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COTIDIANO TEXTO ANDRÉ DAL CORSI/ COLABORADOR DESIGN ADRIANA OSHIRO Entenda como agir com o transtorno e confira relatos de pessoas que convivem diariamente com a doença D e causa indefinida, é importante perceber o ambiente em que a pes- soa com esquizofrenia está inserida. Além disso, as implicações genéticas podem ser decisivas nessas ocasiões. Mesmo sem cura, a psicóloga Fabiana de Laurentis Rus- so afirma que, se o diagnóstico e tratamentos necessários forem realizados o quanto antes, melhor será a condição de vida do paciente. “São necessárias a atenção redobrada e muita paciência com o paciente esquizofrênico, já que, em vários momentos, será importante fazer repetições de instruções, auxílio para ministração de medicações, além de com- preender as dificuldades, o raciocínio lento e diferenciado dele”, ressalta Fabiana. VIVENDO O DIA A DIA 18 . ESQUIZOFRENIA

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COTIDIANO

TEXTO ANDRÉ DAL CORSI/COLABORADOR

DESIGN ADRIANA OSHIRO

Entenda como agir com o transtorno e confira relatos de

pessoas que convivem diariamente com a doença

De causa indefinida, é importante perceber o ambiente em que a pes-soa com esquizofrenia está inserida. Além disso, as implicações genéticas

podem ser decisivas nessas ocasiões. Mesmo sem cura, a psicóloga Fabiana de Laurentis Rus-so afirma que, se o diagnóstico e tratamentos necessários forem realizados o quanto antes, melhor será a condição de vida do paciente. “São necessárias a atenção redobrada e muita paciência com o paciente esquizofrênico, já que, em vários momentos, será importante fazer repetições de instruções, auxílio para ministração de medicações, além de com-preender as dificuldades, o raciocínio lento e diferenciado dele”, ressalta Fabiana.

VIVENDO O DIA A DIA

18 . ESQUIZOFRENIA

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“Mesmo antes do diagnóstico, é possível haver um certo abuso de álcool e outras drogas com Cannabis ou alucinógenos, podendo levar ao desencadeamento de surtos psicóticos. Então, é necessário evitar o contato com essas substâncias, para diminuir a chance de o indivíduo predisposto a desenvolver o transtorno”, Thaís Silva, psicóloga da clínica Soulleve

O que pode ocorrer no inícioNo estágio inicial, a esquizofrenia aca-

ba assustando os familiares e as pessoas próximas de quem apresenta os sintomas. “Algumas reações comuns entre os familia-res, logo quando tomam conhecimento do diagnóstico, são os sentimentos de negação, culpa e revolta, havendo até uma super-proteção”, explica a musicoterapeuta Thaiz Cruz. Em um primeiro momento, a pessoa afetada também não terá uma autocrítica acerca daquilo que está vivenciando, sendo que, uma das características da psicose é a apreensão alterada da realidade. “A percepção das sensações é muito real para ela, fazendo com que acredite que de fato os delírios e as alucinações são reais”, afirma a psiquiatra Michele de Oliveira Gonzalez.

Em quais sinais a família deve se atentar?

O paciente se isola socialmente, pois acha que tudo aquilo que está vendo e ouvindo é muito real e, não acreditando em outras pessoas, considera que todos ao redor tam-bém estão tramando algum plano contra ele. “Muitas vezes, os sintomas são visíveis para as outras pessoas – as alucinações, por exemplo: o paciente aparentemente está conversando sozinho, quando, na verdade, está interagindo com as vozes que escuta”, explica Michele. Quando há delírios persecu-

tórios, a psiquiatra orienta que a família deve observar o quanto a pessoa em questão fica tensa e desconfiada com as

coisas. “Eles podem observar se o paciente evita o uso de tecnologias como televisão, computador e celular por ter a sensação de estar sendo vigiado”, afirma.

