piano popular

170
5/20/2018 PianoPopular-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/piano-popular 1/170  UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA DEPARTAMENTO DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA JULIANA ROCHA DE FARIA SILVA “ALGUMAS COISAS NÃO DÁ PRA ENSINAR, O ALUNO TEM QUE APRENDER OUVINDO”: A PRÁTICA DOCENTE DE PROFESSORES DE PIANO POPULAR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL  – ESCOLA DE MÚSICA DE BRASÍLIA (CEP/EMB) DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Brasília – DF 2010

Upload: antonio-da-silva-cabral

Post on 11-Oct-2015

327 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA DEPARTAMENTO DE MSICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA

    JULIANA ROCHA DE FARIA SILVA

    ALGUMAS COISAS NO D PRA ENSINAR, O ALUNO TEM QUE APRENDER OUVINDO: A PRTICA DOCENTE DE PROFESSORES DE PIANO POPULAR DO CENTRO DE EDUCAO PROFISSIONAL

    ESCOLA DE MSICA DE BRASLIA (CEP/EMB)

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Braslia DF 2010

  • Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Braslia. Acervo 982825.

    S i l va , Ju l i ana Rocha de Far i a . S586a "Al gumas co i sas no d pra ens i nar , o a l uno t em que aprender ouv i ndo" : a pr t i ca docen te de pro fessores de p i ano popu l ar do Cen t ro de Educao Pro f i ss i ona l - - Esco l a de Ms i ca de Bras l i a (CEP/EMB) / Ju l i ana Rocha de Far i a Si l va . - - 2010 . 168 f . : i l . ; 30 cm.

    Di sser t ao (mes t rado) - Un i vers i dade de Bras l i a , Depar t amen to de Ms i ca , 2010 . I nc l u i b i b l i ogra f i a . Or i en tao : Mar i a Cr i s t i na de Carva l ho Casce l l i de Azevedo .

    1 . Pro f essores - Pr t i ca de ens i no . 2 . Pi ano - Aprend i zagem. 3 . Ms i ca - I ns t ruo e es tudo . I . Azevedo , Mar i a Cr i s t i na de Carva l ho Casce l l i de . I I . T t u l o .

    CDU 78 :37

  • 1

    JULIANA ROCHA DE FARIA SILVA

    ALGUMAS COISAS NO D PRA ENSINAR, O ALUNO TEM QUE APRENDER OUVINDO: A PRTICA DOCENTE DE PROFESSORES DE PIANO POPULAR DO CENTRO DE EDUCAO PROFISSIONAL

    ESCOLA DE MSICA DE BRASLIA (CEP/EMB)

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao "Msica em Contexto" da Universidade de Braslia, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Msica, rea de concentrao Educao Musical.

    Orientadora: Prof Dr Maria Cristina de Carvalho Cascelli de Azevedo

    Braslia DF 2010

  • 2

    JULIANA ROCHA DE FARIA SILVA

    ALGUMAS COISAS NO D PRA ENSINAR, O ALUNO TEM QUE APRENDER OUVINDO: A PRTICA DOCENTE DE PROFESSORES DE PIANO POPULAR

    DO CENTRO DE EDUCAO PROFISSIONAL ESCOLA DE MSICA DE BRASLIA (CEP/EMB)

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Departamento de Msica da Universidade de Braslia, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Msica.

    Data de aprovao: 17/08/2010

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Maria Cristina de Carvalho Cascelli de Azevedo (Orientadora) Universidade de Braslia - UnB

    _____________________________________________

    Profa. Dra. Cristina de Souza Grossi

    Universidade de Braslia UnB

    _____________________________________________

    Profa. Dra. Heloisa Faria Braga Feichas

    Universidade Federal de Minas Gerais UFMG

  • 3

    Em homenagem minha professora de piano popular, Elenice Maranesi, que compartilhou comigo o seu mundo da msica popular, incentivou-me constantemente e investiu seu precioso tempo para o meu progresso no piano popular.

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, que realizou tanto o querer quanto o efetuar deste trabalho conforme o seu poder que opera em mim.

    Prof. Dr. Maria Cristina de Carvalho Cascelli de Azevedo, pela orientao acurada e sensvel, seu amor pesquisa, e amizade conquistada e ampliada dia aps dia.

    Ao Programa de Ps-Graduao em Msica Mestrado da UnB, seus funcionrios, estagirios e professores, em especial aos professores Dr. Cristina de Souza Grossi, Dr. Maria Isabel Montandon e Dr. Lus Makl, pelas importantes colaboraes que proporcionaram em minha formao.

    Aos membros da Banca Examinadora, Prof. Dr. Helosa Faria Braga Feichas e Prof. Dr. Cristina de Souza Grossi, pela acuidade na leitura do texto e consequentes contribuies advindas de suas arguies.

    Ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais REUNI, pelo apoio financeiro que nunca falhou.

    s colegas mestrandas, Eunice, rika, Cludia, Lige e Mnica, pela amizade, alegrias e conhecimentos compartilhados.

    Aos quatro professores de Piano Popular do Ncleo de Msica Popular do Centro Profissional - Escola de Msica de Braslia (CEP/EMB), colegas de profisso que, generosamente, me receberam e me confiaram seus depoimentos.

    direo, funcionrios e coordenadora do Curso de Piano Popular do CEP/ EMB, pelas contribuies a esta pesquisa e apoio incondicional.

    A Gedeo da Silva, meu esposo e amigo, que incentivou, apoiou e vibrou comigo durante todos os momentos desta jornada.

    Maria Jos Cunha Gomes e Simone Maria Abraho Scafuto, pela reviso do texto, feita com talento, carinho e dedicao.

  • 5

    RESUMO

    O presente trabalho investiga como os professores de piano popular organizam e sistematizam os conhecimentos e as habilidades do instrumento em suas prticas docentes, considerando sua formao e atuao como msico e professor. O Curso de Piano Popular do Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Braslia (CEP/EMB) responsvel pela formao bsica e tcnica de pianistas na msica popular h vinte anos. A relevncia desse curso no contexto pedaggico musical de Braslia motivou o desenvolvimento desta pesquisa. O mtodo de pesquisa utilizado foi o estudo de caso com abordagem qualitativa. Participaram da pesquisa trs professores de piano popular do Ncleo de Msica Popular que atuam h mais de 10 anos. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas. As observaes da prtica docente dos trs professores forneceram dados complementares que subsidiaram as entrevistas e permitiram compreender os processos de ensino relatados. Os estudos de Green (2001; 2005; 2006; 2008) sobre as prticas informais de aprendizagem dos msicos populares e a insero dessas prticas na educao musical formal juntamente com os trabalhos de Couto (2008), Maranesi (2007) e Faour (2006) fundamentam a discusso terica dos dados empricos da pesquisa. Os resultados revelam que as prticas informais de aprendizagem e a educao musical formal se complementam na prtica docente dos professores de piano popular. Os conhecimentos e habilidades que os professores sistematizam e organizam em sua prtica docente so orientados por sua concepo sobre msica popular e sua formao como msico e como professor.

    Palavras-chave: Prtica docente, Piano popular, Prticas informais de aprendizagem, Educao musical formal

  • 6

    ABSTRACT

    This paper investigates how popular piano teachers organize and systematize their knowledge and skills of the instrument in their teaching practices, considering his formation and work as a musician and teacher. The Course of Popular Piano at Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Brasilia (CEP/EMB) is responsible for basic training and technique pianists in popular music for twenty years. The relevance of this course in the teaching music context in Brasilia motivated the development of this research. The research method used was case study with a qualitative approach. Participated in the survey three popular piano teachers at the Ncleo de Msica Popular (NuMP) which work for over 10 years. Data collection was conducted through interviews. Observations of teaching practice of three teachers provided additional data that supported the interviews and allowed us to understand the processes of education reported. The studies of Green (2001; 2005; 2006; 2008) on informal learning practices of popular musicians and embedding these practices in formal music education along with the works of Couto (2008), Maranesi (2007) and Faour (2006) based theoretical discussion of the empirical research. The results show that the practices of informal learning and formal musical education complement each other in teaching practice popular piano teacher. The knowledge and skills that teachers systematize and organize their teaching practice are guided by his views on popular music and his training as a musician and teacher.

    Keywords: Teaching practice, Popular piano, Informal learning practices, Formal music education

  • 7

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1 All mine/ verso para piano solo (msica de Francis Hime) ..................... 82 Figura 2 Mojave/ verso para piano solo (msica de Tom Jobim e arranjo de Almir

    Deodato) ........................................................................................................... 112 Figura 3 O barquinho/ verso de melodia e cifra (msica de Roberto Menescal) 127 Figura 4 Yesterday/ verso melodia e cifra (John Lenon e Paul McCartney) ....... 131

  • 8

    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1 - Caractersticas das prticas informais de aprendizagem e da educao musical formal ..................................................................................................... 33

    Tabela 2 - Estgios do projeto pedaggico de Green (2008) .................................... 35 Tabela 3 - Instrumentos de coleta de dados e especificaes de tipos .................... 59 Tabela 4 - Professores de piano popular: formao acadmica superior e anos no

    NuMP .................................................................................................................. 61 Tabela 5 - Instrumentos de coleta de dados e especificaes da coleta .................. 62 Tabela 6 - Entrevistas e observaes da professora Elis .......................................... 63 Tabela 7 - Entrevistas e observaes do professor Csar ........................................ 64 Tabela 8 - Entrevistas e observaes da professora Nara ........................................ 64

  • 9

    SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 12 1.1 As pesquisas sobre o ensino e aprendizagem do piano .................................. 21 1.2 O piano popular nas pesquisas nacionais ........................................................ 23 1.3 A estrutura da dissertao ............................................................................... 27

    2 MSICA POPULAR: ENTRE CONCEITOS E PRTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM ..................................................................................................... 28

    2.1 Msica Popular: um termo e muitos sentidos .................................................. 28 2.2 Insero da msica popular na educao musical formal ................................ 31 2.3 Aprendizagens conscientes e inconscientes .................................................... 39

    3 CONHECIMENTOS E HABILIDADES DOS MSICOS POPULARES: CONTRIBUIES PARA A EDUCAO MUSICAL FORMAL .............................. 41

    3.1 Tocar ................................................................................................................ 42 3.2 Aprendizagem em grupo .................................................................................. 43 3.3 Compor/ improvisar .......................................................................................... 44 3.4 Ouvir e copiar ................................................................................................... 45 3.5 Leitura e escrita musicais ................................................................................. 50

