“cosplay”: identidades na …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em...

116
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES INSTITUTO DE PSICOLOGIA PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL CURSO DE MESTRADO CAROLINA FURUKAWA “COSPLAY”: IDENTIDADES NA HIPERMODERNIDADE Rio de Janeiro 2008 CAROLINA FURUKAWA

Upload: vodien

Post on 18-Jan-2019

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

INSTITUTO DE PSICOLOGIA PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

CURSO DE MESTRADO

CAROLINA FURUKAWA

“COSPLAY”: IDENTIDADES NA HIPERMODERNIDADE

Rio de Janeiro

2008

CAROLINA FURUKAWA

Page 2: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

“COSPLAY”: IDENTIDADES NA HIPERMODERNIDADE

Orientadora: Prof. Ariane Patrícia Ewald

Rio de Janeiro

2008

DEDICATÓRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia Social.

Page 4: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

À minha família, por todos os momentos de apoio e, ao meu noivo, pelo

companheirismo durante este período.

AGRADECIMENTOS

Essa dissertação foi feita com a ajuda de várias pessoas, que direta ou

indiretamente contribuíram com a sua realização.

Primeiramente tenho que agradecer aos meus pais. Não só por me alertar quando

reclamava demais, mas também por estarem ao meu lado dando o suporte necessário.

Page 5: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Compartilhar agora esse momento de conquista de mais uma etapa na minha vida é, para

mim, uma pequena forma de retribuir todo o esforço e dedicação que eles têm depositado

em mim ao longo desse tempo. E prometo a eles que é apenas o início desta troca.

Agradeço imensamente a professora Maria Luíza Magalhães Bastos Oswald a

oportunidade de participar do grupo de pesquisa “Infância, Juventude e Indústria Cultural”

do programa de Pós-graduação em Educação da UERJ. Sinto que ao encontrá-los eu me

encontrei, pois quem diria que iria encontrar tão perto um grupo que tratava justamente do

consumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu

percebi que não era apenas eu que tinha dificuldades em mudar pensamentos já firmados

ou de sentir um alien em terras estrangeiras.

Sinto-me incapacitada de expressar por escrito a imensa satisfação que tenho de

ter o meu noivo Fabio Iguchi sempre ao meu lado. Contar com sua companhia nos

momentos de aflição e desespero (e também alegria, é claro) da graduação até seu

agravamento com o mestrado, além de ser muito acolhedor, foi imprescindível para a

concretização deste trabalho e para meu desenvolvimento pessoal.

Outra pessoa que devo profundos agradecimentos é a minha irmã Luísa. Dotada

de um talento artístico incrível, talvez surgido por genes recessivos da família, posso dizer

que foi com ela que pude adentrar nesse mundo dos quadrinhos japoneses e agora do

cosplay. Muito obrigada pelas inúmeras ligações que realizou, pela filmagem e por pelas

incontáveis dúvidas retiradas.

À minha orientadora Ariane, pela sua bagagem de conhecimento que às vezes

pode ser vista concretizada em alguns exemplares nas bolsas ou malas que carrega.

Muito obrigada pelas luzes de esperança na confusão na minha mente. Estar com você

desde a graduação foi extremamente importante para mim.

Aos meus amigos do mestrado, agradeço pela grande troca de experiências e

momentos muito alegres que tivemos. “Tecendo redes” foi muito gratificante para mim e

espero que ele nunca de desfaça.

Agradeço também aos professores Jorge Coelho e Lúcia Rabello de Castro, por

participarem da etapa de qualificação. As orientações foram muito importantes para a

condução deste trabalho.

Aos cosplayers, o meu profundo agradecimento pela disponibilidade de tempo e

atenção. A alegria contagiante dos depoimentos fez dos encontros, momentos de muito

prazer. Muito obrigada pela contribuição de todos.

Não posso esquecer dos amigos de outras localidades: especialização, trabalho e

Nikkei. Muito obrigada!

Page 6: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

À minha família que, mesmo estando longe, tem mandado constantes energias

positivas. Sei que posso contar com eles sempre. Em especial agradeço a minha avó

Romilda, por ter disponibilizado mais uma vez um tempo que estaria com ela para

realização desse trabalho.

A Deus obrigada por me proporcionar mais essa realização na minha vida.

Amo todos vocês!

RESUMO

O cosplay traduzido como “brincar de fantasiar” é uma atividade realizada por algumas pessoas em eventos que reúnem admiradores de desenhos animados e histórias em quadrinhos japonesas. Alguns de seus participantes vestem-se como os personagens veiculados nesses meios e são chamados de cosplayers. Diferente de um baile à fantasia, lá eles podem interpretar os personagens e, normalmente, a escolha é feita com base na identificação com estes.

