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Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 04. No. 01. (2013), p. 163-188 ISSN 1516-9219. DOI: 10.7443/problemata.v4i1.15705 Semântica, empirismo e filosofia Lucas Ribeiro Vollet * Resumo Esse artigo desenvolve nos dois primeiros capítulos uma avaliação das semelhanças entre, por um lado, as repercussões filosóficas da semântica formal, entendida como uma teoria puramente semântica da verdade; e, por outro, os pressupostos do empirismo, entendido como uma posição epistemológica que afirma a primariedade da contribuição dos dados dos sentidos na composição do conhecimento. O empirismo será exposto como um pronunciamento filosófico intermediário entre a epistemologia e a semântica, baseando- se no fato de que a concepção epistemológica a que ele remete tem traços que prenunciam um parentesco com a semântica. Os traços heterogêneos dessa concepção são, a saber, os envolvidos na ideia de que o conhecimento não depende do conteúdo da relação de preenchimento cognitivo, mas unicamente da forma dessa relação. Coerentemente, a concepção semântica da filosofia será exposta como uma radicalização da linha empirista, como o preço por levá-la às últimas consequências. Uma vez esboçados esses traços, o artigo tentará extrair conclusões sobre a natureza da semântica do ponto de vista filosófico, discutindo a partir daí a reivindicação dessa disciplina como substituta filosófica da metafísica e da epistemologia. Nossa conclusão será que, uma vez que a semântica subentende e radicaliza os pressupostos empiristas, semelhante disciplina apenas pode fazer um pronunciamento filosófico de peso como uma repetição da fórmula pré-crítica que polariza as perspectivas filosóficas em dogmáticas e céticas. O final do artigo procurará apresentar esse diagnóstico diante de um confronto com a fenomenologia. Palavras-chave: semântica formal, empirismo, filosofia, ceticismo, dogmatismo, fenomenologia. Semantics, empiricism and philosphy Mestre em Filosofia pela UFSC. Doutorando em Lógica e Epistemologia na Universidade Federal de Santa Catarina. m@il: [email protected] recebido: 03/2012 aprovado: 05/2013

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Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 04. No. 01. (2013), p. 163­188ISSN 1516­9219. DOI: 10.7443/problemata.v4i1.15705

Semântica, empirismo e filosofia

Lucas Ribeiro Vollet *

ResumoEsse artigo desenvolve nos dois primeiros capítulos umaavaliação das semelhanças entre, por um lado, asrepercussões filosóficas da semântica formal, entendida comouma teoria puramente semântica da verdade; e, por outro, ospressupostos do empirismo, entendido como uma posiçãoepistemológica que afirma a primariedade da contribuiçãodos dados dos sentidos na composição do conhecimento. Oempirismo será exposto como um pronunciamento filosóficointermediário entre a epistemologia e a semântica, baseando­se no fato de que a concepção epistemológica a que ele remetetem traços que prenunciam um parentesco com a semântica.Os traços heterogêneos dessa concepção são, a saber, osenvolvidos na ideia de que o conhecimento não depende doconteúdo da relação de preenchimento cognitivo, masunicamente da forma dessa relação. Coerentemente, aconcepção semântica da filosofia será exposta como umaradicalização da linha empirista, como o preço por levá­la àsúltimas consequências. Uma vez esboçados esses traços, oartigo tentará extrair conclusões sobre a natureza dasemântica do ponto de vista filosófico, discutindo a partir daía reivindicação dessa disciplina como substituta filosófica dametafísica e da epistemologia. Nossa conclusão será que, umavez que a semântica subentende e radicaliza os pressupostosempiristas, semelhante disciplina apenas pode fazer umpronunciamento filosófico de peso como uma repetição dafórmula pré­crítica que polariza as perspectivas filosóficas emdogmáticas e céticas. O final do artigo procurará apresentaresse diagnóstico diante de um confronto com a fenomenologia.Palavras­chave: semântica formal, empirismo, filosofia,ceticismo, dogmatismo, fenomenologia.

Semantics, empiricism and philosphy

Mestre em Filosofia pela UFSC. Doutorando em Lógica e Epistemologia na Universidade Federalde Santa Catarina. m@il: [email protected]

recebido: 03/2012aprovado: 05/2013

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Problemata ­ Rev. Int. de Filosofia. Vol. 04. No. 01. (2013). p. 163­188ISSN 1516­9219

AbstractThe two first chapters of this article develop an evaluation ofthe similarities between, on one hand, the philosophicalimplications of formal semantics, understood as a purelysemantic theory of truth, and on the other, the assumptions ofempiricism, understood as an epistemological positionaffirming the primary contribution of sense­data in thecomposition of knowledge. Empiricism will be exposed as anintermediary philosophical statement between epistemologyand semantics, where the epistemological conception ofempiricism is not entirely epistemological, but alsoforeshadows the semantic conception. This conception is,namely, that knowledge does not depend on the content ofcognitive fulfilling relationship, but strictly on the form of thisrelationship. Accordingly, the semantic conception ofphilosophy will be exposed as a radicalization of the traditionof empiricism. Once these traits are outlined, the article willattempt to draw conclusions about the nature of semanticsfrom the philosophical point of view, thus proposing thediscussion of the reassignment of this discipline as aphilosophical substitute of metaphysics and epistemology.Since the semantic point of view assumes and radicalizes theempirical point of view, this article will conclude that the onlyway for semantics to position itself philosophically is byrepeating a previous and pre­critical error: or succumb todogmatism or skepticism.Keywords: formal semantics, empiricism, philosophy,skepticism, dogmatism, phenomenology.

1. Sobre a neutralidade metafísica e epistemológica dasemântica formal de Tarski

Definir a verdade em termos semântico­formais nãoparece à primeira vista nenhum mérito filosófico,principalmente se lembrarmos que o projeto de Tarski tinha omodesto objetivo de resgatar o valor de uma noção antigapelo seu caráter trivial, originalmente atribuída a Aristóteles:a de que dizer de uma coisa que é, que ela é; e de uma coisaque não é, que ela não é, é verdadeiro1. O critério deadequação material de Tarski é uma paráfrase, selecionada

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mais nãoilosófico,ki tinha oão antigaristóteles:ma coisaitério delecionada

para seus propósitos, dessa noção e já anuncia a linha que sedeve seguir para definir a verdade, a saber, a ênfase nasintaxe da linguagem.