    3 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................... 51

    3.1 As pesquisas qualitativas na rea da Educao Musical ................................. 51 3.2 O estudo de caso como mtodo de investigao ............................................. 54 3.3 Instrumentos de coleta de dados ..................................................................... 57 3.4 Os sujeitos da pesquisa ................................................................................... 60 3.5 Processos da coleta de dados ......................................................................... 61 3.6 Processos de anlise dos dados...................................................................... 65

    4 O PROFESSOR DE PIANO POPULAR TEM QUE SER PIANISTA: A PRTICA DOCENTE DE ELIS .................................................................................................. 67

    4.1 Aprender sozinha: a formao musical de Elis ................................................ 68 4.2 A relao da pianista popular e da professora de Piano Popular .................... 75 4.3 Atuao docente no Ncleo de Msica Popular (NuMP) do CEP/ EMB .......... 78

    4.3.1 Leitura ............................................................................................... 81 4.3.2 Composio/ Improvisao ............................................................... 81 4.3.3 Tirar de ouvido .................................................................................. 86 4.3.4 Imitao ............................................................................................ 87 4.3.5 Aprendizagem em grupo ................................................................... 87

  • 10

    5 [...] EU ACHO QUE VOC VAI DESENVOLVENDO ESTRATGIAS NA PRTICA, NO TEM MUITA SISTEMATIZAO DISSO. PELO MENOS EU NO CONHEO NADA MAIS SISTEMATIZADO VOLTADO PARA O PIANO POPULAR: A PRTICA DOCENTE DE CSAR ................................................... 89

    5.1 Aprender na aula e fora da sala de aula: a formao musical de Csar .......... 90 5.2 Aprender na prtica: formao docente de Csar............................................ 94 5.3 O ser msico popular ..................................................................................... 96 5.4 O encontro entre o msico e o professor: a prtica docente de Csar ............ 98

    5.4.1 Estilos/ gneros .............................................................................. 104 5.4.2 Leitura ............................................................................................. 104 5.4.3 Composio/ Improvisao ............................................................. 108 5.4.4 Acordes e encadeamentos ............................................................. 109 5.4.5 Swing .............................................................................................. 110 5.4.6 Dedilhado ........................................................................................ 113

    6 O PIANO POPULAR ABRE ESTA BRECHA PRA VOC ENTENDER MELHOR TUDO O QUE EST ACONTECENDO DENTRO DE UM CONTEXTO MUSICAL: A PRTICA DOCENTE DE NARA ......................................................................... 115

    6.1 A minha formao foi sempre tocando msica erudita com vontade de tocar msica popular: formao musical e docente de Nara ....................................... 116 6.2 A atuao profissional de Nara ...................................................................... 118 6.3 A atuao docente no Ncleo de Msica Popular (NuMP) ............................ 120

    6.3.1 Aquecimento ................................................................................... 123 6.3.2 Escalas, acordes e transposio .................................................... 124 6.3.3 Dedilhado ........................................................................................ 127 6.3.4 Leitura ............................................................................................. 128 6.3.5 Acordes e encadeamentos ............................................................. 129 6.3.6 Composio/ Improvisao ............................................................. 130 6.3.7 Interpretao ................................................................................... 132 6.3.8 Swing .............................................................................................. 133 6.3.9 Aprendizagem em grupo ................................................................. 134

    7 TRANSVERSALIZAO DOS DADOS .............................................................. 135 8 CONCLUSO ...................................................................................................... 139 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 144

  • 11

    ANEXOS ................................................................................................................. 153

    ANEXO A Programa do Curso Bsico de Piano Popular do Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Braslia (CEP/ EMB) ....................................... 153 ANEXO B - Competncias, habilidades e bases tecnolgicas do curso Formao Inicial do Piano Popular ........................................................................................... 155 ANEXO C - Curso Instrumental de Piano Popular - Matriz Curricular ..................... 157 APNDICES ........................................................................................................... 159 APNDICE A - Roteiro de entrevista ...................................................................... 159 APNDICE B - Mapas Mentais .............................................................................. 161 APNDICE C Categorias de anlise dos dados .................................................. 165 APNDICE D - Carta ao diretor do Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Braslia (CEP/ EMB) ............................................................................... 167 APNDICE E Termo de consentimento ............................................................... 168

  • 12

    1 INTRODUO

    At recentemente, a presena da msica popular na sala de aula ficou restrita a uma mudana de contedo curricular. O desenvolvimento desse novo contedo, que se concentrou principalmente na msica em si - o produto - no conseguiu, em grande parte, perceber a processos pelos quais esse produto transmitido em todo o mundo fora da escola. [...] Se as prticas autnticas de produo e transmisso [da msica popular] esto ausentes do currculo, e se no formos capazes de incorpor-las em nossas estratgias de ensino, estaremos lidando com uma simulao, ou um fantasma da msica popular na sala de aula, e no a coisa em si (GREEN, 2006, p. 107, traduo nossa).

    A entrada da msica popular nos currculos de msica das escolas, na arena internacional ou nacional, no recente. A msica popular e seus processos de ensino e aprendizagem um tema que vem crescendo desde a dcada de 80 entre pesquisadores no exterior e no Brasil. A conscientizao dos processos de ensino e aprendizagem da msica popular como o jazz, por exemplo, comeou nos USA na dcada de 60 e, depois, no fim do sculo, em diversos pases. A entrada desses processos de ensino e aprendizagem no ensino formal ocorreu principalmente nas universidades e desencadeou a produo de pesquisas pedaggicas e musicolgicas na rea da msica popular. Segundo Green (2001) a msica popular primeiramente alcanou o apoio dos educadores no final da dcada de 60 e o desenvolvimento de novos materiais curriculares e das estratgias de ensino fez com que ela se fortalecesse em muitos pases durante a dcada de 80. Os processos de ensino e aprendizagem da msica popular, a maneira como os professores falam sobre suas prticas docentes e as prticas musicais de msicos e alunos so relevantes para se discutir o ensino da msica popular nas instituies de ensino formal de msica. Conhecer esses processos tm contribudo, tanto para o ensino de msica em geral, quanto para a implantao do seu ensino nos ambientes formais. Green (2001; 2006), por exemplo, afirma haver caractersticas comuns no processo de aprendizagem da msica popular. Essas caractersticas envolvem conhecer como os msicos populares em geral aprendem, assim como as atitudes e os valores implcitos na relao desses com o aprendizado do repertrio popular. Ela sustenta que o ensino e aprendizagem da msica popular desenvolvido, primeiramente, ou quase exclusivamente, nas prticas infomais de aprendizagem

  • 13

    para depois ser incorporado educao musical formal. Essas prticas so estudadas e detalhadas em uma pesquisa que resultou no livro How Popular Musicians Learn (GREEN, 2001). Sua pesquisa tem como objetivo geral examinar a natureza das prticas informais de aprendizagem musical e os valores e as atitudes que acompanham essas prticas. Foi objetivo secundrio de Green (2001) conhecer as experincias formais de aprendizagem dos msicos populares nos ltimos 40 anos, bem como de que forma as mudanas nos currculos1 das escolas inglesas, nesse perodo, afetam o ensino formal de msica. Nesse sentido, a autora busca explorar que contribuies os conhecimentos, as habilidades e as prticas informais oferecem educao musical formal. Para isso, sua pesquisa envolveu entrevistas com quatorze msicos populares ingleses, de idades entre 15 a 50 anos2. As prticas informais de aprendizagem nas pesquisas de Green (2000; 2001; 2005; 2006), emergem dos relatos de msicos populares de bandas de rock da Inglaterra. De acordo com esses relatos, essas prticas de aprendizagem envolvem: 1) a escolha da msica (em geral, a msica escolhida para estudo ou objeto de estudo a msica deles ou aquela com a qual eles se identificam e esto familiarizados); 2) a cpia de gravaes de ouvido sem a orientao de um professor ou a presena de uma partitura com notao tradicional ou de melodia e cifras; 3) o autodidatismo ou a autoaprendizagem; 4) a aprendizagem em grupo, entre os amigos no ensaio de uma banda, por exemplo, envolvendo a discusso, a ateno, a escuta e a imitao entre os pares; e 5) a assimilao de habilidades e conhecimentos, s vezes de forma inconsciente, que iro caracterizar uma performance pessoal.

    Green (2005; 2008) utiliza o termo prticas informais de ensino e aprendizagem musical para identificar uma variedade de abordagens que

    1 Em Londres e arredores, contextos da pesquisa de Green (2001), a msica popular entrou

    gradualmente nos currculos e se modelou educao formal nas escolas regulares, no ensino superior, no ensino de instrumento e nos conservatrios. 2 Os critrios da escolha dos msicos da pesquisa de Green (2001, p. 9) foram: 1) os msicos no

    deveriam ser amigos ou familiares da pesquisadora antes das entrevistas; 2) eles deveriam ter frequentado escolas na Inglaterra; 3) os msicos mais velhos deveriam ser msicos profissionais ou semiprofissionais e os mais novos deveriam tocar em uma banda profissional ou caso contrrio, estar prestes a comear a tocar em uma banda; 4) eles deveriam estar envolvidos em msica Pop Anglo-Americana guitar-based ou Rock. Os participantes de sua pesquisa so divididos em dois grupos. No primeiro, se concentraram os jovens msicos com pouca experincia na msica popular que estavam no comeo de seus processos de aprendizagem. No segundo, a pesquisadora seleciona msicos experientes e j engajados na profisso h muito tempo.

  • 14

    possibilitam a aquisio de competncias e habilidades musicais fora dos contextos formais de ensino. Para identificar as prticas formais de ensino e aprendizagem musical, a pesquisadora utiliza o termo educao musical formal que compreende as prticas de professores de msica na aula de msica ou de instrumentos para ensinar, treinar e educar, e as experincias de aprendizagem dos alunos que so ensinados, treinados e educados no cenrio educacional formal.

    Com relao s prticas informais de aprendizagem musical, Green as reconhece como um conjunto de prticas e no de mtodos porque embora o conceito de mtodos sugira envolvimento consciente, orientado e dirigido a objetivos, o de prticas" deixa em aberto o grau do envolvimento consciente, orientado e dirigido a objetivos (GREEN, 2001, p. 16, traduo nossa). O emprego do termo prticas est relacionado distino que Green (2001) faz entre aprendizagens conscientes e inconscientes, intencionais e no intencionais. Essas prticas incluem: 1) as experincias de aprendizagem por meio da enculturao3 que podem ocorrer em um ambiente musical, na interao com outras pessoas como amigos, parceiros de banda, familiares e outros msicos que no atuam como professores; e 2) o desenvolvimento de mtodos de aprendizagem independentes, por meio de tcnicas de auto-aprendizagem. No Brasil, estudos sobre as prticas informais tm encontrado caractersticas semelhantes s de Green (2001). Dentre esses estudos, se destacam as prticas informais de aprendizagem de adolescentes e jovens em espaos escolares e extraescolares (CORRA, 2009; VILELA, 2009; MARQUES, 2006; WILLE, 2003), a aprendizagem musical no seio familiar e entre amigos (GOMES, 2005); s prticas musicais de msicos populares profissionais (LACORTE, 2006), de estudantes de curso superior de msica (FEICHAS, 2006) e de msicos de rua (GOMES, 1988).

