costa cap 7

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~ -_-_A 50ClOLOG!_~~~~~ -_---_- _ soma de dinheiro, ora se possa adquirir grande soma de coisas e ora uma quanti- dade minima? 0 selvagem, contudo, sabe perfeitamente como agir para ob~er 0 aiimento quotidiano e conhece os meios capazes de favorece-Io em seu proposlto. A intelectualizayao e a racionalizayao crescentes nao equivalem, portanto: a um conhecimento geral creseente ace rea das condiyoes em que vivemos. Slgnllicam, antes, que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderfamos, bas- tando que 0 qUisessemos, provar que nao existe, em principio, nenhum poder mls- terioso e imprevisivel que interfira com 0 curso de nossa vida; em uma pa.lavra, que podemos dominar tudo, por meio da previsao. Equivale isso a despojar de magia 0 mundo. Para n6s nao mais se trata, como para 0 selvagem que acredlt~ na existencia daqueles poderes, de apelar a meios magicos para domlnar os espl- ritos ou exorciza-Ios, mas de recorrer il tecnica e il previsao. Tal e a significayao essencial da intelectualizayao. Karl Marx e a hist6ria da exploray8.o do homem Vimos ate agora que 0 pensamento sociolagico, em seu desenvolvimen- to, abordou niveis diferentes da realidade. Sabemos que, se iluminarmos uma mesa cheia de objetos com luzes de diferentes cores, partin do de diversos foeas, estaremos produzindo imagens distintas dos mesmos objetos. Nenhu- ma delas, entretanto, e desnecessaria ou incorreta. Cad a uma delas "poe a luz" ou privilegia determinados aspectos. Assim tambem aeantece com as teorias cientificas e, entre elas, as sociais. a metodo positivista expos ao pensamento humano a ideia de que uma sociedade e mais do que a soma de individuos, que ha normas, institui<;oes e valores estabelecidos que constituem 0 social. Weber, por sua vez, reorgani- zou os fatos sociais "a luz" da histaria e da subjetividade do agente social. Agora falaremos de Karl Marx e do materialismo hist6rico, a corrente mais revolucionaria do pensamento social nas con- seqi.i€~nciastearicas e na prMica social que pro- poe. E tambem urn dos pensamentos mais dificeis de compreender, explicar ou sintetizar, pois Marx produziu muito, suas ideias se desdo- braram em varias correntes e foram incorpora- das por inumeros tearicos. o materialismo hist6rico foi a corrente mais revolucionaria do pens amen to social, tanto no campo te6rico como no da a<;ao politica Karl Marx (1818-1883) Nasceu na eidade de Treves, na movimento politico e social a favor do Alemanha. Em 1836, matriculou-se na proletariado. Com 0 malogro das revoluyoes Universidade de Berlim, doutorando-se em sociais de 1848, Marx mudou-se para filosofia em lena. Foi redator de uma gazeta Londres, onde se dedicou a um grandiose liberal em Colonia. Mudou-se em 1842 para estudo critico da economia politica. Marx foi Paris, onde conheceu Friedrich Engels, seu um dos fundadores da Associayao Interna- eompanheiro de ideias e publicayoes por toda cional dos Operarios ou Primeira Interna- a vida. Expulso da Franya em 1845, foi para cional. Morreu em 1883, ap6s intensa vida Bruxelas, onde participou da recem-fundada polftica e intelectual. Suas principais obras Liga dos Comunistas. Em 1848 escreveu com foram: A ideologia alema, Miseria da filosofia, Engels 0 manifesto do Partido Comunista, Para a crftica da economia poNt/ca, A luta de obra fundadora do "marxismo" enquanto classes em Franl;:a, 0 capital. ___________________ . ._. ---J

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Page 1: COSTA CAP 7

~ -_-_A 50ClOLOG!_~~~~~ -_---_- _

soma de dinheiro, ora se possa adquirir grande soma de coisas e ora uma quanti-dade minima? 0 selvagem, contudo, sabe perfeitamente como agir para ob~er 0

aiimento quotidiano e conhece os meios capazes de favorece-Io em seu proposlto.A intelectualizayao e a racionalizayao crescentes nao equivalem, portanto: a umconhecimento geral creseente ace rea das condiyoes em que vivemos. Slgnllicam,antes, que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderfamos, bas-tando que 0 qUisessemos, provar que nao existe, em principio, nenhum poder mls-terioso e imprevisivel que interfira com 0 curso de nossa vida; em uma pa.lavra,que podemos dominar tudo, por meio da previsao. Equivale isso a despojar demagia 0 mundo. Para n6s nao mais se trata, como para 0 selvagem que acredlt~na existencia daqueles poderes, de apelar a meios magicos para domlnar os espl-ritos ou exorciza-Ios, mas de recorrer il tecnica e il previsao. Tal e a significayao

essencial da intelectualizayao.

Karl Marx e a hist6ria da exploray8.odo homem

Vimos ate agora que 0 pensamento sociolagico, em seu desenvolvimen-to, abordou niveis diferentes da realidade. Sabemos que, se iluminarmos umamesa cheia de objetos com luzes de diferentes cores, partin do de diversosfoeas, estaremos produzindo imagens distintas dos mesmos objetos. Nenhu-ma delas, entretanto, e desnecessaria ou incorreta. Cad a uma delas "poe aluz" ou privilegia determinados aspectos. Assim tambem aeantece com asteorias cientificas e, entre elas, as sociais.

a metodo positivista expos ao pensamento humano a ideia de que umasociedade e mais do que a soma de individuos, que ha normas, institui<;oes evalores estabelecidos que constituem 0 social. Weber, por sua vez, reorgani-zou os fatos sociais "a luz" da histaria e da subjetividade do agente social.

Agora falaremos de Karl Marx e do materialismo hist6rico, a correntemais revolucionaria do pensamento social nas con-seqi.i€~nciastearicas e na prMica social que pro-poe. E tambem urn dos pensamentos maisdificeis de compreender, explicar ou sintetizar,pois Marx produziu muito, suas ideias se desdo-braram em varias correntes e foram incorpora-das por inumeros tearicos.

o materialismo hist6rico foi a correntemais revolucionaria do pens amen tosocial, tanto no campo te6rico comono da a<;ao politica

Karl Marx(1818-1883)

Nasceu na eidade de Treves, na movimento politico e social a favor doAlemanha. Em 1836, matriculou-se na proletariado. Com 0 malogro das revoluyoesUniversidade de Berlim, doutorando-se em sociais de 1848, Marx mudou-se parafilosofia em lena. Foi redator de uma gazeta Londres, onde se dedicou a um grandioseliberal em Colonia. Mudou-se em 1842 para estudo critico da economia politica. Marx foiParis, onde conheceu Friedrich Engels, seu um dos fundadores da Associayao Interna-eompanheiro de ideias e publicayoes por toda cional dos Operarios ou Primeira Interna-a vida. Expulso da Franya em 1845, foi para cional. Morreu em 1883, ap6s intensa vidaBruxelas, onde participou da recem-fundada polftica e intelectual. Suas principais obrasLiga dos Comunistas. Em 1848 escreveu com foram: A ideologia alema, Miseria da filosofia,Engels 0 manifesto do Partido Comunista, Para a crftica da economia poNt/ca, A luta deobra fundadora do "marxismo" enquanto classes em Franl;:a, 0 capital.

___________________. ._. ---J

Page 2: COSTA CAP 7

Com 0 objetivo de entender 0 capitalismo,Marx produziu obras de filosofia, economia esociologia. Sua inten<;ao, porem, nao era apenascontribuir para 0 desenvolvimento da ciencia,mas propor uma ampla transforma<;ao politica,economica e social. Sua obra maxima, 0 capi-tal, destinava-se a todos os homens, nao apenasaos estudiosos da economia, da politica e da so-ciedade. Este e urn aspecto singular da teoriade Marx. Ha urn alcance mais amplo nas suasformula<;oes, que adquiriram dimensoes de idealrevoluciomlrio e a<;aopolitica efetiva. As contra-di<;oes basicas da sociedade capitalista e aspossibilidades de supera<;ao apontadas pelaobra de Marx nao puderam, pois, permanecerignoradas pela sociologia.

