crise do judiciário e processos repetitivos_285-a

Upload: cecilia-asperti

Post on 05-Apr-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    1/99

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    UNIVESIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE DIREITO

    A CRISE DO JUDICIRIO E A PROBLEMTICA DOS PROCESSOS

    REPETITIVOS: ANLISE DA APLICAO DO ARTIGO 285-A DOCDIGO DE PROCESSO CIVIL

    Tese de Lurea apresentada ao

    Departamento de Direito Processual da

    Faculdade de Direito da Universidade de

    So Paulo, nos termos do Edital CBT/FD

    01/2007

    Aluna: Maria Ceclia de Araujo AspertiNmero USP: 5182903Orientador: Professor Jos Roberto dos Santos Bedaque

    So Paulo, 29 de agosto de 2008

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    2/99

    2

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Esta tese reflete o que vivi enquanto aluna da

    Faculdade de Direito do Largo de So Francisco,

    bem como a minha experincia de estgio na reado contencioso cvel, e, em especial, no

    Departamento Jurdico XI de Agosto.

    Dedico esse estudo aos membros, e,

    especialmente, aos clientes do Departamento

    Jurdico XI de Agosto, na esperana de que, com

    a aplicao correta e consciente de mecanismos

    para racionalizao do julgamento de demandas

    repetitivas, o Judicirio seja capaz de dar a

    ateno necessria queles que necessitam da

    Justia para fazer valer os seus direitos.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    3/99

    5

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    SUMRIO

    1. Introduo....................................................................................................................... 81.1.A crise do judicirio e os fatores relevantes

    1.1.1. Insuficincia do quadro de magistrados1.1.2. Falta de estrutura e mau funcionamento dos cartrios judiciais1.1.3. Ampliao do acesso justia1.1.4. Excesso de demandas e recursos: problemtica dos processos repetitivos

    1.2.A Lei n 11.277/2006 e o artigo 285-A

    2. Discusso acerca da constitucionalidade do artigo 285-........................................... 252.1.Princpios da isonomia e da segurana jurdica2.2.Princpio do direito de ao2.3.Princpio do contraditrio2.4.Devido processo legal e concluso sobre constitucionalidade do artigo 285-A -

    identidade com outros institutos processuais

    3. Anlise emprica da aplicao do artigo 285-Ano Tribunal de Justia de So Paulo ......................................................................... 45

    3.1.Objetivos da anlise emprica e metodologia3.2.Assuntos e teses identificadas3.3.Sentenas cassadas e sentenas mantidas3.4.Anlise de casos: planos econmicos e cobrana de assinatura de telefonia fixa3.5.Questes levantadas pela anlise emprica

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    4/99

    6

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    3.6.Concluso da anlise emprica

    4. Proposta de aplicao do artigo 285-A...................................................................... 594.1.Interpretao dos pressupostos de aplicao e incidncia do artigo 285-A

    4.1.1. Facultatividade na aplicao do artigo 285-A pelo magistrado4.1.2. Matria controvertida unicamente de direito4.1.3. Sentena de total improcedncia anteriormente prolatada pelo juzo4.1.4.

    Casos idnticos

    5. Proposta de interpretao do artigo 285-A............................................................... 735.1.Necessidade de expor a sentena paradigma5.2.Sentena paradigma em conformidade com o entendimento dos tribunais superiores

    5.2.1. Constataes da anlise emprica5.2.2. Importncia dos precedentes judiciais e fora vinculante das decises dos

    tribunais superiores

    5.2.3. O artigo 285-A e mecanismos para uniformizao das decises judiciais5.2.4. Proposta de interpretao do artigo 285-A em conformidade com o

    entendimento dos tribunais superiores

    6. CONCLUSO ............................................................................................................ 90

    7. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 94

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    5/99

    7

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    NDICE DE FIGURAS

    FIGURA 01 ....................................................................................................................... 48

    Acrdos divididos por assuntos e principais temticas abordadas

    GRFICO 01 .................................................................................................................... 49

    Acrdos divididos por assuntos e principais temticas abordadas - porcentagem

    FIGURA 02 ........................................................................................................................ 50

    Sentenas cassadas e mantidas e parcialmente cassadas por assunto

    GRFICO 02 ..................................................................................................................... 50

    Sentenas cassadas e mantidas e parcialmente cassadas por assunto

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    6/99

    8

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    1. INTRODUO

    1.1 A CRISE DO JUDICIRIO E OS FATORES RELEVANTES

    A atual fase da cincia processual assinala para tendncia, praticamente dominante, de

    busca pela realizao concreta da justia e idealizao do chamado processo de resultados,

    em que o valor de todo sistema processual reside na capacidade que tenha de propiciar ao

    sujeito que tiver razo uma situao melhor do que aquela em que se encontrava antes doprocesso1. Com a conscientizao das limitaes do sistema e o desenvolvimento da teoria

    da instrumentalidade das formas - na qual o processo consiste no instrumento da prestao

    de tutela, sem perder sua conquistada autonomia, mas sem se tornar, em si, o objeto e fim

    da prestao jurisdicional - o direito processual moderno demonstra-se disposto a

    desapegar-se do formalismo desmedido em prol da efetividade e eficcia do provimento.

    Espera-se do processo a concretizao da promessa constitucional de apreciao judiciria

    das leses e ameaas de direitos (artigo 5, inciso XXXV), e para tanto, necessrio que se

    torne um instrumento estatal de soluo de controvrsias e pacificao social eficaz.

    Entretanto, tambm parece ser praticamente consensual a viso de que o Judicirio

    brasileiro encontra-se em crise e que suas instituies se mostram cada vez mais incapazes

    de responder tempestivamente e adequadamente crescente demanda por justia 2 3. O

    1 DINAMARCO, Cndido Rangel, Instituies de Direito Processual Civil, Vol. I, 5 Ed., So Paulo: Ed.Malheiros, 2005, p. 127.2 SADEK, Maria Tereza, Judicirio: mudanas e reformas, Estudos Avanados, 2004,Vol. 18, n 51, 2004,ISSN 0103-4014, disponvel em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200005&lng=en&nrm=iso, acesso em 20.02.2008, doi: 10.1590/S0103-40142004000200005.3 Sobre o que se espera da prestao jurisdicional em termos de celeridade, MARINONI comenta: Por outrolado, no que diz respeito especificamente celeridade dos procedimentos, no preciso dizer que a demorado processo jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do acesso justia. Sim, j que no temsentido que o Estado proba a justia de mo prpria, mas no confira ao cidado um meio adequado etempestivo para a soluo de seus conflitos. Se o tempo do processo, por si s, configura um prejuzo parteque tem razo, certo que quanto mais demorado for o processo civil mais ele prejudicar alguns e interessara outros. Seria ingenuidade inadmissvel imaginar que a demora do processo no beneficia justamente quelesque no tm interesse no cumprimento das normas legais (O custo e o tempo do processo civil brasileiro inRevista Forense, Vol. 375, p. 82).

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    7/99

    9

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    anseio pela reformulao do sistema processual em busca da efetividade veio

    acompanhado, portanto, da preocupao com a situao estrutural do Judicirio, assunto

    este que deixou de ser privativo dos aplicadores do direito para se transformar em umarealidade sensvel aos demais setores da sociedade.

    Um sintoma imediato da crise das organizaes judicirias que se faz sentir , notadamente,

    a insatisfao da populao, que se mostra cada vez mais intolerante com a inoperncia do

    sistema judicial. Ainda que crticas tenham sempre acompanhado o desenvolvimento das

    organizaes judicirias, recentemente, perceptvel a manifestao negativa generalizada

    da populao com relao ao Judicirio. Segundo pesquisa realizada em 1998 nas cidades

    de So Paulo e Rio de Janeiro, 54% dos entrevistados consideram que o Poder Judicirio

    no tem eficincia, e, quando perguntados se conhecem algum exemplo de quando a Justia

    foi feita no Brasil, 42% no conseguem citar um nico exemplo. Contudo, o nmero mais

    expressivo foi os 86% dos entrevistados que afirmaram que o Brasil o pas da

    impunidade.4

    E no somente entre a populao, mas mesmo dentre os operadores do Judicirio, tem-se

    reconhecido o descontentamento com o cenrio atual. Uma pesquisa realizada sob acoordenao da Prof. Maria Tereza Sadek a pedido da Associao dos Magistrados

    Brasileiros, em 2005, revela dentre os magistrados uma percepo bastante crtica do

    Judicirio. Apenas 9,9% dos entrevistados avaliam como muito bom ou bom e quase a

    metade 48,9% - avalia a instituio, no que se refere agilidade, como ruim e muito

    ruim 5. Esses resultados demonstram a repercusso da crise no interior do prprio

    Judicirio, revelando que os prprios juzes j sentem a necessidade de implementao de

    mudanas estruturais.

    Essas constataes remetem anlise dos motivos pelos quais o Judicirio vem se

    mostrando incapaz de servir aos seus propsitos constitucionais, em especial, o de

    4Revista da Associao dos Magistrados Brasileiros, 2 Semestre de 1998, p. 114.5 Magistrados brasileiros: caracterizao e opinies, coord. Maria Tereza Sadek, Associao dosMagistrados Brasileiros, 2005, disponvel em, acesso em 20.02.2008.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    8/99

    10

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    assegurar a garantia constitucional de ao, denominada tambm de garantia da

    inafastabilidade da tutela (artigo 5, inciso XXXV da Constituio Federal).

    Segundo DINAMARCO, a garantia da inafastabilidade da tutela no e nem deveria ser total

    nem absoluta, existindo fatores limitadores definidos pela prpria lei e pela Constituio

    (fatores estes, portanto, legtimos) que concorrem para impedir que o sistema do processo

    civil cumpra sua funo de pacificao social integralmente.6 Todavia, ao lado destas

    limitaes legtimas, convivem quelas decorrentes de imperfeies da prpria lei

    processual e de outros fatores de cunho poltico, scio-econmico e cultural, que, do

    mesmo modo, representam barreiras concretizao da garantia constitucional.7

    As limitaes derivadas das imperfeies da lei processual foram o foco das reformas

    judicirias e do Pacto de Estado em favor de um Judicirio mais Rpido e Republicano,

    com a implementao da Reforma Constitucional do Judicirio e da reforma do sistema

    recursal e dos procedimentos, com alteraes substanciais na sistemtica do processo civil.

