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1783 CRÍTICA À IDEIA DE PROGRESSO NA PERSPECTIVA DO BEM VIVER Sidney Reinaldo da Silva 1 Alexandre Chiarelli 2 Resumo- Este texto discute a crítica à ideia de progresso feita pela filosofia latino-americana do bem viver. A ideia de progresso é central para se compreender as narrativas coloniais e o modo como os povos são hierarquizados conforme tenham ou não alcançado certo padrão de desenvolvimento imposto pelos países centrais do sistema capitalista mundial. Numa perspec- tiva crítica da abordagem CTS – Ciência, Tecnologia e Sociedade-, ancorada num debate com a obra de Amy Allen, intitulada The End of Progress: Decolonizing the Normative Foundations of Critical Theory. Columbia University Press, 2016, o texto aponta o modo como a ideia de progresso foi se impondo como estratégia colonial moderna, destacando as críticas que a ela foram sendo feitas e as tentativas de reconsiderá-la como base para a investigação empírica e normativa pós-colonial. Mostra-se que a abordagem ético-política do bem viver se estabelece sobretudo com uma recusa da ideia de progresso, o que se afirma com uma concepção de prá- tica social baseada no ideário de postdesarrollo e nas alternativas a ele associadas. Mostra-se a forma como essa concepção de pós-desenvolvimento impacta o campo CTS, exigindo pensar a relação ciência tecnologia e sociedade na perspectiva do bem viver e sua forma de abordar a relação entre sociedade e natureza. Palavras-chave: Progresso, CTS, Bem viver, pós-desenvolvimento Introdução 1- Perder realmente la esperanza en el progreso puede tener implicaciones mucho mayo- res que las que ahora podemos intuir. Como he sugerido, la fe en el progreso forma parte del hombre moderno a tal grado que no se da cuenta de que la tiene, igual que los peces no se dan cuenta de que existe el agua hasta que se les saca de ella. Como los peces fuera del agua, bien podríamos darnos cuenta de la importancia de nuestra fe en el progreso sólo hasta emerger fuera de ella, en el momento en que estemos como personas a punto de morir en el asombro, transformados en meras “formas de vida” dentro del gran sistema técnico-económico-biológico y el nuevo universo que pretende crear. (SACHS, 1996, p. 6) Este texto dá continuidade a uma discussão anterior (SILVA, FERNANDES, 2017) so- bre a teoria crítica e a descolonização da ideia de progresso. Tratou-se nessa discussão de apresentar aspectos da concepção iluminista e positivista do progresso e, posteriormente, uma repercussão do debate no âmbito da teoria crítica, especialmente, na obra de Allen (2016). Mos- trou-se que a ideia de progresso continuou “sobrevivendo” como uma categoria crítica capaz de romper com a dicotomia fatos valores na abordagem da CTS. A obra de Allen sobre a necessi- dade de descolonizar a ideia de progresso para torná-la adequadamente crítica aponta para uma 1 IFPR Campus Paranaguá – Mestrado em CTS - [email protected] 2 IFPR - Campus Paranaguá � Mestrado em CTS [email protected]

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CRÍTICA À IDEIA DE PROGRESSO NA PERSPECTIVA DO BEM VIVER

Sidney Reinaldo da Silva1

Alexandre Chiarelli2

Resumo- Este texto discute a crítica à ideia de progresso feita pela fi losofi a latino-americana do bem viver. A ideia de progresso é central para se compreender as narrativas coloniais e o modo como os povos são hierarquizados conforme tenham ou não alcançado certo padrão de desenvolvimento imposto pelos países centrais do sistema capitalista mundial. Numa perspec-tiva crítica da abordagem CTS – Ciência, Tecnologia e Sociedade-, ancorada num debate com a obra de Amy Allen, intitulada The End of Progress: Decolonizing the Normative Foundations of Critical Theory. Columbia University Press, 2016, o texto aponta o modo como a ideia de progresso foi se impondo como estratégia colonial moderna, destacando as críticas que a ela foram sendo feitas e as tentativas de reconsiderá-la como base para a investigação empírica e normativa pós-colonial. Mostra-se que a abordagem ético-política do bem viver se estabelece sobretudo com uma recusa da ideia de progresso, o que se afi rma com uma concepção de prá-tica social baseada no ideário de postdesarrollo e nas alternativas a ele associadas. Mostra-se a forma como essa concepção de pós-desenvolvimento impacta o campo CTS, exigindo pensar a relação ciência tecnologia e sociedade na perspectiva do bem viver e sua forma de abordar a relação entre sociedade e natureza. Palavras-chave: Progresso, CTS, Bem viver, pós-desenvolvimento

Introdução 1- Perder realmente la esperanza en el progreso puede tener implicaciones mucho mayo-res que las que ahora podemos intuir. Como he sugerido, la fe en el progreso forma parte del hombre moderno a tal grado que no se da cuenta de que la tiene, igual que los peces no se dan cuenta de que existe el agua hasta que se les saca de ella. Como los peces fuera del agua, bien podríamos darnos cuenta de la importancia de nuestra fe en el progreso sólo hasta emerger fuera de ella, en el momento en que estemos como personas a punto de morir en el asombro, transformados en meras “formas de vida” dentro del gran sistema técnico-económico-biológico y el nuevo universo que pretende crear. (SACHS, 1996, p. 6)