O que evitar? O preconceito pode dividir as pessoas

em dois polos diferentes, podendo deixar o paciente isolado, o que poderia piorar o quadro. “Não se deve, em hipótese alguma,

desqualificar o paciente com esquizofrenia. O portador não deve, também, suspender as medicações, pois, assim, não há recaí-das”, salienta a psicóloga Juliana Camargo. Para Myriam Baraldi, psicoaromaterapeu-ta, a questão pode ir um pouco mais além, chamando atenção para cuidados mais do que especiais. “É preciso, antes de tudo, agir de forma tranquila e com naturalidade. Não ofereça drogas, bebidas ou medicamentos para esses indivíduos. Tente retirar objetos cortantes e inflamáveis do ambiente e, até em situações mais extremas, possíveis armas de fogo, pois em crises mais graves o instinto pode falar mais alto. A prevenção é o melhor método para o paciente”, afirma.

Como lidar?Muitos preconceitos podem ocasionar

alguns conflitos dentro do ambiente com uma pessoa com esquizofrenia. “É importante que os amigos e familiares procurem se informar sobre a doença, procurando associações ou até mesmo esclarecendo dúvidas com o mé-dico”, orienta a musicoterapeuta Thaiz Cruz. É importante também, segundo a profissional, trocar experiências com indivíduos que pas-sam pela mesma situação, lembrando sempre de que o melhor é evitar a ridicularização ou as críticas em público. “Busque se adaptar às expectativas diante da realidade para evitar a superproteção, a fim de não proporcionar um sentimento de perda de autonomia por parte da pessoa com a doença”, completa.

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RELATOS

“Eu não sabia direito o que era esquizofrenia até ser manifestado em mim. Eu já até tinha ouvido falar, mas nunca tinha visto um caso. Quando eu saio com minha esposa, sempre penso que as pessoas que nos conhecem e sabem do meu problema me olham diferente, mas me tratam de maneira a não me sentir estigmatizado. Há cerca de 4 anos, quando eu assumi de fato a doença, esse tem sido o meu mundo. Em alguns momentos, tento fugir desse problema, mas, na grande maioria das vezes, tenho a necessidade de falar disso com alguém. Por isso encontrei os vídeos da Sarah [administradora da página FIlhos Amados e com Esquizofrenia no Facebook] no Youtube e a procurei para conversar. Foi quando ela me adicionou no grupo [do WhatsApp]. Foi bom ter conhecido outras pessoas com o mesmo tipo de dificuldade, aliviou a minha carga. Antes, só quando eu ia internado, podia falar com outras pessoas a respeito do assunto”, Marcos Roberto Nunes Lindolpho, 38 anos.

“Meu filho teve seu primeiro surto psicótico em 2010, precisando ser internado e medicado. Foi a primeira vez que

tive contato com o transtorno. Era difícil entender de imediato o que acontecia, pois, enquanto em delírio, os pacientes

falam e fazem coisas desconexas. Vivenciei momentos de muita tristeza ao ver meu filho fora de sua realidade e com

um comportamento que não era habitual. Tristeza, apatia, avolição, embotamento afetivo, manias, delírios, alucinações

olfativas, tentativa de suicídio - esse era um mundo novo, com o qual eu deveria aprender a conviver.

As pessoas costumam pensar que [os esquizofrênicos] são perigosos, violentos ou com completo retardo mental.

A falta de conhecimento parte, inclusive, da própria família, que pouco tem o acolhimento de que necessita nos hospitais

psiquiátricos. Fora do hospital é ainda mais difícil, até porque alguns familiares resistem em aceitar a doença

e passam a viver em um inferno em que muitos deles criam, justamente por ignorarem a importância de terapias

alternativas, dos medicamentos e do acolhimento da pessoa com esquizofrenia.

Minha rotina mudou na forma de olhar meu filho e como conduzi-lo. Na minha vida, simplesmente eliminei tudo

que pudesse me levar ao mundo externo, me isolando e passando a viver mais para ele. Eu trabalhava fora, mas

era a única atividade externa que tinha. Naturalmente, nos afastamos das pessoas e outras se afastaram de nós.

Difícil e desafiador são as palavras que melhor se encaixam nessa nova vida, mas não é impossível de enfrentar”, Sarah

Nicolleli, mãe e administradora da página FIlhos Amados e com Esquizofrenia, no Facebook - 54 anos.

