crise de superproduÇÃo e crise estrutural do capital

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  • 7/22/2019 CRISE DE SUPERPRODUO E CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

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    Estudos do TrabalhoAno III Nmero 6 - 2010

    Revista da RETRede de Estudos do Trabalho

    www.estudosdotrabalho.org

    CRISE DE SUPERPRODUO E CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

    Rodrigo DantasDoutor em Filosofia pela UFRJ;

    Professor do Depto. de Filosofia da UnB.

    ResumoO texto enfoca o fato de estarmos diante de uma crise que expresso concreta do fato deque no h produo e extrao de mais-valia suficiente para alimentar a imensa massa decapitais sobre-excedentes que diariamente circulam nos mercados financeiros de todo o

    planeta. O autor passa a deslindar os nexos da teoria das crises na perspectiva marxista.

    Trata-se de repor as pilastras tericas da crise de superacumulao e, ainda mais, dedemonstrar a dialtica operante entre a esfera financeira (fictcia ou no) e a base produtiva dosistema.

    Palavras-Chave: Superproduo; Capital; Ecologia.

    INTRODUO

    1. A maior crise do capitalismo desde 1929Assim como em 1929, estamos diante de uma clssica crise de superproduo

    desencadeada pela exploso de uma megabolha especulativa no corao do sistema financeiro

    da maior economia do planeta. Ao tentar romper seus limites estruturais, o capitalismo

    produziu uma massa de capitais excedentes e fictcios sem precedentes na histria: a

    superproduo e superacumulao de capitais desencadearam uma espiral de queda da taxa de

    lucro que no pde ser contida nem mesmo pela maior interveno j feita pelos Estados

    nacionais na economia, que pelas mais diversas vias j injetaram, at aqui, mais de dez

    http://www.estudosdotrabalho.org/3revistaRET6.pdf

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    trilhes de dlares para salvar bancos e empresas falidas e injetar liquidez no sistema

    financeiro em decomposio.

    Antes mesmo que se produzisse a queda da taxa de lucro em 2007, prenunciando o

    aprofundamento decisivo da crise em 2008/2009, j havia claros sinais de que uma grave crise

    estava fermentando nos subterrneos do capitalismo. Na esteira da restaurao do capitalismo

    na Rssia, no Leste Europeu e na China e do fim daquele que foi o sculo mais revolucionrio

    da histria, durante duas dcadas de expanso globalizada do capital houve um crescimento

    brutal da quantidade de capitais que disputam pela apropriao da mais-valia produzida1. Este

    crescimento se traduziu numa presso cada vez mais intensa sobre a taxa de lucro, que forou

    a liberalizao e o crescimento exponencial de toda espcie de operaes especulativas e,

    depois de ter levado bancarrota financeira diversos pases ao longo dos ltimos quinze

    anos2, teve como resultado a produo de uma massa crescente de capitais puramente fictcios

    aos quais j no corresponde nenhum valor e nenhuma capacidade de produzir ou extrair

    mais-valia adicional3. Uma imensa montanha de crditos e dvidas podres foi artificialmente

    1Os principais fatores determinantes da expanso do capital depois da crise dos anos 70 foram: a) a restauraodo capitalismo na China, na Rssia, no Leste Europeu e na sia, que abriu novas fontes de matrias-primas enovos mercados consumidores, permitindo ao imperialismo explorar diretamente os trabalhadores destes pases,principalmente na China e no resto da sia, que se transformaram na fbrica do mundo mediante a oferta demo-de-obra barata e abundante; b) a quebra dos monoplios estatais e sua privatizao, abrindo espao para aexplorao direta das riquezas naturais; c) as privatizaes das empresas estatais, dos servios pblicos e dainfraestrutura da sociedade, que permitiu ao capital explorar diretamente uma grande quantidade de

    trabalhadores e auferir grandes lucros monopolistas mediante o controle de setores da economia que at ento seachavam sob o poder do Estado; d) o fim das reservas de mercado e de outros mecanismos protecionistas, com aabertura das economias nacionais ao investimento das corporaes que operam no mercado mundial; e) osganhos de produtividade e o aumento na extrao de mais-valia relativa advindos da introduo das novastecnologias de informao e comunicao na base dos processos produtivos; f) a introduo de novas formas deaumento da explorao do trabalho assalariado e de extrao de mais-valia absoluta e relativa, advindos dosprocessos de reestruturao produtiva, da flexibilizao das relaes trabalhistas, das terceirizaes, doaumento da informalidade, da generalizao de contratos precrios, da eliminao sistemtica de direitos econquistas sociais e trabalhistas, etc. g) a liberalizao e a desregulamentao dos fluxos de capital, quepermitiram ampliar enormemente a oferta de crditos e capitais e sua crescente mobilidade em todo o planeta.2Mxico em 94/95, Brasil, Argentina e Amrica Latina em 1997/98 e 2000/01, Rssia, Leste Europeu e tigresasiticos em 1998, dentre outras, foram crises geradas pelas polticas econmicas monetaristas e privatizantesimpostas pelo imperialismo e seus organismos internacionais, que fizeram explodir o endividamento e

    terminaram se expressando na forma de saques imperialistas em larga escala aos cofres pblicos destes pases.3 Porque o aspecto monetrio do valor sua forma independente e tangvel, a forma D-D, cujos pontos departida e de chegada so o dinheiro real, expressa da maneira mais tangvel a ideia de ganhar dinheiro, que oprincipal motor da produo capitalista. O processo de produo capitalista apareceu unicamente como um passo

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    construda e sistematicamente inflada com a cumplicidade ativa dos organismos

    internacionais, do sistema financeiro, dos Estados nacionais e de suas autoridades monetrias

    em todo o planeta. Seu resultado foi o descolamento entre os mais diversos tipos de ativos

    financeiros em circulao no planeta, estimado em 2008 como algo que ultrapassa a fantstica

    cifra de 600 trilhes de dlares, e o PIB mundial, de cerca de 58 trilhes de dlares.

    Os nmeros que retratam a profundidade da crise e a anlise das tendncias estruturais

    do capitalismo indicam que podemos estar no incio de um longo perodo de destruio e

    declnio das foras produtivas, em que o capital no ter outra sada seno utilizar os mais

    violentos meios a seu alcance para restaurar as condies de reproduo ampliada4. Como

    todas as grandes crises do capitalismo, a que agora se inicia a expresso concreta do fato de

    que no h produo e extrao de mais-valia suficiente para alimentar a imensa massa de

    capitais sobre-excedentes que diariamente circulam nos mercados financeiros de todo o

    planeta. Depois de um perodo de expanso no processo de reproduo ampliada do capital, a

    superproduo, a sobreacumulao e o sobreinvestimento de capitais estenderam-se, como em

    intermedirio inevitvel, como um mal necessrio para ganhar dinheiro. Por isso, todas as naes que funcionamsegundo o modo de produo capitalista padecem periodicamente da vertigem de querer ganhar dinheiro sem aintermediao do processo de produo. (MARX, 1867, p. 54).4 Vejamos o que dizem alguns dos principais dados da economia mundial. Em 2008, nos EUA, a queda naproduo industrial foi de 10%; no quarto trimestre deste mesmo ano, depois do estouro da bolha especulativa domercado imobilirio e do anncio da falncia de grandes bancos e empresas, a queda do PIB nos EUA foi de6,2%. No primeiro trimestre de 2009, a situao se agravou: a queda no PIB foi de mais 6,1%, a da produoindustrial chegou a 20% e a taxa de investimento caiu 39,2%, nmeros que no se verificavam desde os anos 30.