Este texto dá continuidade a uma discussão anterior (SILVA, FERNANDES, 2017) so-bre a teoria crítica e a descolonização da ideia de progresso. Tratou-se nessa discussão de apresentar aspectos da concepção iluminista e positivista do progresso e, posteriormente, uma repercussão do debate no âmbito da teoria crítica, especialmente, na obra de Allen (2016). Mos-trou-se que a ideia de progresso continuou “sobrevivendo” como uma categoria crítica capaz de romper com a dicotomia fatos valores na abordagem da CTS. A obra de Allen sobre a necessi-dade de descolonizar a ideia de progresso para torná-la adequadamente crítica aponta para uma 1 IFPR Campus Paranaguá – Mestrado em CTS - [email protected] IFPR - Campus Paranaguá � Mestrado em CTS [email protected]

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exigência também cabível para uma abordagem CTS democrática. A referida discussão termi-nou indagando sobre quais são as potencialidades da abordagem pós-colonial do progresso e do campo CTS, no contexto latino-americano. A resposta a essas perguntas passou a exigir uma retomada do pensamento latino-americano sobre a relação ciência tecnologia e sociedade frente às narrativas do progresso “para nós” em confronto com as abordagens do progresso como um legado recebido ou imposto de fora. O presente texto resulta de uma investigação da ideia de progresso e seu correlato, o desenvolvimento, numa perspectiva latino-americana, especifi camente do modo como o bem viver (buen vivir) e a abordagem do pós-desenvolvimento confl uíram para uma crítica pós-colonial dessas ideias, e de como elas foram recebidas dos países ocidentais desenvolvidos.

A abordagem deste texto privilegiou uma descrição e revisão bibliográfi ca com desenho qualitativo. Destacou-se primeiramente a forma como a ideia de progresso foi sendo correlacio-nada com o desenvolvimento, abordando, sobretudo, como isso foi apresentado na perspectiva de teóricos defensores dessa ideia de progresso e seus críticos. Posteriormente apresentou-se a forma como o progresso foi recebido na América Latina e as criticas que surgiram a essa re-cepção. Buscou-se mostrar o modo como, na perspectiva do bem viver, o pós-desenvolvimento tornou-se no principal instrumento de crítica e de busca de alternativas à colonialidade do pro-gresso.

A racionalidade do progresso 2-

A ideia de progresso é uma forma de compreensão da historicidade humana como pro-cesso de aperfeiçoamento contínuo e necessário, que pode ter suas crises e retrocessos, mas que, de uma maneira ou outra, terá sua marcha retomada rumo ao melhor. Segundo Nisbet (1979), isso se deve a crença de que a civilização caminhou, caminha e continuará sempre a caminhar rumo ao seu aprimoramento: “mankind has advanced in the past, is now advancing, and may be expected to continue advancing in the future.” (p. 7). O progresso tem sido apontado como um mito, uma religião3 e mesmo uma enganosa manipulação de uma crença ou ideologia no aper-feiçoamento contínuo do ser humano que, apesar de seus momentos injustos em que favorece apenas uma elite, seja mundial ou nacional, tenderia, à la longue, a benefi ciar todo mundo.

Ao se identifi car com os processos de acumulação do capital, a ideia de progresso tor-nou-se resistente. Segundo Bresser Pereira (2014), a ideia de progresso é resistente porque o progresso está ocorrendo no mundo desde a Revolução Capitalista de forma veloz e autossus-tentada (p. 45). Associado ao capitalismo, o progresso suprime de modo mais efi caz os obstácu-los, tais como a tradição e as formas locais de vida que atravancam a expansão dos mercados, da indústria e do Estado moderno, seu guardião maior.

Nesse sentido, o progresso esteve a serviço da expansão de uma forma de vida específi -ca, a das nações ocidentais, onde o capitalismo tem suas raízes: “Una vez que las causas de la riqueza de las naciones fueron encontradas en la inaudita manera occidental de subordinar la sociedad al mercado y a la innovación tecnológica, la idea de progreso ofreció la nueva justi-

3 “Así la profunda reverencia que se profesa a la ciencia y la tecnología está estrechamente ligada a la fe en el progresso”. (SBERT, 1996, p. 299)

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fi cación de la desigualdad y de la expansión de los occidentales” (SBERT, 1996, 307). Com a bandeira do progresso, o resto do mundo não ocidental foi “descoberto” e sujeitado a hegemo-nia das nações que defi nia o que é progredir.

