crimes contra a administracao publica
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DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
No Título XI da Parte Especial, o CP dispõe acerca dos crimes contra a administração
pública. Referido título é, atualmente, depois das alterações promovidas pelas Leis n°
10.028/2000 e 10.467/2002, composto por cinco capítulos, quais sejam.
- Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionários públicos contra a administração
em geral (artigos 312 a 327);
- Capítulo II – Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral
(artigos 328 a 337-A);
- Capítulo II-A (acrescentado pela Lei n° 10.467/2002) – Dos crimes praticados por
particular contra a administração pública estrangeira (artigos 337-B a 337-D);
- Capítulo III – Dos crimes contra a administração da justiça (artigos 338 a 359); e
- Capítulo IV (acrescentado pela Lei n° 10.028/2000) – Dos crimes contra as finanças
públicas.
O termo administração pública é utilizado pelo CP no sentido de proteção ao interesse
da normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro (Hungria). Atinge,
desse modo, não só as atividades do Poder Executivo, como também a dos demais poderes
constituídos.
Os crimes podem ser cometidos por funcionários públicos e por particulares.
O conceito de funcionário público é aquele conferido pelo art. 327 do CP. Trata-se de
definição bem mais ampla do que a apresentada pelo Direito Administrativo, que emprega,
atualmente, a denominação “servidor público”. Isso porque, para fins penais, é o bastante o
exercício de uma função de natureza e interesse público.
Com efeito, estende-se a qualidade a todas as pessoas que exerçam qualquer atividade
com fins próprios do Estado, ainda que estranhas à administração pública, com ou sem
remuneração (Mirabete). Na lição de Hungria, “não é propriamente a qualidade de
funcionário público que caracteriza o crime funcional, mas o fato de que é praticado por
quem se acha no exercício de função pública, seja esta permanente ou temporária,
remunerada ou gratuita, exercida profissionalmente ou não, efetiva ou interinamente, ou per
accidens (ex.: o jurado, a cujo respeito achou de ser expresso o art. 438 do Código de
Processo Penal; o depositário nomeado pelo juiz, etc.)”.
Cumpre transcrever o referido dispositivo:
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
O caput alcança inclusive os que exercem cargo, emprego ou função de caráter
transitório ou sem remuneração (jurado, depositário judicial, etc). Refere-se aos agentes que
desempenhem cargo, emprego ou função na administração direta (ministérios, secretarias,
etc) e indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas
públicas), pois, para fins criminais, não há a divisão da administração pública nestes ramos.
Originariamente, a primeira parte do §1° (funcionário público por equiparação) constava
no parágrafo único do art. 327, sendo posteriormente renumerado pela Lei n° 6.799/1980 que
inseriu ainda o atual §2°, que contém uma causa de aumento de pena. A Lei n° 9.983/2000,
por sua vez, alterou a redação do §1° para incluir a atual segunda parte do dispositivo.
A despeito da clareza da redação, há grande divergência na doutrina em relação à norma
do art. 327 do CP. Há quem entenda que os empregados das entidades paraestatais não são
considerados como funcionários públicos para efeitos penais, tendo em vista o fato de tais
entes não desempenharem funções próprias do Estado. O entendimento, porém, só subsiste de
lege ferenda.
Outros aduzem que, em relação aos entes previstos no §2°, somente os dirigentes
(ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento) são
considerados funcionários públicos para os efeitos penais. Tal posição, com a devida vênia,
contrasta com a orientação ampliativa da expressão funcionário público, utilizada pelo
Direito Penal.
De fato, a norma não deixa dúvidas: são funcionários públicos, para efeitos penais,
quem exerce cargo, emprego ou função em entidade da administração direta ou indireta, bem
como em entes paraestatais, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração. Se o delito for
cometido por ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de
órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação
instituída pelo poder público, sobre a pena incidirá o aumento de um terço. Porém ante a
ausência de previsão legal, os dirigentes de autarquias não sofrerão a incidência da majorante
do §2°.
Além disso, por força da parte final do §1°, também é funcionário público quem trabalha
para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade
típica da Administração Pública, como serviço de iluminação, saúde, transporte, segurança
pública, energia elétrica, etc. Como afirma Damásio, a norma não alcança a contratos e
convênios firmados sem a finalidade de exercício de atividades típica da a Administração, o
que exclui os funcionários de empresas contratadas para a execução de obras ou serviços de
interesse da própria Administração Pública, como a construção, reforma ou mesmo limpeza
de um edifício público.
Não são funcionários públicos para efeitos penais as pessoas que exercem um munus
público, em casos nos quais prevalece um interesse privado, e que não se confundem com
função pública. São as hipóteses do tutor, curador, inventariante e depositário judicial,
síndico e liquidatário, entre outras.
Divergem-se, ainda, doutrina e jurisprudência acerca da seguinte questão: o conceito do
art. 327 só se aplica aos crimes previstos no Capítulo I ou também aos delitos previstos no
Capítulo II? Ou seja, somente se adota o conceito do art. 327 quando o “funcionário público”
for sujeito ativo do delito, ou também se ele for vítima da ação delituosa? Assim, por
exemplo, questiona-se se o desacato cometido contra funcionário público por equiparação
constitui o delito do art. 331 do CP?
Há ponderável corrente doutrinária (Hungria, Noronha, Capez, Moura Teles) e
jurisprudencial (JSTJ 8/244; RT 483/312; 378/181; 409/70; 606/449) no sentido de que a
equiparação ocorre apenas com relação ao sujeito ativo do crime, fundamentando-se na
disposição topográfica do art. 327, inserido no Capítulo I, que trata dos crimes cometidos por
funcionário público contra a administração.
Acredita-se, no entanto, que a razão está com Fragoso e Mirabete, para o qual
“referindo-se a lei genericamente a ‘efeitos penais’, não há porque se excluir do conceito de
sujeito passivo do crime aqueles que a lei equipara ao funcionário público como agente do
delito (RT 655/324), máxime quando se admite como vítima de crimes praticados contra
funcionários públicos, aqueles que não o são no sentido estrito”. Este é, inclusive, o
entendimento do STF (RT 788/526; 606/449; HC 79.823-RJ, Informativo n° 183).
Cumpre registrar, ademais, que é pacífica a orientação de que o conceito do art. 327 do
CP é aplicado a outros tipos previsto na legislação penal brasileira. A divergência, portanto,
restringe-se aos crimes do Capítulo II.
Doutrinariamente, denomina-se crime funcional o que somente pode ser cometido por
funcionário público, tratando-se de delito próprio. São, por exemplo, os definidos no Capítulo
I. Os crimes funcionais dividem-se em próprios e impróprios. No primeiro caso, retirado o
elemento funcionário público, o fato deixa de ser típico, configurando a hipótese de
atipicidade absoluta, como ocorre nos casos de prevaricação e condescendência criminosa.
Na hipótese de crime funcional impróprio, ausente a elementar funcionário público, ocorre
uma tipicidade relativa, pois o agente responde por outro delito. É o caso do peculato, no qual
a exclusão da ementar funcionário público não retira a possibilidade de existir outro crime,
como apropriação indébita ou furto, conforme o caso.
Cumpre destacar que, mesmo nos crimes funcionais, não se pode deixar de se
reconhecer a possibilidade de o particular responder pelo delito em caso de concurso de
agentes. É que, tratando-se de elementar (e não circunstância), a qualidade de funcionário
público comunica-se ao outro agente, à luz do art. 30 do CP, desde que tenha ingressado na
esfera de seu conhecimento. Neste sentido: RT 683/333; 513/391-2; 712/465; RTJ 71/354.
Neste curso, somente serão analisados os principais delitos contra a administração
pública, previstos nos Capítulos I e II.
1. Peculato (Art. 312)
a) Tipo Penal Fundamental
Art.312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
[...] b) Elementos do Crime – Adequação Típica
O crime de peculato possui diversas figuras típicas. Cuida o caput do peculato próprio,
contendo o peculato-apropriação (1ª parte) e o peculato-desvio (2ª parte); no §1°, há o
peculato impróprio, chamado de peculato-furto; no §2°, o peculato culposo; e no §3°, uma
norma permissiva, que extingue a punibilidade ou diminui a pena.
Doutrinariamente, reconhece-se, ainda, a figura do peculato-malversação, quando o bem
apropriado ou furtado pelo funcionário público pertencer a terceiro particular, encontrando-
se, porém, na posse lícita da Administração. Observa-se que o próprio caput prevê a
possibilidade de apropriação de bem particular.
O tipo penal do peculato próprio é formado pelos núcleos “apropriar-se” “desviar” e
pelos elementos “funcionário público”, “dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel”,
“público ou particular”, “de que tem a posse em razão do cargo”, “em proveito próprio ou
alheio”.
Na modalidade “apropriar-se”, há o chamado peculato-apropriação; na “desviar”, o
peculato-desvio. No primeiro caso, assim como ocorre no crime de apropriação indébita, atua
o agente com o chamado animus rem sibi hadendi, que consiste na vontade do agente de se
tornar dono da coisa, o chamado ânimo de assenhoreamento definitivo. No peculato-desvio, o
sujeito visa a obter proveito próprio ou alheio.
Apropriar-se significa fazer a coisa como sua, passando a agir como se fosse seu
proprietário, quando somente tem a sua posse ou detenção. É imprescindível que o agente
tenha a posse do bem em razão do cargo (rationi oficii).
Desviar é alterar o destino ou aplicação, dando a coisa destinação diversa, em proveito
próprio ou alheio. Deste modo, quando o desvio se verifica em favor da própria
administração, mas com utilização diversa da prevista em lei, ocorre o crime de emprego
irregular de verbas públicas (art. 315) e não peculato (RT 520/347; 490/293).
Sujeito ativo do crime é o funcionário público (art. 327), nada impedindo, conforme já
ressaltado, na hipótese de concurso de agentes, a responsabilização criminal de terceiro que
não se revista desta qualidade. Exige-se que o particular conheça não só a condição de
funcionário público, como também que o bem apropriado se encontra na posse deste em
razão do seu cargo.