Esta dissertação tem como objetivo principal compreender o fenômeno cosplay, como parte do mundo hipermoderno, que vem atraindo um crescente número de adeptos no Brasil, e que vêm a fazer parte da identidade de alguns desses jovens. Para isso, apresento um breve panorama sobre o contexto atual marcado por novas tecnologias, difusão do consumo, mudanças nas relações familiares, diluição das barreiras físicas e

Page 7: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

aumento das fontes de informação, que provocaram profundas mudanças nos modos de ser e agir no mundo.

Destaco também a importância do papel do consumo, pois com a degradação das estruturas tradicionais que proporcionavam bases estáveis nas quais se apoiavam as identidades, estas foram se tornando incertas e fluidas e, assim, o mundo se prontifica a oferecer uma variedade enorme de objetos de consumo para constituí-la.

Como o cosplay envolve o processo de identificação com os personagens do entretenimento japonês, apresento algumas características das histórias em quadrinhos japonesas que são considerados atrativos deste material, e discuto a questão da juventude e identidade, e a importância do imaginário, fatos marcantes deste fenômeno. A fim de entender mais essa dinâmica formou-se um grupo focal com cinco cosplayers, entre 16 e 21 anos, moradores do Rio de Janeiro, que contribuíram significativamente para a discussão de todo o trabalho. Além do divertimento e do aumento das habilidades na confecção das vestimentas, o reconhecimento social apareceu como uma das motivações para realização dos cosplays. Esse dado reitera a importância das interações no processo de formação da pessoa. Um outro dado relevante apontado foi que através de identificação com alguns personagens, os cosplayers acabam questionando suas próprias atitudes, reforçando com isso, o papel ativo desses jovens no consumo dos produtos midiáticos.

Palavras- chave: Cosplay, Identidade, Hipermodernidade, Consumo, Jovem.

ABSTRACT

The cosplay translated as "playing to fantasize" is an activity performed by some people in events that bring together fans of cartoons and stories in Japanese comics. Some of its participants dress up as the characters run these facilities and are called cosplayers. Unlike a costume party, they can then interpret the characters and usually, the choice is made on the basis of identification with them. This thesis aims to understand the phenomenon main cosplay as part of the hipermodernity world, which is attracting a growing number of followers in Brazil, and coming to be part of the identity of some of these young people. For this, I start presenting a brief overview on the current context marked by new technologies, dissemination of consumption, changes in family relationships, dilution of physical barriers and increasing sources of information, that caused profound changes in ways of being and acting in the world.

Page 8: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

It’s important o emphasize the role of consumption, because with the decline of traditional structures that provided stable bases on which it supported the identities, they were becoming uncertain and fluid, and the world get ready to offer an enormous variety of objects of consumption that identity can be based on. As the cosplay involves the process of identification with the characters of Japanese entertainment, I show some characteristics of the stories in Japanese comics that are considered attractions of this material, and discuss the issue of youth and identity, and the importance of imagination, facts of this remarkable phenomenon. In order to understand this dynamic, it was created a focus group with five cosplayers, between 16 and 21 years old, residents of Rio de Janeiro, which contributed significantly to the discussion of all the work. Besides the fun and increasing skills in the manufacture of clothing, the social recognition emerged as one of the motivations for achieving the cosplays. This finding confirms the importance of interactions in the process of formation of the person. Another relevant figure has been suggested that by identifying with certain characters, the cosplayers just questioning their own attitudes, reinforcing it with the active role of these young people in the consumption of media products.

Keywords: Cosplay, Identity, Hipermodernity, Consumption, Young.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 8

I – O MUNDO EM MUTAÇÃO 19

1. 1 - HIPERMODERNIDADE 25

1. 2 – VIRTUALIZAÇÃO DA FAMÍLIA 38

1. 3 - GLOBALIZAÇÃO EQUIVALE A MUNDO HOMOGENEIZADO? 43

1. 4 – JAPONIZAÇÃO 46

II - HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E DESENHO ANIMADO JAPONÊS 51

2.1 – A ENTRADA DO MANGÁ NO BRASIL 53

2.2 - MANGÁ: AS PARTICULARIDADES DO DESENHO JAPONÊS 55

Page 9: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

2.2.1 - Um pouco de história: a origem nipônica 55

2.2.2 - Para entender mais esse quadrinho 56

III – CONHECENDO O COSPLAY 63

3.1 - EVENTOS E COSPLAY: MÁSCARAS DA REALIDADE 66

3.2 - BRINCANDO DE FAZ DE CONTA 72

IV – JUVENTUDE E IDENTIDADE: “ESSA METAMORFOSE AMBULANTE” 80

4.1 - GERAÇÃO 84

4.2 – IDENTIDADE: UMA RELAÇÃO COM O MUNDO 87

4.2.1 - Crise de identidade na hipermodernidade 96

V - COSPLAY E O IMAGINÁRIO SOCIAL 100

5.1 – A BUSCA POR SATISFAÇÕES 103

VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS 108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 111