Podemos apontar algumas influencias ba-sicas no desenvolvimento do pensamento deMarx. Em primeiro lugar, coloca-se a leitura cri-

tica da filosofia de Hegel, de quem Marx absorveu e aplicou, de modo pecu-liar, 0 metodo dialetico. Tambem significativo foi seu contato com 0 pensa-mento socialista frances e ingles do seculo XIX, de Claude Henri de Rouvroy,ou conde de Saint-Simon ~), Fran<;ois-Cl:!<lrle~Fourier (~?ZZ-1837)c Robert Owen (1771-1858). Marx c1estacava 0 pioneirisnlooesses critic os dasociedade burguesa, mas reprovava 0 "utopismo" das suas propostas de mu-danc;a social. As tres teorias desenvolvidas tinham como tra<;o comum 0 de-sejo de impor de uma s6 vez uma transforma<;ao social total, implantando,assim, 0 imperio da razao e da justi<;a eterna. Nos tres sistemas elaboradoshavia a elimina<;ao do indi~idualismo, da competi<;ao e da influencia da pro-priedade privada. Tratava-se, por isso, de descobrir urn sistema novo e per-feito de ordem social, vindo de fora, para implanta-Io na sociedade, por meioda propaganda e, sendo possivel, com 0 exemplo, mediante experiencias queservissem de modelo. Com esta formula<;ao, os tr:e~desconsideravam a ne-cessidade da luta Jl.Qliticaentr~-<l~9a~~~s ~ociai.seQP~.t=e~?!~o doprolerariiiao~a realiza<;ao dessa transi<;ao.

Fi~ab~~nte,ha toda acriticada-obrado~~c(?~omistas classicos ingle-ses, em patiicular Adam Smith e ])a'{i~IBi~o. Esse trabalho tomou a aten-,,"aode Marx ate 0 fi~~l·da vida e resultou na maior parte de sua obra teorica.

Essa trajetoria e marcada pelo desenvolvimento de conceitos importan-tes como alieIlaQ!Q, cla2~~s__~~, valQf, m~rcadori_a, t~a~~IEo, mais-valia,modo de prodUl,-a.\?Vani6s'examina-los a seguir.

Kad MarK suas Ide!as ,nfluenc,aram a desenvoIvlmenta daclencla, da fHasaf!a e do movlmenta aperaria mundlal

Marx desenvolve 0 conceito de aliena<;ao mostrando que a industriali- \za<;ao,a propliedade privada e 0 assalariamento s~o tr~~alh~d~r~~s y

meios df!..produfiio - ferramentas, materia-prima, terra e maquina -, que se.tornaralIl- propriedade privada do capitalista. Separava tambem, ou alienava,o trabalhador do fruto do seu trabalho, que tambem e apropriado pelo capita-Iista. Essa e a base da aliena<;ao economica do homem sob 0 capital.

7. Politic~~tambim QbSl.:neIl13,~ tornou alienado, pois 0 principioda repr.e.~e.iif(J.tividade,base do liberalismo,crlou alci~[,\de Estado como um6r&"~oIJoliti~oi~parcial, capaz de representar tod~a"sOCiedade e dmgi-lapelopoder delegado peloslndividuos. Marx mostrou, entretanto, que na sociedadede classes esse Estado representa apenas a classe dominante e age conformeo interesse desta.

Com 0 desenvolvimento do capitalismo, a 1·-----·,---··--filosofia, por sua vez, tambem passou a criar re- I Um dos conceitos fundamentais dapresenta<;oes do homem e da sociedade. Diz l. teoria ma.rXistae 0 de alienac;:a,o.._._Marx que a divisiio social do trabalho fez com que

--- ---------- - -- ja filosofia se tornasse a atividade de urn determi-nado grupo. Ela e, portanto, parcial e reflete 0 pensamento desse grupo. Essaparcialidade e 0 fato de que 0 Estado se torna legitimo a partir dessas refle-xoes parciais - como, por exemplo, 0 liberalismo - transformaram a filoso-fia em "fiIosofia do Estado". Esse comportamento do filosofo e do cientistaem face do poder resultou tambem na aliena<;ao do homem.

Uma vez aliynado, separado ~lTIutilado, 0 homem s6 pode recuperar suaCOIlcliYii.()_h.t:J.l11a~i.lpehrcmlca-radic~~~onomlcci;··a po!itica ea fiJosofia que 0 exC=-@;:~nlcla-R~d.ifiIJi.I~aQ~f~tivana vida social. Essa criticaradical so se efetiva na~ni:Xis,'Iquee a a~ao politicaconsciente ~tr<lnsformadora.

Com base nesse principio, os marxistas vinculam a critica da sociedadea a<;aopolitica. Marx propos nao apenas urn novo metodo de abordar e expli-car a sociedade mas tambem urn projeto para a a<;ao sobre ela.

As ideias libera is consideravam os homens, por natureza, iguais politi-ca e juridicamente. Liberdade e justi~a eram direitos inalienaveis de todo ci-dadao. Marx, por sua vez, proclama a ine-xistencia de tal igualdade natural e observaque 0 liberaJismo ve os homens como atomos,como se estivessem livres das evidentes desi-gualdades estabelecidas pel a sociedade. Se-gundo Marx, as desigualdades sociais obser-vadas no seu tempo eram provocadas pelas re-lafoes de produfiio do sistema capitalista, que dividem as homens em proprie-tarios e nao-proprietarios dos meios de produ<;ao. As desiguaJdades sao abase da forma<;ao das classes sociais.

As rela~oes entre os homens se caracterizam par rela<;oes de oposi<;ao,antagonismo, explora<;ao e complementaridade entre as classes sociais.

Marx identificou rela<;oes de explora~ao da classe dos proprietarios -a burguesia - sobre ados trabalhadores - 0 proletariado. Isso porque a

l-·-----

Marx aflrmava que as relac;oes entreos homens sao relac;oes de 0POSIc;aO,antagonlsmo e explorac;ao

Page 3: COSTA CAP 7

posse dos meios de produ<;ao, sob a forma legal de propriedade privada, fazcom que os trabalhadores, a fim de assegurar a sobrevivenda, tenham devender suaforr;a de trabalho ao empresario eapitalista, 0 qual se apropria doproduto do trabalho de seus operarios.

Essas mesmas rela<;6es sao tambem de oposi<;ao e antagonismo, namedida em que os interesses de classe sao ineonciliaveis. 0 capitalista dese-ja preservar seu direito a propriedade dos meios de produ<;ao e dos produtose a maxima explora<;ao do trabalho do operario, seja reduzindo os salarios,seja ampliando a jomada de trabalho. 0 trabalhador, por sua vez, proeuradiminuir a explora<;ao ao lutar por menor jomada de trabalho, melhores sala-

rios e participa<;ao nos lueros.Por outro lado, as rela<;6es entre as classes sao complementares, pois

uma s6 existe em rela<;ao a outra. S6 existem proprietarios porque ha umamassa de despossuidos cuja uniea propriedade e sua for<;ade trabalho, queprecisam vender para assegurar a sobrevivencia. As classes sociais sao, pois,apesar de sua oposi<;ao intrinseca, eomplementares e interdependentes.

A hist6ria do homem e, segundo Marx, a hist6ria da luta de classes, daluta con stante entre interesses opostos, embora esse conflito nem sempre semanifeste socialmente sob a forma de guerra declarada. As divergencias,oposi<;6es e antagonismos de classes estao subjacentes a toda rela<;ao social,nos mais diversos niveis da sociedade, em todos os tempos, desde 0

surgimento da propriedade privada.

o capitalismo surge na hist6ria quando, por cireunstaneias diversas,uma enorme quantidade de riquezas se eoneentra nas maos de uns poucosindividuos. que tern por objetivo a acumula<;ao de lucros cada vez maiores.

