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  • 159Paidia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc. e da Sa., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 8 n.10 p. 159-177 jan./jun. 2011

    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcioSerGio arreGuy*

    viviane diaS loyola**

    O propsito com este trabalho refletir sobre questes que o documentrio Criana, a alma do negcio desperta, tendo em vista a importncia do con-sumo desse segmento infantil nos dias de hoje, sobretudo ao se considerar o consumo direto pela criana de produtos (mercado-primrio), o poder de influncia das crianas sobre o consumo da famlia e o esforo das marcas em captar consumidores futuros. Ao receber estmulos variados dos meios de comunicao, em especial da publicidade, as crianas alteram sua relao com o brincar e se veem diante de um cotidiano midiatizado e fortemente impactado pela televiso.

    Palavras-chave: Comportamento de consumo. Infncia. Brincadeira. Televiso.

    Resumo

    * Professor adjunto da Universidade Fumec. Coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Fumec, Belo Horizonte-MG.

    ** Professora auxiliar do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Fumec, Belo Horizonte-MG.

    IntroduoO Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei federal n. 8.069,

    de 13 de julho de 1990, especial e infraconstitucional), define

    como criana a pessoa de at 12 anos de idade incompletos e,

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    Sergio Arreguy e Viviane Dias Loyola

    Paidia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc. e da Sa., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 8 n.10 p. 159-177 jan./jun. 2011

    como adolescente, aquela entre 12 e 18 anos (BRASIL, 1990).

    O desenvolvimento saudvel da criana depende muito do quanto

    puderem viver plenamente a infncia, perodo de acmulo de

    descobertas e fixao de identidade para posterior insero na

    esfera adulta. Segundo Piaget1, h traos que caracterizam a

    infncia como um perodo fundamental para o desenvolvimento

    humano, distinguindo as diversas fases da formao do indivduo.

    A rigor, a infncia deve ser preservada para que se garanta o de-

    senvolvimento pleno das capacidades, das necessidades e dos

    juzos individuais.

    No cenrio atual uma das maiores preocupaes em relao

    s crianas diz respeito influncia que elas sofrem dos meios de

    comunicao e das novas tecnologias. Em razo de sua particu-

    laridade, suspeita-se que a criana no faria frente ao estmulo da

    propaganda, sendo alvo fcil para que as organizaes divulguem

    seus produtos e captem novos consumidores. A publicidade a

    principal ferramenta do mercado para atingir o pblico infantil, que

    influencia cerca de 70% das decises de compra de uma famlia,

    segundo o Instituto de Pesquisa TNS Interscience2. Ou seja, carros,

    roupas, alimentos e eletrodomsticos so adquiridos pelas famlias

    considerando as preferncias e as sugestes dadas pelas crianas.

    Alm de consumidoras, tendo em vista os lucrativos mercados

    de jogos, brinquedos, guloseimas, roupas e calados infantis, as

    crianas tambm so importantes pelo poder de influncia que

    exercem sobre seus pais3.

    A discusso sobre consumo, haja vista a demanda frequente

    das crianas por produtos e servios, provoca reflexes de todos

    os tipos e mobilizaes crescentes. So livros, artigos, entrevistas,

    documentrios, alm da criao de organizaes sem fins lucrati-

    vos que se dedicam a questionar a quantidade e a qualidade dos

    estmulos comerciais que as crianas recebem e o impacto sobre

    o comportamento. Nesse quesito, uma das principais referncias

    o Instituto Alana, criado em 1994, cuja misso desenvolver

    1 Jean Piaget respons-vel por um importante conjunto de obras em que estuda e discute o desenvolvimento cogni-tivo, sobretudo pela ob-servao sistemtica de seus filhos e de outras crianas. A percepo de que a criana tem ca-ractersticas peculiares e, por isso, distintas das dos adultos perpassa os seus estudos cientfi-cos.

    2 Com escritrios em mais de 75 pases, a Instituto de Pesquisa TNS Interscience realiza pesquisas em diver-sas reas, incluindo pesquisas de merca-do e consultoria. Em 2008, realizou e publi-cou pesquisa sobre a influncia de compra das crianas sobre os pais. Disponvel em: . Acesso em: 1 abr. 2011.

    3 Conforme Macnea l (1999, p. 16), pos-svel apontar trs faces do consumo infantil. Em primeiro lugar as crian-as so mercado pri-mrio de consumo, pois consomem os produtos diretamente destinados a ela, como brinquedos, balas e doces; em se-gundo lugar as crianas so influenciadores de compra, opinando a respeito ou incentivando as compras da famlia; em terceiro lugar as crianas so mercado-futuro, isto , a criana se tornar um adoles-cente e, posteriormente, um adulto que dever consumir produtos e marcas que conheceu ainda na infncia.

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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    atividades em prol da defesa dos direitos das crianas e dos adolescentes relacionadas a relaes de consumo em geral, bem como ao excessivo consumismo ao qual so expostos4. Com a atuao de organizaes como o Instituto Alana, bem como de pais e educadores, o desejo da criana de consumir configura objeto de preocupao e de debate, ainda mais se considerar-mos que em pases como a Sucia a propaganda para crianas foi proibida e que h restries importantes em outros lugares, incluindo o Brasil5.