    Entretanto, outros fatores que fogem do mbito processual tambm devem ser estudados,

    tais como a insuficincia e despreparo do quadro de juzes, o excesso de entravesburocrticos dos cartrios judiciais, a ampliao do acesso justia e a falta adequao das

    estruturas judicirias para recebimento do afluxo de novas demandas e o considervel

    aumento do nmero de demandas e afogamento dos rgos jurisdicionais.

    Indo mais adiante, h ainda elementos de cunho poltico e social podem ser apontados

    como fontes causadoras do esgotamento das estruturas judicirias, tais como a m vontade

    dos demais Poderes do Estado, em especial o Executivo, para com o Judicirio. E

    justamente o Poder Executivo o litigante mais contumaz, que, em funo do ultrapassado

    corolrio do reexame necessrio, recorre de posies pacficas da jurisprudncia,

    6 DINAMARCO, Cndido Rangel, Instituies de Direito Processual Civil, Vol. I, 5 Ed., So Paulo: Ed.Malheiros, 2005, p. 131.7 Dos bices legtimos e intransponveis indispensvel distinguir os bices perversos, residentes s vezesna prpria lei, em sua interpretao apegada a valores do passado e principalmente em certas realidadessociais, econmicas ou culturais estranhas ordem processual como pobreza, o temor reverencial, etc. Essasso verdadeiras barreiras internas e externas, que dificultam o acesso justia, ibid., p. 199.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    9/99

    11

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    contribuindo significativamente para o abarrotamento de demandas e recursos e lentido da

    prestao jurisdicional. Essa postura adotada pelo Executivo no todo prejudicial para a

    busca por celeridade e eficcia do processo, como afirma categoricamente BEDAQUE, paraquem o desconhecimento da realidade dos juzes, advogados e dos demais profissionais

    envolvidos com o processo alm da demagogia e da retrica vazia dos polticos gera

    conseqncias danosas ao processo.8

    Assim, o estudo da problemtica dos processos repetitivos e a prpria aplicao do artigo

    285-A remete anlise dos principais fatores da crise do Judicirio brasileiro, que levou o

    legislativo e as entidades interessadas a projetar, discutir e concretizar reformas tanto no

    plano constitucional quanto infraconstitucional. Somente aps a construo deste panorama

    que ser possvel vislumbrar o peso do excesso de demandas repetitivas nessa conjuntura,

    e, concomitantemente, a importncia da aplicao adequada do expediente introduzido pela

    Lei n 11.277/2006.

    1.1.1 INSUFICINCIA DO QUADRO DE MAGISTRADOS

    Um fator freqentemente apontado como causador da crise do Judicirio a insuficincia

    do quadro de juzes e sua falta de preparo para lidar com as questes que lhes so

    colocadas. CARMONA e BEDAQUE, em relatrio preparado para o Congresso da Associao

    Internacional de Direito Processual (Viena, ustria, 23 a 28 de agosto de 1999), focado na

    posio dos juzes na atualidade, apontam trs deficincias dos magistrados tidas como

    preponderantes: (i) juvenilizao dos magistrados; (ii) escassez de juzes; e (iii) suaformao deficitria. 9

    8Efetividade do processo e tcnica processual, 1 Ed., So Paulo: Ed. Malheiros, 2006, p. 23.9 BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. CARMONA, Carlos Alberto. A posio do juiz: tendncias atuais,Revista de Processo, So Paulo, Vol. 96, 1999, p. 98/99.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    10/99

    12

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    A pesquisa utilizada de base para o relatrio em questo apontou o crescimento da

    porcentagem de candidatos admitidos no Concurso de Ingresso Magistratura com idade

    de at 25 anos. Este quadro apresenta, por um lado, um aspecto positivo, pois reflete que juzes novos e dispostos a colocar em prtica novos mtodos e mecanismos passaram a

    integrar a magistratura a cada concurso. Todavia, preocupante a falta de profissionais

    mais experientes e com mais conhecimento e preparo para lidar com as questes

    controvertidas colocadas em juzo e o fato de que tais profissionais parecem estar cada vez

    mais desinteressados em ocupar cargos na magistratura.

    A segunda deficincia apontada a insuficincia do quadro de magistrados, que se mostra

    totalmente incapaz de absorver o contingente de demandas e recursos que ingressam

    diariamente no Judicirio. O Ministrio da Justia, em agosto de 2004, divulgou

    levantamento realizado a partir de consultoria contratada pela Secretaria de Reforma do

    Judicirio do Ministrio da Justia junto Fundao Getulio Vargas - So Paulo, com o

    objetivo de realizar um mapeamento de recursos humanos e materiais com todas as

    instituies que compem o Poder Judicirio brasileiro. Estas estatsticas, ainda que no

    to recentes, ajudam a construir o cenrio atual do Judicirio.Segundo os dados divulgados,

    nos 96 tribunais que compem o sistema judicirio brasileiro (sendo estes quatro TribunaisSuperiores - STJ, TST, TSE e STM -, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais

    Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Tribunais de Justia e os

    Tribunais de Alada), em 2003, eram um total 13.660 magistrados dando cobertura em todo

    o territrio nacional, assim distribudos: 86% em 1 instncia, sendo 63,6% na Justia

    Comum. Na 2 instncia atuaram 13,4% dos juzes, sendo 9,2% na Justia Comum. A

    Justia Comum representava na poca 73% dos magistrados do pas (1 e 2 instncias),

    recebendo, proporcionalmente, 73% do total de processos ingressados em 2003 (1 e 2

    instncias). J a Justia do Trabalho abrigava 18,3% dos magistrados do Brasil (1 e 2

    instncias), recebendo 12,5% do total de processos entrados. A Justia Federal, por sua vez,

    registrava 8,2% dos magistrados do pas (1 e 2 instncias) e recebeu 11,9% do total de

    processos entrados no Brasil. Por fim, o STF e os Tribunais Superiores tm 0,6% dos

    magistrados do pas. Receberam 2,4% do total de processos entrados no pas. 10

    10 MINISTRIO DA JUSTIA, Diagnstico do poder judicirio, disponvel em , acessoem 19.02.2008.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    11/99

    13

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Ao comparar estas estimativas, o levantamento chegou a ndices que refletiram a

    produtividade dos juzes destes tribunais. Em 2003, os juzes brasileiros julgaram, em

    mdia, 1.104 processos, ou seja, uma mdia de 92 processos por ms, ou 4,6 por dia til.

    Nestas estatsticas, destaca-se a mdia do Supremo Tribunal Federal, a mais alta do pas,

    em que foram julgados 9.806 processos por ministro, contra a mdia de 17 a 20 por juiz da

    Suprema Corte norte-americana. Ainda assim, a pesquisa apontou que deram entrada ou

    foram distribudos, em 2003, 17,3 milhes de processos e julgados 12,5 milhes, com um

    ndice de julgamento de 72% e uma elevao nos estoques de processos de 4,7 milhes .

    Os dados apontam a incapacidade do quadro de magistrados de assimilar o contingente de

    processos e recursos que ingressam no Judicirio. Embora no tratamento de dados

    estatsticos no seja possvel ponderar elementos como a quantidade de teses repetidas e

    processos que so examinados pela assessoria dos juzos, os nmeros encontrados no

    deixam de asseverar que a quantidade de processos por magistrado supera em muito um

    ndice adequado em que permitisse a efetiva de absoro da demanda.

    Alm disso, a pesquisa aponta para deficincias na atual formao dos magistrados, nosomente em razo dos problemas relacionados ao ensino das academias de direito, mas

    tambm das escolas de Magistratura, que nem sempre se mostram capazes de oferecer um

    curso preparatrio adequado aos recm ingressos na carreira, de tal modo que estes iniciam

    o exerccio de suas funes sem a experincia e familiarizao com as estruturas esperadas.

    1.1.2. FALTA DE ESTRUTURA E MAU FUNCIONAMENTO DOS

    CARTRIOS JUDICIAIS

    A falta de estrutura e funcionamento inadequado dos organismos judicirios representa

    fator que, ainda que de suma importncia para a concepo do cenrio da crise do

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    12/99

    14

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Judicirio, geralmente deixado de lado ou tratado de forma genrica nos estudos e

    pesquisas sobre o tema Reforma do Judicirio.

    exceo, importante estudo foi realizado recentemente pelo Centro Brasileiro de Estudos

    e Pesquisas Judiciais CEBEPEJ e pela Escola de Direito de So Paulo da Fundao

    Getlio Vargas DIREITO GV, em parceria com o Ministrio da Justia e com a

    Secretaria da Reforma do Judicirio, sobre gesto e funcionamento dos cartrios judiciais,

    no qual foram levantados dados especficos sobre o impacto dos cartrios na morosidade da

    Justia 11.

    O estudo exploratrio tomou por base quatro cartrios judiciais da Justia Comum: dois

    situados na capital e dois no interior do Estado de So Paulo. Dentre outros levantamentos,

    foram observados dados relacionados ao tempo de processamento das demandas judiciais,

    desde seu ajuizamento at o arquivamento ou remessa 2 instncia, com base nos

    seguintes critrios: (i) o tempo do processo em cartrio; (ii) os tempos de espera; (iii) o

    tempo aps sentena; (iv) os tempos de publicao e juntada; e (vi) o tempo dos

    procedimentos sumrio e ordinrio.

    A concluso a que se chegou no em nada surpreendente para aqueles que lidam com o

    dia-a-dia forense: o tempo em que o processo fica em cartrio grande em relao com o

    tempo total de processamento, e atos como juntada e publicao e os tempos de espera 12

    representam boa parte do tempo do tramite das demandas judiciais.

    A burocracia cartorria fruto de diversos fatores, como o emprego de mtodos

    ultrapassados (em especial a chamada cultura do papel, em que, em razo da falta de

    computadores e treinamento dos funcionrios para utilizao do sistema informatizado que

    contribui decisivamente para a cultura do balco, em que os interessados no conseguem

    11Anlise da gesto e funcionamento dos cartrios judiciais, coord. Paulo Eduardo Alves da Silva, Ministrioda Justia/Secretaria da Reforma do Judicirio, Braslia, julho de 2007.12 At que a rotina seja iniciada, h uma espera (geralmente representada pela pilha de processos que seforma no escaninho ou na mesa do escrevente) que pode ser apontada como responsvel pela maior parte dotempo em que o processo fica em cartrio,Anlise da gesto e funcionamento dos cartrios judiciais p. 24.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    13/99

    15

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    ter acesso s informaes online e comparecem pessoalmente para ter vista dos autos 13);

    falta de treinamento dos funcionrios, complexidade das rotinas cartorrias (em que, para a

    prtica de cada ato processual, implica-se uma srie de pequenos atos registro, remessa,entrega escrevente de sala, disponibilizao ao juiz, exame, assinatura, devoluo ao

    cartrio, recebimento, registro, disponibilizao dos autos para rotina seguinte, etc.);

    organizao inadequada das tarefas e, principalmente, o acmulo demasiado de servio.