    Na Europa, a situao igualmente grave. Com seus bancos diretamente afetados pelos investimentos quemantm nos EUA e envolvidos na quebra de pases do leste europeu, a produo industrial teve uma queda de12% na Alemanha e de 9% na Inglaterra. A previso de queda no PIB alemo para o ano de 2009 chega a 6%,enquanto a estimativa para o conjunto do continente europeu de uma queda de mais de 4%, o que jamais haviase verificado desde os anos 30. No Japo, que se arrasta desde os anos 90 numa crnica estagnao econmica, aqueda na produo industrial em 2009 foi de 10% em janeiro e mais 9,4% em fevereiro. O PIB da segunda maioreconomia mundial caiu 15,2% na taxa anualizada do primeiro semestre de 2009. A China pas que maiscresceu nas duas ltimas dcadas vive uma desacelerao muito forte: o crescimento de seu PIB, que girava emtorno de 13% ao ano, caiu para cerca de 6%. Na Rssia, a previso de que seu PIB caia mais de 6% em 2009;no primeiro trimestre de 2009, a queda foi de 9,5%, e a previso de queda para o segundo semestre situa-se entre8,7 e 10%, o que pode significar uma queda no ano ainda maior do que a prevista. Na Amrica Latina, a previsodo FMI aponta para uma queda de 1,5% do PIB, prxima queda estimada para o PIB mundial em 2009. Ocomrcio internacional, fortemente afetado pela contrao do crdito e pela queda na produo industrial, sofreu

    uma queda de 17,5% em volume entre novembro de 2008 e janeiro de 2009 (taxa anualizada de 44%), e de 22%em valores a primeira desde a Segunda Guerra Mundial. A previso de queda no fluxo de capitais para ospases coloniais e semicoloniais de cerca de 80% nos prximos anos. Desde o incio do perodo mais agudo dacrise, em setembro de 2008, at meados de 2009, 23 pases j tiveram de recorrer ao FMI.

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    todas as crises de superproduo, muito alm das condies concretas de sua valorizao

    indefinidamente ampliada pela extrao de mais-valia adicional a partir da mais-valia j

    acumulada. A massa de capitais sobreacumulados investidos no mercado financeiro, na

    mesma medida em que permitiam a ampliao dos processos diretos de produo de valor e

    mais-valia, exerciam uma presso cada vez maior sobre a reproduo do capital, funcionando

    como um imenso aspirador da mais-valia produzida. Quanto maior a quantidade de mais-valia

    acumulada e reinvestida, maior se tornava a presso para um aumento correspondente no

    processo de extrao de mais-valia. Mais cedo ou mais tarde, a superproduo de capitais no

    poderia deixar de sobrepujar a produo de mais-valia adicional, acarretando a queda da taxa

    de lucro e, com ela, o derretimento inevitvel dos capitais aos quais j no correspondia

    qualquer massa de valor e mais-valia.

    Marx demonstrou que as crises de superproduo, assim como as fases de expanso e

    retrao do processo histrico de reproduo ampliada do capital, so inerentes ao capitalismo

    como modo de produo e reproduo social5. Elas irrompem periodicamente sempre que o

    processo de produo do capital, aps um perodo de expanso da produo, do emprego, do

    consumo e dos investimentos, termina por encontrar seus limites ali, onde a massa crescente

    de capitais que buscam reproduzir-se excede a capacidade de extrao de mais-valia

    adicional. Com a taxa de lucro em queda, os capitalistas restringem a oferta de crdito e de

    capitais, provocando a queima dos capitais que j no conseguem reproduzir-se, a interrupo

    do processo de sua reproduo ampliada e a destruio macia de foras produtivas. a crise

    de superproduo que explode: quando a massa de trabalho morto se torna to extensa que j

    no consegue extrair mais-valia adicional do trabalho vivo, o capital v interrompidas as

    condies de sua reproduo ampliada e os capitalistas param de investir at que se derreta a

    imensa pirmide de capitais excedentes e fictcios que pressionam para baixo a taxa de lucro e

    sejam novamente restauradas as condies de sua valorizao ampliada.

    5Marx demonstrou no O Capitalque o que sustenta o crescimento da taxa de lucro e as fases de expanso do

    capitalismo o crescimento da taxa e da massa de mais-valia adicional obtida a partir do investimento da mais-valia j acumulada; a queda da taxa de lucro e as fases de retrao do capitalismo ocorrem quando o crescimentodo investimento e dos nveis de produo e de explorao dos trabalhadores j no capaz de produzir mais-valia adicional suficiente para alimentar a massa crescente de capitais sobreacumulados e sobreinvestidos.

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    Uma grande massa de capitais e foras produtivas est sendo destruda ou

    desvalorizada com a falncia de grandes bancos e empresas, a ampliao das demisses e do

    desemprego, a queda do investimento, da produo, da massa salarial e do consumo, e a

    bancarrota de pases inteiros. Para conter a escalada da crise, a interveno estatal est

    injetando liquidez nos mercados financeiros, gerando capitais fictcios para alimentar a

    valorizao dos j existentes, aumentando ainda mais o endividamento estatal e desviando

    grandes somas de recursos pblicos para resgatar corporaes falidas e restabelecer a oferta

    de crdito e as condies de produo e circulao de capitais6. O custo destas operaes de

    resgate do capital por suas estruturas de comando poltico-policial, os Estados nacionais, o

    crescimento explosivo do dficit e da dvida estatal de todos os pases em meio ao cenrio de

    queda nas receitas provocado pela contrao generalizada das atividades econmicas7.

    A maior operao de salvamento do capital j protagonizada pelos Estados nacionais

    das principais economias do mundo em toda a histria do capitalismo certamente atenuar os

    efeitos devastadores da crise, mas no poder suprimir as contradies e antagonismos

    estruturais que a determinam. A crise se prolongar at que a massa de capitais

    sobreacumulados consiga restaurar as bases materiais de sua valorizao sempre ampliada.

    6O Federal Reserve (Banco Central) dos EUA cria mais capital fictcio para conservar a iluso no valor decapitais que esto derretendo-se e desvalorizando-se, com a perspectiva de ter, num determinado momento, apossibilidade de aumentar fortemente a presso fiscal, mas em realidade no poder faz-lo, porque isso

    significaria o congelamento do mercado interno e a acelerao da crise como crise real. Assistimos pois a umafuga para frente que no resolver nada. (...). O problema saber quanto tempo se poder ter como nicomtodo de poltica econmica criar mais e mais liquidez,... Ser possvel que no haja limites criao de capitalfictcio sob a forma de liquidez para manter o valor do capital fictcio j existente? Esta me parece uma hiptesedemasiado otimista e, entre os economistas norte-americanos, muitos duvidam disso. (CHESNAIS 2008, p.49/50).7 At meados de 2009, a crise custou mais de US$ 10 trilhes aos governos de todo o mundo. Algumaseconomias se preparam para enfrentar sua pior dvida pblica desde a Segunda Guerra Mundial. Os dados so doFundo Monetrio Internacional (FMI), que estima um gasto, apenas dos pases ricos, no valor de US$ 9,2trilhes para salvar bancos e dar liquidez ao mercado financeiro. O montante j gasto e prometido por governospara ajudar as instituies financeiras equivale a quase oito vezes o PIB brasileiro, de cerca de US$ 1,5 trilho.Alm de ter de emprestar e salvar bancos, governos viram suas arrecadaes despencarem diante da queda daproduo e do consumo. Por isso, o FMI alerta que a crise ter um efeito de longo prazo. At 2014, projeta-se

    que as dvidas do governo do Japo somaro 239% de seu PIB, na Itlia, 132% do PIB, e nos EUA, elas saltarode 63% do PIB para 112%. Segundo o Fundo, os pases ricos devero atingir um dficit em seu oramento de10,2% de seus PIBs ao final do ano. Para muitos pases, esse ser o maior dficit desde o final da SegundaGuerra Mundial.