    O objetivo, aqui, foi desenvolver, com o cenrio descrito, anlise do documentrio Criana, a alma do negcio, um dos produtos audiovisuais recentes que se dedica temtica criana e consumo. Feito em So Paulo, com uma hora e meia de durao, o filme, de Estela Renner e Marcos Nisti, lanado em 2007, trata da publici-dade dirigida s crianas e do consumismo infantil (CRIANA..., 2007). Ele busca mostrar, por depoimentos de pais, pedagogos, psiclogos e crianas, alm da ilustrao de cenas de comerciais recentemente veiculados, como a televiso e a publicidade podem influenciar o consumo.

    Esta anlise ilustra, por meio de cenas e depoimentos do filme, as caractersticas da infncia hoje. O primeiro aspecto a ser explorado a associao que a criana estabelece entre brinca-deiras e compras. Algumas crianas do depoimentos em que manifestam sua preferncia pelas compras s brincadeiras. Por outro lado, as brincadeiras infantis tambm esto submetidas ao consumo, medida que as famlias presenteiam seus filhos com bonecas, carrinhos, jogos, computadores, dentre outros itens que possibilitem criana alguma forma de entretenimento. Esse tipo de lazer se caracteriza pela interveno direta da tecnologia e pelo distanciamento das brincadeiras ao ar livre, pois a rua aparece nas grandes cidades brasileiras como lugar movimentado e perigoso, em uma associao negativa que faz crescer o temor

    dos pais em deixar que seus filhos transitem sozinhos ou passem

    muito tempo fora de casa.

    4 INSTITUTO ALANA. Dis-ponvel em: Acesso em: 1 abr. 2011.

    5 Organizaes no gover-namentais, o Congresso, o Ministrio Pblico e o governo brasileiro, hoje, discutem restries so-bre a propaganda de produtos para crianas. Apelos publicitrios con-siderados imorais do tipo pea para a sua me comprar isso ou aqueles que passam a ideia de que a criana ficar mais forte, le-gal, inteligente, fe-liz, passaram a sofrer restries com a publi-cao, pelo Conselho Brasileiro de Auto-Regu-lamentao Publicitria (Conar), em 2006, de normas especficas para publicidade infantil. (Cf. CONSELHO NACIONAL DE AUTO-REGULAMEN-TAO PUBLICITRIA (Conar). Disponvel em: Acesso em: 15 abr. 2011)

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    Sergio Arreguy e Viviane Dias Loyola

    Paidia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc. e da Sa., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 8 n.10 p. 159-177 jan./jun. 2011

    O segundo item de anlise versa sobre a propaganda infantil, sobretudo no que tange influncia dos comerciais de televiso, tema principal do documentrio. Com base na discusso que o filme provoca, busca-se enumerar as estratgias mais comuns utilizadas nas propagandas e seus provveis impactos sobre o imaginrio da criana, assim como os produtos mais anunciados e a reao dos pais ao assdio infantil. O filme estimula a discusso, que se tenta aqui desenvolver, sobre a importncia da televiso nos lares brasi-leiros e sua presena marcante na formao cultural dos jovens.

    Os itens acima foram selecionados dentre vrios outros assuntos que o filme aborda. A pretenso no esgotar a discusso sobre o documentrio nem abordar aspectos tcnicos de sua execuo. O que interessa, fundamentalmente, , por meio do filme, pro-blematizar questes relevantes ao entendimento da relao das crianas com o consumo. O filme pano de fundo da discusso ao fornecer elementos, como entrevistas e estatsticas, que ilustram o fenmeno do consumismo e, mais especificamente, as mudanas na infncia e a influncia da televiso e da propaganda sobre o

    imaginrio das crianas.

    Mudana na infncia pela associao entre brincadeiras e compras

    bom ser criana. Isso s vezes nos convm. Ns temos direitos que gente grande no tem.

    S brincar, brincar, sem pensar no boletim. Bem que isso podia nunca mais ter fim.

    (TOQUINHO, 1986)

    Com a insero crescente da mulher no mercado de trabalho,

    surgem novas questes relacionadas ao cuidado e educao das

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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    crianas pequenas, o que aponta para a necessidade de solues

    alternativas de ocupao do tempo das crianas, se a conside-

    ramos como seres com uma curiosidade prpria e que precisam

    experimentar o mundo para seu desenvolvimento. Nesse contexto,

    a brincadeira se estabelece como uma forma de a criana conhecer

    a realidade interagindo com o meio onde vive, um direito, forma

    particular de expresso, pensamento, interao e comunicao.

    Mas, no cenrio das brincadeiras, algumas questes atuais se

    mostram relevantes, tais como as mudanas culturais que acabam

    por afetar os tipos de brincadeiras, as habilidades requeridas, bem

    como as maneiras pelas quais as crianas ocupam o tempo.

    No documentrio Criana, a alma do negcio, referncia desta

    anlise, uma entrevistadora, na aplicao de uma dinmica, coloca

    duas folhas de papel diante de um grupo de crianas entre 8 a 12

    anos. Em uma folha est escrito comprar e na outra, brincar.