    Certamente, o tempo de tramite em cartrio representa de fator decisivo para a morosidade

    da prestao jurisdicional e ineficincia do sistema, sendo de grande valia a realizao de

    estudo como o mencionado e a tomada de medidas em prol da melhor organizao e

    modernizao dos mecanismos judicirios.

    1.2.3.FACILITAO DO ACESSO JUSTIA

    Um dos principais dos fatores da crise judiciria foi no passado o objetivo de reformas

    processuais e no deixa de ser, at os dias atuais, um dos maiores ideais constitucionais: a

    facilitao do acesso justia.

    A remoo de obstculos para aproximao do indivduo titular de direitos e dos rgos

    jurisdicionais um ideal de carter social que deve ser sempre perseguido na aplicao da

    lei e na reforma das estruturas judicirias. Em busca deste fim de universalizao da tutela

    jurisdicional que diversas medidas legislativas foram adotadas nos ltimos anos em

    movimento denominado pela doutrina internacional de ondas renovatrias do direito

    processual, que divididas em trs grandes fases foram assim classificadas: (i) reformas

    13 A iniciativa de informatizar a justia paulista um exemplo. Em que pese a instalao de computadoresem rede e o desenvolvimento de um programa especfico, os cartrios no incorporaram essa inovao. Nocaso, especialmente porque as peculiaridades do funcionamento dos cartrios no foram consideradas: oprograma no reproduzia o mtodo de trabalho ao qual os funcionrios estavam acostumados e no houvetreinamento suficiente para aprenderem a operar a nova interface, Anlise da gesto e funcionamento doscartrios judiciais, p.45.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    14/99

    16

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    objetivando a assistncia jurdica integral aos necessitados; (ii) reformas relacionadas

    tutela em juzo dos direitos supra-individuais (direitos e interesses difusos e coletivos); e

    (iii) aperfeioamento tcnico dos mecanismos internos do processo. No Brasil, as ondasrenovatrias se fizeram sentir de forma extremamente significativa nas ltimas duas

    dcadas, com a implantao dos juizados especiais cveis (Lei n 9.099/1990), a criao da

    ao civil pblica, da ao coletiva, do mandado de segurana coletivo e da ao popular,

    as reformas do Cdigo de Processo Civil, entre outros.14

    Ainda que muito anterior ao perodo tratado alhures, vale mencionar a introduo no

    ordenamento e efeitos da Lei de Justia Gratuita (Lei n 1.060/1950), que facilitou o acesso

    dos necessitados Justia ao regulamentar a Assistncia Judiciria e prever aos carentes de

    recursos a iseno das despesas processuais e honorrios advocatcios, diploma esse

    recepcionado pela Constituio Federal e pela previso da assistncia jurdica integral e

    gratuita (artigo 5, inciso LXXXIV). Em que se pese a inegvel importncia do diploma,

    no foi ele por si s, como, alis, no poderia deixar de ser, foi capaz de eliminar os

    obstculos scio-econmicos e culturais que mantm distante e desinformada grande parte

    da populao. E esta parcela majoritria que, sem dvida, a grande prejudicada com a

    ineficincia do sistema.

    Nesse sentido, comenta SADEK, ressaltando que a populao menos favorecida geralmente

    representa a parte hipossuficiente das relaes jurdicas e suas demandas no so meras

    contingncias so bens da vida fundamentais e, por diversas vezes, sensveis

    morosidade do procedimento:

    as dificuldades de acesso ao Judicirio so constantemente lembradas como um

    fator inibidor da realizao plena da cidadania. O desconhecimento dos direitos,

    por um lado, e a percepo de uma justia vista como cara e lenta, de outro,

    afastam dos tribunais a maior parte da populao. Da afirmar-se que a grande

    massa s procura a justia estatal quando no h outra alternativa. Nestas

    circunstncias, no se trataria de uma utilizao voluntria, para a efetivao de

    direitos, mas compulsria. Isto significa que a face do Judicirio conhecida por

    largos setores de jurisdicionados no a civil, mas, sobretudo, a criminal (2004)

    14 DINAMARCO, Op. citada, 2005, Vol. 1, p. 132.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    15/99

    17

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Se por um lado, com a dispensa do pagamento das custas e despesas processuais tornou

    vivel o acesso de parcela maior da populao ao Judicirio, por outro o universo delitigantes aumentou substancialmente, assim como o contingente de demandas, ao passo

    que as estruturas das instituies judicirias no sofreram as adaptaes necessrias para se

    adequar a este ingresso, do que decorre que a populao passou a ter acesso justia, mas

    no efetiva prestao jurisdicional.

    No todo, os movimentos de ampliao de acesso justia mostraram-se como uma faca de

    dois gumes, uma vez que, facilitando o ingresso em juzo, acabaram viabilizando o

    aumento espantoso do nmero de processos em tramite, sem, contudo, que fossem tomadas

    as medidas necessrias para adequao do Poder Judicirio e da tcnica processual a essa

    nova realidade.15

    Por fim, convm discernir o acesso justia enquanto ingresso em juzo, este facilitado

    pelas reformas mencionadas, e o que a doutrina brasileira recente denominou de acesso

    ordem jurdica justa. No se trata somente da possibilidade de que o maior nmero de

    pessoas possvel consiga demandar e postular seus interesses. Deve-se garantir observnciadas regras que concretizam o devido processo legal, com a participao intensa e efetiva da

    parte na formao do convencimento do juiz (princpio do contraditrio) e a efetiva

    participao em dilogo, tudo isso com vistas a alcanar uma soluo que seja justa, efetiva

    e capaz de promover a pacificao social (pacificao com justia).16

    1.2.4.EXCESSO DE DEMANDAS E RECURSOS: PROBLEMTICADOS PROCESSOS REPETITIVOS

    15 BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos, Efetividade do processo e tcnica processual, So Paulo: Malheiros,2005, p. 21.16 CINTRA, Antnio Carlos de Arajo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cndido Rangel,Teoria geral do processo, 21 Ed., So Paulo: Malheiros, 2005, p. 35/36

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    16/99

    18

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    O excesso de demandas e recursos em tramite nas diversas instncias e jurisdies do Poder

    Judicirio foi a principal problemtica inspiradora da elaborao do Projeto de Lei n101/2005, que deu origem a promulgao da Lei n 11.277/2006 e insero do artigo 285-

    A ao Cdigo de Processo Civil.

    Os nmeros encontrados em pesquisas mais ou menos recentes sempre se mostram

    impressionantes. Um levantamento realizado entre 1990 e 2002 aponta, por exemplo, que a

    justia comum recebeu 6.350.598 processos por ano, em uma mdia de um processo a cada

    31 habitantes. Com relao ao Supremo Tribunal de Justia, do mesmo modo, verificou-se

    no perodo o crescimento vertiginoso no volume de processos distribudos e julgados. Em

    1940, chegavam at o STF 2.419 processos; em 1950, 3091; em 1960, 6.504; em 1970,

    6.367; em 1980, 9.555; em 1990, 18.564; em 2000, 105.307; em 2001, 110.771; em 2002,

    160.453. 17

    A ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ministra Ellen Gracie, em entrevista sobre o

    acmulo de processos na corte, realizou uma comparao do modelo brasileiro ao

    americano, constatando que, nos Estados Unidos, pas com populao superior do Brasile com alto grau de litigiosidade, a Suprema Corte Americana recebe cerca de cinco mil

    processos por ano e seleciona no mais que cem para julgar, enquanto o Supremo julga, em

    mdia, um nmero mil vezes maior de aes. No ano de 2005, segundo a ministra, o STF

    recebeu 95.212 processos e realizou 103.700 julgamentos, incluindo decises monocrticas

    (proferidas pelo ministro-relator) e colegiadas (Turmas e Plenrio).18

    As causas para esse fenmeno seriam prprias de um estudo por si s. No entanto, alguns

    pontos que podem ser relacionados a esta temtica so: (i) a j discutida facilitao do

    acesso justia, com implementao de reformas direcionadas ao ingresso dos necessitados

    17 Nmeros extrados do artigo Judicirio: mudanas e reformas (SADEK, 2004)18 Ellen Gracie: acmulo de processos no Supremo resulta de deformao do sistema judicial, Braslia,25.04.2006, disponvel no site do Supremo Tribunal de Justia,, acesso em21.02.2008.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    17/99

    19

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    em juzo, da tutela dos direitos supra-individuais e implementao dos juizados especiais;

    (ii) os avanos tecnolgicos que permitiram maior acesso a informaes e massificao do

    contencioso; e (iii) fatores conjunturais econmicos, em especial, a implementao demedidas pelo governo federal, como planos econmicos, alteraes de ordem tributria, etc.

    A ampliao do acesso justia guarda estrita relao com fenmeno com do excesso de

    demandas, porquanto permitiu o ingresso em juzo de um contingente bem mais amplo de

    litigantes, mas no veio previu a implementao de medidas estruturais que amparassem

    esse afluxo de demandas. Nesse sentido, vale mencionar as anotaes de ARRUDA ALVIM

    WAMBIER e RODRIGUES WAMBIER:

    (...) o amplo acesso da sociedade justia no foi acompanhado de

    planejamento destinado a fazer com que a estrutura judiciria estivesse apta para

    acolher crescimento to expressivo, numrico e qualitativo, da demanda social

    por solues jurisdicionais. Multifacetadas questes, de grandezas econmicas

    diversas, geradas, inclusive, pelo reconhecimento de novos direitos (direitos do

    consumidor, por exemplo), fizeram com que o acesso justia tenha ocorrido de

    modo efetivo, causando, por falta de planejamento anterior, sobrecarga no

    sistema judicirio

    19

    .

    Alm do aumento significativo do universo de litigantes proporcionado pela facilitao do

    acesso aos rgos jurisdicionais, no se deve ignorar influncia da tecnologia e o

    desenvolvimento do contencioso de massa, elementos estes fundamentais no estudo dos

    processos repetitivos. O advento e popularizao do uso do computador e da internet

    permitiram aos advogados reproduzir peties e recursos com surpreendente facilidade,

    bem como gerenciar, por meio de modernos sistemas de acompanhamento processual, um

    enorme contingente de processos simultaneamente, propiciando, inclusive, a repetio de

    teses semelhantes e incorrendo no que hoje se denomina processos repetitivos ou

    demandas de massa.