No inieio, a aeumula<;ao de riquezas se fez por meio da pirataria, doroubo, dos monop61ios e do controle de pre<;os praticados pelos Estadosabsolutistas. A comercializa<;ao era a grande fonte de rendimentos para osEstados e a nascente burguesia. Uma importante mudan<;a aconteceu quan-do, a partir do seculo XVI, 0 artesao e as corpora<;6es de ofieio foram subs-tituidas, respectivamente, pelo trabalhador "livre" assalariado - 0 operario

- e pela industria.Na produ<;ao artesanal da Idade Media e do Renascimento, 0 traba-

Ihador mantinha em sua casa os instrumentos de produ<;ao. Aos poucos,porem, estes passaram as maos de individuos enriquecidos, que organiza-ram oficinas. A Revolu<;ao Industrial introduziu inova<;6es tecnicas na

produ<;ao que aceleraram 0 processo de se-para<;ao entre 0 trabalhador e os instrumen-tos de produ<;ao. As maquinas e tudo 0 maisnecessario ao processo produtivo - for<;amotriz, instala<;6es, materias-primas - fica-ram acessiveis somente aos mais ricos. Osartesaos, isolados, nao podiam competir com

Segundo Marx, a Revolu<;ao Industrialacelerou 0 processo de aliena<;ao dotrabalhador dos meios e dos produtosde seu trabalho.

o dinamismo dessas nascentes industrias e do conseqtiente crescimento domercado. Com isso, multiplicou-se 0 numero de open\rios, isto e, trabalha-dores "Iivres" expropriados, artesaos que desistiam da produ<;ao individuale empregavam-se nas indltstrias.

o operario, como vimos, e aquele individuo que. nada possuindo, e obri-gada a sob reviver da venda de sua for<;ade trabalho. No capitalismo, a for<;ade trabalho se toma uma mercadoria, algo ltti!, que se pode comprar e ven-der. Surge assim um contrato entre capitalista e operario, mediante 0 qual 0

primeiro compra ou "aluga por um certo tempo" a for<;a de trabalho e, emtraca, paga ao operario uma quantia em dinheiro, 0 salario.

o salario e, assim, 0 valor da for<;ade trabalho, considerada como mer-cadoria. Como a for<;a de trabalho nao e uma "coisa", mas uma capacidade,inseparavel do corpo do oper{trio, 0 salario deve corresponder a quantia quepermita ao operario alimentar-se, vestir-se, cuidar dos filhos, recuperar asenergias e, assim, estar de volta ao servi<;o no dia seguinte. Em outras pala-vras, 0 salario deve garantir a reprodu<;ao das condi<;6es de subsistencia dotrabalhador e sua familia.

o calculo do salario depende do pre<;o dos bens necessarios a subsis-tencia do trabalhador. 0 tipo de bens necessarios depende, por sua vez, doshabitos e dos costumes dos trabalhadores. Isso faz com que 0 salario varie delugar para lugar. A1em disso, 0 salario depende ainda da natureza do trabalhoe da destreza e da habilidade do pr6prio trabalhador. No calculo do salario deum operario qualificado deve-se computar 0 tempo que ele gastou com edu-ca<;ao e treinamento para desenvolver suas capacidades.

Com 0 capltallsmo, 0

trabalhador eexpropriado dosmelos de produ~ao edo produto de seutrabalho.

Page 4: COSTA CAP 7

o capitalista poderia lucrar simplesmente aumentando 0 pret,:o de ven-da do produto - POl'exemplo, cobrando 200 pelo par de sapatos. Mas 0 sim-ples aumento de pret,:os e um recurso transit6rio e com 0 tempo cria proble-mas. De um lado, uma mercadoria com pret,:os elevados, ao sugerir possibili-dades de ganho imediato, atrai novos capitalistas interessados em produzi-Ia.Com isso, porem, con-e-se 0 risco de inundar 0 mercado com artigos seme-Ihantes, cujo pret,:o fatalmente cain!. De oUtro lado, uma alta arbitnlria nopret,:o de uma mercadoria qualquer tende a provo car elevat,:ao generalizadanos demais pret,:os, pois, nesse caso, todos os capitalistas desejarao ganharmais com seus produtos. Isso pode ocorrer durante algum tempo, mas, se adisputa se prolongar, podera levar 0 sistema economico a desorganizat,:ao.

Na verdade, de acordo com a analise de Marx, nao e no ambito da com-pra e da venda de mercadorias que se encontram bases estaveis nem para 0

lucro dos capitalistas individuais nem para a manutent,:ao do sistema capitalis-ta. Ao contnlrio, a valorizat,:ao da mercadoria se da no ambito de sua produt,:ao.

o capitalismo ve a fort,:a de trabalho como mercadoria, mas e claro quenao se trata de uma mercadoria qualquer. Enquanto os produtos, ao seremusados, simplesmente se desgastam ou desaparecem, 0 uso da fort,:a de tra-balho significa, ao contrario, criat,:ao de valor. Os economistas classic os in-gleses, desde Adam Smith, ja haviam percebido isso ao reconhecerem 0 tra-balho como a verdadeira fonte de riqueza das sociedades.

Marx foi alem. Para ele, 0 trabalho, ao se exercer sobre determinadosobjetos, provoca nestes uma especie de "ressurreit,:ao". Tudo 0 que e criadopelo homem, diz Marx, contem em si um trabalho passado, "morto", que s6pode ser reanimado pOl' outro trabalho. Assim, pOl' exemplo, um pedat,:o decouro animal cUliido, uma faca e fios de linha sao, todos, produtos do traba-Iho humano. Deixados em si mesmos, sao coisas mortas; utilizados para pro-duzir um par de sapatos, renascem como meios de produt,:ao e se incorpo-ram num novo produto, uma nova mercadoria, um novo valor.

Os economistas ingleses ja haviam pos-tulado que 0 valor das mercadorias dependiado tempo de trabalho gasto na sua produt,:ao.Marx acrescentou que este tempo de trabalhose estabeleeia em relat,:ao as habilidades indi-viduais medias e as condit,:oes tecnicas vigen-

tes na soeiedade. POl' isso, dizia que no valor de uma mercadoria era incorpo-rado 0 tempo de trabalho socialmente necessario a sua produt,:ao.

De modo geral, as mercadorias resultam da colabora<;ao de varias ha-bilidades profissionais distintas; POl' isso, seu valor incorpora todos os tem-pos de trabalho especificos. POl' exemplo, 0 valor de um par de sapatos in-clui nao 56 0 tempo gasto para confecciona-Io, mas tambem 0 dos trabalha-dores que curtiram 0 couro, produziram fios de linha, a maquina de costu-rar etc. 0 valor de todos esses trabalhos esta embutido no pret,:o que 0 capi-talista paga ao adquirir essas materias-primas e instrumentos, os quais, jun-tamente com a quantia paga a titulo de salario, serao incorporados ao valordo produto.

Imaginemos urn capitalista interessado em produzir sapatos, utilizandopara esse calculo uma unidade de moeda qualquer. Po is bem, suponhamosque a produt,:ao de urn par Ihe custe 100 unidades de moeda de materia-pri-ma, mais 20 com 0 desgaste dos instrumentos, mais 30 de salario diario pagoa cada trabalhador. Essa soma - 150 unidades de moeda - representa suadespesa com investimentos. 0 valor do par de sapatos produzido nessas con-dit,:oes sera a soma de todos os valores representados pelas diversas merca-dorias que entraram na produt,:ao (materia-prima, instrumentos, fort,:a de tra-balho), 0 que totaliza tambem 150 unidades de moeda.

Sabemos que 0 capitalista produz para obter lucro, isto e, quer ganharcom seus produtos mais do que investiu. No exemplo aeima, vemos, porem,que 0 valor de urn produto corresponde exatamente ao que se investe paraproduzi-Io. Como entao se obtem 0 lucro?

o capitalismo, segundo ° marxismo,transformou 0 trabalho em mercadoria.

Retomemos 0 nosso exemplo. Suponhamos que 0 operario tenha umajomada diaria de nove horas e confeccione urn par de sapatos a cad a tres ho-ras. Nestas tres horas, ele cria uma quantidade de valor correspondente ao seusalario, que e suficiente para obter 0 necessario a sua subsistencia. Como 0

capitalista Ihe paga 0 valor de um dia de fort,:ade trabalho, 0 restante do tempo,seis horas, 0 operario produz mais mercadorias, que geram um valor maior doque Ihe foi pago na forma de salario. A durat,:ao da jornada de trabalho resulta,portanto, de um dlculo que leva em considerat,:ao 0 quanta interessa ao capita-lista produzir para obter lucro sem desvalorizar seu produto.