Progresso como imperativo ético-politico passou a ser um valor tanto do mundo capi-talista, na forma de desenvolvimento, quando do socialismo na acepção revolucionária. Nesse sentido, durante o século vinte, “‘revolución’ y ‘desarrollo’ de hecho representaron al progreso mismo, y a un progreso que pretendía benefi ciar a toda la humanidad en un tiempo previsible.” (SBERT, 1996, p. 299). Os Estados Unidos da América, com as catástrofes bélicas e civilizacio-nais culminadas na Segunda Guerra Mundial, passaram a promover o progresso como ideologia associada à reconstrução das nações centrais e ao desenvolvimento dos países “atrasados”. Com eles, surgem os programas associados à Aliança para o Progresso que terão consequ-ências desastrosas para a América Latina. Em seus desdobramentos recentes, depois da queda do chamado “socialismo real”, o “triunfo do capitalismo global apossou-se integralmente do conceito de progresso com o desenvolvimento científi co e técnico e seus avanços formidáveis.” (DUPAS 2007, p. 75) Nesse sentido, o progresso passou a ser o discurso das elites globais. Cabendo apenas saber quem manda, quem escolhe a direção desse progresso (DUPAS, 2007). Bresser-Pereira (2014) expressa com muita clareza o que veio a ser esse discurso:

(...) o desenvolvimento humano ou progresso é o processo histórico pelo qual as so-ciedades nacionais alcançam seus objetivos políticos de segurança, liberdade, avanço material, redução da injustiça social e proteção do meio ambiente a partir do momento em que realizam sua Revolução Capitalista; ou, em outras palavras, o desenvolvimento humano é a conquista gradual dos direitos correspondentes que as sociedades modernas ou capitalistas defi niram para si mesmas como direitos humanos: os direitos civis, ou as liberdades básicas que caracterizam o Estado de direito; os direitos políticos, o direito universal de eleger e ser eleito para o governo; os direitos sociais, os direitos básicos voltados para a justiça social; e os direitos republicanos, os direitos à res publica ou ao patrimônio público (inclusive o meio ambiente natural), o direito de que o patrimônio público seja utilizado para fi ns públicos ou à luz do interesse público. (p, 36)

Contudo, na perspectiva do bem viver - da vida plena e em harmonia entre os povos, as tradições e a natureza, tal como essa ideia tem se desenvolvido na América Latina, a essa forma entusiástica e ufanista de descrever o progresso, opõe-se um modo de exprimir cético e inquietante. Assim, o desen-volvimento passa a ser mostrado como crença em um crescimento econômico e material sem levar em conta os limites sociais e ambientais, atentando-se apenas para as possibilidades tecnocientífi cas e as viabilidades do mercado4.

Outro destacado porta-voz do das elites mundiais, Moore (2018), associa o progresso ao princípio de Pareto: “human advancement is any change that makes some people consider themselves better off without making anyone else worse off” (MOORE, 2018, p. 2). Isso seria a base moral para o “improvement in the well-being of human beings” (MOORE, 2018, p. 2). Como apologista do progresso, Moore não vislumbra nenhuma outra alternativa ao desenvol-vimento, presumindo que a humanidade não poderia manter um padrão decente de vida em

4 “El énfasis económico del desarrollo genera a su vez una creciente mercantilización del entorno y de las relaciones sociales; no sólo se expanden las relaciones y elementos que pueden ser manejadas desde el mercado, sino que se les otorgan precios y derechos de propiedad.” (GUDYNAS, 2014, p. 65)

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um mundo adequado a suas necessidades sem o progresso. Segundo este autor, a humanidade não poderia promover o bem estar (longer life spans, reduced infant mortality, and better edu-cation) com tecnologia, sistemas políticos e costumes estagnados, e, sobretudo, sem o cresci-mento econômico, industrialização, o que se comprovaria empiricamente em relação aos países em desenvolvimento, quando os indicadores mostram que passaram para uma situação mais condizentes com o progresso (p. 19).

A ideia de progresso foi sendo no pós-guerra associada ao desenvolvimento5, num novo contexto geopolítico e ideológico. Bresser-Pereira (2014) destaca que a diferença básica entre esses termos está na conexão do progresso a um processo universal, um ideal relativo ao avanço da razão e do conhecimento, enquanto o desenvolvimento humano “está associado ao desenvol-vimento econômico, envolve mudança estrutural e está relacionado a um determinado Estado” (p. 39). Na perspectiva de Bresser-Pereira, progresso, desenvolvimento humano e crescimento econômico são correlatos, desde que se tome o cuidado de associá-los à inclusão social, sus-tentabilidade ambiental e econômica como novas exigências do conceito. Nessa correlação, o desenvolvimento econômico, ou crescimento econômico, é a base do desenvolvimento humano (BRESSER, 2014, p. 37). O próprio sentido do progresso se aperfeiçoa na medida em que este enfrente seus inimigos e corrige seus rumos.

