credito habitacional

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  • 7/25/2019 Credito Habitacional

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Luiza Betina Petroll Rodrigues

    CRDITO PARA HABITAO NO BRASIL: HISTRICO E DESAFIOS

    MESTRADO EM ECONOMIA POLTICA

    SO PAULO

    MARO DE 2009

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    Luiza Betina Petroll Rodrigues

    CRDITO PARA HABITAO NO BRASIL: HISTRICO E DESAFIOS

    Dissertao apresentada Banca Examinadora daPontifcia Universidade Catlica de So Paulo,como exigncia parcial para obteno do ttulo de

    MESTRE em Economia Poltica, sob a orientaodo Prof. Doutor Joo Machado Borges Neto.

    So Paulo

    Maro de 2009

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    Luiza Betina Petroll Rodrigues

    CRDITO PARA HABITAO NO BRASIL: HISTRICO E DESAFIOS

    Banca Examinadora

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    A Vinicius Tersi.

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    RESUMO

    Este trabalho tem o objetivo de analisar a evoluo do financiamento habitacional

    brasileiro luz da literatura existente e de modelos j adotados por outros pases, a fim de

    verificar o potencial de crescimento do crdito habitacional no pas nos prximos anos.

    As principais concluses deste trabalho so duas. Primeiro, a recente estabilidade

    macroeconmica e algumas importantes mudanas institucionais criaram um cenrio propcio

    para o crescimento do crdito habitacional, ainda que persistam importantes questes a serem

    resolvidas, principalmente em termos de insegurana jurdica. Em segundo lugar, ainda que estas

    questes sejam resolvidas e que o crdito se torne significativamente mais barato que hoje, ele

    no ser capaz de resolver, sozinho, a questo do dficit habitacional. necessrio um aporte

    significativo de recursos pblicos, e, para segmentos de renda extremamente baixos, possvel

    que o crdito habitacional no seja a melhor soluo.

    PALAVRAS-CHAVE: financiamento habitacional, dficit habitacional, crdito

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    ABSTRACT

    This work aims at analysing the evolution of brazilian housing finance in the light of

    existing literature and models adopted by other countries, to check the potential of housing credit

    growth in the next years.

    The main conclusions of this work are two. First, recent macroeconomic stability and

    important institutional change created a favourable scenario for housing credit growth, despite the

    fact that there are still important questions to be addressed specially juridical security.

    Secondly, even if these questions are solved and that housing credit becomes significantly

    cheaper than it is today, it will not be able to solve, alone, the problem of housing deficit. This

    problem requires extra effort in the form of subsidies, and, for extremely poor families, housing

    finance in the usual sense may not be the best answer.

    KEYWORDS: housing finance, housing dficit, credit

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1- Tipos de taxas de aplicao que podem ser acordadas num financiamento habitacional

    ............................................................................................................................................... 30

    Tabela 2- Diferena entre o preo mximo do imvel a ser financiado num sistema de prestaes

    reajustveis e num sistema de prestaes fixas em diferentes cenrios de taxas de aplicao

    ............................................................................................................................................... 32

    Tabela 3 Efeitos, para o tomador e para o emprestador, de um aumento nos componentes da

    taxa de aplicao (taxa de juros nominal) ............................................................................. 33

    Tabela 4 - Efeitos, para o tomador e para o emprestador, de uma queda nos componentes da taxa

    de aplicao (taxa de juros nominal) ..................................................................................... 34

    Tabela 5 comparao entre a TR, IGP-M e IPCA como indexadores de financiamentos e

    recursos habitacionais............................................................................................................ 37

    Tabela 6 Diferenas entre os sistemas de amortizao............................................................... 44

    Tabela 7 Valor mximo do imvel que uma famlia com renda mensal de R$ 1000 pode

    comprar, considerando comprometimento de renda de 25% e sistema Price de amortizao

    ............................................................................................................................................... 45Tabela 8 Exemplos de subsdios moradia................................................................................ 55

    Tabela 9 exemplo de obras de referncias sobre financiamento habitacional em diferentes

    regies do globo .................................................................................................................... 58

    Tabela 10 Origem dos recursos utilizados para financiamento habitacional em diversos pases

    ............................................................................................................................................... 60

    Tabela 11 Regras de financiamento habitacional em diferentes pases...................................... 61

    Tabela 12- Comparao entre o SFH e o SFI................................................................................ 88Tabela 13 Comparao da importncia da carteira de crdito habitacional do SFH e do SFI em

    janeiro de 2009 ...................................................................................................................... 90

    Tabela 14- Dficit habitacional bsico e total no Brasil............................................................. 108

    Tabela 15 Distribuio percentual do dficit habitacional urbano por faixas de renda mdia

    domiciliar mensal ................................................................................................................ 109

    Tabela 16 Percentual de domiclios vagos em relao ao total de domiclios .......................... 110

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    Tabela 17 Rendimento da NTN-B, prmio de risco e taxa de captao considerados para a

    simulao............................................................................................................................. 114Tabela 18 - Custo do metro quadrado de casa popular por estado da Federao em setembro de

    2007 ..................................................................................................................................... 115

    Tabela 19 parcela mensal e renda familiar necessrias para adquirir imvel em Rondnia,

    considerando taxa de aplicao de 2007.............................................................................. 116

    Tabela 20 Percentual de domiclios com renda inferior necessria para adquirir uma casa

    popular de 40 metros quadrados em seu estado .................................................................. 117

    Tabela 21- Desembolsos mensais para diferentes pressupostos de juros e prazos de

    financiamento. ..................................................................................................................... 122

    Tabela 22 - Relao entre cadastros, vises e representao ...................................................... 136

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Esquema simplificado do funcionamento de um mercado de habitao baseado em

    BID (2004, p. 19) ................................................................................................................... 25

    Figura 2- Esquema simplificado de mercado habitacional com mercado secundrio. .................. 28

    Figura 3- Esquema simplificado de captao de recursos via securitizao de hipotecas............. 29

    Figura 4 Participao de ttulos indexados aos IGPs, ao IPCA e TR na composio da dvida

    lquida do setor pblico, jan/2001 a jan/2009........................................................................ 36

    Figura 5 Diferena entre a evoluo do IPCA, IGP-M e TR, jan/1995 a jan/2009.................... 37

    Figura 6 - Componentes da taxa nominal de aplicao do crdito hipotecrio ............................. 39

    Figura 7 Componentes da taxa de captao e caminhos para reduzi-los.................................... 40

    Figura 8 Dvida lquida do setor pblico como percentual do PIB, dez/1995 a dez/2008 ......... 41

    Figura 9 Evoluo do Risco Brasil (EMBI), em pontos, e comparao com o risco de outros

    pases emergentes................................................................................................................... 41

    Figura 10 Componentes da taxa de aplicao do crdito hipotecrio e detalhamento dos

    componentes do spread .......................................................................................................... 43Figura 11 - Crdito total e habitacional no mundo pases selecionados ..................................... 63

    Figura 12 Percentual de moradias habitadas por seus proprietrios em diferentes pases.......... 69

    Figura 13 Crdito imobilirio e habitacional em relao ao PIB na Espanha, 1989 a 2008. .....71

    Figura 14- Desenho institucional dos primeiros anos do SFH ...................................................... 80

    Figura 15- Nmero de Financiamentos do SFH e dos Programas Alternativos no Perodo 1967-84

    por categoria, em milhares de unidades. ................................................................................ 81

    Figura 16 Emprstimos imobilirios concedidos de junho de 2000 a janeiro de 2009 pelo SFI 90

    Figura 17 - Estoque de Certificado de Recebveis Imobilirios (CRIs), em bilhes de reais de

    janeiro de 2009 (corrigidos pelo IPCA)................................................................................. 92

    Figura 18 Exemplo de emisso de CCIs para lastrear CRIs ....................................................... 96

    Figura 19- Estoque de crditos ao setor habitacional, com recursos livres e direcionados (em R$

    bilhes de dezembro de 2008, corrigidos pelo IPCA), junho de 1988 a dezembro de 2008. 97

    Figura 20 - Operaes de crdito totais do sistema financeiro destinadas ao setor habitacional,

    jan/96 a jan/09...................................................................................................................... 101

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    Figura 21 Crditos junto ao FCVS negociados no mbito do PROER e utilizados como

    exigibilidade da poupana, jan/02 a nov/08......................................................................... 102Figura 22 Direcionamento de recursos do SBPE, de janeiro de 1995 a dezembro de 2008..... 103

    Figura 23 Origem percentual dos recursos aplicados em financiamentos habitacionais no Brasil,

    jun/2000 a dez/2008. ............................................................................................................ 103

    Figura 24 Comparao da taxa de crescimento anual das carteiras de crdito habitacional com

    recursos livres e com recursos direcionados........................................................................ 104

    Figura 25 Evoluo da taxa Selic e da inflao acumulada em 12 meses ................................ 105

    Figura 26- Crdito imobilirio em relao ao PIB, em %, jan/2002 a jan/2009.......................... 106

    Figura 27 Tipos de dficit habitacional considerados pela Fundao Joo Pinheiro ............... 108

    Figura 28 Dficit habitacional por tipo..................................................................................... 109

    Figura 29 Domiclios considerados na simulao do montante de subsdio necessrio........... 119

    Figura 31- Possveis fontes de crescimento do crdito habitacional ........................................... 120

    Figura 32 Domiclios considerados para se estimar o potencial de crescimento do crdito

    imobilirio via diminuio do nmero de domiclios alugados........................................... 122

    Figura 33 Domiclios considerados para a estimao do potencial de crescimento do crdito

    habitacional via reforma ...................................................................................................... 124Figura 34 - Financiamentos para reforma ou ampliao, no SBPE, para Pessoa Fsica.............. 125

    Figura 35 Taxas qinqenais de crescimento da populao de 2010 a 2050 ........................... 126

    Figura 36 Pirmide etria brasileira em 2009 e em 2039 ......................................................... 127

    Figura 37- Pessoas por domiclios em diferentes pases.............................................................. 128

    Figura 38 SBPE: diferena entre o montante de recursos disponveis e sua efetiva utilizao 130

    Figura 39 - Taxa over-Selic no final de cada ano (dados efetivos e projees) .......................... 133