Suponhamos uma jornada de nove horas, ao final da qual 0 sapateiroproduza tres pares de sapatos. Cada par continua valendo 150 unidades demoeda, mas agora eles custam menos ao capitalista. E que, no calculo dovalor dos tres pares, a quantia investida em meios de produt,:ao tambem foimultiplicada pOl' tres, mas a quantia relativa ao salario - correspondente aum dia de trabalho - permaneceu con stante. Desse modo, 0 custo de cad apar de sapatos se reduziu a 130 unidades.

custo de um par de sapatosna jornada de trabalho

de tres horas

custo de um par de sapatosna jornada de trabalho

de nove horas

meios de produt,:ao 120+ + +

salario 3039073= 130

Assim, ao final da jornada de trabalho, 0 operario recebe 30 unidadesde moeda, ainda que seu trabalho tenha rendido 0 dobro ao capitalista:

Page 5: COSTA CAP 7

As rela~6es de I

produ~ao sao as

fOrlnas pelas quais os

homens executam aatlvldade prodlJtlva

(1 rabalhadores Ciuma

Iinha de Illontagemda Renault, rw Franc:;a,

em 1931)

20 unidades de moeda, em cada um dos tres pares de sapatos produzidos.Esse valor a mais nao retorna ao operario: incorpora-se no produto e eapropriado pelo capitalista.

Visualiza-se, portanto, que uma coisa e 0 valor da for~a de trabalho, istoe, 0 salario, e outra e 0 quanta esse trabalho rende ao capitalista. Esse valorexcedente produzido pelo operario e 0 que Marx chama de mais-valia.

o capitalista po de obter mais-valia procurando au men tar constantemen-te a jornada de trabalho, tal como no nosso exemplo. Essa e, segundo Marx,a mais-valia absoluta. It claro, po rem, que a extensao indefinida da jornadaesbarra nos limites fisicos do trabalhador e na necessidade de controlar apropria quantidade de mercadorias que se produz.

Agora, pensemos numa industria altamente mecanizada. A tecnologiaaplicada faz aumentar a produtividade, isto (\ as mesmas nove horas de tra-balho agora produzem um nllmero maior de mercadorias, digamos, 20 paresde sapatos. A mecaniza,ao tambem faz com que a qualidade dos produtosdependa men os da habilidade e do conhecimento tecnico do trabalhador in-dividual. Numa situa~ao dessas, portanto, a for,a de trabalho vale cada vezmenos e, ao mesmo tempo, gra,as a maquinaria desenvolvida, produz cadavez mais. Esse e, em sintese, 0 processo de obten,ao daquilo que Marx de-

nomina mais-valia relativa.o processo descrito esclarece a dependencia do capitalismo em reI a-

~ao ao desenvolvimento das tecnicas de produ~ao. Mostra, ainda, como 0

trabalho, sob 0 capital, perde todo 0 atrativo e faz do operario mero "apendi-

ce da maquina".

Apos essa analise detalhada do modo de produ<;ao capitalista, Marx passaao estudo das formas politicas produzidas no seu interior. Ele constata que as

diferen,as entre as classes sociais nao se reduzem a uma diferen,a quantitati-va de riquezas, mas expressam uma diferen~a de existencia material. Os indivi-duos de uma mesma classe social partilham de uma situa,ao de classe comum,que inclui valores, comportamentos, regras de convivencia e interesses.

A essas diferen,as econ6micas e sociais segue-se uma diferen~a na dis-tribui,ao de poder. Diante da aliena,ao do operariado, as classes economica-mente dominantes desenvolveram formas de domina,ao politicas que Ihespermitem apropriar-se do aparato de poder do Estado e, com ele, legitimarseus interesses sob a forma de leis e pIanos econ6micos e politicos.

Cada forma assumida pelo Estado na sociedade burguesa, seja sob 0

regime liberal, monarquico, monarquico constitucional ou ditatorial, repre-senta maneiras diferentes pelas quais ele setransforma num "comite para gerir os negocioscomuns de toda a burguesia" (K. Marx e F.Engels, Manifesto do Partido Comunista, in Car-tas filos6ficas e outros escritos, p. 86), seja sob re-gime liberal, monarquico-constitucional, parla-men tar ou ditatorial.

Para Marx as condi,oes especificas detrabalho geradas pel a industrializa,ao tendem a prom over a consciencia deque ha interesses comuns para 0 conjunto da classe trabalhadora e, conse-quentemente, tendem a impulsionar a sua organiza<;ao politica para a a<;ao.Aclasse trabalhadora, portanto, vivendo uma mesma sitlla<;ao de classe e so-frendo progressivo empobrecimento em razao das formas cada vez mais efi-cientes de explora,ao do trabalhador, acaba por se organizar politicamcnte.Essa organiza<;ao e que permite a tomada de consciencia da classe operaria esua mobiliza<;ao para a a(;ao politica.

[

------------------

I As classes sociais nao apresentamapenas uma diferente quantidadede riqueza, mas tambem posi<;;ao,interesse e consciencia diversa_

Para entender 0 capitalismo e explicar a natureza da organiza<;ao eco-n6mica humana, Marx desenvolveu uma teoria abrangente e universal, queprocura dar conta de toda e qualquer forma produtiva criada pelo homemem todo 0 tempo e lugar. Os plincipios basicos dessa teoria estao expressos emseu metodo de analise - 0 materialismo historico.

Marx parte do principio de que a estrutura de uma sociedade qualquerreflete a forma como os homens organizam a produ<;iiosocial de bens. A pro-du<;ao social, segundo Marx, engloba dois fatores basicos: asjor<;as produti-vas e as rela<;oesde produ<;iio.

As for<;asprodutivas constituem as condi<;oes materiais de toda a produ-<;ao.Qualquer processo de trabalho implica: determinados objetos, isto e, mate-rias-primas identificadas e extraidas da natureza; e determinados instrumentos,ou seja, 0 conjunto de for<;as naturais ja transformadas e adaptadas pelo ho-mem, como ferramentas ou maquinas, utilizadas segundo uma orienta<;ao tec-nica especifica. 0 homem, principal elemento das for<;asprodutivas, e 0 respon-savel por fazer a liga<;ao entre a natureza e a tecnica e os instrumentos. 0 de-

Page 6: COSTA CAP 7

senvolvimento da produ,ao vai dcterminar a combina<;:aoe 0 uso desses diver-sos elementos: recursos naturais, mao-dl~obra disponivel, inslrumentos e lec-nicas produlivas. Essas combinat;oes procuram atingir 0 maximo de produ<;:aoem fun<;:aodo mercado existenle. A cada forma de organiza<;ao das for,as pro-dUlivas corresponde uma determinada forma de rela<;:oesde produ,ao.

As rela,oes de produ,ao sao as formas pelas quais os homens se orga-nizam para execular a alividade produliva. Essas rela<;oes se referem as di-versas rnaneiras pelas quais sao apropriados (' distribuidos os elementos en-volvidos no processo de trabalho: as materias-primas, os inslrumentos e att'cnica, os pr6prios lrabalhadores e 0 produlo final. Assim, as rela<;oes deprodu<;ao podem ser, num delerminado momento, cooperativislas (comonum mulirao), escravislas (como na AntigUiclade), servis (como na Europafeuclal), ou capitalistas (como na industria moclerna).

For<;:asprodutivas e rela,oes de produ<;ao sao condi<;:oesnaturais e his-toricas de toda atividade produtiva que ocorre em sociedade. A forma pelaqual ambas existem e sao reproduzidas nurna determinada sociedade consti-tui 0 que Marx denominou modo de produr;:iio.