Na hipótese de funcionário usurpador, indivíduo que não é funcionário público, mas
executa ilegalmente atos próprios da função pública, não haverá o crime de peculato, mas
dois delitos, usurpação de função pública e apropriação indébita em concurso material
(Hungria, Noronha). Não impede, porém, a configuração do peculato o fato de o agente,
legalmente nomeado, ter deixado de tomar posse ou prestar compromisso. Reconhece-se,
inclusive, que o agente nomeado irregularmente ou ilegalmente, até que se anule sua
nomeação, pode cometer o crime de peculato (Noronha, Mirabete, Capez).
Sujeito passivo do delito é o Estado, como também o particular, na hipótese de peculato-
malversação.
O autor apropria-se ou desvia de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel. Dinheiro
é moeda corrente; valor é título, documento que represente uma importância pecuniária.
Exige o CP que ao bem seja móvel. Assim, havendo disposição de coisa imóvel pelo
funcionário público, configurado estará o crime de estelionato, na modalidade de disposição
de coisa alheia como própria (art. 171, §2º, I, CP), podendo, conforme o caso, incidir a
majorante do §3° do art. 171.
A utilização se serviços de um funcionário público em proveito próprio ou alheio não
configura peculato, pois a apropriação deve recair sobre bens e não pessoas (JTJ 201/324; RT
506/326). Igualmente, a mera utilização de veículos ou equipamentos pertencentes à
Administração Pública, eis que inexiste a figura de peculato de uso (RT 749/669-70; 796/716;
541/342). Diversa, porém, deve ser a solução no caso de crime de responsabilidade de
prefeito, pois o Decreto-Lei n° 201/67, art. 1°, II, tipifica o peculato uso (RJTJESP 60/373).
Tem-se admitido a adoção do princípio da insignificância, com forças para excluir a
própria tipicidade do fato, na hipótese de bens e valores insignificantes e inservíveis, sem
qualquer proveito próprio ou alheio (RT 736/705).
Mas a aplicação do princípio da insignificância em crimes contra a administração
pública é discutível, especialmente na jurisprudência dos Tribunais Superiores.
c) Peculato Impróprio (§1°)
Art.312 -
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
[...]
Prevê o §1° uma hipótese de peculato impróprio, chamado de peculato-furto. Há dois
núcleos do tipo: “subtrair” e “concorrer”. No primeiro caso, o verbo é o mesmo do crime de
furto, qual seja “subtrair”. Na segunda hipótese, o agente concorre para que terceiro realiza a
subtração, o qual, ainda que não funcionário público, responderá também pelo peculato,
desde que conheça a qualidade de seu comparsa.
Trata-se de situação inusitada, pois o terceiro, a despeito de realizar a subtração,
responderá como partícipe do crime de peculato, já que a conduta principal, “concorrer”,
pertence ao funcionário público.
No peculato-furto, o funcionário público não tem a posse do bem em razão do cargo, o
que só ocorre no peculato próprio (caput). No entanto, é necessário que à subtração o agente
tenha se valido da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Ausente a
elementar da facilitação, restará configurado o crime de furto.
d) Peculato Culposo (§2°)
Art.312 -
§ 2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
[...]
Neste caso, o agente, com sua conduta culposa, cria uma oportunidade para a prática de
um crime doloso, funcional ou não, por parte de outrem.
Imprescindível que exista relação entre o ato culposo do funcionário e o crime praticado
por outrem, evidenciando-se que este só ocorreu devido à culpa do agente. Ou seja, o autor
do delito doloso deve ter se aproveitado pelas facilidades proporcionadas pela conduta
culposa do agente.
Não se trata, como é pacífico, na doutrina, de hipótese de concurso de agentes, pois não
há participação culposa em crime doloso. Na existência de vínculo subjetivo, ambos os
sujeitos responderão por peculato doloso, próprio e impróprio, não havendo no que se falar
em peculato culposo.
e) Momento da Consumação do Delito
A consumação variará de acordo com a espécie de peculato.
Com efeito, no peculato-apropriação, consuma-se o delito quando o agente se apropria
do dinheiro, valor ou bem móvel e desvia em proveito próprio ou alheio, ou seja, no
momento em que o sujeito passa a dispor do objeto material como se fosse seu. Trata-se de
delito material.
Observam, porém, doutrina e jurisprudência que, não se tratando de delito contra o
patrimônio, o dano inerente ao peculato é aquele inerente à violação do dever de fidelidade
para a administração, associado ou não ao patrimonial. Assim, a restituição do objeto ou a sua
apreensão posterior não descaracteriza o delito. Ademais, pouco importa que o sujeito aufira
vantagem do crime.
Por sua vez, na modalidade peculato-desvio, o crime estará consumado no instante em
que o funcionário público der à coisa destinação diversa da prevista em lei, sendo irrelevante
a obtenção do proveito próprio ou alheio.
No peculato-furto, a consumação ocorrerá com a subtração do bem pelo funcionário
público ou por terceiro, nos mesmos moldes do que ocorre no crime de furto, sendo
desnecessária, portanto, a posse tranqüila da res, bastando a sua inversão (teoria da amotio).
Não haverá o delito consumado, mas tentativa, quando o funcionário público, concorrendo
para que terceiro realize a subtração do bem, esta não ocorrer, por circunstância alheia à
vontade dos agentes.
O peculato culposo estará consumado quando houver a apropriação, desvio ou subtração
do bem por terceiro, motivado por sua negligência, imprudência ou imperícia.
e) Tentativa
A tentativa é admissível em todas as espécies dolosas de peculato, quando o agente,
iniciada a execução do delito, não conseguir o resultado (apropriação, desvio ou subtração)
por circunstâncias alheias à sua vontade.
Será incabível na hipótese de peculato culposo. Assim, não se consumando o crime
anterior (peculato-apropriação/desvio/furto) por parte do terceiro, inexistirá o peculato
culposo. Neste caso, a despeito de não se poder responsabilizar penalmente o agente pelo
peculato culposo, o terceiro será responsabilizado por tentativa de peculato doloso, próprio ou
impróprio.
f) A Reparação do Dano no Peculato (§3°)
Art. 312. [...]
§ 3º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Prevê o CP que, no caso de peculato culposo, o agente terá a punibilidade extinta se a
reparação do dano ocorrer até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Sendo
posterior, a reparação reduz a pena pela metade.
Mas a reparação do dano também incide no peculato doloso. Com efeito, se realizada
antes do recebimento da denúncia, configura arrependimento posterior (art. 16 do CP),
reduzindo obrigatoriamente a pena de um a dois terços. Levada a efeito após o recebimento
da denúncia e efetivada antes da sentença faz incidir a atenuante genérica do art. 65, II, b, do
CP; na instância recursal, a reparação do dano poderá fazer exsurgir a atenuante inominada
do art. 66 do CP.
Além disso, atualmente, após a inserção do §4° ao art. 33 do CP, pela Lei n°
10.763/2003, a reparação do dano constitui, para o condenado por crime contra a
administração pública e cometidos depois da alteração legislativa, requisito para a progressão
de regime.
2. Peculato Mediante Erro de Outrem (Art. 313)
a) Tipo Penal Fundamental
Art.313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. b) Elementos do Crime – Adequação Típica
Dispõe o CP, no art. 313, acerca da figura conhecida como peculato-estelionato. Mas,
como observa Noronha, o delito se aproxima mais da apropriação indébita por erro e não do
estelionato.
De fato, se provocar o erro, vindo a coisa a sua posse ou detenção pelo emprego de
fraude, o funcionário responderá pelo crime de estelionato, podendo haver a causa de
aumento de pena do §3° do art. 171 do CP.
Difere-se o tipo em exame do peculato-apropriação, pois neste a coisa apropriada não é
recebida por erro, mas em razão do exercício do cargo.
O erro, conforme aponta a doutrina, pode versar: - sobre a coisa que é entregue; - sobre a
obrigação que deu causa à entrega; - sobre a pessoa a quem se faz a entrega ou; - sobre a
quantidade da coisa devida.
Ressalte-se que não é o recebimento da coisa que caracteriza o delito, mas a ciência de
que a coisa lhe foi entregue por erro. Indispensável, ainda, que o recebimento ocorra quando
o agente está no cargo, emprego, ou no exercício da função. Inexistindo esta circunstância, o
crime será o de apropriação de coisa havida por erro (art. 169).
O núcleo apropriar-se exige, à caracterização do delito, que o agente atue com o
chamado animus rem sibi hadendi, que consiste na vontade do agente de se tornar dono da
coisa, o chamado ânimo de assenhoreamento definitivo.
c) Consumação e Tentativa
O crime consuma-se quando o agente se apropria do dinheiro, valor ou bem móvel e
desvia em proveito próprio ou alheio, ou seja, no momento em que o sujeito passa a dispor do
objeto material como se fosse seu.
É admissível a tentativa. É clássico o agente de Hungria: “Recebendo por erro, para
registrar, uma carta com valor, o funcionário postal, não competente para tal registro, é
surpreendido no momento em que está violando a carta”.
3. Concussão e Excesso de Exação (Art. 316)
a) Tipo Penal Fundamental
Art.316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
[...] b) Elementos do Crime – Adequação Típica
Dispõe o CP, no art. 316, sobre os crimes de concussão (caput) e excesso de exação
(§§1° e 2°).
O termo concussão deriva do latim concutare que, de acordo com Carrara (citado por
Noronha), significa sacudir uma árvore, para fazer os seus frutos caírem.
O tipo do caput é formado pelo núcleo “exigir” e pelos elementos “para si ou para
outrem”, “direta ou indiretamente”, “ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela”, “vantagem indevida”.
Exigir significa ordenar, reivindicar, impor como obrigação. Vale-se o agente de sua
qualidade (funcionário público), incutindo na vítima um temor de represálias, imediatas ou
futuras, relacionadas à função por ele exercida.
Se a exigência for acompanhada de grave ameaça ou violência, a conduta caracterizará o
crime de extorsão (art. 158) e não concussão. Assim, se o funcionário público, mediante
violência ou grave ameaça, constranger a vítima com o objetivo de obter indevida vantagem,
praticará o delito de extorsão.