    Uma nica criana escolhe a opo brincar. A prpria exclama

    com surpresa: Ningum gosta de brincar? Seguem-se risos e

    afirmaes de que no, no gostamos de brincar. Ao julgamento

    das crianas, a escolha pelas compras se apresenta de modo

    natural. Alm disso, nos depoimentos dados pelas crianas par-

    ticipantes da dinmica, evidencia-se que no h para elas uma

    dissociao entre brincadeiras e compras6.

    O shopping center, local aonde se vai para fazer compras,

    configura-se como um dos lugares preferidos dos jovens. Muitos

    alegam que o shopping center mesmo o programa predileto, pois

    o lugar onde podem fazer compras a brincar, embora, segundo

    os testemunhos no filme, a ida ao shopping acaba por configurar-

    se como uma diverso que pode se estender por horas, um novo

    passatempo dissociado do jogo, do faz de conta e de tudo aquilo

    que enriquece a imaginao da criana, se interpretamos que as

    brincadeiras possuem um aspecto ldico e rudimentar, aquilo que

    afasta a criana do mundo adulto. A ida ao shopping aparece como

    um passeio, uma forma de passar o tempo, encontrar pessoas,

    6 No filme aparece, em vrios momentos, cenas de um grupo focal, tcni-ca de pesquisa qualitati-va, feita com um grupo de crianas.

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    Sergio Arreguy e Viviane Dias Loyola

    Paidia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc. e da Sa., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 8 n.10 p. 159-177 jan./jun. 2011

    saber das novidades. O programa shopping center, portanto, tem

    a conotao de uma recreao para as crianas, mas no cum-

    priria o papel de resguardar a inocncia infantil e de garantir uma

    experincia livre e ldica.

    medida que o documentrio se desenrola, evidencia-se que,

    para segmentos mais abastados da populao, as brincadeiras

    aparecem associadas ao recebimento de presentes e benesses,

    satisfao de necessidades e desejos de aquisio de novos

    produtos e menos s formas espontneas do brincar. No caso de

    crianas pobres, as brincadeiras podem vir a ser interrompidas

    pela necessidade do trabalho infantil, ainda que ilegal7. Alm dis-

    so, nos segmentos mais pobres a no aquisio de determinados

    bens de consumo leva frustrao e a uma sensao de infncia

    prejudicada. Em uma cena do documentrio, logo nos primeiros

    minutos (1 minuto e 40 de exibio), uma menina de baixa renda,

    de cerca de dez anos, d o seguinte testemunho: Se eu vejo na

    televiso e acho bonito, eu peo para minha me. E ela fala que

    no tem condies. s vezes eu tento entender, s vezes eu no

    consigo (CRIANA..., 2007). Mais adiante (aos 8 minutos de

    exibio), essa mesma criana, j com a voz embargada, diz que

    toda criana sente vontade de chorar quando pede algo e a me

    diz que no ter dinheiro para comprar.

    Fica evidente, ao se interpretar a fala, que aquela criana busca

    consumir produtos dos quais ela tomou conhecimento pela propa-

    ganda ou por meio de outras crianas. Esses produtos parecem

    representar no apenas a possibilidade da brincadeira, da alegria,

    mas a tentativa de se repetir um padro dominante; a posse de

    um conjunto de produtos determinados. So produtos industriais,

    feitos em larga escala, divulgados pelos meios de comunicao

    e postos venda em diversas lojas, sendo eleitos como os mais

    recomendados e os mais belos. Nesse particular, o triunfo da so-

    ciedade do espetculo corresponde monopolizao da aparncia

    pela classe dominante e os seus funcionrios (os que pensam/

    7 Em grande par te das sociedades, a infncia marcada pelo brincar, que faz parte das pr-ticas culturais tpicas, ainda que a demanda do trabalho infantil ain-da faa parte do coti-diano dos segmentos sociais de baixa renda. Na perspectiva dada, a brincadeira permi-te criana vivenciar o ldico, apreender a realidade, tornando-se capaz de desenvolver seu potencial criativo.

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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    agem a seu servio) (COELHO, 2006, p. 16). Seria o reducionis-

    mo da vida aparncia, conferindo s coisas um valor relativo ao

    status que representam.

    Clovis de Barros Filho, Doutor em Cincia da Comunicao

    (ECA-USP), em depoimento no filme (aos 8 minutos e 50 de

    exibio), desenvolve a ideia de que o consumo representa uma

    possibilidade para as crianas de insero social em determinados

    grupos: A publicidade vende, evidentemente, mais do que alegria

    da posse, ela promove a alegria da inscrio na sociedade [...]

    consumindo voc ser aceito como consumidor, inscrito como

    consumidor daquele produto, e afastado dos no consumidores

    (CRIANA..., 2007). O problema para as famlias que, na pers-

    pectiva dada, as atividades infantis pressupem dispndio cada

    vez maior de dinheiro, seja pela realidade do confinamento, que

    impede que a criana se exercite no espao da rua, aumentando o

    consumo de eletroeletrnicos, seja pela oferta contnua de novos

    produtos e a atuao macia da propaganda, que veicula tambm

    o apelo das marcas. A criana no pede um tnis qualquer, mas

    um tnis de determinada marca; ela no quer um celular qualquer,

    mas aquele de ltima gerao.