O progresso, tal como os iluministas já haviam identifi cado, manifesta-se na batalha da razão contra seus inimigos, a superstição, a ignorância, a intolerância, a opressão e o fun-damentalismo religioso. A isso se associou recentemente também a necessidade de promoção dos direitos humanos, aumento do bem-estar, redução da desigualdade e a proteção ambiental e a exigência da sustentabilidade. Bresser-Pereira reconhece que a “batalha pela realidade do progresso está longe de ser uma batalha ganha, embora o avanço tenha sido substancial” (2014, p. 38). Nesse embate, o que desponta, ao ver do referido autor, é uma racionalidade associada à logica do capital. Assim desde a sua primeira manifestação, ou seja, já na forma mercantilista, essa racionalidade está associada a busca de meios apropriados para atingir certos objetivos, certos valores, num processo em que o lucro, a acumulação de capital, foi identifi cada com o progresso, aos quais estavam também associados o desenvolvimento da técnica e da burocracia como formas de ganho em efi ciência (BRESSER-PEREIRA, 2014, p. 40). O progresso exigiu a adequação da sociedade às leis da economia e da administração, pois sua racionalidade foi “plenamente assumida por los sistemas empresariales y burocráticos de la sociedad industrial” (SBERT, 1996, p. 311).

Sbert (1996), retomando os apontamentos da teoria crítica de Adorno e Horkheim, lem-bra que essa racionalidade do progresso mistifi cou-se, passando a ter seus evangelistas, sua transcendência:

La fe en el progreso parece, más bien, una desesperada búsqueda de la trascendencia en la transformación constante de lo mundano, aniquilando una y otra vez al mundo tal como es en el espacio y el tiempo mismos; substituyendo todo sentido tradicional de lugar, ritmo, duración y cultura por el espacio homogéneo, el tiempo lineal, la ciencia y el dinero: un mundo de abs-tracciones, un antimundo. (p.313)

5 Segundo Esteva (1996, p. 58), num minucioso estudo desse termo, “a palavra desenvolvimento implica sempre uma mudança favorável, um passagem do simples para o complexo, do inferior para o superior, do pior para o melhor”.

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Mas, segundo Sbert, o progresso falha também segundo o seu próprio conceito de racio-nalidade, ou seja, como ganho de efi ciência, especialmente quando avaliado na perspectiva da interação ser humano e ambiente: “cuando se trata de adaptación al medio ambiente, las socie-dades industriales están mucho menos “desarrolladas” que la de los aborígenes australianos” (1996, p. 305). Na busca de autocorreção, como forma de aperfeiçoamento, também há acu-mulo do indesejável. As exigências abstratas de manutenção dos sistemas artifi ciais, nos quais o humano se insere, passaram a requerer novos avanços sem, contudo, contar com esperança de que uma catástrofe fi nal possa ser efetivamente evitada, restando, portanto, apenas evitar o pior. Segundo Sbert (1996), isso acabou por deslocar o próprio homem da centralidade do progresso: “Una fe surgida de la deifi cación del hombre buscará ahora la salvación invocando a la inteligencia artifi cial” (p. 315). Tal deslocamento aponta para um retrocesso crescente em relação aos valores do humanismo, como a autonomia e o respeito à dignidade e à integralidade das pessoas, pois, como ressalta Sterb (1996, p. 316), uma submissão cega ao crescimento da economia e ao desenvolvimento da tecnologia tem conduzido a humanidade a totalitarismos estéreis, marcado pelo temor da violência potencializada pela própria técnica e pela indigência cultural.

Dupas (2007), acentuado o caráter totalitário do progresso, aponta que este não passa de “um mito renovado por um aparato ideológico interessado em convencer que a história tem destino certo e glorioso” (p. 73). O progresso mais do que uma ilusão seria uma estratégia de dominação que prometeria, a partir racionalidade tecnocientífi ca, promover cumulativamente a liberdade, o bem estar e a justiça, mas que, contudo, se reduziu numa forma de desenvolvimen-to atrelado ao capital, num processo de submeter tudo ao regime da mercadoria, convertendo tudo em valor de troca.

A crítica ao progresso como determinação, destino inevitável passou a ser radicalizada na segunda metade do século XX, período em que a pax americana e seus arautos, como o Ban-co Mundial e o Fundo Monetário Internacional, passaram a articular as políticas mundiais em torno do desenvolvimento como saída para os países do também denominado Terceiro mundo.

Outras formas de pensar, justifi car e adequar progresso aos interesses do capital foram surgindo, tais como as associadas ao capital natural, ao capitalismo verde e à sustentabilidade das empresas competidoras no mercado. Mas essas formas difi cilmente se compatibilizaria com a concepção do buen vivir6, pois esta recusa o ideário do “viver melhor”, na busca do desenvolvimento incessante de novas comodidades, de maior efi ciência produtiva e maior in-tensidade do aproveitamento dos recursos naturais, não importando o seu impacto nas formas locais de viver e trabalhar, mesmo quando isso é feito com a promessa ou o compromisso de equidade. 6 No Manifesto para a Sustentabilidade, documento produzido pelo Simpósio sobre Ética y Desarrollo Sustentable, ocorrido em Bogota, Colombia, nos dias 2 a 4 de maio de 2002, constata-se o seguinte a esse respei-to: “El discurso del “desarrollo sostenible” parte de una idea equívoca. Las políticas del desarrollo sostenible buscan armonizar el proceso económico con la conservación de la naturaleza favoreciendo un balance entre la satisfacción de necesidades actuales y las de las generaciones futuras. Sin embargo, pretende realizar sus objeti-vos revitalizando el viejo mito desarrollista, promoviendo la falacia de un crecimiento económico sostenible sobre la naturaleza limitada del planeta. Mas la crítica a esta noción del desarrollo sostenible no invalida la verdad y el sentido del concepto de sustentabilidad para orientar la construcción de una nueva racionalidad social y pro-ductiva” (MANIFIESTO POR LA VIDA. Por una Ética para la Sustentabilidad)