Ele propõe como condição de adequação material que qualquerdefinição aceitável de verdade deva ter como conseqüênciatodas as instâncias do esquema (T): S é verdadeira sse p, ondep pode ser substituído por qualquer sentença da linguagempara o qual a verdade está sendo definida e S deve sersubstituído pelo nome da sentença que substitui ‘p’. (HAACK2002: p. 144)

Com a observação desse critério, de saída se protege adefinição de verdade de qualquer tentativa de instanciá­lacom sentenças cuja estrutura seja sintaticamente enganosa.Por exemplo, a sentença “Rei da França é careca”, famosanos trabalhos de Bertrand Russel, desde que não é verdadeiranem falsa, não pode instanciar o esquema (T). A rigor, aslinguagens providas de sinônimos extralógicos, como“solteiro” e “homem que não casou” tão pouco seconformam a esse esquema, portanto, não se conformam aele toda a maior parte das linguagens naturais – tal como asconhecemos2. Do ponto de vista da verdade e de suasarticulações, é importante se adequar a esse esquema, poisessa é a primeira condição para definir a verdadeposteriormente sem o auxílio de noções semânticasprimitivas extraídas da gramática ou da metafísica, atinandoapenas para a sintaxe da linguagem em que ela deve serdefinida.

A segunda condição de Taski é estender essa exigência,satisfeita de maneira parcial pelo esquema (T), até todas assentenças de uma dada linguagem, o que é atendidodefinindo a verdade recursivamente. Não fará parte desteartigo a remontagem de todo o trajeto de Tarski na suadefinição recursiva, mas apenas notar que ela universaliza adefinição parcial dada pelo esquema T, e dissemina a

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exigência de uma estrutura sintática não enganosa, presentenas pressuposições de Russel e do primeiro Wittgenstein, aestendendo como condição para uma definição de verdade. Osuplemento filosófico presente na definição recursiva édeterminar que antes de procurar o comprometimentoepistemológico ou a expressão metafísica envolvida naformulação aristotélica, Tarski olha apenas para asconseqüências formais – para uma linguagem – que estãoimplicadas na noção.

Dito em outras palavras, os filósofos interessados na“verdade” devem, consoantes a isso, desviar sua atenção paradiscussões sobre as características da linguagem em que averdade pode ser definida: as características de sua estruturae de como esta permite explorar os conceitos modais depossibilidade e necessidade, por exemplo. Outras coisasdevem estar contempladas nessa estrutura, como o fato deque a verdade de um enunciado depende da falsidade detodos os enunciados que o contradizem, que a disjunção dedois enunciados verdadeiros depende da verdade de pelomenos um dos dois, e daí por diante, aliando­se com a noçãode verofuncionalidade pertinente aos trabalhos de Russel eWittgenstein. Se a linguagem em que a verdade é definidatem uma estrutura que condiz com a correção formal exigidapor Tarski, é possível:

...ser construída na metalinguagem uma definição formalmentecorreta e materialmente adequada de sentença verdadeiraapenas com o auxílio de expressões lógicas gerais, deexpressões da própria linguagem, e de termos da morfologia dalinguagem – mas sob a condição de que a metalinguagem sejade uma ordem mais alta que a linguagem que é objeto deinvestigação (TARSKI 2007: p. 147).

Assim, definir a verdade em termos semânticos formaisdepende de que se possa defini­la em termos recursivos, oque está condicionado a que a verdade de proposições

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estruturalmente complexas remeta à verdade de proposiçõesmais simples. Dissemos que essa condição corresponde àsexigências enunciadas por Russel, o primeiro Wittgenstein, eacusamos sua presença na raiz dos projetos da filosofiaanalítica, responsável, ademais, pelo amadurecimento decertas tendências ramificadas pressupostas já na sua base:como as tendências positivistas­lógicas. É verdade, porém,que a manobra de Tarski chega ao mesmo destino por outroscaminhos, através de outra abordagem e uma diferenterepresentação de interesses. Portanto, esse autor e sua teoriasemântica da verdade surge independentemente de um apoioao atomismo lógico de Russel ou à visão sobre a essência dalinguagem de Wittgenstein3.

O foco concentrado no caráter formal implicado nanoção aristotélica dá uma nova dimensão à ideia dedependência correspondencial implícita na teoria da

correspondência sobre a verdade, que comporta ao mesmotempo uma reserva de vestígios metafísicos eepistemológicos. Se comprarmos o resgate de Tarski,ganhamos colateralmente a perspectiva de que por um lado averdade é a propriedade de uma sentença que indica a suadependência com as outras sentenças da linguagem, e que,por outro lado, esse caráter torna o predicado “verdadeiro”uma referência a conteúdo extra­linguístico nenhum, poisapenas indica um índice para reconhecer a contribuição deuma sentença no contexto de uma tabela de verdade, isto é,reconhecer como a verdade de outras sentenças dependemdela, e como a sua verdade depende da verdade de outrassentenças. No nível mais simples da tabela, a verdadedepende do que foi prescrito pela metalinguagem em umadistribuição de estados4.

Além disso, e este é um dos motivos pelo qual tal teoriase tornou tão popular, a analiticidade pode ser definida no

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interior dessa linguagem de maneira mais rigorosa do quepor Kant. Para este autor, o analítico seria a propriedade dosjuízos verdadeiros em virtude unicamente da análise dosconceitos que compõem esse juízo, o que significa duascoisas. 1) que a função classificatória do conceito predicadoda sentença não distingue nada do que já não havia noconceito sujeito5. E 2) que a sua verdade é unicamenteproduto da identidade ou da não contradição6. Essaspropriedades indicam que a verdade é obtida unicamenteatravés dos conceitos. Tal definição só tem serventia emcontraste com os juízos sintéticos, cuja verdade só pode serobtida por meios de confirmação não conceitual, isto é,através de um enriquecimento intuitivo, que para Kant podeser obtido a posteriori ou a priori. Não nos interessa aquiaprofundar a exposição de Kant senão até alcançar a nossadiscussão. Ora, na semântica de Tarski é possível definir oser analítico como uma propriedade de sentenças, devidounicamente a uma característica de sua forma, sem nenhumaconsideração sobre conceitos e proposições, muito menosjuízos, portanto, sem depender de uma linguagem que traduzos nosso conceitos, e assim, sem depender de característicasque apelem para algo além de sua forma. Tarski conserva acondição da não contradição sem um apelo à contençãoconceitual e faz assim um passo a mais contra um possívelmentalismo ainda contido na lógica, permitindo umconsiderável progresso no sentido da economia ontológica. Aanaliticidade não é mais a propriedade de uma operaçãomental e pode ser identificada simplesmente com o auxíliode uma tabela de verdade; o que polariza com mais precisãoa diferença entre as sentenças que equivalem a juízossintéticos e as que equivalem a juízos analíticos. Talpolarização depende da indispensável noção de forma.