    Segundo dados do jornal O Globo, citados no filme Criana,

    a alma do negcio, o sonho de consumo das crianas hoje

    difere dos brinquedos tradicionais, como bonecas e carrinhos.

    Elas gostariam de ganhar, principalmente, Ipods, computado-

    res, celulares, videogames e dinheiro. Alm disso, em hiptese

    levantada no filme, a necessidade de comprar tambm estaria

    associada carncia, tendo em vista a ausncia dos pais no

    ambiente domstico, o possvel distanciamento no trato com os

    filhos e mesmo famlias pequenas. Nessa tica, a criana pede

    novos produtos o tempo todo, que facilmente substituem os

    anteriores, e a propaganda fala com as crianas todos os dias,

    enquanto os pais nem sempre esto presentes e falam com a

    criana de vez em quando.

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    Sergio Arreguy e Viviane Dias Loyola

    Paidia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc. e da Sa., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 8 n.10 p. 159-177 jan./jun. 2011

    Em trecho do documentrio, uma me verbaliza que no sabe

    dizer no ao filho diante de um pedido por sentir culpa. J em

    um dos momentos mais tocantes, uma me explica o sacrifcio

    financeiro que significou para a famlia satisfazer o desejo de um

    presente de natal, um rob, que a criana abandonou logo em

    seguida, depois de brincar com ele trs ou quatro dias. A me

    alega ter entrado o ano sem dinheiro s para satisfazer o desejo

    da filha, o que caracteriza o assdio crescente das crianas aos

    pais8. Em ltima instncia, essa realidade tambm acena para o

    consumo descartvel, em que a expectativa da aquisio mais

    intensamente vivida do que a prpria posse do produto9.

    Nesse cenrio, algumas atividades manuais so gradualmente

    substitudas por atividades mediadas pelo computador, como em

    escolas em que exerccios j so feitos diretamente na tela, o que

    gera declaraes curiosas de crianas e adolescentes dizendo j

    no saber mais escrever mo. Em contraposio, frequentemen-

    te, crianas de 10 anos so usurias avanadas da Web: sabem

    navegar, usam MSN, tem perfil no Orkut, Facebook, estudam e

    pesquisam no computador. Em depoimento dado por uma peda-

    goga no filme, destaca-se que crianas, aos 5 anos, j vo escola

    totalmente maquiadas e que algumas deixaram de correr e brincar

    por causa de seus saltos altos. Elas querem parecer mais altas do

    que realmente so e acumulam vrios pares de sapatos. No filme,

    uma menina de cerca de 10 anos, classe mdia, vangloria-se por

    possuir 33 pares de sapatos, e um menino, com a mesma idade

    aproximada, alega, diante de um guarda-roupa lotado, possuir

    cerca de 90 pares de tnis.

    A preocupao em aparentar mais idade do que se tem faz com

    que algumas crianas, por imitao, se interessem por objetos at

    ento prprios aos adultos e desenvolvam cuidados precoces. A

    indstria se beneficia com isso maquiagem para crianas, cre-

    mes, sandlias de salto e acessrios variados so postos venda

    e divulgados pelos meios de comunicao. No filme, destaca-se

    8 No documentrio The corporation (boicotado pelas TVs dos Estados Unidos e daqui), Susan Linn, psicloga da Uni-versidade de Harvard (EUA), denuncia que a manipulao infantil para comprar produtos ficou mais sofisticada a partir de 1998, quando duas grandes corporaes West International Media Century City (WIMCC) e Lieberman Research World Wide (LRW) conduziram um estudo sobre a teimosia infantil. Este estudo no era para ajudar os pais a lidar com a teimosia. Era para ajudar as corporaes ensinar [ou doutrinar] as crianas para teimar por seus produtos de maneira mais eficiente, conforme depoimento dado por Susan Linn, no documentrio The corporation.

    9 Em 2009, foi publica-da a pesquisa Novos consumidores, que in-tegra o site Y-Trends (), lanado recen-temente pelo Ncleo Jo-vem da Editora Abril para abastecer o mercado publicitrio com dados a respeito desse segmento do pblico Y-TRENDS. Novos consumidores: 10 tendncias de con-sumo jovem. Disponvel em: . Acesso: em 12 de jul. 2010. No estudo, foram ouvidos 950 jo-vens de So Paulo, Rio de Janeiro e Ribeiro Preto. Eles foram dividi-dos em trs grupos de 8 a 12 anos, 15 a 17 anos e 18 a 24 anos. Essa pesquisa atestou, dentre outras questes, que os jovens so fas-cinados por novidades e que, logo depois de adquirirem um produto, j querem outro.

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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    uma propaganda da sandlia da Xuxa, que tem salto e virou objeto

    de culto de algumas crianas. Na sequncia do comercial (aos 14

    minutos e 50), h o depoimento de uma pedagoga que diz que

    algumas escolas esto proibindo o salto, tamanha gravidade

    da questo.

