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Crime, Castigo e Segregação: da Geopolítica à Questão Urbana na Era da Sociedade Blade Runner Prof. Osvaldo Bastos 1 (2 Edição Revisada e Ampliada) E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda imaginação dos seus pensamentos de seu coração era só má continuamente. Então, arrependeu-se o SENHOR de haver feito o homem sobre a terra, e pesou-lhe em seu coração. E disse o SENHOR: Destruirei, de sobre a face da terra, o homem que criei, desde o homem até ao animal, até ao réptil e até à ave dos céus, porque me arrependo de os haver feito. Gn. 6-5,6,7 Resumo: Aborda a questão do conflito e divisões de espaços geográficos tanto no âmbito mundial como nos cenários urbanos. Além de mostrar uma tendência mundial nos dois níveis, salienta a importância do Estado e do Direito responderem a tal fenômeno considerando que é processo irreversível. Palavras Chaves: Segregação, Geopolítica, Urbano, Estado, Direito e Blade Runner. 1 - Introdução: As origens da segregação moderna e o problema da igualdade A segregação parece ser um fenômeno natural. Mas, quais e como os contornos modernos foram se desenvolvendo? No filme de Ridley Scott, Blade Runner O caçador de Andróides, lançado em 1982, logo alcançou o status de clássico da ficção científica. Previa que no ano 2019, o planeta Terra, já em acentuada decadência, apresentaria um quadro no qual, os habitantes considerados humanos habitam em gigantescos edifícios apartados de tudo. Os demais habitantes são humanos decadentes e andróides que devido a sofisticada evolução da engenharia genética alcançaram força e agilidade superiores aos verdadeiramente humanos. Esses andróides chamados de replicantes rebelam-se, fogem das suas colônias e tornam-se uma ameaça aos humanos seus criadores. Para conter esses seres rebeldes e intrusos cria-se uma força especial de polícia para a retirada”, o que significa matar, tais criaturas. Essa força policial especial chama-se blade runners, cuja missão é impedir a penetração dos andróides nos espaços humanos. O problema está no fato de que os replicantes alcançam características cada vez mais humanas, inclusive não aceitando o limite de tempo de quatro anos para sua existência. Ao mesmo tempo os blade ranners apresentam características cada vez mais desumanas. Não só 1 Msc em Ciências Sociais, UFBa., Professor de Gestão Pública UCSal,.Direito FBB, Direito e Serviço Social D. Pedro II, Criminologia e Análise Criminal Academia de Oficiais da Polícia Militar Curso de Formação de Oficiais CFO, CESP: Curso de Especialização em Segurança Pública - CEGESP: Curso de Especialização em Gestão Estratégica em Segurança Pública.SENASP/Ministério da Justiça

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Crime, Castigo e Segregação: da Geopolítica à Questão Urbana naEra da Sociedade Blade Runner

Prof. Osvaldo Bastos1

(2 Edição Revisada e Ampliada)

E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que todaimaginação dos seus pensamentos de seu coração era só má continuamente.Então, arrependeu-se o SENHOR de haver feito o homem sobre a terra, e pesou-lheem seu coração.E disse o SENHOR: Destruirei, de sobre a face da terra, o homem que criei, desde ohomem até ao animal, até ao réptil e até à ave dos céus, porque me arrependo de oshaver feito. Gn. 6-5,6,7

Resumo: Aborda a questão do conflito e divisões de espaços geográficos tanto no âmbito mundialcomo nos cenários urbanos. Além de mostrar uma tendência mundial nos dois níveis, salienta aimportância do Estado e do Direito responderem a tal fenômeno considerando que é processoirreversível.

Palavras Chaves: Segregação, Geopolítica, Urbano, Estado, Direito e Blade Runner.

1 - Introdução: As origens da segregação moderna e o problema daigualdade

A segregação parece ser um fenômeno natural. Mas, quais e como os contornos

modernos foram se desenvolvendo? No filme de Ridley Scott, Blade Runner – O caçador de

Andróides, lançado em 1982, logo alcançou o status de clássico da ficção científica. Previa

que no ano 2019, o planeta Terra, já em acentuada decadência, apresentaria um quadro no

qual, os habitantes considerados humanos habitam em gigantescos edifícios apartados de

tudo.

Os demais habitantes são humanos decadentes e andróides que devido a sofisticada

evolução da engenharia genética alcançaram força e agilidade superiores aos verdadeiramente

humanos. Esses andróides chamados de replicantes rebelam-se, fogem das suas colônias e

tornam-se uma ameaça aos humanos seus criadores. Para conter esses seres rebeldes e

intrusos cria-se uma força especial de polícia para a “retirada”, o que significa matar, tais

criaturas. Essa força policial especial chama-se blade runners, cuja missão é impedir a

penetração dos andróides nos espaços humanos.

O problema está no fato de que os replicantes alcançam características cada vez mais

humanas, inclusive não aceitando o limite de tempo de quatro anos para sua existência. Ao

mesmo tempo os blade ranners apresentam características cada vez mais desumanas. Não só

1 Msc em Ciências Sociais, UFBa., Professor de Gestão Pública UCSal,.Direito FBB, Direito e Serviço Social D.Pedro II, Criminologia e Análise Criminal Academia de Oficiais da Polícia Militar – Curso de Formação deOficiais – CFO, CESP: Curso de Especialização em Segurança Pública - CEGESP: Curso de Especialização emGestão Estratégica em Segurança Pública.SENASP/Ministério da Justiça

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por isso, o filme traz inquietações. Independente das origens, humanos e replicantes

confrontam-se com questões ontológicas como o conflito com o seu próprio passado, o

sentido da existência e o prolongamento da mesma.

Sem passado não há referência para o futuro. Mas qual futuro? Para os replicantes o

futuro é imitar o mais possível o seu criador, o homem. Já o homem ao se tornar Deus,

condenou-se a perder o sentido da sua própria existência. Vive agora no alto e cercado de

muros. Neste mundo blade runner o céu não é para todos e aqueles que não forem eleitos

estão condenados a viver no inferno que está embaixo ou à morte como castigo pela rebeldia.

Chegamos no futuro.

O problema do nosso tempo é muito antigo e sempre caminhou no compasso da

humanidade. A modernidade só fez acirrar características humanas. O filho predileto da

modernidade, o capitalismo, devassou o “humano, demasiadamente humano”. Nesse sentido, o

capitalismo tornou-se nosso Deus. Existe, mas é abstrato. Tem a capacidade de induzir

desejos e manifesta-se em coisas materiais, tal como o Criador faz com a natureza.

Quando as teorias da evolução apontaram o homem como descendente próximo do

macaco algo de insuportável pairou no ar. Retirou o homem do seu paradisíaco conforto a

respeito da tradicional versão “imagem e semelhança de Deus” e, ao mesmo tempo, o colocou

mais longe do Céu.

Nesse sentido, Joseph Campbell ao analisar a reprodução do mito do herói nos filmes

de ficção científica nos diz que essa é:

A mensagem de que a tecnologia não vai nos salvar. Nossos computadores, nossasferramentas, nossas máquinas não são suficientes. [...] Ao contrário, pela superaçãodas paixões tenebrosas, o herói simboliza nossa capacidade de controlar o selvagemirracional dentro de nós (2002, p. 09).

As estruturas e dinâmicas das classes sociais nas sociedades modernas seguem, a

mesma lógica quando colocamos o Capitalismo como Deus. Os que estão embaixo imitam os

que estão em cima e os que estão acima de tudo numa posição deificada e divinizada, das

classes abastadas, já não têm o que imitar e mesmo que não sejam têm. E têm o que todos

querem ter. Por isso, cultuam um deus que não é. Apenas tem e oferece, as benesses do capital

e da tecnologia. A maior revelação dessa tragédia está embaixo tal como os androídes das

classes menos abastadas, que não podem ter e não são. Apenas almejam ter. As estruturas e

dinâmicas de classe e relações de classe, o projeto moderno, laico e secular prometeu ser e ter.

Um ser-no-mundo para o mundo. Agora ser é ter e quem não tem não é. Se ser é ter, o vir a

ser é também ter. Ou seja, o vir-a-ser agora é vir-a-ter. Mas para além dos que já têm e são,

poucos ainda virão a ter e por isso, muitos jamais serão. Mesmo aqueles que buscam ser e ter,

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através dos subterfúgios das rebeliões que vão do protesto ao crime, estão justificando mais

segregação. Se agora a matéria representa o homem que insiste em esquecer o instinto, que

cobra extravasamento e sublimação, essa nossa louca e desvairada antropofagia da matéria,

nos alimenta e nos faz reproduzir a vida e o existir numa permanente fenomenologia da

negação da vida. Agora sua propriedade pode ser minha óstia. Ter o que é seu pode

simbolizar minha salvação aqui e nada mais.

Tal como Deckard, personagem-herói, caçador de andróides, ao se ver num mundo

totalmente criado pelo homem criador, o homem-deus, se questiona sobre a veracidade do seu

próprio passado. E se seu passado fosse apenas virtual, ou seja e se não tivesse passado tal

como os andróides não têm? Então não haveria porque confiar num futuro. Pois sem passado

qual seria o futuro? Diante desse impasse, esse presente exíguo, sem a certeza se houve

“antes” e haverá “depois”, sublima os seus desejos se entregando com paixão à criação do

homem-deus. Acasala com uma andróide. Foge na sua nave buscando um além paradisíaco por

aqui mesmo, pois está convencido de que o Céu é uma ilusão.

A questão urbana, a questão social e a segregação são vistas aqui senão como

sinônimos, mas como variáveis que se intercruzam gerando contornos de agregados humanos

que variam com o tempo e a história de cada lugar. Por isso, apresentam

características ontológicas a tal processo.

As concepções de pertencimento e lugar, sempre existiram em qualquer contexto

geográfico, cultural e histórico em que o homem habitou. Então, o objetivo é saber como

esses fenômenos se manifestam na modernidade e em que medida já podemos percebê-los

como pós-modernos. Por que e como cidades planejadas não conseguiram deter a fúria das

massas e os conflitos entre grupos urbanos? Há nesta exposição a plena convicção de que as

promessas modernas de liberdade e felicidade não se realizaram. Mas, porquê? Ainda há

saídas para os problemas modernos a partir do próprio referencial moderno de ideias,

princípios e doutrinas? Será que a única saída para o dilúvio que se apresenta agora, onde

todas as referências modernas originais são varridas do nosso mapa cognitivo com a

mesma velocidade da internet, não será a construção de uma nova “arca” da salvação? Mas

como seria esta nova “arca de Noé” pós-moderna? A construção de cidades na Lua?

