prestação de contas após a crise portugal · 2018-09-02 · o poder judiciário tem estado ......

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Prestação de contas após a crise PORTUGAL

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Índice

Prefácio ................................ ................................ ................................ ... 3

Créditos ................................ ................................ ................................ ... 4

Sumário Executivo ................................ ................................ .................... 5

Pontos-Chave ................................ ................................ ........................... 6

I. Contextualização ................................ ................................ ................... 8

II. O 'Jogo De Culpas' ................................ ................................ ............... 12

III. As Ferramentas Principais De Responsabil ização ................................ .. 15

As Comissões Parlamentares de Inquérito .................................................................................. 15

Processos judiciais ....................................................................................................................... 20

Desculpas ..................................................................................................................................... 25

IV. Impacto ................................ ................................ .............................. 28

V. Aprendizagem E Reforma ................................ ................................ ..... 32

VI. Conclusão ................................ ................................ .......................... 40

Referências ................................ ................................ ............................ 41

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Prefácio

This report was commissioned as part of the Accountability After Economic Crisis project – a Este relatório foi produzido no âmbito do projeto Accountability After Economic Crisis – uma iniciativa com a duração de três anos financiada pelo Economic & Social Research Council (ESRC). Os membros da equipa de investigação estão associados à City, University of London, à Queens University Belfast e à University of Kent.

O projeto explora as políticas de responsabilização (accountability) postas em prática no rescaldo da recessão económica global de 2008 (a “Grande Recessão”). A partir de seis estudos de caso (Chipre, Grécia, Islândia, Irlanda, Portugal e Espanha), abordámos a responsabilização política a partir de um quadro comparativo e temático que se concentrou no uso de ferramentas específicas. Estes instrumentos políticos de responsabilização incluem investigações judiciais, comissões de apuramento de factos, e pedidos de desculpas oficiais.

As expetativas de base para este projeto são que este contribua tanto para os debates teóricos relacionados com a “crise de governança” como para os aspetos práticos das reações dos governos às crises económicas. Mais de uma centena de políticos eleitos, funcionários públicos, académicos, jornalistas e ativistas foram entrevistados no âmbito do projeto. Também desenvolvemos uma nova base de dados com processos judiciais, comissões de apuramento da verdade e pedidos de desculpas na sequência da crise nos seis países estudados. A partir dos testemunhos de peritos o projeto fornece aos decisores políticos aconselhamento concreto para que estes procurem apurar responsabilidades em crises económicas futuras.

Os relatórios nacionais foram concebidos com vista a chegarem a um público alargado, incluindo decisores nos vários países e nos diferentes níveis de governo (incluindo organizações internacionais), académicos, ativistas e jornalistas. Os relatórios foram escritos em linguagem acessível em inglês e nas respetivas línguas locais, de modo a que possam ser mais difundidos. Esperamos que o relatório seja útil e incentivamos a sua partilha entre colegas e outros contactos. Para mais informações sobre o projeto, por favor contacte-nos em:

https://accountabilityaftereconomiccrisis.com/contact-the-team/

Iosif Kovras, PhD Investigador Principal, projeto Accountability After Economic Crisis

Marcha 2018

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Créditos

Este relatório foi preparado por Ekaterina Gorbunova e João Cancela, em associação com o projeto Accountability After Economic Crisis. Todas as opiniões expressas, bem como quaisquer erros, são da exclusiva responsabilidade dos autores.

Este relatório é publicado de forma gratuita. As opiniões aqui contidas devem ser atribuídas aos autores, e não ao Economic & Social Research Council. Este relatório pode ser copiado parcial ou integralmente para fins educativos desde que: i) o conteúdo não seja alterado, ii) o material seja usado de forma não lucrativa; iii) sejam reconhecidos os titulares dos direitos de autor e corretamente identificados os excertos retirados do relatório.

No quadro da legislação em vigor, os autores declinam qualquer responsabilidade que advenha da utilização deste relatório. Os autores deste relatório devem ser devidamente reconhecidos como tal ao abrigo do Copyright Designs and Patents Act de 1988.

ISBN: 9781903957370

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Sumário Executivo

A crise económica atingiu fortemente Portugal, que esteve sujeito a um resgate financeiro sob supervisão de um conjunto de credores institucionais, a troika. Este relatório analisa vários aspetos deste período, bem como as suas consequências, focando-se no modo como diferentes ferramentas de accountability foram usadas e nos seus respetivos impactos. A primeira secção retrata o contexto em que a crise se desenvolveu, traçando a sequência de eventos que conduziram ao resgate financeiro. Um aspeto que se destaca no caso português é que a crise surgiu na sequência de um desempenho económico que já era comparativamente fraco. A segunda secção trata das diferentes narrativas políticas explicativas da crise e identifica três leituras distintas, cada uma delas atribuível a um segmento específico do espectro político. A este propósito, a ausência de uma “comissão de apuramento da verdade” pública, que é uma das ferramentas de accountability de que trata a terceira secção, é outro elemento que sinaliza a falta de um entendimento partilhado da crise. No entanto, várias comissões parlamentares de inquérito foram com o objetivo de examinar as falhas bancárias e as práticas de má administração em empresas estatais. Curiosamente, houve alguma variação no grau com que essas comissões parlamentares foram capazes de ultrapassar as divisões partidárias tradicionais e alcançar conclusões relativamente consensuais. O poder judiciário tem estado particularmente ativo nos últimos anos, enfrentando vários atores em posições relevantes da sociedade ações judiciais e, em alguns casos, condenações. As últimas duas secções tratam do impacto e das reformas institucionais desencadeadas, centrando-se na evolução de duas instituições-chave: o banco central (Banco de Portugal, BdP) e o poder judicial. O BdP, que não conseguiu supervisionar de forma eficiente a ação das instituições financeiras durante um período chave, foi alvo de várias reformas internas e exibe agora um perfil mais ativo em termos de escrutínio da banca. As instituições judiciais foram reformadas ao nível processual, mas não se chegaram a produzir mudanças estruturais na arquitetura do sistema. O relatório conclui observando que os cidadãos portugueses são hoje mais propensos a confiar nas instituições políticas e judiciais do que no início da crise, e que o apoio aos partidos tradicionais não se deteriorou como noutros casos europeus.

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Pontos-Chave

Enquadramento

• Portugal foi gravemente afetado pela crise, que trouxe profundas implicações económicas,

políticas e sociais.

• Entre 2011 e 2014 o país esteve dependente da assistência financeira da troika (Fundo

Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia); o resgate foi

concedido mediante o cumprimento de um programa de medidas de austeridade.

Narrativaspolíticas

• Podem ser identificadas três narrativas principais sobre as origens da crise, cada uma delas

provenientes de um segmento específico do espectro político: a narrativa socialista (PS), a

narrativa da direita (PSD e CDS-PP) e a narrativa da esquerda (PCP, PEV e BE)

Ferramentasderesponsabilização

• Não foi estabelecida nenhuma “comissão de apuramento da verdade” pública com vista à

determinação das causas da crise.

• Várias comissões parlamentares de inquérito (CPI) lidaram com diferentes aspetos específicos

da crise.

• Os resultados destas CPI variaram significativamente, na medida em que o grau de alinhamento

e polarização partidária não foi constante

• Um dos efeitos mais notórios das CPI foi o aumento de discussão púbica sobre a supervisão das

atividades financeiras e sobre a extensão de práticas de má gestão neste sector.

• Não houve assunções públicas de responsabilidade ou pedidos de desculpa pela crise e pelo

resgate financeiro, o que pode ser explicado por três grandes motivos: cultura política, ausência

de pressão da opinião pública e atributos pessoais dos atores envolvidos

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• O poder judiciário tem estado particularmente ativo em anos recentes, tendo o Ministério

Público aumentado esforços no que toca ao combate ao crime económico e à corrupção; isto

conduziu à acusação e, em alguns casos, à condenação de figuras poderosas.

Aprendizagemereforma

• Durante o período de assistência financeira, o poder judicial não foi reformado de forma

estrutural, mas antes ao nível processual

• O desempenho do Banco de Portugal no que toca à supervisão dos principais bancos revelou-se

insuficiente; em anos mais recentes, o número de processos de contraordenação instaurados

tem vindo a subir.

Impactodaresponsabilização

• Ainda que a cirse tenha trazido muitas mudanças ao país, as consequências eleitorais foram comparativamente leves; os cidadãos portugueses apresentam atualmente níveis de confiança nas instituições políticas e na justiça superiores aos exibidos ainda antes do início da crise financeira.

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I. Contextualização

Portugal foi fortemente atingido pela Grande Recessão. Ao longo da crise e no período que

se lhe seguiu, o país atravessou múltiplas transformações económicas, políticas e sociais. A

economia sofreu uma forte contração, os níveis de emprego diminuíram e instituições bancárias

muito relevantes faliram ou foram nacionalizadas. Entre 2011 e 2014, a chamada troika - que

congregou representantes do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu e da

Comissão Europeia – supervisionou um resgate financeiro que implicou profundas alterações de

políticas públicas. Embora os resultados eleitorais não tenham sofrido grandes alterações e a

reação popular à austeridade não tenha sido tão forte como noutros países, os anos da crise

foram palco de uma intensificação da mobilização social e de algumas das maiores

manifestações da história do país. Além disso, após anos de crescimento populacional modesto,

principalmente devido a um saldo migratório positivo, o número de residentes começou a

encolher em 2013, em consequência do aumento substancial da emigração. Em suma, o

período de tempo entre 2008 e 2015 ficou marcado por muitas mudanças.