    Alm disso, ainda na dinmica de grupo aplicada s crianas,

    e bem explorada no filme, chama ateno que as crianas sa-

    bem as marcas de todos os celulares, mas no sabem o que

    uma minhoca; reconhecem as marcas de todos os salgadinhos

    industrializados, mas no sabem os nomes de frutas e legumes;

    identificam logomarcas de anunciantes, mas no reconhecem per-

    sonagens. A criana, ao longo do processo cognitivo, desenvolve

    capacidade de interao com o ambiente, seleo e interpretao

    de informaes. Ela absorve progressivamente os contedos ofer-

    tados pela mdia, que se torna corresponsvel pelo processo de

    formao de opinio, tanto pelo que veicula quanto pelo que no

    veicula, destacando-se contedos que tero ou no importncia

    ao longo do tempo.

    Ao dizer e mostrar que a criana desconhece determinados

    elementos em detrimento de outros (ela identifica a logomarca,

    mas desconhece a minhoca), pode-se suspeitar que a mdia eleja

    os tpicos que veicula com maior frequncia e intensidade. Hoje,

    por exemplo, nos programas infantojuvenis na televiso, discutem-

    se temas como sexo e drogas com frequncia, mas passa-se

    apenas superficialmente por questes como o convvio com a

    natureza. Os cenrios, em sua maioria, so urbanos, tecnolgicos,

    com crianas e adolescentes aparecendo maquiados e vestidos

    conforme os modismos de poca. Nesse contexto, fica difcil (re)

    conhecer uma minhoca ou o nome de determinadas frutas, o que

    demarca claramente a diferena entre a cidade e o campo ou o

    espao natural e o midiatiatizado. A brincadeira aparece submetida

    a essa lgica dos espaos fechados e grupos menores. A exce-

    o poderia ser escolas que incentivam brincadeiras com jogos

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    Sergio Arreguy e Viviane Dias Loyola

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    e materiais didticos e fazem uso de seu espao para promover

    atividades coletivas.

    A relao ntima entre a criana, a televiso, o computador e o celular

    De acordo com nmeros veiculados no documentrio Criana, a

    alma do negcio, a criana brasileira passa, em mdia, quase cinco

    horas por dia em frente televiso. Ainda segundo resultados de

    pesquisa10, as crianas, principalmente as de classes mais altas,

    sempre pedem aos seus pais que lhes comprem computadores

    e jogos, passando boa parte de seu tempo diante de uma tela,

    interagindo com as novas tecnologias da comunicao. Tal rotina

    faz com que a criana tenha menos tempo para se exercitar, o

    que contribui at mesmo para a obesidade infantil, alm da menor

    dedicao leitura11. O estilo de vida adotado corrobora com o

    aparecimento precoce de doenas e condiciona o entretenimento

    aquisio de bens de consumo, objetos que representam os

    avanos cientficos e tecnolgicos ocorridos nos ltimos anos.

    Nessa perspectiva do estmulo exagerado, considerando-se o

    tempo em que a criana interage com plataformas miditicas

    variadas, os desejos de consumo e aspiraes de poder se mul-

    tiplicam, a saber:

    O modo de vida erigido pela sociedade do consumo, que estabelecido no trip atomizao-impessoalidade-anonimato e na vivncia do individualismo e da competitividade, exerce influncia sobre os indivduos e a sociedade, configurando os modos de ser e estar no mundo com base nesse tipo de sociabilidade e de cultura. A vida que possvel sob o regime capitalista articula-se baseada na formao de hbitos de con-sumo, incutidos pela estimulao constante que oferecida

    10 Entre 2009 e 2010, foi desenvolvida, pelos professores e pesqui-sadores Admir Borges, Sergio Arreguy e Viviane Loyola, com o auxlio de bolsistas, uma pesquisa em que foi realizado grupo focal com crian-as da escola Pitgoras, no bairro Cidade Jar-dim, em Belo Horizonte. Neste trabalho ficou evidente a demanda desses jovens por pro-dutos eletroeletrnicos e a presena do com-putador no dia a dia. (Cf. BORGES; ARREGUY; LOYOLA, 2009)

    11 O efeito da internet e dos novos modos de vida contemporneos sobre os indivduos, espe-cialmente as crianas, ainda objeto de estudo e de debate. Segundo o escritor angolano Jos Eduardo Agualusa, em recente entrevista, a internet lhe soma no-vos leitores e no lhe subtrai, pois o jovem passa a ler mais. De todo modo, parece di-fcil a tarefa dos meios impressos em uma sociedade digitalizada. (Cf. AGUALUSA, J. E. Entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, 4 jul. 2001. Disponvel em: . Acesso em: 12 jul. 2010.