O fenômeno urbano da segregação é por demais complexo para ser todo ele reduzido a

análises marxistas superficiais nas quais tudo é traduzido como um mero conflito de classe e

renda. Até por que, Marx enquanto pensador moderno, identifica no conflito de classe uma

das manifestações das ambivalências que caracterizam os fundamentos da modernidade. Ele

inverte os fundamentos do fenômeno moderno.

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O problema não se resume, mas está centrado na quantidade de pessoas, formando

agregados num mesmo espaço geográfico. A “questão urbana” moderna já se arrasta desde

antes do Renascimento. Em A Cidade na História (1965) Lewis Mumford mostra a

complexidade que envolve o fenômeno urbano na mesma proporção da humana. Mumford

mostrou que:

As origens das cidade são obscuras, enterrada ou irrecuperavelmente apagada uma

grande parte do seu passado, e são difíceis de pesar suas perspectivas futuras. [...] a

sociedade urbana chegou a um ponto em que são dois os seus caminhos. [...] a saber:

se irá dedicar-se ao desenvolvimento de sua mais profunda condição humana ou se

irá entregar-se às forças hoje quase automáticas, que ele próprio desencadeou, e

ceder o lugar a seu demasiado alter ego, o “Homem Pós-Histórico”. Esta segunda

alternativa trará consigo uma progressiva perda do sentimento, da emoção, da

audácia criadora e, afinal, da consciência.

Muitas cidades, muitas instituições educacionais e organizações políticas existentes

já firmaram seu compromisso com o “Homem Pós-Histórico”. Essa criatura

obediente não precisará de cidade: o que foi outrora uma cidade reduzir-se-á às

dimensões de um centro subterrâneo de controle, pois, nos interesses do controle e

do automatismo, todos os demais atributos da vida serão penhorados. [...] Assim, o

próprio triunfo da civilização urbana sancionou os belicosos hábitos e exigências

que continuamente a solaparam e anularam seus benefícios. [...] O próprio

capitalismo primitivo, entretanto, revelou-se mais uma força desintegradora que

integradora na vida da cidade medieval. Com efeito, o capitalismo precipitou a

mudança da antiga economia de proteção, baseada na função e situação social, tendo

em vista a segurança, moralizada em certo grau pelo preceito religioso e por um

forte sentimento de laços e desejos de família, numa nova economia de comércio,

baseada na empresa individual, estimulada pelo desejo de ganhos monetários. A

história econômica da sociedade medieval é, em grande parte, uma história da

transferência do poder, de produtores protegidos, ganhando a vida moderadamente

e alcançado um estado de relativa igualdade, para um pequeno grupo de mercadores

em grosso, privilegiados, amigos e rivais de príncipes, entregues a transações em

larga escala, muitas vezes por longas distâncias, objetivando ganhos imensos. Com

essas transferências, deu-se a elevação de uma nova hierarquia, onde a posição

e a situação eram baseadas principalmente no dinheiro e no poder que o dinheiro

pode comandar.

Com o tempo, a atitude de proteção e submissão, que, de maneira ideal,

caracterizava o superior e o inferior no regime feudal, cedeu lugar à hostil

expropriação, de um lado, com fervilhante revolta e contra-desafio do outro (1965,

p. 11, 12, 75, 335).

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Agora num ambiente de espaços curtos, quando criador e criatura se encontram o

conflito é uma tragédia anunciada. Esse encontro só pode resultar em mais confronto. O mais

grave é quando a criatura percebe que nunca chegará a ser como seus criadores, mesmo

imitando modas e caindo nas armadilhas de políticas públicas, que além de não levarem as

criaturas ao céu só farão estas criaturas tornarem-se estatísticas.

A modernidade sempre esteve fundamentada em antagonismos que se não lhe são

particulares, cada vez mais ganharam expressão. Ordem e liberdade, Estado e sociedade,

Estado e indivíduo são apenas os mais fundantes.

Quando no decorrer da história do desenvolvimento do capitalismo, maior expressão

da implementação do projeto moderno, tais antagonismos fundantes tornaram-se mais

evidentes, tão logo tornaram-se também problemas. Porém, a origem do engano está na

interpretação do projeto moderno feita pelos contemporâneos. Quando Marx estava

analisando a modernidade seus interpretes, seguidores ou inimigos reduziram tudo à luta de

classe e uma proposta revolucionária. Bastava entender que Marx, antes de tudo, estava

analisando a sociedade moderna, o fenômeno modernidade em sua mais plena expansão e

execução. No fenômeno da luta de classe Marx identificou um dos desdobramentos daqueles

antagonismos numa modernidade avançada. Descreveu todo o processo de desagregação

moderno ao afirmar que a sociedade moderna capitalista estava organizada de acordo com as

relações de produção. Mostrou também que, além dessa segregação ser inerente às

sociedades humanas, o projeto moderno na sua versão capitalista, para se sustentar, carecia de

um Estado e um Direito que lhe legitimassem. A sua proposta não poderia deixar de ser outra

versão moderna de sociedade. O socialismo que abolia o Estado, não tinha nenhum Direito

proposto à vista, assim como carecia de ao menos rudimentos de um plano econômico, não

deu certo.

Muito antes de Marx, lá no jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII, a discussão

sobre propriedade dá as diretrizes que chegam aos nossos dias. Todos os outros princípios do

direito natural estavam fundamentados e orientados pela propriedade. A polêmica sobre

liberdade é para quem tinha propriedade e para preservá-la. Sobre a igualdade, a princípio

reduzida à propriedade logo se percebe que jamais seria alcançada. E não poderia, senão, o

projeto moderno não se sustentaria. Reduz-se então a idéia de igualdade para a altruísta

concepção de igualdade perante a Lei.

A vida foi alvo de pouco debate. Já estava sacralizada pela doutrina judaico-cristã que

entregou ao homem apenas a sua posse. A vida pertence a Deus. Por isso ela é sagrada.

Como está escrito: Não Matarás. Mesmo assim, ainda foi preciso esperar o raiar do século

XVIII, para

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que homens como Montesquieu (1973) e Beccaria (1950), protestassem contra a barbáries das

punições.

Essas idéias só foram pouco a pouco aceitas, não exatamente por serem oriundas de

mentes brilhantes. Muito mais por estar em curso o modelo de produção capitalista que

cobrava homens vivos e com braços fortes para trabalhar. Desde então, já não é muito

interessante para a modernidade em andamento, mutilar ou matar. Não por acaso, o corpo

passa a ser propriedade.

Entretanto, até mesmo no plano da filosofia da moral, a perspectiva defendida por

Adam Smith estava longe de ser unanimidade. Muito pelo contrário era ferrenho o debate em

torno da propriedade e da sua função social. Como posição contrária aos benefícios sociais da

propriedade podemos citar Rousseau. Sabidamente Rousseau defendia a crença da bondade

original no homem que teria sido corrompida pela evolução da vida na sociedade moderna.

Para Rousseau há dois tipos fundamentais de desigualdade. A natural ou física e a moral ou

política. O processo evolutivo da sociedade civil faz aumentar a desigualdade entre os

homens, tendo como questão decisiva a propriedade. A bondade humana seria então

corrompida por uma sociedade organizada em função propriedade privada. De fato, em

Rousseau vemos mais uma versão do homem decaído do paraíso, expresso na literatura

política francesa. Mas Rousseau mostra que existe uma relação entre desigualdade e modelo

de relações sociais. Sendo assim, modelo social e a desigualdade natural entre os homens se

complementam na composição de uma organização social que só pode se reproduzir

aumentando as diferenças. Por isso ele afirma:

a desigualdade natural insensivelmente se desenvolve junto com a desigualdade derelações, e as diferenças entre os homens, desenvolvidas pelas diferenças dascircunstâncias, se tornam mais sensíveis, mais permanentes em seus efeitos e, emidêntica proporção, começam a influir na sorte dos particulares. (1958, p. 197)

Se para muitos a propriedade seria sinônimo de moralidade, para outros, muito pelo

contrário, ameaçariam a moral e a ordem social. A lógica em questão era mais ou menos a

mesma só que elaborada em sentidos contrários. Para ter acesso e manter a propriedade seria

necessária disciplina, daí porque aparece a questão da moral. Por outro lado exatamente a

busca pela propriedade e sua manutenção é que levaria à indisciplina e imoralidade. As

palavras de Rousseau resumem muito bem o pensamento de uma época.

Por fim, a ambição devoradora, o ardor de formar uma fortuna relativa, menos porverdadeira necessidade do que para colocar-se acima dos outros, inspira a todos oshomens uma negra tendência a prejudicarem-se mutuamente, uma inveja secretatanto mais perigosa quanto, para dar seu golpe com maior segurança,freqüentemente usa a máscara da bondade; em uma palavra, há de um ladoconcorrência e rivalidade de outro, oposição de interesses e, de ambos, o desejooculto de alcançar lucros a expensas de outrem. Todos esses males constituem o

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primeiro efeito da propriedade e o cortejo inseparável da desigualdade nascente(1958, p. 198).

No decorrer do desenvolvimento do que ficou conhecido como pensamento moderno,

logo foram ficando bastante claras as dificuldades da sua realização. Se J. Locke

(2001) encabeça no século XVII o constitucionalismo moderno, no século XVIII,

Montesquieu seguindo tal diretriz aperfeiçoa a doutrina da divisão de poderes. Foi preciso

esperar Rousseau para que a democracia ganhasse o seu lugar nesse contexto de efervescentes

ideias. Mas o mesmo Rousseau que a princípio é contra a propriedade privada não acredita no

futuro da democracia, afirma que a liberdade está restrita à subordinação da lei e aquele que

violar a lei e romper com o contrato social é inimigo.

A modernidade já nasce claudicante. Mas Hobbes, entre outros, já tinha avisado para

os perigos de se reconhecer os direitos naturais estendendo-os para todos os homens, partindo

do entendimento de que o homem é violento por natureza e que luta por vaidade, ou seja, por

aquilo que acredita ser.

Porém, de fato, não havia outra saída. Romper com a Idade Média era antes de tudo

afastar-se do abuso de poder. Um poder temporal interpretado ao bel-prazer como divino.

Buscar novos parâmetros na antiguidade foi sem dúvida uma saída inteligente. Mas, desde o

princípio, estava claro que tais conceitos e significados teriam que ser reinterpretados. Mesmo

assim as raízes modernas na antiguidade se fazem presentes até hoje. E como lembra

Mumford:

Quando definiu a Pólis, não apenas era uma comunidade de sêres vivos, mas comouma comunidade de iguais, tendo em vista a melhor vida possível, Aristótelesdeliberadamente excluiu a vida dos “mecânicos ou comerciantes, pois tal vida éignóbil e inimiga da virtude”: Na verdade, essas classes não podem sequer possuiruma função sacerdotal, “pois os deuses devem receber honras apenas dos cidadãos”.A noção de que a comunidade inteira deve partilhar a vida da cidade como todos oscamponeses tinham compartilhado a vida da aldeia, não ocorreu a Aristóteles, assimcomo não ocorrera a Platão. A boa vida só podia ser encontrada no nobre lazer, e onobre lazer significava que outrem deveria realizar o trabalho.Essa impossibilidade de uma larga parcela dos moradores da cidade alcançar acidadania explica, em parte, a derrocada da cidade grega. Mantendo a maior parte deseus habitantes fora da política, da área da plena cidadania, a pólis dava-lhes licençapara serem irresponsáveis (1965, p. 245).