APÊNDICE A – ROTEIRO PARA OS ENCONTROS 118

LISTA DE ILUSTRAÇÕES 121

Page 10: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

_____________________________________________ _

A idéia de elaborar esta dissertação “’Cosplay’: identidades na hipermodernidade”

surgiu de várias reflexões acerca da identidade, consumo atual, adolescentes,

transformações na sociedade, além da vivência no universo de mangás e animes. Neste

primeiro (e pequeno) trecho podem-se perceber três palavras que não fazem parte do

vocabulário de muitos, e que não fazia do meu há um tempo atrás. Iniciarei com uma

breve apresentação delas: Mangá é a história em quadrinhos japonesa, um tipo peculiar

de quadrinho, diferente em vários aspectos daquele que estamos habituados; anime se

refere aos desenhos animados japoneses, normalmente derivados dos mangás que mais

fizeram sucesso no Japão; e por último, o cosplay, foco desta dissertação, que se refere

ao ato de se vestir como os personagens de mangás e animes, principalmente, e que são

freqüentemente encontrados em eventos que reúnem admiradores daqueles produtos

midiáticos.

Essa experiência com mangás e animes e, agora cosplay, foi fruto da minha

monografia no qual tratei especificamente do mangá. Trabalhar com histórias em

quadrinhos, apesar de ser um assunto que me chamasse atenção, era considerado por

mim um tema sem muita profundidade. Parece estranho ler isso, eu suponho, mas é

verdade. Confesso que talvez esse assunto tenha sido alvo de aversão por acreditar que

quadrinhos era “coisa de criança” e não aceitava que jovens adultos ainda pudessem

querer lê-los. A infantilidade foi sempre uma resposta imediata na minha cabeça. Mas as

constantes explicações dadas por minha irmã de que aquele material não era igual a

revistas como “Mônica” ou “Superman” fizeram com que eu encarasse o desafio de não

apenas procurar entender esse fenômeno, mas de olhá-lo com as lentes de um

pesquisador, suspendendo as pré-concepções sobre esse fato. Foi extremamente difícil.

Era um abandono de uma crença, uma luta contra uma idéia enraizada. Mas não dizem

que o trabalho deve envolver algo que incomoda o pesquisador? Pode ser que não era

nesse sentido que a palavra “incômodo” estava se referindo, mas foi e continua sendo

muito recompensador ver as mudanças que tenho tido desde que assumi essa

inquietação como meu objeto de pesquisa.

A sugestão de ir aos encontros que reuniam aficionados por quadrinhos e

desenhos animados japoneses para observar os comportamentos e relatar os fatos que

Page 11: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

ali ocorriam foi algo inicialmente encarado com certo receio. Porém, tendo em mente que

este seria o primeiro passo como aprendiz de pesquisador, resolvi aceitá-lo. Isso

aconteceu ainda na graduação. Era um sábado (esses eventos normalmente acontecem

nos finais de semana), o local: UERJ, nono andar. Cenário muito familiar já que estudava

no andar de cima, porém a faculdade estava deserta, como se todos tivessem aderido a

mais uma greve. Entrei no elevador. Ao sair, já se podia ouvir uma música e, na medida

em que me aproximava do tal lugar, guiada por uma pessoa muito próxima a mim, pude

perceber que a quantidade de jovens que lá se encontrava era maior do que eu

imaginava. Seria o mesmo 9º andar? Uma corda indicava que o evento era restrito aos

que pagassem. Conduzida pela minha curiosidade, paguei: a entrada era oito reais. Após

esse momento, minha guia logo sumiu na multidão.

Comecei a explorar o local. Havia um comércio instalado no lado esquerdo com

livros, cds, brinquedos, chaveiros, blusas com estampas dos personagens e alguns

apetrechos que eram usados pelos próprios personagens. Um karaokê no centro reunia

alguns jovens que cantavam músicas em japonês, e no lado direito havia uma pequena

“arena” onde duas pessoas simulavam uma luta com suas “armas” de brinquedo. Depois

me informei que se tratava de uma “briga” baseada em movimentos que eram copiados

de alguns mangás.

Após alguns instantes admirando o que lá acontecia, resolvi ver o que havia nas

salas, para onde algumas pessoas se dirigiam. Em uma delas era organizado um torneio

de games boys (espécie de videogames portáteis) com joguinhos baseados nas histórias

em quadrinhos/ desenhos animados japoneses. Numa outra sala um grupo desenhava e,

mais adiante, em um outro espaço, algumas pessoas ajeitavam suas fantasias... Parei.

Fantasias? Perguntando a um deles descobri que se vestiam como os personagens dos

quadrinhos e que numa determinada hora todos participariam de um concurso, no qual

cada um teria que interpretar o personagem que a fantasia correspondia. Na hora

indicada eu fui verificar.