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    Para isso, o capital no tem alternativa seno continuar a fazer o que j vem sendo feito:

    socializar seus prejuzos, sequestrar o Estado para seus prprios fins, ampliar o desemprego,

    reduzir a massa salarial, aumentar a produtividade do trabalho e empreender os mais duros

    ataques, as mais pesadas perdas e as maiores derrotas classe trabalhadora8.

    A bolha ideologicamente inflada do fim da histria, do fim das classes e da luta de

    classes em meio emergncia de um capitalismo imune a crises e de uma nova era de

    prosperidade universal encontrou terreno favorvel para se expandir no perodo subsequente

    restaurao capitalista, mas no resistiu prova da histria. A atmosfera poltico-ideolgica

    dos anos que se seguirem restaurao capitalista sofrer abalos proporcionais s dimenses

    da crise. Seus desdobramentos histricos, hoje como sempre, dependero da luta de classes. A

    prpria experincia histrica demonstra que a disputa entre as classes e entre os Estados e

    toda uma srie de fatores subjetivos e essencialmente polticos exercem sempre um papel

    objetivo na economia, sobretudo na dinmica de suas crises. No por outra razo que hoje,

    como sempre, os limites das aes que podero ser tomadas pela burguesia, pelos Estados

    nacionais e pelos organismos internacionais para restaurar as condies de reproduo

    ampliada do capital sero os limites que a luta de classes estabelecer. Assim como no h

    crise final do capitalismo como resultado de um processo econmico que dispense a atividade

    histrica consciente da classe trabalhadora, no h sada automtica e puramente econmica

    para as crises do capital que dispense a burguesia de utilizar o Estado para descarregar o peso

    da crise nos ombros da classe que gera toda a riqueza socialmente produzida.

    8A experincia histrica demonstra que a sada para as principais crises que o capitalismo enfrentou at aquisempre exigiu a destruio violenta de grande quantidade de foras produtivas, a conquista de novos mercadose a explorao mais intensa dos antigos; o aumento da explorao do trabalho e o recurso s mais diversasformas de interveno do Estado para resgatar o capital de sua crise; um intenso processo de concentrao ecentralizao de capitais e novas rodadas de reestruturao produtiva que aumentem a extrao de mais-valiarelativa e de mais-valia absoluta; a expanso imperialista, a guerra e macios investimentos na corridaarmamentista e no complexo militar-industrial meios violentos portanto, amparados pela contrarrevoluoquando necessrio, que quando no levaram revoluo contra o capital sempre resultaram, de uma forma ou deoutra, na restaurao ampliada de suas condies de valorizao. A histria demonstra que no h como ser de

    outra forma e no por outra razo que tempos de crise sempre foram, em maior ou menor medida, tempos derevoluo, em que a luta de classes, assumindo a forma de uma forte polarizao entre revoluo e contra-revoluo, sempre decidiu os rumos da histria, configurando uma nova correlao de foras por um perodomais ou menos longo, at que uma nova crise volte a irromper.

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    2. A crise de superproduo se manifesta financeiramente na era do imperialismo e do

    domnio global do capital financeiro

    Para Marx, superacumulao ou sobreproduo de capitais e queda da taxa de lucro

    so expresses diversas de um mesmo processo: a queda da taxa de lucro expressa-se

    dialeticamente como resultado inevitvel do processo de superacumulao de capitais e, na

    mesma medida, como causa determinante de sua paralisao. As bolhas especulativas que se

    formam periodicamente no sistema financeiro no so expresses de uma crise financeira:

    elas so a expresso concreta da existncia de uma massa de capitais que excede as condies

    de sua reproduo ampliada. Expresso, portanto, de uma contradio entre a massa de

    capitais sobreacumulados e os limites colocados pela extrao de mais-valia adicional a partir

    da mais-valia j acumulada como capital. A crise de superproduo a manifestao

    explosiva desta contradio, que desencadeia o derretimento em larga escala dos capitais

    fictcios e a dbcle do sistema financeiro para depois atingir a produo industrial e se

    alastrar pelo conjunto da economia9.

    O desenvolvimento do sistema de crditos e dvidas, do mercado de moedas, das

    sociedades acionrias e das bolsas de valores; a fuso do capital comercial, do capital

    bancrio e do capital industrial e a imensa concentrao e centralizao de capitais na era do

    capital monopolista; a reproduo parasitria do capital atravs da dvida dos Estados; a

    privatizao da previdncia, o surgimento dos fundos de penso, a multiplicao dos fundos

    de investimento e da oferta de ativos financeiros de natureza essencialmente especulativa, a

    criao dos fundos soberanos dos Estados e a utilizao da poupana em fundos de

    investimento de longo prazo, tudo isso obedece necessidade do capital de superar os limites

    que se recolocam sempre sua reproduo indefinidamente ampliada. Mas o capital

    9No estamos diante de uma crise financeira, ou de uma crise de novo tipo; estamos mais uma vez diante deuma crise clssica, originada pela queda da taxa de lucro, que se v agravada pelo carter cada vez maisespeculativo do capitalismo e a hipertrofia do circuito financeiro. H uma presso cada vez mais feroz doscapitais circulantes sobre a mais-valia extrada, que derruba a taxa de lucro. (ITURBE, 2008. p. 22).

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    financeiro no pode suprimir as contradies que lhe deram origem: como expresso direta da

    contradio entre a super-produo de capitais e o estreitamento relativo das bases materiais

    de sua valorizao, ele pode adiar por algum tempo a exploso das contradies entre a super-

    produo de capitais e a tendncia queda da taxa de lucro, mas no pode suprimi-las pela

    criao de valor adicional. As contradies inerentes ao processo de produo do capital e os

    limites estruturais que resultaram no prprio desenvolvimento histrico do capital financeiro

    voltam sempre de novo a recolocar-se, de forma cada vez mais ampliada e explosiva10.