    Figura 40 Diferencial de rentabilidade de Selic e poupana e evoluo do saldo real da

    poupana, jan/2000 a jan/2009 ............................................................................................ 134

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    a.a. = ao ano

    ABECIP - Associao Brasileira das Entidades de Crdito Imobilirio e Poupana

    BACEN ou BC Banco Central do Brasil

    BB Banco do Brasil

    BNH-Banco Nacional de Habitao

    CBIC Cmara Brasileira da Indstria da Construo

    CCIs Cdulas de Crdito Imobilirio

    CEF Caixa Econmica Federal

    CMN Conselho Monetrio Nacional

    CRI-Certificado de Recebvel Imobilirio

    EUA= Estados Unidos da Amrica

    FHLMC ou Freddie Mac= Federal Home Loan Mortgage Corporation

    FNMA ou Fannie Mae = Federal National Mortage Association

    FCVS Fundo de Compensao de Variaes SalariaisGNMA ou Ginnie Mae = Government National Mortgage Association

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    MP- Medida Provisria

    PNAD Pesquisa nacional por Amostra de Domiclios, realizada anualmente pelo IBGE

    SBPE Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimos

    Selic

    SFI- Sistema Financeiro ImobilirioSFH-Sistema Financeiro habitacional

    Sinduscon - Sindicato da Indstria da Construo Civil

    TR- Taxa referencial

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    SUMRIO

    INTRODU O............................................................................................................................ 14

    1 QUESTES TCNICAS SOBRE O MERCADO E O FINANCIAMENTO

    HABITACIONAIS....................................................................................................................... 20

    1.1 CARACTERSTICAS ECONMICAS DO MERCADO DE HABITAO............. 21

    1.2 CARACTERSTICAS DO FINANCIAMENTO HABITACIONAL........................... 22

    1.2.1 Funding (recursos para emprestar) .......................................................................231.2.1.1 Bancos habitacionais pblicos.........................................................................................................251.2.1.2 Depsitos de poupana .................................................................................................................... 26

    1.2.1.3 Ttulos hipotecrios .........................................................................................................................27

    1.2.1.4 Mercado secundrio de hipotecas....................................................................................................28

    1.2.2 Taxa de juros (taxa de aplicao)........................................................................... 291.2.2.1 Indexador......................................................................................................................................... 35

    1.2.2.2 Taxa de captao versus taxa de aplicao...................................................................................... 38

    1.2.2.3 Spread..............................................................................................................................................42

    1.2.3 Sistema de amortizao...........................................................................................44

    1.2.4 Prazo de pagamento do financiamento.................................................................. 451.2.5 Risco de inadimplncia e custo de retomada do imvel .......................................461.2.6 Entrada (pagamento de parte do bem vista) ...................................................... 481.2.6.1 Contratos de poupana prvia..........................................................................................................50

    1.2.7 Evoluo do preo do imvel .................................................................................. 511.2.8 Risco de pr-pagamento ..........................................................................................521.2.9 Governo e subsdios .................................................................................................531.2.9.1 O subsdio habitacional ................................................................................................................... 54

    2 MODELOS PARA O FINANCIAMENTO IMOBILIRIO............................................ 58

    2.1 MODELO NORTE-AMERICANO.................................................................................. 63

    2.1.1 Incio..........................................................................................................................642.1.2 Securitizao: o papel das agncias........................................................................ 652.1.3 A recente crise imobiliria norte americana .........................................................662.2 MODELO EUROPEU ...................................................................................................... 68

    2.2.1 O caso espanhol ............................................................................................................ 702.3 MODELO LATINO-AMERICANO ................................................................................ 72

    2.3.1 Mxico ........................................................................................................................... 722.3.2. Chile..............................................................................................................................732.3.2.1. A poltica de subsdios pblicos chilena para financiar a compra de habitaes...................................75

    2.3.2.2. Sistema de financiamento habitacional privado no Chile ........... ........... ........... ............ ........... .......... .... 75

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    3 HISTRICO DA QUESTO HABITACIONAL BRASILEIRA DO S CULO XIX

    AO IN CIO DO S CULO XXI .................................................................................................. 773.1 ANTES DE 1964 ........................................................................................................... 77

    3.2 A CRIAO DO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAO E OS ANOS

    DA DITADURA ..................................................................................................................... 78

    3.3 A INCAPACIDADE DO SFH/ BNH DE RESOLVER O DFICIT

    HABITACIONAL................................................................................................................... 81

    3.4 FUNDO DE COMPENSAO DE VARIAES SALARIAIS (FCVS) .................. 82

    3.5 SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL (SFH) SEM O BNH ............................ 86

    3.6 PS PLANO REAL O SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIRIO.......................... 87

    3.6.1 Certificados de recebveis imobilirios (CRIs) e regime fiducirio..................... 903.6.2 Alienao fiduciria .................................................................................................933.7 OUTRAS MODIFICAES NORMATIVAS RECENTES........................................ 94

    3.7.1 Patrimnio de afetao (PA)...................................................................................943.7.2 Letras e Cdulas de Crdito Imobilirio (LCI e CCI).......................................... 95

    4 SITUAO ATUAL............................................................................................................. 97

    4.1 SBPE (SISTEMA BRASILEIRO DE POUPANA E EMPRSTIMOS) ................... 97

    4.1.1 Dos recursos.............................................................................................................. 974.1.2 Das regras para obteno de financiamento ......................................................... 994.1.3 Enquadramento do FCVS e crescimento do crdito direcionado ..................... 1004.2 EVOLUO RECENTE DO CRDITO HABITACIONAL NO BRASIL .............. 103

    4.3 DFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO .............................................................. 106

    5 PERSPECTIVAS ................................................................................................................ 112

    5.1 A NECESSIDADE DE SUBSDIO NA POLTICA HABITACIONAL

    BRASILEIRA ....................................................................................................................... 112

    5.2 POTENCIAL DO CRDITO HABITACIONAL NO BRASIL SOB A TICA

    DO SETOR PRIVADO......................................................................................................... 120

    5.2.1 Aluguel......................................................................................................................... 1215.2.2 Reforma....................................................................................................................... 1235.2.3 Aumento do nmero de moradias por questes demogrficas .............................. 1255.2.3.1 Crescimento vegetativo.........................................................................................................................125

    5.2.3.2 Transio demogrfica ainda em curso.................................................................................................126

    5.2.3.3 Queda da relao pessoas por domiclio...............................................................................................128

    5.3 DISPONIBILIDADE DE RECURSOS PARA EXPANSO DO CRDITO

    HABITACIONAL................................................................................................................. 129

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    5.4 PRINCIPAIS BARREIRAS AO DESENVOLVIMENTO DO CRDITO

    IMOBILIRIO NO BRASIL................................................................................................ 1315.4.1 Estabilidade econmica .........................................................................................1315.4.2 Altas taxas de juros nominal e real ......................................................................1325.4.2.1 A remunerao da caderneta de poupana.....................................................................................133

    5.4.3 Arcabouo Legal .................................................................................................... 1345.4.4 Inexistncia de uma base de dados unificada de imveis:..................................1355.4.5 Da dificuldade de obteno de dados ................................................................... 1375.4.6 Da falta de foco das polticas subsdio ao financiamento habitacional .............138

    6 CONCLUSO ..................................................................................................................... 140

    REFER NCIAS......................................................................................................................... 143

    Apndice A linha de comando do Software R................................................................ 162

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    INTRODUO

    Possuir uma casa prpria um sonho para a maioria das pessoas. Estudo realizado pela

    consultoria TNS Interscience, em uma amostra de 456 pessoas com renda at R$1500,001, mostra

    que o desejo de possuir casa prpria o grande sonho de consumo de 42% dos entrevistados. O

    nmero sobe para 52% se considerarmos os 10% que responderam que casa prpria era um gran-

    de sonho ao serem estimulados a isso. Ou seja, mesmo muitas vezes no podendo adquirir uma

    moradia, as famlias tm isso como um de seus grandes objetivos.

    Mais do que uma questo econmica, a deciso de investir na compra de uma moradia

    tem origem na necessidade bsica humana de segurana (UBS, 2005, p. 9). Maia (2008, p. 5)

    analisa que

    O sonho da casa prpria [...] mostra-se como acalentado por todos os segmentos/ classessociais, sendo que, em se tratando dos segmentos mais pobres, tal projeto permeado por v-rias razes, inclusive de ordem instrumental (capitalizaoao alcance do trabalhador e se-gurana, em caso de desemprego). Alm disso, num contexto capitalista, ser proprietrioum valor em si mesmo. Neste sentido, a casa representa parte da realizao de um projeto deascenso social: ser proprietrio, estar no que seu, no depender de aluguel; significa uma in-tegrao mais efetiva cidade, e uma das marcas de que se conseguiu melhorar (CALDEI-

    RA,1984 ). [grifos meus]

    Faz sentido,assim, afirmar que toda famlia seja uma demandante em potencial do bem

    habitao (SANTOS, 1999), mesmo que seja para aluguel, devido sua essencialidade. Sem

    surpresas, este mesmo autor afirma que a habitao responde por parcela significativa da ativi-

    dade do setor de construo civil, que, por sua vez, responde por parcela significativa da gerao

    de empregos e do PIB da economia.

    O mesmo autor ressalva que a habitao um bem muito caro, de modo que sua comer-

    cializao depende muito de esquemas de financiamento de longo prazo aos demandantes finais.No de se surpreender, portanto, que a habitao seja o principal activo [sic] e a dvida hipote-

    1 A pesquisa foi feita no Rio de Janeiro e em So Paulo, entre junho e outubro de 2005. A pesquisa foi citada porSandra Balbi, da Folha de So Paulo, na reportagem Baixa renda prioridade na expanso do crdito. Disponvelem: < http://www.ihoshi.com.br/pg_dinamica/bin/pg_dinamica.php?id_jornal=15818&id_noticia=83&id_pag=24>.Acesso em: 20. Mar. 2009. O mesmo dado, mais detalhado, est em uma apresentao institucional da TNS Intersci-ence, disponvel em: . Acesso em: 20 maro 2009.

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    cria a maior responsabilidade das famlias (Nunes, 2005, p. 3)2. A essencialidade do bem e seu

    enorme peso no oramento das famlias evidenciam a importncia do tema financiamento habi-tacional para a Cincia Econmica. Gostaria, no entanto, de detalhar mais este ltimo ponto.

