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FUNDAMENTOS DE CRISTALOGRAFIA 1. Elementos de Simetria Com a leitura deste texto o aluno deve: (i) conhecer os 7 sistemas cristalinos; (ii) familiarizar-se com os tipos de elementos de simetria (operações de simetria) que caracterizam os sistemas cristalinos; (iii) entender que a simetria em minerais (cristais) reflete a sua estrutura interna organizada. Simetria é a propriedade pela qual um objeto exibe partes correspondentes (coincidentes) quando submetido a operações específicas (translação e rotação, por exemplo) que podem ser descritas em termos de elementos de simetria. Tais elementos em substâncias cristalinas correspondem a planos de simetria (reflexão em um espelho; Fig. 1) e eixos de rotação. Figura 1. A imagem especular de dois objetos no retículo cristalino. Observe em cada um dos objetos da Figura 2 abaixo os eixos de rotação e procure entender como eles se repetem no espaço. Nestes objetos os eixos encontram-se na posição perpendicular ao plano da página. Figura 2. Eixos de rotação em diversos tipos de retículos bi-dimensionais. Porque não são considerados na Figura 2 objetos com eixos de rotação com simetria 5 ou 7? Moléculas que apresentam estas simetrias podem existir, mas celas unitárias não, devido a

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Page 1: Cristalo Graf i A

FUNDAMENTOS DE CRISTALOGRAFIA

1. Elementos de Simetria

Com a leitura deste texto o aluno deve: (i) conhecer os 7 sistemas cristalinos; (ii)

familiarizar-se com os tipos de elementos de simetria (operações de simetria) que

caracterizam os sistemas cristalinos; (iii) entender que a simetria em minerais (cristais)

reflete a sua estrutura interna organizada.

Simetria é a propriedade pela qual um objeto exibe partes correspondentes

(coincidentes) quando submetido a operações específicas (translação e rotação, por

exemplo) que podem ser descritas em termos de elementos de simetria. Tais

elementos em substâncias cristalinas correspondem a planos de simetria (reflexão em

um espelho; Fig. 1) e eixos de rotação.

Figura 1. A imagem especular de dois objetos no retículo cristalino.

Observe em cada um dos objetos da Figura 2 abaixo os eixos

de rotação e procure entender como eles se repetem no

espaço. Nestes objetos os eixos encontram-se na posição

perpendicular ao plano da página.

Figura 2. Eixos de rotação em diversos tipos

de retículos bi-dimensionais.

Porque não são considerados na

Figura 2 objetos com eixos de

rotação com simetria 5 ou 7?

Moléculas que apresentam estas

simetrias podem existir, mas celas

unitárias não, devido a

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2 impossibilidade de se preencher espaços de forma adequada na estrutura cristalina, o

que deve implicar em menor estabilidade (Fig. 3).

Figura 3. Objetos com eixos de rotação de simetria 5.

Logo, os únicos eixos de rotação que podem

ocorrer em uma cela unitária são os de simetria

1, 2, 3, 4, e 6.

Um cristal apresenta um centro de simetria

quando uma linha imaginária pode ser passada

de um ponto qualquer sobre a sua superfície

através de seu centro, achando-se, sobre ela, um ponto semelhante, a uma distância

igual além do centro. Faces semelhantes e paralelas nos lados opostos do cristal

indicam um centro de simetria.

Observe os elementos de simetria do sólido da Figura 4.

Figura 4. Elementos de simetria em um sólido qualquer.

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Neste sólido pode-se definir vários eixos de simetria, 5 planos de simetria e um centro

de simetria.

2. Eixos Cristalográficos

Para que a morfologia das celas unitárias e, particularmente de cristais, possa ser

visualizada em 3 dimensões torna-se necessária a adoção de eixos de referência, em

relação aos quais os elementos cristalográficos são orientados. Estes eixos de

referência são conhecidos como eixos cristalográficos e correspondem a vetores de

translação que definem a periodicidade das celas unitárias (Fig. 5). Os eixos

cristalográficos não devem ser confundidos com eixos de simetria, embora em muitos

casos a coincidência de fato ocorre, ou seja, eixos cristalográficos correspondem aos

eixos de rotação.

Figura 5. Os eixos cristalográficos convencionais.