A questão urbana já se faz presente desde então. Todo o universo moderno foi

adaptado em função dessas referências. O papel do novo perfil de indivíduo, cidadão,

liberdade e propriedade fazem parte deste lugar. É nesse quadro moderno que o Estado e o

Direito passam a ser repensados para organizar e dar respostas a um aglomerado de pessoas

que vivia no campo, orientando as suas relações pelos costumes. Só a partir de então é que

podemos falar em Estado moderno, Direito moderno, cidade moderna e mesmo em homem

moderno.

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No século XIX é a vez da ciência dar as diretrizes. Todo aquele caminho deixado por

Aritóteles e aperfeiçoado desde então, faz do Positivismo uma encarnação de um sentimento

de superioridade que misturou ciência e evolucionismo. De fato, tal como Marx assinalou no

Manifesto a expansão do mercado e novos valores burgueses faziam civilizar os povos mais

bárbaros. Os antagonismos modernos tornam-se mais evidentes e a idéia de decadência

permeia quase que a totalidade das análises desse novo cenário. De Durkheim (1999) e Weber

(1976) a Freud (2001) o conceito de civilização foi posto em dúvida e não por acaso,

Schopenhauer (2001) que foi seguido por Nietzsche (2000) trouxe a idéia de uma ausência de

sentido para a existência do homem.

O século XX foi inaugurado por uma guerra já prevista no final do século anterior e

tamanha foi sua proporção que equivocadamente foi chamada de Primeira Guerra Mundial.

Na verdade teria sido mais adequado chamar de a última guerra de trincheiras. Não foi preciso

mais que três décadas para a humanidade assistisse e sofresse a primeira grande guerra

mundial moderna, mais conhecida como Segunda Guerra Mundial. O Holocausto nazista foi

hipocritamente apontado como sumo mau fazendo muita gente esquecer que foram os

ingleses e franceses que inventaram o campo de concentração moderno nas suas colônias, os

russos imitaram e aperfeiçoaram nos Gulags e os alemãs levam às últimas conseqüências.

Alguns acontecimentos marcantes dos séculos XIX e XX, principalmente as Grandes

Guerras, é que vão levar ao aparecimento do conceito de “dignidade humana” no sentido que

damos hoje. Foram as guerras do século XX que derrubaram todas as hipocrisias, que fizeram

descer pelo ralo os falsos mitos e escancaram até onde a maldade humana pode chegar.

Quando começou-se a pensar que tudo ficaria bem graças à criação da ONU,

sucedendo a natimorta Liga das Nações, guerras localizadas desencadearam-se de tal maneira

que a ONU foi quase reduzida a arbitrar sobre quem poderia matar quem ou qual país poderia

invadir outro em função das “resoluções” da mesma instituição que se presta, muitas vezes, a

otimizar resultados de relatórios que rasteiam as tragédias mundiais. Desde então o sonho da

paz perpétua tornou-se uma ilusão.

O fenômeno da segregação vem sendo estudado muitas vezes como algo ligado

diretamente à dominação. Relacionado também aos interesses de classe. Mas é a segregação

um instinto natural de defesa, proteção e medo?

Sendo um instinto implica saber como se manifesta nas diferentes culturas e tempos

históricos. Mas sendo ou não um instinto resta compreender a segregação moderna, como

surge, suas manifestações e desdobramentos até os nossos dias.

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A idéia moderna de um governo mundial foi sem dúvida a possibilidade de, ao menos,

poder administrar tal problema. Terá a atual crise da ONU correlação com o fenômeno da

segregação mundial que se apresenta como irreversível no mundo inteiro? Até quando a

ONU poderá administrar os choques das civilizações?

Em que medida esta segregação mais perceptível em âmbito mundial se manifesta em

regiões e mesmo em centros urbanos? O que já havia sido revelado com as guerras

separatistas dos Bálcãs e os movimentos neonazistas espalhados por toda a Europa, por

exemplo, e que nós recusamos reconhecer? Houve mesmo o fim do Apharteid ou a

reprodução das estruturas numa nova ordem mundial? Segregar é também criar mundos dentro

de mundos. Segregar é impedir ou dificultar de participar do projeto moderno, naquilo que há

de êxito e salvação. No século XX duas experiências desse tipo foram marcantes e

interrelacionadas. São elas: a Guerra Fria e o Welfare State.

Como é sabido a Guerra Fria separa o mundo em dois blocos a partir de fundamentos

político-ideológicos e modelos de produção econômica. Ao mesmo tempo o Welfare State

aparece e se desenvolve com o objetivo de tratar os desiguais de forma desigual, mantê-los

desiguais, porém pacífico.

O problema das promessas do consenso são os atuais efeitos colaterais. Até bem pouco

tempo, grosso modo, talvez em três ou quatro décadas o desenvolvimento tecnológico nas

comunicações de massa conseguiram arrebanhar muitas consciências unificadas. Mas ao

mesmo tempo, o uso sistemático e estratégico do fluxo constante entre liberdade e repressão,

do igual e do diferente, trouxe logo os seus efeitos colaterais. Fazendo parte dessa estratégia

de dominação, o discurso do “respeito às diferenças”, largado a esmo como forma de separar

para dominar é apenas o exemplo mais evidente. Distrair as massas com a participação de

representantes das massas, símbolos dos grupos “excluídos” foi uma forma eficiente criar

desejos e manipular a satisfação desses desejos, quase sempre postergados e frustrados. Não

há marginal. Aquele que está à margem da sociedade é um conceito vazio. Todos fazem parte

do sistema. Nesse sentido, o desejo realizado, que só pode se realizar pela aceitação do

protesto pelo sistema, implica reconhecer que a aceitação do protesto serve à manutenção do

sistema ao qual se protesta. Ter o protesto reconhecido é ingressar no sistema que protestou.

Porém, em muitos casos o desejo foi criado e para esses novos mitos não há consolo

para a frustração. Nesse contexto, os caminhos para o “ter” são o protesto, o crime e o

atentado, que resultam em mais repressão, frustração e segregação. A questão urbana e a

questão social foram comumente correlacionadas pela questão de classe e renda. No mais

foram tratadas como dimensões diferentes. Só recentemente esses dois universos passaram

a ser analisados com alguma articulação entre eles. Estão sendo

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consideradas as questões ecológicas e cidadania, por exemplo. Mesmo assim, falar em

qualidade de vida traz a questão: para quem?

O que é justiça e o seu papel no ordenamento social tem sido uma das maiores

preocupações desde os tempos mais remotos da antiguidade. Estas teorias ou reflexões sempre

estiveram voltadas para dois objetivos inerentes à questão. São eles: como estabelecer um

ordenamento plausível para a convivência humana, restrita principalmente a determinado

território e logo em seguida, estabelecer paradigmas para o eterno vir-a-ser, fenômeno

ontológico ao ser humano e as sociedade estabelecidas.

Bem antes de tudo isso, nas origens e conteúdos da Carta Magna (1215) e do Habeas Corpus

(1679) comprovam a centralidade do problema da propriedade. Deixando de lado uma

interpretação quase mística das suas origens, pela qual imputaram as origens dos dieritos

humanos e status de constituição à Carta, tal como está na Carta de 1215, o que há alí é um

documento que estabelece um pacto entre o maior dos suseranos, o Rei, e seus vassalos mais

imediatos, os príncipes e senhores feudais. Por isso adjetivada de Magna. A liberdade

religiosa prevista é resultado de um acordo entre monarquia e Igreja objetivando a

manutenção de interesses comuns. Por isso, desde o primeiro artigo “a Igreja da inglaterra

será livre e desfrutará todos os seus direitos e liberdades, sem que nela se possa tocar de

qualquer modo (2001, p. 65). Em seguida a Carta se volta para proteger as liberdades dos

“homens livres do Reino Inglaterra”. Estas liberdades que protegem o indivíduo visam a

proteção da propriedade e a possibilidade da sua reprodução e nada mais. O poder dos juízes

passa a ser limitado por jurisdições. Tal como está no artigo 22: “O Tribunal das Causas

Comuns não seguirá mais a nossa pessoa; ele permanecerá fixo num lugar determinado. Os

processos [...] serão julgados na província da qual dependem as partes” (2001, p.67). Temos

então uma primeira organização do poder punitivo que se estabelece em função estruturar

uma garantia de manter e reproduzir a propriedade. Até porque como no artigo 26:

“semelhante, um camponês ou outra pessoa que nos pertence” (2001, p.67), a liberdade não

era prevista como plena e para todos. Liberdade e propriedade para os homens livres. A

diferença entre a liberdade e costumes está muito clara. Foi uma forma de não interceder em

modelos de organização social que estavam pacificados. Tais comunidades não eram, a

princípio, uma ameaça à liberdade e propriedade dos homens livres. Foi bem mais fácil

governar respeitando os costumes dos aldeões do que impor-lhes ideais liberais que estavam

nascendo e que a Carta já está representando.

Só com o passar do tempo, por vezes, esses costumes foram se tornando motivos para

a reivindicação de direitos. Como afirma Thompson o termo “costume” foi empregado para

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denotar boa parte do que hoje está implícito na palavra “cultura” (1998, p. 14). A manutenção

dos costumes não obedecia apenas uma forma de poder, mas também, à concepção de

incapacidade dos pobres e aldeões de absorver as regras e ideais criadas pela nobreza. Algo

muito diferente do que irá ocorrer com o surgimento e desenvolvimento da sociedade de

massa entre os séculos XIX e XX, na qual ocorrerá a imposição de valores e normas legais

impostas de cima para baixo.

Na mesma Inglaterra nascente do pensamento liberal observa Thompson:

Se, de um lado, o ´costume` incorporava muitos dos sentidos que atribuímos hoje à´cultura`, de outro, apresentava muitas afinidades com o direito consuetudinário.Esse derivava dos costumes, dos usos habituais do país: usos que podiam serreduzidos a regras e precedentes, que em certas circunstâncias eram codificados epodiam ter força de lei (1998, p. 15).

Analisando questão semelhante Richard Pipes em “Liberdade e Propriedade” 2001,observa:

Juristas da lei comum deram grande importância à propriedade privada: “adeclaração do meum e do tuum... é o verdadeiro objeto das leis na Inglaterra”,escreveu o historiador William Camden no reinado de Jaime I. E, na verdade, oassunto preocupava os tribunais ingleses desde os primeiros tempos.