    O fato de a moradia ser um bem caro, cuja aquisio exige muitas vezes um financiamen-

    to vultoso, tem implicaes importantes sobre os ciclos econmicos. Como acontece a qualquer

    setor de grande peso na formao do PIB, uma crise neste setor tem elevado potencial de causar

    recesses (o maior exemplo disto a atual crise econmica nos EUA3). Mas, mais do que uma

    simples questo matemtica (o peso do setor no PIB), o investimento residencial tem um potenci-

    al mais elevado que os demais de causar recesses: Leamer (2007, p. 1), em seu auto-explicativo

    trabalho intitulado Housing IS the business cycle (maisculo e sublinhado no original), ou, em

    portugus, [investimento] residencial o ciclo [econmico], afirma que, de todos os compo-

    nentes do PIB, o movimento (alta ou baixa) do investimento residencial aquele que melhor a-

    nuncia um ciclo econmico.

    Alm das implicaes sobre os ciclos econmicos, o financiamento habitacional e sua ex-

    tenso na forma de poltica de financiamento habitacional tm importantes implicaes sociais.

    Num sistema de livre mercado, os emprestadores naturalmente buscaro financiar os tomadores

    que lhes oferecem maior retorno e menos risco, o que os faz preferir as famlias mais abastadas

    com renda suficiente para fazer frente ao crdito imobilirio e portanto menos sujeitas inadim-

    plncia. Os setores mais pobres da sociedade so vistos como de maior risco, o que no seria pro-

    2Davies at al (2008, p. 5) analisaram a distribuio global de riqueza a partir de uma amostra de 39 pases. A partirde dados completos de 19 pases, eles afirmam que os ativos no-financeiros representam entre 40% e 60% do total[da riqueza das famlias], sendo que a casa prpria responde por parcela considervel deste total (entre 16% dariqueza total, na frica do Sul, at 62%, na Polnia). A importncia desta ltima forma de riqueza tal que a tabelaelaborada pelos autores (p.32) sobre o percentual de riqueza financeira e no financeira de cada pas contm umnico detalhamento da riqueza no-financeira: a casa prpria. Os dados utilizados so de 2000.O prprio Nunes (2005, p. 11) afirma: para dar a noo da relevncia do imobilirio nos EUA basta referir que, nofinal do 3 trimestre de 2003, este era, em termos individuais, a principal componente da riqueza das famlias,representando cerca de 31% do total respectivo, deixando muito para trs os restantes factores de acumulao, ondesobressaam os seguros de vida/fundos de penses e as aces/fundos mutualistas, que asseguravam, respectivamen-te, 18 e 14% daquele total.E, mesmo entre os ativos financeiros, o setor imobilirio uma forma importante de riqueza. De acordo com Cap-gemini e Merryil Lynch (2007, p.15), os investimentos emReal State(bens imobilirios ou de raiz) representavamcerca de 16% do total dos ativos financeiros do mundo em 2004 e 2005 e passaram a 24% em 2006. O Relatrio citafontes prprias (Capgemini/Merrill Lynch Financial Advisor Surveys, March 2 006, March 2 007).3A anlise da conjuntura feita por FMI (2008, p. 1) deixa claro, na primeira pgina, que avalia que a queda dos pre-os das residncias nos Estados Unidos a maior causa da atual crise dos EUA (e portanto do mundo, j que o PIBestadunidense representa cerca de 20% do PIB global): The global expansion is losing speed in the face of a majorfinancial crisis. The slowdown has been greatest in the advanced economies, particularly in the United States, where

    the housing market correction continues to exacerbate financial stress.

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    blema se pudessem arcar com custos mais elevados (na forma de taxas de juros, por exemplo, ou

    de um seguro contra inadimplncia). Como sua renda no permite este custo extra, um sistema delivre mercado raramente permite acesso destes setores ao financiamento habitacional. A poltica

    de financiamento habitacional, portanto, deve levar este fato em conta.

    O financiamento habitacional e a poltica que o garante tambm tm implicaes ecolgi-

    cas. A impossibilidade de obter financiamento adequado leva muitas famlias a improvisar uma

    moradia de baixo custo, mas com graves implicaes para o meio ambiente, tanto por se localiza-

    rem em local inadequado (por exemplo, o manancial de um rio), quanto por no disporem, muitas

    vezes, de adequadas condies de eliminao de detritos. Para Bremer ([2004?], p. 4), a crescen-

    te concentrao populacional em assentamentos irregulares (favelas, mocambos, palafitas, ocupa-

    es, vilas) tem intensificado a depleo socioambiental dos stios urbanos e peri-urbanos4. O

    autor completa com dados brasileiros:

    Nos anos de 1991 a 2000, o crescimento da populao de reas irregulares foi 2,66 vezes maiorque o crescimento mdio da populao brasileira, atingindo o ndice de 4,32% ao ano. Nestecontexto, governantes e tomadores de deciso em diversos nveis defrontam-se com tarefas so-bre a soluo para problemas urbanos que vo da construo de moradias preservao de -reas de verdes, do gerenciamento de lixo ao suprimento de gua potvel, da conservao do pa-trimnio histrico e cultural ao transporte, etc.

    De fato, no caso brasileiro, as carncias habitacionais das camadas populacionais de baixa

    renda so muito grandes. As estimativas oficiais (Fundao Joo Pinheiro, 2006, p. 21) apontam

    que a necessidade de moradias no pas da ordem de 6,5 milhes nas reas urbanas e quase 1,4

    milhes nas reas rurais, e que 90,7% dessas carncias se concentram nas famlias de renda infe-

    rior a trs salrios-mnimos mensais (p. 29).

    Para Costa (2004), dentre os diversos segmentos do mercado de crdito, o de crdito i-

    mobilirio [...] o que menos reagiu aos avanos dos volumes de emprstimos dos bancos no

    perodo ps-Real. De fato, apesar do elevado dficit habitacional no Brasil, o mercado de crdito

    imobilirio ainda est longe do seu verdadeiro potencial de crescimento. Existe um conjunto de

    barreiras cuja eliminao deve impulsionar o crescimento do setor nos prximos anos, levando o

    4Evidentemente, o financiamento habitacional no a nica soluo para o problema das moradias improvisadas.Abiko (1995, p. 28), por exemplo, comentando sobre o fenmeno da auto-construo, cita aes como fornecimentode projetos ou manuais de auto-construo, ou ainda a assistncia ou assessoria tcnica como exemplos de gestohabitacional (conjunto de processos dirigidos a articular [...] recursos [...] que permitam produzir e manter habita-es, de acordo com as necessidades dos usurios (p. 11)). No entanto, o prprio autor cita inmeras limitaes

    destas aes, como a baixa produtividade.

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    pas a alcanar penetrao de crdito / PIB de pases mais maduros neste segmento de crdito,

    como Mxico e Chile.A literatura internacional sobre crdito imobilirio vasta. A freqncia de alguns temas,

    no entanto, mostra que, ainda que se tenha chegado a um quase consenso sobre algumas questes,

    persistem pontos no resolvidos e, principalmente, inexistem solues eficazes para problemas j

    identificados. Novos trabalhos, portanto, se justificam.

    Este trabalho tem o objetivo de analisar a evoluo do financiamento habitacional brasi-

    leiro luz da literatura existente e de modelos j adotados por outros pases, a fim de analisar o

    potencial de crescimento do crdito habitacional no pas. Para isto, o trabalho utilizar os dadosmais recentes disponveis, como os microdados da PNAD 2007, do IBGE, e os estudos sobre

    dficit habitacional da Fundao Joo Pinheiro de 2006, que tomam como base os microdados da

    PNAD 2005. O trabalho no pretende analisar o financiamento comercial, ou seja, para aquisio,

    construo ou reforma de imveis destinados a uso empresarial.

    Para cumprir este objetivo, o trabalho est organizado como se segue: aps esta introdu-

    o, o captulo 1 apresentar uma reviso da literatura sobre financiamento habitacional. Sero

    tratados assuntos inerentes aos emprstimos (como sistema de amortizao e prazo de pagamen-

    to) com o objetivo de familiarizar o leitor com os termos e medir os impactos de cada escolha

    (por exemplo, mudar o sistema de amortizao ou aumentar o prazo de financiamento).

    O captulo 2 descrever e analisar os modelos de financiamento habitacional em pases

    selecionados pela autora. O objetivo deste captulo identificar as principais diferenas entre o

    modelo brasileiro e estes modelos descritos, e, se possvel, tirar lies.

    O captulo 3 traa um histrico da questo imobiliria no Brasil at o incio do sculo

    XXI. O foco do captulo o Sistema Financeiro de Habitao, considerado pela literatura a pri-meira ao governamental de porte com a inteno de desenvolver o crdito habitacional no pas.

    O captulo 4 continuar a analisar a questo habitacional do Brasil, mas a partir de 2001.

    O foco deste captulo descrever e analisar as recentes mudanas que permitiram a facilitao do

    crdito habitacional e o aumento da demanda pelo mesmo.

    O captulo 5 tomar a anlise feita nos captulos anteriores e buscar analisar as perspecti-

    vas de crescimento do crdito imobilirio no Brasil. Em primeiro lugar, buscar-se- demonstrar

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    que a poltica habitacional brasileira exige subsdio s classes mais pobres. Em seguida, o poten-

    cial do crescimento do financiamento habitacional ser analisado a partir de duas ticas: 1) a dodficit habitacional e 2) a do crescimento da renda. Em uma seo separada, o captulo tambm

    apresentar as principais barreiras para este crescimento.

    Finalmente, o captulo 6 apresentar as concluses do estudo, que no esgotam o tema,

    mas permitem avanar na anlise.

    Na opinio desta autora, este trabalho traz novidades interessantes para a discusso do te-

    ma financiamento habitacional.

    Em primeiro lugar, este estudo foi feito durante e logo depois da ecloso de uma gravecrise imobiliria no mercado norte-americano, o que tende a refrear os nimos de sugerir (como

    sugeriu alguma literatura anterior) a converso total ou parcial do sistema brasileiro ao sistema

    norte-americano. Bons estudos sobre o setor imobilirio foram feitos no Brasil ao longo das lti-

    mas dcadas (o de Carneiro e Valpassos, publicado em 2003, e o de Rossbach, publicado em

    2005, ambos freqentemente citados nesta dissertao, so os que eu mais destacaria). No entan-

    to, a rpida transformao do cenrio domstico (para o lado positivo, no sentido de que nos l-

    timos dez anos a inflao diminuiu, aumentou a estabilidade macroeconmica e as taxas de juros

    caram) e do cenrio externo (principalmente do mercado norte-americano, em muitos sentidos)

    exige constante releitura.