Para Marx, 0 estudo do modo de produ,aoe fundamental para compreender como se orga-niza e funciona uma sociedade. As rela<;:oes deprodu<;ao, nessc senticlo, sao considcradas asmais impOitanles rela<;:oes sociais. Os modelosde familia, as leis, a religiao, as icleias politicas, osvalores sociais sao aspectos cuja explica<;ao dc-

pende, em principio, do estudo do desenvolvimenlo e do colapso de diferenlesmodos de produ<;ao. Analisando a his16ria, Marx identificou alguns modos deprodu<;ao especificos: sistema cormmal primitivo, modo de produ~'iio asiatico,modo de produr;ao antigo, modo de produr;iio germanico, modo de produr;ao feu-dal e modo de produr;:iiocapitalista. Cacla qual representa diferentes formas deorganiza<;ao da propriedacle privada e da explora<;ao do homem pelo homem.

o estudo do modo de produqao efundamental para se saber como seorgarllza e funciona uma sociedade

o processoavanc;ado derobotlzac;aona Industria

contemporanea Ii: urndos elementosImportantes no

estudo des relac;6esde produqJo nasoclcdade atual

Ern cad a moclo de produ<;ao, a desigualdade de propriedade, como fun-damento das rela<;6es de produ<;ao, cria contradi<;6es basicas com 0 desen-volvimento das for<;as produtivas. Essas contradi<;6es se acirram ate provo-car um processo revoluciomirio, com a derrocacla do modo de produ<;ao vi-gente e a ascensao de outro.

Modo de produr;8.o asiatico - e a primeiraforma que se seguiu a dissoluyao dacomunidade primitiva. Sua caracteristicafundamental era a organizayao da agriculturae da manufatura em unidades comunais auto-suficientes. Sobre elas, havia um governo,que poderia organizar os custos com guerrase obras economicamente necessarias, comoirrigayao e vias de comunicayao. As aldeiaseram centros de comercio exterior, e aproduyao agricola excedente era apropriadaem forma de tributo pelo governo. Apropriedade era comunal ou tribal. Eo 0 tipocaracteristico da China e do Egito antigos,tambem conhecido por "despotismo oriental".A coesao entre os individuos e asseguradapelas comunidades aldeas.

Modo de produr;8.o germanico - nestemodo de produyao, cad a lar ou unidadedomestica isolada constitui um centroindependente de produyao. A sociedade seorganiza em linhagens, segundo parentescoconsangOineo, que transmite 0 oficio e aheranya da possessao ou do dominio.Eventualmente, esses lares isolados unem-

se para atividades guerreiras, religiosas oupara a soluyao de disputas legais. Asociedade e essencialmente rural. 0isolamento entre os dominios torn a-ospotencialmente mais "individualistas" que acomunidade aldea asiatica. 0 Estado comoentidade nao existe. Este modo de produ.;:aocaracterizaria as populay6es "barbaras" daEuropa antiga.

Modo de produr;8.o antigo - neste aspessoas mantem relay6es de localidade enao de consangOinidade. 0 trabalho agricolaera considerado atividade propria decidadaos livres. Dessa relayao entrecidadania e trabalho agricola tem origem anayao, politicamente centralizada no Estado.A vida e urbana, mas baseada na proprie-dade da terra, fato que Marx chama de rura-Iizayao da cidade. A cidade e 0 centro dacomunidade, havendo diferenya entre asterras do Estado e a propriedade particularexplorada pelos "patrfcios" (cidadaos livresproprietarios) por meio de seus clientes. Associedades tipicas desse modo de produyaosac a grega e a romana.

A teoria marxista repercutiu de maneira decisiva nao so na Europa -objeto primeiro de seus estudos - como nas col6nias europeias e em movi-mentos de independencia. Organizou os partidos marxistas entre openirios_ os sindicatos -, levou intelectuais a crilica da realidade e influenciou asatividades cientificas de um modo geral e as ciencias humanas em particular.

A1em de elaborar uma teoria que condenava as bases sociais da espo-lia<;ao capitalista, conclamando os trabalhadores a .. __._._constmir, por meio de sua praxis revolucionaria, umasociedade assentada na justi<;a social e igualdade realentre os homens, Marx conseguiu, como nenhumoutro, com sua obra, estabelecer rela<;6es profundasentre a realidade, a filosofia e a ciencia.

Por sua forma<;ao filosofica, Marx concebia a rea-Hdade social como uma concretude historica, isto e,

Para Marx. a realidade socialera uma concretude hist6rica- um conjunto de relayr5esde produyao que caracterizaum momenta hist6rico.

Page 7: COSTA CAP 7

As Idelas de Marx

serviralll de basepara a Revo!u~ao

de 1917, P";';5Ia,

(Oleo de V Serov)

como um conjunto de rela<,:oes de produ<,:ao que caracteriza cada sociedadenum tempo e espa<,:o determinados, Foi assim que analisou, em 0 18Brurnario de Luis Bonaparte, 0 golpe de Estado ocorrido na Fran<,:ano seculoXIX, quando 0 sobrinho de Napoleao I, parodiou 0 feito do tio que, em 1799,conseguiu substituir a Republica pel a Ditadura.

Por outro lado, cad a sociedade representava para Marx uma totalidade,isto e, um conjunto unico e integrado das diversas formas de organiza<,:aohumana nas suas mais diversas instancias - familia, poder, religiao. Entre-tanto, apesar de considerar as sociedades da sua epoca e do passado comototalidades e como situa<,:oes hist6ricas concretas, Marx conseguiu, pela pro-fundidade de suas analises, extrair conclusoes de carater geral e aplicaveis aformas sociais diferentes. Assim, ao analisar 0 golpe de Luis Bonaparte, iden-tifica na estrutura de classes estabelecida na Fran<,:aaspectos universais dadinamica da luta de classes.

o sucesso e a penetra<,:ao do materialismo hist6rico, quer no campo daciencia - ciencia politica, economica e social-, quer no campo da organiza-<,:aopolitica, se deve ao universalismo de seus principios e ao carMertotalizador que imprimiu as suas ideias.

Alem de sse universalismo da teoria marxista -merito que a diferenciade todas as teorias subseqiientes - outras questoes adquiriram nova dimen-sao com os principios sustentados por Karl Marx. Um deles foi a objetividadecientifica, tao perseguida pelas ciencias humanas. Para Marx, a questao daobjetividade s6 se coloca enquanto consciencia critica. A ciencia, assim comoa a<,:aopolitica, s6 pode ser verdadeira e nao ideol6gica se refletir uma situa-<,:aode c1asse e, conseqtientemente, uma visao critica da realidade. Assim,objetividade nao e uma questao de metodo, mas de como 0 pensamento cien-tifico se insere no contexto das rela<,:oesde produ<,:ao e na hist6ria.

A ideia de uma sociedade "doente" ou "normal", preocupa<,:ao dos cien-tistas sociais positivistas, desaparece em Marx. Para ele a sociedade e consti-tuida de rela<,:oesde conflito e e de sua dinamica que surge a mudan<,:a social.Fenomenos como luta, conflito, revolu<,:aoe explora<,:ao sao constituintes dosdiversos momentos hist6ricos e nao disfun<,:oes sociais.

A partir do conceito de movimento hist6rico proposto por Hegel, as-sim como do historicismo existente em Weber, Marx redimensiona 0 estu-do da sociedade humana. Suas ideias marcaram de maneira definitiva 0 pen-samento cientifico e a a<,:aopolitica dessa epoca, assim como das posterio-res, fonnamlo duas diferentes maneiras de atua<,:ao sob a bandeira do mar-xismo. A primeira e abra<,:ar 0 ideal comunista, de uma sociedade onde es-tao abolidas as classes sociais e a propriedade privada dos meios de produ-<,:ao.Outra e exercer a critica a realidade social, procurando suas contradi-<,:oes,desvendando as rela<,:oes de explora<,:ao e expropria<,:ao do homem pelohomem, de modo a entender 0 papel dessas rela<,:oes no processo hist6rico.

Nao e preciso afirmar a contribui<,:ao da teo-ria marxista para 0 desenvolvimento das cienciassociais. A abordagem do conflito, da dinamica his-t6rica, da rela<,:aoentre consciencia e realidade eda correta inser<,:ao do homem e de sua praxis nocontexto social foram conquistas jamais abandona-das pelos soci610gos. Isso sem con tar a habilidadecom que 0 metodo marxista possibilita 0 con stantedeslocamento do geral para 0 particular, das leis macrossociais para suas ma-nifesta<,:oes hist6ricas, do movimento estrutural da sociedade para a a<,:aohu-mana individual e coletiva.