    19 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotaes sobre o julgamento de processos repetitivos, disponvel em , acesso em 21.02.2008.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    18/99

    20

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    MARINONI e ARENHART comentam a introduo no ordenamento do artigo 285-A e a

    propagao de litgios fundados em argumentos de direito semelhantes, solucionveis pela

    interpretao da norma, afirmando que a multiplicao das demandas de massa, emespecial aquelas relacionadas s relaes entre pessoas jurdicas de direito pblico ou

    privado geram, por conseqncia lgica, mais trabalho administrao da justia,

    tomando, de forma absolutamente irracional, tempo e dinheiro do Poder Judicirio. Para

    os autores, este fenmeno j faz parte do cotidiano forense, em especial da Justia Federal,

    em que um grande nmero de aes so propostas isoladamente em face da Unio Federal

    ou de um ente pblico e as sentenas passam a ser reproduzidas, com o auxlio do

    computador, na mesma proporo que as peties iniciais tm alterados apenas os dados

    relativos s partes20.

    O grande volume de aes individuais envolvendo entes pblicos, em especial a Unio

    Federal e entes federais, freqentemente apontado como agravante capital da crise da

    estrutura do judicirio e a da morosidade na prestao da tutela jurisdicional. Essa

    problemtica assunto cada vez mais debatido nos ltimos anos, chegando-se a concluso

    de que se trata de fator de impacto determinante para a inoperncia do sistema judicirio.

    Em reunio realizada em Braslia sobre as instituies da Justia Federal, juzes federais detodo o Brasil concluram que o Poder Judicirio no Brasil no tem conseguido dar

    respostas rpidas e satisfatrias s demandas das partes, em razo de fatores diversos,

    dentre os quais se destaca o nmero excessivo de aes provocado pela administrao dos

    poderes pblicos e pela insuficincia ou ineficincia dos textos legislativos 21.

    Segundo o j citado levantamento realizado pelo Ministrio Justia, entre 1999 e 2003,

    verificaram-se picos de demanda no Supremo Tribunal Federal coincidentes com a

    implementao pelo governo federal de medidas como planos econmicos e alteraes de

    ordem tributria. Nesse perodo, os entes federais do Poder Pblico representaram cerca de

    65% dos agentes envolvidos em demandas em curso no STJ, sendo 9,20% dos processos

    20 ARENHART, Srgio Cruz. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil - processo deconhecimento, Vol. 2, 6 Ed., So Paulo: RT, 2007, p. 96.21 ALVES, Eliana Calmon, A crise do poder judicirio, Caderno de Direito e Justia, Braslia: 1994,. n.11310, p. 3.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    19/99

    21

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    autuados por ou em face da Unio; 11,50% envolvendo o INSS e 44 % a Caixa Econmica

    Federal. Entes pblicos em geral, incluindo-se o Banco Central, Estados e Municpios,

    esto representados em 79% do total de processos autuados.

    O que os dados revelam que, dentre este volume de lides envolvendo entes pblicos, as

    teses suscitadas e matrias discutidas so restritas a um rol limitado. Segundo Ministro

    Csar Asfor Rocha, no exerccio do cargo de coordenador-geral da Justia Federal e diretor

    do Centro de Estudos Judicirios e presidente da Turma de Uniformizao dos Juizados,

    so atualmente cerca de 360 mil processos tramitando nos Juizados Especiais Federais,

    sendo que, deste total, 90% desses processos cuidam de apenas seis tipos de aes. Ou seja,

    um pequeno nmero de causas enseja grande parte do acmulo processual que

    compromete a efetividade dos Juizados Especiais Cveis Federais enquanto instrumentos de

    facilitao do ingresso em juzo. 22

    Cumpre destacar, ainda, levantamento realizado no Tribunal Regional Federal da 1 Regio,

    corte cuja abrangncia a maior de todos os tribunais do pas (Distrito Federal, Minas

    Gerais, Gois, Acre, Rondnia, Mato Grosso, Bahia, Piau, Maranho, Tocantins, Amap,

    Roraima, Par e Amazonas). Segundo os dados apurados, desde a criao do TRF 1 em1989 at 2006, foram apreciados 140.823 feitos relacionados correo monetria ou dos

    juros sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS), sendo esta a matria mais

    apreciada no perodo, correspondendo a 20,89% do volume total de demandas autuadas. J

    os processos sobre benefcios previdencirios atingiram uma soma de 62.815, o que

    significa 9,32% da quantidade julgada. O nmero de processos sobre assuntos envolvendo

    servidores pblicos civis foi de 51.473, significando 7,64% do total. Alm destes, o TRF1

    analisou 25.910 demandas sobre contribuies previdencirias em geral (3,84%) e 19.928

    relativos ao Sistema Financeiro da Habitao (2,96%). Note-se que todas estas causas, que

    podem ser tidas como exemplos tpicos de causas idnticas ou aes repetitivas

    22Cesar Rocha instala comisso para investir na excelncia dos juizados especiais federais , disponvel noportal da Justia Federal, acessoem 21.02.2008.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    20/99

    22

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    envolvem entes pblicos, o que deflagra a influncia manifesta do Estado no quadro de

    excesso de processos repetitivos em tramite.23

    No ano de 2007, os rgos de primeira instncia da Justia Comum e da Justia Federal, em

    especial os Juizados Especiais, experimentaram o impacto do fenmeno dos processos

    repetitivos com a avalanche de aes relacionadas aos expurgos inflacionrios do Plano

    Bresser (lanado em 31 de maio de 1987 com a Resoluo n 1.338/87 pelo ento Ministro

    da Fazenda Bresser Pereira) em razo da prescrio naquele ano da ao de ressarcimento

    pelas perdas sofridas pelos poupadores (entendida pela maioria dos juzes como sendo de

    vinte anos, conforme o artigo 177, do Cdigo Civil de 1916, vigente em 1987, combinado

    com o artigo 2.028, do Cdigo Civil de 2002). Foram necessrios esquemas especiais de

    atendimento nos fruns em todo o pas e a realizao de mutires de conciliao e

    julgamento para dar conta do enorme volume de demandas ajuizadas no primeiro semestre

    de 2007, em um exemplo claro da obstruo causada administrao da justia pelo

    excesso de aes singulares versando sobre questes, que, mesmo prescindindo de

    instruo probatria, mobilizam as serventias e juzos.

    Assim sendo, uma vez relacionados alguns dos principais sintomas da crise do PoderJudicirio e fatores que contriburam e ainda contribuem para a situao em que se

    encontram as organizaes judicirias; e colocado dentro deste cenrio a existncia e

    repercusso dos processos repetitivos, imperioso concluir que estudo desta problemtica

    fundamental para a compreenso da crise e implementao de reformas apropriadas e

    eficientes.

    O presente estudo pretende, portanto, verificar se a introduo do artigo 285-A no sistema

    processual vigente foi uma medida efetiva para solucionar a problemtica dos processos

    repetitivos, buscando-se, ainda, critrios para a aplicao e interpretao do dispositivo que

    23 Reforma processual apontada como soluo para o Judicirio, Rio de Janeiro, 27.06.2006,disponvel nosite da Ordem dos Advogados do Brasil < http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=7344>, acesso em21.02.2008.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    21/99

    23

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    permitam a concretizao de seu propsito de racionalizao do julgamento das demandas

    de massa.

    1.2. A LEI N 11.277/2006 E O ARTIGO 285-A

    A Lei n 11.277/2006 teve origem no Projeto de Lei n 101/2005, que tramitou da Cmara

    dos Deputados sob o n 4.728/2004, e teve por Relator o Deputado Joo Almeida (PSDB-

    BA) e no como Relator no Senado o Senador Alusio Mercadante. Tratou-se de iniciativa

    do Poder Executivo, que contou com atuao da Secretaria da Reforma do Judicirio, rgo

    integrante do Ministrio da Justia e fez parte do Pacote Republicano apresentado pelo

    Presidente da Repblica no dia 15 de dezembro de 2004.24

    A redao originria do PL n 4.728/2004 era a seguinte:

    Art. 1. Fica acrescido Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Cdigo deProcesso Civil, o seguinte artigo:

    Art. 285-A. Quando a matria controvertida for unicamente de direito, emprocessos repetitivos e sem qualquer singularidade, e no juzo j houver sentenade total improcedncia em caso anlogo, poder ser dispensada a citao eproferida sentena reproduzindo a anteriormente prolatada.

    1 Se o autor apelar, facultado ao juiz, no prazo de cinco dias, cassar asentena e determinar o prosseguimento da demanda.

    2 Caso mantida a sentena, ser ordenada a citao do ru para responder aorecurso.

    Art. 2. Esta Lei entra em vigor noventa dias aps a data de sua publicao

    A este texto, uma primeira emenda de carter supressivo foi apresentada pelo Deputado

    Roberto Magalhes (PFL-PE) no seguinte sentido: Suprima-se no texto, proposto pelo art.

    1 do projeto para constituir o caput do art. 285-A da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de

    24 Reforma infraconstitucional do processo civil, Cadernos IBDP, Srie Propostas Legislativas. Vol. 4.Set/2005, p. 133.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    22/99

    24

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    1973, a expresso: em processos repetitivos e sem qualquer singularidade. A justificao

    do congressista foi a de que a falta de singularidade exigida seria invivel, pois em algum

    ponto os processos sero diferenciados, como por exemplo, na diferenciao das partes,valores, etc.

    Aps, o relator apresentou relatrio e voto em que foi apresentado substitutivo. No voto,

    afirmou no encontrar bices quanto aos aspectos de constitucionalidade e juridicidade do

    dispositivo, mas sugeriu alterao no texto da proposio com vistas adequao de sua

    redao s normas legais em questo e ainda ao uso correto de vocabulrio jurdico e de

    tcnica de redao. Foi proposta a substituio da palavra cassar (no 1 do artigo) pela

    expresso no manter, em virtude do repdio do termo tido como autoritrio.

    Feitas essas observaes, o relator elogiou o projeto de lei, que segundo ele busca conferir

    maior racionalidade, eficincia e celeridade ao servio de prestao jurisdicional e

    tramitao dos feitos processuais, sem, entretanto, ferir os princpios constitucionais da

    garantia do contraditrio e da ampla defesa.