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

    Paidia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc. e da Sa., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 8 n.10 p. 159-177 jan./jun. 2011

    pela atividade da propaganda e da publicidade. Atividade de apoio fundamental para esse sistema de produtivo, ela atua por meio dos meios dos veculos de mdia ou de publicidade, constituindo-se como elemento vital de intermediao entre as esferas da produo e do consumo de bens e servios. (FERREIRA, 2006, p. 189)

    O celular um caso parte nessa equao de consumo. No

    documentrio atesta-se que 48% das crianas de classe AB,

    no Brasil, tm celular. Ainda mais, esse um dos itens mais

    pedidos no Natal e mais desejado pelas crianas, que trocam

    de celular com regularidade, acompanhando a evoluo dos

    modelos disponveis no mercado. Chama ateno depoimentos

    de crianas que tm mais informaes sobre os modelos e suas

    caractersticas do que os prprios pais, alm de crianas que,

    aos 12 anos, j tiveram trs, quatro celulares. Os modelos mais

    avanados so sempre os mais pedidos pelas crianas, mesmo

    que necessariamente no faam uso de todos os recursos ofer-

    tados. Nessa tica o celular se apresenta tambm como um

    elemento diferenciador entre pessoas. Em uma relao para-

    doxal, aquilo que tem por finalidade aproximar as pessoas

    tambm um elemento de diferenciao social.

    Destaque-se a relao, por vezes contraditria, entre isolamento

    e convvio. Por um lado, as redes sociais possibilitam a comuni-

    cao e o compartilhamento de informaes entre as pessoas,

    encurtando distncias, e o celular determina uma nova percep-

    o de tempo/espao; por outro, o desenvolvimento tecnolgico

    representa o esprito do capitalismo, em que tempo dinheiro e

    a dinmica do trabalho se impe sobre os indivduos. O convvio

    com as tecnologias ocorre em escritrios ou em quartos fechados,

    de modo individual, tcnico, automtico. Do ponto de vista das

    crianas, o divertimento associado ao uso das tecnologias pode

    ser solitrio e prescindir da presena do outro, o que se contrape

    ao senso coletivo das brincadeiras praticadas em espaos como

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    praas e parques. Para Weber (2004, p. 31), primeira vista, a

    forma especial do moderno capitalismo ocidental teria sido forte-

    mente influenciada pelo desenvolvimento das possibilidades tcni-

    cas. No seu entendimento, a utilizao tcnica do conhecimento

    cientfico afetou diretamente as condies de vida da massa do

    povo, gerando uma realidade racional voltada para o pragmatismo

    econmico, para a produo e o consumo de mercadorias. Em

    sntese, a ideia weberiana sustenta que para que haja capitalismo

    necessria a racionalizao da vida em todas as suas instncias.

    (WEBER, 2004)

    Sob tal enfoque, ao contrrio de outras geraes, as brinca-

    deiras aparecem hoje submetidas aquisio de produtos que

    possibilitem entretenimento, com planejamento prvio da funcio-

    nalidade de cada brinquedo, pois a diverso ao ar livre, como

    jogos infantis e de bola, no parecem ser a tnica da infncia nas

    grandes cidades. A hiptese central para o fato gira em torno da

    violncia urbana, do fenmeno da verticalizao das cidades e da

    ocupao predatria do espao urbano, que acaba por oferecer

    possibilidades remotas para a prtica de atividades. Aprisionadas

    em apartamentos, as crianas passam a maior parte do tempo

    em frente TV, ao computador, ou divertindo-se com objetos

    que acumula. Nas classes mais altas, sobretudo, observa-se

    o fenmeno do crescimento do consumo infantil associado ao

    acmulo de bens variados e s longas horas dedicadas inte-

    rao com as mdias.

    Nesse ponto de vista, lidamos com crianas muito bem informa-

    das e estimuladas ao consumo, que no se intimidam no assdio

    aos pais e sugerem a compra de produtos que nem mesmo os

    pais tinham conhecimento da existncia. A diversidade de produ-

    tos, hoje, disposio das crianas constitui uma estratgia das

    empresas que atuam no setor e investem em quantidade, indo de

    encontro ao desejo de consumo de itens variados.

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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    A importncia da televiso nos lares brasileiros e a influncia da propaganda

    A importncia da televiso nos lares brasileiros perceptvel por

    ela estar presente na maioria dos domiclios e ser a mdia mais

    consumida pelas famlias. Chama ateno, no, trecho inicial do

    documentrio, a narrao em off: A televiso fica em lugares em que

    antigamente se colocavam os santos, em referncia ao fato da tele-

    viso geralmente estar no alto das estantes e em lugar de destaque

    na organizao da casa. Na sequncia, a informao de que bastam

    apenas 30 segundos para uma marca influenciar uma criana, o que

    equivale ao tempo padro de um comercial de televiso.

    Segundo Bourdieu (1997, p. 21-23), a televiso exerce um

    poder de seduo sobre a audincia, em parte, por apresentar um

    cardpio completo: as notcias de variedades, o sangue, o sexo,

    o drama e o crime. Alm disso, a televiso trabalha, no plano da

    informao, com temas de interesse geral, atraindo a ateno

    de um pblico variado. O conceito exposto por Bourdieu (1997,

    p. 23) so os fatos-nibus: fatos que, como se diz, no devem

    chocar a ningum, que no envolvem disputa, que no dividem,

    que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um

    modo tal que no tocam em nada importante. Buscando por uma

    frmula simples e direta de transmisso da informao, a televiso

    tem o diferencial de atingir a adultos e crianas. A capacidade de

    entendimento e assimilao do contedo exposto pela televiso,

    at porque as discusses no se alongam por muito tempo, con-

    tribui para a insero de um maior nmero de telespectadores,

    independentemente de escolaridade ou idade.