Era no auditório e, para minha surpresa, estava lotado. A cada apresentação as

pessoas vibravam! Muitas delas trocavam comentários e outras apenas repetiam as falas,

para mim incompreensíveis, em coro. Vaiavam também. No meio da gritaria, pude

perceber que muitos adultos acompanhavam alguns jovens (seriam seus filhos?) e, sem

nenhuma expressão, ali ficavam.

Após anunciar o ganhador, resolvi escolher um lugar para registrar as minhas

impressões. Logo em seguida um rapaz me interrompeu, perguntando se poderia tirar

Page 12: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

uma foto minha. Impressionada questionei o porquê e ele disse gostar de orientais. Posei

meio sem graça. Foi estranho. Virei mais um atrativo do lugar por ter traços orientais?

Mais uma pergunta me veio à mente: Seriam apenas os “olhos puxados” que

chamaram a atenção do menino? Tentei encontrar algo externo que indicasse uma certa

característica que pudesse me diferenciar daquele ambiente. Havia muitas pessoas de

preto, mas não era maioria. Talvez fosse a idade ou quem sabe os símbolos

compartilhados, uma linguagem comum, isto é, expectativas de comportamento que

definem uma “consistência cultural”, como diria Velho (1999), e na qual eu estava fora.

Pode ser isso, mas o fato é que esse dia ofereceu um outro modo de ver, um outro

sentimento, não mais o de superar a barreira do “incômodo”, e sim da dúvida, em busca

do descobrimento e de entender de que maneira aquele fenômeno está relacionado à

sociedade hoje. Com isso, pude perceber que é no cotidiano que os detalhes são

revelados e a soma de impressões que acumulei neste primeiro encontro, mudou a forma

que os via.

Dentre os inúmeros aspectos que poderia escolher para este trabalho, optei por

explorar o ato de fantasiar como personagens, também chamado “cosplay”, adotado por

algumas pessoas nesses eventos. A importância deste estudo ao refletir sobre o

fenômeno “cosplay”, está em tratar de uma questão psico-sócio-cultural, um sintoma da

sociedade atual, que marca a multiplicidade de identidades. Ao focar no ato de fantasiar-

se como o personagem, isso tem seu valor justamente por pertencer a uma sociedade

heterogênea, no qual o que é diferente precisa ser considerado, ao invés de reprimido e

ignorado.

Busquei compreender o fenômeno cosplay e como ele pode se transformar em

mais um “mecanismo/produto” hipermoderno na constituição da identidade em um grupo

de adolescentes cariocas. E para alcançar esse objetivo alguns pontos são importantes

de serem explorados, como: a caracterização da sociedade atual; a influência das

histórias em quadrinhos e desenhos animados japoneses, mangá-anime, em

adolescentes cariocas; além de conhecer e compreender o que são mangá-anime, sua

história, a lógica interna – estrutural e de desenvolvimento; e o próprio fenômeno cosplay.

Procurei também compreender as mediações que se estabelecem entre o consumo de

histórias em quadrinhos e/ou desenhos animados japoneses e o fenômeno cosplay, bem

como o processo de identificação nele envolvido.

DISCUTINDO AS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

Page 13: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

A construção do conhecimento é complexa e, por se tratar de produções humanas

de uma realidade, deve-se estar consciente de que apenas um aspecto específico desta é

apropriado por nós, sendo esta limitação proveniente tanto do próprio meio/ contexto

estudado quanto das nossas práticas. O pressuposto norteador adotado para

desenvolvimento deste trabalho é a Epistemologia Qualitativa, como apresentada por

González Rey (2005). Escolhi trabalhar com a Epistemologia Qualitativa, pois ela era a

que mais se adequava ao modo como pretendia estar construindo o meu conhecimento,

pois em seu processo investigativo busca-se a ampliação da produção do conhecimento,

ou, segundo ele, das “zonas de sentido”, a qual:

confere valor ao conhecimento, não por sua correspondência linear e imediata com o ‘real’, mas por sua capacidade de gerar campos de integibilidade que possibilitem tanto o surgimento de novas zonas de ação sobre a realidade, como de novos caminhos de trânsito dentro dela através de nossas representações teóricas. (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 6).

A Epistemologia Qualitativa tem como foco o caráter teórico pela construção de

conhecimento, que vai sendo elaborado no encontro do investigador com o investigado,

num processo dialógico - reflexivo, que permite sair de conceitos ou idéias concebidas

previamente e buscar uma elaboração de hipóteses ao longo do processo investigativo. O

modelo teórico compõe-se de sentidos subjetivos e de configuração subjetiva que

consideram a realidade de uma forma, sendo esta sujeita a alterações em seu

processamento. As teorias são úteis na medida em que focam certos aspectos de um

fenômeno, não devendo ser consideradas “receitas de bolo” para condução de uma

pesquisa. Enfatizar o lado teórico não significa que o empírico seja excluído desta

metodologia, mas sim que ele não pode ser entendido de forma separada do teórico. O

empírico é considerado como um momento inserido num contexto maior que é o teórico,

sendo este um processo que constantemente produz outros conhecimentos. Deste modo,

o modelo teórico não é algo pronto, fixo e imutável que é assimilado pelos pesquisadores,

mas sim, surge pela construção e interpretação do sentido subjetivo.