    Desde o surgimento e desenvolvimento do capital financeiro, todas as crises do

    capitalismo assumiram a forma j clssica do desabamento do mercado financeiro e da imensa

    montanha de crditos, dvidas e ativos podres que foi se formando em seu interior. Embora

    seja o ponto de partida das crises, o sistema financeiro no nunca sua causa determinante. O

    capital financeiro cresce medida que cresce a quantidade de mais-valia historicamente

    acumulada que sobre-excede as possibilidades de seu investimento direto na extrao de

    mais-valia; ele aumenta, portanto, na medida em que aumenta o volume da produo

    10Estes limites so dados: a) pelo consumo dos indivduos relativamente limitado perante uma capacidade deinvestimento e de produo crescente, que no acompanhada, na mesma proporo e velocidade, pela expansoda massa salarial e pela ampliao dos mercados consumidores e das fontes de extrao de matrias-primas e demais-valia. Esta contradio determina que parte do lucro acumulado ou no possa ser reinvestido, ou casoinvestido, j no consiga realizar-se em sua totalidade, desacelerando ou mesmo interrompendo o processo deexpanso do capital; b) medida que a concorrncia entre os capitais determina o aumento da produtividade dotrabalho e a substituio cada vez mais acelerada do trabalho vivo pelo trabalho morto, produzem-semodificaes correspondentes na composio orgnica do capital, com o aumento sistemtico do capital

    constante (meios de produo) em relao ao capital varivel (fora de trabalho). O aumento da participao docapital constante na composio orgnica do capital acaba por determinar uma diminuio proporcional doinvestimento em capital varivel, e consequentemente, um decrscimo da base de extrao de mais-valia emrelao ao montante total do capital investido. Como a quantidade de capitais investidos torna-se cada vez maiorem relao capacidade de extrair mais-valia adicional mediante o investimento da mais-valia j acumulada,mais cedo ou mais tarde a queda da taxa de mais-valia termina por pressionar para baixo a taxa de lucro; c) esteslimites so recolocados, em escala ampliada, pelo desenvolvimento histrico do capital financeiro como tentativade empreender uma fuga para frente diante das contradies de base do capital. Num primeiro momento, aoferta ampliada de crdito aumenta a quantidade de capitais circulantes, amplia a capacidade de investimento e,deste modo, estende as margens e esferas de reproduo ampliada do capital pela produo e extrao de mais-valia adicional a partir do investimento da mais-valia j acumulada como capital. O processo de financeirizaodo capital produz assim o sobreincremento de sua composio orgnica: tendncia de aumentar a proporodos investimentos em capital constante em relao aos montantes investidos em capital varivel, acrescenta-se a

    massa de capitais que, sem produzir valor nem mais-valia, aumentam o volume global de capital circulante econcorrem ferozmente para apropriar-se de parcela cada vez maior da mais-valia adicional produzida. Todo estemovimento de expanso dos capitais interrompido quando a massa crescente de capitais sobre-investidos j nopode continuar a ser alimentada, no mesmo ritmo, pela produo e extrao de mais-valia adicional.

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    capitalista, constituindo uma poderosa mola de expanso do processo de reproduo ampliada

    do capital em suas fases de crescimento. Mas ele no cria mais-valia adicional a partir da

    mais-valia j acumulada. O resultado desta contradio a formao recorrente de imensas

    bolhas especulativas nos mercados de capitais, cujo estouro assume primeiramente a forma de

    uma crise financeira, que na verdade nada mais do que a expresso aparente de uma crise

    econmica real.

    Os mitos ideologicamente tecidos em torno de uma nova economia que teria

    superado os limites da lei do valor e da mais-valia e as crises peridicas de super-produo,

    baseada no regime de acumulao financeira, nos mtodos flexveis da reestruturao

    produtiva, na extrao de mais-relativa e nos ganhos de produtividade gerados pelas novas

    tecnologias de informao e comunicao, no resistiram prova da histria. Tanto o capital

    comercial como o capital bancrio, ainda que tenham se desenvolvido historicamente antes do

    capital industrial, so estruturalmente dependentes da produo e da extrao de valor

    excedente pelo capital industrial. O capital financeiro no pode suprimir a contradio que o

    impulsiona; sua existncia apenas permite desloc-la, at que ela volte a se colocar com mais

    intensidade, j que a pletora de capitais excedentes no pra de crescer e tornar-se cada vez

    mais desproporcional em relao s condies reais de sua valorizao.

    3. Crise de superproduo, queda da taxa de lucro e crise estrutural do capital

    Chegamos assim a uma situao em que a anlise da curva de longo prazo do

    crescimento capitalista e de suas tendncias estruturais j no permite que suas crises possam

    ser consideradas como um desvio anmalo numa curva virtuosa de crescimento ampliado e

    indefinido. O ritmo de crescimento da economia mundial vem diminuindo nas ltimas quatro

    dcadas e, ao que tudo indica, tende a desacelerar-se cada vez mais no futuro11. A despeito

    das diferenas decorrentes das diversas modalidades de clculo adotadas nestes estudos, eles

    convergem em apontar que, depois de um forte crescimento nos anos do ps-guerra at 1967,

    11Alguns importantes estudos que tratam deste assunto, com diferentes metodologias de clculo, mas todos elesapontando para uma tendncia consistente de queda da taxa de lucro nas ltimas quatro dcadas: (SHAIKH,1991), (DUMNIL e LVY, 2005) e (GONZLEZ, 2007).

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    uma tendncia de queda at 1980, uma recuperao irregular at 2000, seguida de nova queda

    e de uma nova recuperao entre 2003 e 2005, desde 2006 a taxa de lucro entrou em queda

    livre. A taxa de lucro em 2004 no s era bem menor que em 1967, mas tambm menor que o

    pico da taxa de lucro nos anos 90, que jamais chegou a se aproximar dos nveis atingidos no

    longo perodo de crescimento do ps-guerra.

    Estes estudos demonstram empiricamente a queda da taxa de lucro e que ela coincide

    com o incio dos perodos de crise. Demonstram que, desde o final da dcada de 60,

    estabeleceu-se um padro de ciclos de expanso da taxa de lucro cada vez mais curtos,

    interrompidos com frequncia cada vez maior por perodos de queda, em que a recuperao se

    d sempre em nveis mais baixos que no perodo anterior, o que se espelha na prpria curva

    do PIB mundial ao longo deste perodo. Demonstram, sobretudo, que a trajetria

    historicamente ascendente da taxa de lucro foi revertida j h quatro dcadas. Estamos assim,

    ao que tudo indica, diante de uma inflexo histrica na trajetria da taxa de lucro. A lei

    tendencial da queda da taxa de lucro formulada por Marx havia sido contrabalanada pelo que

    ele mesmo havia exposto como a ao de seus mecanismos compensatrios durante o longo

    perodo de ascendncia histrica do sistema do capital em escala mundial12, o que fez com

    que muitos imaginassem que ela havia sido desmentida e que o capitalismo seria de fato capaz

    de reproduzir-se de forma indefinidamente ampliada. Hoje, podemos dizer que esta aparncia

    no resistiu prova da histria: enquanto os fatores contrrios lei predominaram sobre a sua

    dinmica interna, a taxa de lucro manteve-se numa trajetria histrica de crescimento; desde

    que estes mesmos fatores j no so capazes de compensar as determinaes da lei, a taxa de

    lucro entrou numa trajetria em queda.

    12Na formulao de Marx, os fatores que agem contrariamente lei tendencial da queda da taxa de lucro so: oaumento do grau de explorao do trabalho; a reduo dos salrios; a queda no preo dos elementos do capitalconstante e do capital varivel; a formao de uma super-populao relativa como consequncia do crescimentodo desemprego determinado pela dinmica de substituio do trabalho vivo pelo trabalho morto, que pressionapara baixo o preo da fora de trabalho; a dvida pblica; o comrcio exterior; e o aumento do capital em aes,

    com o desenvolvimento do sistema financeiro. Outros fatores que surgiram historicamente depois da obra deMarx poderiam ser acrescentados, como o papel do Estado como estrutura poltica de comando do capital nofinanciamento e na regulao das condies de sua reproduo ampliada e no desenvolvimento do complexomilitar-industrial. (MARX, 1894).