A concussão, igualmente, não se confunde com o crime de corrupção passiva. Com
efeito, na concussão, o agente exige; na corrupção, solicita. “Exigir implica obrigar a alguma
coisa, sob certa pena. Solicitar é simples pedido. Enquanto no primeiro caso a vítima é levada
pelo medo a atender à exigência, no segundo satisfaz o pedido livremente, recebendo ou não,
em contrapartida, alguma vantagem” (RT 564/327).
São exemplos de condutas que configuram o delito de concussão: aliviar sanções
impostas em decorrência de infração de posturas municipais (RT 534/343); promessa de
libertar preso (RT 512/345, 597/365); promessa de dar andamento a procedimento
administrativo (RT 783/775), inclusive para deferir aposentadoria (RT 796/745).
Cuidando-se de exigência de vantagem feita pelo funcionário do Fisco com o fim de
deixar de cobrar ou lançar o tributo ou cobrá-lo parcialmente, o agente deve responder por
crime funcional contra a ordem tributária, previsto no art. 3º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, em
face do princípio da especialidade.
O CP prevê a exigência direta, chamada de explícita, e a indireta, conhecida como
implícita. No primeiro caso, a concussão é realizada abertamente pelo agente, por meio de
represálias; no segundo, o sujeito encobre a exigência da vantagem indevida, ao empregar
malícia, ou deixa entender à vítima que a vantagem é devida.
Reconhece-se, inclusive, que a vantagem pode ser exigida por terceiro intermediário que
atue em concurso com o funcionário público. Diversa é a hipótese, porém, quando o agente
simula ser funcionário público, como no caso daquele que se faz passar por policial e exige
dinheiro para não prender a vítima. Afirma Victor Rios Gonçalves que, na espécie, haveria o
crime de extorsão. De fato, não há de se falar em concussão.
Porém, só será correto falar em extorsão quando a simulação vier acompanhada de
violência ou grave ameaça (o que ocorreu naquela situação), meios configuradores da
extorsão. Caso contrário, havendo apenas a simulação e não o emprego da vis o delito será o
de estelionato (art. 171).
O fim buscado pelo agente é auferir vantagem indevida. Assim, se for devida a
vantagem, não haverá o delito de concussão, podendo haver outro delito, como, por exemplo,
excesso de exação.
Diverge-se a doutrina acerca da natureza desta vantagem. Prevalece o entendimento de
que a vantagem deve ser necessariamente econômica. Neste sentido, posicionam-se Hungria,
Noronha, Damásio, Bitencourt e Delmanto.
A posição minoritária (Mirabete, Bento de Faria, Capez), a nosso ver com razão,
entende que a vantagem pode ter qualquer natureza, que não necessariamente patrimonial,
pois o delito tutela primordialmente a Administração Pública e não o patrimônio, visando ao
regular funcionamento de suas atividades e a moralidade administrativa.
É imprescindível que o agente se valha de sua função, que exerce ou vai exercer, sendo
irrelevante, no entanto, que dela esteja afastado, por férias ou qualquer licença. Conforme
previsto no tipo, a vantagem é buscada em razão da função.
c) Consumação
O crime consuma-se com a exigência da vantagem indevida, pouco importando que
venha a recebê-la, o que constitui mero exaurimento da conduta, conforme pacífico
entendimento doutrinário e jurisprudencial. Trata-se, deste modo, de delito formal.
Questão interessante refere-se aos em que a vítima avisa a polícia da concussão, sendo
orientado a marcar dia, local e hora para entregar a vantagem indevida, sendo o agente preso
em flagrante no momento do recebimento.
Discute-se, inicialmente, se houve o delito ou se trata de crime impossível, incidindo, na
espécie, a Súmula 145 do STF.
De fato, não há que falar em crime impossível, pois o delito, conforme visto, se
consumou com a exigência, o que, no caso, ocorreu antes mesmo da comunicação à polícia. É
a posição francamente majoritária da jurisprudência (RT 780/540, JSTF 260/372).
Outro tema de relevo diz respeito à legalidade do flagrante. A jurisprudência dominante
inclina-se pela ilegalidade do flagrante, sob o argumento de que o “crime de concussão é
eminentemente formal e consuma-se com o simples fato da exigência da indébita vantagem.
Assim sendo, se a prisão dos pacientes se verificou dias depois, não há falar em flagrância”
(RT 487/271). No mesmo sentido: RT 780/540, JSTF 260/372.
Acredita-se, no entanto, que o flagrante em casos tais é legal. Ainda que já consumado,
os efeitos do delito se estenderam da exigência até o recebimento, o que autorizou a prisão.
Além disso, não há de se reconhecer a figura do flagrante preparado, mas sim esperado, pois
não houve qualquer intervenção policial na fase da exigência. Por fim, há de se cogitar que, a
partir do momento em que o agente comparece ao local marcado, nova exigência está sendo
feita pelo agente, autorizando o flagrante. Neste sentido: RT 691/314.
d) Tentativa
A exigência pode ser feita verbalmente ou por meio de escrito. No primeiro caso, a
tentativa é inadmissível, pois se trata de crime unissubsistente.
Na segunda situação, a tentativa é, em tese, possível, pois o iter criminis pode ser
fracionado, cuidando-se de delito plurissubsistente.
e) Excesso de Exação (§1°)
Art. 316. [...]
§ 1º Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 2º Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
No §1° do art. 316, prevê o CP uma forma especial de concussão chamada de excesso de
exação. A pena, nessa figura, mantém o mesmo quantum máximo de 8 (oito) anos do tipo do
caput, o que não ocorre com a sanção mínima a qual é aumentada de 2 (dois) para 3 (três)
anos (redação dada pela Lei n° 8.137/1990).
Por sua vez, o §2° dispõe sobre um tipo especial de excesso de exação quando o tributo
recolhido é desviado em proveito próprio ou alheio, não sendo recolhido aos cofres públicos.
A sanção penal, neste caso, é elevada para o máximo de 12 (doze) anos. No entanto, por
descuido do legislador (a Lei n° 8.137/1990 somente alterou a pena da figura do §1°), a pena
mínima (2 anos) deste tipo penal, que é mais grave do que o anterior, é menor do que a do
§1° (3 anos). Neste contexto, Mirabete afirma, com razão, que, por coerência lógica, o
julgador, quando se tratar da forma qualificada, não poderá impor pena inferior a 3 (três) anos
de reclusão, mínimo fixado para o crime simples.
Exação é a cobrança rigorosa de uma dívida ou imposto, ou a exatidão, pontualidade,
correção. Com efeito, o CP não pune a exação, mais o seu excesso, o qual se configura de
duas formas.
Na primeira, o funcionário exige tributo que sabe ou deve saber indevido. Para
Mirabete, o termo “sabe” indica o dolo, direto e eventual, do agente, enquanto “deveria
saber” representa a culpa do sujeito, que incide na falta do dever de cuidado objetivo,
cobrando um tributo indevido. No entanto, o melhor entendimento é de Damásio (Capez),
para quem a expressão “deveria saber” indica a incerteza, o dolo eventual: o sujeito “não tem
plena certeza da natureza indevida da cobrança (dolo direto; modalidade anterior), mas tem
conhecimento de fatos e circunstâncias que claramente a indicam”.
Na segunda, o tributo é devido, mas o agente emprega na sua cobrança meio vexatório
ou gravoso que a lei não autoriza. Vexatório é o meio que expõe o contribuinte à vergonha, à
humilhação, ferindo a sua dignidade. Gravoso é o que lhe impõe maiores despesas. Trata-se,
por óbvio, de meios não autorizados pela lei para a cobrança do tributo.
Imprescindível, porém, nos dois casos, que o tributo recolhido se reverta para os cofres
públicos. Caso contrário, desviando o valor em proveito próprio ou de terceiro, o agente
responderá pela figura do §2°.
O CP refere-se, por cautela, a exigência de tributo ou contribuição social. É que, no
Direito Tributário há divergência, que atualmente venha sendo dissipada, acerca das espécies
de tributo previstas no ordenamento jurídico pátrio. Alguns entendem que tributos são apenas
os previstos nos incisos I, II e III do art. 145 da Constituição Federal, quais sejam impostos,
taxas e contribuições de melhoria. Para a maioria, porém, são tributos além daqueles, as
contribuições sociais e o empréstimo compulsório.
Sujeito ativo do crime é o funcionário público, ainda que não seja encarregado da
arrecadação. Neste sentido: Noronha, Capez. Em sentido contrário, porém, manifesta-se a
doutrina dominante para quem o delito só pode ser cometido por funcionário público
encarregado da arrecadação. Nesse caso, não exercendo essa função, a conduta pode
caracterizar o crime de extorsão ou mesmo o previsto no §2º do art. 316.
Por sua vez, são vítimas do delito o Estado e, secundariamente, o contribuinte.
Consuma-se o crime com a exigência indevida ou com o emprego do meio vexatório na
cobrança do tributo. Trata-se de crime formal, no qual é irrelevante o pagamento do tributo.
No tipo qualificado do §2°, a consumação ocorre com o desvio do valor recolhido, em
proveito próprio ou alheio.
A tentativa é possível em todas as modalidades.
f) Aspectos Diferenciadores
Tarefa árdua dirigida ao intérprete é aquela consistente na tipificação da conduta do
agente. No caso dos crimes contra a administração pública, a dificuldade aumenta, pois há
grande semelhança entre os delitos. Todavia, há de se ter, em primeiro lugar, uma visão geral,
acerca desses delitos, a fim de que o trabalho dessa tipificação seja menos dificultado.
Com efeito, nas infrações em questão, o fator inicial diferenciador encontra-se na
finalidade específica do agente ao praticar a conduta. Nesse contexto, podemos separar, de
um lado, os delitos nos quais o sujeito atua com a intenção de obter uma indevida vantagem,
e, de outro, aqueles em que não possui essa finalidade.
No primeiro grupo, encontram-se os crimes de peculato, corrupção passiva, concussão e
tráfico de influência. Assim, quando o agente objetivar uma indevida vantagem sua conduta
caracterizará um desses delitos. No crime de peculato, o sujeito se apropria do bem que tem
em seu poder na qualidade de funcionário público (peculato próprio) ou subtrai ou concorre
para que a res seja subtraída, neste último caso, quando não tem a posse, valendo-se, porém,
da qualidade de funcionário público (peculato impróprio).