Com tudo isso, o que se espera de uma linguagemsemanticamente rigorosa é que possamos identificar o caráter

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de nossas proposições e lances linguísticos relevantes paraavaliar se são verdadeiras ou se são falsas, possibilitando,colateralmente, demarcar quais delas são analíticas, cujaverdade vale para todas as substituições de estado, o que,segundo Quine, “é uma adaptação do leibniziano ‘verdadeiroem todos os mundos possíveis’” (1980: p. 233). Esse caráteré justamente a forma. O conjunto de confusões em que umalinguagem pode cair se não satisfazer essa importantecondição semântica é tão ampla que é difícil imaginar comoabreviá­la em um traço comum que os congregue. Asemântica de Tarski é abertamente projetada para eliminarparadoxos como os do mentiroso, e por vezes ela seconfunde inteiramente com um desenho de solução para esseproblema7. Mas não dizemos menos do que deveríamoslembrando que a projeção exclusiva contra essa característicaobscurece a amplitude do alvo que sua teoria pode explorar.Pois em uma linguagem sem a possibilidade de satisfazer anoção de verdade em termos recursivos também nãopoderíamos ver com clareza como uma sentença depende deoutra unicamente em virtude de sua forma, e por isso, por umlado muitas inferências ficariam obscurecidas, e por outro,muitas outras poderiam ser feitas falaciosamente, isto é, nãoformalmente. No geral, como causa dessas inviabilidadesacima, parece que um problema mais trivial se abate sobreesse exemplo de linguagem: nela o valor de verdade nãopode servir para os propósitos a que normalmente aplicamosesse termo, a saber, para distinguir a falsidade, e obter novasverdades. Assim, para falar de modo geral e numaapresentação mais ampla, a semântica de Tarski é umamaneira de definir a verdade de modo a evitar não apenas oparadoxo do mentiroso ou o de Russel, mas de modo a evitarqualquer concepção de verdade capaz de desvirtuar o sentidoda aplicação desse termo.

Outra coisa que aprendemos a recusar sistematicamente

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através da semântica formal é que o conteúdo de umadoutrina particular possa servir de fundamento para definir a“verdade”. Para a verdade de uma sentença não é importantea verificação de pormenores e detalhes do conteúdo, masunicamente que se possa distingui­la de todas as afirmaçõesfalsas nitidamente, isto é, que seja uma instância do pré­mencionado esquema “T”: “p” é verdadeira se e somente se p– universalizada de maneira recursiva para cada proposiçãoda linguagem. A expressão da conexão entre uma verdade eoutra, por isso, tem de estar contida na forma, não noconteúdo regional – de outro modo, poderíamos ter deencarar uma conseqüência falsa no futuro, pois estaríamospresos a uma “validade” que se funda na ausência regionalde conseqüências falsas, e a verdade de uma afirmação nãogarantiria a falsidade de todas as afirmações contraditórias aela; o que vai contra não apenas o que Tarski entende por“verdadeiro”, mas o que qualquer debatedor ocasional queusa essa palavra exige dela, isto é, que uma vez ela aplicadaa uma sentença, não pode ser aplicada a sua contraditória.

Ora, no início falávamos que o valor da semântica deTarski estava quase apenas no resgate de uma noção trivialde Aristóteles. Contudo, o aspecto trivial dessa noção tem deser cuidadosamente garimpado, pois a mesma foi apropriadapor outros filósofos e tradições que passaram a dialogar comas noções de correspondência de maneira sistemática. antesde Tarski. Pode­se dizer que semelhante concepção respondepela influência de uma perspectiva metafísica sobre averdade, a saber, que a verdade é a correspondência com arealidade. Com algumas modificações, essa visão passoutambém para os teóricos que discutiram as teorias darepresentação e da cognição, interessados nos processosmediante os quais a mente alcança seus objetos. No segundocaso a ideia de correspondência como centro da relação dedoação de verdade é pressuposta, mas discutida nos termos

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de umadefinir aportanteúdo, masfirmaçõesdo pré­ente se proposiçãoerdade e, não nos ter destaríamosregionalação nãoditórias atende porional queaplicadatória.ântica deão trivialo tem depropriadaogar comica. antesrespondesobre aia com ao passouorias daprocessossegundoelação des termos

da fidelidade da representação para retratar a realidade,colocando em disputa, por exemplo, o papel de cadafaculdade mental na administração geral dessascontribuições. Apesar da ideia de representação ser discutidacomo centro da filosofia apenas no início da modernidade,com Descartes, Locke e Hume, já em Platão existemdiscussões para pôr em questão a contribuição dos sentidos eos da razão no papel de acessar a realidade. Nesse caso,realidade contrasta com ilusão, e a correspondência com arealidade é equivalente a uma representação não ilusória.Esse sentido de ilusão, isto é, de engano ontológico, insereem nossa perspectiva como um metafísico trabalha com anoção de verdade: é a propriedade das proposiçõesassertóricas não ilusórias.

Naturalmente, todas as chamadas relações vero-funcionais, e a própria ideia de analiticidade seriamprejudicadas pela presença da ilusão, de modo que aperspectiva metafísica pode ser vista como um desenhopreliminar e primitivo da perspectiva semântica. No entanto,são tudo menos triviais, e se Tarski tinha o objetivo deresgatar a trivialidade da concepção Aristotélica, a execuçãode seu objetivo deve ser complementar a uma recusa dateoria metafísica. Todas essas maneiras metafísicas de falarem ilusões são convertidas, na visão semântica, a somenteisso: não é possível definir a verdade rigorosamente nointerior da estrutura sintática da linguagem influenciada poressa perspectiva, pois não haveria uma forma geral paraexplorar de maneira simples a relação lógica entre os doislados. Nesse esboço grosseiro captamos um apanhadobastante geral para caracterizar a posição da semânticaformal relativamente à noção metafísica de verdade comocorrespondência – que, de certa forma é transmitida àepistemológica pela noção de verdade justificada, oufundamentada em uma experiência. Quando se diz