  • 7/22/2019 CRISE DE SUPERPRODUO E CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

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    H razes estruturais para esta inflexo numa poca em que o sistema inerentemente

    autoexpansivo do capital se acha em vias de concluir sua expanso como sistema globalmente

    expandido e integrado. Quando o planeta est em vias de ser inteiramente colonizado pela

    autorreproduo destrutiva do capital, as condies de sua valorizao indefinidamente

    ampliada no podem deixar de se tornarem a cada dia mais estreitas. J no h novas fontes

    de matria-prima, fora de trabalho e extrao de mais-valia e novos mercados consumidores

    que possam ser incorporados nas mesmas propores do passado. J no h novos territrios,

    povos e recursos naturais a serem absorvidos pela expanso imperialista como ao longo dos

    sculos de histria do processo de mundializao do capital. As possibilidades de uma

    autorreproduo indefinidamente ampliada do capital so dadas, em ltima anlise, pelos

    limites do planeta, que so os limites do capitalismo. Na sia e nos pases mais pobres da

    frica e Amrica Latina o capitalismo est se lanando hoje explorao de suas ltimas

    fronteiras em sua busca freneticamente devastadora por recursos naturais e explorao de

    mo-de-obra cada vez mais barata.

    Voltamos assim a nosso ponto de partida: a crescente insuficincia do processo de

    extrao de mais-valia diante do estoque de capitais historicamente sobreacumulados, que

    vem determinando, na mesma medida, uma violncia crescente no processo de explorao do

    trabalho e extrao de mais-valia e de devastao predatria e cada vez mais acelerada do

    meio-ambiente. As condies de reproduo indefinidamente ampliada do capital so

    restringidas, em ltima anlise, pelos limites que lhe so impostos pelas duas nicas fontes de

    produo de valor e de toda a riqueza socialmenteproduzida: a natureza e a capacidade de

    trabalho dos seres humanos. No que diz respeito natureza, os limites do capitalismo so os

    limites do planeta: quanto mais estes limites so ativados, mais elevados se tornam os custos

    da natureza e mais restritas as possibilidades de reproduo ampliada do capital. O que aqui

    est em jogo no propriamente a viabilidade do capitalismo, mas a sobrevivncia da

    humanidade: na era da produo destrutiva, j deve estar suficientemente claro para todos em

    que medida a reproduo indefinidamente ampliada do capital representa uma ameaa letal s

    bases sciometablicas mais elementares da existncia humana em nosso lar planetrio.

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    No quer diz respeito ao trabalho, Marx demonstrou que o desenvolvimento das foras

    produtivas, medida que restringe a participao do trabalho vivo na produo de valor em

    relao ao montante de capital constante (trabalho morto que substitui o trabalho vivo na

    forma de maquinaria) e de capitais sobreacumulados que buscam as condies de sua

    valorizao (sobreincremento da composio orgnica do capital, na forma da hipertrofia

    crescente do capital financeiro), restringe tambm as condies de extrao de mais-valia

    adicional a partir do investimento da mais-valia j acumulada, determinando a queda da taxa

    de lucro13, e com ela, o acirramento inevitvel de todas as contradies, antagonismos e

    limites histricos e estruturais do capital.

    Na concorrncia entre os capitais, a substituio do trabalho vivo pelo trabalho morto

    torna-se inevitvel medida que ela aumenta a produtividade do trabalho e a capacidade de

    extrao de mais-valia relativa, diminuindo os custos de produo das mercadorias. Com isso,

    imaginou-se que os limites fsicos e sociais para a extrao da mais-valia absoluta poderiam

    ser superados permanentemente pelas vastas possibilidades abertas pela extrao de mais-

    valia relativa, abrindo espao para a nova economia e para a reproduo indefinidamente

    ampliada do capital na sociedade do conhecimento. Todavia, medida que a substituio do

    trabalho vivo pelo trabalho morto altera a composio orgnica do capital, tornando a base de

    extrao de mais-valia (investimento em capital varivel) cada vez menor em relao ao

    montante de capitais investidos diretamente em maquinaria (capital constante) e de capitais

    sobreacumulados no sistema financeiro, a tendncia de queda da taxa de mais-valia em

    13 A mais-valia origina-se apenas da parte varivel do capital, e vimos que a quantidade de mais-valia determinada por dois fatores: a taxa de mais-valia e o nmero de trabalhadores empregados ao mesmo tempo.Dada a jornada de trabalho, a taxa de mais-valia determinada pela proporo em que a jornada se reparte emtrabalho necessrio e trabalho excedente. O nmero dos trabalhadores ocupados depende da proporo existenteentre capital varivel e capital constante. claro que a produo mecanizada, por mais que amplie, aumentandoa produtividade do trabalho, o trabalho excedente custa do trabalho necessrio, s obtm este resultadodiminuindo o nmero de trabalhadores ocupados por dado montante de capital. Ela transforma uma parte docapital que antes era varivel, investido em fora viva de trabalho, em maquinaria, em capital constante, que no

    produz mais-valia. impossvel, por exemplo, que dois trabalhadores forneam tanta mais-valia como 24. Secada um dos 24 trabalhadores proporcionar, em 12 horas, apenas uma hora de trabalho excedente,proporcionaro em conjunto 24 horas de trabalho excedente, enquanto o trabalho total de dois ser apenas de 24horas. (...). (MARX, 2003 p. 464/65).

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    relao massa de mais-valia e ao prprio montante de capitais investidos inevitvel14. Esta

    tendncia de queda s pode ser contrabalanada pelo aumento da taxa de explorao do

    trabalho (prolongamento da jornada de trabalho, intensificao de seu ritmo, queda da massa

    salarial, em suma, aumento na extrao de mais-valia absoluta), que se torna possvel a partir

    do momento em que o processo histrico de substituio do trabalho vivo pelo trabalho morto

    produz o desemprego de massas em escala cada vez mais ampliada15e, com ele, a queda do

    valor da mercadoria fora de trabalho e as condies da precarizao sistemtica das

    condies de vida e de trabalho da imensa maioria da classe trabalhadora mundial.