Embora o impacto da crise tenha sido bastante substancial, o desempenho económico

prévio já estava longe de ser notável. Como Blanchard (2007, 1) resumiu, no final de 2006 “o

crescimento da produtividade [era] anémico, o crescimento muito baixo, o défice orçamental

muito elevado, [e] o défice de conta corrente muito alto”. Entre 2000 e 2007, a economia

portuguesa cresceu muito modestamente, à média anual de 1,5%. A fragilidade deste

desempenho é ainda mais saliente quando contrastada com a evolução de outras economias

Europeias: durante o mesmo período de tempo, países como a Espanha (3,8%) e a Irlanda

(5,9%) cresceram a taxas bastante mais elevadas. Em 2000, o PIB per capita Português equivalia

a 84% do valor médio da União Europeia (a 28); em 2008, este rácio tinha diminuído para 81%

e em 2013 tinha alcançado os 78%. Assim, a identificação das origens precisas da crise não

constitui uma tarefa isenta de controvérsias, na medida em que os pesos relativos de uma

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diversidade de fatores são ainda disputados. Tal como este relatório ilustra, estas controvérsias

viriam a ser centrais nos debates sobre as responsabilidades e as culpas pela crise e suas

repercussões.

Ainda que existam relatos conflituantes sobre as fontes e o impacto da crise em Portugal,

que são abordados na próxima secção, há já um sólido corpo de trabalhos de investigação

sobre as suas origens, características e implicações (Giorgi, Moury, e Ruivo 2015; Gorjão 2012;

Moury e Standring 2017; Romano 2017; Torres 2009). Esta secção fundamenta-se nesta mesmo

literatura a fim de traçar um resumo das condições que antecederam a crise, os seus principais

eventos e as medidas tomadas para a enfrentar.

Em 2008, o Partido Socialista (PS) detinha uma confortável maioria parlamentar que

obtivera em 2005. À medida que os efeitos iniciais da crise global se fizeram sentir no país, o

executivo, liderado pelo primeiro-ministro José Sócrates, adotou uma abordagem orçamental de

tipo expansionista. A estratégia inicial do governo consistiu no reforço do investimento público

e no fortalecimento da proteção social (Freire e Pereira 2012, 180; P. C. Magalhães 2012, 311).

Esta linha de atuação não diferiu substancialmente da que foi adotada pela Grécia, Itália ou

Espanha aquando do início da crise e obteve a concordância das instituições comunitárias

(Torres 2009). A conjugação dos efeitos da crise com os custos financeiros deste plano levou a

um aumento do défice, que atingiu 9,7% do PIB em dezembro de 2009 (Romano 2017).

Nas eleições de setembro de 2009, o PS foi novamente o partido mais votado, mas perdeu

a sua maioria parlamentar. Este momento foi crucial, já que a partir daí o governo minoritário

do PS necessitou do apoio parlamentar de outros partidos para aprovar as medidas de combate

à crise. A situação económica continuou a deteriorar-se e as taxas de juro dos títulos de dívida

pública subiram exorbitantemente entre 2010 e 2011. As instituições Europeias, e

especialmente o Conselho Europeu, recomendaram a adoção de políticas rigorosas de

contenção orçamental, algo que se encontrava em clara contradição com as promessas

eleitorais do PS (Giorgi, Moury, e Ruivo 2015; Moury e Standring 2017). Seguiu-se uma

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sucessão de pacotes de políticas preenchidos por medidas de austeridade destinadas a conter o

défice e a aumentar a competitividade da economia - os chamados Programas de Estabilidade e

Crescimento (PEC). Estes pacotes foram desenhados em estrita colaboração com as autoridades

europeias. Os três primeiros pacotes foram aprovados com o apoio do principal partido da

oposição, o Partido Social Democrata (PSD), em parte devido à intermediação exercida pelo

então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva (Giorgi, Moury, e Ruivo 2015, 59). Em

2011, o executivo procurou aprovar o quarto PEC (PEC IV), mas este viria a ser chumbado no

parlamento em março de 2011, levando ao pedido de demissão de José Sócrates e do seu

governo. Em abril de 2010, a taxa de juro dos títulos de dívida pública a 10 anos foi de 9,2%,

por comparação com 4,5% um ano antes. O executivo de gestão, ainda liderado por José

Sócrates, realizou então formalmente um pedido de assistência financeira ao FMI, ao BCE e à

Comissão Europeia.

O PS não foi o único partido a participar nas negociações do Memorando de

Entendimento (Memorando de Entendimento), que também contou com representantes do

Centro Democrático Social (CDS-PP) e do PSD, além dos representantes da troika. Assim, ainda

que os partidos de esquerda (Partido Comunista Português - PCP, Partido Ecologista Os Verdes -

PEV e Bloco de Esquerda - BE) se tenham mantido fora das discussões, o Memorando de

Entendimento obteve a concordância dos três partidos que constituíam o chamado “arco de

governação”, garantindo na prática que as medidas seriam adotadas independentemente do

resultado das eleições. O resgate de 78.000 milhões de Euros foi garantido a troco de

concessões muito relevantes em termos de política económica e social, incluindo várias

medidas que integravam o PEC IV, rejeitado no mês anterior. A investigação tem revelado que

este período ofereceu a alguns dos atores mais diretamente envolvidos a oportunidade de

ratificar medidas altamente impopulares, usando a intervenção externa como um

constrangimento irrebatível (Moury e Standring 2017).

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Nas eleições de junho de 2011 o PSD, liderado por Pedro Passos Coelho, obteve o maior

número de votos, tendo negociado uma coligação com o CDS-PP e assim obtendo uma maioria

parlamentar. O governo então empossado afirmou-se como estando profundamente

comprometido com a execução do Memorando de Entendimento e o primeiro-ministro Pedro

Passos Coelho anunciou que era seu objetivo “ir além da troika”, em especial através de cortes

adicionais na despesa pública (Moury e Standring 2017). No entanto, a situação económica

continuou a deteriorar-se por algum tempo. A taxa de desemprego, que estava em 12,1%

quando o governo PSD/CDS-PP assumiu o cargo em junho de 2011, atingiu um pico de 17,5%

em março de 2013. As taxas de juro dos títulos de dívida a 10 anos atingiram um pico em

janeiro de 2012, e a notação de crédito da República Portuguesa foi considerada especulativa

pelas principais agências de rating. O governo atravessou alguns momentos de turbulência

política e de desacordo público entre os dois partidos, conseguindo, no entanto, completar o

seu mandato. O programa de assistência financeira terminou oficialmente a 30 de junho de

2014, embora o país ainda esteja sob monitorização pós-programa e vigilância da troika. Na

segunda metade da legislatura a economia começou a melhorar e o mercado de trabalho

encetou uma lenta recuperação.

Em outubro de 2015 realizaram-se novas eleições, que o PSD e o CDS disputaram sob a

forma de coligação (Portugal à Frente, PAF). Esta coligação obteve uma maioria simples de

mandatos parlamentares, mas não conseguiu obter o apoio de nenhum outro partido com

assentos parlamentares. Assim, um governo de curta duração assumiu o cargo, sendo

substituído um mês depois por um governo socialista minoritário que garantiu desde então o

apoio de toda a esquerda parlamentar (Lisi, 2016). O executivo reverteu muitas das medidas de

austeridade mais emblemáticas, e para surpresa de alguns, a economia manteve a sua trajetória

positiva. As próximas eleições parlamentares estão agendadas para outubro de 2019.

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II. O 'Jogo De Culpas'

À medida que a crise se desenrolou, diferentes narrativas acerca das suas raízes foram

produzidas e difundidas pelos atores políticos mais proeminentes. Em termos gerais, podemos

identificar três grandes narrativas políticas sobre as fontes da crise, cada uma delas proveniente

de um segmento do espectro político: a narrativa socialista (PS), a narrativa da direita (PSD e

CDS-PP) e a narrativa da esquerda (PCP, PEV e BE). Embora estas três explicações não esgotem

a totalidade dos argumentos avançados durante a crise – quer por elites quer por massas – elas

representam, ainda assim, os principais vetores argumentativos relativamente às disputas

políticas sobre a crise.

A primeira narrativa foi dominante na abordagem do PS à crise, especialmente sob a

liderança de José Sócrates que, tendo-se demitindo em março de 2011, negociou o memorando

de entendimento com a troika. Esta narrativa política acentuava a natureza internacional da

crise bem como as dificuldades intransponíveis que qualquer executivo enfrentaria para lidar

com as suas repercussões no contexto de uma pequena economia como a portuguesa. Assim,

até 2011, aquando da adoção das primeiras medidas de combate à crise (Standring 2017), o

discurso do governo socialista foi em grande parte marcado pela atribuição de culpas à

situação internacional e pela despolitização das decisões tomadas, procurando apresenta-las

como inevitáveis (Standring 2017; Moury e Standring 2017). Além de invocar as restrições

internacionais enquanto condicionantes da política interna portuguesa, o governo recorria ao

peso das instituições europeias de forma de legitimar as suas decisões. Ainda assim, a

orientação dominante no PS passava por evitar a formalização de um pedido de resgate

financeiro. O momento em que todos os restantes partidos votaram contra o PEC IV foi

apontado pela direção do PS como uma “falta de responsabilidade” (De Giorgi et al 2015, p.