    Poucas pesquisas tm trazido as prticas informais de aprendizagem que acompanham a produo, o consumo e a distribuio da msica popular para a educao musical formal. Nesse sentido, pode-se afirmar, conforme Green (1997; 2001), que a msica popular tem sido ensinada nos contextos musicais formais de ensino e aprendizagem nos mesmos moldes da msica clssica ocidental. Essas pesquisas tratam da convergncia das prticas informais da msica popular na educao musical formal e tm sido um tema de amplo debate na atualidade 3 Green (2001) entende a enculturao musical como aquisio de habilidades e conhecimentos

    musicais pela imerso diria na msica e nas prticas musicais de determinado contexto musical

  • 15

    conforme destacam os trabalhos de Green (2000; 2001; 2005; 2006; 2008); Vilela (2009); Gomes (2008); Maranesi (2007); Faour (2006); Feichas (2006); Lacorte (2006); Guedes (2004) e Wille (2003).

    A inter-relao entre a educao musical formal e as prticas informais de aprendizagem dos msicos populares envolve no s conhecer quais os conhecimentos e habilidades que esses msicos adquirem nas prticas informais, mas tambm saber como os professores de msica popular atuam na promoo dessas prticas. Dessa maneira, estudar a convergncia das prticas informais na educao formal deve considerar tambm a discusso da atuao docente dos profissionais da msica popular (COUTO, 2008), considerando sua experincia como msico e aprendiz.

    Ser professor de msica envolve saberes especficos que esto presentes tanto na formao musical e docente quanto na experincia profissional. Para Hentschke, Azevedo e Arajo (2006), estudar os conhecimentos do professor de msica um meio de validar seus saberes sobre a sua prtica pedaggico-musical. Para as autoras, necessrio desenvolver pesquisas baseadas nos saberes docentes que observem:

    1) os saberes profissionais especficos do professor de msica; 2) o estudo das fontes sociais de aquisio desses saberes; 3) o significado da experincia e da temporalidade no desenvolvimento da carreira profissional docente; 4) as diferentes especialidades da profisso de professor de msica; 5) as lacunas e a falta de articulao entre a formao docente e a atuao profissional do msico (HENTSCHKE; AZEVEDO; ARAJO, 2006, p. 15).

    Nesse sentido, algumas pesquisadoras se debruaram em estudar os professores de instrumento e temticas relacionadas sua reflexo sobre a prpria atuao pedaggica (SCARAMBONE, 2009); ao perfil de formao e atuao docente (OLIVEIRA, 2007); aos saberes docentes que eles mobilizam em sua prtica docente em diferentes etapas de suas carreiras profissionais; as fontes sociais de aquisio dos seus conhecimentos (ARAJO, 2005); a trajetria profissional (SILVA, 2005; BOZZETTO, 2004); as aes pedaggicas (COUTO, 2008; NIRI, 2003); e, aos saberes e competncias que norteiam a atividade docente no ensino da msica popular (REQUIO, 2002).

    A necessidade de conhecer a prtica docente de msicos populares e a convergncia das prticas informais de ensino e aprendizagem na educao musical

  • 16

    formal se estende s escolas de msica. No cenrio musical de Braslia, no contexto do Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Braslia (CEP/EMB)4, a insero de msicos populares no quadro docente da instituio incita a reflexo sobre a forma como a prtica docente desses professores est sendo organizada e sistematizada.

    Na minha experincia como aluna e professora de piano popular nessa escola, percebo que h uma tenso entre as prticas informais de aprendizagem e a educao musical formal. Na educao formal, por exemplo, as prticas musicais no contemplam a msica popular da forma como ela produzida, distribuda e consumida. A tenso entre esses dois processos de ensino e aprendizagem musical est relacionada com as prticas musicais que envolvem, principalmente, os conhecimentos e as habilidades da leitura e grafia musicais; de tocar, compor, improvisar e ouvir; e, o repertrio exigido pelo currculo da escola ou aquele que interessa ao aluno. No CEP/EMB, a educao musical formal valoriza os conhecimentos e habilidades destacados por Green (2001) como caracterstico das instituies tradicionais de ensino e aprendizagem musical. De modo geral, esses conhecimentos e habilidades privilegiam: 1) a histria da msica e seus estilos; 2) as tcnicas de execuo e interpretao; 3) os mtodos de ensino e aprendizagem e 4) o repertrio pianstico. Uszler, Gordon e Mach (1991) se preocuparam em agrupar os processos de ensino e as habilidades relacionadas ao aprendizado do piano na educao musical formal classificando-os em diferentes faixas etrias e fases do 4 O Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Braslia (CEP/EMB) situa-se no Plano

    Piloto, Asa Sul - Via L2 Sul, Quadra 602, Mdulo D. Atende a populao do Distrito Federal e da Regio do Entorno. Seu prdio, contruido em 1974, possui 71 laboratrios de ensino, 9 salas de ambientes administrativos, sala de Direo, secretarias e 6 espaos complementares (Biblioteca, Instrumentoteca, Musicoteca, Multimeios, Auditrio da Superviso de Regncia e Teatro. O projeto poltico-pedaggico do CEP/EMB se fundamenta na legislao brasileira para a educao profissional: Constituio Federal (captulo da Educao); Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9394/1996) e Lei 11.741/2008. Apesar da caracterstica profissional da escola, essa instituio responsvel pela formao de msicos, especialmente, de orquestras e concertistas desde 1963, quando iniciou suas atividades. Inicialmente, a Escola de Msica de Braslia ofereceu o ensino do violino, viola, violoncello, contrabaixo, flauta transversal, flauta doce, obo, clarinete, trompa, fagote, trompete, trombone e tuba, alm de manter uma orquestra sinfnica, constituda de professores e alunos, e o coral Madrigal de Braslia. Nos anos que se seguem, a oferta de cursos foi ampliada, abrangendo reas de msica popular, percusso, informtica, msica de cmara e msica contempornea. So oferecidos cursos na modalidade de Educao Profissional de Nvel Bsico e Habilitao de Tcnico de Nvel Mdio. So 36 habilitaes profissionais de nvel tcnico, sendo que 31 habilitaes so para msicos instrumentistas; 2 so para msicos cantores e 2 para tcnicos em Musicografia Digital e udio/Gravao e em Musicografia Braille. A estrutura curricular dos cursos organizada em forma de mdulos semestrais (informaes retiradas do site do CEP/EMB: ).

  • 17

    aluno iniciante ao avanado. Esses autores destacam os seguintes conhecimentos e habilidades: 1) a leitura musical; 2) os padres ritmicos dos estilos da msica erudita ocidental; 3) o dedilhado e a articulao legato e no legato; 4) os conceitos tericos e prticos dos intervalos; das escalas, das tonalidades, da armadura de clave, da transposio; da harmonia, da criao e da improvisao; 5) o repertrio com duas vozes independentes e com ornamentos como mordentes e trillos; 6) as melodias com acompanhamento; 7) as variedades de velocidades, dinmicas e texturas; 8) os contrastes de toques e dinmicas entre as mos; e 9) a leitura primeira vista de repertrio e acompanhamentos. De modo geral, os autores acima ressaltam habilidades e conhecimentos comuns educao muiscal formal no instrumento a tcnica e a interpretao, o repertrio e os estilos da msica erudita ocidental e os conhecimentos tericos.

    Com relao ao ensino e aprendizagem da msica popular, o CEP/EMB desenvolve h cerca de 20 anos o Curso de Piano Popular. O meu primeiro contato com o Piano Popular5 no CEP/EMB ocorreu por ocasio de contrato temporrio como professora de Piano Suplementar, disciplina subordinada coordenao do Piano Popular. Nessa atividade, percebi a necessidade de buscar formao especfica no piano popular nos cursos de Reciclagem de Professores (RP). Nesse curso, tive a oportunidade de desenvolver conhecimentos e habilidades distintos da minha experincia anterior no piano erudito no mbito da educao musical formal.

    Esses conhecimentos e habilidades da msica popular e da educao formal so comparados por Arroyo (2001) e Bortz (2005). Ao comparar as prticas de ensino e aprendizagem da msica ocidental europia com as da msica popular, Arroyo (2001) destaca que ambas adotam princpios de oralidade, mas, na msica erudita, o seu ensino na escrita e leitura musicais central, enquanto que, na msica popular, os procedimentos da oralidade so mais importantes e o domnio dos cdigos musicais no imprescindvel ao seu fazer musical. Bortz (2005), por sua vez, destaca habilidades e objetivos divergentes na improvisao, por exemplo. Em suas palavras:

    enquanto os estudantes de jazz transpem padres meldicos de memria para todas as tonalidades e, desta forma, desenvolvem a compreenso e o controle do sistema no qual iro supostamente improvisar os instrumentistas

    5 O termo piano popular aparecer com letras maisculas sempre que se referir ao Curso de Piano

    Popular do CEP/EMB e caracterizar uma rea de conhecimentos especficos. Em outras situaes, vir em letras minsculas.

  • 18

    de formao erudita do sculo XXI, especialmente os orquestrais, cuja educao deixou no passado (exceto em escolas que mantm a tradio da chamada msica antiga) quase toda a tradio da improvisao e se debruou veementemente sobre a 'correta' interpretao da partitura, estudam escalas com exclusivo propsito tcnico, repertrio e trechos orquestrais de dois compassos repetidamente (BORTZ, 2005, p. 85).

    Considerando as diferenas apontadas para a aprendizagem do repertrio erudito e do popular, dentre os conhecimentos e habilidades do piano popular, me chamaram a ateno: os conhecimentos musicais relativos leitura - tanto de notao convencional quanto de cifragem; a execuo pianstica do swing relacionado aos estilos da msica popular brasileira e do jazz; o domnio das regras e a absoro de clichs para a improvisao e para a elaborao de arranjos nos estilos especificados no currculo; a compreenso do swing nos padres rtmicos dos estilos; o conhecimento da harmonia funcional presentes nas progresses harmnicas, nos encadeamentos e a anlise das funes harmnicas; a utilizao das ferramentas composicionais necessrias improvisao e elaborao de arranjos; e a audio de performances e o tirar de ouvido como subsdio da leitura de partituras cifradas e da interpretao dos estilos. A caracterstica mais marcante do ensino e aprendizagem do piano popular foram as prticas aurais no desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades para a performance da msica popular.