    O problema, segundo Bourdieu (1997, p. 23), que muitas pes-

    soas no leem jornais ou revistas e devotam televiso como fonte

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    nica de informaes: A televiso tem uma espcie de monoplio

    de fato sobre a formao das cabeas de uma parcela importante

    da populao. claro que essa constatao do autor est sujeita

    a reviso, dada a evoluo constante das novas mdias, que aca-

    bam por significar uma diversificao das fontes e dos modos da

    notcia. Mas, ainda assim, destaca-se a centralidade da televiso

    aberta no Brasil, sendo esta a principal mdia publicitria, presente

    em 98% dos lares brasileiros, segundo o IBGE, e forma barata

    de entretenimento, sobretudo para as camadas mais pobres da

    populao, que nem sempre dispe de muitas opes.

    Considerando-se a influncia que a televiso exerce mesmo sobre

    os adultos, a questo da influncia sobre as crianas ganha ainda

    mais relevncia. Os programas infantis na televiso fazem uso de

    linguagem simples, sequncias rpidas, bem como de personagens

    e situaes de fcil assimilao. Indo alm, os programas de crianas

    e adolescentes na televiso tm cumprido o papel de lanar novos

    nomes, que se tornam lderes em popularidade, no seu segmento,

    como o caso do grupo mexicano RBD, formado na novela Rebelde,

    e que chegou a vender 1,5 milho de discos no Brasil. Todos os

    participantes do grupo tm, curiosamente, a mesma origem, tendo

    cursado o Centro de Educao Artstica da Televisa, produtora da

    novela, e participado em outros fenmenos televisivos anteriormente.

    Nessa dimenso, a televiso se torna trampolim de sucesso, res-

    saltando a relao que se estabelece entre visibilidade e vendas.

    Em mais um depoimento de destaque no documentrio, Ana

    Lcia Vilela, coordenadora do Instituto Alana, ressalta que as

    empresas sempre buscam dialogar com as crianas mediante as

    propagandas na televiso, fazendo aluso a elementos do universo

    infantil como bichinhos em campanhas de produtos para adultos,

    dado o poder de influncia dos filhos sobre os pais e tambm por

    saberem que estes passam grande parte de seu tempo em frente

    TV. No filme, h o depoimento de uma me sobre como seu filho

    a influencia na hora da compra: Meu filho me fala o que ele quer

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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    comer, ele me pede e eu compro. Ele sabe qual o chiclete que faz a bolha azul e no fui eu quem descobri. Foi ele quem descobriu e a partir dele eu fiquei sabendo CRIANA..., 2007). Sem entrar em juzo de valor, na discusso maniquesta se a publicidade

    boa ou ruim, cabe situar o papel exercido por ela:

    De fato, o objetivo da publicidade divulgar produtos com fins comerciais [...] No passado, a publicidade era um recurso de comunicao usado apenas para tornar pblico o conhecimento de um produto. Hoje, a publicidade, por meio de tcnicas de persuaso, chega a estabelecer modelos e padres estticos a serem seguidos, alavanca valores ideolgicos, refora fetiches e ideais de felicidade que podem ser adquiridos no mercado. Dotada de emblemas simblicos, a publicidade passou a fazer parte da cultura, do mundo dos sonhos e da manipulao do consumo. (CASTRO, 2006, p. 116-117)

    A compreenso da propaganda, obviamente, varia de acordo com a faixa etria. Fatores diversos, como o desenvolvimento cognitivo, o nvel de interao com os meios de comunicao e a influncia da escola so importantes para que as crianas pas-sem a reconhecer e distinguir entre os comerciais e os programas ofertados, separando aquilo que propaganda daquilo que no . Segundo Karsaklian (2004, p. 243), a partir dos 8 anos que a criana comea a formular alguma crtica quanto aos objetivos informativos e persuasivos do discurso publicitrio, desenvolvendo at mesmo uma resposta negativa. Algumas propagandas so taxadas de muito longas ou com a finalidade exclusiva de se fazer comprar aquilo que no se precisa12.

    Sobre as estratgias persuasivas, Karsaklian (2004) observa que as crianas tm preferncia por propagandas divertidas, que as faam rir, sendo o humor um elemento de recorrente aceitao. Outros elementos destacados so propagandas que faam uso de desenhos animados, msicas, frases de efeitos, e animais. As

    propagandas ricas em ao, com sequncias rpidas, tambm

    so apreciadas, uma vez que traduzem, por assim dizer, o prprio

    12 Essa informao coin-cide com os resultados da pesquisa citada em que ficou evidente que as crianas nem sem-pre veem a propaganda com bons olhos. (Cf. BORGES; ARREGUY; LOYOLA, 2009)

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    ritmo das novas tecnologias da informao. Tambm frequente

    encontrar crianas que consomem vrias mdias ao mesmo

    tempo e que fazem escolhas de consumo atravs da indicao

    de playlists. Como afirma Karsaklian (2004), as crianas tendem

    a se lembrar do que as personagens da propaganda fazem e no

    aquilo que so, e registram melhor a imagem de um produto que

    manipulado por essas personagens.