    Se por um lado o aumento da produtividade produz a diminuio do tempo de trabalho

    necessrio e o aumento do tempo de trabalho excedente cujo valor pode ser apropriado pelo

    capitalista, gerando aumento imediato da taxa de mais-valia e da taxa de lucro, por outro, na

    medida em que leva ao incremento sistemtico do capital constante na composio orgnica

    do processo global de produo do capital, ele acaba produzindo, no longo prazo, a tendncia

    de queda da taxa de lucro para o sistema como um todo. Os ganhos de produtividade aferidos

    pelo capitalista individual num primeiro momento, na forma de um acrscimo na extrao de

    mais-valia relativa, ao serem depois incorporados pelos outros capitais, geram a taxa mdia

    14 O maior exemplo emprico desta lei, consideravelmente reforada pelo sobreincremento da composioorgnica do capital provocado pelo crescimento vertiginoso da massa de capitais que circula nos mercadosfinanceiros, a vertiginosa queda do crescimento econmico nos pases imperialistas e, particularmente, no

    Japo: no pas mais automatizado do planeta, em que a substituio do trabalho vivo pelo trabalho morto foimais longe, a estagnao econmica instalou-se desde o incio dos anos 90, com a taxa de lucro em quedaconstante e o crescimento do PIB apresentando tendncia negativa que ir apenas acentuar-se com a criseeconmica mundial e pode levar a uma queda de at 15% do PIB em 2009; caso ela se confirme, serprovavelmente a maior em todo o mundo para este ano.15Portanto, a frmula da maquinaria : no a diminuio relativa da jornada individual de trabalho jornadaesta que parte necessria da jornada de trabalho mas a reduo da quantidade de trabalhadores, isto , dasmuitas jornadas paralelas, formadoras de uma jornada coletiva de trabalho, fundamental constituio damaquinaria. Em outros termos, uma quantidade determinada de trabalhadores posta para fora do processo deproduo e seus postos de trabalho extintos como sendo, ambos, inteis produo de mais-trabalho. (...) Otrabalho passado juntamente com a circulao social do trabalho so apreendidos como meios de tornarsuprfluo o trabalho vivo. (...) A oposio entre capital e trabalho assalariado desenvolve-se, assim, at sua plenacontradio. no interior desta que o capital aparece como meio no somente de depreciao da capacidade viva

    de trabalho, mas tambm como meio de torn-la suprflua. Em determinados processos isso ocorre porcompleto; em outros, essa reduo se efetua at que se alcance o menor nmero possvel no interior do conjuntoda produo. O trabalho necessrio coloca-se, ento, imediatamente como populao suprflua, como excedentepopulacional aquela massa incapaz de gerar mais trabalho. MARX, (2005, p. 237/38).

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    cada vez mais elevada de produtividade do trabalho e a tendncia concomitante queda nos

    preos das mercadorias. Com a concorrncia implacvel entre os capitais particulares pelo

    aumento na extrao de mais-valia relativa e pelo barateamento do valor das mercadorias,

    forma-se o crculo vicioso determinante para que prevalea ao final a tendncia de queda da

    taxa de lucro para o sistema do capital como um todo.

    Chegamos assim a uma situao em que, quanto mais o capital busca superar seus

    limites pelo aumento da extrao de mais-valia relativa mediante o desenvolvimento

    tecnolgico, maior se torna a proporo de investimento em capital constante em relao ao

    investimento em capital varivel, mais estreitas as bases de extrao de mais-valia em relao

    ao montante de capitais investidos, e menor a taxa de lucro para o sistema como um todo.

    Com a produtividade mdia do trabalho cada vez mais elevada e a substituio cada vez mais

    intensa do trabalho vivo pelo trabalho morto, o montante de capitais investidos em meios de

    produo torna-se cada vez mais elevado em relao ao montante investido em fora de

    trabalho, produzindo o desemprego estrutural de massas e a tendncia estrutural de longo

    prazo queda da taxa de mais-valia e da taxa de lucro para o sistema como um todo.

    Os limites do capital no so dados, portanto, apenas pelos limites da natureza ou

    pelos limites fsicos e sociais que se colocam para a extrao de mais-valia absoluta; eles so

    dados tambm pelos limites e contradies estruturais que se colocam para a expanso

    indefinida da extrao de mais-valia relativa. Uma vez que a massa de capitais cresce mais

    rapidamente que a massa salarial e o desemprego no cessa de aumentar com o aumento da

    produtividade do trabalho, a capacidade de consumo dos produtores de riqueza no

    acompanha no mesmo ritmo a expanso do investimento, da produo e da acumulao de

    capitais, o que contribui para a hipertrofia cada vez maior do capital financeiro, o

    sobreincremento da composio orgnica dos capitais, a queda cada vez mais acentuada da

    taxa de lucro e a tendncia irrupo cada vez mais frequente de crises de superproduo

    cada vez mais intensas.

    Chegamos assim era da produo destrutiva. Nela, o desenvolvimento das foras

    produtivas e dos meios tcnicos de produo, sob a lgica do capital, diminui, relativamente,

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    a capacidade e a, necessidade que tem o capital de empregar trabalho vivo para sua

    reproduo ampliada, provocando a elevao sistemtica do desemprego e a formao do que

    Marx designou como uma superpopulao relativa que j no pode mais ser absorvida pelo

    capital no processo de sua produo16. A tendncia de queda da taxa de lucro s pode ser

    compensada ao longo deste processo medida que a oferta excedente de fora de trabalho

    pressiona para baixo seu valor, tornando mais favorveis as condies para a extrao de

    mais-valia pelo incremento constante do grau de explorao do trabalho. A economia de

    tempo de trabalho propiciada pelo desenvolvimento das foras produtivas, que poderia levar a

    um incremento constante do tempo livre disponvel e a uma quantidade de trabalho necessrio

    cada vez menor para a satisfao de necessidades humanas cada vez mais ampliadas, no

    sistema capitalista traduz-se na escalada do desemprego crescente e da explorao cada vez

    mais violenta do trabalho em meio a um processo de concentrao e centralizao de capitais

    sem precedentes na histria17. O desequilbrio estrutural entre a massa de capitais que excede

    as condies de seu investimento direto na produo e a oferta cada vez mais excedente de

    fora de trabalho converte a classe trabalhadora mundial num imenso exrcito industrial de

    reserva, que no para de crescer com o ritmo cada vez mais acelerado imprimido pela

    substituio macia do trabalho vivo pelo trabalho morto. Neste quadro, a queda da taxa de

    lucro obriga o capital a deslocar a produo industrial para pases que oferecem mo-de-obra

    16A lei da populao formulada por Marx no Livro I do O Capital, Parte Stima, XXIII, foi historicamenteconfirmada pelo prprio desenvolvimento histrico do capitalismo. No sculo XIX e durante boa parte do sculoXX, depois da expropriao dos camponeses e dos artesos e da formao do proletariado industrial na Europa, asuperpopulao relativa produzida pelo desenvolvimento histrico do capitalismo industrial no continenteeuropeu foi a principal responsvel pelo povoamento do continente americano. Na segunda metade do sculoXX e no comeo do sculo XXI, com o crescimento do investimento externo direto e o deslocamento daproduo industrial para os pases coloniais e semicoloniais, o mesmo fenmeno se reproduz em escala ampliadanos pases perifricos do sistema do capital: com o desenvolvimento do capitalismo no campo, a produo emmassa do xodo rural, a industrializao e a urbanizao aceleradas e o crescimento exponencial das grandesmetrpoles, o centro da produo crescente da superpopulao relativa deslocou-se para os pases perifricos dosistema, invertendo a tendncia histrica dos fluxos migratrios: hoje eles comeam do campo para a cidade nospases de industrializao recente, e destes mesmos pases para a Europa, os EUA e o Japo, pressionando parabaixo o valor da fora de trabalho em todo o mundo.17A maquinaria, como instrumental que , encurta o tempo de trabalho; facilita o trabalho; uma vitria dohomem sobre as foras naturais; aumenta a riqueza dos que realmente produzem; mas com sua aplicaocapitalista, gera resultados opostos: prolonga o tempo de trabalho, aumenta sua intensidade, escraviza o homempor meio de foras naturais, pauperiza os verdadeiros produtores. MARX, (2003, p. 504).