    Em segundo lugar, a validade do trabalho se d pela sua organizao em quatro partes: a)

    apresentao de questes consensuais sobre financiamento habitacional de forma didtica (cap-

    tulo 1), b) estudo de caso dos modelos de outros pases (captulo 2), c) evoluo do financiamen-

    to habitacional no Brasil (captulos 3 e 4), e finalmente d) desafios e concluso (captulos 5 e 6).

    A maioria dos trabalhos apresenta apenas trs destas quatro partes, o que prejudica uma compre-

    enso mais ampla. O trabalho de Medeiros (2007) sobre habitaes para a populao de baixa

    renda, por exemplo, cuidadoso, mas no apresenta comparao com experincias de outros pa-

    ses, como tambm no o faz o trabalho de Lea (2000) sobre o mercado primrio de hipotecas. O

    trabalho de Carneiro e Goldfajn (2000) sobre securitizao de hipotecas, por outro lado, apresenta

    as quatro partes, mas no faz distino entre o que consenso na literatura e o que simplesmen-

    te um modelo adotado em outro pas. J o trabalho de Maio e SantAna (2006), sobre a poltica

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    habitacional francesa, no apresenta seo sobre as prticas consensualmente aceitas pela literatu-

    ra de poltica habitacional.

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    1 QUESTES TCNICAS SOBRE O MERCADO E O FINANCIAMENTO HABITA-

    CIONAIS

    Este captulo pretende descrever inicialmente algumas questes tcnicas inerentes ao mer-

    cado imobilirio que precisam ser consideradas em seu estudo. Em segundo lugar, tratar do fi-

    nanciamento propriamente dito, abordando questes como sistema de amortizao, inadimplncia

    e prazo de pagamento. A inteno aqui discutir que tecnicalidades devem ser levadas em conta

    na estruturao do financiamento habitacional de maneira a permitir maior acesso a crdito e por-

    tanto habitao.

    Em primeiro lugar, a autora considerou interessante distinguir alguns termos comumente

    usados na literatura sobre financiamento habitacional. So eles: 1) imobilirio, 2) habitacional, 3)

    financiamento, 4) hipoteca, 5) emprstimo hipotecrio, 6) letra hipotecria, 7) leasing e 8) securi-

    tizao.

    A palavra imobilirio abrangente e se refere a qualquer questo relativa a imveis e

    edificaes (Houaiss, 2009). A palavra habitacional, ao contrrio, refere-se apenas a habitaes

    (moradias humanas). No sentido que se pretende usar neste trabalho, portanto, o crdito habita-

    cional uma parte do crdito imobilirio a outra parte do crdito imobilirio refere-se a imveis

    e edificaes no utilizadas para moradia, e sim para atender interesses comerciais, pblicos, etc.

    Um financiamento uma cesso de valor monetrio que se transforma ento em uma d-

    vida a ser paga futuramente (Houaiss, 2009). Pode ser feito de diversas maneiras e sob diversas

    condies (a serem discutidas com mais pormenores neste captulo).

    Uma hipoteca a garantia real (geralmente imvel, navio ou aeronave) de dvida, sem que

    o objeto dado em garantia saia do poder do devedor (Bueno & Constanze, 2009). Por extenso,pode designar a dvida contrada que tem como garantia uma hipoteca (Houaiss, 2009). Como

    uma forma de garantia extremamente comum em financiamentos imobilirios, a palavra acaba

    sendo confundida (at mesmo na literatura) com a palavra mais geral, financiamento. impor-

    tante ter em mente, no entanto, que hipoteca designa uma relao jurdica determinada, em que

    a garantia um bem do devedor o chamado emprstimo hipotecrio.

    Uma letra hipotecria um ttulo de crdito circulante, transmissvel atravs de endosso

    ou por tradio, e que os bancos e sociedades de crdito real emitem sob emprstimo garantido

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    por hipoteca (Houaiss, 2009). Ou seja, a garantia dada pelo tomador (o imvel financiado) ao

    emprestador serve tambm de garantia para que este capte recursos. Este assunto ser tratandocom mais detalhes na seo 1.2.1.

    Um leasing (arrendamento mercantil), ao contrrio do emprstimo hipotecrio, compre-

    ende as operaes em que o arrendador concede ao arrendatrio a utilizao de um bem objeto do

    financiamento, com opo de compra, ao final do contrato, pelo valor residual garantido ou pelo

    preo de mercado do bem, descontando-se o valor que j foi pago (Bacen, 2009). Na prtica, a

    operao se parece muito com um financiamento. No caso de leasing habitacional (que no Brasil

    toma a forma de alienao fiduciria, a ser tratada na seo 3.6.2), o arrendador (instituio fi-

    nanceira) concede um emprstimo ao arrendatrio (tomador do emprstimo) para que este

    compre sua moradia, que serve como garantia ao financiamento. A diferena em relao hipo-

    teca que o arrendador permanece com a posse do imvel at o fim do contrato, quando ento

    esta passada para o arrendatrio.

    Finalmente, a securitizao o ato de tornar uma dvida qualquer com determinado cre-

    dor em dvida com compradores de ttulos no mesmo valor (Houaiss, 2009). A securitizao de

    ttulos hipotecrios no Brasil, da mesma maneira, a operao pela qual tais crditos so expres-

    samente vinculados emisso de uma srie de ttulos de crdito, mediante Termo de Securitiza-

    o de Crditos, lavrado por Companhias Securitizadoras de Crditos Imobilirios. O Termo de

    Securitizao de Crditos consiste num documento emitido pelas Companhias Securitizadoras de

    Crditos em que so apontadas as sries de ttulos adquiridos, que serviro de lastros para emis-

    so dos CRI, bem como as garantias destes (PARADA Filho, 2006?). Este tema tambm ser

    tratado com mais profundidade adiante.

    Estas definies sero respeitadas pela autora ao longo deste trabalho. No entanto, dada a

    confuso da literatura em seu uso, muitas vezes as citaes contm uso imperfeito do termo. A

    autora optou por manter essas imperfeies para garantir a fidelidade da citao.

    1.1 CARACTERSTICAS ECONMICAS DO MERCADO DE HABITAO

    BID (2004, p. 19) afirma que o setor de habitao tem complexas dimenses sociais, le-

    gais, polticas e econmicas. Para a entidade, o setor funciona (dentro de um mesmo pas) fun-

    damentalmente como um s mercado, mesmo que com muitos e variados sub-mercados. Isto por-

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    que as tendncias de uma parte deste mercado esto ligadas s tendncias de outras partes, e as

    polticas direcionadas a determinados segmentos (de renda, por exemplo) afetaro os demais sub-mercados.

    Ferreira (2004, p. 17-8) vai por caminho completamente diferente de BID (2004, p. 19) e

    afirma que coexistem na verdade dois mercados de habitaes, ainda que intimamente relaciona-

    dos: um mercado por um bem de consumo (os servios habitacionais) e um mercado por um

    bem de investimento (a construo residencial). A autora elenca em seguida uma lista de difi-

    culdades para estimar a oferta e a demanda nestes mercados:

    No que diz respeito aos argumentos da funo demanda, os problemas vo desde a dificuldadede obter as observaes relativas a [preo] possvel omisso de variveis relevantes (o que,quase sempre, gera coeficientes estimados viesados). Dentre tais variveis, podemos destacar arenda permanente e a expectativa de preos futuros. Dado que o bem moradia tambm desem-penha o papel de um ativo no portflio de um agente, poder-se-ia incluir os retornos de outrosativos na lista de variveis explicativas relevantes.

    No que tange oferta do bem moradia, a maioria dos trabalhos considera a curva de longo pra-zo como sendo infinitamente elstica e o maior desafio modelar o comportamento dos ofer-tantes no curto prazo. Como determinantes de curto prazo, so apontadas as condies de finan-ciamento e a evoluo dos custos de produo. O objetivo responder a questes concernentesao perodo de tempo necessrio para se alcanar o equilbrio de longo prazo e descrever comose d esse processo de ajuste.

    Nunes (2005, p. 2) destaca importantes caractersticas do mercado habitacional: 1) oferta

    estritamente local (j que no possvel mudar um imvel de lugar), 2) reduzida transparncia

    (com recurso freqente a negociaes bilaterais) e 3) baixa liquidez. Estas caractersticas im-

    plicam altos custos de transao que tornam a aquisio ainda mais onerosa.

    Outras caractersticas destacadas por Nunes (2005, p. 3) esto relacionadas ao fato de o

    imvel ser um bem caro e durvel: 4) o financiamento para adquirir o imvel e 5) sua longevida-

    de.

    um bem financiado, em larga medida, atravs do crdito hipotecrio que, no plano da raciona-lidade econmica, comporta, em simultneo, um valor de uso que se consubstancia na existn-cia de uma renda, e uma reserva de valor para o respectivo proprietrio, dada a sua enorme lon-gevidade.

    1.2 CARACTERSTICAS DO FINANCIAMENTO HABITACIONAL

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    Um financiamento uma operao financeira. Em geral, ao valor presente so acrescidos

    juros, que equivalem ao aluguel do dinheiro, ou seja, remunerao a ser paga para que umindivduo ceda temporariamente o capital de que dispe (BRUNI e FAM, 2007, p. 21).

    Um financiamento, habitacional ou no, caracterizado pela maneira com que o montante

    ou valor futuro (resultado da aplicao do capital inicial tambm segundo os mesmos autores)

    pago e pelas garantias que o tomador d ao emprestador. No entanto, como enfatiza Ferreira

    (2004, p. 15), algumas particularidades do bem habitao exigem que o tratamento terico do

    mesmo seja diferenciado. Por exemplo, no caso do financiamento habitacional, dado o seu gran-

    de valor, na grande maioria dos casos, o montante pago aos poucos, em parcelas geralmente

    mensais, ao longo de um prazo maior. A garantia do financiamento em geral o prprio imvel

    adquirido.