A seu turno, nos delitos de corrupção passiva e de concussão, o funcionário público
possui atribuição para praticar o ato, infringindo, desse modo, o seu dever funcional. Ou seja,
exige, solicita, recebe ou aceita promessa de indevida vantagem, sob a condição de que irá
infringir seu dever funcional. A diferença entre esses dois delitos reside na ação do agente:
quando solicita (mero pedido sem imposição de qualquer condição), recebe ou aceita a
promessa de indevida vantagem incide no crime de corrupção passiva; se exige (ordena,
reivindica, impõe como obrigação) estará praticando o delito de concussão.
Já no tráfico de influência, embora objetive uma indevida vantagem, o agente não possui
atribuição para a prática daquele ato, não havendo infração de dever funcional. É por isso que
essa infração criminal não se encontra prevista no capítulo pertinente aos crimes praticados por
funcionário público, mas no dos delitos praticados por particular contra a administração
pública. Até mesmo um funcionário público poderá ser sujeito ativo do crime de tráfico de
influência, desde que não possua atribuição para a prática do ato funcional motivador da
indevida vantagem, sendo, nesta hipótese, tratado como particular.
Por outro lado, não visando à obtenção de uma indevida vantagem, a conduta do sujeito
poderá configurar os crimes de corrupção passiva privilegiada, prevaricação,
condescendência criminosa ou advocacia administrativa.
4. Corrupção Passiva (Art. 317)
a) Tipo Penal Fundamental
Art.317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (um) a 12 (oito) anos, e multa.
[...] b) Elementos do Crime – Adequação Típica
O tipo é formado pelos núcleos “solicitar”, “receber” e “aceitar’ e pelos elementos “para
si ou para outrem”, “direta ou indiretamente”, “ainda que fora da função ou antes de assumi-
la, mas em razão dela”, “vantagem indevida”.
A pena máxima do delito foi aumentada de 8 (oito) para 12 (doze) anos pela Lei n°
10.763/2003.
Como se observa, a norma do art. 317 é formada praticamente pelos mesmos elementos
do tipo de concussão. Difere-se, no entanto, a concussão da corrupção passiva. Com efeito,
na concussão, o agente exige; na corrupção, solicita. “Exigir implica obrigar a alguma coisa,
sob certa pena. Solicitar é simples pedido. Enquanto no primeiro caso a vítima é levada pelo
medo a atender à exigência, no segundo satisfaz o pedido livremente, recebendo ou não, em
contrapartida, alguma vantagem” (RT 564/327). Ou seja, na corrupção a vítima cede por sua
própria vontade, e não pelo temor a represálias, o que ocorre na concussão.
Solicitar é pedir, buscar, manifestar o desejo de receber. A solicitação pode ser direta ou
indireta. Isto é, explícita ou implícita; feita pelo próprio agente ou por intermediário, que, no
caso, também responde pela corrupção passiva como partícipe. Nesta modalidade, não se faz
necessária a prática de qualquer ato do terceiro (extraneus), pois o tipo se aperfeiçoa tão só
com a solicitação do funcionário público (intraneus). Por esta razão, a doutrina afirma que a
bilateralidade (existência de dois delitos) não é requisito indispensável do crime de corrupção
passiva.
Receber é tomar, obter, acolher, entrar na posse. Aceitar é consentir, concordar, estar de
acordo. Aqui, não há o recebimento da vantagem por parte do intraneus. Nas duas
modalidades, o oferecimento anterior de vantagem indevida por parte do extraneus é
pressuposto essencial para a configuração do delito.
A conduta do terceiro, na espécie, é tipificada autonomamente, optando o CP por
excetuar a teoria unitária, para aplicar, na espécie, a teoria dualista. Embora exista concurso
de agentes, intraneus e extraneus respondem cada qual por delito autônomo; o primeiro pela
corrupção passiva (art. 317); o segundo, pela corrupção ativa (art. 333). Ressalte-se que o
delito do intraneus permanecerá mesmo quando o extraneus foi inimputável ou não for
identificado.
Do mesmo modo que ocorre na concussão, é imprescindível que o agente se valha de
sua função, que exerce ou vai exercer, sendo irrelevante, no entanto, que dela esteja afastado,
por férias ou qualquer licença. Conforme previsto no tipo, a vantagem é buscada em razão da
função. Mister, deste modo, que o ato a ser praticado, em face da indevida vantagem, se
insira na competência do intraneus.
Assim, não há corrupção passiva, mas tráfico de influência (art. 332), quando a
vantagem visada não decorre da atribuição do intraneus (RT 505/296, 526/356, 538/324), a
não ser que este atue em conjunto com o funcionário com a competência para a prática do
ato, sendo, então, o intermediário (partícipe). Igualmente, se o agente retarda ou deixa de
praticar o ato, sem que tenha havido qualquer proposta do extraneus, mas agindo por
interesse ou sentimento pessoal, o delito será de prevaricação (art. 319).
O sujeito que se faz passar (simulação) de funcionário público para solicitar ou receber
indevida vantagem não comete o crime de corrupção passiva, podendo, em tese, responder
pelo delito de estelionato (RF 215/291). Se a solicitação tiver sido feito a pretexto de influir
em ato praticado por outro servidor, o delito será de tráfico de influência (art. 332).
Fala-se em corrupção própria quando o ato que o intraneus pratica é ilegítimo, injusto
ou ilícito. Neste último caso, responderá o funcionário público pelo respectivo delito e pela
corrupção passiva, em concurso, formal ou material. Por sua vez, corrupção imprópria é
aquela na qual o ato a ser praticado é legítimo, lícito, justo. Em ambos os casos, há o crime de
corrupção passiva.
Quando a indevida vantagem é entregue ao intraneus antes da prática do ato, há a figura
conhecida, doutrinariamente, por corrupção antecedente. Ocorrendo a entrega após este
momento, existe a corrupção subseqüente. Reconhece-se, assim, que o funcionário pode
praticar o ato na esperança ou convicção de obter a indevida vantagem. Nesta hipótese, não é
preciso um prévio acordo de vontades entre o intraneus e o extraneus.
A vantagem buscada pelo agente deve ser indevida. Sendo devida, o fato será atípico.
Do mesmo modo, conforme leciona Hungria, gratificações usuais de pequena monta por
serviço extraordinário (não se tratando de ato contrário à lei) e pequenas doações ocasionais,
como as costumeiras “boas festas” de natal ou ano novo, não podem ser consideradas
corrupção passiva.
Permanece neste delito, como menor intensidade, é verdade, a questão acerca da
natureza da vantagem. Diferentemente, porém, do que ocorre no crime de concussão, a
posição majoritária é no sentido de que a vantagem pode ter qualquer natureza, que não
necessariamente patrimonial, pois o delito tutela primordialmente a Administração Pública e
não o patrimônio, visando ao regular funcionamento de suas atividades e a moralidade
administrativa. Neste sentido, posicionam-se Fragoso, Noronha, Mirabete, Bento de Faria,
Damásio e Bitencourt.
Hungria, por sua vez, entende que a vantagem deve ser necessariamente econômica.
Por fim, é imprescindível que a vantagem indevida se destina ao próprio agente ou a
terceiro, pois se esta se reverte em benefício do próprio serviço não há o crime em exame.
Neste sentido, não se entendeu caracterizado o crime na conduta do delegado de polícia que,
embora aceitara a oferta em dinheiro, a aplicou na aquisição de gasolina para viatura, a fim de
intensificar o policiamento da cidade (RT 527/407).
c) Consumação e Tentativa
A corrupção passiva consuma-se com o ato de solicitar, receber ou aceitar. No primeiro
caso, é irrelevante que o extraneus entregue a vantagem indevida ao funcionário. No núcleo
aceitar, da mesma forma, é dispensável que o intraneus receba a vantagem.
Em ambos os casos, é prescindível que o ato funcional seja praticado, omitido ou
retardado pelo intraneus. Se isto ocorrer, há mero exaurimento da conduta, o qual, entretanto,
faz incidir a causa de aumento prevista no §1°.
A tentativa é possível, nos mesmos moldes da concussão.
d) Causa de Aumento de Pena – Exaurimento da Conduta (§1°)
Art. 317. [...]
§ 1º A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
Como visto anteriormente, é irrelevante à configuração da corrupção passiva que o ato
funcional seja praticado, omitido ou retardado pelo intraneus, o que constitui mero
exaurimento da conduta.
No entanto, o exaurimento da conduta, na espécie, faz incidir a causa de aumento em
tela, majorando a pena em um terço.
e) Corrupção Passiva Privilegiada (§2°)
Art. 317. [...]
§ 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Trata o §2° da chamada corrupção passiva privilegiada, a qual é punida com pena de
detenção de 3 (três) meses a 1 (um ) ano ou multa.
Nesta modalidade, o intraneus não pratica o ato ou deixa de praticá-lo na intenção de
receber indevida vantagem, mas por outro sentimento. Apenas cede ao pedido do extraneus.
E é a atuação deste que diferencia a corrupção passiva privilegiada da prevaricação, pois,
neste último crime não há qualquer proposta do extraneus, agindo o funcionário por interesse
ou sentimento pessoal.
5. Facilitação de Contrabando ou Descaminho (Art. 318)
a) Tipo Penal
Art.318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. b) Elementos do Crime – Adequação Típica
O tipo é formado pelo núcleo “facilitar”, e pelos elementos “com a infração de dever
funcional”, “prática de contrabando ou descaminho”.
Mais uma vez o CP, do mesmo modo que fez na corrupção passiva, excepciona a teoria
unitária, tipificando autonomamente as condutas do funcionário público, que facilita o
contrabando ou o descaminho, e do terceiro que realiza o próprio contrabando ou
descaminho. Com efeito, embora exista concurso de agentes, respondem cada qual por delito
autônomo; o funcionário pela facilitação (art. 318); o terceiro, pelo crime de contrabando ou
descaminho (art. 334).