“A lei comum do século XII e XIII é em grande parte a lei da terra e das posses. Alei dos direitos e serviços de propriedade juntamente com as normas deprocedimento para a administração da justiça. Um olhar para os capítulos da CartaMagna ou para alguma coletânea de textos de direito consuetudinário revelará arelação dominante com os direitos da terra: a posse, ou posse legítima da terra, osserviços devidos pela posse permanente, o arrendamento da terra, a tutela da terra,os benefícios da terra, os encargos da terra e os danos à terra”.

Em suma “o direito consuetudinário medieval era principalmente sobre a terra”. Estasituação não mudou nos séculos e seguintes. Ao descrever a situação como era em1770, o historiador de leis P. S. Atiayah escreve: “A função dos juízes na Inglaterraera, em larga escala, proteger... direitos de propriedade, para reforçar contratos quesurgiam da propriedade, e punir crimes cuja maioria era vista como ameaça aosdireitos de propriedade” (2001, P. 161, 162).

Não por acaso os teóricos do jusnaturalismo sempre tomaram a “terra” como exemplo

de propriedade. A propriedade “terra” que representava poder para os mais ricos, representava

sobrevivência para os pobres. Os debates modernos mais sofisticados sobre igualdade foram

inteiramente abstratos. Seguiram a lógica racionalista de fundo aristotélico que pouco a pouco

pôde ser aplicada a fenômenos mais amplos e complexos tal como “sociedade humana”.

As antinomias modernas não pararam no seu projeto inicial, nem mesmo “homem

versus cidadão”. No século XVIII, Do Homem e Do Cidadão, queria expressar que todos são

homens mas nem todos são cidadãos. Por outro lado, no século XIX, o início da idéia de

“universalização do voto” apenas camuflou todos os antagonismos anteriores. Só no final do

século XX e agora, nas primeiras décadas do século XXI, quando a democracia torna-se

vazia, reduzida a voto em urnas, os pobres e excluídos que evoluíram para cidadãos, começam

a perceber que nunca deixarão de ser como sempre foram mesmo para aqueles que já podem

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falar num celular e outros que atiram de fuzil. Nesse contexto, a “dignidade da pessoa

humana” é apenas uma pérola dentro de uma concha que nunca se abrirá a não ser para

aqueles que possuem a chave da resposta: para quem? Não há hoje para o “sistema”, nenhum

motivo para tudo isso funcionar de forma diferente. Não será então na repressão para manter

em ordem o “sistema” que a dignidade será empecilho. Para a “ordem” e para o “sistema” não

há mais empecilho algum.

A idéia de que o voto universal atribui dignidade ao homem serviu aos interesses dos

donos do poder, para a reprodução dos modelos de consensos. Isso por que agora, não há mais

um único consenso, mas vários. Trata-se de um novo modelo de sociedade de massa

totalmente fragmentada em discursos e ideais salvacionistas e de protesto, na qual não há por

que estranhar tais separatismos libertários apresentarem-se, no conjunto, como uma sociedade

massiva e voluntariamente segregada.

Só no século XX com a concretização dos ideais republicanos tradicionalmente

expressos na divisão de poderes, juntamente com o aparecimento da sociedade de massa e a

necessidade de legitimar alguma democracia das multidões é que o conceito de homem e

cidadão vão gradativamente tornando-se sinônimos. A relação entre sujeito “capaz” de votar

ser igual, a ser “digno de votar”, tornou-se um hábil “ópio do povo”. Se dignidade reduz-se a

votar então a conquista já foi realizada, ou seja, se o dever de casa já foi feito agora é hora de

brincar, mesmo que seja no barro ou na rua mal pavimentada do subúrbio.

O fim das utopias, no final do século XX, marcou o início de um modelo de

segregação sem volta. Se não há mais futuro para projetar, porque segundo dizem está

repleto de preconceito, se o passado foi ou está sendo apagado, esquecido, se só há o

presente no mais insignificante aqui e agora, só resta lutar por um dia após o outro. Esse

“lutar por um dia após o outro” ocorre, por exemplo, através do retorno da religião em três

possibilidades de interpretação: para a “vida ou a morte”, para a “alienar-se ou alienar o

outro” ou para “matá-lo”. Ou seja, pode ocorrer pelo envolvimento em crime justificado pela

revolta contra a injustiça social. Acontece também praticando atentados e destruição como

reivindicação e muitas outras formas de se organizar e fragmentar para voluntariamente

segregar-se. Se unir massifica, separar segrega.

Como observou Robert Kurz, uma:

crise global que também ameaça o pretenso vencedor e indica a existência defundamentos comuns dos sistemas... o que se deu não foi nem uma conciliaçãoassimiladora de mercado e Estado nem um processo de transformação ontológicodas sociedades industriais marcadas pelas ciências naturais, mas sim um colapsohistórico... essa crise deve ser procurada naquele nível em que se encontram todos ossistemas sociais até agora conhecidos da modernidade (Kurz, 1993, p. 19,20,21).

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E é bom lembrar que o “sistema” nunca dá lugar, oportunidades ou até mesmo voz aos

seus verdadeiros inimigos. Os movimentos organizados da sociedade civil caminham agora

muito mais em círculos obedecendo a ciclos de interesses soberanos do que, de fato,

protestando contra um capitalismo do qual, todos gostariam de participar. Além disso, o que se

observa é que, em nome da liberdade e igualdade a individualidade e o individual, estão

perdendo espaço para o coletivo. Esse coletivo é que, uma vez, aparentemente fragmentado

traz a impressão de um resgate da individualidade que já se perdeu faz muito tempo.

2 – Em Busca da Comunidade: problema urbanoO desenvolvimento da revolução urbana ocorrido entre a segunda metade do século

XIX e a primeira metade do século XX trouxe, contudo, a inexorabilidade do processo de

exclusão que se amplia e aprofunda com a formação histórica da inviabilidade das promessas

de prosperidade típicas da modernidade. Os ajustes dos sentimentos e desejos às regas e

valores do êxito social vão se transformar num novo modelo de relação de produção e

manutenção da propriedade. Não por acaso a universalização dos valores civilizatórios

ocidentais vai se transformar em expansão econômica e quebra das tradições. Mas os efeitos

destas transformações não se fazem apenas no que há de mais material e palpável. Há também

uma dimensão de certa forma invisível mais que se manifesta de maneira objetiva. Richard

Sennett em seu estudo sobre “Carne e Pedra: O Corpo e Cidade na Civilização Ocidental”

confere uma análise muito sofisticada para o entendimento deste problema. Para o autor:

O triunfo da liberdade individual de movimento, simultaneamente ao surgimento dasmetrópoles no século XIX, levou a um dilema específico e que ainda persiste: cadacorpo move-se à vontade, sem perceber a presença dos demais. [...] Ao planejar umavida pública, por exemplo, os urbanistas freqüentemente direcionavam o fluxo detráfego de forma a isolar uma comunidade residencial de uma área comercial, oudirigi-lo através de bairros de moradia, separando zonas pobres e ricas, ouetnicamente diversas. À medida que a população cresce, os prédios escolares e ascasas situam-se preferencialmente na região central, mais do que na periferia, paraevitar o contato com estranhos. As comunidades fechadas, com portões que asprotegem, são vendidas como ideais de qualidade de vida. [...] A massa de corposque antes se aglomerava nos centros urbanos hoje está dispersa, reunindo-se empólos comerciais, mais preocupadas em consumir do que com qualquer outropropósito mais complexo, político ou comunitário. Presentemente, a multidão sente-se ameaçada pela presença de outros seres humanos que destoam de suas intenções(2003, p. 18, 19, 20, 21).

A modernidade com as suas formas de comportamento e controle moldaram um

conjunto de relações sociais através da qual aparece a crença de que seria possível

desenvolver um modelo de inserção. Nas origens, a concepção moderna de inserção estava

relacionada à possibilidade dos que poderiam interpretar e internalizar a moral moderna em

desenvolvimento. Por isso então, desde o século XVIII a questão da relação entre Estado e

sociedade já se mostrava presente dentro de um contexto com problemáticas tipicamente

modernas. Entre outras, a que mais nos interessa é a que diz respeito à propriedade. Ora vista

como sinônimo de prosperidade e progresso humano, ora como origem de todos os males

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sociais e humanos o debate acerca da propriedade envolvia outra questão importante, a

relação entre a moral e a pobreza. Todas essas temáticas já vinham caminhando desde a idade

média, mas sempre discutidas a partir de um enfoque teológico. É nesse contexto que está em

cena uma das questões mais caras à modernidade, pelo menos no que diz respeito ao debate

político-jurídico. Qual seja: os níveis e possibilidades de racionalidade e imparcialidade do

Estado na sua relação com a sociedade para a qual foi criado para ordenar. Nesse ambiente,

uma indigência estrutural já era percebida e debatida na Europa do século XVII e XVIII

inclusive como uma ameaça à ordem social. Observadores da época já identificavam uma

tendência do aumento constante da mendicância. Começa também a se especular sobre a

relação entre os novos modelos de organização do trabalho e o aumento da pobreza. Na

nascente sociedade moderna pré-industrial a pobreza e a miséria vão ganhando uma dimensão

cada vez mais coletiva. Dentre os elementos que entram em cena está o aumento da

vulnerabilidade das massas trabalhadoras frente às novas relações de trabalho, cada vez mais

liberais. As grandes epidemias, fome e as guerras sempre foram maneiras eficientes de

regulação da proporção entre populações e meios de sobrevivência. Se as guerras não se

extinguiram, as epidemias foram ao menos controladas e a fome ainda permanece um

holocausto em pleno século XXI. Por isso, “uma pressão demográfica que não é mais auto-

regulada pela morte pesa sobre o conjunto dos trabalhadores” (Castel, 1998, p. 223).

A perspectiva de uma salvação individual e, o conceito de liberdade, passam a

associar-se aos modelos de produção assim como a noção de pureza do comportamento

tornou-se mais vinculada à disciplina do trabalho e do consumo. A secularização das relações

econômicas, sociais e políticas acarretaram o que podemos chamar de uma institucionalização

das desigualdades. Podemos afirmar então que “as desigualdades manifestam-se nas

instituições sociais, perpetuadas através delas, têm primordialmente causas históricas e sociais

em vez de biológicas” (MOORE, Jr., 1999, p. 194).

No século XVII o conceito de liberdade esteve mais voltado para o nível político. A

liberdade política acarretaria a liberdade econômica porque a primeira possibilitaria o

desenvolvimento das habilidades individuais em meio às relações de produção. O século

XVIII não foi tão diferente. A liberdade de acesso ao trabalho teve que ser antecedida por um

aprimoramento da liberdade política.