60) que conduziu irreversivelmente à entrada da troika no país.

A segunda narrativa assentou em princípios macroeconómicos ortodoxos e conservadores,

tendo tido a sua origem predominantemente nas elites do PSD e do CDS. De acordo com esta

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versão, a crise teria sido o corolário da longa série de défice excessivo e do peso da dívida

pública – em suma, irresponsabilidade orçamental. Além disso, o peso desproporcional do

Estado face à iniciativa privada foi também apontado como um dos principais fatores para o

medíocre desempenho da economia nacional (Standring, 2017). De acordo com esta narrativa,

a subida dos juros da dívida soberana foi o produto não apenas dos desafios gerados pela

recessão internacional, mas também da incapacidade revelada pelo PS ao longo dos seus

mandados de executar reformas estruturais. Segundo esta leitura, a crise e a posterior

intervenção da troika poderiam fornecer uma oportunidade para libertar a economia portuguesa

das amarras da intervenção estatal excessiva. Consequentemente, a coligação PSD/CDS-PP,

que esteve no poder entre 2011 e 2015, defendeu a necessidade de ir além do acordado e

enfatizou-se a congruência ideológica do governo do PSD e do CDS-PP com os credores

internacionais (Moury e Standring 2017). Esta descrição esquemática não deve ofuscar o facto

de que existiram vários momentos de tensão no seio da coligação, especialmente quando os

representantes do CDS revelaram resistência a decisões tomadas pelo Primeiro-Ministro e pelo

Ministro das Finanças, Vítor Gaspar.

A terceira narrativa foi partilhada pelos principais partidos da esquerda parlamentar,

nomeadamente o PCP e o BE. De acordo com esta versão dos acontecimentos, a culpa da crise

repartia-se pelos três partidos do arco da governação (PS, PSD e CDS-PP), na medida em que

teriam sido responsáveis por uma longa série de opções políticas que conduziram à progressiva

perda de soberania económica do país. Esta narrativa implicava não apenas uma crítica a

decisões conjunturais, mas antes uma condenação de base mais radical ao modelo económico

subjacente à pertença à União Europeia e à zona Euro. Para os partidos de esquerda, os pacotes

de medidas anticrise, e em especial as políticas de austeridade, refletiam uma capitulação dos

sucessivos governos às orientações da União Europeia e dos Estados mais poderosos, que

conduziriam a um retrocesso económico e a uma condição de Estado mínimo. Assim, embora

os socialistas estivessem no poder aquando do deflagrar da crise, os partidos de esquerda

também aproveitaram o momento para criticar os partidos de direita (PSD e CDS), bem como

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para reafirmar a sua postura eurocética ou, no mínimo, “eurocrítica”. Um argumento associado

a esta narrativa prendia-se com a abertura à renegociação da dívida pública, em especial dos

títulos na posse de instituições financeiras internacionais. Alguns elementos basilares desta

narrativa também podem ser encontrados no discurso dos movimentos sociais que estiveram

particularmente ativos na intervenção da troika. Organizações tradicionais, como os sindicatos,

e novos movimentos sociais como o “Que se lixe a troika!” geraram níveis de mobilização

muito altos durante a intervenção, mesmo que não chegando aos patamares de outros países

afetados pela crise (Della Porta, Andretta, Fernandes, O’Connor, & Romanos, 2016).

Essas três narrativas e o posicionamento dos atores políticos face a cada uma delas não

foram completamente estáticos ao longo da crise. À medida que esta se foi aprofundando e que

os efeitos colaterais negativos da implementação do Memorando de Entendimento se tornaram

mais proeminentes, a oposição ao governo do PSD e do CDS intensificou-se e os discursos do

PS e dos partidos à sua esquerda aproximaram-se. Após a mudança na liderança que se seguiu

à derrota eleitoral 2011, o PS - estando em oposição à coligação de direita – adotou uma

postura cooperante e negociou algumas medidas de austeridade, nomeadamente no

Orçamento do Estado de 2012. Contudo, em novembro de 2012, o Partido Socialista votaria

contra o orçamento de 2013, dando início a uma rota de críticas sistemáticas ao governo da

época e aos seus programas de austeridade, aproximando-se, assim, dos partidos de esquerda.

À medida que o debate sobre as origens da crise se tornou menos saliente do que a discussão

sobre os efeitos do programa de austeridade, o PS começou a distanciar-se cada vez mais das

medidas adotadas pela direita. Inquéritos conduzidos junto de deputados à Assembleia da

República, por exemplo, mostram que os níveis de confiança dos deputados socialistas nas

instituições Europeias diminuíram no decorrer da intervenção da troika por comparação com

anos anteriores (P. T. Magalhães, Cancela, & Moury, 2016)..

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III. As Ferramentas Principais De Responsabilização

As Comissões Parlamentares de Inquérito

Ao contrário do sucedido noutros países Europeus (Kovras, McDaid, & Hjalmarsson,

2017), em Portugal não foi criada nenhuma “comissão de apuramento da verdade” por

iniciativa pública destinada a investigar as origens da crise1. Além disso, a Assembleia da

República não designou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para examinar o assunto

em termos tão latos. Por outro lado, várias CPI trataram de aspetos ou de consequências

específicas da crise. Esta seção examina o funcionamento e as conclusões mais relevantes de

três destas CPI.

Em Portugal, as CPI são comissões geridas por normas específicas e estabelecidas por um

período limitado de tempo, a fim de executar uma função específica (Leston-Bandeira, 2004, p.

82). A sua missão é fiscalizar o cumprimento da Constituição e demais legislação relevante e

apreciar os atos do Governo e da Administração Pública. O trabalho das CPI culmina com a

apresentação de um relatório descritivo sobre os trabalhos desenvolvidos, que deve incluir as

conclusões a retirar daí em diante. As CPI gozam dos mesmos poderes de investigação das

autoridades judiciais, o que significa que têm a capacidade de convocar indivíduos a

testemunhar e a recolher provas documentais. A composição das PCI espelha o peso

proporcional dos partidos no Parlamento. Embora não possam sancionar as ações do governo,

não deixam de influenciar a agenda política (Leston-Bandeira, 2004, p. 82). Um terço das CPI

conduzidas entre 1976 e 2015 culminaram com o envio do respetivo relatório às autoridades

1 Ainda assim, deve sublinhar-se que existiram esforços da parte da sociedade civil, como a Iiniticiativa para uma auditoria cidadã à dívida que procuraram identificar as origens da dívida e propor planos de reestruturação.

16

judiciais (Mendes, 2015, p. 86), as quais podem posteriormente investigar de acordo com os

seus métodos e regras próprios.

Estas comissões têm sido recorrentes desde a transição para a democracia. Entre 1976 e

2015, 66 comissões operaram efetivamente de um total de 170 iniciativas propostas, ou seja,

um pouco menos que duas comissões iniciadas a cada ano. O período em que o recurso a este

instrumento foi mais recorrente foi o da quinta e sexta legislaturas, entre 1987 e 1995. Os temas

mais propensos a ser tratados em sede de CPI foram a economia e finanças, por um lado, e os

meios de comunicação, por outro.

Durante a crise e no seu rescaldo, os resgates bancários e as falências subsequentes

forneceram uma abundante fonte de material para os inquéritos parlamentares. De seguida

examinam-se duas CPI distintas que operaram entre 2012 e 2016 e que lidaram com o colapso

financeiro de três grandes bancos a operar no país. As duas CPI (uma para cada banco) sobre as

falências do Banco Português de Negócios (BPN) e do Banco Espírito Santo (BES) funcionaram

durante a XII legislatura enquanto a CPI sobre o processo relativo ao Banco Internacional do

Funchal (BANIF) foi criada na XIII legislatura. Será ainda examinada a CPI que lidou com os

contratos SWAP contraídos por empresas públicas de transportes.

A primeira CPI relevante para o período em análise diz respeito ao “Processo de

Nacionalização, Gestão e Alienação do Banco Português de Negócios S.A.” O mandato desta

CPI, que funcionou entre março e novembro de 2012, consistia em avaliar o uso de fundos

públicos atribuídos ao banco e às suas “sociedades-veículo” durante a sua nacionalização e

reprivatização, bem como as opções de gestão tomadas durante o processo.

A CPI apurou que o proprietário do BPN, o Grupo SLN (Sociedade Lusa de Negócios), se

caracterizava como um grupo económico e financeiro possuidor de um banco subordinado aos

interesses do grupo, o que não é uma prática habitual no país, onde os bancos tendem a

controlar empresas e sectores de atividade. Esta estrutura permitiu o crescimento do Grupo

17

SLN, sem uma separação clara entre os seus setores financeiros e não-financeiros. O Grupo

SLN/BPN passou então a ser dependente de um pequeno círculo de gestores de alto nível,

concentrando Oliveira e Costa a maior parte do poder operacional. A fim de realizar transações

financeiras ilegais, não reportadas na sua contabilidade oficial, a SLN usava sistematicamente

contas offshore. Esta prática estabelecida permitia o envolvimento em negócios de alto risco,

alguns dos quais acabaram por ser ruinosos para a empresa.

De acordo com o relatório final da CPI, as origens do colapso do BPN podiam ser

autonomizadas das razões da crise financeira internacional. Ainda assim, o paradigma de

supervisão prudencial do Banco de Portugal, ao permitir o desenvolvimento de atos ilícitos no

BPN, poderia ser substituído - de acordo com o quadro legal - por um modo de escrutínio mais

ativo. Mesmo as conclusões patentes no relatório não tenham sido unânimes, também não

foram alvo de disputas acesas.