Marx contribuiu para uma novaabordagem do conflito, da rela<;aoentre consciencia e realidade, eda dinamica hist6rica,

A teoria marxista teve am pIa aceita<,:ao te6rica e metodol6gica, assimcomo politica e revolucionaria. ja em 1864, em Londres, Karl Marx eFriedrich Engels - companheiro em grande parte de suas obras -estruturaram a Primeira Associa<,:ao Internacional de Operarios, ou PrimeiraInternacional, promovendo a organiza<,:ao e a defesa dos operarios em ni-vel internacional. Extinguida em 1873, a difusao das ideias e das propos-tas marxistas ficou por conta dos sindicatos existentes em diversos paisese nos partidos, especialmente os social-democratas.

A Segunda Internacional surgiu na epoca do centenario da Revolu<,:aoFrancesa (1889), quando diversos congressos socialistas tiveram lugar nasprincipais capitais europeias, com varias tendencias, nem sempre con-ciliaveis. A Primeira Guerra Mundial pos fim a Segunda Internacional, em1914. Em 1917, uma revolu<,:ao inspirada nas ideias marxistas, a Revolw;aoBolchevique, na Russia, criava no mundo 0 primeiro Estado operario. Em1919, inaugurava-se a Terceira Internacional ou Comintern, que, como a pri-meira, procurava difundir os ideais comunistas e organizar os partidos e aluta dos operarios pela tomada do poder. Ela continua atuante ate hoje, en-

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frentando intensa crise provocada pelo fim da Uniao Sovietica e pela expan-san mundial do neoliberalismo.

A aceita<;ao dos ideais marxistas nao se restringia mais apenas a Euro-pa. Difundia-se pelos quatro continentes, a medida que se desenvolvia 0 capi-talismo internacional. A forma<;ao do operariado no restante do mundo se-guia-se 0 surgimento de sindicatos e partidos marxistas. Os ideais marxistasse adequavam tambem perfeitamente a luta pela independencia que surgianas colonias europeias ciaAfrica e da Asia, apos a Primeira e a Segunda Guer-ra Mundial, assim como a luta por soberania e autonomia, existente nos pai-ses latino-american os.

Em 1919, surgiram partidos comunistas naAmerica do Norte, na Chinae no Mexico. Em 1920, no Uruguai; em 1922, no Brasil e no Chile; e, em 1925,em Cuba. 0 movimento revolucionario tornava-se mais forte a medida que osEstados Unidos e a URSS emergiam como potencias mundiais e passavam adisputar sua influencia no mundo. Varias revolu<;oes como a chinesa. a cuba-na, a vietnam ita e a coreana instauraram regimes operarios que, apesar dassuas diferen<;as, organizavam um sistema politico com algumas caracteristi-cas comuns - forte centraliza<;ao, economia altamente planejada, cole-tiviza<;ao dos meios de produ<;ao, fiscalismo e uso intenso de propaganda ide-ologica e do culto ao dirigente.

Intensificava-se, nos anos cinqiienta e sessenta, a oposi<;ao entre osdois blocos mundiais - 0 capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e 0

socialista, liderado pel a URSS. A polariza<;ao politica e ideologica etransferida para 0 conjunto do metodo e da teoria marxista que passam aser usados. sob 0 peso da dire<;ao do stalinismo na URSS e dos partidoscomunistas a ele filiados, como um corpo doutrinario fechado para legiti-mar a tese do "socialismo em um so pais", preconizada pel a lideran<;a so-vietica, e da gestao burocratica dos estados socialistas. 0 marxismo deixoude ser um metodo de analise da realidade social para transformar-se emideologia, perdendo, assim, parte de sua capacidade de elucidar os homensem rela<;ao ao seu momenta historico e mobiliza-Ios para uma tomada cons-ciente de posi<;ao.

Entre 1989 e 1991, desfazia-se 0 bloco sovietico apos uma crise intern ae externa bastante intensa - dificuldade em conciliar as diferen<;as regio-nais e etnicas, falta de recursos para manter um estado de permanente beli-gerancia, atraso tecnologico, excesso de burocracia, baixa produtividade, es-cassez de produtos, infla<;ao e corrup<;ao, entre outros fatores. 0 fim da UniaoSovietica provocou um abalo nos partidos de esquerda do mundo todo e 0

redimensionamento das for<;as internacionais.Toda essa explica<;ao a respeito do marxismo se faz necessaria por

divers as razoes. Em primeiro lugar porque a sociologia confundiu-se comsocialismo em muitos paises, em especial nos paises subdesenvolvidos ouem desenvolvimento - como san hoje chamados os paises dependentes daAmerica Latina e da Asia, surgidos das antigas colonias europeias. Nessespaises, intelectuais e Iideres politicos associaram de maneira categorica 0

desenvolvimento da sociologia ao desenvolvimento da luta politica e dos

partidos marxistas. Entre eles, a derrocada do imperio sovietico foi sentidacomo uma condena<;ao e quase como a inviabilidade da propria ciencia.

Ii preciso lembrar que as teorias marxistas, como 0 proprio Marxpropos, transcendem 0 momenta historico no qual san concebidas e temuma validade que extrapola qualquer das iniciativas concretas que bus-cam viabilizar a sociedade justa e igualitaria proposta por Marx. Nuncasera bastante lembrar que a ausencia da propriedade privada dos meiosde produ<;ao e condi<;ao necessaria mas nao suficiente da sociedade co-munista teorizada por Marx. Assim, nao se devem confundir tentativas derealiza<;oes levadas a efeito por inspira<;ao das teorias marxistas com aspropostas de Marx de supera<;ao das contradi<;oes capitalistas. Tambem eimprocedente - e de maneira ainda mais rigorosa - confundir a cienciacom 0 ideario politico de qualquer partido. Po de haver integra<;ao entreum e outro mas nunca identidade.

Em segundo lugar, e precisoentender que a historia nao termina emqualquer de suas manifesta<;oes parti-culares, quer na vitoria comunista. querna capitalista. Como Marx mostrou, 0

proprio esfor<;o por manter e reproduzirum modo de produ<;ao acarreta modifica<;oes qualitativas nas fon;:as em opo-si<;ao.Assim, em tennos cientificos e marxistas, e preciso voltar 0 olhar paraa compreensao da emergencia de novas for<;as sociais e de novas contradi-<;oes. Enganam-se os teoricos de direita e de esquerda que veem em dadomomento a realiza<;ilOmitica de um modeJo ideal de sociedade.

Em terceiro lugar, hoje se vive nas ciencias, de uma maneira geral,um momento de particular cautela. pois, apos dois ou tres seculos de cren-<;aabsoluta na capacidade redentora da ciencia, em sua possibilidacle cleexplicitar de malleira inequivoca e permanente a realidacle, ja nao se acredi-ta na infalibiliclade dos moclelos, e 0 trabalho permanellte de cliscussao, re-visao e complementa<;ao se coloca como necessario. Nao poderia ser dife-rente com as ciencias sociais, que, do contrario, adquiririam um estatuto dereligiao e fe, uma vez que se apoiariam em verdacles eternas e imutaveis.

Assim, 0 fim cia Uniao Sovidica nao significou 0 fim da historia ou dasociologia, nem 0 esgotamento do marxismo como postura teorica das maisamplas e fecundas, com um pocler de explica<;ao nao alcan<;ado pelas anali-ses posteriores. Nem sequer terminou com a clerrubada do Muro de Bedimo ideal cle uma sociedade justa e igualitaria. 0 que se torna necessario erever essa sociedade cujas rela<;oes de produ<;ao se organizam sob novosprincipios - enfraquecimento dos estaclos nacionais, mundializa<;ao do ca-pitalismo, forma<;ao de blocos nacionais e organiza<;ao politica de minoriasetnicas, religiosas e ate sexuais - entendendo que as contradi<;oes nao de-sapareceram mas se expressam em novas instancias.