Os 3 eixos cristalográficos são designados de a, b e c,

sendo as suas orientações no espaço, a partir da

origem, definidas convencionalmente de acordo com a

Figura 5. Os ângulos entre os 3 eixos são

denominados de alfa (αααα), beta (ββββ) e gama (γγγγ) e

orientados da seguinte forma:

αααα= o ângulo entre b e c;

ββββ= o ângulo entre a e c;

γγγγ= o ângulo entre a e b.

3. Os Sistemas Cristalinos e sua Simetria

3.1. O Sistema Isométrico (Cúbico)

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4 Todos os 3 eixos cristalográficos são de iguais dimensões e perpendiculares entre si,

ou seja, a = b = c, ou a1 = a2 = a3 e αααα = ββββ = γγγγ= 90°. Este sistema possui a mais alta

simetria de todos que pode ser visualizada através da forma do cubo. Outra convenção

importante é a de que, sempre quando possível, os eixos cristalográficos devem

corresponder ao eixo de rotação de mais alta simetria: no caso de um cubo isto

significa que os eixos a, b, e c coincidem com os eixos de rotação com simetria 4 (A4).

O sistema isométrico possui 5 classes cristalinas. O elemento comum na simetria

destas 5 classes cristalinas é a presença de 4 eixos de rotação com simetria 3 (A3),

mesmo não havendo eixos A4. Estes 4 eixos A3 correspondem às diagonais da cela

unitária cúbica.

3.2. O Sistema Tetragonal

a = b mas # c, ou a1 = a2 mas # c; αααα = ββββ = γγγγ= 90°. Os eixos a e b formam um

quadrado, logo, deve haver um eixo de rotação A4 perpendicular a este. Por

convenção o eixo cristalográfico c é escolhido para coincidir com o eixo de rotação A4.

O sistema tetragonal contém 7 classes cristalinas. A presença de um eixo A4 é o

elemento de simetria característico a todas estas classes cristalinas.

3.3. O Sistema Ortorrômbico

a # b # c e αααα = ββββ = γγγγ= 90°. Se removermos o eixo de rotação A4 da simetria tetragonal,

a base da cela unitária não mais será um quadrado, mas um retângulo, exigindo assim

que os eixos cristalográficos sejam de comprimentos diferentes.

O sistema ortorrômbico contém apenas 3 classes cristalinas. Em cada uma destas

classes sempre haverá a presença de 3 eixos de simetria A2 perpendiculares entre si.

Em minerais naturais ortorrômbicos a direção do eixo c geralmente é a mais longa e a

< b, razão pela qual estes minerais sempre se cristalizam na forma de cristais

alongados, paralelamente ao eixo c.

3.4. O Sistema Monoclínico

Page 5: Cristalo Graf i A

5 a # b # c e αααα = γγγγ= 90° e # de ββββ (ângulo entre o eixo c e o plano a-b é diferente de 90°

e obtuso, por convenção).

O sistema monoclínico contém apenas 3 classes cristalinas. O eixo cristalográfico b

coincide com o eixo de rotação A2 e o plano de simetria corresponde ao plano a-c. A

presença de um eixo de rotação A2 e um plano de simetria são os elementos de

simetria comuns a estas 3 classes deste sistema.

3.5. O Sistema Triclínico

a # b # c e αααα # γγγγ # ββββ (todos diferentes de 90°).

O sistema triclínico contém 2 classes cristalinas. A única simetria que pode ser exibida

por um mineral triclínico é um centro de simetria.

3.6. Sistema Hexagonal

Os sistemas isométrico, tetragonal, ortorrômbico, monoclínico e triclínico podem ser

descritos de forma completa através de seus 3 eixos cristalográficos a, b e c. Note que

nenhum destes sistemas cristalinos descritos acima apresentam eixo de rotação com

simetria 6 (A6). Para se considerar um eixo de rotação A6 é necessário incluir um

conjunto adicional de eixos cristalográficos, como ilustrado na Figura 6.

Figura 6. Os eixos cristalográficos do sistema cristalino hexagonal.

Neste sistema o eixo vertical c, é normal ao plano que

contém os outros 3 eixos cristalográficos adicionais, a1,

a2 and a3 que, entre si, fazem um ângulo de 120°.

O sistema hexagonal contém 7 classes cristalinas, cada

uma caracterizada pela presença de um único eixo de

rotação A6. Em todos os casos, o eixo A6 corresponde ao eixo cristalográfico c. Nos

casos em que ocorre um eixo A2 de simetria, este corresponde ao eixo cristalográfico

a.

