou
as autoridades, através da imprensa, sobre o sumiço do pássaro. A região perdeu
também a Engraxadeira e o Sabiá Branco. O lado bom da migração à Fagundes é que
elas estão se reproduzindo. Como a maioria das propriedades não permite caça e
captura de animais, devido aos projetos ambientais, a tendência é preservação.
Link: http://deacordocom.blogspot.com.br/2011/01/sertanejos-no-
agreste.html?q=SERT%C3%83O
sertanejosno agreste
As imagens de um boi correndo por entre os matos secos e o solo barroso,
perseguido pelo vaqueiro fortemente alaranjado, vestido com gibão e esporas, podem
retratar a violência humana dominando a natureza. Mas retratam também o verdadeiro
esporte nordestino, a Pega de Boi. Criado há muito tempo na Caatinga sertaneja, a
Pega ainda resiste como cultura popular da cidade de Zabelê, no Cariri paraibano.
Imagens desse esporte rústico foram feitas pelo fotojornalista de Campina Grande,
Antônio Ronaldo. Ele teria ido fazer umas fotos das paisagens locais e descobriu o
esporte. “Ao contrário da vaquejada, na qual o boi acaba sendo pego porque não tem
chance de defesa, a Pega do Boi é feita em mato aberto, local onde o animal
consegue, muitas vezes, driblar o vaqueiro”, disse.
Percebendo que se tratava de uma ritualística tradicional e notando a quantidade de
signos que o esporte revela, o fotojornalista fez o ensaio que já foi exposto no Museu
de Artes Assis Chateaubriand e em outros pontos da cidade.
Essa linguagem visual, abordada pelo olhar sensível do profissional, é de fácil
assimilação para qualquer pessoa devido ao apelo. Cercados pelas vegetações
espinhosas ou banhados pelo sol escaldante do Cariri, os vaqueiros ganham força,
resistência e são personagens que despertam a curiosidade. Devido a essa indicação,
a mensagem nas fotos, de que o Cariri possui características da cultura popular como
uma tradicional competição, pode atrair olhares até de pesquisadores.
A linguagem visual vem ganhando cada vez mais espaço principalmente com o
advento das novas tecnologias de produção de textos. Hoje, mais do que antes, a
imagem precisa casar bem com um texto, que já é de formatação eletrônica. E para
que saber disso? Porque somos seres humanos exploradores e descobridores de
novas formas de comunicação. Como bem observou Francisco Edmar Cialdine Arruda:
“Estudar a linguagem, o signo e os sentidos é muito mais do que entender 'significante e
significado' de Saussure. É estar atento às várias maneiras e modos com os quais nos
comunicamos. A fala aliada aos gestos e ao tom de voz, as roupas que usamos, tudo pode
dizer muito mais do que parece porque a linguagem faz usos de várias modalidades semióticas
em maior ou menor grau. Esta é a Teoria da Multimodalidade, base da Semiótica Social. É o
campo de estudo que vem chamando a atenção de muitos pesquisadores, a ponto de hoje
discutirmos a importância do 'letramento visual' para a educação.”
Antônio Ronaldo é formado em Tecnologia Gráfica pelas Escolas Theobaldo de Nigris
e Felício Lanzarra-SP e em Jornalismo pela UEPB. Além de atuar no jornalismo diário
na Paraíba, onde trabalha as temáticas sociais, desenvolve projetos documentais na
área de cultura de tradição oral e ainda produz imagens para publicações voltadas ao
turismo.
BASEADO NO TEXTO:
http://deacordocom.blogspot.com.br/2009/07/fotografia-pegas-
de-boi-e-semiotica-do.html?q=popular
pega de boido cariri
Cassino ldorado,E um dos antigos cabarés da Fe rai
Valdívia Costa
é autora de e-book desde 2012, quando lançou o primeiro de uma série e livros de crônicas inicialmente publicadas no blog De acordo com. O primeiro e-book, Cronicalmente Humana, possui textos de uma década, com perfis de pessoas obsessivamente “negativas”.
Publicou a biografia do empreendedor que trouxe o gás natural para a Paraíba, José Maciel (2011) com a jornalista Ana Cláudia Papes. O De acordo com foi premiado no Top Blog (2009/10/11) como um dos 100 melhores do Brasil.
LEIA O “CRONICALMENTE HUMANA”: www.issu.com/valdacosta/docs/cronicalmente