Destaco três principais pressupostos epistemológicos que marcam a Epistemologia

Qualitativa. O primeiro é o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento: Aqui se

destaca a posição ativa, participativa e reflexiva do investigador, que vai desenvolvendo

sua pesquisa conduzida por um modelo teórico que está sempre em construção e o qual

se depara com o momento empírico. Sartre (apud Maheirie, 1994) aponta que o

experimentador não é algo aparte do campo da experimentação, havendo interação entre

ambos. A relação, por isso, é dialética e de reciprocidade, pois o sujeito e o objeto estão

Page 14: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

diretamente relacionados, ou seja, “(...) não só o objeto se transforma, mas o sujeito é

transformado por esta relação” (Maheirie, 1994, p. 128).

Quanto ao caráter interpretativo, eu o considero um recurso válido, mas é preciso

ter cautela em relação a esse processo para que não se elaborem conhecimentos a partir

de dados apriorísticos ou de idéias deterministas. Compreender ao invés de explicar é, a

meu ver, o ideal, pois é considerado “um movimento de uma nova práxis, uma maneira de

nos relacionarmos concretamente com nosso objeto de estudo, e é ao mesmo tempo,

uma maneira de nos modificarmos, de irmos além de nós mesmos” (Ibid., p. 133). Se

considerar que um fato pode possuir variadas significações tanto para pessoas diferentes

como para mesma pessoa em momentos distintos, em alguns casos, como em

entrevistas, ao invés de apenas interpretar, pode-se checar as informações construídas

pelo pesquisador por meio de perguntas realizadas diretamente à pessoa em questão, ou

buscar entendimento através de relações estabelecidas entre as significações relatadas e

as ações concretas.

O segundo pressuposto é conceber o singular como possível produtor de

conhecimento científico: A dificuldade encontrada na legitimação do singular pode ser

entendida pela relação direta que se estabeleceu entre o empírico e o científico e pela

valorização do trabalho feito com bases quantitativas, aspectos que reforçam a posição

do empírico, muitas vezes considerado como o resultado final da pesquisa e não um

procedimento para se chegar a tal condição. Os dados empíricos fornecem informações

válidas ao trabalho, mas não são tratados como foco nas discussões, pois isso levaria a

um reducionismo da complexidade humana.

O singular adquire sua relevância pelo lugar que ocupa no processo de estudo

dentro do sistema teórico adotado na pesquisa em questão, que se inicia antes mesmo de

se deparar com o singular. Como González Rey (2003, p. 271) coloca:

A construção teórica aparece tanto antes, como durante e depois dos dados empíricos, além do que vemos nos dados apenas uma das formas em que se apresenta o momento empírico, essencialmente naqueles registros que complementam a posição central do investigador dentro do campo de investigação.

A pesquisa como comunicação, um processo dialógico é o último pressuposto que

aqui destaco. As pessoas apresentam inúmeras formas de expressão simbólica e, através

da comunicação, podemos buscar entender a constituição subjetiva e as diferentes

maneiras de ser no mundo.

A comunicação é uma via privilegiada para conhecer as configurações e os processos de sentido subjetivo que caracterizam os sujeitos individuais e que permitem conhecer o modo como as diversas condições objetivas da vida social afetam o homem. (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 13).

Page 15: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Neste tipo de metodologia tanto os participantes quanto o pesquisador são vistos

como sujeitos no processo de elaboração do conhecimento. O fato de legitimar ambos,

pesquisador e participantes, enfatiza a importância da comunicação e da interação,

diferentemente do que acontece nas pesquisas de discurso positivista que só consideram

a informação obtida pelos instrumentos.

Gostaria ainda de somar contribuições da metodologia proposta por Jean-Paul

Sartre (1984) a este trabalho que também se caracteriza pela dialética. O movimento

progressivo-regressivo se refere ao movimento que parte da singularidade para

universalidade e vice-versa, o qual visa alcançar o resultado (futuro), mas sempre atento

ao que foi sugerido inicialmente. Como não se atêm a uma visão isolada e pré-concebida

dos fatos, pode haver a reformulação das verdades já produzidas. Numa entrevista, por

exemplo, este movimento vai auxiliar na compreensão do discurso, pois será dada

importância tanto às características particulares do sujeito quanto às universais,

referentes à sociedade de consumo e ao momento histórico em que ele está inserido.

“Desta forma estabelecemos uma síntese horizontal, que é relativa à temporalidade, e

uma síntese vertical, relativa à singularidade na multiplicidade” (Maheirie, 1994, p. 137).