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Progresso e desenvolvimento na perspectiva da América Latina 3-

O progresso para o “Terceiro Mundo”, umas das formas de se referir a América Latina, era tão desconhecido quanto o era na Idade Média (CRAWFORD, 1982), embora ele tenha uma concepção baseada no tempo judaico cristão da história, não estranho a esta época e aquela parte do mundo. Cabe destacar que a ideia de progresso tem suas raízes num território marcado por severas condições de vida e confrontos entre os povos que o habitavam e foi se constituindo como uma “fé” no “paulatino pero fi rme mejoramiento de sus medios para hacer más tolerable la existencia en esas duras regiones” (SBERT, 1996, p. 307). O progresso se afi rma, ressalta Sbert (1996) como um ideário associado à visão econômica utilitária e bélica do outro, ou seja, por uma “feroz competencia en el mercado y la guerra en múltiples fronteras” (p. 307), para o que foi decisivo “un prodigioso ritmo de innovaciones tecnológicas - en el conocimiento, la or-ganización política y social, las herramientas y las armas - que hicieron invencibles a los euro-peos en todos los frentes” (p. 1996). O progresso, dessa forma, nasce como um modo de pensar o autodesenvolvimento dos europeus e de como outros povos seriam a ele incorporados.

Logo que a ideia de progresso surgiu no Ocidente, ela foi transportada pelos conquista-dores do “Terceiro Mundo”, sendo seguida neste pelo holocausto, a escravidão e depois pelas revoltadas não menos violentas da independência. O estado “liberal autoritário”, contraditoria-mente se encarregou de “incubar” o progresso numa sociadade fragmentada, ruralmente pater-nalista e autoritariamente coercitiva. Isso foi a negação de que, para o mal do subdesenvolvi-mento do “Terceiro Mundo”, já existia no “Primeiro Mundo” o remédio, isto é, o progresso, bastando apenas ser este repartido e aplicado para melhorar a situação local (CRAWFORD, 1982 ).

A concepção de progresso que foi incorporada na América Latina, como espaço ter-ceiro-mundista, foi baseada no reconhecimento da superioridade da civilização ocidental e no modo como ela concebia a ciência a tecnologia como instrumento de dominação, especial-mente, ambiental (CRAWFORD, 1982). O modo de dominação do Terceiro Mundo passa por transformações. Novas fases surgem e, com elas, novas formas de apresentação do progresso se despontam. Destaca-se, por exemplo, a forma como a ideologia da missão civilizadora, na qual incialmente se ancorou o colonialismo, deu lugar a sujeição baseada na dicotomia moderno x tradicional7 (CRAWFORD, 1982, p.97). Mais recentemente, após os anos 60, com as revolu-ções nacionais e o surgimento de governos populistas e mesmo socialistas, intensifi cou-se a im-portação da ciência e tecnologia, que associadas aos movimentos de libertação e ressurgimento 7 Rojas (2010) destaca que, no âmbito da dicotomia moderno x tradicional, os pressupostos do diagnosti-co e recomendações feitos pela Latin American Task Force, base do programa Alianza para el Progreso, iniciado durante o governo Kennedy em 1961, foram dados por estudos técnicos que estacaram entre outras coisas os seguintes pontos: “1- Los cambios económicos, políticos y sociales son interdependientes y integrados; 2- El de-sarrollo consiste en un único camino lineal que conduce hacia un estado moderno; - El progreso del desarrollo de las sociedades atrasadas se puede acelerar considerablemente a través del contacto con los países desarrollados” (p. 7 ). Com base nisso, se entendeu que o surgimento de um setor moderno deveria “progresivamente imponerse y absorber el sector tradicional a través de un proceso de autonomización de las instituciones, de secularización de la cultura, de diferenciación social, especialización de los roles y las funciones, de división del trabajo y de aumento de las inversiones.” (p. 8 )

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cultural, passaram a ser, segundo ainda Crawford, “a core dimension of the idea of progress in the Third World” (p. 99). Contudo, o encantamento com o progresso enfeitiçou as elites dos países subordinados, para as quais os males do desenvolvimento era algo irrelevante, a tal ponto que um representante do governo brasileiro, numa conferência internacional sobre problemas globais em Estocolmo, em 1972, ter abordado os representantes de países “desenvolvidos” com a seguinte frase “mande-nos a sua poluição”, conforme recorda Crawford (1982, p. 100).