    Importa saber que o mercado de crdito habitacional geralmente dividido em dois: o

    mercado primrio e o secundrio. No mercado primrio o financiamento originado, ou seja, o

    emprestador (geralmente um banco) cede recursos ao tomador. Se o emprestador no tem recur-

    sos prprios (depsitos, por exemplo), ele os capta no mercado secundrio. Isto pode ser feito

    atravs da emisso de letras hipotecrias, que podem ou no ser securitizadas, que so revendidas

    ao investidor final.

    Esta seo analisar as estas caractersticas dos financiamentos habitacionais e os riscos

    inerentes a estes financiamentos, na perspectiva do investidor.

    1.2.1 Funding (recursos para emprestar)

    Para que o financiamento acontea, necessrio que algum, pessoa fsica ou jurdica, te-

    nha recursos e decida ced-los em troca de remunerao (juros). Warnock e Warnock (2007, p.1), em didtico trabalho sobre o sistema de financiamento habitacional em 61 pases, afirmam

    que os fatores associados ao bom funcionamento dos sistemas de financiamento habitacional so

    aqueles que permitem a proviso de recursos de longo prazo. Para os autores (p. 3), pode-se

    argumentar que a proviso de financiamento habitacional uma restrio vinculante que deve ser

    solucionada antes que o mercado possa sustentavelmente prover habitaes, e, na falta de um

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    sistema de financiamento habitacional que funcione bem, a proviso de financiamento via merca-

    do no ser nem adequado nem possvel (por ser muito cara)5

    .Por essa razo, em uma srie de pases, inclusive no Brasil, os governos decidiram garan-

    tir a oferta de recursos para financiamento habitacional no s via mercado (recursos livres), mas

    tambm por recursos direcionados. No entanto, isso tem mudado. Rossbach (2005, p. 33) v uma

    tendncia internacional no segmento de financiamento habitao de transferir para o mercado

    de capitais a funo de prover fundos para o crdito imobilirio. A capacidade de captar recur-

    sos desta ltima maneira define o sucesso de um mercado secundrio bem-sucedido e se baseia,

    para Lea (2000, p. 7), numa boa gesto dos riscos envolvidos no emprstimo habitacional (e que

    no sistema pr-mercado secundrio eram assumidos pelas financiadoras/ originadoras), no im-

    porta que entidades estejam envolvidas no processo ou que separao de funes existe.

    A figura 1 ilustra o funcionamento bsico de um mercado habitacional de acordo com

    BID (2004). Um comprador pode adquirir uma moradia diretamente com o vendedor, pagando

    por ela um preo previamente acordado (seta 1), ou, se no tiver recursos para tanto, pode solici-

    t-los junto a um agente financiador (seta 2, que resume o processo que ocorre no mercado pri-

    mrio de crdito habitacional, j explicado anteriormente). O financiador, por sua vez, capta re-

    cursos para emprest-los (principalmente sob a forma de depsitos, como ser explicado na seo

    1.2.1.2). Este conjunto est inserido num arcabouo institucional que compreendem os mercados

    (que determinam, por exemplo, os custos de captao), a estrutura normativa e at as caractersti-

    cas das instituies responsveis pela aplicao de tais normas (que podem, por exemplo, garantir

    ou no sua eficcia).

    5Traduo livre. Do original em ingls: it can be argued that the provision of housing finance is a binding constraintthat must be addressed before the market can sustainably provide adequate housing. Even in the best of environ-ments, housing is a major purchaseaverage home prices typically ranging from 4 times annual income in devel-oped countries to 8 times annual income in emerging economies (Ball, 2003)that is affordable only when pay-ments can be spread out over time. Absent a well-functioning housing finance system, for many the market-based

    provision of formal housing will be neither adequate nor affordable.

    Vendedor Comprador/tomador doemprstimo

    Emprestador(originador)

    1) Preo 2) Financiamento

    Arcabouo institucional (legislao, mercados, etc.)

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    Figura 1 Esquema simplificado do funcionamento de um mercado de habitao baseado em BID(2004, p. 19)

    Lea (2000, p. 6) mais detalhista e afirma que, no modelo tradicional de mercado habita-

    cional, uma instituio (chamada pelo autor de portfolio lender, ou emprestador da carteira de

    crdito, que poderiam ser bancos comerciais, por exemplo) assume simultaneamente as funes

    de a) ter recursos para emprestar , b) originar o crdito (ou seja, achar clientes que tomem os re-

    cursos emprestados), c) fazer servios como cobrana e retomada do imveis e d) gerir os riscos

    envolvidos. Esta explicao tambm corresponderia esquematizada na figura 1. No modelo

    mais moderno, porm, o emprestador no necessariamente assume mais todas estas funes. Para

    Carneiro e Goldfajn (2000, p. 8),

    Os originadores do emprstimo podem: (i) manter as hipotecas em seus portflios; (ii) vend-las a um investidor final que deseje mant-las em seu portflio, ou que esteja fazendo um poolde hipotecas para us-las como garantia de uma obrigao a ser emitida; (iii) usar as hipotecasoriginadas como garantia de uma obrigao a ser emitida por ele prprio, dando lugar chama-da securitizao. As obrigaes provenientes de recebveis securitizados, mesmo quando os las-tros sejam bem diversificados e quando possuam tima avaliao de crdito (ratings elevados),ainda estaro sujeitas a alguns dos riscos listados [risco de crdito, risco de preo, risco de des-casamento, risco de liquidez e risco de pr-pagamento].

    Rossbach (2005, p. 14) identifica cinco origens diferentes de recursos para o crdito habi-

    tacional: contrato de poupana prvia, bancos habitacionais pblicos, depsitos de poupana,

    ttulos hipotecrios e mercado secundrio de hipotecas6. Na opinio da autora deste trabalho, os

    contratos de poupana prvia constituem origem de recursos para a entrada, no para o financia-

    mento, por isso esta modalidade ser comentada na seo 1.2.6. As outras quatro modalidades

    sero comentadas abaixo. Detalhes sobre como a oferta de recursos garantida em cada pas se-

    ro dados no captulo 2.

    1.2.1.1 Bancos habitacionais pblicos

    Para Rossbach (2005, p. 37), os bancos habitacionais pblicos so instituies governa-

    mentais com diferentes estruturas nos diferentes pases que tm o objetivo de oferecer crdito

    habitacional por meio de fundos e taxas de juros subsidiadas de modo a ampliar o acesso mo-

    radia para populao de baixa renda.. A autora comenta:

    6Green e Watcher (2007, p. 2) apresentam uma categorizao apenas ligeiramente diferente: Housing Finance sys-temsn can be divided into four major types. These include: depository systems, directed credit (including providentfunds, raised by payroll taxes and contractual savings schemes); specialized mortgage lending (through government-regulated or owened banks or covered bonds []); and, more recently, secondary mortgage market systems

    through securitization.

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    A natureza dos fundos captados varia de alocaes oramentrias a depsitos no subsidiados,assim sendo, o volume e a remunerao desses fundos no so determinados pelas foras

    de mercado.

    Alguns indicadores revelam baixos nveis de desempenhocomo, por exemplo, prejuzos ele-vados em funo de impedimentos sociais e polticos execuo de garantias, critrios polticospara selecionar os beneficirios, instrumentos de crdito ineficientes (em conjunturas macroe-conmicas desfavorveis, como elevadas taxas de inflao) e burocratizao do acesso ao crdi-to, o que em muitos casos pode fazer com que pessoas com renda mais elevada sejam benefici-adas em detrimento dos mais pobres, que em princpio deveriam ser priorizados (Guttentag,1998).

    Outro problema relacionado aos bancos habitacionais pblicos o potencial de distoro domercado privado de financiamento habitacional, produzindo um efeito de crowding out aoexpulsar do mercado instituies de crdito privadas impossibilitadas de concorrer com os atra-

    tivos oferecidos pelos emprstimos subsidiados (Guttentag, 1998). [grifos meus]

    Nesta modalidade, a autora cita como caso de sucesso o Government Housing Bank of

    Thailand. No Brasil, como ser detalhado no captulo 4, a Caixa Econmica Federal (CEF) o

    banco habitacional pblico que desempenha o papel de prover financiamento habitacional para a

    baixa renda, atravs de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao trabalhador) e do FGTS. Os re-

    cursos da poupana so direcionados principalmente para a classe mdia, no s pela CEF mas

    tambm por outros bancos comerciais, porque este um recurso que tem direcionamento obriga-

    trio determinado pelo Banco Central do Brasil.

    Os recursos direcionados podem ter vrias origens (poupana voluntria ou compulsria,

    ou ainda receita do governo), mas tm em comum o fato de que so obrigatoriamente utilizados

    para facilitar a aquisio de imveis. Na maioria das vezes, o custo de captao deste tipo de re-

    curso inferior ao custo de mercado, no que se evidencia o subsdio.

    Rossbach (2005, p. 24) relata que em mercados emergentes a dificuldade de captar fundos

    (com recursos livres) de longo prazo um problema para garantir o financiamento de imveis.

    Por isso, os recursos direcionados so muitas vezes utilizados para suprir a falta de recursos li-

    vres.

    1.2.1.2 Depsitos de poupana

    Para Rossbach (2005, p. 14-6), o modelo de financiamento habitacional com captao de

    fundos atravs de depsitos de poupana o mais tradicional de todos, largamente dissemina-

    do entre os pases e muito simples. Neste, o mecanismo consiste em repassar, na forma de em-

    prstimo, recursos provenientes da poupana de indivduos no compradores de imveis a indi-

    vduos compradores de imveis. Neste modelo, a instituio financeira intermediria do crdito

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    cumpre as funes de originar e administrar o emprstimo durante sua vigncia, alm de captar

    fundos para o mesmo.Este sistema apresenta diversos inconvenientes, dentre os quais se pode ressaltar o fato de

    que os fundos captados so de curto prazo enquanto o crdito [habitacional] de longo prazo.

    Assim, as financiadoras (originadoras) assumem riscos de descasamento entre ativos e passivos

    que no podem ser ignorados.

    Por isso, em diversos pases a funo de emprestar e prover recursos foi separada. pos-

    svel captar diretamente no mercado primrio atravs de ttulos (em ingls, mortgage bonds), ou

    no mercado secundrio, atravs da securitizao.