A partir desses dados que estão na base de todo o trabalho e, visando obter

informações para auxiliar na compreensão de como se forma e se caracteriza essa nova

identidade “cosplay”, optei por realizar encontros com um grupo de jovens que realizam

cosplay, para complementar minhas reflexões. Por considerar o homem como ser em

relação, é possível perceber que o ato de se vestir como personagem de uma história ou

desenho animado japonês, já reflete uma forma de agir no mundo e de

indicação/formação de sua singularidade. Assim, apreender a relação que o adolescente

estabelece com o fantasiar e a sua participação em um evento, de que modo ele vive

esse processo e a relação deste ato na vida dele, são fundamentais para compreensão

tanto do sujeito como do mundo no qual ele pertence.

A opção de trabalhar com grupo se deve à experiência anterior que tive através da

monografia. Percebi que as respostas dadas pelas pessoas quando em situação de grupo

foram mais ricas, interessantes e produziram mais reflexões entre os participantes, o que

possibilitou a apreensão de diferentes visões, conduzindo inclusive a construção de um

conhecimento pelo próprio grupo.

A técnica do grupo focal foi escolhida para condução dos encontros, por oferecer

grandes auxiliadores na busca pela compreensão das atitudes, preferências, sentimentos

e identificações das pessoas, mais bem observados mediante a interação entre as

pessoas. Ela também permite que haja uma abertura, uma certa flexibilidade dentro de

Page 16: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

um roteiro previamente estipulado para cada entrevista em grupo. Isso traz benefícios

tanto para o facilitador quanto para os participantes, na medida em que possibilita um

debate mais aberto e a disponibilidade de trabalhar com algo inesperado que venha a

surgir.

Ao colocar esta técnica como parte integrante neste estudo, tem-se o cuidado de

acompanhar as orientações dadas quanto ao ambiente e ao horário, por exemplo, para

que estes não ajam como limitadores no processo de construção de informações e

interfiram negativamente na qualidade da dinâmica. No caso do número de participantes,

o grupo focal não possui restrição, então, devido à experiência que tive na realização do

trabalho de monografia, preferi trabalhar com grupos pequenos.

Meu objetivo inicial era o de compor um grupo de oito pessoas, mas compareceram

somente cinco. Apesar de o número ser abaixo do esperado, qualitativamente a interação

entre os membros do grupo e as informações obtidas foram muito ricas. O número

reduzido permitiu que houvesse uma condição propícia para que os integrantes se

sentissem mais à vontade para expor suas opiniões e tivessem maiores oportunidades de

comentar sobre todos os assuntos sem que isto se tornasse exaustivo ou demorado.

Como se trata de uma amostra não-representativa da população e, como as pessoas são

selecionadas a partir de critérios estabelecidos pelo pesquisador, esta se caracteriza por

ser uma amostra intencional (Moura & Ferreira, 2005).

O grupo ficou então composto por cinco participantes, dois meninos e três

meninas, com idades variando entre 16 a 21 anos1, moradores de diferentes bairros do

Rio de Janeiro.

Para recrutar as pessoas, primeiramente, solicitei a uma adolescente próxima a

mim que me fornecesse alguns nomes de jovens que se vestissem como os personagens

midiáticos nos eventos. Ser jovem e fazer cosplay eram os dois critérios norteadores para

compor o grupo focal.

Ao todo foram realizados três encontros de aproximadamente duas horas de

duração. Este tempo (duas horas) segundo Aigneren (2001) é o recomendado, pois

depois disso é mais provável que as pessoas comecem a perder a concentração.

Um gravador e uma câmera foram utilizados com a conscientização dos

participantes para registro das discussões. Estes equipamentos auxiliaram na

recuperação dos comentários feitos, com a exatidão das palavras utilizadas, além de

possibilitar a observação de alguns aspectos que não puderam ser percebidos no dia. Foi

1 Conforme dados das Nações Unidas, é jovem aquela pessoa entre quinze e vinte e quatro anos de idade.

Page 17: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

combinada entre os participantes e o facilitador, a questão da preservação do anonimato

nos depoimentos. Para tanto, optei por criar nomes fictícios aos participantes.

Para oferecer uma visão diferenciada que um mesmo fenômeno possa apontar,

um observador esteve presente durante o processo. O subgrupo, formado pelo facilitador

e observador, discutiu e trocou impressões sobre a dinâmica grupal após o encontro.

A fim de estimular as conversações, foram realizadas perguntas semi-abertas que

visam dar oportunidade ao grupo de compartilhar e construir novas experiências. Isso

também facilitou as expressões de sentidos subjetivos que foram se formando pela

comunicação interativa que se estabeleceu entre os participantes.

Um roteiro foi desenvolvido para cada encontro e serviu como norteador do

processo de exploração do tema selecionado para o dia (Dall’Agnol & Trench, 1999) e

continha os objetivos e os assuntos previamente elaborados (semi-estruturados).

Com o objetivo de verificar se as perguntas estavam claras e bem estruturadas, me

cadastrei no site do Cosplay Brasil2, que é referência para aqueles que realizam esta

atividade, tendo atualmente em torno de quatro mil membros cadastrados (Rossi, 2007).