Adam Smith é um dos melhores exemplos para ser citado, ilustrando um contexto no qual

instituições medievais conviviam e às vezes se confrontavam com instituições modernas. Além

disso, contrariando os princípios da liberdade moderna a formação do capitalismo foi

visivelmente acompanhada por uma apropriação do Estado por parte das classes dominantes e

da pequena burguesia em ascensão. É nessa dominação e controle socioeconômico a partir do

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Estado que está o problema da origem e manutenção das desigualdades sociais e da pobreza.

Smith analisa a questão da seguinte forma:

Três são as maneiras pelas quais a política européia provoca essas desigualdades.Primeiro, limitando a concorrência, em que se tratando de alguns empregos, a umnúmero menor de pessoas do que o número daquelas que de outra forma estariamdispostas a concorrer; segundo, aumentando em outros empregos a concorrência,além da que ocorreria naturalmente; terceiro, criando obstáculos à livre circulaçãode mão-de-obra e de capital, tanto de uma profissão para outra como de um lugarpara outro.

Primeiramente, a política vigente na Europa gera uma desigualdade muitoponderável no conjunto global das vantagens e desvantagens dos diversos empregosde mão-de-obra e de capital, ao restringir a concorrência, em algumas profissões, aum número menor de pessoas do que aquelas que de outra forma poderiam estardispostas a participar dela.

Os privilégios exclusivos das corporações constituem o meio principal de que selança mão para atingir esse objetivo... O governo das câmaras municipais estavatotalmente nas mãos de comerciantes e artesãos, tendo evidentemente cada categoriadeles interesse em evitar que o mercado de cada tipo de mão-de-obra específicaficasse saturado, o que na realidade significava sempre mantê-lo carente de mão-de-obra (1996, p.164, 169).

3 - A segregação pelo consumo e o apartheid agoraMuito tem se falado sobre segregação. Porém, poucos estudos apontam para as

variáveis que de fato estão na origem de tal fenômeno.

Já nos referimos à questão da segregação como possível resultado do medo. Ou seja,

uma tendência instintiva do homem a se proteger do que julga, diante de certas

circunstâncias, uma ameaça. Entretanto, nunca foi raro na história das sociedades humanas as

separações por questões étnicas, religiosas e econômicas. E tudo isso quando foi tratado

pela literatura especializada, esteve sempre sob a alcunha de “problema”. Por que só agora, a

partir do Holocausto é que passamos a tratar a segregação como “problema”? O que há por

trás desta ideologia do “problema da segregação” voltada para algo que sempre esteve

presente no comportamento de grupos humanos, tal como a caça para comer e o abrigo

para proteção? Será que essa política multiculturalista mundial tão defendida pela O.N.U.,

está realmente imbuída das mais puras e humanitárias intenções? Ou prega-se um

“multiculturalismo” como fomento de rivalidades que sempre estiveram presentes no

comportamento humano e que em termos mundiais tal estratégia só tem resultado em mais

guerras e conflitos de todo tipo e intensidade? Fragmentação política e territorial, extermínio

sistemático de populações civis, chegando mesmo a se falar em desertificação de regiões

inteiras nos diversos continentes são fenômenos identificados no mundo inteiro. Por

coincidência motivos geopolíticos e econômicos das grandes corporações sempre aparecem

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antes ou depois da eclosão destes conflitos.

Essa questão, agora no século XXI, cobra mais discernimento uma vez que, variáveis

como: crime, economia religião, política e etnia misturam-se gerando um mosaico mais

sofisticado e complexo.

Analisando a questão da religião na América Harold Bloom observa que:

Por exemplo, 93% dos americanos dizem que acreditam em Deus. Até aí, nenhumproblema. O grave nisso é que, desse total, 89% crê que o Criador ama a ele ou a elaem bases pessoais. Isso diz muito sobre nossa psique: sentir-se amadoindividualmente por Deus, a despeito do outro a seu lado. O que produzoportunidades únicas, mas muito perigosas. (2004, p. 75)

Não por acaso, fazer passar de belas e virtuosas as imposições geográficas, geopolíticas e

forçar grupos humanos que, por qualquer motivo, são rivais entre se, pode estar muito mais

para a violação das liberdades e da dignidade do que o seu contrário. Nos perímetros urbanos

o único fator que pode unir os humanos e os outros, na nossa atual versão Blade Runner é o

poder do consumo. Não podemos esquecer das observações de Noam Chomsky sobre as

relações de poder que se sustentam e difundem pelos veículos de comunicação.

Para Chomsky,

A questão principal, portanto, não é a total supressão de informação pela mídia –isso é raro, embora certamente exista. A questão principal é a modelagem histórica,a seleção, a interpretação que se faça. [...] a História é moldada de acordo com osinteresses dos que estão no poder. (2005, p. 50, 51)

O impasse do mundo atual reside exatamente em fazer submeter-se ao mundo

moderno, a maior parte da população do planeta que ainda está na pré-modernidade. Ao

mesmo tempo com o esvaziamento do significado dos principais conceitos modernos a única

saída para sustentar a pobreza pacífica foi fortalecer e difundir o discurso da promessa.

Tal fenômeno tem como marco o governo Reagan nos Estados Unidos. Não poderia

ter havido idéia melhor do que fazer eleger um artista como presidente. Afinal, se política

sempre foi representação, a partir de então, democracia passou a significar apenas voto em

urna. Como afirmou Chomsky:

[...] na verdade, acho que o governo Reagan foi uma espécie de vislumbre do futuro.[...] Eis aí uma ideia brilhante em que ninguém havia pensado, até onde eu saiba:vamos fazer das eleições uma atividade completamente simbólica. A populaçãopode continuar votando, daremos a ela aquele negócio todo, terá campanhaseleitorais, o blábláblá, dois candidatos, oito candidatos [...] o presidente maispopular da história [...] E como se pode criticá-lo se todo mundo o ama? (2005, p.82)

Sendo a cultura moderna atual quase sinônima de cultura americana, não podemos

estranhar que as neodemocracias do Terceiro Mundo tenham se tornado uma festa. O exemplo

do Brasil, toda a América Latina seguiu tais passos passando a ideia, para os respectivos

povos, de que um novo tempo estava começando. E estava. Só não como pensava a massa

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incauta. Na verdade o que todos estavam assistindo e vivenciando era o esgotamento de um

modelo de sociedade moderna no qual havia esperança de participação de todos.

Esse ideal esteve presente em muitos doutrinadores modernos originais. Mas o

andamento e implantação do modelo moderno sempre apresentaram seus percalços. O

problema sempre foi sustentar tudo isso e como sempre repressões e liberalismos estiveram

orientando estratégias de dominação.

Mas as falhas do sistema começam a aparecer quando evolução da ciência implica

melhoria da qualidade de vida e por sua vez aumento populacional. Só que essa melhoria da

qualidade de vida nunca se deu igualitariamente para todos. Cabe lembrar que a democracia

republicana e igualitária que Rousseau defendeu foi pensada num contexto de pequenas

comunidades algo bastante diferente quando pensamos em cidades ou até mesmo países com

milhões de pessoas. Mas era o modelo de democracia moderna que tínhamos para seguir.

Porém, isso não alterou o fato de para nós, tudo não passou de imitação.

O esvaziamento da democracia tornou-se, portanto, um fenômeno universal no final

do século XX, bem como, parte das novas estratégias de dominação. E se as manipulações

pelo consenso já não tinham como ser sustentadas, a diversidade e multiplicidade marcam as

novas formas de dominação. Fazer crer que tudo é possível abriu perspectivas diversas para

todas as formas instintuais humanas. Nesse contexto, nada mais plausível que o aumento da

agressão mútua, pois o aumento das pulsões instintivas implica na redução da capacidade de

tolerância à frustração. O resultado é uma sociedade pautada na “guerra de todos contra

todos” tornando a vida na cidade e na sociedade alto temeroso, estranho e frustrante. Por isso,

Chomsky entende que:

[...] as cidades simplesmente tornaram-se hostis. [...] campos de concentração quenós, por acaso, chamamos de ‘cidades’. [...] E o resultado é ainda mais pressão sobrea parte mais pobre da população aqui. E o que com efeito aconteceu é que ela foiencerrada em favelas no interior das cidades – onde, então, todos os tipos de outraspressões começam a atacá-la: drogas, elitização, repressão policial, cortes emprogramas de bem-estar já limitados e assim por diante. [...] E o auge sãoprincipalmente as pessoas pobres pilhando umas às outras, as estatísticas mostramisso muito claramente – porque os ricos estão trancados em suas barricadas. [...] Masé como viver num sistema feudal com um monte de bárbaros selvagens do lado defora. (2005, p.72, 75)

Atualmente, para entendermos o “problema da segregação” que vai caracterizar a

sociedade Blade Runner é fundamental tomar como ponto de partida o fenômeno do poder

econômico e também quando ele está associado à questão étnica. Se muitas vezes o poder

político parece estar em mais evidência, isso se dá apenas na aparência. O poder político é

apenas um meio pelo qual o poder econômico se efetiva. Além disso, é o poder político que

reproduz as estruturas econômicas históricas.

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Analisando a formação do Estado Novo aqui no Brasil, versão fascista latina,

Rodrigues de Meréje, faz uma análise da formação histórica do povo brasileiro, apresentando

traços peculiares à nossa formação.

Segundo o autor:

Quando um povo abastardado na indolência, desvirilizado na inércia criminosa do‘deixar ir pra ver como fica’, despersonalizado por ausência de consciência do seupróprio destino, nos efeitos funestos da sua incúria dá-se a si mesmo um atestado deinépcia [...] A cidade de Joinvile, por exemplo, a mais bela cidade de Sta. Catarina,justamente cognominada a Manchester catarinense, apresenta um aspectointeressante. De um lado se isola o elemento germânico, de outro, o brasileiro. Osteutos são cognominados galegos, e os nacionais, caboclos. Ali, galegos e caboclosnão se entendem. Três clubes separados, festas à parte. Guerreiam-se surdamente.Hostilizam-se. (1938, p. 73, 74)

A segregação no Brasil esteve muitas vezes estreitamente vinculada a separatismos

que no século XX passaram a ser categorizados e interpretados como expressões

nacionalistas. Porém, no caso do Brasil outras variáveis compõem o fenômeno. Sobre esta

questão Meréje observa:

Chega-se até a falar em imperativo da nossa distensão geográfica, certamente,apontando-nos e forçando-nos à descentralização. [...] Esse afastamento, essaseparação, esse hiato forçado, age como fator de isolamento que ergue barreirasentre os brasileiros, permitindo-lhes desenvolvimento diverso, em cada ponto ou emcada área do território nacional. [...] No Brasil, o que há ativado as tendênciasseccionistas são: em primeiro lugar, a distensão geográfica; em segundo lugar, adispersão da população e o seu conseqüente isolamento; em terceiro lugar adiferenciação étnica [...] (1938, p. 77, 82).