    ConclusoA viso de que a propaganda e, por extenso, os contedos

    televisivos, de modo geral, seriam interpretados de modo diferente

    de acordo com a idade e que seria possvel contarmos com inter-

    pretaes crticas por parte das crianas entra em choque com

    a abordagem do documentrio Criana, a alma do negcio. A

    prpria constatao de que cada criana possui sua particulari-

    dade e sensibilidade e o que pode vir a agradar uns pode vir a

    ser rejeitado por outros no contemplada. Em todo o tempo, no

    documentrio, critica-se a televiso e a propaganda na relao

    que se estabelece com a criana.

    A certa altura, uma me diz que a propaganda como se fosse

    uma covardia com a criana; em outros momentos, como ficou claro

    na anlise, colhem-se depoimentos de especialistas que ressaltam

    sempre a influncia malfica da propaganda. No h uma apresen-

    tao isenta da questo, at porque no parece ser esse o objetivo

    com o filme. No houve preocupao em ouvir publicitrios e anun-

    ciantes, destacar depoimentos favorveis propaganda ou alertar

    para a possibilidade de a criana realizar escolhas conscientes.

    Destaque-se, em vrios trechos, a afirmao de que a criana tem

    caractersticas que a distinguem dos adultos, at mesmo na capaci-dade de discernimento sobre as mensagens publicitrias veiculadas nos meios de comunicao e sobre os produtos colocados venda.

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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    Nesse particular, os depoimentos so importantes para perceber que a criana, frequentemente, pede produtos que no usa e que deseja logo outro; que os produtos hoje mais desejados tm valor alto de mercado, o que torna mais complicada a gesto das deman-das por parte dos pais ou responsveis; que a no aquisio do produto pode causar frustrao na criana, sobretudo nas classes mais baixas, em que as recusas so mais comuns; e que os produ-tos vendidos, por vezes, aproximam as crianas do universo dos adultos, como a maquiagem e as sandlias de salto alto.

    Esse cenrio atual descrito no filme e seu principal mrito mesmo o de contextualizar uma srie de problemas enfrentados pela criana na relao com a propaganda e o consumo mostra-se preocupante por destacar elementos perturbadores, tais como a necessidade de a criana parecer mais velha pelo consumo de produtos, o tempo exagerado que a criana fica em frente TV; ou a sensao de inferioridade por no seguir tendncias. Essas questes, contudo, no dizem respeito apenas influncia da mdia, pois entra em discusso a postura dos pais, a educao recebida na escola e as opes de entretenimento dadas s crianas. No documentrio tende-se, contudo, a responsabilizar a mdia por uma srie de comportamentos atuais.

    Embora no ducumentrio Criana, a alma do negcio no se trate especificamente o tema da ocupao do tempo e dos tipos de brincadeira, ele aponta mudanas importantes na infncia. O que se v so crianas hiperconectadas e hiperestimuladas, que preferem ganhar celulares a brinquedos e fazer compras a brincar, sendo o shopping center o lugar preferido de muitas delas. A reali-dade exposta, por meio de depoimentos convincentes, o de uma gerao extremamente consumista, urbana, tecnolgica, que no consegue identificar e nomear animais, mediante a apresentao de fotos de bichos, mas (re)conhece todas as logomarcas e con-

    some os lanamentos do momento.

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    Sergio Arreguy e Viviane Dias Loyola

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    THE CHILD AND CONSUMPTION: REFLECTION ON THE BRAZILIAN FILM CRIANA, A ALMA DO NEGCIO

    This paper aims to discuss some questions brought about by the documentary film Criana, a alma do negcio [Child, the business soul] in the face of the im-portance of child market share nowadays especially regarding childrens direct consumption (primary market), their power to influence their family consumption behaviors, and companies efforts to win over future consumers. When they get different stimuli from the communication media, especially advertising, children change their relationship with childrens play practice and live a mediatized life that is strongly influenced by television.

    Key words: Consumer behavior. Childhood. Childrens play. Television.

    ENFANT ET CONSOMMATION: RFLEXIONS SUR LE FILM CRIANA, A ALMA DO NEGCIO

    Le texte examine les questions suscites par le documentaire Criana, a alma do negcio. On considre limportance de la consommation infantile dans le monde actuel, plus prcisment la consommation directe de produits (march primaire); on tient compte galement de linfluence de la consommation de lenfant sur celle de la famille. On analyse le travail fait par les marques dans le sens de reprer et dapprivoiser de futurs consommateurs. force dtre sollicits par les mdias et leurs publicits, les enfants changent leur rapport aux jeux et se trouvent partir de l dans un quotidien mdiatis et fortement marqu par la tlvision.

    Mots-cls: Comportement et consommation. Enfance. Jeux. Tlvision.

    Abstract

    Rsum

    Recebido em 17/4/2011

    Aprovado em 7/5/2011

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    Criana e consumo: reflexo sobre o filme Criana, a alma do negcio

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  • Paidia r. do cur. de ped. da Fac. de Ci. Hum., Soc. e da Sa., Univ. Fumec Belo Horizonte Ano 8 n.10 p. 01-177 jan./jun. 2011

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