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semanticamente, portanto, que a verdade é a correspondênciaentre uma proposição e a “realidade”, isto é apenas aexpressão metafísica ultrapassada de uma noção trivial: danecessidade de que a verdade seja exposta em umalinguagem regimentada, onde a sua estrutura corresponda auma forma lógica. Tarski traduz essa necessidade sem apelosmetafísicos e abre as portas para substituir essa expressãoultrapassada. Para se ter uma linguagem onde a analiticidadee a vero­funcionalidade funcionem, basta que a verdadepossa ser definida de maneira recursiva no seu interior. Eisso traduz, sem os compromissos metafísicos originais, aideia de que um conjunto de proposições tem de remeter auma ontologia correspondente, uma realidade, para serformalizada. Assim, a teoria da correspondência com arealidade é diluída na semântica formal, conservando os seusaspectos proveitosos e rejeitando voluntariamente o âmbitode problemas mais confusos sobre a realidade e a ilusão.Como resultado, a própria ideia de “correspondência” nãoprecisa mais entrar na definição de verdade.

Tudo indica, até aqui, que para regimentar logicamenteuma linguagem é preciso avaliá­la segundo uma semânticaformal. De acordo com o que vimos acima, a estrutura formalde proposições sintaticamente bem formadas de um corpoconceitual é imprescindível para substituir as noções modaisde possibilidade; colateralmente com as noções denecessidade e impossibilidade. Todas são convertidas,semanticamente, a diferentes formas de aplicação dopredicado “verdade”, que podem ser definidasrecursivamente no interior de uma linguagem. Além disso,ela suprime as repercussões metafísicas dessas noçõesmodais, e, como veremos, supera as concepções em que averdade ainda sofre do paradigma metafísico – como a noçãoepistemológica de fundamentação na experiência.

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2. As raízes da semântica formal no empirismo

A semântica de Tarski recusa qualquer compromissoontológico, epistemológico e metafísico. Sua noção deverdade de certa forma explica a noção de forma sem apelosa uma realidade a que correspondem as proposições.Podemos adicionar agora: não recorre também à ideia defundamentação na experiência, que é a adaptação da teoriacorrespondencial metafísica à epistemologia. Tarski realizaessa tarefa servindo­se unicamente da definição recursiva deverdade. Esse não é um resultado lateral da semânticaformal, mas talvez o seu núcleo e sua relevância filosóficamais abrangente. Pois a semântica pretende aproveitar dosbenefícios da neutralidade metafísica­epistemológica, a fimde que a ideia de confirmação, tão controversa na metafísicae na epistemologia, seja identificada a de um meroajustamento com um sistema de referência; um ajuste, note­se bem, e não uma fundamentação experimental ou umacorrespondência com a realidade. Talvez melhor: a semânticaformal bane a noção de confirmação e todas as sugestõescontroversas nela contida, como a de “recheio”,“preenchimento”, “intuição fundante”, “correspondência”,“intencionalidade”, etc. Nesse capítulo defenderemos queessa identificação é a expressão sólida de uma tendênciaempirista, pois essa ideia anti­metafísica e, por assim dizer,pós­epistemológica, nasce, antes, de um preconceito (deorigem epistemológica) que subsiste na raiz do ceticismoempirista.

Introduziremos o empirismo segundo traços gerais quecorrespondam ao aspecto relevante dessa doutrina para adiscussão aqui encetada. Dentro de uma abordagem daaplicação dessa doutrina a uma interpretação da ideia deverdade, o empirismo pode ser apresentado, aplacando por

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hora apenas a necessidade de uma exposição breve, comouma abordagem que defende a preeminência da sensibilidadecomo a fonte privilegiada dos fundamentos correlacionaisusados para fundamentar representações mentais, isto é, paraprover experiências. A terminologia das representaçõesinvoca a conformação a uma linguagem psicologista. A ideiade fundamentação, por sua vez, invoca uma necessidadeepistemológica, que traduz nos termos de uma necessidadeexperimental aquela exigência de correspondência com arealidade, que era propaganda inicial da metafísica. Porexperiência entende­se a ocorrência psicológicacaracterística da fundamentação epistemológica. Como porexperiência se entende nessa abordagem psicológica oequivalente ao fenômeno de correspondência que, nametafísica, devia ser buscado na realidade, ela pode serchamada de lance epistemológico de tentativa de definiçãoda verdade. A verdade aqui é a correspondência darepresentação com a experiência. Dito de outra forma, aexperiência preenche objetivamente, dá fundamentação, àrepresentação mental. De maneira que, assim, todarepresentação mental objetiva tem de ser uma experiência ouser fundada por uma experiência. Essa concepção coincidecom a de John Locke e David Hume, estando presente desdeo empirismo clássico e tornando­se um verdadeiro lema epressuposto do empirismo britânico de Bertrand Russel e opositivismo lógico de Moritz Schlick e Rudolf Carnap.

Queremos discutir aqui as características da noçãoempirista de experiência para o debate acerca da verdade. Emtermos gerais, a experiência permite explicitar a verdade deum enunciado como um evento de preenchimento,confirmação, que doa a validade da associação darepresentação com o representado pressuposta em todoenunciado. A possibilidade da experiência tem sido a pedrade toque e o apelo último de muitas teorias epistemológicas,

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ve, comosibilidadelacionaisto é, parasentaçõesa. A ideiacessidadecessidadea com asica. Poricológicaomo porlógica oque, napode serdefiniçãoência daforma, antação, àm, todaiência oucoincidente desdeo lema eussel e op.a noçãodade. Emrdade dehimento,ação daem todoa pedraológicas,

e não apenas o empirismo. A filosofia transcendental de Kantestá toda fundada no fenômeno subjetivo que condicionaintuitivamente a experiência possível, e a fenomenologia deEdmund Husserl depende da intencionalidade, isto é, dosfenômenos intencionais que garantem a associação darepresentação com uma fonte de preenchimento regionalunívoca. O que destaca o empirista, entretanto, é a suaidentificação da experiência com o fundamento sensível, umafonte de representação primária e elementar do ponto de vistapsicológico. Esse recurso à primariedade psicológica dassensações permite ao empirista basear sua concepçãoepistemológica em uma teoria de psicologia, e ficar livre deconceitos como intencionalidade (Husserl) ou unidadetranscendental da apercepção (Kant), responsáveis por elevaràs vezes inconvenientemente a complexidade da teoriaepistemológica dos últimos, até delinear parentescos comuma espécie de metafísica da experiência.