    Em 10 de agosto de 2005, o substitutivo do relator foi aprovado pela Comisso deConstituio e Justia da Cmara dos Deputados, sendo posteriormente encaminhado ao

    Senado Federal, onde tomou o nmero PLC 101/2005 e foi designado relator o Senador

    Alosio Mercadante, do PT-SP, sendo aprovado definitivamente em dia 19 de janeiro e

    submetido sano presidencial.

    Em 08 de fevereiro de 2006, a Lei 11.277/2006 foi publicada no Dirio Oficial da Unio,

    com vacatio legis de 90 dias aps a publicao. O artigo 285-A foi inserido na Seo I do

    Cdigo de Processo Civil (Dos requisitos da petio inicial), do Captulo I (Da petio

    inicial) do Ttulo VIII (Do procedimento ordinrio do seu Livro I (Do processo de

    conhecimento).

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    23/99

    25

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    2. DISCUSSO ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO

    ARTIGO 285-A

    Uma vez abordado o tramite legislativo e delineados alguns aspectos processuais atinentes

    ao artigo 285-A, passa-se anlise das conseqncias de sua introduo no ordenamento, a

    fim que se chegar a uma concluso quanto sua adequao enquanto medida que visa

    solucionar a problemtica dos processos repetitivos e sua influncia na atual situao de

    crise do Poder Judicirio.

    Muito se tem discutido a respeito da conformidade da previso legal instituda pela Lei n

    11.277/2006 com as garantias constitucionais do devido processo legal. O exame da

    constitucionalidade do referido diploma fundamental no somente para sua validade, mas

    tambm para sua efetividade prtica, especialmente na atual fase da cincia processual, em

    que o processo no visto mais como disciplina autnoma de mera soluo de

    controvrsias, mas sim como um modelo constitucional do processo civil, em que a

    construo do direito processual civil deve pautar-se pelas diretrizes constitucionais 25, de

    modo que sejam realizadas pelo devido processo legal os princpios e garantias previstos na

    Constituio Federal. 26

    Atualmente, a constitucionalidade da Lei n 11.277/2006 e do artigo 285-A est sendo

    discutida no Supremo Tribunal Federal em decorrncia de Ao Direta de

    Inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

    (ADI n 3695, de Relatoria do Ministro Cezar Peluso), na qual se alega ofensa aos

    25 SCARPINELLA BUENO, Cssio, O modelo constitucional do direito processual civil: um paradigmanecessrio de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicaes, disponvel no site do InstitutoBrasileiro de Direito Processual, acesso em 05.07.2008.26 Com relao nova fase da cincia processual civil, FREDERICO MARQUES comenta: Os estudosconstitucionais sobre o processo civil podem ser apontados, (...) como um dos caractersticos mais salientes daatual fase cientfica do Direito Processual Civil. No soa aproximao com o Direito Processual Penal paraisto contribuiu, como tambm a irrupo do totalitarismo na esfera processual, com tentativas frustradas desubstituir o processo por mtodos autoritrios e solues administrativas, provocou, como reao natural, essanova diretriz doutrinria (Cf. Ensaio sobre a jurisdio voluntria. Campinas: Millenium, 2000, p. 5/6).

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    24/99

    26

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    princpios da isonomia, segurana jurdica, direito de ao, contraditrio e ao devido

    processo legal (artigo 5, caput, incisos XXXV, LIV e LV da Constituio Federal) 27.

    Neste feito, atua como amicus curiae o Instituto Brasileiro de Direito Processual IBDP,representado por sua presidente Ada Pellegrini Grinover e tendo como patrono Cssio

    Scarpinella Bueno. Aguarda-se, at o momento, a apreciao do pedido de liminar, sendo

    que o Ministro Cesar Peluso j determinou a aplicao do artigo 12 da Lei n 9.686/1999,

    para o fim de que, uma vez prestadas as informaes, seja o processo remetido para

    julgamento definitivo do pedido de declarao de inconstitucionalidade.

    Resta analisar, portanto, as violaes constitucionais alegadas, para assim concluir-se pela

    constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo legal ora estudado.

    2.1. PRINCPIOS DA ISONOMIA E DA SEGURANA JURDICA

    Em sua pretenso de declarao de inconstitucionalidade do artigo 285-A, o Conselho

    Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sustenta que, por permitir a utilizao de

    sentena prolatada em outro processo, o dispositivo institui entre ns uma sentena

    vinculante, impeditiva do curso do processo em primeiro grau, e, diante disso, sua

    aplicao atentaria ao princpio da isonomia, posto que processos debatendo sobre um

    mesmo tema podero ter deslindes diversos, ora mantendo seu curso normal, ora sendo

    julgados sem a citao do ru, dependendo do juzo para o qual sejam distribudos. 28

    27

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros eaos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, seguranae propriedade, nos termos seguintes:

    XXXV -a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito;

    LIV - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

    LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados ocontraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (grifos iguais aos da petio inicial)28 Ante a diversidade de juzes e varas, o diploma normativo permite que processos debatendo o mesmotema, mas distribudos a diferentes magistrados, tenham curso normal ou abreviado, conforme tenha sido proferida ou no sentena relativa ao mesmo assunto no juzo. Quebra, desse modo, o princpio daisonomia.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    25/99

    27

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Nessa mesma linha de argumentao, a OAB traz a questo da adequao do artigo 285-A

    com o princpio da segurana jurdica, sustentando que, com a previso do julgamentosegundo sentena j proferida pelo juzo, o curso do processo poder ser normal ou

    abreviado segundo sentena antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que

    no foram partes naquele feito no existe.

    Como leciona AFONSO DA SILVA, a igualdade perante a lei de que trata o artigo 5, caputda

    Constituio Federal tem, no Brasil, o sentido de igualdade na lei, no existindo no direito

    ptrio a distino que se verifica no direito comparado, em que a igualdade perante a lei

    consiste na aplicao das normas gerais aos casos concretos e igualdade na lei dirige-se

    tanto para aqueles que criam quanto para aqueles que aplicam a norma no caso concreto 29.

    Ou seja, a igualdade perante a lei a que se refere o texto constitucional deve ser observada

    tanto no mbito legislativo; em que, ao elaborar a lei o legislador deve atentar s situaes

    idnticas e s situaes distintas na proporo de suas diversidades 30; quanto na esfera

    jurisdicional, na qual se manifesta na vedao instaurao de juzos ou tribunais de

    exceo (art. 5, inciso XXXVII), na atuao do magistrado quando diante de situaes de

    desigualdade criadas por lei, entre outros.31

    Sabe-se, portanto, que a igualdade perante a lei (ou igualdade na lei) abrange a igualdade

    processual (ou igualdade perante o juiz), em que as partes e os procuradores devem merecer

    tratamento igualitrio, a fim de que, quando do julgamento da pretenso, seja certo que

    tiveram as mesmas oportunidades para afirmar suas razes. Tambm em diversos

    dispositivos dos cdigos processuais possvel verificar a manifestao do princpio da

    igualdade processual, como no artigo 125, I do Cdigo de Processo Civil, que assegura s

    partes igualdade de tratamento no processo civil.

    29 AFONSO DA SILVA, Jos, Curso de direito constitucional positivo, 24 Ed., So Paulo: Malheiros, 2005,p. 215.30 FAGUNDES, Miguel Seabra, O princpio constitucional da igualdade perante a lei e o Poder Legislativo,Revista dos Tribunais, n 253, p. 3.31 AFONSODASILVA, ob. citada, p. 220.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    26/99

    28

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Vale observar, ainda, que este vis meramente formal da igualdade (de que a lei no deve

    estabelecer distines entre os indivduos) no interfere na realidade da desigualdade social,de modo que, atualmente, a igualdade processual (isonomia) vista sob um enfoque mais

    realista, em que, reconhecendo-se essa desigualdade, entende-se que os desiguais devero

    ser tratados de modo desigual, cabendo ao Estado, para fazer prevalecer o princpio da

    isonomia, assegurar a igualdade de oportunidades para todos.3233

    Contrapondo-se aos argumentos suscitados pela OAB, o IBDP sustentou, em sntese, que a

    possibilidade de julgamento com base em sentena anteriormente prolatada pelo juzo no

    representara, de forma alguma, uma afronta ao princpio da isonomia. Essa faculdade

    refletiria justamente a consolidao do postulado de garantia de tratamento igual s partes,

    por viabilizar que sejam proferidas as mesmas sentenas (logo, seja dado tratamento

    uniforme) para os mesmos casos (casos idnticos), sempre que distribudos para o

    mesmo juzo. Ressalta, ainda, que o artigo 285-A consiste em faculdade do juzo, bem

    como que no que qualquer inconstitucionalidade ou mesmo novidade - na possibilidade

    de rgos diversos proferirem decises diferentes 34, argumentando o amicus curiae que

    diante do fato de que entendimentos diversos so externados pelos juzes com relao auma mesma tese jurdica, caber aos tribunais uniformizarem, gradativamente, o

    entendimento que dever prevalecer, respeitando-se, com isso, o princpio do juiz natural.

    32 CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, op. citada, p. 55.33 Como coloca NERY JUNIOR: O art. 5, caput e o inciso n. I da CF de 1988 estabelecem que todos so iguaisperante a lei. Relativamente ao processo civil, verificamos que o princpio da igualdade significa que os

    litigantes devem receber do juiz tratamento idntico. Assim, a norma do art. 125, n. I, do CPC teve recepointegral em face do novo texto constitucional. Dar tratamento isonmico s partes significa tratar igualmenteos iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de sua desigualdade. ( Princpios do processo civilna constituio federal, 3 Ed., So Paulo: RT, 1996, 42).34 Neste sentido, o que a Lei n. 11.277/2006 fez, ao acrescentar o art. 285-A do Cdigo de Processo Civil,apenas foi de permitir o caput do dispositivo claro quanto a se tratar de uma mera faculdade do juiz que o entendimento de um dado juzo leve improcedncia liminar do pedido. Nada mais do que isto. O que,normalmente, levaria algum tempo, semanas, meses ou anos para ser proferido , agora, merc da novadisciplina legislativa, uma questo de tempo de o juiz analisar adequadamente a petio inicial e na medidaem que observe que ele nada traz de novo, que nada acrescenta aos casos repetitivos que aquele mesmojuzo j analisou e rejeitou, reproduza a sentena que levou os mesmos casos, assim compreendidos comoas mesmas teses jurdicas, ao mesmo resultado: a improcedncia.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    27/99

    29

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Valendo-se desses conceitos e dos argumentos suscitados pelo amicus curiae, conclui-se

    que a previso da Lei n 11.277/2006 no representa afronta igualdade, tanto no mbito

    legislativo quanto no mbito jurisdicional, vez que o novo instituto garante tratamentoigualitrio aos jurisdicionados, proporcionando-lhes iguais oportunidades de exposio de

    seus argumentos em juzo.