Ainda que a versão inicial do relatório tenha sido considerada pouco imparcial pelos

representantes da oposição, a versão revista acolheu uma série de revisões propostas pelos

membros dos vários partidos. Assim, os representantes dos partidos no governo (PSD e CDS)

votaram a favor do relatório final, ao passo que os representantes do PS, do PCP e dos Verdes

se abstiveram, por terem considerado que houve um esforço de integração dos seus

contributos. O representante do BE foi o único a votar contra, por ter entendido que o relatório

não acentuava devidamente que o BIC, o comprador final do BPN, havia sido beneficiado no

processo de alienação.2

2 LUSA, “BE vota contra relatório final do BPN, PS e PCP com sentido de voto em aberto”, 8 de Novembro de 2014. Disponível em https://www.publico.pt/2012/11/08/politica/noticia/be-vota-contra-relatorio-final-do-bpn-ps-e-pcp-com-sentido-de-voto-em-aberto-1571664

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Foi criada outra CPI para avaliar a “gestão do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo

Espírito Santo (GES)”, que operou entre setembro de 2014 e maio de 2015. O mandato desta

comissão consistia em examinar as práticas de gestão do BES que levaram à sua instabilidade

financeira e à eventual resolução, bem como o papel desempenhado pelas autoridades

públicas na monitorização e reação à queda do banco.

A CPI tomou em especial consideração a relação entre o setor financeiro do BES e os

outros ativos detidos pelo GES. Um dos problemas principais do GES consistia em ser uma

empresa familiar, com uma gestão fortemente personalizada e uma organização fraca,

caracterizada por uma informalidade persistente, permanentes conflitos de interesse, falta de

separação de funções e fraco controlo interno do desempenho. O GES alcançou uma dimensão

apreciável e, através do recurso sistemático ao financiamento bancário da sua sucursal

financeira, foi conduzido a uma espiral de dívida que continuou a aumentar e posteriormente

contaminou o próprio BES.

Com a crise económica de 2008 – e a consequente dificuldade de obtenção de

financiamento externo – problemas anteriormente não solucionados acentuaram-se.

Começaram então a ocorrer atos de manipulação da informação e o recurso (entre o final de

2013 e maio de 2014) a diversos tipos de operações financeiras, através de uma variedade de

entidades, incluindo empresas offshore e operações round-trip, além da prática de graves

irregularidades (erros processuais), incluindo violação das diretrizes das autoridades de

supervisão, nomeadamente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e do Banco de

Portugal.

A CPI concluiu que as instituições de fiscalização externa, como o Banco de Portugal e a

própria troika, poderiam ter sido mais ativos na prevenção da derrocada do banco.

Consequentemente, a CPI recomendou a adoção de procedimentos de accountability, a

eliminação de conflitos de interesse, melhorias em matéria de acesso, clareza, transparência e

19

partilha de informação e o fortalecimento da articulação e da coordenação entre os vários

stakeholders. O relatório final foi relativamente consensual: os três principais partidos (PSD, PS

e CDS) votaram a favor, enquanto o BE se absteve e só o PCP votou contra. O relator da

comissão, deputado do PSD, acolheu as revisões propostas pelo PS, o que desencadeou a

consequência relativamente rara de PSD, PS e CDS votarem todos a favor de um relatório final

de uma CPI. 3

Uma terceira CPI relevante tratou da assinatura de contratos SWAP pelos executivos de

empresas públicas, principalmente do sector dos transportes. Esta CPI operou entre maio de

2012 e julho de 2013, e as suas atividades e resultados contrastaram notoriamente com os das

duas outras Comissões, na medida em que foram bastante mais politizados de acordo com as

linhas partidárias. Um tema que gerou especial atrito foi o nível de responsabilidades

atribuíveis a Maria Luís Albuquerque, Ministra das Finanças à época da CPI e, entre 2001 e

2007, diretora financeira da REFER, a empresa de infraestruturas ferroviárias que se envolveu

em contratos SWAP de grande valor. De acordo com o relatório final da Comissão, uma parte

substancial das responsabilidades relativas às despesas que estes contratos SWAP implicaram

deveriam ser atribuídas ao governo PS e ao sistema bancário. O PSD e o CDS votaram a favor

do relatório, ao passo que todos os outros partidos votaram contra. Os partidos da oposição

culparam os que estavam no poder de utilizar o CPI não como um dispositivo para alcançar

uma verdadeira prestação de contas, mas antes como forma de dar um selo de aprovação

parlamentar à narrativa promovida pelo governo segundo a qual as culpas da crise se deviam

integralmente ao anterior governo socialista.

3 Liliana Valente e Ana Suspiro, “BES. PS e PSD juntos nas conclusões de um inquérito pela primeira vez em 10 anos”, Observador, 28 de Abril 28 de 2015. Disponível em: http://observador.pt/2015/04/28/bes-ps-e-psd-juntos-nas-conclusoes-de-um-inquerito-pela-primeira-vez-em-10-anos/

20

Em suma, registaram-se diferenças assinaláveis no modo como estas três comissões

operaram seguindo as linhas partidárias. As duas CPI estabelecidas com a finalidade de lidar

com os colapsos da banca concluíram de forma relativamente consensual que a má gestão,

operações financeiras ilícitas e falhas na estratégia de supervisão do Banco de Portugal

contribuíram decisivamente para a situação. Pelo contrário, a CPI que lidou com as

implicações financeiras dos contratos SWAP celebrados por empresas públicas não foi capaz

de produzir um relatório aceite pelos vários partidos do qual emanassem recomendações

futuras. Desta forma, uma variável crucial por trás dos desenlaces das diferentes comissões terá

sido o grau de abertura que os relatores revelaram para acolher as recomendações de partidos

nos respetivos relatórios finais. Tendo a CPI sobre os contratos SWAP envolvido o escrutínio de

atos concretos de membros do governo, o relatório final revelou-se menos permeável à

introdução de alterações no conteúdo por comparação com o sucedido nos relatórios das

comissões sobre os casos na banca.

Processos judiciais

O poder judicial tem estado particularmente ativo nos últimos anos em Portugal. A

unidade especial do Ministério Público (MP) responsável pela investigação da criminalidade

mais complexa e organizada - o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) -

realizou centenas de buscas em todo o país e constituiu dezenas de arguidos e suspeitos,

incluindo um número significativo de empresários, advogados, delegados de informação

médica, funcionários da administração fiscal, políticos, ex-diretores do Ministério da

Administração Interna, o Diretor do Museu da Presidência, um funcionário do Banco de

Portugal, um espião, um magistrado e um procurador do próprio Ministério Público. Além

disso, o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, está atualmente sob investigação. No

21

curso de um breve período de tempo, figuras cimeiras da esfera política e do setor financeiro

foram investigadas e acusadas, colocadas em prisão preventiva e algumas delas condenadas.

Entre os casos mais mediatizados incluem-se os de José Oliveira e Costa, Ricardo Salgado

e José Sócrates. José Oliveira e Costa, CEO do BPN, foi condenado em maio de 2017 a 14 anos

de prisão por fraude fiscal, gestão danosa e pelo colapso do BPN. Ricardo Salgado, antes

considerado o mais rico banqueiro português e um símbolo do poder financeiro em Portugal,

está a ser investigado em numerosos casos, os seus bens pessoais foram apreendidos, e está

atualmente a aguardar julgamento em liberdade sob uma fiança de 1,5 milhões de Euros. José

Sócrates, ex-primeiro-ministro, foi mantido sob custódia durante 10 meses e aguarda

atualmente julgamento, estando indiciado por corrupção passiva de titular de cargo político,

branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Os aspetos já

conhecidos da investigação destes diferentes casos revelam uma rede intrincada e complexa de

interesses cruzados.

Até agora o caso BPN é o único dos três que culminou com um veredicto. De acordo com

o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a estratégia do ex-presidente do

banco BPN consistiu na criação de empresas offshore e no uso de outra instituição bancária (o

Banco Insular em Cabo Verde) fora da esfera do controlo do Banco de Portugal4. Este banco

serviu para esconder gastos, obter um equilíbrio financeiro fictício, e, sempre que possível,

gerar lucros a distribuir como dividendos entre os acionistas. De acordo com o MP, esses atos

levaram ao colapso do banco BPN e à sua posterior nacionalização em 2008 - a primeira

nacionalização de um banco desde 1975 em Portugal. Em novembro de 2009, o MP

4 Luís Rosa, “Guia para não se perder no caso BPN”, Observador, 12 de outubro de 2015. Disponível em: http://observador.pt/2015/10/12/guia-nao-perder-no-caso-bpn/

22

apresentou acusações contra os réus do BPN- Caso principal5; o respetivo julgamento terminou

em 29 de Junho de 2016 e a sentença foi emitida em 24 de maio de 2017, com a condenação

de José Oliveira e Costa a 14 anos de prisão6.