Descrevendo fenômenos semelhantes num contexto mais amplo e atual de América

Latina, Hobsbawm termina por mostrar os desdobramentos históricos das variáveis

anteriormente enfatizadas. Além disso, por força das circunstâncias esse autor observa não só,

quanto o fenômeno do crime se expande, mas também, ganha destaque na composição do

cenário geopolítico regional. Numa descrição sumária, porém objetiva, esse autor observa

que:

Na América do Sul daquele tempo o único país sob ditadura militar era oincomumente atrasado Paraguai, com o eterno general Stroessner, um regimeantipático que tratava bem os nazistas expatriados num país agradavelmente belo eencantador, cuja renda vinha em grande parte do contrabando. [...] Fora do ‘ConeSul’ já urbanizado (Argentina, Uruguai e Chile), as pessoas vindas do interiorinundavam as favelas das cidades que explodiam, trazendo consigo seus hábitosrurais. Antes que eu lá chegasse, São Paulo havia dobrado de tamanho em dez anos.Essa gente ocupava os morros da cidade, tal como no interior haviam ocupado partesvazias das grandes propriedades, construindo barracos e abrigos que acabavam setornando verdadeiras casas, como se fazia na aldeia, com a ajuda mútua de vizinhose familiares, recompensados com festa. [...] Depois daquele Natal, passei o Ano-Novo de 1963 em Bogotá. A Colômbia era um país de cuja mera existência poucaspessoas fora da América Latina pareciam ter conhecimento. [...] Na teoria, umademocracia constitucional modelar com dois partidos representativos, quasecompletamente imune aos golpes militares e ditaduras, transformou-se na prática,depois de 1948, no campo de morticínio da América do Sul. Nesse período aColômbia atingiu uma taxa bruta de homicídios de mais de cinqüenta por 100 mil, e

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até mesmo esses números empalidecem diante do zelo assassino na Colômbia nofinal do século XX. (2002, p. 402, 403, 406)

4 – A Segregação pelo Direito na “Era do Direito”

Os problemas trazidos pela realidade moderna de antes, repetem-se no presente num

cenário novo, porém, com enredo permanentemente repetitivo. Os conflitos ente justiça e lei,

indivíduo e Estado, liberdade e igualdade sempre estiveram de alguma maneira presentes nos

debates mais profícuos da teoria social e político-jurídica. Entretanto, o misticismo próprio do

ser humano quando traduzido em ideologias ou teorias científicas, fez crer, na possibilidade

palpável de que uma “paz celestial” poderia ser construída na terra. Tanto os socialismos

quanto os liberalismos, tinham este ideal. O otimismo iluminista fundamentou a perspectiva

de um ideal quase paidéico da construção de uma nova sociedade, via a construção de novas

instituições e a reforma educativa para um novo homem. Logo a própria revolução da ciência,

que levou o homem a tentar ser Deus, colocou o homem contra si mesmo. A promessa de um

paraíso terrestre se esvaiu aos poucos por falta de algo que nós não poderíamos criar para nós

mesmos: o sentido da existência. A ânsia desenfreada pelo domínio do que está à nossa volta,

nos fez esquecer algo, que os medievos conheciam com refinamento. Ou seja, a diferença

entre alma e psiquismo, anima e cogito. Não tardou para que o otimismo iluminista do século

XVIII cedesse espaço, para o pessimismo niilista do século XIX.

O conceito de Razão de Estado é literalmente um conceito moderno. É fruto do velho

dilema entre justiça e lei, indivíduo e Estado, liberdade e igualdade, caos e ordem. É reflexo

da busca permanente em estabelecer limites à liberdade de maneira que não venha a pôr em

dúvida os fundamentos de um Estado que mantém a ordem, a propriedade privada e a vida.

Relacionar este conceito diretamente à questão da propriedade pode nos reservar uma

armadilha, pois, estas questões são antes de tudo modernas, para depois, tornarem-se

propriamente liberais ou socialistas.

É preciso então ampliar a perspectiva da nossa abstração para que o recorte

epistemológico se torne plausível ao entendimento. Ordem, justiça, lei e liberdade formaram a

pedra angular do nosso objeto de observação. As interfaces entre estas dimensões formam um

universo mais amplo de observação que nos orientam ao entendimento do problema.

Se os mitos modernos parecem ter-se tornado ilusão, podemos então admitir que

chegamos na era “pós”, “pós” tudo. As novas gerações perderam a conexão com o passado.

Tudo parece novo. Aqui, a referência à geração não se limita à faixa etária. Muito mais,

refere-se também àquele número de pessoas que com os novos acessos à informação passaram

a conhecer um pouco do que sempre esteve logo adiante de um palmo do nariz. Isto por que

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na era “pós”, o consumo de quinquilharias não se reduz à aos bens matérias quase todos

supérfluos. Agora, a “era da informação” é muito mais um engodo. As informações que

circulam todo dia são também quinquilharias tal como todos os outros objetos de consumo.

Enquanto as teorias sociais, assim como, as teorias político-jurídicas são deduzidas dos

fenômenos da existência, muitos outros fenômenos da existência ficam sem atenção e

explicação. Então, quando um “dilúvio” parece passar pela face da terra ou em parte dela, não

faltam pessoas surpresas a se questionar: “mas o que está acontecendo?”. Mas, na medida em

que, as teorias sociais e político-jurídicas se afastam de seu objeto empírico, de tal modo, que

ao retornarem como elementos normativos, explicativos ou até coercitivos, parecem já não

encontrar identidade com a realidade para a qual e a partir da qual foram criadas. Por isso,

faces ignoradas no mesmo fenômeno-problema evidenciam-se com o impacto de uma

emboscada.

O conceito de Razões de Estado nos remete imediatamente ao conceito de ordem no

sentido moderno. A idéia de uma sociedade do controle e do descontrole, expansão e retração.

O surgimento da idéia de intervenção do Estado e a evolução rumo ao Estado do Bem-

estar Social está inteiramente relacionado com a própria evolução dos modelos de produção e

das idéias e dogmas que vigoraram de tempos em tempos e de lugar para lugar. Já desde um

período mais remoto entre os séculos XIX e XX surgem as primeiras idéias a respeito do que

viria a ser chamado de mínimo social. Contudo, é a inexorabilidade do processo de exclusão

que se amplia e aprofunda com a formação histórica do sistema capitalista, que chama atenção

para a inviabilidade das promessas de prosperidade típicas da modernidade. Os ajustes dos

sentimentos e desejos às regas e valores do êxito social vão se transformar num novo modelo

de relação de produção e manutenção da propriedade. Não por acaso, a universalização dos

valores civilizatórios ocidentais vai se transformar em expansão econômica e quebra das

tradições locais, tal como nós temos hoje.

Na modernidade com as suas formas de comportamento e controle foi moldando um

conjunto de relações sociais que deu origem ao sistema capitalista e ao socialista. No

conjunto, havia a crença de que seria possível desenvolver um modelo de inserção. Por isso

então, desde o século XVIII a questão da relação entre Estado e sociedade já se mostrava

presente dentro de um contexto com problemáticas tipicamente modernas. Entre outras, a que

mais nos interessa é a que diz respeito à propriedade. Ora vista como sinônimo de

prosperidade e progresso humano, ora como origem de todos os males sociais e humanos o

debate acerca da propriedade envolvia outra questão importante, a relação entre a moral e a

pobreza. Todas essas temáticas já vinham caminhando desde a idade média, mas sempre

discutidas a partir de um enfoque religioso.

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A racionalidade moderna traz estas questões para um enfoque direcionado pela

perspectiva de autonomia humana em relação às divindades e que a sociedade é uma

construção humana e, por isso mesmo, manipulável através de técnicas e teoremas científicos.

É nesse contexto que está em cena uma das problemáticas mais caras à modernidade, pelo

menos no que diz respeito ao debate político-jurídico, qual seja, os níveis e possibilidades de

racionalidade e imparcialidade do Estado na sua relação com a sociedade para a qual foi

criado para ordenar.

Uma indigência estrutural já era percebida e debatida na Europa do século XVII e

XVIII inclusive como uma ameaça à ordem social. Nesse contexto, cita Castel a preocupação

que já existia com o

risco da queda de um estado em outro, a passagem de uma pobreza que não criariaproblemas se permanecesse estabilizada para uma forma de privação total que podedesembocar numa explosão de violência. A maioria dos trabalhadores está situadanessa linha de fratura. Os responsáveis pela ordem pública não se inquietam mais,como sempre o fizeram, só com a proliferação do número dos que não trabalham (osvagabundos e os mendigos assistidos), mas com a precariedade da situação daquelesque trabalham (1998, p.221).

Os observadores da época já identificavam uma tendência do aumento constante da

mendicância. Começa também a se especular sobre a relação entre os novos modelos de

organização do trabalho e o aumento da pobreza. Na nascente sociedade moderna pré-

industrial, a pobreza e a miséria vão ganhando uma dimensão cada vez mais coletiva. Dentre

os elementos entram em cena está o aumento da vulnerabilidade.

Para Hobsbawm (1995), o Estado-nação moderno tem sua formação histórica voltada

para garantir a segurança dos seus cidadãos. No contexto de século XIX com o aparecimento

da sua capacidade cada vez mais aperfeiçoada de taxação e cobrança de impostos abre espaço

para a criação de um sistema nacional e uniforme de administração. Ao mesmo tempo o

Estado ganha um nível de autonomia inusitado. Autonomia, porém, sem independência uma

vez que esta articulação cada vez mais complexa entre Estado e capitalismo torna a cobrança

de impostos e a taxação por parte de primeiro, cada vez mais dependentes dos objetivos do

segundo. É nesse ambiente que são utilizados, cada vez com mais, persistência os

instrumentos de política monetária e fiscal para influenciar decisões dos atores econômicos e

alterar os resultados econômicos.

A partir de então uma redivisão e domínio político do mundo colonial torna-se

fundamental por conta da necessidade do controle monopolista das matérias primas

encontradas em abundância da periferia mundial.

As antinomias modernas seguem seus rumos de forma a se tornarem, cada vez mais

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estruturadas, o que significada dizer a construção de um modelo sócio-econômico em que a

mobilidade social, principalmente no sentido “ascensão” é cada vez mais dificultado. Diante

da escassez da propriedade e do custo necessário para produzi-la e mantê-la, é bem

esclarecedor quando afirma:

o máximo adequado para a classe trabalhadora era uma quantidade suficiente de boacomida e decente (preferivelmente sem muita bebida), uma habitação modestalotada, vestimenta adequada para proteger a moral, e saúde e conforto, sem arriscaruma tendência à imitação dos superiores na escala social... Desigualdade de vida eexpectativas eram inerentes ao sistema (Hobsbawm, 1997, p.304,305).