Dessa maneira começamos a ver o nascimento daconcepção semântica nas raízes do empirismo. Essa manobrapermite que a concepção empirista de fundação epreenchimento não dependa mais de um conteúdo. Ele nãodepende mais do conteúdo da experiência, pois a psicologiados dados primários pode ser descrita, não por uma leituraintuitiva, particular, privada, mas por uma linguagem: a dosdados psicológicos primários, que já é uma interpretaçãoteórica da experiência. A experiência é desse mododissolvida na linguagem. Do ponto de vista fenomenológicoisso seria uma absurdo, pois, segundo Husserl, a cargaintuitiva da experiência não pode ser teoricamente postulada:“o ver não pode demonstrar­se; o cego que quer tornar­sevidente não o consegue mediante demonstrações científicas”(HUSSERL 2008: p. 25). O empirismo, no entanto, subverteessa noção, dando uma explicação natural­psicológica daexperiência. Mais que isso, ele dá uma interpretação

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lingüística da experiência, pois os dados primários não sãosenão os dados derivados de expressões atômicas dalinguagem. Assim, é possível enfim ao empirista, emconsequência da opção de enfatizar o fenômeno psicológicodos sentidos, dar uma explicação da relação decorrespondência mediante um apelo à simples “forma” dacorrelação entre representação e representado. Mas se essacorrelação tem apenas uma forma e nenhum conteúdo, nãosugere mais nenhuma fundamentação entre os dois termos darelação. A tradução da experiência para a linguagem dedados psicológicos primários é, assim, uma eliminação dacontribuição fundante da experiência, que assim torna­seapenas um índice de resposta psicológico para a ideia desatisfação formal. Mas uma experiência sem conteúdo, quenão acrescenta uma contribuição intuitiva para aquele que atem, não é, a rigor, experiência nenhuma do ponto de vistafenomenológico­subjetivo. Isto é, não pressupõe a ideia desujeito ou intencionalidade, e o aspecto psicológico dassensações torna­se supérfluo uma vez que se dilui em umalinguagem de dados primários. O empirismo, portanto, éresponsável pela substituição da ideia de fundaçãoexperimental pela de relação de significação lingüística8.

A validade, para o empirista lógico, tampouco dependede uma correspondência com a realidade: pois desde que ovalor confirmador ou verificador da experiência (consideradacomo dados sensíveis) é irrelevante, eles não podem chegarmais perto ou menos perto de alcançar um ponto de acessoneutro a todos os cientistas, a saber, uma realidade, nem doponto de vista aproximado, nem integral. A validade, para oempirista coerente não depende ainda do valor de decisão dodado empírico: pois o empirista utiliza os dados deconfirmação primários apenas enquanto esses servem aosseus propósitos internos, independente de seu valor paramostrar as fraquezas da teoria, isto é, sua força falseadora,

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como diria Popper – de modo que o dado empírico, noempirismo, é uma moeda desvalorizada na política danegociação do crédito científico: em outras palavras, ele éusado de maneira ad hoc para se adaptar ao propósito internode qualquer teoria. E a validade não depende tampouco devalor de cada dado para comparar teorias: pois o empiristalógico se serve apenas dos dados pré­selecionados comorelevantes à sua demarcação anti­metafísica e é insensívelaos fatos que confirmam, verificam, falseiam, ou comparamas teorias.

A tese desse artigo é confirmada pelo empirismomoderno, o empirismo ou positivismo lógico, que troca asnoções psicológicas do empirismo clássico por noçõeslógicas e lingüísticas, e troca as discussões sobre a validadedas representações mentais objetivas pela validade doconhecimento da ciência. No tocante à teoria da ciência, oempirista pode ser um realista ou um não realista.. É verdadeque o empirismo clássico ainda mantinha traços realistas, eque os seus opositores muitas vezes se baseavam naimpossibilidade do seu suposto realismo devido aosproblemas derivados da indução. Mas, radicalizando essesmesmos traços, se percebe que um empirista lógico não estápreocupado em definir a teoria experimentalmente válidacomo a que relata a realidade e nem como a que não relata arealidade, pois para ele os dados primários dos sentidosservem apenas para manter a sua validade interna. Suaposição ontológica a respeito da realidade ou da irrealidadetem pouca influência sobre sua posição epistemológica.Depois da manobra de identificar “experiência” com “dadosprimários”, o valor da experiência, para o empirista, émeramente acessório e provisório, muitas vezes baseado emprobabilidades cegas: eles servem como recurso ad hoc parafechá­lo internamente nos limites da linguagem pré­concebida. A indução não é um problema real de validade se

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a teoria não se compromete com objetos externos e os tomacomo mera questão externa9. Pode­se confirmar em Carnapque o que é relevante e o que é irrelevante internamente, istoé, o que é uma coisa e o que não é para a experiência, nãodepende de questões filosóficas.

A decisão de aceitar a linguagem das coisas, embora não sejaem si mesma uma decisão de natureza cognitiva, será noentanto comumente influenciada pelo conhecimentoteórico...(...). A eficiência, produtividade e simplicidade no usoda linguagem das coisas podem encontrar­se entre os fatoresdecisivos. Mas não se podem identificar essas questões com ado realismo. Não se trata de questões de sim e não, mas dequestões de grau. (CARNAP, 1980, p. 116)

Vemos, com isso, que o princípio clássico doempirismo, a saber, que o evento de confirmação de umenunciado é a experiência entendida como dado psicológicoprimário, tem como conseqüência a própria dissolução daideia de coisa na de linguagem usada para traduzir essesdados: “a aceitação de um novo tipo de entidades érepresentada na linguagem pela introdução de um sistema dereferência de novas formas de expressões a serem usadassegundo um novo conjunto de regras” (CARNAP 1980: p121). O problema da indução, usado por Popper10 e outrosfilósofos como objeção ao empirismo verificacionista erealista, torna­se inofensivo ao ser dissolvido em umproblema de linguagem, isto é, relativo à produtividade esimplicidade da linguagem das coisas. Eventualmente umalinguagem pode ser considerada mais simples que outras, istoé, mais apta a produzir confirmações experimentais do queoutras, mas isso não é uma diferença relativa à sua maiorrelevância realista, mas uma mera questão de grau. Oproblema do realismo é, assim, um pseudoproblema.Radicalizando os seus traços, como se vê, o empirista estásempre já com um pé na semântica e sua posição, enquanto

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epistemólogo, já é um passo para decretar que os problemasa respeito da verdade não são os problemas dafundamentação experimental, mas meros problemas detradução. É um passo para declarar a epistemologia comosupérflua e invocar a linguagem como último socorro de umafilosofia em crise.