O caso BES, tal como outros relacionados com o sistema bancário, tem uma dupla

componente. O Ministério Público (MP) é responsável pela componente criminal, enquanto as

autoridades reguladoras do mercado bancário - Banco de Portugal - e do mercado de capitais -

Comissão do Mercado - são responsáveis por processos de infração e contraordenação. Até

agora, sete indivíduos foram constituídos arguidos, incluindo: Ricardo Salgado (ex-presidente

do banco BES), Amílcar Morais Pires (ex-diretor financeiro do Banco BES); Isabel Almeida (ex-

diretora financeira do Banco BES); e António Soares (ex-membro da Comissão Executiva do BES

Vida companhia de seguros). Os réus são acusados de corrupção no setor privado, fraude

qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, falsificação informática, fraude

fiscal e lavagem de dinheiro7.

Há cinco investigações principais em curso, e mais de 70 processos de menor dimensão,

que resultam de reclamações de antigos clientes do BES. O primeiro caso está relacionado com

a alegada falsificação de contabilidade e outras manipulações financeiras em empresas-chave

do Grupo Espírito Santo (GES) e da Espírito Santo Internacional (ESI); esta investigação já levou

ao primeiro processo administrativo, realizado pelo Banco de Portugal contra Ricardo Salgado

5 Carlos Rodrigues Lima, “Colapso do BPN dá acusação a 24 arguidos”, Diário de Notícias, 25 de novembro de 2009. Disponível em: http://www.dn.pt/bolsa/interior/colapso-do-bpn-da-acusacao-a-24-arguidos-1429787.html

6 Isabel Vicente, “BPN. Oliveira Costa condenado a 14 anos, três dos 15 arguidos absolvidos”, Expresso, 24 de Maio de 2017. Disponível em: http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-05-24-BPN.-Oliveira-Costa-condenado-a-14-anos-tres-dos-15-arguidos-absolvidos 7 Público, “Salgado, Morais Pires e Ricciardi acusados de dolo no BESA”, Público, 16 de Outubro de 2015, https://www.publico.pt/economia/noticia/salgado-morais-pires-e-ricciardi-acusados-de-dolo-no-besa-1711366

23

e 14 figuras de topo do BES (Banco Espírito Santo) e GES. A segunda investigação trata da

relação entre o BES e sua sucursal em Angola (BESA), o que levou a perdas financeiras de 3000

milhões de Euros. Segundo a investigação, o BES emprestou 3,3 mil milhões de Euros à

subsidiária angolana, que, por sua vez, concedeu 4,5 mil milhões de Euros em empréstimos

sem garantias, cujos beneficiários são, em grande parte, desconhecidos. O terceiro caso

investiga um investimento de cerca de 900 milhões de Euros que a Portugal Telecom (PT),

liderada por Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, fez na Rioforte em 2014. A quarta

investigação está relacionada com um regime estabelecido pela Eurofin Securities - uma

sociedade de direito suíço - que permitiu colocar a dívida das várias empresas do GES - usando

um mecanismo de Special Purpose Vehicle (SPV) - para os clientes do BES, do Banque Privée

Espírito Santo (Suíça), e do BES de La Vénitie (França). O quinto processo está diretamente

relacionado com o anterior, e lida com antigos clientes do BES - as vítimas do seu colapso. Os

investigadores do DCIAP suspeitam que entre janeiro de 2011 e abril 2014 o BES alocou cerca

de 10 mil milhões de Euros de dívida de várias empresas do GES aos seus clientes, com a

intermediação da Eurofin. Há fortes indícios de que esses produtos financeiros foram

apresentados aos clientes do BES como produtos com rentabilidade garantida, depósitos ou

seja, como confiáveis a termo. Nenhuma acusação legal foi ainda formalmente aberta contra os

ex-executivos do BES e do GES.

Um último caso envolvendo um ator central da política portuguesa das últimas décadas é

a Operação Marquês. De acordo com o Ministério Público, José Sócrates, o ex-primeiro-

ministro, desempenhou um papel central num esquema de corrupção envolvendo a troca de

decisões políticas favoráveis e contratos públicos a troco de subornos8. Concretamente, de

8 Andrei Khalip, “Portuguese ex-PM Socrates indicted on corruption charges”, Reuters, 11 de outubro de 2017. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-portugal-corruption-socrates/portuguese-ex-pm-socrates-indicted-on-corruption-charges-idUSKBN1CG1U5

24

acordo com a acusação, Sócrates proporcionou vantagens a empresas privadas, em troca de

grandes somas de dinheiro que foram canalizadas para contas bancárias suíças. As ações

incluíram supostamente o fornecimento de vantagens ilegais à LENA, uma empresa de

construção, e também influenciaram ilegalmente os atos de gestão de empresas públicas, bem

como de empresas privadas para sua própria vantagem pessoal durante o seu mandato como

primeiro-ministro. José Sócrates foi preso e permaneceu sob custódia de novembro de 2014 a

Junho de 2015 enquanto o MP e as autoridades fiscais investigavam o caso. A acusação foi

deduzida oficialmente em outubro de 2017.

Embora José Sócrates e alguns dos seus aliados argumentem que a investigação ao antigo

primeiro-ministro deve ser vista como um caso de perseguição política contra ele e o próprio

Partido Socialista (PS), vários factos contradizem esta tese. Por um lado, é verdade que a

investigação a José Sócrates ficou marcada pelas fugas de informação e pela proximidade com

alguns meios de comunicação social; por outro lado, também é verdade que há uma extensa

lista de suspeitos ou acusados em diferentes casos com ligações ao PSD o que torna improvável

a hipótese de uma perseguição política. Ainda que subsistam algumas críticas ao MP pelo

modo como geriu este caso – em particular a demora na formalização da acusação e as fugas

de informação – estas têm vindo a baixar de intensidade à medida que o caso se desenrolou.

O espaço público tem sido marcado por alguns debates sobre o risco de judicialização da

política, tendo alguns comentadores expressado preocupação com a inclinação de magistrados

para desempenhar um papel mais ativo no escrutínio da atividade política. Em termos de

perceções públicas, os níveis de confiança no sistema judicial têm aumentado em anos

recentes: em maio de 2010, só 28% dos portugueses inquiridos confiavam na justiça; em maio

de 2017, esta proporção ascendia aos 49%9.

9 Dados do Eurobarómetro recolhidos em www.pop.pt

25

Desculpas

Em Portugal, nenhuma figura política ou partido apresentou desculpas públicas ou

assumiu a responsabilidade pública pela crise financeira e económica nem pelo resgate. Este

facto pode ser entendido como um produto da cultura política em Portugal, da falta de pressão

da opinião pública, e das características pessoais dos líderes políticos que ocuparam posições

de destaque nesta época.

Em relação ao primeiro factor, os pedidos de desculpas por parte de decisores políticos

são relativamente raros em Portugal10. Mesmo quando os membros do governo se demitem com

base em algum acontecimento concreto sob a sua alçada tendem a fazê-lo sem pedir desculpas

explícitas, mesmo que “assumam responsabilidades”. Contudo, em anos recentes pode

observar-se uma possível alteração deste padrão foi observada em anos recentes. José Sócrates,

por exemplo, pediu desculpas por ter fumado num voo de não fumadores, bem como por o seu

governo se ter atrasado a entregar uma proposta de orçamento de Estado. Dois ministros do

governo de Pedro Passos Coelho pediram desculpas por problemas de software que tiveram

implicações administrativas. No que toca à falta de pressão por parte da opinião pública, os

resultados de dois estudos pós-eleitorais, realizados em 2011 e 2015, realçam a primeira destas

dimensões. Recorde-se que as eleições de 2011 ocorreram pouco tempo depois da rejeição

pelo Parlamento do PEC IV, um pacote de medidas proposto pelo governo socialista

minoritário, e da decisão do resgate ter sido anunciada oficialmente pelo governo. Os

resultados demonstram que os eleitores portugueses atribuíram as responsabilidades a uma

10 Rosa Pedroso Lima, “As desculpas são uma arma política?” Expresso, November 25 2017, p. 14.

26

combinação de entidades e circunstâncias nacionais e internacionais (P. Magalhães 2017).

Embora quase dois terços dos inquiridos considerassem que o governo era “muito” ou

“extremamente responsável” pelo estado da economia, pelo menos metade dos inquiridos

considerou que a “economia internacional”, os “bancos” e as “agências de rating” eram

igualmente responsáveis. As eleições de 2015 foram disputadas após a implementação do

resgate financeiro e numa fase de recuperação económica modesta. Embora houvesse algumas

pequenas flutuações na atribuição de responsabilidades em virtude do estado da economia, o

cenário geral não mudou muito relativamente às eleições anteriores. Em geral, os portugueses

partilham a perceção de que, no âmbito de uma economia aberta e semiperiférica, o governo

não tem controlo total sobre o desempenho económico. Este quadro algo difuso no que toca à

atribuição de responsabilidades poderá ter justificado a falta de desculpas públicas dos dois

governos que exerceram funções durante a crise, a negociação do resgate e a sua execução.

Outra possível explicação reside nas estratégias políticas e nos traços individuais dos

líderes políticos em causa. Em maio de 2010, o líder do PSD - Pedro Passos Coelho, que mais

tarde seria empossado como primeiro-ministro em 2011 - pediu desculpas aos eleitores por não

cumprir as promessas eleitorais mas não pela crise que o país atravessava, numa tentativa de

justificar o seu apoio ao primeiro pacote de austeridade de medidas anti-crise (PEC I),

sublinhando que a situação do país se havia agravado nas últimas semanas: “Quero começar

por pedir desculpa, não porque me sinta responsável, mas as medidas hoje aprovadas

representam um conjunto de medidas duras para a maioria dos portuguese (…) Devo

pessoalmente um pedido de desculpas ao país por estar a fazer aquilo que disse que não

gostaria de fazer e que não achava que devesse ser feito” 11.