“Em 1996, quando eu estava na casa da minha avó, acordei e comecei a ver vultos e ouvir vozes. Essa foi a primeira experiência. Desde então,

tudo mudou muito, mas tento levar minha vida normalmente dentro do possível, porém, não consigo fazer o que fazia antes no dia a dia,

como jogar futebol, ir à igreja e passear com meus parentes. Minha família nunca teve preconceito, mas as pessoas e amigos, sim. Para

mim, é muito importante falar e conhecer sobre a doença, pois muita gente não sabe o que é esquizofrenia.

Ela traz muito sofrimento, dor e tristeza. O pior é o isolamento, pois o sofrimento psicológico não deixa você conseguir ter um

relacionamento, já que sua mente fica só pensando nos problemas. Há também o lado positivo para mim: a esquizofrenia me fez pensar

mais na minha vida, querer ter um comportamento melhor comigo e em relação aos outros. Antes, eu usava drogas, hoje vou à igreja,

faço minhas orações e tento ajudar os outros. Tudo isso, antes da esquizofrenia, eu não fazia”, Sonny Iozzi, 30 anos.

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CONSULTORIA Fabiana Laurentis Russo, psicóloga; Juliana Camargo, psicóloga; Michele de Oliveira Gonzalez, psiquiatra da clínica Fisio&Forma; Myriam Baraldi, psicoaromaterapeuta; Thaiz Cruz, musicoterapeuta; Thaiz Silva, psicóloga da clínica Soulleve ILUSTRAÇÕES Fernando Dias/Colaborador, Shutterstock Images e iStock.com/Getty Images

“Sou esquizofrênica desde os 27 anos. A primeira alucinação que eu tive foi tátil: senti a dor de uma coroa de espinhos fincada no osso do meu crânio e sete adagas perfurando meu coração. Doía muito, como se fosse real, e eu não sabia que era esquizofrenia. Pensei que era alguma seita secreta, alguma tecnologia nova. No meu dia a dia, muita coisa mudou: não tenho libido (desejo sexual), por causa dos remédios, só posso comer verduras e proteínas magras, porque meu metabolismo ficou muito lento por conta dos remédios. Mas, mesmo assim, eu engordo. Eu era muito ativa, era atleta amadora. Agora, com a lentidão que a doença me provoca, só consigo caminhar devagar. Antes, lia muito, hoje não consigo ler mais de cinco páginas por dia, meu cérebro parece que está derretendo. Tem dias que nem tomo banho, vivo exausta. Até bem pouco tempo eu trabalhava, mesmo com a doença, mas parei porque voltei a ter alucinações quando estava sob estresse e agitação. Acredito que o maior problema que enfrentamos é encontrar empregos nos quais possamos trabalhar e, para casos mais graves como o meu, receber aposentadoria por invalidez. Acho que a esquizofrenia é a doença que mais coloca pessoas em estado de abandono”, Krícia Araújo, 38 anos.

“A primeira vez que experienciei um caso foi com meu avô, que também é esquizofrênico. Eu era criança e ele gritava muito com a televisão, dizia estar vendo uma mulher e dava socos na parede. Em mim, a esquizofrenia se manifestou um pouco mais tarde, aos 15 anos, quando eu comecei a ver pessoas que não existiam em casa e a ouvir vozes que mandavam eu me machucar ou fugir de casa. Desde então, minha rotina ficou mais conturbada. Não tem um dia que eu não tenha algum tipo de alucinação - quase sempre ouvindo vozes de comando. Hoje em dia, convivo bem com ela [a esquizofrenia] e acho até que seria diferente se não fizesse parte de mim. É difícil carregar a esquizofrenia com a gente, não dá para fugir dela, mas, quando você consegue diferenciar o real do irreal, tudo fica mais fácil. Eu sempre me senti muito sozinha, mas com a esquizofrenia vejo e ouço o que ninguém mais vê ou pode ouvir. Tenho amigos reais, irreais e sobrenaturais”, Karla Karoline Pereira Silva, 24 anos.

Machuque-se!

Suma de casa!

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