Insisto que o aproveitamento final do empirismo só éfeito quando incorporado na semântica, e adiciono a seguinterazão: a postura epistemológica do empirista é, em si mesma,um enfraquecimento da epistemologia através dopsicologismo; e esse enfraquecimento só ganha sentido totalna versão semântica da ideia de validade e fundamentação, asaber, como mera adaptação neutra e isomórfica entre alinguagem e um domínio de referência. Essa versão dissolveas relações de preenchimento e fundamentação na decorrespondência simpliciter, e com isso dá espaço para atroca da própria ideia de conhecimento – teoria daexperiência objetiva – pela de semântica – teoria dosignificado.

Vimos assim que o empirismo é a raiz da concepçãosemântica. O que já não podemos ignorar, a essa altura, é quenesses sistemas de referência metalingüísticos afundamentação dos juízos empíricos já foi fabricadaformalmente, e ao invés de experiências, têm­se experiênciasfabricadas linguisticamente; imagens e simulacros deexperiências, que são a base para o que chamamos,posteriormente, de significado: isso é a mera forma quecodifica a relação entre representação e representado,instaurando uma espécie de enciclopédia científica, que érevisada de quando em quando por considerações de ordemprática. A caracterização epistemológica das proposiçõesempíricas torna­se supérflua, pois a própria ideia de“fundamento” é supérflua quando não designa senão umarelação isomórfica entre os dados dos sentidos e a

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linguagem. É supérflua, pois a relação mencionada nãoresponde mais pelo título de fundação intuitiva, mas sim desatisfação formal, e a exploração científica dela está maisligada às atividades de um lingüista ou um tradutor nacomposição metalingüística de um dicionário – ou natradução de um texto de uma língua para outra – do que nade um epistemólogo na análise da validade do conhecimentocientífico.

3. Filosofia analítica contra fenomenologia: a semânticacomo repetição da fórmula pré-crítica e a volta da polarizaçãoentre dogmáticos e céticos como um exemplo do esquecimentodo primado da questão ontológica

O que podemos concluir desse consórcio entreempirismo e semântica? Determinamos que o peso filosóficodo pronunciamento da semântica formal se deve aoempirismo, pois nele inicia­se o amadurecimento de uma tesefilosófica onde a verdade é definida independentemente dequalquer conteúdo particular, nem o conteúdo metafísico darealidade, nem o recheio experimental de uma instânciaregional que entretém experiências (um sujeito). Ora, pode­se dizer que a semântica formal, em toda sua competência,está limitada aos conceitos de interpretação, tradução,verdade, entre outros, cuja coordenação define o quechamamos de “significado” e circunscreve a “validadelinguística”, cobrindo toda a esfera das operações formais –independente de sua fundação em um conteúdo experimental– e das inferências possíveis. A matriz recursiva de quedispomos em uma linguagem condiciona as nossas formas deestruturar as dependências proposicionais, delimitando oscanais de inferências, e de sentido. Essa perspectiva formal éo que queremos na linguagem, e ela só é possível com total

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desembaraço e precisão em uma linguagem onde o predicado“verdade” possa ser definido de acordo com Tarski e todas asoperações formais possam ser exploradas sem paradoxos. Adiscussão sobre a realidade e a ilusão, assim como sobre oconhecimento e a representação não objetiva, se adotarmos avisão semântica da verdade, torna­se uma discussão sobre alinguagem. Essa última traz um novo problema especial àfilosofia. Não o da fundação experimental, que permitiainterpretar o problema da verdade nos termos das condiçõesda contribuição intuitiva; nem o da realidade, que permitiainterpretá­lo em debate com o problema das ilusões; mas oda significação, que permite interpretá­lo nos termos dasdificuldades de interpretação de domínios e,subsequentemente, dificuldades de tradução – isto é, adificuldade em achar um padrão isomórfico de codificaçãoentre os dois lados de uma relação de correspondência(dificuldade ligada ao problema da indução). Esse novocomplexo de problemas é o mesmo determinado peloempirismo em sua expressão mais radical.

Eminentemente, a concepção de Tarski permite driblaros compromissos metafísicos e epistemológicos embutidoscom a teoria da correspondência, da coerência e daredundância, subsumindo seus melhores traços. Na semânticanada desses restos de tradição filosófica têm importância,pois essa disciplina se interessa tão­somente pela linguagemindependentemente de sua perspectiva ontológica. Isto é, alinguagem entendida em um nível de correlação neutro,universalizado em termos de funções de verdaderecursivamente, ampliando a fidelidade a um preconceito deorigem cética e, apesar das aparências, de raiz aindaepistemológica: o empirismo (como vimos acima). É a esserespeito que se diz que a semântica não tem umcomprometimento ontológico, metafísico e epistemológico.Isso é inteligente da parte do semântico, pois é realmente

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difícil dar atenção ao âmbito ontológico, e aos problemas daregionalização do Ser, apenas linguisticamente: o que podeser visto como uma das razões que pressionaramWittgenstein a afirmar que as condições de possibilidade dalinguagem não são dizíveis, e levaram Kant a afirmar que asubjetividade tinha um conteúdo meramente transcendental,mas não um conteúdo empírico11.

Dito isso, porém, tal mostra, a nosso ver, antes aslimitações que as vantagens da semântica para assumir oscompromissos da filosofia primeira. Nesse sentido pode­sedizer que os semânticos rejeitariam ajustar suas prescriçõesao espírito fenomenológico de Husserl, não por terem umaversão mais madura da filosofia, mas por terem às mãos umadegeneração da mesma em termos de uma compra dopreconceito empirista. Essa degeneração se torna maisperigosa quando se vê que é apenas uma repetição dafórmula da polarização entre dogmatismo e ceticismo, ecorresponde a cair justamente em uma postura pré­crítica. Éessa sugestão que iremos explorar de agora em diante.