11 TSF, “Passos Coelho pede desculpa aos portugueses”, 13 de Maio de 2010, disponível em: https://www.tsf.pt/portugal/politica/interior/passos-coelho-pede-desculpa-aos-portugueses-1569280.html

27

Quando o primeiro-ministro em exercício, o líder do PS, José Sócrates, foi confrontado

com esta declaração, e com o facto de que uma das promessas eleitorais do PS consistir em não

aumentar os impostos, confirmou a sua autoria e a responsabilidade pelas medidas, afirmando:

“Não peço desculpa por cumprir o meu dever e fazer o que é imprescindível para defender o

país. Teria de pedir desculpa se não tivesse a coragem de tomar as medidas necessárias".12

Mais tarde, em março de 2013, em linha com o seu discurso político durante o mandato

como primeiro-ministro, José Sócrates recusou-se a ser responsabilizado pelo resgate e pelo

Memorando de Entendimento, assinado com a troika: “Eu aceito as responsabilidades que

tenho e não aquelas que os meus adversários me querem atribuir, à força, de forma

contraditória aos factos (…). Não [aceito pedir desculpas aos portugueses] porque não aceito

essa responsabilidade” 13. Embora admitindo que Portugal tinha défices estruturais, José Sócrates

atribuiu a responsabilidade pela situação do país à crise internacional. Por outro lado, nem

Pedro Passos Coelho nem o líder do seu parceiro de coligação governativa, Paulo Portas, se

desculparam durante o resgate pelas opções políticas tomadas. Confrontado com o seu papel

na negociação da intervenção externa, Passos Coelho afirmou que a responsabilidade 14de

chamar a troika cometia plenamente ao executivo anterior, e que, como uma figura-chave na

oposição, o seu papel à época era o de apoiar “alguma decisão que [José Sócrates] tivesse de

tomar para salvaguardar os interesses dos portugueses” 15.

12 Visão, “Sócrates não pede desculpas por «cumprir dever»”, 18 de Maio de 2010, disponível em: http://visao.sapo.pt/actualidade/economia/socrates-nao-pede-desculpas-por-cumprir-dever=f559754 13 Cláudia Costa e Filipe Caetano, “Sócrates não pede desculpa por trazer a troika para Portugal”, TVI 24, 27 de março de 2013. Disponível em:, http://www.tvi24.iol.pt/politica/pec/socrates-nao-pede-desculpa-por-trazer-a-troika-para-portugal 15 Público e Lusa, “Passos Coelho: carta sobre a troika só embaraça o PS e Costa”, 16 de setembro de 2015, disponível em: https://www.publico.pt/2015/09/16/politica/noticia/passos-carta-sobre-a-troika-so-embaraca-costa-1707977

28

IV. Impacto

Foram vários os efeitos das ferramentas de accountability descritas na secção anterior, mas

embora o seu impacto se tenha feito sentir de várias maneiras, pode argumentar-se que talvez

as suas consequências políticas – e eventualmente da própria crise – não tenham sido tão fortes

em Portugal como noutros países. Esta seção avalia os principais efeitos destas ferramentas,

para depois discutir a evolução da opinião pública relativamente às várias instituições políticas.

As comissões parlamentares de inquérito às falências dos bancos produziram resultados

na medida em que houve um reconhecimento generalizado da maioria dos envolvidos de que

ocorreram grandes falhas tanto no plano da gestão como na supervisão. Um dos efeitos das CPI

foi a intensificação da mediatização e da discussão pública do papel da supervisão, mostrando

a extensão das práticas de má gestão antes e durante a crise. A mediatização das CPI contribuiu

para sublinhar a centralidade do Parlamento na vida política e para pôr em evidência o

trabalho dos partidos políticos, incluindo os mais pequenos.

Outro efeito prende-se com a série de casos judiciais de alegados crimes pelos quais os

suspeitos estão a ser investigados ou acusados: fraude fiscal e lavagem de dinheiro, e, em

alguns casos, corrupção e tráfico de influências. Em Portugal, ao longo dos últimos anos, este

tipo de criminalidade tem sido objeto de um amplo debate público (incluindo vasta cobertura

por parte da comunicação social), o que conduziu a um aprofundamento por parte do Estado

das estratégias e mecanismos apropriados para combate-los e preveni-los. Sob esta perspetiva, a

sobreposição temporal de três mega-operações desencadeadas pelo DCIAP (“Universo Espírito

Santo”, “Operação Labirinto” e “Operação Marquês”) indica que a abordagem do crime

económico pode estar a evoluir e a tornar-se mais sofisticada e minuciosa. Em anos recentes, a

cooperação entre o Ministério Público, o Banco de Portugal e as agências de regulação

29

intensificou-se, tal como a formação especializada aos procuradores que lidam com o crime

económico.

Para além dos casos mencionados na secção anterior, tem havido um número

considerável de investigações a indivíduos com um perfil elevado. Além do caso de José

Sócrates, as investigações também têm incidido sob Miguel Macedo (que era Ministro aquando

da prática de alegados ilícitos), Luís Filipe Menezes, Miguel Relvas e Paulo Núncio (cujos

nomes surgem nos casos “Rota do Atlântico” e “Operação Labirinto”). E se recuarmos no

tempo, Duarte Lima, Oliveira e Costa e Arlindo de Carvalho - todos sujeitos a investigações

criminais - eram todos próximos do ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Se

considerarmos que entre os suspeitos e acusados pelo MP se incluíam também figuras

importantes da administração pública (por exemplo, o Diretor do Serviço de Emigração e

Fronteiras e o Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado), bem como vários gestores de

topo do sector financeiro (como Amílcar Morais, José Maria Ricciardi, Jorge Tomé e José

Manuel Espírito Santo), podemos ser tentados a concluir que a justiça portuguesa não se coibiu

em anos recentes de investigar figuras-chave da política e da finança, que poderiam mesmo ter

um estatuto de “ intocabilidade” até recentemente.

A este respeito deve recordar-se que o Ministério Público foi objeto de uma reorganização

em outubro de 2012. Uma nova Procuradora-Geral, Joana Marques Vidal, foi nomeada, e

alguns meses mais tarde Amadeu Guerra tomou posse como novo Diretor do DCIAP: a nova

Procuradora-Geral decidiu não renovar a liderança de Cândida Almeida, que ocupava essa

posição crucial há 12 anos. Mas as mudanças no DCIAP começaram mesmo antes, sob pressão

do órgão de tutela - o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). Em 2012, pela primeira

vez em 12 anos, os procuradores foram selecionados por um concurso interno; até então, a

maioria dos procuradores ocupava os respetivos cargos por convite do Procurador-Geral. Com

a saída da antiga Diretora do DCIAP, vários procuradores deste departamento renunciaram

também aos respetivos lugares. O novo Diretor aumentou a especialização do departamento e

30

tornou-o mais eficiente através da criação de secções especializadas e aligeirando o volume de

trabalho de alguns dos procuradores mais sobrecarregados. Os processos de triagem tornaram-

se mais rígidos, passando os casos menos complexos para outros departamentos do MP.

No entanto, importa também notar que o aumento de exposição na comunicação social

poderá contribuir para uma sobre-representação do assunto na discussão pública. Embora seja

plausível que o aumento da carga fiscal das medidas de austeridade impostas pelo acordo com

a troika tenha tornado os portugueses menos tolerante aos chamados “crimes de colarinho

branco”, isto não significa que a prática deste tipo de crimes tenha realmente aumentado. Na

verdade, de acordo com as estatísticas oficiais, o número de casos criminais abertos, o número

médio de suspeitos julgados em cada ano e o número dos condenados em tribunal manteve-se

mais ou menos constante ao longo da última década16. Contudo, a cobertura deste tipo de

casos pela comunicação social e a adoção de medidas coercivas mais severas exerceram um

forte impacto social, apresentando um novo desafio para a justiça e a investigação criminal em

Portugal. A sociedade portuguesa parece ser atualmente menos recetiva a certos desenlaces

processuais condicionados por razões puramente formais como, por exemplo, a prescrição.

Perante todos estes desenvolvimentos em mente, uma das formas de avaliar a relação

entre cidadãos e instituições é examinar os níveis de confiança nutridos em relação a estas17.

Em outubro de 2008, ainda antes do advento da crise, 41% da população tendia a confiar na

justiça. Dois anos depois, em novembro de 2010, apenas 28% afirmavam fazê-lo. No entanto,

em maio de 2017, a parcela da população que confiava na justiça tinha subido para 49%. Os

níveis de confiança em relação ao parlamento nacional também se encontram a níveis mais

elevados do que no início da crise. Em outubro de 2008, 38% da população inquirida dizia

16 Jornal de Notícias, “Registados 73 crimes de corrupção em Portugal em 2015”, 6 de Dezembro de 6 2016, disponível em: https://www.jn.pt/justica/interior/registados-73-crimes-de-corrupcao-em-portugal-em-2015-5538081.html 17 Os dados que se seguem são provenientes do Eurobarómetro e foram recolhidos em www.pop.pt

31

confiar no parlamento, tendo o ponto mais baixo desta série temporal sido alcançado em maio

de 2013 (13%). Em maio de 2017, a proporção já era de 46%. Embora existam certamente uma

série de fatores em jogo, a verdade é que a relação entre os cidadãos portugueses e as suas

instituições já melhorou tendo como ponto de referência o início da crise.