    Alguns pesquisadores, cujas discusses situam-se no campo da performance do piano popular, reconhecem tambm habilidades e conhecimentos que caracterizam a prtica instrumental na msica popular. Muitos deles concordam que h uma nfase na aprendizagem aural presente no processo do tirar de ouvido, na cpia de gravaes, na imitao, na improvisao ou na transcrio de gravaes (GOMES, 2008; MARANESI, 2007; FAOUR, 2006). Estas prticas aurais foram preponderantes na poca em que a msica popular indita era tirada de ouvido das rdios. Nesse contexto, de praxe que os msicos de bailes toquem a cpia do arranjo original dessas msicas, atividade que se ampliou nos dias atuais com a expanso da indstria fonogrfica, as inovaes tecnolgicas e a internet6.

    Os pesquisadores do campo da msica popular reconhecem as limitaes da notao musical convencional para representar todos os elementos necessrios performance da msica popular (COUTO, 2008; MARANESI, 2007; FAOUR, 2007; 6 Informao obtida na primeira entrevista piloto desta pesquisa, realizada com o pianista popular

    Leandro Braga.

  • 19

    GUEDES, 2004; NILSON, 2005). Maranesi (2007), por exemplo, enumera algumas condies relacionadas ao ouvir e leitura musicais que tendem a aprofundar as habilidades relacionadas com a decodificao dos smbolos de uma escrita especfica (ibid., p. 7), tais como: o desenvolvimento de hbitos de escuta, o exerccio da percepo harmnica e a prtica da leitura e da interpretao do estilo. Para ela, essas habilidades valem tanto para a aprendizagem da msica popular quanto para outras reas da performance musical. Os conhecimentos e habilidades do piano popular desenvolvidos nos cursos de RP, apontados pela literatura e trabalhados com os alunos pelos professores do CEP/EMB, so tambm organizados na proposta curricular do curso7. Tais conhecimentos e habilidades do Curso Bsico de Piano Popular (Anexos A e B) destacam: 1) a harmonizao popular escalas, acordes e encadeamentos; 2) o repertrio popular em notao tradicional e em notao cifrada; 3) a interpretao e a improvisao no piano popular; 4) os estilos e ritmos populares como a bossa nova e o jazz; 5) a leitura primeira vista; 6) a transposio e 6) o acompanhamento instrumental e vocal. Atualmente, na coordenao do Piano Popular trabalham sete professores com diferentes experincias como docentes e msicos. O tempo de atuao desses professores no Curso de Piano Popular do CEP/EMB tambm varia entre vinte anos e um ano.

    No meu contato e experincia profissional nesse curso, tenho observado que, apesar das habilidades e conhecimentos expressos no programa curricular, os professores e professoras tm processos de ensino e aprendizagem que apresentam particularidades, que os diferenciam e lhe do identidade profissional. Nesse sentido, considerando minha prpria experincia no CEP/EMB e as caractersticas dos processos de ensino e aprendizagem das prticas informais de aprendizagem e da educao musical formal, comecei a questionar sobre quais as

    7 O Curso de Piano Popular situa-se no Ncleo de Msica Popular (NuMP) que foi implantado durante

    a gesto do Professor Carlos Galvo de 1985 a 1987. O registro de aulas de piano popular mais antigo encontrado no banco de dados digitais do Ncleo de Informtica Aplicada (NIA) de 1990. O Curso de Piano Popular est dividido em: Formao Inicial e Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio. A Formao Inicial I dividida em seis semestres, ou seja, o aluno estuda esse instrumento do nvel B1 ao B6. A Educao Profissional Tcnica de Nvel Mdio compreende 8 semestres: do T1 ao T8 - alm de outras disciplinas tericas e prticas. O programa, as competncias e habilidades e a matriz curricular da Formao Inicial do Piano Popular (Anexos A, B e C) foram reformulados neste 1 semestre de 2010 e a matriz bem como o programa de curso tcnico de nvel mdio ainda esto em reformulao.

  • 20

    prticas musicais que caracterizam a performance dos pianistas populares; como essas prticas so ensinadas e aprendidas no ensino do piano popular; se existe um consenso sobre o ensino e aprendizagem dessas prticas musicais entre os professores de piano popular do CEP/EMB; como esses professores organizam e sistematizam seus processos de ensino e aprendizagem e qual a formao e atuao desses professores. Essas questes me levaram a estudar as caractersticas do ensino e da aprendizagem do piano popular sob o ponto de vista dos seus professores. Dessa maneira, as questes que orientaram esta pesquisa foram: quais so as habilidades e conhecimentos que os professores de piano popular consideram relevantes nas suas aulas? Qual a formao e atuao dos professores como docente e msico? Quais processos de ensino e aprendizagem das prticas informais da msica popular e da educao musical formal eles utilizam em sua prtica docente? Diante de tais questionamentos, o objetivo geral desta pesquisa compreender como os professores de piano popular do CEP/EMB organizam e sistematizam os conhecimentos e habilidades do piano popular na sua prtica docente. E os objetivos especficos so:

    1. Conhecer a formao e atuao - musical e docente - dos professores de piano popular;

    2. Investigar que conhecimentos e habilidades os professores consideram relevantes para o ensino e aprendizagem do piano popular;

    3. Investigar quais os processos de ensino e aprendizagem musical das prticas informais da msica popular e da educao musical formal os professores utilizam na sua prtica docente. A importncia de trabalhos que pesquisem as prticas informais de

    aprendizagem empregadas pelos msicos populares, para Green (2006), porque os mesmos permitem que a msica popular ensinada nos contextos formais no seja mera verso acadmica, destituda das suas prprias maneiras de criao, mas que se parea com a msica popular verdadeira produzida no mundo real. Essa autora ressalta a falta de estudos que contemplem as prticas de aprendizagem informal dos msicos populares, bem como as atitudes e os valores desses msicos e suas influncias nos processos de aprendizagem fora da escola.

  • 21

    A relevncia deste trabalho est relacionada tambm necessidade de estudos sobre a pedagogia do instrumento na rea do ensino da msica popular, seus profissionais e prticas pedaggico-musicais. Para Couto (2008), importante que a universidade promova pesquisas que atendam pedagogia da msica popular de forma que determinadas prticas de aprendizagem que ainda permanecem s margens do ensino informal de msica sejam legitimadas.

    Outro aspecto importante que corrobora para o desenvolvimento desta pesquisa a carncia da formao de profissionais que atuem no ensino e aprendizagem do instrumento. Nessa direo, Silva (2005), ao refletir sobre a formao dos profissionais em msica, destaca a falta de disciplinas nos cursos de bacharelado e licenciatura direcionadas formao didtico-pedaggica do professor de instrumento, bem como, a necessidade de desenvolver pesquisas que tratem de questes metodolgicas do ensino do piano.

    Esta pesquisa, ao discutir questes de ensino e aprendizagem do piano popular, mapear os conhecimentos e habilidades que fazem parte das prticas da msica popular no contexto do CEP/EMB e que podem contribuir em muito para a sistemao e organizao do ensino da msica popular.

    1.1 AS PESQUISAS SOBRE O ENSINO E APRENDIZAGEM DO PIANO

    No Brasil, as pesquisas sobre o ensino e aprendizagem do piano esto sendo discutidas na rea da performance, da Educao Musical e da cognio musical. As publicaes cientficas publicadas nos Anais dos Congressos da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica (ANPPOM), da Associao Brasileira de Educao Musical (ABEM) e do Simpsio de Cognio e Artes Musicais (SIMCAM) enfatizam pesquisas e estudos relacionados com: anlise terico-musical e estilstica; interpretao e emoo; processos de ensino e aprendizagem; tcnica pianstica e repertrio. De modo geral, predomina o foco no ensino do piano erudito no mbito da educao musical formal. Alm dos temas desenvolvidos nos estudos revelarem a predominncia de trabalhos que investigam a configurao de saberes do piano na educao musical

  • 22

    formal8, algumas pesquisas destacam novas abordagens no processo de ensino e aprendizagem como: a utilizao de sites que permitem que seus usurios carreguem e compartilhem vdeos em formato digital como recurso didtico para as aulas (OLIVEIRA, 2008); o ensino do piano em grupo como disciplina de apoio para o aprendizado da pedagogia do piano e de aspectos tcnicos, tericos e estticos-estruturais, bem como as habilidades e conhecimentos nesse contexto de aprendizagem (CORVISIER, 2008; VIEIRA, 2008; TANAKA, 2006; MONTANDON, 2004); os aspectos da relao professor-aluno que motivam e desmotivam o aluno de piano a estudar (GLASER; OLIVEIRA, 2008); a perspectiva psicolgica da explorao no piano de crianas de 2 a 4 (FREIRE; FREIRE, 2006); a anlise comparativa entre mtodos de iniciao ao piano (GURGEL, 2006); a leitura e escrita musicais (FURLAN E FONTERRADA, 2007; BOTELHO, 2005); o processo de audio na leitura da notao (CHUEKE, 2005); a literatura pianstica do sculo XX para o ensino do piano nos nveis bsico e intermedirio (BARANCOSKI, 2004); o desenvolvimento da compreenso musical de alunos bacharis em piano (FRANA; PINTO, 2003); o repertrio nas aulas de piano baseado em msicas do celular (BOZZETTO, 2003); os recursos tecnolgicos (KREGER; GERLING; HENTSCHE, 1999); a escolha de repertrio (BOZZETTO, 2003); a iniciao ao piano por meio do corpo, da improvisao e da composio (SANTIAGO, 2006); o uso do corpo para a expresso pianstica (MARTINS, 2005), a anlise do contedo dos programas de curso (GLASER, 2005) e a mobilizao dos conhecimentos musicais na preparao do repertrio (SANTOS, 2005). No campo da cognio e msica, interessam atuao do performer porque contribuem para a sua formao continuada. Assim, as pesquisas tm abordado principalmente temtivas relacionadas com as questes conceituais da perfomance, a reviso da literatura, a anlise estilstica e tcnica, os processos de interpretao do repertrio e os aspectos corporais, psicolgicos e neurolgicos do performer voltado para a msica erudita (RAY, 2007). Todas essas pesquisas so importantes para a rea da Educao Musical e do ensino e aprendizagem do piano porque servem como suporte para um processo de educao musical bem fundamentado e bem orientado (CAMPOS, 2007, p. 114). 8 Ver artigo: SILVA, Juliana R. F. e AZEVEDO, Maria Cristina de C. de C. As pesquisas sobre o piano

    nos quatro ltimos congressos da ANPPOM. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 20, Curitiba, 2009. Anais. Curitiba, ANPPOM: 2009. 1 CD-ROM.