A tensão entre propriedade e pobreza está presente e é ao mesmo tempo interpretada

das mais diversas formas. Para Marx, seguindo uma antiga tradição iluminista, a propriedade

privada seria a causa de todos os males sociais. Por isso ele afirmou:

As relações burguesas de produção e de troca, as relações burguesas de propriedade,a moderna sociedade burguesa, que fez surgir como que por encanto possantesmeios de produção e de troca, assemelham-se ao feiticeiro que já não pode controlaras potências infernais por ele postas em movimento (2000, p.50).

Hannah Arendt retoma esta questão no século XX, quando a crise da modernidade já

havia se repercutido em duas Grandes Guerras. Em Crises da República ela afirma:

Nosso problema hoje não é expropriar os expropriadores, mas antes, como arrumaras coisas de modo que as massas despojadas pela sociedade industrial nos sistemascapitalista e socialista, possam recuperar a propriedade. Por essa única razão aalternativa entre capitalismo e socialismo é falsa – não apenas porque nenhum delesexiste em qualquer parte no seu estado puro, mas porque o que temos são gêmeos,cada um usando um chapéu diferente (1999, p. 184).

Quando Agamben está expondo e analisando o problema da Exceção no nosso tempo

ele mostra claramente que a “exceção” e mais ainda o “Estado de Exceção” é uma questão

moderna. Se a modernidade sempre esteve pautada em antinomias de onde vem a idéia de

igualar os diferentes? Se há outras formas de explicar tal problema com certeza qualquer

explicação deve ter como cerne o fenômeno do envolvimento entre Direito, Lei, Estado e

Política.

Tal mistura resultou num sabor que, quando doce, agora se constata passageiro.

Quando muito sofisticada, essa confusão foi por via das teorias políticas e jurídicas

distorcidas aos interesses político-partidários.

Difundir o “ter direito” como forma de pacificação das massas no século XX, foi uma

prática comum que inclusive ganhou muita força pós-Segunda Guerra, como forma de

impedir a expansão socialista na Europa. A crítica ao modelo Welfare State como forma de

alienação, dominação e até mesmo apontado como modelo de Estado Totalitário esteve, por

exemplo, tanto em Marcuse (1967) como em Hayek (1990). Já no nosso século XXI, como

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diz Agamben:

[...] na urgência do estado de exceção “em que vivemos” – era mostrar a ficção quegoverna o arcanum imperii por excelência do nosso tempo. O que a “arca” do podercontém em seu centro é o estado de exceção [...].

Isso não significa que a máquina, com seu centro vazio, não seja eficaz; ao contrário,[...]. O estado de exceção, hoje, atingiu exatamente seu máximo desdobramentoplanetário. [...]. O retorno do estado de exceção efetivo em que vivemos ao estado dedireito não é possível, pois o que está em questão agora são os próprios conceitos de“estado” e de “direito” (2004, p. 131).

O conceito de Razão de Estado une tudo isso. Abriga cada um daqueles elementos e

lhes dá dinâmica, porque aos fatos da vida real acrescenta outras dimensões como interesse de

classe e economia. Tudo indica que o maior problema sobre as origens do terrorismo

moderno e moderno-contemporâneo é que por mais distante que possamos ir nesta busca das

origens temos sempre que voltar nossa atenção para o terrorismo de Estado.

A criminologia não possui teoria elaborada no sentido de explicar o crime organizado

e o terrorismo. O próprio Direito Penal teve que se adaptar às novas circunstâncias, que por

sua vez, muitas vezes, entram em confronto com o direito constitucional, induzido também a

uma nova reflexão sobre os seus princípios.

As mudanças institucionais, os seus impasses e progressos refletem antes de tudo o

jogo quase sempre conflitante de interesses. Os próprios discursos que orientam ou propõem

tais mudanças podem ser, muitas vezes, de maneira contraditória, um dos principais fatores

mantenedor da velha ordem. Os discursos de transformação, muitas vezes, adiam as mudanças

mais necessárias e estruturais. A relação entre crime organizado e política, por exemplo, é de

tal intimidade que já é comum derrubar o traficante que financia o concorrente ao cargo

público, para afetá-lo no financiamento de suas campanhas políticas. Agora, como alterar

essas estruturas e instituições modernas?

Já não é possível uma teoria unilateral para explicar a relação entre terrorismo e

Estado. Primeiro, porque é muito mais apropriado pensar o terrorismo mais como

característica do Estado do que o contrário. Não podemos esquecer que os filósofos do século

XVII, particularmente Hobbes, já haviam chamado atenção para aquela questão. Segundo,

que o fenômeno possivelmente chamado de anti-estado se confunde entre oposição e

manutenção do sistema, particularmente quando se envolve com o crime organizado.

Enquanto o crime organizado após a conquista do Estado ruma para dimensão econômica, o

terrorismo parece estar mais preso à questão política. Entretanto, se é anti-estado serve-se dele.

As mutações que os fenômenos criminais apresentam atualmente apontam para a

cautela nas interpretações. Tem sido um desafio separar “terrorismo de Estado” de qualquer

outra modalidade de ato terrorismo. A outra questão mais desconcertante é sobre a

possibilidade de isolar o fenômeno do terrorismo do fenômeno do mal. Não por acaso e com

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freqüência encontraremos o terrorismo anti-estado, como uma reação ao terrorismo de Estado.

Mesmo assim, seja por via do Estado ou anti-estado o grau de atrocidade inerente ao fenômeno

nos impõe uma reflexão não só política, mas também sobre o mal. Sobre a sua existência e

formas de manifestação.

É difícil, talvez impossível encontrar um movimento ou “facção” terrorista como

fenômeno isolado. Talvez, mais difícil ainda, seja encontrar alguma moralidade para qualquer

destas ações que não esteja escondendo questões subjetivas da ordem de uma psicologia

individual perversa.

O Estado de Exceção é a suspensão das garantias constitucionais mesmo que,

momentaneamente, na relação entre o representante da autoridade e o cidadão na dinâmica da

vida cotidiana. Ao se discutir como uma anomia pode ser inscrita na ordem jurídica ou mesmo

o Estado de Exceção, buscar compreender como a suspensão da ordem jurídica pode está

compreendida na ordem legal, é exatamente pelo reconhecimento das dificuldades do Estado

e do Direito abarcarem todas as possibilidades de relação social. A questão talvez deva ser

posta num outro sentido, ou seja: por que existe a necessidade desse vazio de poder?

É própria das origens da democracia moderna a possibilidade de repressão para sua

própria sobrevivência. Outrossim, o Estado pode ser absoluto, mas, a democracia não pode ser

absoluta. Não há possibilidade para que a liberdade margeie os limites tênues da desordem

sem que o caos se torne uma forte possibilidade.

É no mesmo jusnaturalismo que formulou a teoria moderna dos direitos ao nascer, que

encontraremos também as origens dos fundamentos para pena de morte. No Contrato,

Rousseau, o mesmo que acreditava no “bom selvagem”, já havia estabelecido que:

O fim do tratado social é a conservação dos contratantes: quem quer o fim quertambém os meios, que são inseparáveis de alguns riscos e até de algumas perdas...

... quanto mais todo malfeitor insulta o direito social, torna-se por seus crimesrebelde e traidor da pátria, de que cessa de ser membro por violar suas leis e à qualaté faz guerra; a conservação do Estado não é compatível então com a sua, deve umdos dois morrer, e é mais como inimigo que se condena à morte que como cidadão(2004, p. 46).

Não há dúvida de que o crime se abriga na democracia. É quando “ter direitos” se

transforma em impunidade, é quando, por conta disso, freqüentemente ocorre o fenômeno

inverso, onde se observa o aparecimento de grupos paramilitares cujo objetivo é a execução

sumária. Nesse contexto, as forças de segurança de Estado podem tornar-se ou compor

facilmente mecanismos de violação de direitos e insegurança.

O crime paraestatal tem sido também motivo de articulações entre Estados

democráticos no sentido de fazer frente às constantes e variadas formas de rebeliões sociais.

Até a soberania de Estado tem sido há décadas, manipulada por máfias e grupos terroristas.

Em determinados momentos se beneficiam da existência da soberania entre os Estados e suas

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correlatas burocracias. Em outras ocasiões é exatamente a fragilização das soberanias

fenômeno típico de “Globalizações”, “Uniões” etc., que servem de corredor aberto para a

internacionalização das mais diversas modalidades de crime e terror.

Em 1948 a ONU publica a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O preâmbulo

desse documento é uma pouco sutil adaptação da Declaração de Direitos Americana e seus

trinta artigos são uma cópia aperfeiçoada da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão

francesa. Ou seja, a Declaração de 1948 já nasceu como um mosaico adaptado.

Em 1965 a ONU reúne os representantes dos seus países membros para cobrar o os

resultados, nos seus respectivos países, dos tratados assinados. Nesse momento, o Brasil

comemora o primeiro aniversário da sua ditadura. Sendo assim, o Brasil segue o rumo

contrário à história ao menos da ONU.

Em 1985 já não interessa a ditadura nem do Brasil, nem as que se espalharam pela a

América Latina. Aparece a “abertura”. A Constituição de 1988 é promulgada encharcada do

reconhecimento de direitos sem que nenhuma reforma na arquitetura institucional do Estado

fosse realizada, com a exceção da autonomia do Ministério Público.

Como já apontava Bastos Neto em outro trabalho (2006), em toda a América Latina a

década de 80 foi marcada por transições de ditaduras militares de extrema direita para

democracias conservadoras. Mesmo assim, os ideais de reconstrução de um modelo

democrático estavam atrelados a uma concepção de política social que necessariamente

ameaçava a expansão do grande capital pela América Latina. Políticas nacionais voltadas para

interesses domésticos levaram à possibilidade do uso da força para a abertura de novos

mercados para o capital transnacional. Nesse sentido, a suposta modernização das economias

periféricas como no caso brasileiro levou sistematicamente a uma nova versão da violação dos

direitos humanos e ao aumento da pobreza. Esse fenômeno ficou mais conhecido a partir do

final da década de 80 quando um novo perfil de criminalidade começa a tomar vulto e ameaça

a propriedade privada da burguesia nacional angariada, na maioria dos casos, de informa

ilícita e fraudulenta. Na nova versão de violação dos direitos humanos, “a ‘nova democracia’

não conhece outra garantia para os direitos humanos senão a legitimidade da violação quando

tal submissão à interdependência assim o exigir” (Hinkelammert, 1990, p.107). Em outras

palavras, enquanto o caminhar da modernidade após a Segunda Guerra não passou de um

plágio, o brasileiro caminha trôpego esperando solução.