Facilitar é tornar fácil, auxiliar, afastar os obstáculos que impediriam a prática do
contrabando ou descaminho. A facilitação pode ocorrer por ação ou omissão. Conforme
leciona Mirabete, tanto aquele que indica ao contrabandista as vias mais seguras para a
entrada ou saída da mercadoria, como o que, dolosamente, não efetua regularmente as
diligências de fiscalização destinadas a evitar o contrabando ou o descaminho, incide no
delito em tela. É necessário, porém, o dolo do agente, consubstanciado na vontade de facilitar
o contrabando ou o descaminho, bem como na consciência de estar violando o seu dever
funcional (o tipo se refere a “infração do dever funcional”). Ausente este último elemento, o
funcionário será partícipe do crime de contrabando ou descaminho (art. 334).
Não se pune, desse modo, a conduta culposa do funcionário que deixa de tomar as
cautelas necessárias hábeis a impedir o contrabando ou descaminho. Por outro lado, não se
exige que o agente facilite o contrabando ou descaminho visando a receber vantagem.
Contrabando é a importação ou exportação fraudulenta de mercadoria, cuja entrada ou
saída seja absoluta ou relativamente proibida. Por sua vez, descaminho é o ato fraudulento
que se destina a evitar, total ou parcialmente, o pagamento de direitos e impostos previstos
pela entrada, saída ou consumo de mercadorias.
Sujeito ativo do delito é o funcionário público que, por lei, tem o dever funcional de
reprimir o contrabando ou o descaminho. Assim, não pratica o delito em questão o
funcionário em cujas atribuições não se incluir a repressão ao crime do art. 334 do CP (RT
771/711). Neste caso, todavia, e na hipótese de, tendo a competência, não realizar a conduta
no exercício de sua função, responderá como partícipe do crime de contrabando ou
descaminho (art. 334), assim como ocorre com qualquer particular.
A facilitação pode ocorrer inclusive nas modalidades equiparadas previstas no §1° do
art. 334.
c) Consumação e Tentativa
Cuida-se de crime formal. Assim, consuma-se com a prática da facilitação pelo agente,
ainda que não se realize o contrabando ou o descaminho. Conforme ressalta a doutrina, é
possível a ocorrência do crime de facilitação sem que esteja até mesmo iniciada a execução
do contrabando ou do descaminho.
A tentativa somente é cabível na conduta comissiva, não havendo o conatus na hipótese
de omissão.
6. Prevaricação (Art. 319)
a) Tipo Penal
Art.319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
“Prevaricação é a infidelidade ao dever de ofício, à função exercida. É o não
cumprimento das obrigações que lhe são inerentes, movido o agente por interesse ou
sentimento próprios” (Noronha).
O tipo é formado pelos núcleos “retardar”, “deixar de praticar” e “praticar”, e pelos
elementos “indevidamente”, “ato de ofício”, “contra disposição expressa de lei”, “para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
No primeiro caso, o funcionário público retarda ou deixa de praticar indevidamente ato
de ofício. Na segunda modalidade, pratica o ato contra disposição expressa de lei.
Em ambos os casos, porém, o agente atua movido para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal. Com efeito, se o funcionário visava a obter indevida vantagem o delito será de
corrupção passiva. Além disso, é imprescindível que o terceiro não apresente qualquer
proposta ao funcionário público, pois se esta existir o crime também será de corrupção
passiva. Ou seja, não pode existir pedido ou intervenção do extraneus.
Interesse pessoal, que, no crime de prevaricação, não pode ser patrimonial, é a relação
de reciprocidade entre um indivíduo e um objetivo que corresponde a determinada
necessidade daquele. Sentimento pessoal é um estado afetivo ou emocional, decorrente de
uma paixão ou emoção, amor, ódio, vingança, simpatia, caridade, etc.
Retardar é atrasar, protelar, protair. Difere-se do núcleo “deixar de praticar”. Neste, o
agente não tem a intenção de praticar o ato; naquele, a vontade do sujeito é apenas prolongar
ou procrastinar a prática do ato, deixando de executá-lo no prazo previsto ou em tempo útil
para que produza seus normais efeitos. Nas duas modalidades, o crime é cometido por
omissão.
Trata-se de omissão indevida, ou seja, injusta, ilegal. Indevido é o ato reprovável, contra
o senso comum de moralidade. Todavia, não basta que o ato seja indevido, sendo necessário
que seja “de ofício”. Este é o que se insere nas atribuições ou competência do agente. Deste
modo, se o ato refoge ao âmbito da competência funcional do funcionário não há de se falar
em prevaricação.
Por sua vez, no núcleo “praticar” a conduta é comissiva, por meio da qual o agente
executa o ato de formal ilegal, contra disposição expressa de lei. Imprescindível, deste modo,
que exista uma norma jurídica em sentido estrito (o que exclui, por conseqüência, portarias,
regulamentos, resoluções), não se punindo o agente quando o ato for praticado em violação
ao princípio da moralidade. O ato, da mesma forma do que ocorre nas condutas omissivas,
também se insere no âmbito da competência funcional do agente (“ato de ofício”).
Como elementares que são, o interesse ou o sentimento pessoal devem restar descrito na
denúncia do MP, conforme pacífico entendimento jurisprudencial.
c) Consumação e Tentativa
Consuma-se com o retardamento, omissão ou prática do ato.
A tentativa é inadmissível nas condutas omissivas (“retardar” e “deixar de praticar”),
sendo cabível no núcleo “praticar”.
7. Condescendência Criminosa (Art. 320)
a) Tipo Penal
Art.320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
Todo funcionário público tem o dever legal de responsabilizar o subordinado que tenha
cometido infração administrativa, ou então, de levar o fato ao conhecimento da autoridade
competente para aplicar a punição.
Não fazendo isto, viola o funcionário ato de ofício. Esta violação poderá ocorrer por
interesse ou sentimento pessoal, quando restará caracterizado o crime de prevaricação.
Mas o CP reconhece que a omissão no dever de punição do funcionário público pode ter
ocorrido por indulgência, que é um estado anímico de tolerância, clemência, complacência,
dó. E, nesta hipótese, pune o agente com menos rigor do que no crime de prevaricação.
O tipo é formado pelos núcleos “deixar” e “não levar”, e pelos elementos “funcionário”,
“indulgência”, “responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo”,
“quando lhe falte competência”, “autoridade competente”.
Neste contexto, a condescendência criminosa é uma espécie de prevaricação
privilegiada, na qual o agente deixar de agir movido por indulgência. Ausente este motivo, o
crime será de prevaricação.
Mas é necessário lembrar que o sujeito pode, inclusive, ser responsabilizado pela
corrupção passiva privilegiada se na espécie houver intervenção ou pedido do funcionário
faltoso, ou mesmo por corrupção passiva, simples ou qualificada, quando, na situação
anterior, o agente atuar visando um interesse patrimonial.
O tipo estabelece duas condutas omissivas. Na primeira, o agente deixa de
responsabilizar o subordinado faltoso, quando era competente para aplicar-lhe a punição. Na
segunda, o sujeito, não possuindo atribuição legal para aplicar a punição, deixa de comunicar
o fato à autoridade competente.
Exige-se, porém, que o sujeito ativo seja superior hierárquico do agente, pois o próprio
tipo se refere a “subordinado”. Pressupõe, ainda, que este tenha praticado uma infração, que
tanto poderá consistir um mero ilícito administrativo como um crime funcional.
Imprescindível, porém, que a infração do subordinado se relacione ao exercício do cargo.
Conforme aponta a doutrina (Hungria, Noronha, Mirabete e Capez), ficam de fora do âmbito
do tipo penal os crimes não funcionais e as faltas disciplinares que importam demissão de
cargo, como a de procedimento irregular ou incontinência pública e escandalosa, vícios de
jogos proibidos e embriaguez, as quais não se relacionam ao exercício do cargo.
c) Consumação e Tentativa
Consuma-se com a omissão, a qual se caracteriza quando o agente, ciente da infração
funcional de seu subordinado não lhe responsabiliza ou deixa de comunicar o fato à
autoridade competente.
A tentativa é inadmissível, pois trata-se de crime omissivo próprio.
8. Resistência (Art. 329)
a) Tipo Penal
Art.329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
Trata-se do segundo crime previsto no Capítulo II do Título XI da Parte Especial. Neste
capítulo, os crimes são praticados por particulares (extraneus) contra a Administração
Pública, embora também possam, eventualmente, ser cometidos por funcionário público.
O tipo é formado pelo núcleo “opor-se” e pelos elementos “à execução de ato legal”,
“mediante violência ou ameaça”, “a funcionário competente para executá-lo ou quem lhe
esteja prestando auxílio”.
No delito em exame, o agente opõe-se à execução de ato legal, mediante emprego de
violência ou ameaça. É a chamada resistência ativa, que deve ser atuante e positiva. Não
configura o tipo a resistência passiva, na qual não há o emprego de violência ou ameaça,
ainda que tenda a impedir o ato.
Com efeito, não se reconheceu o crime de resistência na negativa de acompanhamento
até a delegacia seguida da expressão ‘não há homem para me levar’(RT 656/307), nem no
fato de o agente se espernear e gesticular, procurando se livrar para não ser preso (JTACRIM
74/261).
Prevalece o entendimento de que a violência ou ameaça deve ser exercida contra o
funcionário público ou de quem o auxiliar. Não configura, desse modo, o crime de resistência
no caso de a violência ser exercida contra a coisa, o que ocorre, por exemplo, quando o
agente rasga a contrafé (exemplo de Mirabete) oferecida pelo oficial de justiça, ou quebra os
vidros da viatura policial para não ser preso (exemplo de Capez). No primeiro caso, pode
haver desacato; no segundo, dano qualificado. Neste sentido: Noronha, Fragoso, Mirabete,
Damásio, Delmanto, Capez.
Para Hungria a violência pode ocorrer sobre a coisa, como, no caso, do agente que mata
a tiros cavalo do soldado de polícia para não ser preso. Trata-se, no entanto, de entendimento
francamente minoritário.
É imprescindível que a oposição se dê em relação a ato legal, pois a resistência a ordem
ilícita torna a conduta atípica.