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6 Alguns livros textos incluem o Sistema Trigonal (também conhecido como Sistema

Romboédrico) como um sistema cristalino adicional, porém outros livros o consideram

como parte do Sistema Hexagonal. A principal diferença está no eixo de rotação: em

vez de conter um eixo A6 que corresponde ao eixo cristalográfico c, apresenta um eixo

de rotação com simetria 3 (A3). Um mineral importante que apresenta o conjunto de

elementos de simetria típico deste sistema é o quartzo.

No sistema trigonal são definidas 5 classes cristalinas. Todas possuem eixos de

rotação A3 que correspondem ao eixo c.

A Tabela abaixo mostra a distribuição dos minerais conhecidos, em termos de

abundância relativa, nos diferentes sistemas cristalinos.

Sistema

Cristalino

Abundância de

Minerais (%)

Triclínico 7.4%

Monoclínico 31.7%

Ortorrômbico 22.3%

Tetragonal 9.8%

Hexagonal 16.6%

Isométrico 12.2%

4. Índices de Miller

Como determinar o comprimento relativo de um eixo cristalográfico, uma vez que estes

representam vetores de translação do espaço cristalino? Métodos para se determinar o

comprimento absoluto dos eixos, em angstrons (1 Å= 10-7 mm), exigem técnicas de

difração de Raios X. No entanto, é mais prático encontrar uma forma de se relacionar

faces, planos e direções da estrutura cristalina aos eixos cristalográficos, que não exija

necessariamente valores absolutos, adotando, por exemplo, um sistema de

coordenadas natural. Este sistema de coordenadas segue a seguinte lei determinada

por Haüy, em meados do século 18: as intersecções de planos que ocorrem nos eixos

cristalográficos podem ser expressas pelas razões a/h, b/k e c/l, onde h, k and l são

números inteiros, incluindo zero . Esta notação foi popularizada no século seguinte

Page 7: Cristalo Graf i A

7 por W.H. Miller. Desde então, estes 3 números inteiros utilizados para indexar planos

cristalográficos têm sido denominados de Índices de Miller.

Para que se possa indexar qualquer plano é necessário apenas saber o comprimento

relativo dos eixos cristalográficos. Os Índices de Miller de um plano são determinados

da seguinte forma:

1. Determine os pontos h, k, e l de intersecção do plano ao longo de cada um

dos 3 eixos cristalográficos.

2. Considere os recíprocos de cada uma destas intersecções (i.e. 1/h, 1/k, 1/l).

3. Se no resultado houver frações, multiplique-os pelo denominador da menor

fração.

Considere o caso ilustrado na Figura 7, assumindo que os planos sejam paralelos ao

eixo a. Selecione o plano A como o plano parâmetro, considerando que intercepte os

eixos b e c a uma distância unitária (valor 1), a partir da origem. Se este plano é

paralelo a a, pode-se afirmar que este intercepta a no infinito, significando que este

plano não pode ser utilizado para definir o comprimento relativo do eixo a.

Figura 7. A intersecção de dois planos A e B nos eixos

cristalográficos b, e c, assumindo que estes sejam paralelos a

a.

Sendo assim, para o plano A:

Eixos A B C

Intersecção Infinito 1 1

Recíprocos 1/infinito 1/1 1/1

Índices 0 1 1

A convenção para designar o índice de Miller para o palno A é (011).

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8 Agora considere o plano B:

Eixos A B c

Intersecção Infinito 2 1/2

Recíprocos 1/infinito ½ 2

Índices 0 1 4

Oíndice de Miller do plano B é (014)

Este simples exercício demonstra o verdadeiro significado do índice de Miller: um plano

(hkl) intercepta o eixo a em h partes, o eixo b em k partes e o eixo c em l partes.

O sistema hexagonal é um caso especial, pois há 3 eixos de simetria equivalentes a a,

orientados a 120° entre si e a 90° do eixo c (Figura 8). Considere um plano paralelo a c

e a a2, representado na figura pela linha a3/-a1 na parte superior do hexágono. Devido

à presença de um eixo de rotação A6 paralelo ao eixo c, existem 6 destes planos,

simetricamente equivalentes, na figura. Note que cada um destes planos cortam um

dos 3 eixos a no sentido positivo (i.e. a3) e outro no sentido negativo (i.e. -a1), sendo

paralelo ao terceiro.