Associadas à ocidentalização da América Latina o colonialismo, em suas várias formas, mais ou menos veladas, em nome do progresso, “quebrou por inteiro as culturas estabelecidas” no continente, pois as elites caudatárias do domínio estrangeiro mantiveram um “fé ambígua no progresso”, marcado por confl itos e contradições (SBERT, 1996, p. 301). O resultado disso foi desolador em termos de aprimoramento social. Os balanços negativos das promessas de bem-estar mostraram o quanto as esperanças no progresso foram ilusórias. Despois da segunda metade do século XX, os esforços em prol do desenvolvimento “arrojaron resultados muy po-bres, problemas cruciales como la pobreza o la desigualdad persistieron, e hicieron desapare-cer una rica variedad cultural de opciones. (GUDYNAS, 2014, p. 64)

Sachs (1996) indica que a era do desenvolvimento como modalidade de progresso teve seu início e fi m já bem demarcados. Ela começou com o discurso de Trumam, representando as nações industrializadas, em 20 de janeiro de 1949, onde se identifi cou o hemisfério sul como subdesenvolvido, e com isso criou uma nova forma de olhar a região como lugar de “autocom-pasión patética” (p. 5). Com o reconhecimento da crise ecológica que assolou o globo, a suposta supe-rioridade do Norte (intervencionismo arrogante, imagem de estar acima na escala evolutiva) mostrou sua verdadeira face predatorial8. Na corrida rumo ao pódio do mais desenvolvido “la carrera conduce hacia el abismo” (p. 7 ). Eis como Sachs (1996) descreve o quadro desolador decorrente da corrida desenvolvimentista:

Al fi n y al cabo, con los frutos del industrialismo aun escasamente distribuidos, consu-mimos ahora en un año lo que llevó a la tierra un millón de años almacenar. Ademas, mucho de la esplendorosa productividad esta alimentada por el gigantesco consumo de energía fósil; por una parte, la tierra esta siendo excavada y permanentemente mar-cada con cicatrices, mientras por otra una lluvia continua de sustancias dañinas la salpica o se fi ltra hacia la atmósfera. Si todos los paises hubieran seguido exitosamente el ejemplo industrial, se habría necesitado cinco o seis planetas para servir como minas y muladares. (p.9)

Nesse sentido, frente ao ideário do bem viver, as sociedades avançadas passaram a ser vistas mais como uma aberração a ser evitada do que um modelo a ser seguido. O imperativo do desenvol-vimento perdeu sua força legitimadora. Sachs usa uma metáfora muito especial para descrever o fi m da força normativa do desenvolvimentismo: La fl echa del progreso esta rota y el futuro ha perdido su brillo: “lo que nos depara son mas amenazas que promesas” (SACHS, 1996, p. 7). Não se trata, con-tudo de dizer que o desenvolvimentismo fracassou, foi o sucesso dessa ideologia que mais a condenou,

8 “En 1960, los paises del Norte eran veinte veces mas ricos que los del Sur; en 1980, lo eran cuarenta y seis veces. -¿Es una exageración decir que la ilusión de «alcanzarlos» rivaliza a escala mundial con la ilusión mortal de Montezuma de recibir a Cortez con los brazos abiertos? Naturalmente, la mayoría de los paises del Sur pisaron el acelerador pero el Norte los adelantó de lejos. La razón es simple: en esta clase de carrera, los paises ricos se moverán siempre mas velozmente que los restantes porque ellos están engranados a una degradación continua de lo que tienen que proponer: la tecnología mas avanzada. Ellos son campeones mundiales en la obso-lescencia competitiva.” (SACHS, 1996, p. 6)

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pois com isso foi revelado o modo como seu proposito foi excludente. Mesmo em hipótese, um mundo totalmente desenvolvido seria inadmissível perante os limites dos recursos naturais disponíveis. O de-senvolvimento abrangente seria incompatível com um dos maiores valores do bem viver, o respeito à diversidade de formas de vida. Assim, “los tuaregs, los zapotecos o los rajasthanis no son vistos como si vivieran modos diversos y no comparables de la existencia humana, sino como quienes son carentes en términos de lo que ha sido logrado por los paises avanzados” ( SACHS, 1996, p. 8). Contudo, nenhuma resistência à ocidentalização do mundo poderia ser suportada pelos promotores do desenvolvimento, para quem qualquer intervenção em nome do desenvolvimento é santifi cada e justifi cada.

O bem viver e a recusa do progresso 4- O progresso, como manifestação dos feitos da razão e da capacidade de aperfeiçoar do ser humano,

revela-se, na crítica da perspectiva que foi incorporada pelo bem viver, como um mito, crença, culto à ciência e à reverência à técnica. E como toda fantasia, segundo o termo usado por Sachs(1996), brota e more, não tanto porque é considerada falsa, mas por que porta promessas9 que se tornam “irrelevantes” (p. 10). Esse diagnóstico repercutiu na discussão em torno do desenvolvimento no seio polifônico do bem viver. A concepção de pós-desenvolvimento surge como crítica ao progresso e a sua recente versão desenvolvimentista.