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A frustração popular em toda a América Latina com a ditadura agora se renova com a

neodemocracia civil. Se estivermos ainda na modernidade ou talvez na pós-modernidade, não

há certeza para afirmar. O certo é que, as transformações do nosso tempo, deixam no ar

valores modernos no momento em que os radicaliza. Por um lado a moral moderna desceu

pelo ralo e, é a partir deste vazio que agora podemos falar em liberdade. Por outro, o homem

moderno é cada vez mais institucionalizado por não ter em si mesmo regras de condutas

baseadas na razão, apenas na vontade. São as instituições do Estado que regem a vida do

homem que ainda considera-se moderno ou já pós-moderno. Agora liberdade só pode ser

entendida como moderna enquanto está nos tratados doutrinários, pois, no mundo da rua, a

liberdade pensada pelo “Zé ninguém” já não corresponde à moral ou doutrina alguma.

Que o projeto moderno falhou ninguém pode duvidar. Quando retomamos os clássicos

do século XVII e XVIII vemos de imediato a distância entre o que foi proposto e o que

realizamos no século XX e XXI. O próprio conceito de civilização que é fundamentalmente

moderno tinha como ponto de partida a equação entre civilização e moral, civilização e

autocontrole. Agora a relação mediocrizante que é estabelecida atualmente entre civilização e

tecnologia só faz sentido quando requisitada para justificar a “era do vazio”.

Temos coincidências importantes que chegam aos nossos dias, não por acaso. Mas o

que fazer perante as contradições modernas tão bem retratadas por Marx no conflito de

classes, por Weber (1976) ao nos tipificar como “nulidades” ou Durkheim (2002, 2003)

afirmando que o crime e o suicídio são apenas respostas extremas às frustrações da sociedade

urbano-industrial moderna. Freud (1997) mostrou que o “mal-estar da civilização”, consiste

exatamente no uso de substâncias psicoativas que contrariam o mitológico autocontrole, típico

do homem moderno, mas que, entretanto, podem fazer suportar a frustrante existência sempre

tediosa e angustiante como afirmaram Schopenhauer (2001), Nietzsche (2000) e Kierkegaard

(2003). O debate sobre justiça arrebanha muitas tendências de épocas diferentes, desde a

aversão de Platão pela democracia, até os tratados a cerca da tolerância que pulularam o

século XVII e XVIII.

Paralelo à crise e mudança da produção fordista ocorre uma progressiva liberação dos

instintos. A liberação dos instintos favorece a liberação do consumo. Liberação dos instintos e

consumo diversificado tornam-se sinônimos. A liberação dos instintos traz também a falsa

liberdade. Será que ainda podemos falar em dialética? Ou o confronto de idéias na dimensão

da consciência coletiva acabou sufocado pelos consensos? O excessivo relativismo moral do

nosso tempo faz mostrar a atualidade de Marx quando afirmou: “tudo que é sólido se

desmancha no ar” (2000 p. 48).

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Hoje, seja moderna ou pós-moderna a sociedade do nosso tempo traz o apelo sexual como

a ordem do dia. O problema do excessivo relativismo moral aponta para algo que lhe é

inerente. Ou seja, uma reorientação dos objetos de desejos, ou mesmo dos “princípios do

prazer”. Desde o início do século XX, tanto Freud (1997) quanto Durkheim (1999) e

posteriormente Marcuse (1967) questionavam o conceito de civilização. Nietzsche (2000)

chamou de “decadência” o que muitos atualmente chamam de “liberdade”.

Desde Aristóteles quando foi criado, o termo equidade, tornou-se objetivamente associado

ao de justiça. Mesmo quando a injustiça foi associada a qualquer dos extremos e ainda, que a

realização da justiça seria conseqüência da busca de uma virtude perfeita, por sua vez,

orientada por uma disposição moral, o que é justo e injusto de fato, nunca alcançou consenso.

Antes de Aristóteles (2000), Platão (2000) já havia trazido importantes questões sobre a

dualidade justo e injusto inclusive se a justiça não seria sempre direcionada para valores e

interesses das classes dominantes. Ou até mesmo se era mais vantajoso ser injusto. Em outras

palavras, quais as vantagens em ser justo? Porém apesar de questões fundamentais para tal

reflexão estes questionamentos não orientam para o alcance da essência da justiça tal com fez

Aristóteles. Apesar de ainda vago esse filósofo trouxe para definição de justiça no mundo

ocidental a pedra angular do equilíbrio, equidade, proporção. Dado este passo inicial coube ao

homem de cada tempo e lugar tentar chegar através da sua disposição moral ao mais próximo

deste equilíbrio proporcional.

O pensamento moderno surge de forma muito irregular e com avanços e retrocessos

sempre marcando os caminhos de uma sociedade orientada pela Razão e segregação,

demarcando com sofisticação espaços para o que Aristóteles (2009) chamou de desigualdades

originais. A luta entre Estado, Direito e Religião são manchadas de sangue, principalmente

por serem antes de tudo disputas pelo poder e vaidade. O Renascimento já despontava como

uma necessidade de rever valores morais, instituições e até mesmo as novas possibilidades de

organizações sociais e políticas frente ao fenômeno de uma urbanização cada vez maior. O

que pouco a pouco passou a ser considerado abuso de poder, próprio das três instituições que

compunham a elite medieval, quais sejam: monarquia, Igreja e feudalismo, tornam-se alvo de

contestações em todas as suas dimensões.

O aparecimento do debate sobre a moral laica, secular, marca definitivamente as bases do

pensamento moderno delineando inclusive o rompimento histórico e por isso gradual da

separação entre Estado e religião, Direito e religião. Nesse contexto, e não por acaso, origina-

se também o que viemos chamar de o princípio da proporcionalidade. Se para a definição das

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formas de conduta do homem e mais ainda, a diferença entre o lícito e o ilícito já não

bastavam a moral religiosa ou o entendimento de um só governante, qual parâmetro

substituiria o anterior? A resposta a esta questão passa por uma série de mudanças próprias da

época de transição entre o pensamento medieval e moderno. A figura do súdito é substituída

por cidadão, a educação deixa de estar voltada para o adulto porque estava ligada à

preocupação com a salvação da alma, e tem pouco a pouco como objeto a criança por ter

como objetivo formar o cidadão. A lei que anteriormente era criada pelo governante, uma vez

violada por algum súdito, este se tornava inimigo do rei. Com a evolução do pensamento

moderno e da instituição parlamentar, violar a lei passa a princípio pela quebra do pacto moral

que põe em risco o organismo social. Paralelo a isso o parlamento enquanto instituição

legislativa vai alcançando posição de destaque o que mostra o aparecimento moderno da idéia

de representação e por isso, a violação da lei além da quebra do pacto moral o delituoso é um

inimigo da sociedade, por presumir o parlamento ser representativo desta.

O que caracteriza o delito, a sua gravidade a forma de puni-lo e a proporção entre os

diversos tipos de leitos tem como parâmetro primeiro a ameaça à sociedade, o rompimento

com o pacto moral e por isso a incursão do indivíduo à condição de inimigo da sociedade. O

problema da proporcionalidade, a qualidade da punição e os seus próprios limites são reflexos

de uma discussão fundada no jusnaturalismo. Temos aqui um rápido recorte do fenômeno que

Foucault denominou como humanização das penas.

Atualmente, a ludicidade irresponsável, o refúgio do adulto no paraíso infantil só disputa

espaço com a confortável segurança no mundo dos mitos. Porém, já não podemos tratar do

mito no seu sentido da necessidade de orientação e fundamentação para a existência do

homem tal como trataram Jung (1993) e Campbell (2002). Nesse ambiente de excessivo

relativismo moral a saída é o refúgio no imediatismo do que é dado no aqui e agora mais

radical. Crer no que é dito sem questionar nada não poderia ser diferente para pessoas que já

não se importam com suas origens. Se não há origem qualquer presente faz sentido. E se

quando há questionamento sobre a origem este também está pautado no mito do

discurso politicamente correto, o direcionamento da visão de mundo sobre o presente e

o futuro só pode ser a que mais convém.

5 – Em Busca de uma Conclusão

Estamos na era da restrição das liberdades e de direitos. A recente crise na Europa e

nos Estados Unidos comprovam este fenômeno, sobre o qual, nos países periféricos como o

Brasil é uma tradição. O perigo de tudo isso é quando o discurso político sobrepõe-se ao

discurso jurídico, campeando assim uma incrível insegurança jurídica. Nas origens, as crises

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são semelhantes: o esgotamento do modelo do Bem-estar Social que já se anuncia em crise

desde os anos 70 do século passado.

Nos Estados Unidos as receitas da previdência enquanto eram superavitárias serviram

para bancar o déficit de diversas outras contas do orçamento da União, principalmente aquelas

que financiavam o grande capital.

No Brasil gastou-se muito dinheiro da previdência com obras faraônicas, corrupção e

desvio recursos. Apropriação indébita previdenciária tornou-se quase uma cultura nesse país e

quando os déficits começaram a aparecer faltou coragem para justificar o desaparecimento

dos recursos. Alguns casos exemplares vieram ao conhecimento público. Mas, só para dar a

impressão para as massas, que ações estavam sendo tomadas ou até mesmo como resultado de

alguma briga de gangue dentro do próprio sistema. Nos EUA o presidente Obama briga para

inserir 30 milhões de excluídos na precária assistência da saúde pública norte americana. Mas,

pra manter-se presidente teve que fazer o trabalho sujo do sistema do qual é um grande

protagonista: matar Bin Laden, manter Guantánamo e postergar a saída das tropas americanas

do Iraque.

Tudo isso retrata o mundo pós-moderno, no qual não há nada para além da “arca”. A

pós-modernidade se caracteriza por essa procura. Por isso, as incertezas. Tem implicado rever

as estruturas modernas com sua respectiva promessa de inserção. A questão é não esquecer

que a concepção de inserção moderna sempre esteve baseada na propriedade privada. E agora,

já está claro, que apesar da vastidão deste planeta, não há lugar para todos. A crise ecológica e

de alimentos são apenas testemunhas. O problema das fontes de combustível e outras matérias

primas desencadearam uma devastação planetária que deixa antever que o retorno a um

passado bucólico levaria a uma barbárie despida de qualquer utopia. Ao mesmo tempo,

seguindo a passos largos como estamos rumo à destruição do planeta, não há muito que

esperar senão uma sociedade humana tão bem retratada no filme Blade Runner.

É bem provável que tudo mudará e que estamos apenas no começo desta nova

temporada da saga humana na face da terra. É provável que os conceitos de felicidade e

liberdade tornem-se indiscutivelmente ligados ao fato de ter alguma propriedade e tecnologia.

O prazer e o gozo venham a ser reduzidos ao resultado de um coito e mesmo assim, apenas

para aqueles que podem ter.

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