  • 23

    No Brasil, as pesquisas sobre a performance no piano, na rea da cognio, de modo geral, visam compreender como o instrumentista aprende e interpreta o seu repertrio, as suas emoes no momento da performance, o preparo do recital, o desenvolvimento de suas habilidades e os processos utilizados para aprender. Nesse sentido, os temas abordam a comunicao da expresso de alunos de graduao e ps-graduao de uma pea de pequeno porte, bem como aspectos do intrprete, da percepo da audincia e da estrutura musical (GERLING; SANTOS, 2007); a anlise do rubato em diferentes gravaes de uma mesma obra (GERLING, 2007); os efeitos de exerccios corporais na preparao para o recital (OLIVEIRA, 2007); os conhecimentos musicais envolvidos na preparao de repertrio em curso de graduao de piano (SANTOS; HENTSCHKE, 2007); a ao pianstica, coordenao motora e desempenho tcnico (PVOAS et. al, 2007); a ansiedade na performance em recital de piano (OLIVEIRA, 2007); os aspectos da performance do pianista, como: o tempo de estudo, a motivao para o estudo, as percepes sobre a msica, as observaes antes do incio do estudo, os processos de aprendizagem, as imagens mentais utilizadas durante a aprendizagem e a performance e os sentimentos percebidos pelo msico em sua relao com a pea (SANTIAGO, 2007).

    1.2 O PIANO POPULAR NAS PESQUISAS NACIONAIS

    Os Cursos de Piano Popular vem crescendo consideravelmente nas ltimas dcadas no Brasil. Algumas escolas de msica abrem esses cursos e contratam professores para atender a demanda de alunos que os procuram para melhorar suas performances em espaos de atuao profissional ou para tocar as msicas que marcaram fatos vividos ou que fazem parte das suas vidas no presente. A insero da msica popular cada vez mais frequente nos ambientes de educao musical formal tem estimulado o surgimentos de muitos estudos e pesquisas.

    No mbito nacional, as pesquisas nacionais sobre o piano popular abordam principalmente o ensino e aprendizagem do instrumento e a prtica docente de professores de piano popular. Os temas dos trabalhos exploram diferentes aspectos de ensino e aprendizagem do instrumento e dos estilos/ gneros musicais da msica popular. De modo geral, as pesquisas investigaram: 1) prticas pedaggicas dos professores (COUTO, 2008); 2) investigao das prticas informais de

  • 24

    aprendizagem no ensino formal (COUTO, 2008); 3) ensino e aprendizagem, currculos, repertrio, prticas interpretativas do piano no contexto da msica popular (LUCCA, 2005; NILSON, 2005) e 4) transcrio de gravaes como ferramenta pedaggica (MARANESI, 2007; FAOUR, 2006; GOMES, 2008).

    Com relao prtica docente em msica popular, o trabalho de Couto (2008) investiga a prtica pedaggica dos professores de Piano Popular dentro das escolas formais de msica e de que forma os seus processos de ensino se relacionam s prticas informais de aprendizagem dos msicos populares. Os resultados do seu trabalho revelam que, embora os professores demonstrem ter conhecimento sobre a importncia das prticas de aprendizagem informal para o desenvolvimento do trabalho com o repertrio popular, nem todos as utilizam nas suas aulas e tambm que alguns professores ainda mantm um pensamento atrelado aos modelos das aulas tradicionais de piano.

    O Curso de Piano Popular de uma universidade o objeto da pesquisa de Lucca (2005). O seu foco concentra-se no processo de ensino e aprendizagem, no currculo, no repertrio, na performance do piano no contexto da msica popular. Para isso, ela destaca os objetivos da disciplina, o perfil dos alunos, as concepes das professoras sobre o Piano Popular e a dinmica desse curso. Em relao a todos esses aspectos, Lucca categoriza as metodologias do ensino do Piano Popular em tericas, tcnicas e prticas. Na primeira categoria a terica os professores abordam o conhecimento das cifras e os exerccios de fixao dos princpios da harmonia funcional aplicados msica popular. A abordagem tcnica, segunda categoria, est voltada para a prtica pianstica, para a seleo de repertrio (critrio dos alunos) e para o aspecto rtmico que envolve os gneros musicais, o estmulo auditivo e os padres rtmicos. Por ltimo, os professores focam os aspectos da prtica como a utilizao de clichs harmnicos em vrias tonalidades, o tirar msicas de ouvido, a leitura de melodias cifradas, a prtica de improvisao em grupo e a variao do repertrio aprofundando-se no estudo da literatura da msica popular. Os resultados do seu trabalho revelam concepes de ensino e aprendizagem relacionadas ao tirar de ouvido, interpretao das partituras e ao desenvolvimento de um estilo pessoal de tocar o Piano Popular:

    tocar Piano Popular diferente de tocar msica popular no piano (...) o desenvolvimento da prtica do Piano Popular deve-se ao hbito de tirar msicas e de tocar espontaneamente, sem a preocupao de seguir rigorosamente as partituras, com o certo e o errado, nessa hora, o ouvido e

  • 25

    a intuio comandam o desempenho (...) nesse processo de aprendizagem preciso cometer muitos erros, fazer experimentos para poder assimilar a melhor forma de tocar, criando-se com o tempo o prprio estilo (LUCCA, 2005, p.4).

    A habilidade de tirar msicas de ouvido, experimentar e tocar espontaneamente tambm enfatizada por Maranesi (2007) que aponta a transcrio de gravaes como um dos meios para o ensino e a aprendizagem do Piano Popular. Para Maranesi (2007) e Faour (2006), a transcrio no deve ser um fim em si mesma, mas um treinamento para que o aluno desenvolva mais tarde o seu prprio estilo musical. Esse procedimento, segundo Maranesi (2007) utilizado na performance da msica popular, desde que surgiram as primeiras instituies de ensino, e no estudo da improvisao tonal que utiliza como fonte as transcries de solos de grandes expoentes da msica popular. Os benefcios da transcrio para a aprendizagem do repertrio popular vo desde o entendimento das tradies da msica oral at o desenvolvimento das habilidades de criao e de improvisao, alm de ampliar a produo de partituras de msica popular. Segundo Maranesi (2007),

    a transcrio figura em estudos etnomusicolgicos modernos como um dos principais meios analticos para a compreenso da msica de tradio oral e tambm constitui uma das bases importantes no ensino da msica popular na contemporaneidade. As transcries, especialmente em forma de melodia cifrada, constituem um material tradicionalmente utilizado no aprendizado e na prtica performtica usado no dia a dia de msicos populares para o treinamento da criatividade e o exerccio do improviso (MARANESI, 2007, p. 2, 57).

    Os estudos de Faour (2006) destacam tambm a transcrio como uma ferramenta pedaggica para a anlise e execuo do repertrio da msica popular. Para ela, alm de prover material didtico-pedaggico, a transcrio tem o objetivo de prover subsdios ao intrprete para capacit-lo a traduzir as idias do compositor. A importncia de se estudar e transcrever os acompanhamentos, por exemplo, deve-se ao fato de que a prtica da execuo da msica popular est baseada na transmisso oral, ou na imitao, e os smbolos tradicionais da notao musical no so suficientes para a interpretao do repertrio desse instrumento. Gomes (2008) destaca ainda a transcrio como uma das habilidades requeridas do instrumentista que executa o repertrio popular porque ela possibilita a aquisio de vocabulrio musical prprio para interpretar estilos e subestilos da msica popular.

  • 26

    Os estudos apresentados destacam a necessidade de se desenvolver um equilbrio entre os conhecimentos tericos e tcnicos da performance com a aquisio de habilidades e conhecimentos musicais informais da msica popular. Dentre esses conhecimentos e habilidades se destacam o tirar de ouvido, a improvisao, a leitura de diferentes grafias musicais, a autoaprendizagem e a aprendizagem entre os pares. Uma pesquisa que no trata diretamente do Piano Popular, mas de repertrio em estilos e gneros da msica popular para piano o objeto de estudo de Nilson (2005). Ela investiga a aplicabilidade de peas para piano a quatro mos nos estilos de choro, samba, baio e bossa nova para o ensino de piano a alunos iniciantes. Nos resultados de sua pesquisa, Nilson (2005) observa a recorrncia ao processo de aprendizagem por imitao e ouvido que justificada por algumas dificuldades de leitura ligadas complexidade de certos padres rtmicos caractersticos dos gneros abordados. Nesse caso, a pesquisadora percebe que os professores optam por proporcionar ao aluno uma experincia musicalmente rica de acordo com suas possibilidades. No que diz respeito questo do tocar a quatro mos, os resultados da pesquisa apontam para as diversas vantagens envolvidas nessa atividade: suporte rtmico e harmnico, enriquecimento musical e esttico, trabalho das questes interpretativas e experincia de msica de cmara. Nilson (2005) conclui que

    um dos aspectos mais positivos dessa atividade o fato dessa riqueza musical ser alcanada dentro de um nvel tcnico acessvel ao aluno, j que o professor executa os acompanhamentos que caracterizam os gneros. Portanto, o tocar a quatro mos propicia criana a experincia de fazer msica de uma forma plena enquanto ela no tem independncia e maturidade para faz-lo no repertrio solo nessa fase da iniciao musical (p. 153).

    Outros resultados levantados pela pesquisadora em seu trabalho so: a acessibilidade tcnica, a adequao faixa etria, os problemas estilsticos de execuo dos gneros e a falta de atividades de apreciao nas aulas dos professores. Nilson (2005) atribui esse ltimo aspecto falta de experincia prvia e vivncia musical nos estilos por parte dos professores e alunos o que contribui para que, na execuo das msicas, as referncias aos aspectos como carter, ritmo, acentos, inflexes e outras nuances particulares a cada estilo fiquem ausentes. Por

  • 27

    outro lado, os professores escolhem o repertrio dos seus alunos levando em conta o domnio das dificuldades tcnicas e as suas preferncias musicais. Para Nilson (2005), esses fatores contribuem para a motivao dos alunos que se identificam com as peas, alm de estarem imbuidos em um fazer musical rico e elaborado proporcionado pelo tocar a quatro mos.