Ora, é particularmente natural que quando usamos umalinguagem bem, explorando todo o poder dedutivo de suaforma, isto é, todas as possibilidades de combinaçãodeixadas por sua chave categorial primitiva, julgamos, então,que todas as suas correlações possam ser expressas atravésdela mesma, através de dicionários e regras gramaticais quesão a expressão consagrada do poder e da antiguidade dalíngua, assim como de seus poderes formais implícitos. Sãocasos em que a linguagem se basta, casos em que o indizívelnão tenta se pronunciar, para parafrasear o modo do primeiroWittgenstein de abordar a questão. O mesmo pode­se dizerda ciência. Quando a sua presença é quase unanimementeaceita como o padrão dogmático de expressão para seuobjeto particular, é natural que julguemos que ela possa serensinada sem uma consulta à realidade, à teoria do

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conhecimento, e nem mesmo à experiência. É natural, emuma palavra, que não se apele a questões extrateóricas, e issoCarnap entendeu muito bem ao reduzir questões filosóficas ameras questões práticas sobre a produtividade e asimplicidade da linguagem. Tudo o que se quer aprender comessa ciência está concentrado em manuais. Como lembraHeidegger em uma passagem das famosas consideraçõespreliminares de Ser e Tempo: “A elaboração do setor [deobjetos daquela ciência] em suas estruturas fundamentais jáfoi, de certo modo, efetuada pela experiência e interpretaçãopré­científicas da região do ser que delimita o próprio ser dosobjetos.” (2002: p. 35).

Esses são casos em que a linguagem se basta, e não épreciso metafísica e nem epistemologia, basta aprendê­la apartir dela mesma, assimilando sua sintaxe e sua semântica,sem criticá­la, nem pô­la em dúvida, nem questionar oudiscutir seu grau de parentesco com uma suposta realidade.Mas essa é a forma dogmática da filosofia, que subsistepacificamente enquanto a linguagem se comporta de modoinofensivo, isto é, não corre contra os seus próprios limites.Sempre que, em contrapartida, algo escapa do previsto, que acontradição e o paradoxo se aproximam, o ceticismo encostaàs portas e voltamos ao dualismo de oposições clássicas quegeraram, num passado não tão remoto, a necessidade de umacrítica da razão pura e uma filosofia transcendental. Ainda deacordo com Heidegger, nas passagens subseqüentes àsanteriormente citadas: “O movimento próprio das ciências sedesenrola através da revisão mais o menos radical e invisívelpara ela mesma dos conceitos fundamentais” (2002: p. 35).Nestes momentos de crise e movimentos, voltamos então apensar em questões que estão fora dos manuais, questões queenvolvem nosso apelo primitivo, por exemplo, à ideia derealidade, no nível mais ingênuo, isto é, o metafísico. Logo

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chegamos aos níveis menos ingênuos: à epistemologia, edesta à crítica da razão e à fenomenologia é um passo.

Ora, mas pensar no nível dessa revisão das perspectivasdo questionamento científico, isto é, no nível dainterpretação da região científica na sua constituiçãoontológica fundamental, não é apenas repetir o exemplo dametafísica antiga. É também, e isso aprendemos comWittgenstein, um esforço para forçar os limites dalinguagem, para pensar fora da perspectiva semânticaordinária. E é nesse sentido que a reivindicação da semânticapara pronunciar­se com um peso filosófico análogo ao dametafísica e da ontologia fica comprometida. A merareivindicação desse peso trai os seus propósitos. A rigor, asemântica não deveria desejar esse peso. O seu verdadeirosucesso está no resgate de uma noção trivial de verdade, semconteúdo.

Conforme tudo o que vimos, o critério de Tarski apenasdá uma condição muito genérica da conexão entre a estruturada linguagem e seu conteúdo. Essa falta de qualquerconteúdo específico na definição é inclusive o seu trunfo, oseu resgate da trivialidade perdida e escondida no critérioaristotélico. Tal simplicidade é capturada pelo enunciado deum simples esquema recursivo de definição. A condiçãosemântica cumpre esse resgate tão bem apenas porque éepistemológica e metafisicamente neutra, como se dispusessea posteriori e dos dicionários que correlacionam os termos aseus significados metalinguisticamente, isto é, como sedispusesse dos horizontes de ser dogmaticamente. Destaforma, é indiferente às mudanças de perspectiva regionaisontológicas que porventura se impusessem nocondicionamento da verdade. A adoção da semântica comoinvestigação filosófica conduz à mesma bifurcação deperspectivas pré­kantianas que semearam a Critica da RazãoPura: a abordagem dogmática, que pressupõe

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dogmaticamente a relação formal dos dados primários e aestrutura da linguagem, cometendo o erro de pressupor o ser,ou tomá­lo por garantido. Com um leve desvio deperspectiva, a semântica cai na abordagem cética, quedisputa a estabilidade do horizonte de ser pressupostodogmaticamente, e entra em um relativismo onde tudodepende da linguagem. Das duas formas se perde ahistoricidade do ser, que fica encurralado neste conflito pré­crítico12.

Em contrapartida, a fenomenologia resgata aperspectiva epistemológica que avalia o horizonte dasdiferentes estruturas de ganho intuitivo, e permite o nossoacesso a essa região de controle transcendental das crises eseleções regionais ontológicas, que constitui o movimentopróprio do ser, a sua perspectiva inapelavelmente temporal,onde o acréscimo de conteúdo é relevante e não se podesimplesmente pressupor dogmaticamente a relação formaldos dados primários e a estrutura da linguagem13. Sepensarmos nos termos de uma nova violação da trégua defachada entre fenomenologia e a filosofia analítica, esseartigo tem o mérito de reacender a chama da disputaacordando divergências “ideológicas” de raízes profundas: aorigem da análise semântica já estaria pressuposta no modode pensar empirista. A orientação filosófica analítica teriafundamentos em um modo de pensar radicalmente oposto àparte da tradição crítica que originou a fenomenologia.

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EDUSP.

Notas

1 Metafísica IV, 7.2 Em Dois Dogmas do Empirismo, Quine chama atenção para o fato deque a verdade lógica pode ser reconstruída em termos de descrições deestado desde que a linguagem não contenha pares de sinônimosextralógicos, embora não a analiticidade. Ver QUINE 1980: p. 233. Essefamoso texto é redigido com propósitos diferentes dos nossos. Mas umavez que pares de sinônimos extralógicos são análogos a expressões quenão resistiriam a uma análise crítica da linguagem ao modo de Russel, omesmo argumento poderia ser usado para dizer que a verdade, assimcomo a verdade lógica, só pode ser definida em uma linguagemsintaticamente depurada de expressões que não condizem com a formalógica.