    Com relao ao ponto de que a diversidade de juzes e varas significaria a possibilidade

    de desfechos diversos s lides propostas, e, assim, afrontaria o princpio da isonomia,

    necessrio acatar o entendimento do amicus curiae no sentido de que o fato de que a

    multiplicidade de rgos jurisdicionais implica na existncia de decises diversas no

    representa novidade nenhuma no ordenamento. Afinal, sistemtica processual rege-se pelo

    princpio da persuaso racional, segundo o qual o juiz s decide com bases nos elementos

    existentes no processo, mas os avalia segundo critrios crticos e racionais (CPC, arts. 131 e

    436; CPP, arts. 157 e 182) (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER; 2005 p. 69). O livre

    convencimento decorre da oralidade e da imediao do juiz, que em contato direto com as

    partes e com as provas, proferir seu julgamento livre, porm de forma motivada e de

    acordo com as regras legais existentes.35

    J no que tange a alegao de ofensa ao princpio da segurana jurdica, convm buscar sua

    definio no caput do artigo 5 da Constituio Federal, em que se garante a todos os

    brasileiros e residentes no Pas a inviolabilidade do direito segurana, entendida, nesse

    contexto, como a imobilidade das relaes jurdicas, ou, como conceitua MARTINS COSTA,

    como o espao de reteno, de imobilidade, de continuidade, de permanncia que

    valoriza, por exemplo, o fato de o cidado no ser apanhado de surpresa por modificao

    ilegtima na linha de conduta da Administrao ou por lei posterior, ou modificao na

    aparncia das formas jurdicas 36. Trata-se, na definio de VANOSSI, de conjunto de

    35 CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, op. citada, p. 70.36 MARTINS, Judith Costa,A Re-significao do princpio da segurana jurdica nas relaes entre Estado ecidados: a segurana jurdica como crdito de confiana, Revista CEJ n 27, p. 110/120, out/dez 2004,disponvel em http://www.cjf.jus.br/revista/numero27/artigo14.pdf, acesso em 05.07.2008, p. 112.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    28/99

    30

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    condies que tornam possvel s pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das

    conseqncias diretas de seus atos e de seus fatos luz da liberdade reconhecida. 37

    Nestes termos, a segurana jurdica deve ser encarada como pressuposto fundamental do

    Estado Democrtico de Direito, consolidado pela Constituio Federal e pela lei

    infraconstitucional por meio da previso de diversos outros princpios e institutos que lhe

    do efetividade: o princpio da legalidade (art. 5, inciso II); direito adquirido, ato jurdico

    perfeito e coisa julgada (art. 5, inciso XXXVI), prescrio (art. 189 do Cdigo Civil e arts.

    109 e 110 do Cdigo Penal), prvia lei para a configurao de crimes e transgresses e

    cominao de penas (art. 5, inciso XXXIX), entre outros. 38

    Nesse tpico, o IBDP sustentou que a idia de que essa garantia no seria vinculada a uma

    prvia publicidade da sentena, e sim no conhecimento das regras que sero aplicadas no

    julgamento de cada caso concreto, sendo certo que quando do julgamento por aplicao do

    artigo 285-A, o magistrado permanece adstrito aos dispositivos constitucionais e

    infraconstitucionais para prolao do provimento jurisdicional. A previsibilidade que se

    almeja, com a alegao de falta de publicidade das sentenas paradigmas, seria decorrente

    da prpria razo de ser da lei e na ocorrncia de sua hiptese de incidncia, a ocorrnciade casos idnticos em cada foro, em cada juzo com maior ou menor freqncia.39

    De fato, no h qualquer mitigao da garantia de estabilidade das relaes jurdicas ou

    previsibilidade da lei aplicada com a reproduo, pelo magistrado de primeiro grau, de

    sentena de sua lavra proferida em caso anlogo, uma vez que a sentena de rejeio

    37 VANOSSI, Jorge Reinaldo, El Estado de derecho en el constitucionalismo social, apudJos Afonso da

    Silva, ob. citada, p. 433.38Aindade acordo com o entendimento de MARTINS COSTA: Como privilegiado espao de reteno e decontinuidade, o ordenamento jurdico dispe de mecanismos diversos para adaptar permanncia, estabilidade, o que na vida flui e se modifica. Um desses mecanismos , justamente, o princpio da segurana jurdica por si e por todas as regras e institutos que embasa, como a prescrio, a decadncia, o direitoadquirido, o respeito forma pr-estabelecida etc.,A Re-singificao..., p. 11239 Em sentido semelhante opina CAVALCANTI, para quem o julgamento com base em precedentes no induz insegurana: antes, pelo contrrio, demonstra a uniformidade de posicionamento do rgo julgador.(Consideraes acerca da improcedncia liminar das aes repetitivas: um estudo sobre a compatibilidade doart. 285-A do Cdigo de Processo Civil com o sistema processual vigente inNovos temas de processo civil leis n 11.277/06, 11.276/06, 11280/06, 11.232/05, So Paulo: Editora Academia Brasileira de Direito, 2007,p. 164)

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    29/99

    31

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    liminar no dever ser desprovida de motivao suficiente e adequada, em arrimo com a

    exigncia constitucional da motivao das decises judiciais expressa pelo artigo 93, inciso

    IX.

    40

    O comportamento do magistrado com relao ao direito vigente toprevisvel/imprevisvel como nos demais casos de julgamento de questes de direito, com a

    diferena de que o tramite processual ser encurtado e o posicionamento do julgador ser,

    desde logo, revelado.

    Diante de todas essas consideraes, conclui-se que o texto legal da norma impugnada no

    afronta os princpios da isonomia e da segurana jurdica, estando assim, nesse sentido, em

    consonncia com as garantias processuais previstas na Constituio Federal.

    De mais a mais, a uniformizao e previsibilidade abordadas nas alegaes de ofensa

    isonomia e segurana jurdica no sero alcanadas atravs da extirpao do artigo 285-A

    do ordenamento, j que, como explicado, trata-se de previso legal que apenas encurta o

    procedimento e permite que o magistrado decida questo jurdica sem maiores delongas no

    tramite processual, mas que em nada fere os preceitos da sistemtica processual vigente.

    O que se pretende atravs do presente estudo definir rumos para aplicao e interpretaodo artigo 285-A mais efetiva na soluo da problemtica dos processos repetitivos e que

    contribua, efetivamente, para uma prestao jurisdicional mais clere e eficaz.

    Nesta feita, a interpretao da Lei n 11.277/2006 que se mostra mais alinhada a tais

    preceitos a de que a sentena paradigma dever estar amparada em entendimento j

    consolidado dos tribunais recursais e dos tribunais superiores.41 Assim como a smula

    40 Sobre a possibilidade de reproduo de sentena anteriormente proferida e a observncia da exigncia damotivao das decises judiciais, ver captulo 5, item 1.41 Como leciona SCARPINELLA BUENO: (...) por mais convencido que esteja um especfico juzo de primeirograu de jurisdio sobre uma dada tese jurdica, outras vozes sobre ela, eventualmente dissonantes, existemnos diversos graus de jurisdio, inclusive no primeiro, em outros juzos,em outras varas, e que no podemser desconsideradas. Ao menos, para os fins de maior racionalidade da prestao jurisdicional ambicionadapelo novo dispositivo legal. Em condies como estas, fica evidenciado que o paradigma da deciso jurisdicional, na perspectiva de se buscar formas de otimizar a prestao jurisdicional em nome de umprincpio maior, o da isonomia, nunca poder ser, entenda-se isto, friso, no devido contexto, as decises deprimeiro grau de jurisdio. ( A nova etapa da reforma do Cdigo de Processo Civil, comentriossistemticos s Leis n. 11.276, de 7-2-2006, 11.277, de 7-2-2006, e 11.280, de 16-6-2006, Vol. 2, So Paulo:Saraiva, 2006, p. 53).

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    30/99

    32

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    vinculante trazida pela Emenda Constitucional 45/2004 e prevista pelo artigo 103-A da

    Constituio Federal (regulamentado pela Lei n 11.417/2006) e a smula impeditiva de

    recursos do artigo 518, 1 do CPC (Lei n 11.276/2006), que visam uniformizao dasdecises e racionalizao dos julgamentos, o artigo 285-A dever tambm buscar o

    propsito de conferir maior estabilidade para as relaes jurdicas da consolidao da

    resposta do Judicirio acerca de certas questes freqentemente suscitadas.

    Destarte, o artigo 285-A dever ser encarado como um mecanismo alinhado s assertivas

    constitucionais processuais e que intenta promover a otimizao do julgamento de

    processos que envolvam matrias exclusivamente de direito, devendo ser estudada

    interpretao que poder conduzir aplicao mais efetiva em prol desse propsito.

    2.2. PRINCPIO DO DIREITO DE AO

    Aps alegar suposta afronta isonomia e segurana jurdica, o Conselho Federal da

    Ordem dos Advogados do Brasil sustenta que a inconstitucionalidade do artigo 285-A

    funda-se na restrio infligida ao direito de ao do autor, por impedir a instaurao

    regular do processo no permitir o exame de aspectos peculiares que a causa, porventura,

    apresente e que, talvez, levassem o juiz a decidir noutro sentido. Diante disso, a aplicao

    do artigo 285-A impediria a formao da relao processual triangular em primeiro grau

    por eliminar fases do procedimento normal e permitir a prolao de sentena emprestada,

    restringindo, com isso, o direito de ao do autor. 42

    Em resposta, o IBDP defende a constitucionalidade da previso legal de rejeio liminar da

    petio inicial por entender que o artigo 285-A no impede a instaurao regular do

    42 Segundo parecer do jurista Paulo Medina, em trecho transcrito na petio inicial da ADI n 3695: Ora, namedida em que impede a instaurao regular do processo, a pretexto de que a questo jurdica suscitada nopedido j recebeu do juzo soluo contrria, o que se est estabelecendo, de forma iniludvel, umadesarrazoada restrio ao direito de ao, pela via oblqua de um expediente que no permite o exame deaspectos peculiares que a causa, porventura, apresente e que, talvez, levassem o juiz a decidir em outrosentido.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    31/99

    33

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    processo, justamente por admitir, no caso de interposio de recurso de apelao, que o

    procedimento siga seu curso regular, com a possibilidade, inclusive, do exerccio do juzo

    de retratao. Alm disso, o direito de ao no se confundiria com a prerrogativa deobteno de um resultado favorvel aos interesses daquele que requer a prestao da tutela

    jurisdicional pelo Estado-juiz, de tal modo que a nova regra, ao permitir que o magistrado

    julgue desde logo improcedente o pedido com base em decises suas, apenas difere a

    necessidade de citao do ru para o momento da interposio do recurso de apelao,

    permitindo o pleno exerccio do direito de ao, como em qualquer caso de indeferimento

    liminar da petio inicial (art. 296 do Cdigo de Processo Civil).