    1.3 A ESTRUTURA DA DISSERTAO

    Esta pesquisa se estrutura em 8 captulos. Os dois primeiros apresentam a reviso de literatura sobre a msica popular e seus processos de ensino e aprendizagem e sobre o piano popular.

    O captulo 3 apresenta o referencial terico da pesquisa expondo os conceitos e as tendncias dos processos de ensino e aprendizagem da msica popular, a conscincia e a inconscincia nesses processos e a convergncia das prticas informais na educao musical formal. O captulo 4 esclarece e enumera os conhecimentos e habilidades da msica popular apontados pelo referencial terico.

    O captulo 5 apresenta a metodologia da pesquisa e seus delineamentos: o mtodo de investigao, os instrumentos de coleta de dados, os sujeitos da pesquisa, os processos de coleta de dados e os processos de anlise.

    Os trs ltimos captulos destinados anlise dos dados, examina-se a formao musical e docente dos professores, a atuao profissional como msico e como professor e a prtica docente no ensino e aprendizagem do Piano Popular e suas articulaes com a reviso de literatura e o referencial terico adotados no intuito de verificao dos conhecimentos e habilidades do Piano Popular.

    A presente dissertao revela na transversalizao dos dados e na concluso, a interpretao dos dados alcanados evidenciando que as fronteiras no esto claras entre o msico e o professor, e entre as prticas informais de aprendizagem e a educao musical formal presentes nos processos de ensino e aprendizagem dos professores de piano popular desta pesquisa. Este trabalho tambm aponta algumas propostas para a educao musical e o ensino e aprendizagem da msica popular na sua concluso.

  • 28

    2 MSICA POPULAR: ENTRE CONCEITOS E PRTICAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

    2.1 MSICA POPULAR: UM TERMO E MUITOS SENTIDOS

    O termo msica popular polissmico, ambguo e controvertido. Seu significado relativo e depende do contexto social e cultural de origem e de definies e conceituaes elaboradas por estudiosos das diferentes reas. Embora seja um termo amplamente usado no cotidiano, as dificuldades em defini-lo situam-se nos diferentes significados que lhe so atribudos pelas diversas culturas e na classificao das msicas compostas pelos indivduos.

    As conceituaes de msica popular adotam como critrios de definio: o repertrio, a relao com o pblico, a veiculao de determinados repertrios com a mdia, as idias de valor e a complexidade musical. Segundo o Dicionrio Grove Music Online (2007-2010), o termo msica popular geralmente refere-se s msicas de menor valor e complexidade artstica acessveis grande maioria de ouvintes leigos. Esse termo tambm associa-se aos momentos histricos, s categorizaes pr-determinadas pelos estudiosos e aos diversos usos que as reas do conhecimento - a educao musical, a performance e a etnografia por exemplo atribuem a essa msica. Alm disso, no campo da sociologia, uma anlise do termo exige que se leve em conta o contexto da sua produo, do seu consumo e da sua distribuio (GREEN, 1997). Segundo o dicionrio Grove, a dificuldade de definir a msica popular existe:

    [...] em parte, porque o seu significado (e de palavras equivalentes em outras lnguas) deslocou-se historicamente e, muitas vezes, varia em diferentes culturas e, em parte, porque suas fronteiras so nebulosas, com peas ou gneros individuais que se deslocam dentro ou fora da categoria, ou por ser localizado dentro ou fora dela [da categoria] por diferentes observadores; e, em parte, porque os usos histricos mais amplos da palavra "popular" deram-lhe uma riqueza semntica que resiste reduo9 (Dicionrio Grove Music Online, 2007-2010).

    9 Traduo do original: This is partly because its meaning (and that of equivalent words in other

    languages) has shifted historically and often varies in different cultures; partly because its boundaries are hazy, with individual pieces or genres moving into or out of the category, or being located either inside or outside it by different observers; and partly because the broader historical usages of the word popular have given it a semantic richness that resists reduction.

  • 29

    O Dicionrio Grove (2007-2010) elenca critrios para definir o termo msica popular: 1) a quantidade do consumo, ou seja, o nmero de gravaes ou partituras que vendido; 2) a divulgao nos meios de comunicao de massa, por exemplo, o rdio, as cpias de discos e os filmes; e 3) o grupo social ou determinada classe que essa msica representa, como, por exemplo, estar ligada classe de trabalhadores.

    A tenso conceitual de msica popular gera uma definio pela negao, ou seja, em termos daquilo que no como, por exemplo: msica popular no msica erudita. Todas essas consideraes so muito parciais e, para a maioria dos estudiosos, a msica popular no tem caractersticas permanentes ou conexes sociais, mas refere-se a um espao scio-musical em que seus contudos so contestados ou subordinados s transformaes histricas. Isso quer dizer que a compreenso da msica popular muda com o tempo (Dicionrio Grove Music Online, 2007-2010). Com relao histria da msica popular no Brasil, Napolitano (1988) considerando a histria das manifestaes musicais ditas populares, procura discutir o conceito de Msica Popular Brasileira (MPB) em si, bem como o campo cultural envolvido nesse conceito:

    [a MPB] foi marcada por uma srie de hiatos de temporalidade, redimensionamentos da memria, redefinies conceituais. Nesse processo, imbricado com outros processos scio-histricos, constituiu-se naquilo que hoje chamamos de MPB, alis um campo cultural em permanente discusso. [...] Em outras palavras, me parece que a msica popular "brasileira" um conceito que emergiu em uma historicidade descontnua na qual mitos de origem, eventos "traumticos" e mitos de progresso parecem atuar sobre a histria e sobre a "transmisso da herana cultural" (NAPOLITANO, 1988, p. 93).

    Para esse autor, h trs movimentos histricos diferentes que constituem a tradio da Msica Popular Brasileira (MPB). Esses movimentos, historicamente especficos, expressam historicidades distintas nas quais as tradies so inventadas e desinventadas e os conceitos so formulados e redefinidos. O primeiro movimento compreende os anos de 20 e 30 quando os pais fundadores da MPB Ataulfo Alves, Pixinguinha, Noel Rosa, Lamartine Babo, Orlando Silva, Francisco Alves e Carmen Miranda resumem alguns processos padro da msica popular urbana. Nesse momento, o samba se destaca como um gnero especfico que oscila entre a fuso com outros gneros e a representao de uma criao musical

  • 30

    com esttica prpria acompanhado pelo choro, pelo fox-trot e pela valsa, alm das marchas de carnaval que possuam um lugar consolidado no mercado musical. Nos anos 40, gneros como o baio, o cool jazz e o bolero se somam msica popular feita no Brasil. O segundo movimento vai da criao do gnero da Bossa Nova, em 1959 at a consolidao do gnero MPB entre 1965 e 1967. Os segmentos sociais desligados da msica popular passam a produz-la e a consum-la como, por exemplo, o circuito de shows universitrios, entre 64 e 65, que amplia o pblico da Bossa Nova. Outro aspecto que modifica os rumos da MPB, para Napolitano (1988), a msica nacionalista que fez com que o samba e outros ritmos rurais do nordeste, de menor importncia, se constitussem sinnimos de tradio cultural e de autenticidade musical. As camadas mais populares da populao, como a classe mdia baixa e os segmentos proletrios, passam a consumir a msica rotulada de baixo nvel, ou seja, aquelas em forma de bolero, nos anos 50, ou de iii, nos anos 60. Esses gneros so desprezados pelos intelectuais da MPB moderna que tentam estabelecer um novo elo com o passado no que diz respeito esttica musical e ideologia social. O momento compreendido entre o tropicalismo e a consolidao da MPB como gnero especfico, nos anos 70, constitui o terceiro movimento que reformula o conceito de MPB. Nesse momento de plena censura ditatorial, a MPB se transforma em sinnimo de resistncia ao regime militar. O samba atualizado e incorpora outros nomes como: Paulinho da Viola, Gonzaguinha e Joo Bosco. O tropicalismo traz a abertura de reinterpretaes tradicionais, enquanto o gnero cano da MPB se consolida. Ambos foram recebidos pelo mercado que necessitava ampliar o seu leque de consumidores (NAPOLITANO, 1988).

    Nas pesquisas atuais sobre ensino e aprendizagem musical o conceito de msica popular tambm apresenta variabilidade de acordo com o gnero musical e as mudanas sociais e econmicas do mercado. Nos trabalhos de Green (2006), por exemplo, o termo msica popular utilizado para classificar uma vasta gama de estilos que inclui a msica tradicional e moderna, gravada ou no, dos ltimos cem anos, de todo o mundo.

    No Brasil, no mbito da Educao Musical, Arroyo (2001), Couto (2008) e Lacorte (2006) entendem que a msica popular tudo o que no erudito e incluem, sob o rtulo popular, tanto as msicas e canes nacionais quanto as internacionais, presentes e exploradas pela mdia ou no, que surgem da

  • 31

    emergncia dos grandes centros urbanos, da diversificao social e, principalmente, do desenvolvimento das tecnologias. Nas escolas de msica como o caso do Centro de Educao Profissional Escola de Msica de Braslia (CEP/EMB), lcus desta pesquisa, a msica popular definida com base: 1) no repertrio instrumental ou vocal de caractersticas tonais incluindo a msica comercial contempornea -; 2) nas maneiras de improvisao especficas de estilos que vo desde o jazz, a bossa nova e o samba at o rock, o forr, a disco music entre outros e 3) no contexto de formao, formal ou informal, dos seus msicos. Nas definies de msica popular apresentadas no possvel definir os limites do termo, principalmente pelo carter dinmico e temporal que lhe atribudo. A conceituao de msica popular est atrelada ao mercado fonogrfico, s culturas musicais e urbanas e ao tempo histrico. Dificilmente a observao de um aspecto ou uma caracterstica conseguir classificar todo o repertrio reconhecido como msica popular. Assim, a dificuldade em delimitar o conceito de msica popular exige que, nesta pesquisa, esse conceito seja definido e caracterizado dentro do mbito musical e social do objeto de estudo. A discusso sobre a definio de msica popular no objeto deste estudo, mas ajuda a compreender como o termo apropriado pelos professores de piano popular em suas prticas pedaggicas.

    Nas pesquisas em educao musical, o termo msica popular est associado investigao sobre os seus processos de ensino e aprendizagem musical. Portanto, no tpico seguinte so apresentadas as temticas que emergem nas pesquisas no mbito internacional e nacional.