3 Para uma discussão mais exaustiva desse ponto ver Haack, Susan;Filosofia das Lógicas, o capítulo designado “teorias da verdade”.

4 Assim Quine, em Dois Dogmas do Empirismo, explica a noçãocarnapniana de descrições de estados: “Uma descrição de estado é umaatribuição exaustiva qualquer de valores de verdade aos enunciadosatômicos ou não compostos da linguagem. (...) Um enunciado é entãoexplicado como analítico quando resulta verdadeiro sob qualquer

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descrição de estado” (QUINE 1980: p.233).5 Ver CRPA 6­7/ B 10­11.6 Ibidem.7 Tarski diagnostica os paradoxos como um resultado da estrutura de certaslinguagens, a saber, o fato de que elas possuem os recursos para referir­sea sua própria expressão e possam se utilizar do predicado verdadeiro efalso irrestritamente, isto é, sem restrições relativas ao nível hierárquicoda linguagem, ou seja, sua condição como linguagem objeto ou meta­linguagem. Como reação, Tarski propõe uma hierarquia de linguagens.Assim, “uma vez que, nessa hierarquia de linguagens, a verdade para umdeterminado nível é sempre expressa por um predicado do nível seguinte,a sentença do Mentiroso pode apenas aparecer na forma inofensiva ‘ Estasentença é falsa em O’, que deve ser ela própria uma sentença de M, e,portanto, não pode ser verdadeira­em­o, e é simplesmente falsa, e ésimplesmente falsa, em vez de paradoxal. (HAACK 2002: p.195)

8 A diferença pode passar por alto para alguns justamente pelo sucesso doempirismo em convencer que ele é uma doutrina epistemológica como asoutras, quando, de fato, como pretendo defender, está mais para umasabotagem implícita da epistemologia, como um colaborador secreto deum projeto semântico. Mas a diferença existe. Um filósofotranscendental, ou um fenomenólogo, não poderiam permutarintegralmente suas noções de fundação pela de significação, justamentepois por fundação não entendem a correspondência simpliciter dos dadosdos sentidos, mas sim um fenômeno de preenchimento onde o conteúdoda relação é importante, tanto quanto a forma dessa associação. Por issonão podem simplesmente ilustrar a relação de fundação através daestrutura categorial da linguagem. Mesmo quando Kant oferece suascategorias, elas ainda dependem de noções mais primitivas de síntese,que remetem à noção transcendental de subjetividade e de conteúdo daexperiência possível. E a fenomenologia de Husserl, por sua vez, dependeda noção primitiva de intencionalidade, como o conteúdo do atorepresentacional primitivo. Somente o empirismo descarta a necessidadede um conteúdo da relação de fundação, isto é, ignora a regionalização(em um sujeito transcendental ou uma intencionalidade) do conteúdo dacodificação representacional. Ao invés disso, a associa meramente a umato sem conteúdo, um evento psicológico simpliciter. Comoconsequência, reinterpreta a relação codificadora puramente pela formageral da associação regular entre um sistema de referência e a gramática.A própria experiência – neste sentido – não tem um conteúdo ou recheio,não enriquece ou empobrece o cofre intuitivo de quem a entretém, poisnão passa de mero evento de satisfação entre dois pólos de uma relaçãopressuposta. Somente o empirista tem uma teoria da significação nosmoldes da semântica formal, como a relação – completamente isenta deconteúdo – da linguagem com um sistema de referência. Enquanto Kant eHusserl dissolvem a teoria do significado em uma teoria fenomenalista etranscendental sobre o sujeito da experiência, o empirismo dissolve ateoria da experiência em uma teoria do significado que independe do

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sujeito – portanto, uma teoria do significado em sentido rigoroso erelevante para a semântica formal.

9 A radicalização desse passo empirista é formidavelmente exemplificadapor Carnap em Pseudoproblemas na Filosofia: “Dois geógrafos, umrealista e um idealista, que são enviados com o fim de verificar se umamontanha que se supõe existir em algum lugar na África é somentelendária ou realmente existe, chegarão ao mesmo resultado (positivo ounegativo). (...) Em todas as questões empíricas há unanimidade. Hádesacordo entre os dois cientistas somente quando eles não falam maiscomo geógrafos, mas como filósofos...” (CARNAP 1980: p. 162)

10 “A partir do trabalho de Hume deveria ter ficado claro que facilmenteaparecem inconsistências ligadas ao princípio da indução. (...) Segundominha própria concepção, as várias dificuldades da lógica indutiva, aquiesboçadas, são insuperáveis.” (POPPER, 1980, p. 5)

11 Merrill Hintikka e Jaakko Hintikka já se pronucniaram sobre acoincidência deste aspecto da doutrina de Kant e o primeiro Wittgenstein:“A doutrina kantiana dos limites do nosso conhecimento e daincognoscibilidade das coisas em si mesmas, i.e., das coisas consideradasindependentemente de nosss atos em busca do conhecimento e dos meiosempregados, deveria, evidentemente, corresponder a uma doutrina doslimites da linguagem no sentido de uma doutrina da inefabilidade dascoisas independentemente de qualquer língua particular.” (1994: p. 24)

12 “A tradição assim predominante tende a tornar tão pouco acessível o queela “lega” que, na maioria das vezes e em primeira aproximação, oencobre e esconde. Entrega o que é legado à responsabilidade daevidência, obstruindo, assim, a passagem para as fontes originais, deonde as categorias e os conceitos tradicionais forma hauridos, em partede maneira autêntica e legítima” (HEIDEGGER 2002: p. 50) VerSer e Tempo, p. 47, A tarefa de uma destruição da história da ontologia.

13 Falamos aqui da fenomenologia já no sentido husserliano, mas como nosguiamos parafraseando a reflexão de Heidegger, é útil mostrar a nossacoerência com uma última citação desse autor: “A expressão‘fenomenologia’ diz, antes de tudo, um conceito de método. Nãocaracteriza a quididade real dos objetos da investigação filosófica, mas oseu modo, como eles o são. Quanto maior a autenticidade de um conceitode método e quanto mais abrangentemente determinar o movimento dosprincípios de uma ciência, tanto maior a originalidade em que ele seradica numa discussão com as coisas em si mesmas e tanto mais seafastará do que chamamos artifícios técnicos, tão numerosos emdiscussões teóricas.” (HEIDEGGER 2002: p.57)