    1.2.1.3 Ttulos hipotecrios

    Para captar recursos atravs de ttulos hipotecrios, os bancos originam e administram

    crditos imobilirios concedidos para os tomadores. Esses crditos so agrupados em pools, sepa-

    rados dos outros emprstimos do banco (Rossbach, 2005, p.33), e servem de lastro para a emis-

    so de ttulos adquiridos pelos investidores. Estes ttulos (e respectivos emprstimos), so conta-

    bilizados no balano da instituio, sem segregao (ao contrrio do que ocorre no caso da secu-

    ritizao para o mercado secundrio de hipotecas). A mesma autora completa (p. 35):

    A possibilidade de emitir ttulos hipotecrios permite que financiadores obtenham fundosnos mercados de capital a um custo reduzido, em funo do baixo risco dos ttulos com ga-rantia real, encorajando assim a concesso de crdito de mdio e longo prazo para habitao oupropriedades no residenciais a taxas de juros baixas e estveis. As instituies financeiras fa-zem a gesto do hedge da taxa de juros, combinando o prazo dos emprstimos com o pra-zo dos ttulos. [para evitar descasamentos; grifos meus]

    A figura 2 apresenta um esquema simplificado de captao de recursos atravs da emisso

    de ttulos hipotecrios.

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    28

    Figura 2- Esquema simplificado de mercado habitacional com mercado secundrio.

    Fonte: Adaptado de Lea (2000) e Rossbach (2005).

    1.2.1.4 Mercado secundrio de hipotecas

    Rossbach (2005, p. 45) afirma que

    O mercado secundrio assim denominado por tratar-se do segundo lugar para onde vo as hi-potecas aps terem sido originadas no mercado primrio. O conceito aproxima-se do sistemaeuropeu de ttulos hipotecrios; a diferena bsica a emisso dos ttulos. Que no mercado se-cundrio realizada por um terceiro agenteque no responsvel pelo crdito original. [grifomeu]

    O processo de securitizao de hipotecas se d da seguinte maneira (ilustrada na figura 3):

    Os bancos de depsito ou hipotecrios (emissores) concedem os crditos imobilirios no merca-

    do primrio, e vendem os mesmos no mercado secundrio atravs dos chamados mortgage ser-

    vices ou servios hipotecrios (Rossbach, 2005, p. 45). Os mortgage services, por sua vez,

    vendem os crditos imobilirios no mercado secundrio. A seguir, as instituies do mercado

    secundrio (ou conduits) adquirem os crditos imobilirios e vendem aos investidores finais ou

    dealers. Por fim, as seguradoras assumem um percentual dos riscos de crdito e os investido-

    res finais adquirem os ttulos no mercado.

    Vendedordo imvel

    Comprador compra oimvel etoma umemprstimohabitacional

    Emprestador (originador) -concede crditos imobiliriosno mercado primrio e os ven-de no mercado secundrio dire-tamente.

    1) Preo 2) Financiamento(mercado prim-

    rio)

    Arcabouo institucional (legislao, mercados, etc.)

    Investidor final (origem dosrecursos)

    3) Recursos (mer-cado secundrio)

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    29

    Figura 3- Esquema simplificado de captao de recursos via securitizao de hipotecas.

    1.2.2 Taxa de juros (taxa de aplicao)

    Como acontece a qualquer financiamento, o habitacional exige uma taxa de juros em trocado emprstimo do montante acordado. Tambm como usual a todo tipo de emprstimo, a capi-

    talizao dos juros, ou seja, sua incorporao ao principal, feita sempre de forma peridica, ou

    seja, com juros compostos (Bueno, Rangel e Santos, 2003, p. 17), pelo simples motivo de que se

    assim no fosse o investidor fugiria de prazos mais longos para prazos mais curtos, j que no

    regime de juros simples, o conceito de equivalncia de capitais fica prejudicado, dependendo do

    prazo definido da aplicao (p. 42-3).

    Vendedordo imvel

    Comprador compra oimvel etoma umemprstimohabitacional

    Emprestador (originador) -concede crditos imobiliriosno mercado primrio e os ven-de no mercado secundrio a-travs dos chamados mortgageservices ou servios hipotec-rios.

    1) Preo2) Financiamento

    Arcabouo institucional (legislao, mercados, etc.)

    Mortgage services: vendem os crditos imobilirios no mercado secundrio.

    Investidor final (origem dos recursos)

    Seguradora

    4) Recursos

    Instituies do mercado secundrio ou conduits: adquirem os crditos imobilirios evendem aos investidores finais ou dealers atravs de ttulos hipotecrios ou ttulosda dvida prpria (esta funo adquiriu um carter de elevada complexidade com osurgimento dos ttulos de derivativos). Essas instituies so tambm responsveispor assumir parcialmente os riscos de crdito.

    3) Venda de crditos i-mobilirios

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    30

    A taxa de juros nominal (i) pode ser dividida em dois componentes bsicos: taxa de juros

    real (r) e taxa de inflao (). Irving Fisher props que estas trs variveis assim se relacionam:

    [ ] 1)1(*)1(1

    11 ++=

    +

    +=+

    rii

    r

    A taxa de juros cobrada no emprstimo, habitacional ou no, a taxa de aplicao. Esta

    taxa pode ser acordada previamente com o tomador e ser fixa ao longo de todo o perodo de vi-

    gncia do contrato, ou variar de acordo com termos estabelecidos no contrato. A tabela 1, abaixo,

    resume os trs principais tipos de taxas de aplicao de acordo com a variabilidade (ou no) de

    seus componentes.

    Tabela 1- Tipos de taxas de aplicao que podem ser acordadas num financiamento habitacional

    Componentes da taxade juros nominal

    Tipo detaxa dejuros no-minal

    Taxa dejuro real

    Taxa deinflao

    Observaes

    Pr-fixada Fixa FixaA taxa de inflao fixa e embutida na taxa pr-fixada a in-flao esperada para o perodo de amortizao ( uma taxa deinflao ex-ante).

    Ps-fixada Fixa VarivelA taxa de inflao que compe a taxa de juros nominal ainflao que j aconteceu (por exemplo, nos 12 meses anteri-ores ao ms em que incidir aquela taxa de juros nominal). ,portanto, uma taxa de inflao ex-post.

    Flutuante(em ingls,adjustablerate)

    Varivel Varivel

    A taxa de aplicao varia de acordo com uma taxa pr-acordada (por exemplo, a Selic ou a Libor), que no se alterana mesma velocidade e da mesma maneira que a inflao.Assim, a taxa de juros real cobrada e a taxa de inflao em-butidas so, a cada momento, diferentes.

    Na prtica, existem diversas formas de conceder crdito habitacional que misturam estes

    tipos de taxas. Alguns exemplos incluem: taxas pr-fixadas por um determinado perodo (diga-mos, 5 anos) e renegociao a partir deste momento, ou taxas ps-fixadas mas com parcelas rea-

    justadas apenas de 12 em 12 meses (e no todo ms).

    Basicamente, a taxa pr-fixada embute em seu valor alguns riscos que as taxa ps-fixadas

    e as taxa flutuantes no embutem a priori, notadamente a variao da taxa de inflao e da taxa

    mdia de mercado. No caso da taxa de juros pr-fixada, o emprestador estima qual ser a taxa de

    inflao ao longo do perodo de amortizao e a embute (junto com um prmio de risco) na taxa

    de juros cobrada (taxa de aplicao), enquanto no caso de uma taxa de juros ps-fixada o risco de

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    31

    acelerao inflacionria fica por conta do tomador se a inflao subir, a taxa de aplicao por

    ele paga ser maior.Para Abecip (2007, p. 16),

    Nos ltimos 20 anos, em mercados tradicionalmente dominados por emprstimos com taxas fi-xas, observou-se uma crescente demanda por contratos de financiamento habitacional comtaxas de juros variveis ou com uma combinao de taxas fixas e ajustveis de juros. Ape-sar dessa tendncia, permanecem as distines nacionais. [grifo meu]

    Murphy (2006, p. 10), em trabalho sobre os tipos de financiamentos no-tradicionais, co-

    menta sobre o risco do financiamento com taxas de juros flutuantes. Para este autor, os emprsti-

    mos com taxas de juros variveis eram muito comuns nos EUA na dcada de 80, quando as taxas

    de juros eram elevadas e a populao esperava que ela casse. A preocupao com os emprsti-

    mos mais recentes que eles acontecem em momento exatamente oposto, quando as taxas j es-

    to muito baixas ou seja, possvel que o tomador tenha que pagar taxas mais altas em algum

    momento, o que pode comprometer sua capacidade de pagamento. Fazendo as devidas adapta-

    es, estes mesmos comentrios do autor so vlidos para as taxas de juros ps-fixadas.

    Em contratos imobilirios, a varivel inflao muito mais importante do que na maio-

    ria dos contratos de financiamento, dado o seu prazo longo e a dificuldade de se estimar a infla-o de cada ano das dcadas de amortizao. Por isso, no caso de taxas pr-fixadas, o empresta-

    dor embute na taxa de aplicao no s a sua projeo de taxa de inflao para o perodo de a-

    mortizao como tambm um prmio de risco de inflao, que proporcional volatilidade das

    taxas de inflao do pas7. Ou seja: ao optar por uma taxa pr-fixada, o tomador paga este prmio

    de risco que no pagaria se a taxa fosse ps-fixada ou flutuante.

    No entanto, ainda que a inflao fosse igual e previsvel ao longo das dcadas (ou seja, se

    no houvesse prmio de risco inflacionrio), uma taxa de juros ps-fixada tambm seria vantajo-

    sa. Isso porque sua aplicao permitiria que a prestao crescesse nominalmente com a inflao

    (e, teoricamente, com a renda do emprestador). Com isso, tomar um emprstimo com taxa de

    juros ps-fixada permite comprar um imvel de valor muito superior.

    Esta afirmao pode ser facilmente confirmada com um modelo simples. Suponha o leitor

    que uma famlia com renda inicial de R$ 1.000,00 deseja adquirir um imvel. No ato da conces-

    7O prmio de risco no se limita ao risco de inflao, como ser detalhado adiante. No entanto, este pargrafo abor-

    da unicamente a parte do prmio que risco que embute o risco de acelerao inflacionria.