    2.2 INSERO DA MSICA POPULAR NA EDUCAO MUSICAL FORMAL

    Na pesquisa de Green (2001), os msicos relatam experincias das prticas informais de aprendizagem. Para eles, o ensino formal tem pouca contribuio em sua formao musical e eles sentem dificuldades em se relacionar com a msica valorizada neste contexto e com os seus processos de aprendizagem. Green (2002) sustenta que a educao musical formal no tem contribudo com o sucesso e a formao desses msicos:

  • 32

    [...] alguns msicos populares nunca tiveram contato com qualquer educao musical formal, mas muitos que tiveram, tm encontrado dificuldades ou impossibilidades de se relacionar com a msica e as prticas musicais envolvidas. [] apesar da sua difuso em muitos pases, e no obstante a recente entrada da msica popular na arena formal, a educao musical tem tido pouco a fazer com o desenvolvimento da maioria daqueles msicos que produzem em grande escala a msica a qual a populao global ouve, dana, se identifica e satisfaz (GREEN, 2002, p.5, traduo nossa).

    A incompatibilidade entre as prticas informais de aprendizagem musical e a educao musical formal pode estar relacionada ao valor atribudo aos processos de aprendizagem da msica popular nestes espaos de aprendizagem. A no valorizao das prticas informais de aprendizagem se reflete tambm na prtica docente de msicos populares, pois estes quando professores de msica em contextos de educao musical formal tendem a optar pelos processos formais de ensino e aprendizagem musical.

    Tal fenmeno, no Brasil, confirmado na pesquisa de Couto (2008) com professores de Piano Popular de escolas formais de msica. Embora eles tivessem a presena das prticas informais em suas experincias do dia a dia, a maneira como eles ensinavam muito se assemelhava aos processos formais do ensino de instrumento, mantendo uma longa distncia das suas experincias de aprendizagem e de prtica musical.

    Para Green (2005; 2006; 2008), o corao dos processos de transmisso da msica popular repousa nas prticas informais de aprendizagens e, por meio delas, que os msicos populares adquirem seus conhecimentos e habilidades de uma maneira ou de outra. Ao diferenciar essas prticas informais com o ensino formal, a pesquisadora destaca cinco caractersticas de aprendizagem que fazem parte do cotidiano dos msicos populares fazendo uma distino daquelas que so encontradas na educao musical formal10. Essas caracterticas podem ser observadas na Tabela 1 a seguir:

    10

    Quadro traduzido do material didtico: GREEN, Lucy, and WALMSLEY, Abigail. Classroom Resources for Informal Music Learning at Key Stage 3. Paul Hamlyn Foundation, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 19/05/2010.

  • 33

    Tabela 1 - Caractersticas das prticas informais de aprendizagem e da educao musical formal

    Prticas informais de aprendizagem musical de msicos populares

    Os processos de aprendizagem da Educao Musical formal

    Aprender a msica que escolhida de acordo com a preferncia pessoal, que familiar e com a qual apreciam e se identificam fortemente;

    Introduzir o aluno em msicas que frequentemente so novas e desconhecidas e normalmente escolhidas pelo professor;

    Aprender ouvindo gravaes e copiando as msicas de ouvido;

    Aprender por meio de notao musical ou de outros comandos escritos ou verbais;

    Aprender ao lado de amigos por meio de conversas sobre msica; estmulo dos pares/ colegas; ouvindo, assistindo ou imitando o outro e geralmente sem a superviso de um adulto;

    Aprender por meio da instruo de um especialista ou a superviso de um adulto;

    Assimilar habilidades e competncias pessoais muitas vezes de maneira casual ou de acordo com as preferncias musicais comeando com peas de msicas de todo o mundo real;

    Aprender a sequncia de uma progresso de processos do mais simples ao mais complexo, envolvendo especialmente a execuo de msicas de outros compositores, um currculo ou um programa gradual (de nveis iniciais, intermedirios e avanados);

    Manter uma estreita integrao entre ouvir, tocar, improvisar e compor em todo o seu processo de aprendizagem.

    Especializar gradualmente nas habilidades de ouvir, tocar, improvisar e compor; muitas vezes tendendo a enfatizar a reproduo mais que as habilidades criativas.

    Green (2001) entende que as prticas informais de aprendizagem so aquelas que envolvem a enculturao em um contexto musical, a interao com outras pessoas e a autoaprendizagem. Elas vinculam-se ao fazer musical real incluindo os processos que vo caracterizar o ensino da msica popular.

    A pesquisadora ressalta a importncia dessas prticas no mbito das nossas comunidades, pois, segundo os estudos nessa rea, as populaes que mantm o mais alto sistema de desenvolvimento do ensino e aprendizagem formal parecem ter a menor populao de fazedores de msica, especialmente aquelas em que os adultos tiveram o ensino formal de msica em escolas regulares como ocorre nas escolas inglesas.

    Entende-se, pois, que as prticas informais de aprendizagem musical tm caractersticas especficas e so significativas na sociedade, pois est diretamente

  • 34

    relacionada com a prtica instrumental e envolve processos de ensino e aprendizagem que podem, de certa forma, trazer uma reflexo, tanto para compreender a aprendizagem dos msicos populares, quanto para se pensar o ensino e a aprendizagem da msica popular nos diferentes estabelecimentos formais.

    O projeto de Green (2008) exemplifica a insero das prticas informais de aprendizagem para a educao musical formal. Esse projeto faz parte de um programa nacional de Educao Musical, na Inglaterra, chamado Musical Futures que resulta de estratgias de ensino e fontes curiculares j disponveis para o uso dos professores11. A autora o apresenta em seu livro Music, informal learning and the school: a new classroom pedagogy com uma anlise mais detalhada e terica da experincia do referido projeto, em que destaca como os processos de ensino e aprendizagem ocorrem, o porqu disso e quais so os benefcios e as mudanas que o projeto pode oferecer Educao Musical12.

    O projeto discute aes pedaggicas e atitudes para pensar como os processos de ensino e aprendizagem na aula de msica poderiam corresponder ao mundo das prticas de aprendizagem da msica popular fora da escola, a fim de reconhecer, promover e incorporar variadas habilidades e conhecimentos que no tm sido enfatizados na educao musical formal. Investiga tambm como essas prticas informais podem afetar os processos de aquisio das habilidades e dos conhecimentos e as maneiras dos alunos ouvirem, entenderem e apreciarem msica dentro e fora da sala de aula. Nesse sentido, a pesquisadora levanta questes sobre a motivao do aluno com respeito msica, sua autonomia como aprendiz e sua capacidade de trabalhar cooperativamente com os seus colegas sem instrues guiadas pelo professor.

    Na sistematizao do projeto, Green (2008) destaca que os alunos no tm aulas tericas sobre leitura de notao ou outras formas de instrues escritas na frente deles, mas, ao invs disso, eles possuem um CD que deve ser ouvido e copiado. Mesmo que alguns deles tenham alguma experincia prvia de aula de instrumento, o intuito das propostas das atividades que todos os alunos tentem

    11

    Disponvel no site: www.musicalfutures.org/PractionersResourses.html. 12

    O projeto de Green (2008) relevante e objeto de discusses e pesquisas na Educao Musical. Ver artigos do volume oito da revista online Action Criticism and Theory for Music Education e da edio especial de 2010 do British Journal of Music Education que debatem a aplicao desse projeto em outros contextos envolvendo o emprego das prticas informais na educao musical formal.

  • 35

    comunicar entre si as instrues e as idias atravs de gestos e sons e estejam envolvidos na performance instrumental e em processos de criao como, por exemplo, a improvisao. Baseados nos cinco princpios da aprendizagem informal dos msicos populares mencionados anteriormente esto as seguintes etapas (Green, 2001, 2005, 2006, 2008): 1) aprendizagem da msica que os alunos escolhem, gostam e se identificam; 2) aprendizagem pela audio e cpia de gravaes; 3) aprendizagem com amigos; 4) pessoal, muitas vezes aprendizagem autodidata sem conduo estruturada; 5) integrao da audio, performance, improvisao e composio.

    Green (2008) prope sete estgios no seu projeto pedaggico que insere as prticas informais na educao musical formal. Esses estgios so uma abordagem de ensino e aprendizagem baseados nas caractersticas das prticas informais e no so considerados como mdulos ou unidades de um esquema de trabalho ou currculo.

    Tabela 2 - Estgios do projeto pedaggico de Green (2008) continua

    ESTGIOS DESCRIO 1 Os alunos imitam as prticas de aprendizagem da vida real de jovens

    msicos populares iniciantes. Essas prticas envolvem ouvir, discutir, selecionar, copiar auralmente, ensaiar, organizar e realizar sua prpria escolha da msica. Eles conduzem o seu prprio percurso atravs da aprendizagem individual e com o grupo.

    2 Os alunos recebem uma gravao das msicas escolhidas no Estgio 1 em um CD que contm verses diferentes das msicas e seus variados riffs13 tocados separadamente ou em combinao. Nesse momento os alunos devem ouvir, discutir, selecionar e copiar de ouvido os riffs vocal e instrumental, a fim de criarem suas prprias verses das canes.

    3 Com base nos conhecimentos e habilidades desenvolvidos durante os estgios 1 e 2, os alunos tm uma segunda oportunidade de ouvir, discutir, selecionar, copiar de ouvido, ensaiar e tocar msica, como no Estgio 1.

    13

    Uma cano construda com mltiplos riffs curtos muitos dos quais so fceis de lembrar e tocar dependendo em qual instrumento tocado (GREEN, 2008).

  • 36

    Tabela 2 - Estgios do projeto pedaggico de Green (2008) concluso

    ESTGIOS DESCRIO 4/ 5 Com base nos conhecimentos e habilidades e desenvolvidos durante

    os estgios 1, 2 e 3, os alunos compem, ensaiam e executam suas prprias msicas em grupos. Eles recebem orientao musical de modelos que podem ser msicos externos ou msicos da escola.

    6 Os alunos ouvem, discutem e selecionam um trecho de msica erudita/ clssica a partir de uma seleco de msicas tocadas em propagandas atuais de TV. Eles escutam, discutem, seleccionam, copiam de ouvido, ensaiam e executam a msica. Como no Estgio 1, eles conduzem suas aprendizagens individuais e no grupo.

    7 Os alunos ouvem, discutem e selecionam um trecho de msica erudita/ clssica no familiar e desconhecida pelos alunos. Eles recebem uma gravao da msica em sua forma original e outra separando melodias e linhas de baixo. Os alunos ouvem, discutem, selecionam, copiam de ouvido, ensaiam e executam a msica.