Em seu livro De volta ao palacio do barba azul, Steiner mostra como asociedade pos-classica acabou por desmanchar os antagonismos mais agu-dos que existiam na sociedade ocidental. Os grupos etarios se aproximam, as

A teoria marxista transcende 0 momentahistorico no qual foi concebida e os regimespoliticos inspirados par ela.

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distin<;6es comportamentais dos sexos desaparecem, 0 mundo rural e 0 ur-bano se integram numa estrutura unica industrial, e assim por diante. It nessaperspectiva que ele prop6e uma releitura da teoria marxista, tentando encon-trar em diferentes conjunturas sociais formas de contradi<;ao e explora<;aocomo as que Marx distinguiu na realidade francesa e na inglesa. Por maisque pretendesse entender 0 desenvolvimento universal da sociedade huma-na, Marx jamais deixou de respeitar cientificamente a especificidade e ahistoricidade de cada uma de suas manifesta<;6es.

Estado burgues; mas, tambem, diariamente e a cad a hora, escravos da maquina, do contramestree, sobretudo, do proprio burgues individual dona da fabrica." (Karl Marx e Friedrich Engels, Mani-festo do Partido Comunista, in Cartas fi/os6ficas e ou/ros escri/os, p. 91.)

Compare essa afirmayao com ados evolucionistas que consideravam, como sinal de desenvolvi-mento, a passagem da manufatura para a industria.

6tividades

"Os homens fazem sua pr6pria historia, mas nao a fazem como querem, nao afazem sob circunst€lllcias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontamdiretamente, legadas e transmitidas pelo passado." (0 18 Brumario de LuisBonaparte, p. 335.)

1. "A historia de todas as sociedades existentes ate hoje tem sido a hist6ria das lutas de classes.Homem livre e escravo, patricio e plebeu, barao e servo, mestre de corporayao e companheiro,numa palavra, opressores e oprimidos, tem permanecido em constante oposiyao uns aos ou-tros, envolvidos numa guerra ininterrupta, ora disfaryada, ora aberta, que terminou sempre, oupor uma transformayao revolucionaria de toda a sociedade, ou pela destruiyao das duas classesem luta." (Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, in Car/as fi/os6ficas eou/ros escri/os, p. 84.)

"0 progresso da industria, cujo agente involuntario e sem resistencia e a pr6priaburguesia, provoca a substituiyao do isolamento dos operarios, resultante de suacompetiyao, por sua uniao revolucionaria mediante a associayao. Assim, a desen-volvimento da grande industria abala a propria base sabre a qual a burguesia as-sentou 0 seu regime de produyao e de apropriayao. A burguesia produz, sobretudo,seus proprios coveiros. Sua queda e a vitoria do proletariado sac igualmente inevi-taveis." (Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, in Cartasfi/os6ficas e ou/ros escri/os, p. 96.)

a) Que classes sociais Marx identifica ao longo da historia?

b) Como sao as relayoes entre elas?

c) Como se dao, segundo Marx, as transformayoes em uma sociedade?

2. Marx, ao descrever a primeira forma de organizayao humana, que chamou de "comunidade origi-nal", afirma que "a maneira como esta comunidade original se modifica vai depender de variascondiyoes externas - climaticas, geograficas, fisicas etc., bem como de sua constituiyao especi-fica, isto e, de seu carater tribal". (Formar;:oes economlcas pre-capita/istas, p. 66.)

Nesse texto, Marx afirma que as sociedades seguem um caminho necessario de transformayao,como as evolucionistas? Justifique sua resposta.

3. "0 ate de reproduyao [esforyo de manutenyaO de uma sociedade], em si, muda nao apenas ascondiyoes objetivas - e.g. transformando aldeias em cidades; regioes selvagens em terras agri-colas etc. - mas os produtores mudam com ele, pela emergEmcia de novas qualidades transfor-mando-se e desenvolvendo-se na produyao, adquirindo novas foryas, novas concepyoes, novasmodos de relacionamento mutuo, novas necessidades e novas maneiras de falar." (Formar;:oeseconomicas pre-capita/istas, p. 88.)

14. Aplicando as conceitos de mais-valia absoluta e mais-valia relativa, de que modo podemos julgara avanyo tecnologico da industria na atualidade, para as trabalhadores?

4. "A industria moderna transformou a pequena oficina do patriarcal mestre de corporayao na grandefabrica do capiialista industrial. Massas de operarios, aglomeradas nas fabricas, sao organizadascomo soldados. Como simples soldados da industria, os operarios estao subordinados a umaperfeita hierarquia de oficiais e suboficiais. Nao sao somente escravos da classe burguesa e do

16. Em que relayoes sociais de produyao podemos inserir os seguintes trabalhadores: a agricultor, ametalurgico e 0 gari?

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c) Sacco e Vanzetti (Italia, 1971. Direc;:aode Giuliano Montaldo. Durac;:ao: 120 min.) - Doisimigrantes italianos sac acusados de assassinato em 1921. Levados a um polemico julgamento, sacexecutados em 1927. Baseado em fato real, teve enorme repercussao na epoca pelo forte conteudo

ideol6gico que emergiu do caso.1. Analise a foto seguinte utilizando os conceitos marxistas de classe social, conflito de

interesses, modo de vida etc.Identifique a luta ideol6gica e politica de classes, a ideia de solidariedade politica, a ac;:aodas

instituic;:6es.

~CL\(/.

\ ~;~. \

\

"Em 1980, compreendemos que nao bastava pedir um reajuste de 1° porcento. Ficou evidente que nao se tratava de conseguir 10 ou 20 por cento a mais.Isto nao vai resolver 0 problema dos trabalhadores. De modo que reivindicamosmelhorias que nao eram economicas. Por exemplo, estabilidade no emprego,reduc;:ao da semana de trabalho. Queriamos controlar 0 processo de escolha doschefes de sec;:aoe garantir aos representantes sindicais 0 direito de livre acesso

as fabricas."

Os textos a seguir sac depoimentos de Luis Inacio Lula da Silva a respeitodas greves que ajudou a organizar, em 1978 e 1980, nas grandes industrias doABC paulista, corac;:ao da produc;:ao industrial brasileira.

"Em Sao Paulo, em novembro de 1978, os patr6es sabiam que precisavamcombater as greves, e decidiram uma orientac;:aobastante clara: se os trabalhado-res parassem 0 trabalho no interior das fabricas, nao seriam servidas refeic;:6es, ehaveria locaute para forc;:a-Ios a sair para a rua. Na rua, a polfcia pode ser chama-da para resolver eventuais disturbios."

o Ex<'rclto cerca a Companllia Siderurgica Naclonal (CSN) durante greve de operanos, em

novembro de 1988

2. Fac;:auma pesquisa e identifique as principais caracteristicas dos paises que ainda hoje man-

tem um regime "socialista".

3. Complemente a pesquisa anterior com informac;:6es acerca dos partidos socialistas existentes

no Brasil e quais as suas posic;:6essobre problemas nacionais como:

Maria Helena Moreira Alves, Estado e oposi,ao no Brasil (1964·1984),p. 253 e 263.

a) desemprego;

b) previdencia social;

c) privatizac;:ao de empresas,2. Par que Lula diz, no segundo depoimento, que um reajuste salarial nao resolveria a problema dos

trabalhadores?4. Videos: a) Tempos modern as (EUA, 1936. Direc;:aode Charles Chaplin. Durac;:ao:85 min.)-

Ambientado na Depressao americana da decada de 30, 0 filme aborda a sociedade industrial e a sua

relac;:aocom os deserdados.

3. Em 1979 e 1980, 0 Sindicato de Meta/tirgicos de Sao Bernardo do Campo, Sao Paulo, presididopor Lula, sofreu duas intervenyi5es do Ministerio do Trabalho. A diretoria eleita foi substituida paroutra, indicada pelo ministro. Como se explicaria essa atitude, tendo em vista que a Ministerio eum 6rgao do Estado brasileiro?

b) Germinal (Franc;:a, 1993. Direc;:ao de Claude Berri. Adaptac;:ao da obra classica de mesmonome de Emile Zola, 1884. Durac;:ao:158 min.) - Mostra a vida dos mineiros de uma mina de carvao,numa pequena vila no interior da Franc;:a,no final do seculo passado. Desenvolve 0 conflito de classes

e suas conseqCiencias.