Gudynas (2014) entende o pós-desenvolvimento como critica ao progresso e o bem viver como alternativa ao desenvolvimentismo. Nesse sentido, pós-desenvolvimento é também é uma forma de construção de ferramentas de transição. Como ressalta Unceta (2014), as transições decorrem de práti-cas, medidas, ações, passos visando “moverse desde el desarrollo convencional hacia el buen vivir» (p. 6) O pós-desenvolvimento em sua correlação com o bem viver é tanto um conceito como uma prática social (ESCOBAR, 2005)

Há, de qualquer forma, uma identidade entre a concepção de bem viver e a proposta do pós-desenvolvimento. Ambo dizem respeito à criação de um espaço e tempo abertos à multiplicidade das culturas em diálogos, buscando resgatar e manter um acoplamento metabólico entre seres humanos e a natureza, sendo esta reconhecida como igualmente portadora de direitos e valores intrínsecos10, ao mesmo tempo em que integrações autônomas entre diversos territórios e povos passam a acontecer. A 9 Segundo ROJAS ( 2010) o programa norte americano para a América Latina Aliança para o Progresso propôs realizar em uma década os seguintes metas: “Alcanzar una tasa de crecimiento anual mínima del 2.5% per cápita; Distribuir de manera más equitativa del ingreso nacional así como dedicar una mayor proporción del producto nacional a la inversión; Diversifi car las estructuras de las economías nacionales y promover las expor-taciones; Acelerar el proceso de industrialización; Aumentar el nivel de la poductividad agrícola; Implementar programas de reforma agraria; Eliminar el analfabetismo adulto y, para 1970, asegurar como mínimo un acceso de seis años de educación primaria para cada niño en edad escolar; modernizar y expandir la educación media, vocacional y superior; Incrementar la esperanza de vida al menos en cinco años así como mejorar las medidas de saneamiento y la atención en salud a la población; Incrementar los planes de vivienda de bajo costo; Mantener el nivel de precios estable e impedir la infl ación o la defl ación; Fortalecer los acuerdos de integración económica regional; Evitar las excesivas fl uctuaciones en los montos de divisas derivadas de la exportación de los productos primarios y adoptar las medidas necesarias para facilitar el acceso de las exportaciones latinoamericanas a los mercados internacionales.” (p. 11)10 A visão meramente instrumental da natureza é rechaçada pelo bem viver. “La crítica del postdesarrollo entiende que la Naturaleza es colocada por fuera de la sociedad, desprovista de organicidad y reconvertida en un conjunto de bienes o servicios que deben ser aprovechados por los seres humanos. Una vez más, la ciencia y la técnica brindarían los medios más efi cientes para apropiarse de esas riquezas naturales. Estos y otros factores ha-cen que, para el desarrollo, la ciencia y la tecnología representen un cartesianismo instrumental y manipulador.” (GUDYNAS, 2014, p. 66)

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construção do futuro, no espaço tempo do bem viver baseia-se no diálogo, no levar em conta uma mul-tiplicidade de propostas, ou seja, não se fecha em torno de um único critério sobre o que vem a ser o melhor. Não se trata, portanto, de uma aposta no viver melhor expresso na acumulação material, no ser mais competitivo, mais produtivo e mais consumista. (GUDYNAS, 2017, p. 50)

Tomado como uma forma de vida plena e harmônica, o bem viver se manifestas em diferentes correntes de pensamento11. O bem viver é ao mesmo tempo uma forma alternativa de desenvolvimento e uma alternativa ao progresso como ocidentalização. A crítica a partir do pós-desenvolvimento guar-da algo do desenvolvimento, buscando, contudo, dar um novo signifi cado a esse conceito, de modo a torná-lo não apropriável pelo sempre presente discurso colonial, tal como ocorreu com o termo sus-tentabilidade. Nesse sentido há um reconhecimento da vida boa como uma forma de desabrochar de potencialidades. Mas o bem viver rompe com a lógica desenvolvimentista baseada na imposição ou submissão a um padrão externo de progresso ocidental que provou ser um fracasso do ponto de vista humano e ambiental. Como propõe Acosta (2014), o bem viver vai para além do desenvolvimento12, sobretudo do modo como este foi encapsulado tanto pelo capitalismo quanto pelo socialismo. Baseando se na ideia do presente como tempo prenhe de múltiplos futuros possíveis, dentre os quais caberia pro-mover o que garantissem a capacidade de bem viver das gerações futuras e a própria existência dessas novas gerações. O que passa exigir novas formas de alterar a sociedade atual, no sentido de a tornar justa econômica e ambientalmente. A produção do bem viver é, ao mesmo tempo, um compromisso com o combate à iniquidade social e à colonialidade. Isso exige uma ruptura em relação ao ideia de progresso que até então tem “norteado”, as sociedades “latino-americanas”, distanciando-as de si mesma e de suas potencialidades enquanto tal. Trata-se de manter as condições originarias (relações tradicionais