Outro indicador a partir do qual é possível medir o impacto da crise e das ferramentas de

accountability é a observação do desempenho eleitoral dos partidos políticos. Mais

concretamente, no caso português a crise não conduziu a mudanças sistémicas nos níveis de

apoio eleitoral obtido pelos diferentes partidos. Como se detalhou na secção 2, não existe uma

narrativa consensual relativamente aos acontecimentos que levaram à intensificação da crise

que tenha levado à punição de um partido concreto. Por outro lado, houve também uma

alteração profunda no que toca ao modelo de relações entre os partidos desde que toda a

esquerda parlamentar se congregou no apoio a um governo do Partido Socialista após as

eleições de 2015. No entanto, a questão mantém-se em saber em que medida é que esta

solução governativa foi sido uma consequência da estratégia de resposta à crise do governo

anterior, centrada na austeridade (Lisi, 2016), mais do que o resultado dos instrumentos de

accountability analisados na secção anterior.

32

V. Aprendizagem E Reforma

Uma parte importante das respostas políticas à crise prendeu-se com a tentativa de

reformar vários aspetos do sistema político e económico, a fim de evitar futuros agravamentos

da economia nacional. Em particular, foram feitos esforços para reformar duas instituições

concretas: o poder judicial e o Banco de Portugal.

Reformas do sistema de justiça

As reformas do sistema judiciário são um tema recorrente na sociedade portuguesa, em

grande medida porque os tribunais tendem a não resolver os litígios com a eficácia e a rapidez

que os envolvidos pretendem. Embora sucessivos governos, desde meados da década de 1980,

tenham procurado introduzir várias reformas com o objetivo de aumentar a sua celeridade,

estas medidas vêm-se revelando insuficientes para reverter a situação e para satisfazer as

expectativas públicas de forma satisfatória.

A crise económica, a recapitalização do sistema bancário, o número crescente de casos

relacionados com crimes financeiros e a participação de figuras proeminentes em vários

escândalos intensificaram a discussão pública deste tema. O modelo de organização do sistema

judicial, a burocracia e o formalismo excessivos, bem como as falhas nas regras processuais

que permitem atrasos processuais, levando, por sua vez, a processos mais longos, foram

analisados e sujeitos a debate. O impacto do funcionamento do sistema judicial sobre a

atividade económica foi também bastante enfatizado, na medida em que este poderia constituir

um obstáculo à competitividade e ao desenvolvimento do país (Santos, 2014).

O Memorando de Entendimento assinado por Portugal e pelo grupo de organizações

internacionais representados pela troika, em maio de 2011, definiu um conjunto de reformas a

serem implementadas na área da justiça, especialmente em relação aos seus aspetos

33

económicos. Estas políticas foram apresentadas tendo como base critérios de eficiência e

eficácia do sistema judicial, bem como princípios de racionalidade económica. Apesar das

inúmeras revisões da versão original do Memorando, os compromissos originais, no que

respeita à justiça, foram realmente cumpridos. O próprio governo declarou (na oitava e nona

avaliações regulares do cumprimento do documento, em outubro de 2013) que as medidas-

chave da reforma judicial - incluindo a criação de legislação de arbitragem voluntária (Lei nº

63/2011, de 14 de dezembro), a aprovação pelo Parlamento do novo Código de Processo Civil

(Lei nº 41/2013, de 26 de junho) e a aprovação do novo mapa judicial (Lei nº 62/2013, de 26

de agosto) - foram implementadas com sucesso (Santos, 2014, p. 9).

Consequentemente, o Código de Processo Civil tornou-se menos denso, algumas leis

foram clarificadas, novas regras de gestão processual foram introduzidas, e foram tomadas

algumas medidas com vista a reduzir a burocratização da justiça. Este conjunto de medidas

destinou-se a aumentar a celeridade do sistema judicial, especialmente através da simplificação

dos procedimentos. Em suma, o novo Código de Processo Civil sinaliza que as alterações

impostas pelo Memorando de Entendimento não tinham a intenção de reformar o sistema

judicial português de forma estrutural, mas antes introduzir mudanças a de índole processual.

O novo mapa judiciário terá sido a medida mais emblemática e controversa acordada

entre o Governo Português e os parceiros internacionais (Garoupa, 2012). O governo assumiu

que a sua elaboração visava racionalizar as infraestruturas, a fim de permitir ganhos de

eficiência, embora o número de magistrados tenha permanecido praticamente idêntico. Neste

sentido, foi realizada uma reorganização judiciária: vários tribunais, espalhados por todo o

território nacional, foram fechados, e outros transformados em meras secções de proximidade.

O governo justificou esta política com o número limitado de processos conduzidos nestes

tribunais.

O novo paradigma, segundo o qual os tribunais desempenham um papel fundamental

como agentes de recuperação económica e, consequentemente, como uma potencial fonte de

34

receitas para o Estado, foi criticado por muitos analistas, para quem este paradigma também

significou um aumento de custos judiciais, e um número crescente atos notariais18. Importa

mencionar dois aspetos particularmente relevantes. Por um lado, os resultados das reformas

ficaram aquém das expectativas originalmente anunciadas19. Por outro lado, uma vez que a

coligação de centro-direita obteve uma maioria parlamentar e Portugal foi sujeito a um

programa de assistência financeira internacional, não houve necessidade de chegar a um amplo

consenso com os partidos da oposição com vista à execução das reformas. Isto impediu uma

reforma mais profunda e estrutural da justiça a realizar numa perspetiva de longo prazo.

Reformas no Banco de Portugal

Alguns dos aspetos mais importantes da crise em Portugal estavam relacionados com

transformações no sector bancário, incluindo o colapso de atores importantes. Compreender as

reformas operadas no Banco de Portugal (BdP) é, portanto, fundamental para avaliar em que

medida tem havido um processo de aprendizagem institucional que conduza à capacidade de

ter uma reação mais resiliente aos desafios futuros.

De forma abreviada, pode dizer-se que a autoavaliação do BdP evoluiu entre o início da

crise e o período que se lhe seguiu. A análise dos relatórios do BdP nos anos iniciais da crise

revela uma falta de autocrítica ou uma retórica de auto-accountability sobre o seu papel na

crise. Além disso, estes documentos contêm poucas menções ou reflexões sobre as causas

internas da crise bancária portuguesa. No entanto, o Banco reconheceu mais recentemente que

18 Maria João Lopes, “Programa da troika para área da justiça está encerrado”, Público, 1 de Março de 2014, https://www.publico.pt/2014/03/01/sociedade/noticia/programa-da-troika-para-area-da-justica-esta-encerrado-1626766

19 Andrei Khalip, “Portugal's judicial makeover: the reform that flattered to deceive?”, Reuters, 22 de Novembro de 2016, https://www.reuters.com/article/us-portugal-judiciary-insight/portugals-judicial-makeover-the-reform-that-flattered-to-deceive-idUSKBN13H0GI

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um dos fatores que enfraqueceram o sistema financeiro internacional, ainda antes do colapso

financeiro global, foi precisamente o leque de falhas na governança das instituições financeiras,

e que isto foi particularmente visível no caso português20.

Os relatórios anuais do BdP dos anos iniciais da crise enfatizavam a dimensão

internacional da crise económica e o seu impacto comum na zona Euro - e, consequentemente,

em Portugal - com escassas referências a possíveis falhas no sistema bancário nacional e à

supervisão financeira. Assim, em 2008-2009, o BdP descreveu a crise como uma consequência

da recessão económica global – com as características semelhantes às da Grande Depressão –

que condicionaram a atividade dos bancos portugueses. Os relatórios do BdP apontavam

também para que a crise tenha implicado uma deterioração significativa nas finanças públicas

das economias avançadas, o que se manifestou na zona Euro com a crise das dívidas

soberanas. Uma das repercussões mais graves foi a perda da Grécia, Irlanda e Portugal ao

acesso ao financiamento do mercado, o que obrigou ao recurso à assistência financeira

internacional (2010-2015).

Assim, a resposta inicial à crise económica do BdP, e especialmente à instabilidade do

setor financeiro, foi enquadrada no quadro da Iniciativa de Reforço da Estabilidade Financeira -

IREF21 (2008-2009), que conduziu a várias alterações legislativas. Em primeiro lugar, um reforço

ao nível da transparência, incluindo o aumento da informação disponível sobre produtos

financeiros complexos. Em segundo lugar, a revisão do regime sancionatório, incluindo uma

atualização dos quadros de infrações criminais e administrativas e uma revisão da política de

remuneração dos executivos e funcionários de supervisão (Lei Nº 28/2009). Em terceiro lugar,

20 Banco de Portugal, Livro Branco Sobre a Regulação e Supervisão do Setor Financeiro, 2016. Disponível em:

https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/livro_branco_web.pdf

21 O IREF foi aprovado no Quadro do Programa de Estabilidade e Crescimento, PEC I; 2008-2011.

36

um reforço da garantia de depósitos, nomeadamente o aumento do limite de cobertura de

25.000 para 100.000 Euros (Decreto-Lei 211-A / 2008). Em quarto lugar, a concessão de uma

garantia pessoal do Estado para todas as instituições de crédito com sede em Portugal que

atendessem aos critérios de solvência estabelecidos por lei (Lei Nº 60-A/2008). Em quinto lugar,

o reforço da solidez financeira das instituições de crédito, através da aprovação de um quadro

legal específico para a intervenção pública direta na recuperação e reorganização de processos

das instituições de crédito com níveis de fundos inferiores ao mínimo legal (Lei 63-A / 2008).