Nesta página da web é possível encontrar o calendário com os próximos encontros, fotos

e vídeos de apresentações de cosplayers. Lá os cosplayers podem participar dos fóruns,

nos quais há muita troca de informação. E foi neste fórum que criei um espaço virtual que

serviu como um projeto piloto para elaboração e estruturação do que foi realizado no

grupo focal. A participação foi realizada pelos freqüentadores do site, sem nenhuma

restrição quanto à idade. Apesar de serem muitas perguntas, os participantes foram muito

prestativos e, na medida do possível, tentavam responder a todas as minhas dúvidas, e

não hesitaram em dar sugestões para a dissertação. Esse primeiro contato foi

enriquecedor, pois além de ser um espaço de troca mais efetiva do que na correria dos

eventos, foi uma oportunidade ímpar para conhecer mais um meio utilizado pelos

cosplayers para encontro e partilhamento de informações. Neste trabalho, algumas

colocações foram transcritas da mesma forma como foram divulgadas no site.

Pode parecer contraditório ter realizado um roteiro e até um projeto piloto, já que

pontuei em várias partes que o trabalho vai sendo construído ao longo do processo de

realização do mesmo, porém a programação dos encontros é útil como forma de orientar

a organização das atividades, e podem ser modificadas no decorrer da pesquisa. Assim,

O projeto na pesquisa qualitativa está orientado a avaliar a representação do pesquisador sobre o que estudará e a forma com que ele pretende acessar as pessoas que serão

2 Disponível em <http://www.cosplaybr.com.br/cb/>. Acesso em: 02 jan. 2008.

Page 18: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

analisadas (...) Mais do que a seqüência rígida de etapas, na qual uma é condição da outra, o projeto representa um instrumento prático de orientação, pois facilita o começo da pesquisa, a qual, uma vez iniciada, se separa de todo o controle externo, convertendo-se em um processo guiado pelo pesquisador, cujos momentos mais significativos se definem no próprio curso da pesquisa. (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 83).

Quero frisar que o guia que orientou cada encontro estava centrado na

conversação e não na realização de perguntas e registro das respostas respectivas, pois

o livre expressar dos participantes e as zonas de sentido subjetivo que foram se

formando, constituem o ponto central. Também utilizei algumas técnicas de dinâmica de

grupo para facilitar a produção de sentidos subjetivos e estimular a troca de informações

através de conversações.

Como o trabalho foi desenvolvido com a participação de jovens, a pesquisa foi

submetida à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa (COEP), sendo incluídas as

providências necessárias segundo as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisa

com seres humanos no Brasil (Resolução 196/96). No site do COEP3 consta a aprovação

para execução desta pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi

elaborado e contém explicações sobre os objetivos e os métodos da pesquisa que foram

utilizados, preservando o participante de qualquer risco ou tratamento que infrinja a

dignidade e o respeito.

O desenvolvimento da dissertação teve início, primeiramente, pelas inúmeras

transformações em nossa sociedade, pois estas têm relação direta na forma como

ocorrem os relacionamentos interpessoais, o posicionamento diante do mundo, a

formação da identidade e a concepção de juventude. Por conta disso, no capítulo I,

considerei fundamental contextualizar o mundo atual para dar base às discussões

posteriores. Para tanto, relatei alguns aspectos do que Lipovetsky considera hoje como

“mundo hipermoderno”, reservando um tópico para falar das transformações ocorridas

nas relações familiares, posteriormente dos desdobramentos da globalização nas culturas

e da influência do Japão no processo de difusão de produtos e ideologias.

Dois dos produtos que o Japão exporta e vêm conquistando mais admiradores foi

apresentado no capítulo dois que são as histórias em quadrinhos e desenho animado

japoneses. Aqui foquei nas histórias em quadrinhos japonesas, pois são destas que

derivam os animes, principal responsável pelos primeiros contatos com esses produtos

japoneses. A análise das histórias em quadrinhos e/ou desenho animado japoneses se

concentrou no resgate de alguns sentidos, valores e idéias em geral nelas vinculadas, o

que ajudou a entender um pouco mais este material que tem se sobressaído num

3 Disponível em: <http://www.sr2.uerj.br/sr2/coep/index.php?mod=projetos.htm#2007>. Acesso em: 02 jan. 2008.

Page 19: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

mercado com inúmeros estímulos para consumo. Algumas características diferenciais dos

mangás e uma visão geral de sua entrada no Brasil foram apresentadas neste capítulo.