11 Cubillo-Guevara; Hidalgo-Capitán; García-Álvarez (2016) destacam três correntes de pensamento do bem viver: la indigenista (o culturalista o irreductible), la socialista (o ecomarxista o light) y la postdesarrollista (o ecologista o new age). Para o bem viver confl uem varias visões e perspectivas: “El Buen Vivir recupera la idea de una buena vida, del bienestar en un sentido más amplio, trascendiendo las limitaciones del consumo material, y recuperando los aspectos afectivos y espirituales. Esta dimensión se expresa en subrayar la “plenitud de la vida” y en la austeridad y el rechazo de vivir “mejor” a costa de otros. También se incorporan algunas ideas clásicas, tales como asegurar que las “libertades, oportunidades, capacidades y potencialidades reales de los individuos se amplíen y fl orezcan” ( p. 79)(...) “Esto permite despejar otro malentendido usual con el Buen Vivir, al despreciarlo como una mera aspiración de regreso al pasado o de misticismo indigenista. Al contrario, el Buen Vivir expresa construcciones que están en marcha en este mismo momento, donde interactúan, se mezclan y se hibridizan saberes y sensibilidades, todas compartiendo marcos similares tales como la crítica al desarrollo o la búsqueda de otra relacionalidad con la Naturaleza. El Buen Vivir también recibe aportes de algunas tradiciones occidentales que han cuestionado dis-tintos presupuestos de la modernidad dominante.” (CUBILLO-GUEVARA; HIDALGO-CAPITÁN; GARCÍA-ÁLVAREZ, 2016, p. 81)12 “Ante el fracaso manifi esto de la carrera detrás del fantasma del desarrollo emerge con fuerza la búsque-da de alternativas al desarrollo. Es decir, de formas de organizar la vida fuera del desarrollo, superando el de-sarrollo, en especial rechazando aquellos núcleos conceptuales de la idea de desarrollo convencional, entendido como la realización del concepto del progreso impuesto hace varios siglos. Esto necesariamente implica superar el capitalismo y sus lógicas de devastación social y ambiental. Esto nos abre la puerta hacia el posdesarrollo5 y por cierto al poscapitalismo. Aceptémoslo, para la mayoría de habitantes del planeta el capitalismo no representa una promesa o sueño a realizar, es una pesadilla realizada” (GUDYNAS, 2014, p. 27)“El postdesarrollo también permite identifi car discusiones que buscan trascender el discurso del desarrollo, hace visibles saberes y sensibilidades ocultados o subordinados, atiende a críticas antes desechadas, en particular las provenientes de los pueblos indígenas, y alienta nuevas hibridaciones en la exploración de alternativas. Éstas son las que nutren las “alternativas al desarrollo”. ( 69

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entre seres humanos e a natureza conforme uma cosmologia tradicional dos povos encentrais) e criar, a partir delas, alternativas de fl orescimento social, cultural e econômico centradas na diversidade de atores (especialmente os movimentos sociais) e concepções de vida boa.

Assim, o pós-desenvolvimento fomenta transformações que não são encargos meramente tecni-cocientífi cos, nos quais se lida com processo naturalizados, defi nido objetivamente por especialistas. As transformações passam a ser vistas antes de tudo como processos culturais (GUDYNAS, 2014). O bem viver é um horizonte perante o qual a ciência e a tecnologia não são neutras e só passam a ter sentido quando são capazes de levar em conta os valores e as criticas feitas na perspectiva do pós-desenvolvi-mento. As transições não são ocasionadas por meros cálculos em busca da melhor solução possível dada pelo estado da arte do modo de progredir. Elas requerem “transformaciones de muy diverso grado y en diversos âmbitos” (UNCETA, 2014). Seus instrumentos são contextualizados, isto é perpassados por va-lores e interferências dos que estão concernidos nas práticas de transformadoras. A forma como Walsh (2014) concebe as fi ssuras e as gretas como pontos estratégicos busca evitar associar às transformações ao processo tecnobrucrático dos administradores do progresso capitalista e o planejamento centraliza-do revolucionário. Não se trata também de bater de frente com o muro e as estruturas coloniais: “Las grietas se vuelven el lugar y espacio desde donde la acción, militancia, resistencia, insurgencia y trans-gresión son impulsadas, donde las alianzas se construyen, y lo que es de modo�otro se inventa, crea y construye” (p. 4). Cabe então aprender a localizar essas gretas e fi ssuras e pontos de ação e transição.

Considerações fi nais 5-

Feenberg (2015) pergunta se seria possível elaborar uma defi nição de progresso com base no diálo-go emergente entre a tecnologia e a experiência do dia a dia. Ele vê nisso uma forma de democratização da técnica ainda no interior da modernidade. A proposta de fazer desabrochar os potenciais das coisas levando em conta os princípios do bem viver e da crítica do pós-desenvolvimento não deixa de ser uma radicalização do que propõe Feenberg.

Contudo, cabe pontuar até onde algumas concepções do bem viver seriam ou não mais adequada para isso. Experiências ligadas à economia solidária e à tecnologia social de certo modo confl uem com o bem viver e deveriam mesmo ser exigências dele. Nesse sentido, cabe discutir a forma como a re/pro-dução da vida, o trabalho, a tecnologia, a ciência e a organização da economia poderiam se rearticular a partir da abordagem ético-política do bem viver.

Bibliografi a 6-

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