A legalidade do ato deve ser aferida sob o ponto de vista formal, quando se relaciona à
competência ou ao meio de execução, e material, referente à ordem a ser executada.
Conforme ensina Hungria, não se confunde ato ilegal com ato injusto. Assim, por
exemplo, se o sujeito resiste ao cumprimento de uma ordem de prisão preventiva decretada
por juiz competente, o crime de resistência permanecerá, ainda que seja absolvido no
processo no qual houve aquela medida cautelar.
Sujeito ativo do delito é a pessoa que se opõe à execução do ato legal. Por sua vez,
vítima do crime é o Estado, bem como o funcionário público ou o terceiro que o auxilia na
execução do ato.
Releva notar que o termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos
moldes do art. 327 do CP (RT 375/207), em que pese a divergência já apontada acerca da
aplicação ou não do conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da
Parte Especial. Em suma, a oposição à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça,
a funcionário, mesmo o equiparado (§1° do art. 327), que atue no exercício da função,
configura o crime de resistência.
Não ocorre resistência, porém, quando o funcionário público não se encontra no
exercício da função. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente no momento em que
praticava um crime resiste a prisão de um policial que se encontrava em férias. Embora legal,
a execução da prisão neste caso foi levada a efeito por pessoa que não se encontrava no
exercício de sua função pública.
Damásio afirma que, se o agente estiver embriagado e não tiver condições de
compreender o caráter ilícito de seu comportamento ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, não poderá responder pelo crime de resistência.
A razão, entretanto, está com Mirabete e Capez. A embriaguez, como ocorre com em
qualquer delito, só exclui a culpabilidade quando é completa e decorrente de caso fortuito ou
força maior. Assim, não há que se excluir a responsabilidade do agente que atua sob
embriaguez voluntária ou culposa.
c) Consumação e Tentativa
Consuma-se o crime com a prática da violência ou ameaça.
Tratando-se de crime formal, é prescindível que o resultado pretendido pelo agente
ocorra, isto é, que a execução do ato legal seja obstada.
Se conseguir impedir à realização do ato legal, o agente responderá pela resistência
qualificada, na forma do §1°. O reconhecimento desta qualificadora, porém, como adverte a
doutrina depende da impossibilidade de execução do ato, não bastando para caracterizá-la o
fato de o funcionário ter desistido da prática do ato por falta de empenho. Em suma, só há a
aplicação da majorante na hipótese da chamada resistência invencível, a qual ocorre quando o
funcionário não consegue dominar a resistência e tem de desertar ou ceder em face da
violência material ou constrangimento moral, tornando mais grave o fato, pois não só deixa
de ser cumprida a lei, como é desmoralizada a autoridade e criado um incentivo a que outros
imitem o exemplo de rebeldia (RT 416/252).
A tentativa é admissível, quando a ameaça ou a violência puderem ser fracionadas.
d) Concurso de Crimes (§2°)
Prevê o §2° do art. 329 que, havendo violência, o agente deve responder pelo crime dela
resultante e pela resistência, devendo as penas ser somadas. Não se trata necessariamente de
concurso material, podendo, conforme o caso, haver o concurso formal imperfeito, no qual se
aplica a regra do cúmulo material.
Se empregada ameaça, esta é absorvida pelo delito de resistência.
Discute-se se a regra do §2° também é empregada quando a resistência for oposta por
autor de outro delito para evitar a sua prisão. Neste caso, é preciso distinguir se o crime
anterior (cometido por meio de violência) já se consumou ou se ainda está em andamento.
De fato, quando o crime ainda está em execução deve se entender que a violência é mero
desdobramento da violência caracterizadora daquele, não havendo no que se falar em
resistência. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente emprega a violência contra
policiais no momento da execução do crime de roubo, para garantir a subtração de valores
(JTJ 213/296, RT 704/358, RJTACRIM 39/222).
Por outro lado, quando o crime anterior já se consumou, o emprego da violência para
evitar a prisão por policiais caracteriza o delito de resistência. Com efeito, “não há absorção
do crime de resistência pelo crime de roubo, se a resistência à ação policial mediante
violência ocorreu em momento diverso daquele em que se deu a prática do delito que
motivou a perseguição” (RT 780/587).
Deve-se entender que a resistência oposta a dois funcionários responsáveis pela
execução do ato legal configura um único crime de resistência, pois o sujeito passivo do
delito em questão é a Administração Pública como um todo, ou seja, o Estado (RT 577/342).
9. Desobediência (Art. 330)
a) Tipo Penal
Art.330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
O tipo é formado pelo núcleo “desobedecer”, e pelos elementos “ordem legal”,
“funcionário público”.
Desobedecer significa não acatar, desatender, não cumprir a ordem legal de funcionário
público.
O crime pode ser cometido por ação ou omissão. Conforme ensina Noronha, “se a
ordem impõe uma ação, a desobediência pode constituir uma omissão e vice-versa”.
Assim, pratica o delito por ação aquele que desobedece ordem legal de funcionário
público para que deixe de praticar um ato. Há a modalidade omissiva, quando a ordem é para
que o agente faça algo.
Do mesmo modo que ocorre no crime de resistência, é imprescindível que a
desobediência se dê em relação a ato legal, pois o não cumprimento de ordem ilícita torna a
conduta atípica.
A legalidade do ato deve ser aferida sob o ponto de vista formal, quando se relaciona à
competência ou ao meio de execução, e material, referente à ordem a ser executada.
Conforme ensina Hungria, não se confunde ato ilegal com ato injusto.
O ato desobedecido deve cuidar-se de uma ordem. Assim, não se configura o delito
quando haja apenas um pedido ou solicitação. Já se reconheceu que a ausência de resposta a
um ofício em que se solicitou providência, não caracteriza o delito de desobediência (RT
492/398).
Além disso, é necessário que a ordem seja dirigida inequivocamente a quem tem o dever
jurídico de recebê-la ou acatá-la (RT 726/600, 591/342), não podendo ser presumida em
nenhum caso (RT 370/269). Não ocorre o delito, por exemplo, quando o agente não acata
ordem judicial de se submeter a exame hematológico, para fins de investigação de
paternidade (RT 720/448) ou para se sujeitar a exame de dosagem alcóolica, pois em ambos
os casos a oposição é legítima.
Igualmente, a dúvida justificada sobre a legitimidade da ordem autoriza o
descumprimento da ordem sem que se fale em crime de desobediência.
A ordem deve emanar de funcionário público que atue regularmente no exercício de sua
função.
Sujeito ativo do delito é o particular que desobedece a ordem legal do funcionário
público. Predomina o entendimento de que o funcionário público excepcionalmente pode
cometer o crime de desobediência, quando está agindo como particular (RT 613/413) ou
desrespeita ordem que não seja referente às suas funções (RT 738/574). Não comete, deste
modo, o delito de desobediência o funcionário público que age no exercício de suas funções,
consoante reiteradas decisões judiciais (RT 776/528, 780/616, 769/595), mesmo em caso de
funcionário público por equiparação (JCAT 72/613-4; RJTACRIM 38/357). Nessas
hipóteses, é cabível cogitar a existência do crime de prevaricação.
Por sua vez, sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o funcionário público que
emite a ordem legal. O termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos
moldes do art. 327 do CP (RT 375/207), em que pese a divergência já apontada acerca da
aplicação ou não do conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da
Parte Especial. Em suma, não acatar à ordem legal, emanada de funcionário público, mesmo
o equiparado (§1° do art. 327), que atue no exercício da função, configura o crime de
desobediência.
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que não há crime de desobediência quando a
lei de conteúdo não penal (administrativa, civil, processual) só comina sanção de caráter civil
ou administrativo. Assim, por exemplo, no caso de o motorista se recusar a retirar o
automóvel de local proibido, o Código de Trânsito Brasileiro somente prevê a aplicação de
penalidade administrativa. Impossível, nesta hipótese, a responsabilização do agente pelo
crime de desobediência. “Não se configura, sequer em tese, o delito de desobediência,
quando a lei comina para o ato penalidade civil ou administrativa” (RT 613/413, ou seja,
“não se justifica o processo penal por desobediência, uma vez que a própria lei prevê remédio
específico para a punição da mesma” (RT 368/265).
Portanto, é imprescindível que a norma extrapenal ressalve expressamente a cominação
cumulativa da sanção administrativa ou civil com a criminal. É o que ocorre com a norma do
art. 219 do CPP, a qual prevê a aplicação à testemunha faltosa de multa, da pagamento das
custas da diligência e a responsabilização pelo crime de desobediência. Neste caso, “não há
que se falar em bis in idem, dada a sabida independência entre as esferas administrativa e
penal, máxime quando o próprio diploma legal prevê, expressamente, a possibilidade de
reprimenda em ambas as esferas (RT 570/401). Isto é, o legislador ressalva a possibilidade de
providências cabíveis no âmbito penal.
c) Consumação e Tentativa
Consuma-se o crime no momento da ação ou omissão ilícita. No primeiro caso, a
consumação ocorre quando o agente pratica o ato ao qual deveria se abster. Na segunda
hipótese, o delito se consumará após decorrido o prazo fixado pelo funcionário público ou, na
ausência deste, depois de tempo juridicamente relevante que caracterize o descumprimento da
ordem (RT 499/504).
Admite-se a tentativa na forma comissiva, sendo incabível na conduta omissiva.
10. Desacato (Art. 331)
a) Tipo Penal
Art.331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
O tipo é formado pelo núcleo “desacatar”, e pelos elementos “funcionário público”, “no
exercício da função”, “ou em razão dela”.
Desacatar significa ofender, humilhar, desprestigiar, agredir o funcionário, atingindo a
dignidade ou o decoro da função. Em termos gerais, é a injúria cometida contra funcionário
público no exercício da função ou em razão dela, mas sempre na sua presença.
A tipificação do desacato pressupõe a ocorrência do fato na presença do funcionário
público (RT 601/425, 429/352). Assim, não se reconheceu o delito em exame na ofensa
realizada por telefone (RT 776/599, 377/238), nem nas expressões ofensivas ao promotor e
ao juiz contidas em petições subscritas por advogado (RT 667/339) ou em carta (JTACRIM
93/334). Nestas hipóteses, há apenas o respectivo crime contra a honra.