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    32

    so do emprstimo, o emprestador exige um comprometimento mximo de renda de x% com o

    pagamento mensal das parcelas do financiamento. Ento, se x%=25%, a famlia sabe que suaprestao inicial no poder ser maior que R$ 250,00. O emprestador oferece ento duas opes

    de financiamento. A primeira das opes um financiamento com prestaes constantes iguais a

    R$ 250,00 e a segunda um financiamento cuja primeira parcela igual a R$ 250,00, mas as

    demais sero reajustadas mensalmente com a inflao. Se for verdade que a renda nominal da

    famlia cresce pelo menos mesma taxa que a inflao8, ento no primeiro caso a renda familiar

    cresceria e o valor da parcela no, fazendo cair o comprometimento de renda ao longo do perodo

    de amortizao. No segundo caso, ao contrrio, o reajuste da parcela coincidiria com o cresci-

    mento nominal da renda familiar, o que permitiria manter o comprometimento de renda com o

    pagamento de parcelas constante, resultando em desembolsos maiores ao longo do perodo de

    amortizao. Assim, com desembolsos maiores, possvel adquirir um imvel de maior valor.

    Ainda que esta concluso seja matematicamente bvia, interessante ilustrar sua impor-

    tncia no financiamento habitacional. A tabela 2, a seguir, reflete a diferena do valor mximo do

    imvel quando se adota a opo parcelas fixas ou a opo parcelas reajustveis, em diferen-

    tes cenrios. Cada combinao de linha (taxa de juros reais) e coluna (taxa de inflao) gera uma

    determinada taxa de aplicao que o tomador deve pagar. Considerando esta taxa de aplicao,um prazo de 30 anos para pagar o financiamento e uma parcela inicial de R$250,00, obtm-se

    dois valores: a) o valor mximo da residncia que o tomador pode comprar no sistema de parce-

    las fixas e b) o valor mximo da residncia que o tomador pode comprar no sistema de parcelas

    reajustveis. O percentual mostrado na tabela 2 mostra em quanto o valor mximo do imvel

    calculado em b maior que em a, para cada taxa de aplicao considerada. Sem surpresa,

    que em todos os casos no segundo sistema era possvel comprar um imvel mais caro, e a dife-

    rena de preo maior quanto maior for a inflao do pas.

    Tabela 2- Diferena entre o preo mximo do imvel a ser financiado num sistema de prestaesreajustveis e num sistema de prestaes fixas em diferentes cenrios de taxas de aplicao

    8Isto verdade para a maioria dos anos. O PIB per capita cresceu acima da inflao (medida pelo IPCA) em 12 dos14 anos entre 1994 e 2007, de acordo com os dados do IBGE (nos anos anteriores, as comparaes ficam prejudica-das devido aos elevados ndices de inflao, por isso no as inclu aqui). E, mesmo nos anos em que isso no aconte-ceu (1999 e 2002), a queda real foi pequena (menor que 2%). No acumulado deste perodo, a renda cresceu muito

    acima da inflao (38,6%).

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    33

    1% 2% 3% 4% 5% 6%1% 14,77% 30,60% 47,40% 65,09% 83,55% 102,69%2% 13,94% 28,75% 44,35% 60,63% 77,51% 94,90%3% 13,15% 27,00% 41,47% 56,48% 71,93% 87,76%4% 12,39% 25,34% 38,78% 52,62% 66,80% 81,24%5% 11,67% 23,78% 36,27% 49,06% 62,09% 75,31%6% 10,99% 22,32% 33,94% 45,78% 57,79% 69,93%7% 10,35% 20,97% 31,79% 42,78% 53,88% 65,06%8% 9,76% 19,71% 29,81% 40,03% 50,32% 60,65%9% 9,20% 18,55% 28,00% 37,52% 47,08% 56,66%

    Taxadejurosreal(a.a.)

    Taxa de inflao anual (mensalizada, atualiza as parcelas)

    Fonte: elaborado pela autora.Nota: Todas as simulaes foram feitas considerando-se um prazo de amortizao de 30 anos (360 meses).

    Ainda na tabela 2, em negrito est um valor que poderia se aplicar ao Brasil, onde as taxas

    de aplicao em termos reais para financiamento habitacional (com recursos direcionados) esto

    atualmente na ordem de 7% e a taxa de inflao perto de 5%. Neste cenrio, um financiamento

    com taxas reajustveis permitiria a compra de um imvel 53,88% mais caro que um financiamen-

    to com prestaes fixas. Esta expressiva diferena no pode ser ignorada na poltica de financia-

    mento habitacional poder comprar um imvel 50% mais caro pode significar, para uma famlia

    pobre, a diferena entre um uma habitao de material no durvel e uma de alvenaria.A escolha do tipo de taxa de aplicao no contrato habitacional uma escolha de sobre

    quem recai o risco (e os possveis prejuzos) de variaes em seus componentes, a taxa de juros

    real e na inflao. As tabelas a seguir resumem os efeitos de um aumento (tabela 3) ou de uma

    queda (tabela 4) da taxa de juros real mdia de mercado e da taxa de inflao.Em resumo, no caso

    de taxas pr-fixadas, um aumento da taxa de juros real ou da taxa de inflao causa ganhos relati-

    vos para o tomador, enquanto sua queda leva o tomador a refinanciar sua dvida a taxas menores.

    Como h perdas potenciais nos dois casos para o emprestador, os prmios de risco embutidos nas

    taxas de aplicao so altos. O exato oposto ocorre com taxas flutuantes, em que o tomador as-

    sume tanto os riscos de variao de taxas de juros reais quanto da taxa de inflao.

    Tabela 3 Efeitos, para o tomador e para o emprestador, de um aumento nos componentes da taxade aplicao (taxa de juros nominal)

    Componentes da taxa de juros nominal (taxa de aplicao)Tipo detaxa dejurosnominal

    Efeito de um aumento da taxa de juro realmdia do mercado

    Efeito de um aumento da taxa de inflao

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    34

    Pr-fixada

    Tomador tem ganho relativo (pois continuar pagando a mesma taxa) e o empresta-dor perde.

    Ps-fixada

    Tomador tem ganho relativo (pois conti-nuar pagando a mesma taxa) e o empres-tador perde.

    Tomador perde (pois ter a parcela rea-justada) e emprestador garante receita emtermos reais.

    FlutuanteTomador perde, pois passar a pagar mais e emprestador mantm a rentabilidade doinvestimento compatvel com a taxa mdia de mercado.

    Fonte: elaborado pela autora.

    Tabela 4 - Efeitos, para o tomador e para o emprestador, de uma queda nos componentes da taxa deaplicao (taxa de juros nominal)

    Componentes da taxa de juros nominal (taxa de aplicao)Tipo detaxa dejurosnominal

    Efeito de uma queda da taxa de juro realmdia do mercado

    Efeito de uma queda da taxa de inflao

    Pr-fixada

    Emprestador inicialmente tem ganho relativo (pois tomador pagar mais que a taxamdia de mercado), mas isso incentivar o refinanciamento (contratao de novoemprstimo a taxas menores), por isso emprestador perde.

    Ps-fixada

    Emprestador inicialmente tem ganho rela-tivo (pois tomador pagar mais que a taxamdia de mercado), mas isso incentivar orefinanciamento (contratao de novo

    emprstimo a taxas menores), por issoemprestador perde.

    Tomador ganha (pois ter a parcela rea-justada) e emprestador garante receita emtermos reais.

    FlutuanteTomador ganha, pois passar a pagar menos e emprestador mantm a rentabilidadedo investimento compatvel com a taxa mdia de mercado.

    Fonte: elaborado pela autora.

    A deciso sobre o tipo de taxa de aplicao no , portanto, trivial, e envolve um balance-

    amento de riscos tanto para o tomador, como para o emprestador e para o sistema como um

    todo. Uma elevao brusca da taxa de inflao, por exemplo, sem contrapartida de aumento dos

    rendimentos, pode causar uma elevao expressiva da inadimplncia se as taxas de aplicao

    forem ps-fixadas, como ocorreu no Brasil na dcada de 80 (ver captulo 3), ou um prejuzo e-norme para os emprestadores, se as taxas de aplicao forem pr-fixadas.

    Debelle (2004, p. 8), comentando sobre as conseqncias (e os riscos) de uma relao d-

    vida imobiliria/PIB muito grande, afirma que mudanas na taxa de juros, de maneira geral, vo

    afetar um nmero muito maior de tomadores de emprstimos habitacionais do que uma alta no

    desemprego (mas no fundamenta esta afirmao). A sensibilidade do setor habitacional a mu-

    danas na taxa de juros depender criticamente do percentual de tomadores que assumiram con-

    tratos com taxas de juros flutuantes, percentual este que varia consideravelmente entre os pases.

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    A sensibilidade tambm depender do grau de previsibilidade da mudana na taxa de juros no

    momento em que o tomador contratou o emprstimo.

    1.2.2.1 Indexador

    O incio da seo 1.2.1 mostrou algumas vantagens9da taxa de juros ps-fixada, ou seja,

    indexada a algum ndice de preos, sobre a pr-fixada. Mas qual o indexador mais adequado

    para o reajuste das parcelas, da dvida e dos recursos captados? O descasamento de ndices, como

    ser relatado no captulo 3, pode causar desequilbrio no sistema. Para Carneiro e Valpassos

    (2003, p. 38),

    O processo de escolha do indexador adequado [...] passa pela anlise dos grupos envolvi-dos no sistema. desejvel que se atente aos fatores relevantes da questo, tanto por partedos muturios quanto dos investidores.

    Pelo lado dos muturios, imperativo que as prestaes no cresam a taxas sistematicamentesuperiores ao crescimento nominal dos salrios, o que faria com que as prestaes dos financi-amentos habitacionais correspondessem a comprometimentos crescentes de renda, reduzindo acapacidade de pagamentos e levando inadimplncia.

    Por outro lado, a fim de minorar o risco de descasamento entre ativos e passivos por parte dasinstituies financeiras investidoras, o ndice escolhido deve, de alguma forma, ser compatvelcom os indexadores dos depsitos. [grifo meu]

    Os autores consideram que o mais adequado que o mesmo ndice corrija ao mesmo tem-

    po as prestaes e a dvida, para evitar descasamentos como os ocorridos na dcada de 80 no

    Brasil (veja seo 3.4 a esse respeito), e discutem os trs indexadores que consideram mais im-

    portantes: a TR (Taxa Referencial) e os ndices de preos IGP-M e IPCA.