    Para Green (2006), o uso das prticas aurais na educao musical formal favorece a ampliao na escuta musical dos alunos, pois quando esto engajados em copiar auditivamente msicas de gravaes, eles passam pela experincia de imerso dentro dos significados intersnicos da msica. Tal procedimento o liberta das delineaes que muitas vezes o atrapalham no processo de compreenso musical.

    Para Green (2006; 2008), os processos de ensino e aprendizagem da msica popular esto sido centrados nos materiais sonoros ou intersnicos que constituem o repertrio popular. Ela entende por intersnicos (ou inerentes) a compreenso dos materiais contidos dentro do objeto musical, a sua relao construda historicamente com suas propriedades lgicas dos processos de significao. Esses processos que envolvem o significado intersnico da msica constituem-se pelos signos colocados nos materiais musicais como, por exemplo, um acorde ou uma nota ou uma frase; e pelos referentes, como, por exemplo, um acorde ou nota antecipados ou uma melodia reconhecida.

    Os signos e os referentes so termos criados, por Green (2006; 2008) para explicar os materiais musicais e so incorporados dentro da matria-prima o som - que constitui uma determinada msica. Alm de serem construdos socialmente, sua

  • 37

    compreenso depende da familiaridade adquirida pelo ouvinte das normas estilsticas da msica. Os sons podem tornar-se msica e terem significado musical se houver um conjunto de convenes sociais. Tais convenes so explcitas na organizao dos materiais dentro de relaes significativas como os significados musicais intersnicos (GREEN, 2005; 2008).

    A autora entende que os significados delineados de uma msica compreendem outros elementos de fora e independentes dela e podem, s vezes, no se relacionarem ao seu contexto social, mas com fatores tais como: as roupas e estilo do cabelo dos msicos, os seus ouvintes ou fs; os locais nos quais a msica retransmitida; os valores polticos ou sociais associados com a msica que podem ou no ser incorporados nas letras; a prtica musical dos ouvintes e muitas outras prticas sociais conectadas com eles. Essas convenes extramusicais que a msica carrega polticas, culturais, religiosas e outras associaes podem ser nicas para um indivduo ou aceitas por um grupo social.

    As delineaes que uma msica carrega podem pertencer ao contexto original na qual ela foi criada alm de outros contextos nas quais ela foi ouvida ou interpretada de outra maneira. A principal diferena entre os significados intersnico e o delineado, para Green (2008) que o primeiro envolve a construo mental de relacionamentos dos materiais musicais entre si enquanto o ltimo envolve relacionamentos entre materias musicais e outros fatores existentes fora da msca. A experincia com os significados intersnicos da msica por meio da cpia de gravaes de ouvido, proporciona um aperfeioamento nas habilidades auditivas, pois uma vez os ouvidos abertos, eles podem ouvir mais. Quando eles ouvem mais, eles apreciam e entendem mais (GREEN, 2005, p. 115). A familiaridade com a msica por meio do manuseio dos materiais musicais gera uma experincia musical mais positiva com esses significados de maneira que os alunos celebram o aprendizado da msica na sala de aula, por causa, principalmente, das vivncias positivas e significativas que envolvem ambos os significados musicais alcanados pelo engajamento com as prticas aurais do mundo real dos msicos populares.

    Nos resultados de sua pesquisa, Green (2008) encontra que os alunos das escolas envolvidos no projeto comeam a perceber cada vez mais nuances timbrsticas nas msicas que copiam auditivamente, procurando, nos instrumentos musicais disponveis, qualidades sonoras mais prximas possveis das percebidas nas gravaes. Dessa maneira, o preconceito ou rejeio anterior dos alunos por

  • 38

    alguns instrumentos musicais so deixados para trs, de forma que a reproduo, o mais fiel possvel da gravao, fica em primeiro plano nos seus encontros. As principais razes pelas quais os alunos se realizam e so motivados pelo projeto, segundo Green (2008), se relacionam com o alto nvel de autonomia observado, acima de qualquer contedo ou estratgias envolvidas na aprendizagem. Esses nveis de autonomia so justificados pela observao e anlise empricas das prticas de aprendizagem do mundo real adotadas pelos msicos populares fora da escola.

    Suas prticas de aprendizagem, informais e autoadministradas, esto disponveis e padronizadas para que os alunos possam trabalhar em seus prprios ritmos e nveis sem a dependncia do professor ou a orientao especializada e estruturada. O projeto revela que ao adotar e adaptar tais prticas de aprendizagem na sala de aula como um complemento de mtodos de ensino mais formais, os professores tornam a autonomia do aluno um meio e no um fim para a sua educao.

    Um projeto piloto desenvolvido recentemente no Brasil em uma escola pblica de nvel mdio teve como objetivo principal a aplicao e a avaliao dos trs primeiros estgios da proposta pedaggica de Green (2008). Esse projeto envolveu aproximandamente 80 jovens entre 14 e 17 anos de idade em encontros semanais de uma hora e cinquenta minutos no perodo de trs meses em 2008.

    Os resultados desse projeto relatados por Grossi (2009) foi a experincia trazida aos professores que faziam parte do corpo docente de graduao e ps-graduo em msica da Universidade de Braslia em atuar no contexto escolar com uma proposta de ensino e aprendizagem fora dos parmetros da educao musical formal, alm de terem contato com a variada vivncia musical dos alunos da escola.

    Embora alguns alunos j tocassem, a maioria no tinha experincia com a performance musical vocal ou instrumental. Os estudantes relataram a importncia de terem a primeira experincia de tocar um instrumento, cantar em grupo, bem como a dificuldade de formar grupos com os colegas e de tirar de ouvido os riffs. Segundo Barros e Grossi (2009), o estudo revela a interao e integrao entre os alunos dentro dos grupos, a ampliao da apreciao de estilos/ gneros musicais antes desprezados por eles e a percepo dos professores de outras

  • 39

    disciplinas da escola em relao motivao principalmente dos alunos considerados difceis.

    2.3 APRENDIZAGENS CONSCIENTES E INCONSCIENTES

    As aprendizagens conscientes e inconscientes, segundo Green (2001), constituem uma forma de sistematizar e compreender os processos de aprendizagem dos msicos populares.

    A pesquisa de Green (2001) revela que o grau de conscincia do msico popular em relao s suas prticas informais de aprendizagem pode variar desde o aprendizado, praticamente inconsciente por enculturao, at o autodidatismo altamente consciente.

    Dessa maneira, Green (2001), em sua anlise, procura situar a variao do grau de conscincia na aprendizagem dos msicos populares em dois extremos. Para ela, em um extremo esto as prticas de aprendizagem inconscientes que ocorrem sem qualquer conscincia sobre os processos de aprendizagem musicais que envolvem a performance, a improvisao ou o tirar de ouvido, por exemplo. Nesse extremo, no h planejamentos acerca da maneira como a aprendizagem ocorrer, nem h metas ou objetivos direcionados, no h foco especfico e os msicos no consideram, nomeiam ou conceituam essas prticas de aprendizagem. No lado oposto, as prticas de aprendizagem conscientes ocorrem quando os msicos esto cientes de que esto aprendendo, ou tentando aprender. H conjuntos explcitos de metas e objetivos combinados com processos para alcan-los. A aprendizagem se torna em uma prtica estruturada e rotineira e os aprendizes so capazes de analisar, nomear ou conceituar, bem como, de isolar as suas prticas de aprendizagem. A pesquisadora afirma que as aprendizagens inconscientes provavelmente envolvem a enculturao musical e as conscientes so enfatizadas pela educao musical formal.

    Embora haja relao dos msicos populares com as prticas informais, sejam elas conscientes ou inconscientes, a pesquisadora ressalta que as habilidades e os conhecimentos envolvidos nessas prticas no so exclusivos a esses profissionais. Green (2001) afirma que, assim como existem msicos que aprendem informalmente e tiveram contato com a educao musical formal, existem tambm msicos formais engajados em aprendizagens informais e h ainda aqueles que

  • 40

    foram educados nas duas maneiras. Isso significa que a presena de aprendizagens conscientes e inconscientes podem acompanhar o desenvolvimento musical de msicos em geral. Mas apesar de identificar prticas musicais comuns entre as aprendizagens formais ou informais, conscientes ou inconscientes - a pesquisadora destaca que existem diferenas significativas entre o ensino e aprendizagem da msica popular nesses contextos que so influenciadas pelas tramas sociais envolvidas e pelas atitudes e valores que as acompanham.

  • 41

    3 CONHECIMENTOS E HABILIDADES DOS MSICOS POPULARES: CONTRIBUIES PARA A EDUCAO MUSICAL FORMAL

    Green (2001) destaca que h algo fundamental e essencial na aprendizagem do repertrio popular, responsvel pelo desenvolvimento de habilidades e conhecimentos musicais nesse contexto. A pesquisadora considera que os conhecimentos e habilidades no como reas distintas da atividade ou da conscincia humanas. Para ela, as habilidades esto associadas ao controle motor que desempenha funes como tocar escalas rapidamente, executar mentalmente a interpretao de uma msica, reconhecer progresses de acorde de ouvido ou ler notao de cabea. Os conhecimentos para Green (2001) esto conectados s noes de entendimento/compreenso e familiaridade, tais como perceber influncias psicodlicas na histria do rock ou conhecer uma cano.

    Para os msicos populares, principalmente iniciantes, o incio de seus processos de ensino e aprendizagem , em grande parte, inconsciente e caracteriza-se por habilidades, conhecimentos e processos que envolvem tocar, compor/ improvisar e ouvir, principalmente. O desenvolvimento dessas habilidades est relacionado aos conhecimentos especficos dessa aprendizagem e envolve processos de ensino e aprendizagem, o meio/ contexto em que ocorre a performance e a participao de outras pessoas como os pais, parentes e amigos. J os msicos mais experientes, semiprofissionais ou profissionais possuem maior conscincia das habilidades e dos conhecimentos nos seus processos de ensino e aprendizagem e, principalmente, no desenvolvimento de habilidades relacionadas performance, criao e audio.

    Green (2001) identifica cinco categorias da aquisio dos conhecimentos e habilidades para a performance da msica popular. Tais categorias so: 1) as prticas primordiais do aprendizado: ouvir e copiar; 2) o aprendizado com os pares e a aprendizagem em grupo; 3) a aquisio da tcnica; 4) a prtica; e 5) a aquisio do conhecimento tcnico. Nesta pesquisa, escolheu-se o estudo das seguintes categorias: 1) tocar (a performance); 2) aprendizagem em grupo; 3) compor/ improvisar; 4) ouvir e copiar; e 5) leitura e escrita musical. A opo por essas categorias aconteceu pela incidncia desses conhecimentos e habilidades levantad