Tendo em conta estas orientações político-legais, as próprias iniciativas do BdP seguiram

duas vertentes: (i) a implementação de uma nova metodologia de avaliação de risco e

reorganização da atividade de supervisão22, bem como (ii) o reforço da sua política

sancionatória. Em relação à supervisão, em 2011, três departamentos autónomos foram

estabelecidos23, e equipas de fiscalização permanente foram estabelecidas para supervisionar os

principais grupos bancários no terreno. O BdP também criou uma comissão especializada com

responsabilidades no domínio da estabilidade financeira, e o cargo de um Consultor de Ética

(2011). Em 2012, o poder do BdP, em termos de intervenção nas instituições sob a sua

supervisão, foi reforçado pelo Memorando de Entendimento entre o Estado Portuguêse a troika

(17 de maio de 2011) e, consequentemente, pelo respetivo Decreto-Lei nº 31A/2012, de 10 de

fevereiro. Além disso, desde o final de 2014 que o BdP integra o Mecanismo Único de

Supervisão, o que significa que a sua supervisão das instituições de crédito nacional é

partilhada com o Banco Central Europeu (BCE), especialmente no que diz respeito às

instituições de crédito consideradas mais sistémicas.

22 MAR – Modelo de Avaliação de Riscos (Model of Risk Assessment). 23 Departamento de Supervisão Prudencial (Department of Prudential Supervision), Departamento de Supervisão Comportamental (Department of Behavioral Supervision) e Departamento de Averiguacao e Ação Sancionatória (Department of Inquiry and Sanctioning Action).

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Como resultado, o processo de auditoria dos bancos nacionais tornou-se mais forte. Na

verdade, o BdP realizou um vasto programa de inspeções periódicas, que incluiu auditores

externos e parceiros internacionais (ver os relatórios anuais de 2011 e 2012). O Banco também

investiu na melhoria da sua atividade sancionatória, particularmente desde 2012, através do

aumento do número de casos e reduzindo o tempo médio para a conclusão dos processos (ver

relatórios anuais de 2012 e 2013). Assim, em 2014, a atividade sancionatória cobria um

conjunto diversificado de infrações e de arguidos. Mais tarde, em 2015, o BdP desenvolveu

uma atividade sancionatória particularmente intensa, tanto em termos de número de casos e em

termos de tamanho e complexidade de alguns processos em curso (ver o relatório anual de

2015). A figura 1, reproduzida abaixo, ilustra esta tendência de aumento do número de

procedimentos administrativos.

Figura 1. Número de processos de contraordenação instaurados pelo BdP Fonte: Relatórios do Conselho de

Administração (atividade e contas), 2009-2016.

0

50

100

150

200

250

300

2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

38

Não obstante, todas estas medidas não impediram que os bancos BES (2014) e BANIF

(2015) entrassem em colapso. A ação do governador do BdP foi amplamente criticada24,

resultando num debate nacional sobre a qualidade da supervisão do BdP. Em 2015, o Banco

Central Português realizou uma auditoria interna sobre o seu desempenho como supervisor

durante a crise do BES (isto é, durante a fase final da comissão de inquérito parlamentar sobre a

gestão do banco BES). Os resultados da auditoria não foram divulgados publicamente; algumas

recomendações foram tornadas públicas, reconhecendo o BdP pequenas falhas em relação ao

seu desempenho25.

Entre 2014 e 2016, o BdP foi solicitado pelo governo a realizar um exercício de

autocrítica, concluindo-se que a instituição precisa de ser mais vigilante, menos tolerante e

maior capacidade de decisão. Por outras palavras, de acordo com o próprio BdP, a instituição

deve tomar decisões de supervisão de uma forma mais assertiva e determinada, mesmo que tal

implique um maior risco de litígio. Além disso, reconhece-se a necessidade de melhorar o

quadro legal, a fim de fortalecer e agilizar a ação sancionatória, especialmente face aos

processos de maior tamanho e complexidade26. Acresce que o BdP admitiu que as principais

instituições de crédito em Portugal têm deficiências a nível coletivo dos órgãos de gestão, dos

processos de seleção dos membros não executivos para estes organismos, e da prevenção de

conflitos de interesse27. Mais especificamente, o BdP reconheceu a necessidade de fazer

alterações nas seguintes áreas: acumulação de cargos de gestão, a limitação de concessão de

24 “Costa critica Passos e governador do Banco de Portugal por tentarem iludir riscos do BES”, Visão, 9 de Outubro de 2014; “O Banco de Portugal acredita no Pai Natal (e até lhe escreve cartas)”, Observador, 5 March 2015; “Governador do Banco de Portugal é ‘um perigo para o país’” Expresso, 3 February 2016. 25 “Carlos Costa recusa dar auditoria feita ao Banco de Portugal,” Diário de Notícias, 22 de Março de 2016. Disponível em: https://www.dn.pt/portugal/interior/o-banco-de-portugal-recusa-relatorio-da-bcg-ao-parlamento-5088902.html 26 Liliana Valente e Ana Suspiro, “Auditoria. Banco de Portugal deve ser mais rápido e não recear conflitos”, Observador, 4 de junho de 2015. Disponível em: http://observador.pt/2015/06/04/as-19-recomendacoes-que-o-banco-de-portugal-faz-a-si-proprio/ 27 Banco de Portugal, Livro Branco sobre a regulação e supervisão do setor financeiro, 2016.

39

créditos aos acionistas, a proibição de concessão de empréstimos para os executivos, a

identificação de todos os acionistas com 2% ou mais de capital, a exposição a outras entidades

do grupo ou de países terceiros e a comercialização de produtos financeiros28. No entanto,

todas estas medidas ainda têm o estatuto de meras recomendações.

Para alguns analistas, o facto de que o BdP estar agora mais estreitamente articulado

com o BCE em termos de supervisão é uma mudança na direção certa (Cardão-Pito & Baptista,

2017). Apesar dessas mudanças, o BdP não impediu as crises dos bancos BES ou BANIF de

ocorrerem, e a sua autonomia foi questionada. Durante o processo de venda do BANIF ao

banco Santander, por exemplo, o BdP foi criticado por seguir as diretivas dos bancos centrais

Europeus e não ser capaz de fazer uma oposição de modo a assegurar o interesse nacional29.

Assim, este foi um processo de aprendizagem predominantemente “formal”, em grande parte,

enquadrado pelas respostas das instituições europeias à crise financeira. Na prática, o

desempenho do BdP em termos de supervisão dos principais bancos portugueses provou ser

insuficiente, tal como o conjunto limitado de medidas adotadas pelo Banco na sequência da

crise.

28 Liliana Valente e Ana Suspiro, “Auditoria. Banco de Portugal deve ser mais rápido e não recear conflitos”, Observador, 4 de junho de 2015. Disponível em: http://observador.pt/2015/06/04/as-19-recomendacoes-que-o-banco-de-portugal-faz-a-si-proprio/ 29 “Banif: Eurodeputados do PS questionam Bruxelas e BCE sobre venda do banco ao Santander”, Expresso, 26 de Maio de 2016.. Disponível em: http://expresso.sapo.pt/politica/2016-05-26-Banif-Eurodeputados-do-PS-questionam-Bruxelas-e-BCE-sobre-venda-do-banco-ao-Santander

40

VI. CONCLUSÃO

Portugal oferece um interessante estudo de caso dos desdobramentos e das consequências

da crise numa série de dimensões, visto que os respetivos efeitos económicos e sociais foram

bastante salientes. A escalada da crise e as estratégias escolhidas para lidar com ela trouxeram

grandes mudanças ao país, nomeadamente em termos de contração do mercado de trabalho,

falências bancárias e significativo aumento da emigração.

Um dos elementos que este relatório destaca é a falta de uma interpretação amplamente

partilhada da intensificação da crise da dívida que forçou o governo socialista a negociar com a

troika em 2011. O caso português é ainda marcado pela falta de uma “comissão de apuramento

da verdade” e pela ausência de demonstrações públicas de remorso ou de desculpas pelos

efeitos da crise por parte dos principais decisores políticos. Dito isto, os desenvolvimentos

políticos em Portugal foram marcados em parte pela continuidade - pelo menos segundo os

padrões atuais na Europa. O apoio eleitoral aos diversos partidos representados no parlamento

pouco se alterou, o que indica que, apesar do uso de ferramentas de accountability, os

cidadãos, pelo menos os que votam, não se sentiram atraídos por partidos disruptivos. Os níveis

de confiança nas instituições também aumentaram.

Embora muito tenha permanecido relativamente inalterado, alguns desenvolvimentos

merecem ser destacados. Primeiro, o sistema judicial parece agora mais capacitado para

investigar atores em posições de poder. Em segundo lugar, tanto as comissões parlamentares de

inquérito como alguns stakeholders de relevo concordam com a necessidade de melhorar a

regulamentação dos mercados financeiros. Além disso, seguindo orientações europeias e

pressões internas, o Banco Central (BdP) comprometeu-se com um escrutínio mais rigoroso do

sector financeiro. Em terceiro lugar, os partidos de esquerda adotaram uma solução inovadora

de governo após os resultados das últimas eleições terem inviabilizado maiorias absolutas tanto

do PS como do PSD/CDS.

41

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