    Carneiro e Valpassos (2003, p. 38) criticam a utilizao da TR como indexador:

    A TR (Taxa referencial de Juros) foi um indexador destinado a ter vida curta. Resultou, entre-tanto, ser um ndice amplamente utilizado no SFH. Embora teoricamente indicada para servir

    como indexador de emprstimos de longo prazo, apresenta fatores que, na prtica, a torna poucoindicada para servir funo. Alm de no representar correlao significante com a taxa devariao salarial, o fato do banco central ter poder discricionriosobre esta que a torna al-tamente indesejada. Tal caracterstica torna elevado o grau de incerteza quanto ao comporta-mento futuro da TR. [grifos meus]

    Por outro lado, autores fazem ponderaes positivas a respeito da utilizao do IGP-M:

    em primeiro lugar, o fato de os fundos de penso utilizarem o IGP-M como base de clculo de

    9No se pretende aqui fazer juzo de valor (qual a melhor tipo de taxa de aplicao). Pretende-se apenas afirmarque uma tem algumas vantagens sobre a outra (assim como o inverso tambm verdadeiro), e portanto um aprofun-

    damento sobre os indexadores torna-se necessrio.

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    suas posies atuariais e portanto direcionarem suas aplicaes de longo prazo a ttulos indexados

    a este ndice; em segundo lugar, o Tesouro Nacional demonstrara disposio em utilizar o IGP-Mcomo indexador de seus papis, o que favoreceria a liquidez de ttulos hipotecrios que tambm

    estivessem indexados a esse ndice de preos. preciso, no entanto, fazer uma atualizao deste

    ltimo ponto da obra de Carneiro e Valpassos. Principalmente depois de 2005 (dois anos, portan-

    to, aps a publicao da obra), o Tesouro passou a emitir mais ttulos indexados ao IPCA, de ma-

    neira que a importncia deste ndice de preos como indexador da dvida pblica cresceu tremen-

    damente (veja figura 4). Este um fato que diminui as qualidades do IGP-M (ou do IGP-DI, que

    possui a mesma metodologia de coleta) como indexador dos ttulos imobilirios.

    0%

    5%

    10%

    15%

    20%

    25%

    30%

    35%

    40%

    45%

    50%

    jan-01 set-01 mai-02 jan-03 set-03 mai-04 jan-05 set-05 mai-06 jan-07 set-07 mai-08

    IGP-M+IGP-DI IPCA Taxa Referencial (TR)

    Figura 4 Participao de ttulos indexados aos IGPs, ao IPCA e TR na composio da dvidalquida do setor pblico, jan/2001 a jan/2009

    Fonte: Banco Central do Brasil (2009), Sries Temporais, Tabelas Especiais, Dvida Lquida e Necessidades de Fi-nanciamento do Setor Pblico.

    Mesmo sem este ltimo ponto contando a favor do IPCA (pois ele s pde ser verificado

    depois da publicao do livro), os autores consideram que os candidatos naturais a indexadoresdos financiamentos imobilirios deveriam ser os ndices de preos ao consumidor, por apresenta-

    rem maior relao com variaes salariais (p. 39), e, dentre eles, o IPCA seria o mais indicado,

    por ser o ndice utilizado nas metas de inflao pelo banco Central, o que lhe confere a credibili-

    dade necessria para desempenhar a funo de indexador.

    Um ponto citado apenas indiretamente pelos autores, mas muito importante, que por ra-

    zes metodolgicas o IPCA e o IGP-M no convergem, nem no longo prazo, como mostra a figu-

    ra 5. Assim, no horizonte de amortizao de um emprstimo, poderiam ocorrer disparidades im-

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    37

    portantes entre a correo da dvida feita pelo IGP-M e a real capacidade de pagamento dos to-

    madores (melhor avaliada pelo IPCA, segundo clculos destes autores), o que poderia repetir oproblema ocorrido na dcada de 80 (e explicado no captulo 3).

    90

    140

    190

    240

    290

    340

    390

    jan/95 abr/96 jul/97 out/98 jan/00 abr/01 jul/02 out/03 jan/05 abr/06 jul/07 out/08

    IPCA IGP-M TR

    Para os trs nmeros-ndices, janeiro de

    2005=100

    Figura 5 Diferena entre a evoluo do IPCA, IGP-M e TR, jan/1995 a jan/2009

    Fonte: MCM Consultores (2009), a partir de dados do IBGE e da FGV.

    A tabela 5 resume as caractersticas dos indexadores e indica com um asterisco (*) aquele

    que possui as qualidades mais desejveis em cada critrio (linha).

    Tabela 5 comparao entre a TR, IGP-M e IPCA como indexadores de financiamentos e recursoshabitacionais.

    Indexador TR IGP-M IPCAO que Taxa Referencial de

    Jurosndice de preos composto deum ndice de preos no atacado(IPA-M), um ndice de preosao consumidor (IPC-M) e umndice de preos da construocivil (INCC-M)

    ndice de preos aoconsumidor amplo (*)

    Entidade res-ponsvel

    BC FGV, entidade no ligada aogoverno (*)

    IBGE

    Abrangncia Nacional (*) Varia entre seus componentes 11 regies metropoli-tanas

    Previsibilidade Mdia, porque ametodologia declculo muda comdecises do BC

    Baixa, devido grande influ-ncia do cmbio, cuja evoluo considerada econometrica-mente um passeio aleatrio

    Alta, devido ao fato deo sistema de metas deinflao o definir co-mo indicador base (*)

    Correlaocom variaessalariais

    Baixa Mdia Alta (*)

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    Correlaocom indexadordos recursos

    Alta, no caso derecursos direciona-dos (*), e baixa, nocaso de recursoslivres

    Baixa, no caso de recursosdirecionados, e mdia-alta, nocaso de recursos livres

    Baixa, no caso de re-cursos direcionados, ealta, no caso de recur-sos livres (*)

    Fonte: elaborado pela autora.

    1.2.2.2 Taxa de captao versus taxa de aplicao

    A taxa de juros cobrada do emprestador (ou taxa de aplicao, como a denomina o Banco

    Central do Brasil) embute no somente a disposio do emprestador em adiar seu consumo (Bue-

    no, Rangel e Santos, 2003, p. 14), mas tambm outros fatores. Para Carneiro e Valpassos (2003,

    p. 89):

    O rendimento requerido pelos agentes financeiros de recursos autnomos para a aquisio dacasa prpria resultado da soma de dois fatores que guardam relao entre si. Primeiramente,dada a natureza de longo prazo que caracteriza a atividade de crdito imobilirio, deve-se con-siderar como custo de oportunidade do dinheiro livre de risco, as taxas oferecidas pelo Governono lanamento de seus ttulos de longo prazo. [...]

    O segundo componente que forma a taxa de crdito hipotecrio resultado do prmio de riscoestimado pelo mercado para a atividade em questo.

    A figura 6 ilustra os componentes da taxa de aplicao10: taxa de captao (custo de opor-

    tunidade do dinheiro) e spread, ou seja, o prmio de risco estimado pelo mercado para a conces-

    so de crdito habitacional.

    10Na seo 1.2.2 este trabalho explicou que a taxa de aplicao composta por taxa de juros real e taxa de inflao.

    Aqui o enfoque outro, mas as explicaes no so de maneira alguma excludentes.

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    Taxa de crdito hipotecrio (taxa de aplicao)

    Custo de captao = custo de oportunidade do dinheirolivre de risco = Rendimento dos ttulos pblicos com asmesmas caractersticas do emprstimo habitacional em

    questo

    Prmio de risco estimado pelo mercado para a concessodo crdito habitacional (spread)

    Figura 6 - Componentes da taxa nominal de aplicao do crdito hipotecrio

    Fonte: Elaborado pela autora a partir de Carneiro e Valpassos (2003, p. 90-1)

    A figura 6 deixa claro que uma taxa de aplicao menor para o tomador resulta tanto de

    uma taxa de captao menor quanto de um spread menor. Como um emprstimo (habitacional ou

    no) com taxa de aplicao menor sempre mais fcil de pagar (ceteris paribus), vlido, nestetrabalho, fazer uma anlise de que fatores permitem a diminuio desta taxa, um fator importante

    para o desenvolvimento do mercado habitacional.

    A taxa de captao o custo dos recursos que as instituies financeiras tomam de a-

    gentes superavitrios (que tm o funding, como explicado na seo 1.2.1) para depois emprestar a

    agentes deficitrios (no caso, os demandantes do financiamento habitacional e potenciais tomado-

    res). , portanto, a taxa de juros cobrada da instituio financeira que empresta ao tomador final.

    A oferta de recursos est diretamente relacionada s opes de investimento que o agente supera-

    vitrio tem sua escolha. Conforme mencionado anteriormente, para Carneiro e Valpassos (2003,

    p. 90), dada a natureza de longo prazo que caracteriza a atividade de crdito imobilirio, deve-se

    considerar como custo de oportunidade do dinheiro livre de risco as taxas oferecidas pelo Go-

    verno. Os autores citam para o Brasil os ttulos ps-fixados ou seja, que remuneram a uma taxa

    fixa mais a inflao, medida ora pelo IPCA (NTN-B), ora pelo IGP-M (NTN-C) como refern-

    cia.

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    No Brasil, os recursos direcionados representam com folga o maior volume de recursos

    aplicados em financiamentos habitacionais, e, para estes, a taxa de captao considerada deve sera da poupana. Apesar disso, esta seo se dedicar mais a analisar os recursos livres, por dois

    motivos: 1) por definio, no so subsidiados, e portanto no pesam sobre o oramento pblico

    ou sobre a sociedade e 2) so a forma mais comum de financiamento na maioria dos pases. Mas

    detalhes sobre os recursos direcionados no Brasil sero retomados no captulo 4, que aborda a

    situao atual do financiamento habitacional especificamente neste pas.

    Como a taxa de captao faz parte da taxa de aplicao, e a primeira depende das taxas

    oferecidas pelo governo, parece claro que a reduo destas taxas oferecidas pelo governo reduz ataxa (o custo) de captao de recursos livres. Esta reduo est associada diminuio (percebida

    pelo investidor) do risco de no-pagamento da dvida