Mas não é imprescindível que o agente e o funcionário estejam face a face (ad faciem).
Noronha cita o caso em que o agente e o funcionário estão em salas separadas, sendo
proferida a ofensa por aquele para que este a ouça. Ou seja, “desde que presentes no mesmo
local, não é necessário que o funcionário ouça ou veja o ofensor; basta que tome
conhecimento da ofensa”. Neste sentido: RT 491/323, 695/348.
Por sua vez, não ocorre o delito quando o ofendido já não é funcionário público, ainda
que se refira a ofensa ao anterior exercício da função, vez que, na espécie inexiste ofensa à
Administração Pública (Mirabete).
A conduta pode ser cometida mediante palavras, atos (escrito, gestos, etc) e até mesmo
por meio de violência ou vias de fato, assim, como ocorre na injúria real (art. 140, §2°).
Pouco importa que o funcionário se julgue ou não ofendido, pois, conforme ensina
Hungria, está em jogo não apenas a integridade moral ou física do funcionário, mas
principalmente a dignidade e o prestígio do seu cargo ou função.
O desacato ocorre no exercício da função (in officio) ou em razão dela (propter
officium).
No primeiro caso, exige-se apenas que a ofensa seja dirigida contra o funcionário que
esteja no exercício funcional, caracterizando-se o delito ainda que não diga respeito à função,
ou que tenha sido proferida fora da repartição pública.
A segunda hipótese ocorre quando o funcionário não está no exercício de sua função,
sendo imprescindível que a ofensa tenha relação com sua função.
Sendo a ofensa proferida extra officium, não haverá o delito de desacato, subsistindo o
respectivo crime contra a honra.
Sujeito ativo do delito é o particular que pratica a ofensa contra o funcionário público.
Predomina o entendimento de que o funcionário público excepcionalmente pode cometer o
crime de desacato, quando está agindo como particular ou fora de suas funções (RT 507/474,
565/342, JTACRIM 70/372). Não comete, deste modo, o delito de desacato o funcionário
público que age no exercício de suas funções (RT 487/289), mesmo em caso de funcionário
público por equiparação (RJTACRIM 41/313). Nessas hipóteses, responde o agente pelo
crime contra a honra.
Discute-se, ainda, se existirá desacato quando o ofensor for superior hierárquico do
ofendido.
Hungria afirma que, na hipótese, não há de se falar em desacato, mas em crime contra a
honra, mesmo que o superior não se encontre revestido da qualidade de funcionário público
ou fora de sua função.
A posição dominante (Noronha, Mirabete, Damásio, Capez), no entanto, com razão,
entende que, na espécie, há crime de desacato. “Se o ofendido, no delito em apreço, é
primacialmente a Administração Pública ou o Estado, o superior, que ofende o inferior,
ofende, como qualquer outra pessoa, a administração não podendo ele sobrepor-se a esta. É
óbvio que, tutelando-se a administração, protegem-se seus agentes, não se excluindo os
humildes e modestos” (Noronha).
Por sua vez, sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o funcionário público que é
ofendido. O termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos moldes do art.
327 do CP (RT 375/207), em que pese a divergência já apontada acerca da aplicação ou não
do conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da Parte Especial.
Em suma, a ofensa a funcionário público, mesmo o equiparado (§1° do art. 327), no exercício
da função ou em razão dela, configura o crime de desacato.
Mister, ainda, a presença do elemento subjetivo do tipo, consubstanciado na vontade
livre e consciente de ofender ou desprestigiar o funcionário público e, por conseqüência, a
sua função e a própria Administração Pública.
Sendo assim, o sujeito deve saber que o ofendido é funcionário público e que está no
exercício da função ou que a ofensa é proferida em razão desta, ou seja, deve conhecer todas
as elementares do tipo.
Neste contexto, discute-se se a emoção pode excluir o delito de desacato, ou seja, se o
estado de exaltação ou de nervosismo servem para justificar a ofensa.
Predomina na jurisprudência, a nosso ver sem razão, o entendimento de que o desacato
pressupõe um estado normal de ímpeto, e que a exaltação exclui o elemento subjetivo do
agente. Acredita-se, no entanto que o estado emocional não tem o condão de excluir o
desacato. “Ao admitir tal comportamento, estaria instalada a balbúrdia na conceituação do
crime, pois nenhum indivíduo normal dirige ofensa a outrem sem que de alguma forma se
encontre contrariado em seus interesses” (RT 505/316), ou seja, “ninguém desacata outrem
estando em seu perfeito controle e com ânimo refletido” (RJDTACRIM 36/176). Além disso,
não se pode olvidar da regra do inciso I do art. 28 do CP, segundo a qual a emoção não exclui
a imputabilidade penal.
A mesma questão existe no caso de embriaguez. De forma semelhante a que ocorre no
caso de emoção, prevalece o entendimento de que a embriaguez é incompatível com o
elemento subjetivo do tipo de desacato, pois é necessário que o agente conheça a qualidade
do ofendido e que ela é realizada in officio ou propter officium. Assim, a embriaguez exclui o
desacato. Basta que ela seja completa (RT 539/296, 444/318, 521/482, 756/603).
Alguns entendem que mesmo a embriaguez incompleta exclui o delito em exame.
O melhor entendimento, no entanto, a despeito de ser minoritário, é aquele segundo o
qual a embriaguez do agente não dirime a sua responsabilidade quanto ao crime de desacato,
salvo se for total e proveniente de força maior ou caso fortuito (RT 751/684). O entendimento
contrário é contra legem (RT 564/389, 435/409), ferindo o art. 28, §1°, do CP.
c) Consumação e Tentativa
Consuma-se o desacato com a prática da ofensa, sendo irrelevante que o funcionário se
sinta ofendido ou que terceiros presenciem o desacato. Trata-se de crime formal.
A tentativa é inadmissível quando a ofensa for praticada por meio oral, pois neste caso o
delito é unissubsistente.
11. Tráfico de Influência (Art. 332)
a) Tipo Penal
Art.332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.
Pena - Reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
O objeto na tutela penal é o interesse público em seu mais amplo sentido, o qual é ferido
pelo agente que expõe a honra e o prestígio da Administração Pública à situação de
mercadejamento, transformando o funcionário em aparentemente corruptível (RJTJESP
16/471).
Com efeito, o sujeito vale-se de um suposto prestígio junto à Administração Pública
para buscar uma vantagem.
O tipo é formado pelos núcleos “solicitar”, “exigir”, “cobrar” e “obter”, e pelos
elementos “para si ou para outrem”, “vantagem ou promessa de vantagem”, “a pretexto de
influir em ato praticado por funcionário no exercício da função”.
Solicitar é pedir, buscar, manifestar o desejo de receber. Exigir significa ordenar,
reivindicar, impor como obrigação. Cobrar é pedir pagamento; e obter é receber ou adquirir.
Trata-se de uma espécie de estelionato, acrescido da ofensa ao prestígio e a honra,
ferindo a imagem da Administração Pública.
É imprescindível que o sujeito não goze realmente de influência junto à Administração
Pública. De fato, se o autor do crime realmente gozar de influência e dela se utilizar, poderá
haver outro crime, como, por exemplo, corrupção ativa, que absorverá o delito em exame.
Exige-se, ainda, que o agente alardeie prestígio, atribuindo-se influência sobre o
funcionário, não sendo necessário a menção de seu nome, mas somente da função, cargo ou
emprego que ocupa. Assim, não se pode cogitar do delito quando não se sabe junto a que
funcionário pretextava influir na obtenção de vantagem (JTACRIM 27/108).
Neste contexto, utiliza-se o autor do delito de fraude contra o comprador da influência,
que deve ser apta a influenciar a vítima, pois, caso contrário, não haverá o delito pela
absoluta ineficácia do meio, tratando-se de hipótese de crime impossível.
Cumpre ressaltar que não há qualquer participação do funcionário público na ação
criminosa, o qual é apenas envolvido pela fraude do agente. Nem é necessário que o agente
afirme ao comprador da influência que a vantagem se reverterá também ao funcionário.
Havendo esta insinuação, porém, o agente responderá pelo crime com a pena aumentada da
metade, na forma do parágrafo único do art. 332, uma vez que, na espécie, o desprestígio para
a Administração Pública é maior.
A vantagem buscada pelo agente pode ser de natureza material, moral ou mesmo sexual,
sendo irrelevante à configuração do delito se o fim objetivado é lícito ou ilícito.
Sujeito ativo do delito é o particular, mas nada impede que o funcionário público
também seja autor do crime.
Por sua vez, sujeito passivo é o Estado. Reconhece-se que o comprador também é vítima
secundária do delito, mesmo que o fim por ele buscado seja ilícito. Nesta hipótese, supõe ele
estar praticando um crime de corrupção ativa, que só existirá se realmente houver a influência
efetiva sobre o funcionário, Conforme ensina a doutrina, há, na espécie, crime putativo
quanto à participação na corrupção ativa.
Entende-se que o termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos moldes
do art. 327 do CP, em que pese a divergência já apontada acerca da aplicação ou não do
conceito deste artigo aos crimes previstos no Capítulo II do Título XI da Parte Especial. A
jurisprudência, porém, neste crime, não tem aceitado a ocorrência deste delito quando se trata
de pessoa equiparada a funcionário público (§1° do art. 327). Neste sentido: RF 235/307; RT
409/70.
Quando se trata de juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário da justiça,
perito, tradutor, intérprete ou testemunha, o crime passa a ser o de exploração de prestígio
(art. 357).
c) Consumação e Tentativa
Nas modalidades solicitar, exigir e cobrar, o crime consuma-se com a prática de uma
dessas ações, sendo irrelevante o recebimento da vantagem. Trata-se de crime formal.
No núcleo obter, o crime se consuma no momento em que o agente recebe a vantagem
ou sua promessa. Cuida-se de crime material.
A tentativa é admissível em todas as modalidades.
12. Corrupção Ativa (Art. 333)
a) Tipo Penal
Art.333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
Pune o CP, neste delito, a conduta do extraneus, do particular, ou do funcionário público
que não haja nesta qualidade, que oferece ou promete vantagem indevida a funcionário
público.