  • 7/22/2019 CRISE DE SUPERPRODUO E CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

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    barata e abundante, retornando a nveis de explorao semelhantes aos praticados no sculo

    XIX e rebaixando o valor das mercadorias e da fora de trabalho em escala mundial. Esta

    dinmica destrutiva ainda mais agravada pelo fato de que os capitais concorrem no mercado

    mundial, enquanto a autodefesa da classe trabalhadora est ainda confinada aos limites do

    Estado nacional e, de incio e na maior parte das vezes, s condies de sua estratificao

    subordinada na diviso hierrquica e alienada do trabalho social.

    Chegamos assim contradio que se coloca hoje no epicentro do desenvolvimento

    histrico do capitalismo: o desenvolvimento das foras produtivas, o aumento constante de

    sua produtividade e a substituio macia do trabalho vivo pelo trabalho morto no pode ser

    levado s ltimas conseqncias pelo capital sem que se produza a queda cada vez maior da

    taxa de lucro, o crescimento exponencial do desemprego de massas, a queda da massa salarial

    e a precarizao das condies de vida e trabalho da imensa maioria da classe trabalhadora

    mundial. Ali, onde o desenvolvimento das foras produtivas tende a derrubar a taxa de lucro e

    restringir as condies de reproduo do capital, sua permanncia histrica s pode ser

    assegurada pela explorao cada vez maior do trabalho, a ampliao cada vez mais violenta

    do desemprego e a destruio cada vez mais predatria da natureza18. Mesmo que o equilbrio

    18Em 1931, John Maynard Keynes publicou um ensaio com o ttulo Possibilidades econmicas para nossosnetos. Nele, Keynes argumenta que a combinao entre acmulo de capitais e desenvolvimento cientfico etecnolgico, embora produza num primeiro momento o chamado desemprego estrutural, poderia gerar, no longo

    prazo, a soluo para o problema econmico da humanidade. Keynes projeta um desenvolvimento das forasprodutivas que, no prazo de cem anos, nos colocaria muito prximos de nos tornar livres de necessidade detrabalhar para satisfazer as necessidades humanas: segundo suas projees, em torno de 2030 no teramos detrabalhar mais que 15 horas semanais e poderamos dedicar o restante do tempo ao lazer e cultura. Ascondies objetivas para a emancipao do gnero humano estariam dadas e a centralidade histrica daacumulao de riqueza e da lei da produtividade do trabalho perderia seu sentido, permitindo que a humanidaderetornasse a uma tica que condena a usura, a avareza e o amor pelo dinheiro. Mas Keynes nos alerta queenquanto este tempo no chegar, por pelo menos mais um sculo devemos fingir para ns mesmos e para osoutros que o justo injusto e o injusto justo; pois o injusto til e o justo, no. O que o otimismo de Keynesno leva em considerao so as determinaes objetivas e subjetivas que decorrem das relaes sociais deproduo, propriedade e poder inerentes ao capitalismo: enquanto estas relaes perdurarem, toda a economia detempo de trabalho propiciada pelo aumento permanente de sua produtividade ter de continuar a ser absorvidapelo processo global de produo do capital, fazendo com que o desemprego no cesse de incrementar a

    explosiva formao de uma crescente superpopulao relativa, cuja existncia permite que o prolongamento dajornada de trabalho, sua intensificao e a prpria queda no valor da fora de trabalho sejam sistematicamenteutilizados como o principal recurso de que dispe o capital para contrabalanar a tendncia estrutural queda dataxa de lucro.

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    rompido pela crise seja mais uma vez restaurado a partir da interveno dos Estados, as

    condies de reproduo ampliada do capital sejam restabelecidas e os limites de sua

    dominao mais uma vez estendidos, as dimenses da crise e as duras medidas que o capital

    inevitavelmente ter de tomar para super-la apontam, no prximo perodo, para o previsvel

    agravamento de todas as suas contradies, antagonismos e tendncias estruturalmente

    destrutivas.

    4. A era da produo destrutiva e o desafio histrico do socialismo

    Se o equilbrio da ordem do capital em crise vier a ser restaurado, como tudo indica,

    sob que bases, com que custos e por quanto tempo este equilbrio ainda poder se impor? A

    crise de 2008/09 prepararia crises ainda mais extensas e duradouras, assim como a

    diminuio dos meios de evit-la? Diante da marcha cada vez mais acelerada dos processos

    destrutivos, o capital ainda se acharia em condies de desenvolver as foras produtivas,

    preservar as bases naturais da vida, restaurar as condies de sua reproduo ampliada e fazer

    progredir a humanidade?19Ou estaramos entrando numa poca de destruio e declnio das

    foras produtivas, de acirramento da contradio entre as foras produtivas e as relaes

    sociais de produo, propriedade e poder uma poca da histria da luta de classes que ser

    marcada por crises, guerras e revolues, uma poca revolucionria portanto, em que estar

    mais uma vez colocada aos revolucionrios de todo o mundo a tarefa consciente de construir

    as condies para a retomada da ofensiva socialista em escala mundial20?

    19A questo central desenvolvida por Istvn Mszros em sua obra resume as questes e desafios colocados humanidade no sculo XXI: Sob que condies o processo de expanso do capital pode atingir seu final em umaescala verdadeiramente global, trazendo consigo, necessariamente, o fim das revolues esmagadas edeturpadas, abrindo assim a nova fase histrica de uma ofensiva socialista que no pode ser reprimida? Ou paracolocar de outro modo: quais so as modalidades viveis embora de modo algum inexaurveis derevitalizao do capital, tanto com respeito s suas vlvulas de escape diretas como em relao ao seu poder deadquirir novas formas que significativamente estendam suas fronteiras no marco de suas determinaes ltimas ede seus limites histricos mais gerais? MSZROS, (2002, p. 591).20Em 1926, Trotsky abordou a mesma questo que se nos coloca hoje nos seguintes termos: Se o mundo do

    capital pudesse gerar agora uma nova ascenso orgnica e se encontrasse um novo equilbrio como base para umdesenvolvimento ulterior das foras produtivas, ns, como Estado socialista, entraramos em colapso. Pode-seilustrar isso de forma terica e prtica em duas palavras. Teoricamente, porque uma ascenso do capital naEuropa criaria uma tecnologia colossal para a burguesia, e mudaria a psicologia do proletariado. Se o

  • 7/22/2019 CRISE DE SUPERPRODUO E CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

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    Vivemos num mundo cada vez mais claramente ameaado nas condies de sua

    existncia pela autorreproduo destrutiva do capital. Sob a compulso devastadora da

    maior mquina de extrao de trabalho excedente(MARX, K) que j existiu na histria,

    produzimos e reproduzimos, alienadamente, a totalidade histrica de um modo de vida que,

    como j o sabemos, no pode prosseguir por muito mais tempo sem comprometer as

    condies mais elementares da existncia em nosso lar planetrio. Esta proposio, j

    objetivamente demonstrada por todos os meios empricos e cientficos, enuncia a condio, o

    tema e o desafio histrico da poca que se abre a nossa frente: num mundo socialmente

    subsumido pela subjetividade nica e global do capital(MARX, K), pela primeira vez na

    histria os processos produtivos e reprodutivos da vida genrica da espcie humana e seu

    intercmbio com a natureza se articularam em escala global e impulsionam, em sua mais

    absoluta normalidade, a escalada avassaladora da produo destrutiva em escala

    verdadeiramente planetria. Em seu desenvolvimento histrico, a realizao do capital como

    sistema globalmente expandido e integrado construiu um mundo em que a devastao

    planetria j no um espectro abstratamente projetado num futuro longnquo e improvvel,

    mas a escalada insustentvel e incontrolvel de um processo autodestrutivo que s poder ser

    revertido mediante a supresso histrica do poder social do capital.