Figura 8. Base da cela unitária do sistema hexagonal

observando-se a partir do eixo c.

Para indexar um plano cristalográfico de um

mineral do sistema hexagonal, todos os 4 eixos

hexagonais devem ser definidos (a1, a2, a3 e

c). O Índice de Miller do plano em questão na

Figura 7 seria então (-1010).

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5. Formas Cristalinas

Um conjunto de planos onde estes são equivalentes em simetria é denominado de

forma. Considere um cubo: as 6 faces (ou planos) possuem os seguintes índices -

(100), (-100), (010), (0-10), (001) e (00-1). Todas estas faces são simetricamente

equivalentes e constituem uma forma. Sendo assim, basta utilizar-se de apenas do

Índice de Miller de uma delas para representar a forma, que é indicada por {hkl}. No

caso do cubo, por exemplo, seleciona-se {100} para a representação de sua forma.

Cristais naturais e bem desenvolvidos podem exibir uma ou mais formas. Nestes

casos, as formas corresponderão às superfícies externas do cristal, ou seja, às suas

faces, que, em conjunto, determinarão a morfologia externa do mineral (ou hábito). Em

relação aos planos das faces externas de um cristal existem outros conjuntos de planos

paralelos correspondentes na estrutura cristalina.

A presença ou ausência de faces do cristal, bem como o grau de perfeição destas

faces, estão relacionados às condições de crescimento. A estrutura de um cristal

irregular de quartzo num granito, por exemplo, é idêntica à de um grande cristal de

quartzo de um pegmatito. As faces que efetivamente desevolvem-se em um cristal são

controladas pela velocidade de crescimento, as condições de crescimento e a natureza

do próprio mineral.

Algumas formas delimitam espaçõs definidos e são denominadas de formas

fechadas, em contraposição aquelas que não encerram espaço, denominadas de

formas abertas.

5.1. Formas abertas

Pinacóide: consiste de duas faces paralelas a dois eixos cristalográficos. No sistema

hexagonal esta forma é paralela aos 3 eixos perpendiculares a c. A posição pode ser

indicada pelo Índice de Miller. Por exemplo, a Figura 9 illustra um pinacóide {001}.

Esfenóide: duas faces não paralelas que interceptam dois eixos cristalográficos e são

paralelas a um terceiro eixo cristalográfico, No caso ilustrado da Figura 9, as duas

faces são paralelas a c e interceptam a e b.

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Figura 9. Representações das formas pinacóide basal {001} e esfenóide.

Prisma: composto de 3, 4, 6 8 ou 12 faces, todas paralelas ao mesmo eixo de rotação.

A Figura 10 ilustra um prima (100) paralelo ao eixo c.

Figura 10. Representações das formas de prisma e pirâmide.

Pirâmide: uma forma composta de 3, 4, 6, 8 ou 12 faces não paralelas que se

encontram em um ponto. As faces do cristal, ou planos, estão inclinados com relação

ao eixo de rotação que interceptam (Figura 10).

5.2. Formas Fechadas

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11 As mais comuns incluem:

Biesfenóide: uma forma de 4 faces na qual duas faces do esfenóide superior se

alternam com duas do esfenóide inferior.

Bipirâmide: são formadas por pirâmides mediante reflexão sobre um plano de simetria

horizontal. Possuem 6 (bipirâmide trigonal), 8 (bipirâmide tetragonal), 12 (bipirâmide

hexagonal), ou 24 (bipirâmide dohexagonal) faces.

Trapezoedro: formas de 6, 8 ou 12 faces com 3, 4 ou 6 faces acima giradas em

relação a 3, 4 ou 6 faces abaixo.

Escalenoedro: formas com oito faces (tetragonal) ou com 12 faces (hexagonal). As

faces estão agrupadas em pares simétricos. Nos cristais perfeitamente desenvolvidos,

cada face é um triângulo escaleno.

Romboedro: forma composta de 6 faces cujas arestas de intersecção não formam

ângulos retos. Esta é a forma característica exibida pelo mineral calcita.

6. Referências

Klein Jr., C.; Hurlbut, S., 1993, Manual of Mineralogy. 21st ed., John Wiley & Sons.