Conforme já ressaltado, corrupto e corruptor, a despeito de agirem em concurso são
responsabilizados cada qual por um delito. O primeiro responde pelo crime de corrupção
ativa; o segundo, pela corrupção ativa. Cuida-se de exceção à teoria unitária.
Oferecer é colocar à disposição, apresentar. Prometer é obrigar-se, anunciar, fazer
promessa.
As observações expendidas quando da análise do crime de corrupção passiva, às quais
se remetem o leitor, são inteiramente aplicáveis ao presente delito.
Reconhece-se que a oferta ou promessa de vantagem não precisa ser feita diretamente ao
funcionário público, podendo haver a figura de um intermediário (STJ – HC 2.467/RJ, DJU
25/04/94; RT 542/323).
A vantagem buscada pelo agente pode ter qualquer natureza, que não necessariamente
patrimonial, pois o delito tutela primordialmente a Administração Pública e não o patrimônio,
visando ao regular funcionamento de suas atividades e a moralidade administrativa. Apenas
se exige que ela seja indevida. Esta é a não prevista em lei, a que o funcionário não tem
direito.
O delito configura-se com a oferta ou promessa, sendo prescindível que o funcionário
público a aceite. Caso ocorra a aceitação, haverá corrupção passiva por parte do funcionário.
O termo “funcionário público” deve ser interpretado nos mesmos moldes do art. 327 do
CP, incluindo os funcionários equiparados.
Se a conduta for dirigida a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, não haverá o crime
em exame, mas o do art. 343.
A conduta do agente é dirigida ao funcionário público para “determiná-lo a praticar,
omitir ou retardar ato de ofício”. Assim, não há que se falar em corrupção ativa quando a
oferta ocorre após a atuação ou omissão voluntária do ato de ofício pelo funcionário público
(RT 508/439). Ou seja, exige o delito uma promessa anterior de recompensa (RT 792/626).
Como ensinam Noronha e Damásio, não se pune a corrupção ativa subseqüente.
Como visto anteriormente, é prescindível à configuração da corrupção ativa que o ato
funcional seja praticado, omitido ou retardado pelo intraneus, o que constitui mero
exaurimento da conduta.
No entanto, o exaurimento da conduta, na espécie, faz incidir a causa de aumento do
parágrafo único, majorando a pena em um terço.
c) Consumação e Tentativa
O crime consuma-se com a oferta ou promessa de vantagem do extraneus ao intraneus,
não sendo necessário que este a aceite, ou mesmo que infrinja o seu dever funcional. Trata-se
de crime formal.
A tentativa é admissível.
13. Contrabando ou Descaminho (Art. 334)
a) Tipo Penal
Art.334 - Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;
b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.
§ 3º A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.
b) Elementos do Crime – Adequação Típica
Mais uma vez o CP, do mesmo modo que fez na corrupção passiva, excepciona a teoria
unitária, tipificando autonomamente as condutas do funcionário público, que facilita o
contrabando ou o descaminho, e do terceiro que realiza o próprio contrabando ou
descaminho. Com efeito, embora exista concurso de agentes, respondem cada qual por delito
autônomo; o funcionário pela facilitação (art. 318); o terceiro, pelo crime de contrabando ou
descaminho (art. 334).
Contrabando é a importação ou exportação fraudulenta de mercadoria, cuja entrada ou
saída seja absoluta ou relativamente proibida. Por sua vez, descaminho é o ato fraudulento
que se destina a evitar, total ou parcialmente, o pagamento de direitos e impostos previstos
pela entrada, saída ou consumo de mercadorias.
No §1° do art. 334, o CP dispõe acerca dos fatos assemelhados a contrabando ou
descaminho.
O tipo é formado pelos núcleos “importar”, “exportar” e “iludir”, e pelos elementos
“mercadoria proibida”, “no todo ou em parte, pagamento de direito ou imposto”, “devido pela
entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”.
A primeira parte do artigo refere-se ao contrabando; a segunda, ao descaminho.
Importar significa trazer para o país; exportar é levar para fora do país.
Não há que se falar, assim, em contrabando ou descaminho, quando a mercadoria de
origem brasileira apenas circula no território nacional, de um estado a outro, sem que venha a
sair do país. Isto porque é requisito à configuração do delito em exame a entrada ou saída da
mercadoria do país, conclusão que decorre das próprias condutas (importar e exportar)
previstas no tipo. Este entendimento deve ser aplicado, inclusive, na figura do descaminho,
pois a normal penal se refere a imposto “devido pela entrada ou pela saída ou pelo consumo”.
Exige-se que a mercadoria seja proibida. Esta adquire esta qualidade, por razões de
ordem pública, que leva o Estado a proibi-la. Cuida-se de norma penal em branco, que deve
ser complementada por outra, de cunho não penal, que indique quais mercadorias são
proibidas. A proibição pode ser absoluta (mercadoria proibida em si mesma) ou relativa
(proibida apenas em determinadas circunstâncias).
Na hipótese de mercadoria fabricada no Brasil e destinada exclusivamente a exportação,
tendo em vista ser proibida sua comercialização no país, a sua posterior introdução
clandestina no território nacional, configura contrabando ou descaminho.
Diverge-se, no entanto, a jurisprudência quanto à sua capitulação. Já se decidiu que “a
reintrodução no País de pacotes de cigarros nacionais, fabricados exclusivamente para
exportação, caracteriza o crime de contrabando” (TRF 1ª Região - RT 776/695) e que
“caracteriza o crime de contrabando e não o de descaminho a reintrodução no país de
produtos de fabricação nacional destinados, exclusivamente, à exportação e de venda
proibida no Brasil (TRF 1ª Região - RT 755/735).
No STF, porém, tem prevalecido a orientação que a conduta constitui descaminho, na
forma das alíneas “c” e “d” do §1° do art. 334 (RT 559/443; RTJ 100/853).
De fato, conforme ensina Damásio, “a capitulação do fato pode ser feita em face do
caput do art. 334, uma vez que a norma fala em ‘mercadoria proibida’ e não ‘mercadoria
estrangeira’. E também pode adequar-se o fato às incriminações das alíneas c e d., tendo em
vista a presença da elementar ‘mercadoria de procedência estrangeira’. Note-se que o tipo não
descreve como elemento ‘mercadoria estrangeira’, mas ‘mercadoria de procedência
estrangeira’. Importa saber se a mercadoria, sendo proibida, procede do exterior, tornando-se
irrelevante a circunstância de ser nacional ou estrangeira”.
Ressalte-se que, quando a importação de determinadas mercadorias constituir outro
ilícito penal previsto em legislação penal especial, o agente deve responder somente por este
crime, o qual absorve o contrabando ou descaminho. É o que ocorre, por exemplo, no tráfico
ilícito de entorpecentes.
No tocante ao tráfico de armas de fogo, previa a Lei n° 9.437/97 (art. 10, §2°) que,
tratando-se de contrabando ou descaminho de armas de fogo ou acessórios de uso proibido ou
restrito, devia o agente ser responsabilizado inclusive pelo crime do art. 334 do CP.
Entretanto, a Lei n° 10.826/2003, que rege atualmente o tema, criou a figura do tráfico
internacional de arma de fogo (art. 18), não prevendo mais a responsabilização criminal do
agente também pelo crime de contrabando ou descaminho.
No descaminho, a conduta é iludir, que significa empregar fraude para evitar o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria não proibida.
Com efeito, iludir “traduz idéia de enganar, mascarar a realidade, simular, dissimular; o
agente vale-se de expediente para dar impressão de não praticar conduta tributável. Há, pois,
fraude, por ação ou omissão. No primeiro caso, ilustrativamente, procura evidenciar a
mercadoria a, como b; no segundo, se a pessoa indagada pelo agente fazendário porta objeto
tributável, figurando não compreender, deixa de responder, ou não toma a iniciativa de
evidenciar o fato” (RSTJ 97/423).
Ou seja, não basta a entrada ou a saída da mercadoria sem o recolhimento do imposto
devido, sendo necessário o emprego da fraude, pois só assim se pode falar em ato capaz de
“iludir” a autoridade fazendária. Ausente o meio fraudulento, a conduta caracteriza mero
ilícito fiscal.
O próprio STF já decidiu que: “Apreensão de bagagem depois de normalmente liberada
pela fiscalização fazendária. Fraude alegada que não se configura, pois em nenhum momento
se caracterizou o dolo. Flagrante preparado, sem qualquer indício e que tenha sido iludido o
pagamento de impostos acaso incidentes na liberação da mercadoria de ingresso não proibido
no país. Recurso provido para trancar a ação penal” (RT 642/366).
Sujeito ativo do delito é o particular, podendo o crime também ser cometido por
funcionário público, que não possua o dever funcional de impedir o contrabando ou
descaminho. Tendo o funcionário o dever funcional de repressão ao contrabando ou
descaminho, responderá pelo crime de facilitação (art. 318).
Se o contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo a pena é aplicada em
dobro, incidindo a causa de aumento de pena do §3°. Justifica-se a majorante pela maior
dificuldade de fiscalização das mercadorias transportadas. Assim, entende-se que os vôos
regulares não estão incluídos na espécie, pois nestes há fiscalização alfandegária. Portanto, a
causa de aumento de pena só incide nos vôos internacionais clandestinos. Neste sentido:
Damásio, Delmanto, Bitencourt e Capez.
c) Consumação e Tentativa
Conforme ensina Capez, é preciso distinguir duas situações: ingresso ou saída do
território nacional pelos caminhos normais; e ingresso ou saída clandestinamente.
No primeiro caso, o contrabando consuma-se no momento em que ultrapassada a zona
fiscal, mesmo que a mercadoria não tenha chegado ao seu destino (RT 728/511; RSTJ 54/26).
O descaminho, por sua vez, está consumado com a liberação da mercadoria pela alfândega
(RT 728/511).
Na hipótese de entrada ou saída clandestina, o contrabando e o descaminho consumam-
se com a transposição da fronteira do território nacional.
A tentativa é admissível tanto no contrabando como no descaminho.