    A discusso sobre o conceito de ao e de direito de ao uma das mais complexas j

    enfrentadas pela cincia processual. Da teoria imanentista, segundo a qual seria ao seria

    uma qualidade de todo direito material e consistiria no direito de pedir em juzo aquilo que

    ao demandante devido, a doutrina aprofundou-se no estudo da ao enquanto direito

    autnomo, e, portanto, desvinculado da existncia do direito subjetivo invocado.

    Consolidou-se, na sistemtica processual brasileira, a idia de ser a ao um direito

    instrumental subjetivo, ou o direito do jurisdicionado de ativar os rgos jurisdicionais, que

    dever ser acompanhado da obrigao ou poder do Estado de prover a funo jurisdicional,enquanto parte-se da premissa de que no h conflito de interesses entre Estado e indivduo,

    no havendo, portanto, oposio entre obrigao/direito.43 Citando LIEBMAN, cujo

    posicionamento influenciou definitivamente esse processo evolutivo da conceituao do

    direito de ao, seria este um direito de iniciativa e impulso, direito do particular de pr

    em movimento exerccio de uma funo pblica da qual espera a tutela de suas pretenses,

    dispondo para tanto de meios previstos pela lei para defend-las 44.

    Sendo assim, o direito de ao o direito ao provimento jurisdicional - qualquer que seja a

    natureza deste e em nada depende da formao da relao processual triangular. O que

    ocorre que, diante da inexistncia do direito invocado dada uma resposta negativa ao

    43 CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2005, p. 261/26344Manual de direito processual civil, trad. Cndido Rangel Dinamarco, Vol. I, 3 Ed., So Paulo: Malheiros,2005, p. 201

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    32/99

    34

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    demandante, mas que no deixa de ser uma resposta do Estado ofertada aps o exerccio

    pelo autor de seu direito de ser ouvido em juzo, tudo em consonncia com os postulados

    do devido processo legal.

    45

    No julgamento pelo artigo 285-A, ao autor garantida aprovocao do aparelho judicial estatal e o espao para expor amplamente suas razes,

    tanto na petio inicial, quanto no pedido de retratao, e, mesmo, na interposio do

    recurso de apelao em face da sentena de improcedncia 46, assegurando-se, portanto, seu

    direito de ativar a jurisdio e de receber uma resposta do Estado com relao sua

    pretenso.

    O processualismo moderno, contudo, analisa o direito de ao enquanto garantia

    constitucional, a ser pautada pelas regras do devido processo legal (ou constitucional).

    Segundo BEDAQUE, o direito de ao, ou princpio da demanda, trata-se da garantia, em

    sede constitucional, de um meio de retirar a jurisdio de sua inrcia diante de situaes

    concretas, direito esse que vem acompanhado de uma srie de outras garantias

    constitucionais, que visam a conferir-lhe efetividade e que configuram aquilo que se

    convencionou chamar de devido processo legal. 47

    Assim, uma vez colocado que o artigo 285-A no representa nenhuma afronta ao direito deao enquanto prerrogativa de provocao da jurisdio, prossegue-se anlise pautada

    pelos argumentos deduzidos pela ADI n 3695 da conformidade do novel dispositivo com

    as garantias processuais constitucionais, a fim de se verificar se o instituto coaduna-se com

    o postulado do direito de ao sob seu vis constitucional.

    45

    Acatando, nessa concluso, o conceito de BAPTISTA DA SILVA, para quem exercer ao exercer odireito de ser ouvido em um tribunal (...). Quando se diz que a ao processual autnoma e que, por isso,existe sem que o autor tenha direito, misturam-se a ao de direito material com a ao enquanto categoriaprocessual. (...) Certamente posso exercer ao (processual) sem ter direito (material!), porm exerc-la exercer meu direito jurisdio (Processo e ideologia: o paradigma racionalista, 2 Ed., Rio de Janeiro:Forense: 2006, p. 191/191)46 Ou do recurso de agravo de instrumento em face da deciso que rejeitar apenas um ou mais pedidos no casode cumulao, como se ver mais especificamente no Captulo 4, adiantando o posicionamento de que ahiptese de cumulao de pedidos e extino de um ou alguns tida como campo para aplicao do princpioda fungibilidade recursal e da instrumentalidade das formas.47Direito e processo: influncia do direito material sobre o processo, 4 Ed., So Paulo: Malheiros, 2006,p.80/84

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    33/99

    35

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    2.3. PRINCPIO DO CONTRADITRIO

    Na mencionada Ao Direta de Inconstitucionalidade, alegou-se que extino do processo

    pelo artigo 285-A implica a no realizao da garantia do contraditrio, que no deve ser

    concebido apenas como o conhecimento e publicidade dos atos processuais, mas sim de

    acordo com sua concepo moderna de garantia de participao efetiva das partes no

    desenvolvimento do processo, transcrevendo parecer do jurista Paulo Medina, em trecho

    que argumenta sobre a concepo moderna de contraditrio trazida por Jos Lebre de

    Freitas:

    O contraditrio, como acentua JOS LEBRE DE FREITAS, implica

    fundamentalmente uma garantia de participao efetiva das partes no

    desenvolvimento de todo o litgio, mediante a possibilidade de, em plena

    igualdade, influrem em todos os elementos (factos, provas, questes) que se

    encontrem em ligao com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo

    apaream como potencialmente relevantes para a deciso.

    Manifestando-se sobre as alegaes suscitadas, o IBDP argumenta que, de fato, o

    contraditrio no deve se restringir ao exerccio da ampla defesa aos acusados, mas deve

    sim abranger a garantia de participao efetiva das partes. O que o novo dispositivo fez, no

    entanto, foi diferir o exerccio do contraditrio para o momento recursal, ocasio em que se

    faz mais pertinente, uma vez que o magistrado j est suficientemente convicto de seu

    posicionamento com relao matria de direito alegada quando do recebimento da inicial,

    de modo que durante o tramite em primeiro grau, no h grandes chances de dissuadi ojuzo de sua convico. Assim, no julgamento pelo artigo 285-A, permitido ao autor o uso

    extensivo do seu direito de manifestao e de persuaso, tanto em primeiro grau, atravs do

    juzo de retratao de que trata o 1 do dispositivo, quanto em grau recursal, quando da

    interposio de recurso ao tribunal competente, que poder rever o posicionamento do juzo

    de primeiro grau.

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    34/99

    36

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Ainda nessa vertente, argumenta o IBDP pela inexistncia de violao do contraditrio com

    relao ao ru, uma vez que, com a rejeio liminar da inicial, cria-se uma situao de

    vantagem inquestionvel que somente ser prejudicada em caso de recurso, hiptese emque dever ser citado para contra-razes, integrando, assim, a relao processual. Alm

    disso, a falta da citao do ru no consistiria em nulidade ou inexistncia do processo, mas

    sim mero vcio processual, dado que lhe conferido um resultado vantajoso

    independentemente do conhecimento da existncia da demanda.

    Tradicionalmente, a doutrina concebe o contraditrio como sendo a somatria de dois

    elementos: a) a informao, que significa que s partes imprescindvel que lhes seja dada

    cincia inequvoca de todos os atos processuais atravs da citao, intimao e notificao;

    e b) a possibilidade de reao a tais atos, que consiste em mera faculdade nos casos de

    direitos disponveis 48. De acordo com essa conceituao, no h o que se falar em

    supresso do exerccio do contraditrio quando da aplicao do artigo 285-A sob a tica do

    autor, que tem cincia dos atos processuais desde o momento em que ajuza a demanda,

    tanto por fora da previso do juzo de retratao quanto pela via recursal.

    Em sentido diverso, seria clara afronta ao contraditrio a supresso da citao e a noparticipao do ru no tramite do feito, cabendo, desse modo, a declarao de

    inconstitucionalidade do artigo 285-A.

    Entretanto, a evoluo do estudo das garantias do devido processo legal, em consonncia

    com o desenvolvimento das relaes humanas e incremento de sua complexidade, exigiu da

    doutrina uma construo conceitual mais adequada e mais voltada idia de atuao ativa

    das partes no processo, a fim de que essa participao ativa assegure o resultado til do

    tramite processual e legitime o ato jurisdicional em si. 49

    48 CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER; op.citada, p. 5949 Cf. BEDAQUE: Entre as garantias que a Constituio assegura ao modelo processual brasileiro encontra-sea do contraditrio. Trata-se de postulado destinado a proporcionar ampla participao dos sujeitos da relaoprocessual nos atos preparatrios do provimento final. Sua observncia constitui fator de legitimidade do atoestatal, pois representa a possibilidade que as pessoas diretamente envolvidas com o processo tm de influirem seu resultado. (Os elementos objetivos da demanda luz do contraditrio in Causa de pedir e pedidono processo civil: questes polmicas, coord. Jos Rogrio Cruz e Tucci e Jos Roberto dos Santos Bedaque,So Paulo: RT, 2002, p. 20)

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    35/99

    37

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Sob essa perspectiva, para os que sustentam a inconstitucionalidade do artigo 285-A, a

    extino do processo com fulcro no artigo 285-A, ao impedir o ingresso do ru na relaoprocessual e a efetiva formao do dilogo entre as partes fundamental para o alcance da

    justia no caso concreto atentaria ao contraditrio, porquanto sem a participao do ru o

    processo deixaria de ser um ato de trs pessoas 50, tornando-se impossvel a formao da

    dialtica necessria para o provimento justo, em prejuzo, portanto, de ambas as partes 51.