    medida que a flagrante ameaa que a reproduo indefinidamente ampliada do

    capital representa s bases sociometablicas da vida humana se tornar cada vez mais concreta

    e urgente, o questionamento sistemtico e generalizado dos valores, das formas da

    proletariado v que o capitalismo pode levantar a economia nacional, isto se refletir inevitavelmente sobre aclasse operria que tratou de fazer uma revoluo, foi esmagada, e experimentou um desengano. Se ocapitalismo leva a economia para cima, ter conquistado o proletariado pela segunda vez, arrastando as massasatrs dele. Desde o ponto de vista terico, vemos que o socialismo tem direito a existir precisamente porque ocapitalismo no capaz de desenvolver as foras produtivas.Nossa revoluo cresceu sobre bases econmicas eantes da revoluo ramos parte integrante da economia mundial. Se o capitalismo for capaz de desenvolver asforas produtivas, teramos de chegar concluso de que nos equivocamos desde a raiz em nosso prognstico o capitalismo uma fora progressiva, desenvolve suas foras produtivas mais rpido que ns; o bolchevismochegou ao poder demasiado cedo, e a histria castiga muito rudemente os nascimentos prematuros. Isto seriaassim se o prognstico otimista para o capitalismo tivesse alguma base. Mas tem alguma base? difcil

    demonstrar. Mas no momento a burguesia no pode prov-lo, e no pode faz-lo. Na Europa no h nenhumdesenvolvimento das foras produtivas. O que est acontecendo so crises e uma fratura das foras produtivasdisponveis. este o fato bsico. Portanto, devemos dizer que o socialismo tem direito a existir, a sedesenvolver e a todas as esperanas de vitria. TROTSKY, (2008, p. 95).

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    conscincia e das relaes sociais de produo, propriedade e poder que estruturam a ordem

    do capital pode se tornar mais uma vez inevitvel. A longa ascendncia histrica do sistema

    do capital chegou a seu fim no momento em que a mundializao do capital acirrou todas as

    suas contradies, antagonismos e tendncias estruturalmente destrutivas. Com a marcha cada

    vez mais acelerada de sua autorreproduo destrutiva, as relaes sociais de produo,

    propriedade e poder inerentes ao capitalismo entraram em contradio com o

    desenvolvimento histrico das foras produtivas e com os prprios limites da natureza. Isso

    no quer dizer que o capitalismo desaparecer afogado na barbrie de sua prpria crise final:

    a contradio entre o desenvolvimento das foras produtivas e as relaes de produo s

    pode ser resolvida pelo desenvolvimento histrico de um modo de vida e de produo capaz

    de preservar suas bases naturais da vida e transformar as foras produtivas historicamente

    desenvolvidas na base material adequada para a satisfao das necessidades humanas em

    escala sempre ampliada e a produo crescente de tempo livre disponvel para todos os

    indivduos a verdadeira medida de toda a riqueza, de todo valor e de toda a beleza que ainda

    podem conter a condio humana numa sociedade comunista.

    Em meio marcha cada vez acelerada dos processos autodestrutivos em curso, o

    primeiro sculo da revoluo social chegou ao fim, mas no encerrou a poca mais

    revolucionria da histria. As contradies e antagonismos estruturais do capital no foram

    suprimidos pela restaurao capitalista e pela ofensiva poltica, ideolgica e econmica que se

    lhe seguiu nas ltimas dcadas. Se a revoluo foi banida do horizonte durante o perodo

    marcado pela restaurao do capitalismo e a hegemonia do reformismo sem reformas exerce

    hoje um papel crucial na administrao da crise completa do capital, com o aprofundamento

    da crise estrutural do capital as estratgias reformistas e nacionalistas sero definitivamente

    postas prova21. Seu fracasso, ao pr em evidncia a profundidade da crise do capital e a crise

    21Entre 1999 e 2003, a Amrica Latina foi palco de uma srie de situaes revolucionrias que tiveram seuepicentro na Bolvia, no Equador, na Venezuela e na Argentina. Sob o peso do imenso saque de riquezas

    desencadeado pelas polticas privatizantes que foram impostas regio pelo imperialismo, a decomposio dospartidos burgueses tradicionais e a derrubada sucessiva de governos pelo movimento de massas tornou-seinevitvel, dando lugar a uma srie de governos de esquerda e centroesquerda, em que o recurso s velhasfrmulas do nacionalismo burgus e pequeno burgus e a novas edies da poltica de frente popular foi mais

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    de direo do proletariado mundial, pode recolocar na ordem do dia o desafio histrico de

    uma estratgia socialista, internacionalista e revolucionria no sculo XXI.

    Mesmo que as condies subjetivas necessrias ao desenvolvimento de uma situao

    revolucionria em escala mundial ainda no estejam presentes duas dcadas aps os

    acontecimentos que determinaram o fim do primeiro sculo da revoluo social, as bases

    objetivas para a retomada das lutas da classe trabalhadora no prximo perodo sero as mais

    favorveis desde a restaurao do capitalismo. A crise de direo do proletariado mundial no

    uma determinao ontolgica. Se a imensa maioria das direes e representaes sociais,

    sindicais e polticas da classe trabalhadora j no possuem qualquer representatividade ou

    insero concreta no seio da classe, se a maioria delas j no possui qualquer autonomia

    material, poltica ou organizativa diante do Estado e da patronal, nada nos autoriza a supor

    que a profunda crise de direo porque passa o proletariado mundial no possa comear a ser

    superada por um amplo processo de reorganizao da classe trabalhadora, que encontrar

    condies cada vez mais favorveis a seu desenvolvimento numa conjuntura marcada pela

    necessidade concreta de autodefesa da classe trabalhadora.

    O papel exercido pelos governos de esquerda e centroesquerda na sustentao do

    regime poltico e da prpria ordem social do capital tende a se esgotar historicamente diante

    da magnitude de sua crise. Seu controle sobre a maior parte das organizaes e direes do

    movimento de massas pode ser colocado em xeque medida que a necessidade de autodefesa

    da classe trabalhadora se fizer sentir cada vez mais dramaticamente. Se as relaes sociais de

    produo, propriedade e poder que estruturam a sociedade capitalista ainda no esto em

    questo, os desdobramentos histricos da maior crise do capitalismo desde 1929 podem abrir

    novamente espaos para o desenvolvimento de situaes revolucionrias em que estar

    colocado, pela primeira vez desde o fim da URSS, o colapso do stalinismo e a capitulao

    completa da socialdemocracia, o desafio histrico de sua direo.

    uma vez empregado para canalizar a insatisfao popular e colocar sob tutela estatal as principais organizaes edirees do movimento de massas. Agora so estes governos que sero postos prova diante da crise que apenascomea a se abater sobre toda a Amrica Latina.

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