4. As greves sac um sintoma das relayi5es entre trabalhadores e capitalistas. Segundo as depoimen-

tos, como tem sido essas relayi5es nos tiltimos tempos, no Brasil?

Procure identificar 0 modo de vida das classes sociais, como se estabelecem, 0 conflito entre

elas e como cada uma se comporta em um conflito.

5. as dois depoimentos fazem referencia a mecanismos de controle e poder que existem dentrodas fabricas. Identifique-os e procure obter outras informayoes sobre a disciplina de trabalho

nas indtistrias.

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leituras Complementares ajudaram a reconstruir 0 capitalismo liberal. Foi 0 medo saudavel da revoluyaoque forneceu grande parte do incentivo nessa direyao.

Mas essas decadas centrais do seculo parecerao tao an6malas para 0 his-toriador de 2095 que, olhando para 0 passado, observara que as declarayoesmutuas de hostilidade entre capitalismo e socialismo na verdade nunca levarama uma guerra real entre eles, apesar de paises socialistas terem lanyado ofens i-vas militares uns contra os outros, assim como os paises nao-socialistas?

Se um observador de outro planeta observasse nosso mundo, ele faria re-almente esta divisao binaria? Sera que tal observador acharia de fato naturalcolocar Estados Unidos, Austria, Irlanda, Coreia do Sui, Mexico, os Perus deVelasco, Garcia e Fujimori, Dinamarca e Turquia sob 0 mesmo tftulo de "capita-Iismo"? ou a economia da Uniao Sovietica que desmoronou depois de 1989 e ada China, que se manteve, sob a mesma classificayao? Se nos colocassemos nolugar de tal observador, nao terfamos dificuldade em encontrar varios outros pa-droes nos quais a estrutura econ6mica dos paises do mundo se encaixaria maisfacilmente do que num leito de Procusto binario. Mais uma vez, estamos amercedo tempo. Se agora pelo menos e possivel abandonar 0 padrao de oposiyoesbinarias mutuamente exclusivas, ainda e bem obscuro quais alternativas conce-biveis poderiam substitui-Io com eficiencia. Mais uma vez, teremos de deixar queo seculo XXI tome suas pr6prias decisoes.

1[0 homem como animal social]

A base objetiva do humanismo de Marx e, simultaneamente, de sua teoriada evoluyao social e economica e a analise do homem como um animal social. 0homem - ou melhor, os homens - realizam trabalho, isto e, criam e reprodu-zem sua existencia na pratica diaria, ao respirar, ao buscar alimento, abrigo, amoretc. Fazem isto atuando na natureza, tirando da natureza (e, as vezes, transfor-mando-a conscientemente) com este prop6sito. Esta interayao entre 0 homem ea natureza e - e ao mesmo tempo produz - a evoluyao social. Retirar algo danatureza, ou determinar um tipo de usa para alguma parte da natureza (inclusiveo pr6prio corpo), pode ser considerado, e e 0 que acontece na Iinguagem co-mum, uma apropriayao, que e, pois, originalmente, apenas um aspecto do traba-Iho. Isto se expressa no conceito de propriedade (que nao deve ser, de formaalguma, identificado com a forma hist6rica especffica da propriedade privada).No comeyo, diz Marx, "0 relacionamento do trabalhador com as condiyoes obje-tivas de seu trabalho e de propriedade; esta constitui a unidade natural do traba-Iho com seus pre-requisitos materiais. Sendo um animal social, 0 homem desen-volve tanto a cooperayao como uma divisao social do trabalho (isto e, especiali-zayao de funyoes) que nao s6 e possibilitada pela produyao de um excedenteacima do que e necessario para manter 0 individuo e a comunidade da qualparticipa, mas tambem amplia as possibilidades adicionais de gerayao desseexcedente. A existencia deste excedente e da divisao social do trabalho tornampossivel a troca. Mas, inicialmente, tanto a produyao como a troca tem, comofinalidade, apenas, 0 usa - isto e, a manutenyao do produtor e de sua comuni-dade. Estes sao os elementos analiticos principais em que a teoria se baseia econstituem, na realidade, extensoes ou corolarios do conceito original do homemcomo um animal social de tipo especial.

Eric Hobsbawm, a presente como hist6ria: escrever a hist6ria de seu proprio tempo,in Novas Estudos Cebrap, n. 43, p. 111.

3[A sociologia e a obra de Marx]

"A relayao de sucessivas gerayoes com a sociedade de classes foi deter-minada", assim pensa Geiger, "ate 0 dia de hoje pela doutrina de Marx." Lipsete Bendix sao de opiniao contraria: "0 estudo das classes sociais sofreu no pas-sado pela propensao dos cientistas sociais a reagir contra a influencia de KarlMarx". Eo provavel que existam elementos de verdade em am bas as afirma-yoes. A discussao nas ciencias sociais tem estado, ja por um tempo demasiadolongo, dominada seja por tentativas de rejeitar por inteiro a doutrina de Marx,seja no senti do de sustenta-Ia sem qualificayoes. Implicitamente, se nao expli-citamente, essas tentativas ficam expostas a controversias infindaveis a res-peito do "que Marx realmente quis dizer" (0 que inspirou 0 titulo de um doslivros de G. D. H. Cole). Nao e dificil perceber por que isso aconteceu. Emprimeiro lugar, existem a atrayao ou a repulsa politica, conforme seja 0 caso,pelo trabalho de Marx; ha tambem a promessa profetica de suas previsoes; e,sobretudo, existe 0 que Schumpeter denominou a "sintese imponente" da dou-trina de Marx. "Nos sa epoca se revolta contra a necessidade inexoravel da es-pecializayao e por isso anseia por uma sintese, mais que tudo nas cienciassociais, em que 0 elemento nao profissional e tao importante. Mas, acrescentaSchumpeter, com igual exatidao, neste ponto, "0 sistema de Marx ilustra bem 0

fato de que, embora a sintese possa significar uma nova luz, pode representarnovos grilhoes". (...)

Ignorar Marx e conveniente, mas tambem e ingenue e irresponsavel. Ne-nhum fisico - se me perdoam a analogia - ignoraria Einstein por nao aprovarsua atitude politica ou alguns aspectos de sua teoria. Aceitar Marx toto coeta

2o presente como historia: escrever a

historia de seu proprio tempo

o perigo das guerras religiosas e que continuemos aver 0 mundo em ter-mos de jogos de soma zero, de divisoes binarias mutuamente incompativeis,mesmo quando as guerras acabam. Mais de setenta anos de conflito ideol6gicomundial transformaram em quase uma segunda natureza a divisao das econo-mias do mundo em socialistas e capitalistas, economias de base estatal eprivada, e uma escolha excludente entre as duas opyoes. Se considerarmos 0

conflito entre elas normal, as decadas de 30 e 40, quando 0 capitalismo liberal eo comunismo stalinista se uniram contra 0 perigo da Alemanha nazista, pareceraoan6malas. Mas, de certo modo, elas sem duvida formaram a articulayao centralda hist6ria do seculo XX. Pois foram 0 sacrificio da Uniao Sovietica e as ideiasde planejamento e gerenciamento macroecon6mico ali iniciadas que salvaram e

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pode ser prova de fidelidade exemplar, mas, cientificamente, e esteril e perigoso.Nenhum fisico deixaria de atacar Einstein apenas pela circunstancia de ser umapreciador do homem e de sua obra como um todo. Iniciamos nossa pesquisapor um exame do trabalho de Marx porque sua formula9ao da teoria de classes enao s6 a primeira, mas tambem, como sabemos agora, a unica em seu genera.Hoje, essa teoria foi refutada, mas nao superada.

Ralf Oahrendori, As classes e seus conflitosna sociedade industrial, p. 111·112.

A CONTRIBUiCAo DAANTROPOLOGIA A

CIENCIA DASOCIEDADE