    Outrossim, qualquer que seja a concepo de contraditrio a ser adotada, a idia de que o

    julgamento de improcedncia da demanda sem a citao do ru representa afronta ao

    contraditrio representa mero formalismo incompatvel com a concepo instrumental dos

    institutos processuais. O apego em abstrato necessidade de se manter a dialtica

    processual no poder ocultar o fato de que o ru deve ser ouvido para ser condenado, e no

    para ser absolvido, porquanto da rejeio do pedido no decorre invaso a sua esfera de

    direitos. Exigir-se do ru a apresentao de seus argumentos em uma demanda que verse

    sobre matria predominantemente de direito perante um juzo que j tem uma convico

    formada sobre o assunto chega a ser um contra-senso e um desiderato formalismo

    desprovido de qualquer pertinncia concreta. 52

    DINAMARCO, ao tratar da teoria da instrumentalidade do processo fundamental para

    definio dos rumos da cincia processual atual concebe o processo e o contraditrio sob

    50 MITIDIEIRO, Daniel, A multifuncionalidade do direito fundamental ao contraditrio, Revista deProcesso, n 144,p. 10951 Esse entendimento consolida-se na idia de que a sentena de mrito que pressupe o atendimento dascondies da ao e pressupostos processuais no poder ser prolatada sem a citao, tido como pressupostode constituio do processo. Como defende MONTENEGRO FILHO, o legislador teria agido com manifesta

    atecnia, na medida em que de um lado, afirma que o magistrado est proferindo sentena de mrito,rejeitando as pretenses do autor. Do outro lado, verificamos que a sentena proferida em demanda que nose formou por completo, ante a ausncia de citao do ru, que pressuposto de constituio do processo.(Primeiras impresses a respeito do artigo 285-A: a criao do processo entre autor e magistrado, Revistado Advogado, n 85, p. 191, Maio/2006)52 Comentando sobre a dialtica processual e a extino pelo artigo 285-A, DALLALBA pondera no seguintesentido: claro que no se deve esquecer que o dilogo, inerente aos princpios aqui tratados, ficaprejudicado, mas tambm no se pode olvidar que, em matria de direito, tendo em vista a natureza doembate, esse, por si, bem restrito. Alm, tambm, do respeito ao princpio da efetividade, que possibilitar ocorte imediato de uma ao infundada, o que somente por tal razo j permite qualific-la de virtuosa ( Oart. 285-A do CPC: reduo inconstitucional do dilogo ou (re) afirmao do princpio da efetividade,Revista da Ajuris, Vol. 34, n 105, maro de 2007, Porto Alegre: Ajuris , 2007 p. 202).

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    36/99

    38

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    duas perspectivas: uma jurdica, consistente na relao processual em si; e a outra de

    carter poltico, em que aos litigantes devem ser outorgadas situaes jurdicas que lhes

    permitam exercer a defesa de seus interesses (situaes jurdicas ativas e situaes jurdicas passivas). Essas perspectivas complementam-se e interagem, de modo que

    qualquer alegao de ofensa s regras do procedimento dever remeter anlise da conduta

    judicial criticada sob a perspectiva da garantia poltico-constitucional do contraditrio. Se

    nesta anlise constatar-se que mesmo havendo prejuzo que macule o procedimento no

    houve dano algum garantia de participao, no h o que se falar em cerceamento

    defesa da parte. Pelo contrrio: cabe ao juiz amoldar os procedimentos de acordo com a

    convenincia das partes.53

    Com relao citao, BEDAQUE define seu escopo de levar ao conhecimento do ru a

    existncia de pretenso deduzida pelo autor, a fim de que tome as providncias adequadas

    ao exerccio do direito de defesa. inegvel, portanto, que o ru o maior beneficirio

    deste ato, que deve cumprir com o rigor e exigncias necessrios para, exclusivamente,

    assegurar esse seu direito de defesa, no havendo porque se ater citao e triangulao

    da relao processual quando, mesmo no tendo o ru comparecido ao processo, o seu

    resultado lhe for favorvel. 5455

    53 DINAMARCO, Cndido Rangel,A instrumentalidade do processo, 12 Ed., So Paulo: Malheiros, 2005, p.163/16554 Com tais argumentos, BEDAQUE defende que a falta de citao ou qualquer vcio no ato no induz anulidade do processo, quando a sentena proferida beneficia o ru mesmo no tendo este exercido seu direitode defesa: No obstante a inegvel importncia desse ato [citao], no se pode ignorar que o ru o maiorbeneficirio dele. As exigncias quanto forma da citao visam atender aos interesses do sujeito passivo,assegurando-lhe a possibilidade de defender-se. Tanto verdade que o comparecimento espontneo supre aomisso (art. 214, 1). A razo de ser desta regra uma s: a omisso da formalidade no causa prejuzo aosobjetivos desejados pelo legislador ao prev-la. Se assim, por que no estender o mesmo raciocnio para

    outras hipteses em que, embora o ru no tenha comparecido, ele foi beneficiado pelo resultado do processo?No parece haver bice no sistema. Ao contrrio, a soluo expressamente autorizada (CPC, art. 249, 2),inexistindo qualquer limitao ao mbito de incidncia dessa regra. (Efetividade do processo e tcnicaprocessual, p. 466)55 Nesse sentido, PINTO conclui que no contexto da perspectiva metodolgica da instrumentalidade doprocesso, mostra-se um zelo excessivo pela (formalismo) a imperiosidade de compelir o juiz a antes citar odemandado para, depois, julgar a causa. Se assim fosse, tcnicas processuais de abreviao do procedimento,como as hipteses contidas no art. 295 do CPC, que permitem ao juiz indeferir a petio inicial de plano,tambm seriam inconstitucionais. Ressalte-se que o Cdigo de Processo Civil de 1939 j apontava essecaminho, ao incluir entre os casos de indeferimento da inicial a hiptese de manifesta inpcia da petioinicial (art. 160, CPC de 1939), uma vez que neste caso o ru tambm na precisa ser perturbado, quandocertamente no ser condenado. Assim, abreviar o procedimento, inclusive para inibir a prpria citao,quando esta, por ser o caso repetido, no se faz necessria, evitando o transcurso de tempo intil, os gastos

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    37/99

    39

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    Diante destas consideraes, conclui-se que a supresso da citao pela hiptese de

    aplicao do artigo 285-A no afeta a defesa de interesses das partes e nem a efetividade docontraditrio. A sentena que extingue a pretenso deduzida contra o ru que no foi citado

    e que no ingressou na lide deve subsistir por ter sido resultado de julgamento que, mesmo

    realizado revelia da parte r, apenas favoreceu-lhe, incorrendo qualquer vcio processual

    ou nulidade capaz de macular a validade e efetividade do provimento jurisdicional.

    Por outro lado, tambm no h afronta ao contraditrio sob o ponto de vista da parte autora

    quando o processo extinto sem a citao do ru diante do fato de que, em se tratando de

    matria predominantemente de direito, alegaes e pretenses restaro suficientemente

    deduzidas e individualizadas na petio inicial 56, reservando-se ao autor, ainda,

    oportunidades de repisar e desenvolver seus argumentos quando da realizao do juzo de

    retratao e, se o caso, quando da interposio de recurso de apelao. A ampla

    argumentao das razes que fundamentam o pedido no depende da contraposio de

    argumentos contrrios quando pautadas, predominantemente, em teses jurdicas e alegaes

    de direito.

    Assim, a despeito da relevncia da concepo do contraditrio enquanto garantia da efetiva

    participao das partes no processo e formao do dilogo necessrio ao correto deslinde da

    questo sub judice, o julgamento pelo artigo 285-A no dever ser considerado

    inconstitucional com base nessa premissa, ora porque o ru no possui interesse em

    participar do processo quando o provimento apenas lhe beneficia 57, ora porque ao autor so

    garantidas oportunidades para se manifestar e defender suas razes em juzo.

    com a contratao de advogado, os incmodos normais. (As aes repetitivas e o novel art. 285-A do CPC racionalizao para as demandas de massa,Revista de Processo, n 150, p. 133).56 RAMOS, Glauco Gumerato, Resoluo imediata do processo, in Reforma do CPC: leis 11.187/2005,11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, coord. Daniel Amorim Assumpo Neves, GlaucoGumerato Ramos, Rodrigo da Cunha Lima Freire, Rodrigo Mazzei, So Paulo: RT, 2006, p. 37657 Em regra a sentena de improcedncia beneficia o ru, no devendo a norma processual pautar-se pelaexceo, como em algum caso extravagante: No se cr, todavia, que o artigo 285-A implique violao aoprincpio do contraditrio, mxime porque a sentena de imediata improcedncia beneficia ao ru. Poder-se-ia, entretanto, sustentar que mesmo beneficiando o ru a sentena proferida com fundamento no artigo 285-Aofenderia o contraditrio por no contar com a participao do demandado na elaborao da deciso. Ora, noprocesso civil, cincia jurdica adstrita realidade, no se admite argumento baseado em considerao

  • 8/2/2019 Crise do Judicirio e Processos Repetitivos_285-A

    38/99

    40

    DOCS - . - 85544v128/08/2008 - 14:01:2928/08/2008 - 20:50:00

    2.4. DEVIDO PROCESSO LEGAL E CONCLUSO SOBRE ACONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 285-A

    IDENTIDADE COM OUTROS INSTITUTOS PROCESSUAIS

    Ao fim da exposio dos motivos pelos quais a Lei 11.277/2006 dever ser considerada

    inconstitucional, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados finaliza com o argumento

    de que com o julgamento pelo artigo 285-A o devido processo legal prejudicado com asentena de improcedncia fundamentada em julgado paradigma cujo teor desconhecido

    pelas partes (inexistncia de publicidade), sem que as alegaes do autor sejam

    devidamente analisadas e rebatidas.

    Ainda em defesa da vigncia da norma impugnada, o IBDP sintetiza as premissas

    abordadas em que defendeu a prevalncia da constitucionalidade do artigo 285-A em face

    dos valores e princpios constitucionais alegadamente violados - para concluir que a

    aplicao novel instituto acarreta a plena realizao do princpio do devido processo legal,

    sendo este o princpio-sntese do direito processual consoante o quanto disposto pelo

    artigo 5, LIV, da Constituio Federal. Para o IBDP, o artigo 285-A deve ser analisado no

    contexto de busca pela concretizao da garantia durao razovel do processo enquanto

    soluo do legislador infraconstitucional para garantia da celeridade da tramitao dos

    casos tidos c