No capítulo seguinte (três) esclareço aspectos do fenômeno cosplay, revelando

sua origem, características principais e reflexões sobre o lugar que ele ocupa na

sociedade contemporânea, articulando com o lugar da máscara neste contexto. Em

seguida apresentei algumas histórias dos personagens de mangá/anime, objetos de

identificação dos cosplayers entrevistados, e os quadrinhos/ animes respectivos nos quais

eles aparecem, pois em minha monografia (Furukawa, 2005) pude perceber que o olhar

sobre o conteúdo estava ausente, tendo o anime e mangá sido vistos apenas de maneira

superficial e generalizada. Estas informações serviram como forma de entender um pouco

mais o processo de identificação com o personagem.

A partir do que foi discutido, no quarto capítulo tratei da juventude e da identidade.

Estes assuntos foram abordados a partir de uma perspectiva contextualizada e não a-

histórica e naturalizante, sendo este enfoque importante para dar um suporte maior na

compreensão do fenômeno “cosplay” e seus atuantes, pois são considerados o papel do

meio social e o período histórico no qual surgiram. Neste capítulo também foi discutido

um assunto que está presente em todo este trabalho, que é a identidade; suas

características principais e a questão da crise de identidade veiculada em várias

literaturas. E, por último, no capítulo seis, articulei a importância do imaginário na

construção dessas novas formas de ser no mundo e a sua atuação nos cosplayers.

Ao longo dos capítulos, algumas falas dos cosplayers, derivadas dos encontros

com eles realizados, foram apresentadas, pois elas servem para ilustrar algumas

questões que abordei neste trabalho. Porém, destacar essas falas, não significa que as

tenha considerado como dados isolados, pois as falas não são neutras, estando inseridas

no contexto no qual vivemos. Assim, elas facilitam a compreensão de como este

fenômeno está presente em cada assunto discutido. Por fim, nas “considerações finais”,

apresentei um apanhado geral do que foi discutido ao longo do trabalho, indicando o

caminho desenvolvido por ele, as ligações entre os assuntos abordados, e as direções

futuras.

Page 20: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

CAPÍTULO I

O MUNDO EM MUTAÇÃO

O mundo vai sendo modificado ao longo do tempo e se distingue para cada cultura,

sociedade e momento histórico analisado. Por ele ser imerso em contradições e a

realidade ser complexa, não farei nenhuma análise global de intuito uniformizante, até

porque o “cosplay” já é algo que se enquadra nessas novas formas de ser que o contexto

multicultural atual traz e que não pode ser simplificado. Como Lipovetsky (apud Charles,

2004, p.15) declara, padronizar levaria a “juízos excessivo, sempre demasiado

elementares porque olham apenas um aspecto das coisas, a fim de livrar-se de toda a

complexidade do real e circunscrever as contradições de que este está urdido”. Optei por

iniciar esta parte com um apanhado geral de alguns pontos que marcam as

transformações ocorridas em várias partes no mundo e em nossa sociedade, que servirão

de base para as reflexões sobre a identidade e o ato de se fantasiar, tema central deste

trabalho.

A modernidade ocidental está relacionada à liberdade, a igualdade e a idéia de um

sujeito autônomo, porém, como este ideal foi acompanhado de um aumento de poder

estatal esse fato não teve grande impacto. Nesta época, a noção de individualismo reflete

um sujeito e uma identidade de caráter unificado e singular, característicos de um tempo e

cultura, onde as referências eram estáveis e na qual a construção se baseava em

Page 21: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

capacidades e estruturas pré-estabelecidas. A industrialização trouxe mudanças na

sociedade moderna ocidental tornando mais social o sujeito. Neste momento também a

sociologia analisou o homem em processos grupais nos quais as subjetividades eram

formadas pelas interações sociais, as quais ao mesmo tempo em que eram transmitidas

as normas e estruturas, estas também eram mantidas pelas pessoas.

As transformações que acometeram o sujeito cartesiano e o sujeito sociológico no

século XX fizeram-se notar com o surgimento de um sujeito isolado, perturbado num

mundo que era visto como indiferente para ele. Hall (2001) declara que este sujeito

moderno sofreu um deslocamento que se deu “(...) através de uma série de rupturas nos

discursos do conhecimento moderno” (p. 34). Este autor explana cinco momentos que

conduziram a um descentramento deste sujeito cartesiano na segunda metade do século

XX. O primeiro consiste na reapropriação feita dos escritos de Marx no qual se afirma que

os homens agem na história mediante as limitações que lhe são impostas e com as

ferramentas estabelecidas pelos que os antecederam. Estes pensadores referem com

isso a uma falta de autonomia do homem e a ausência de uma essência universal de

homem presente em cada um. Mais um fato que causou impacto no pensamento

moderno foi a concepção de inconsciente veiculada por Freud, o qual funciona fora dos

princípios da razão. Outro ponto enfatizado por Freud foi a da formação do “eu” ou

identidade realizada em interação com outros e não algo surgido desde o nascimento,

sendo um processo demorado e inconsciente, onde nunca há uma finalização. Sobre a

importância do social na concepção do sujeito, Ewald & Soares (2007) colocam que a

identidade é formada no social, sendo então a sociedade seu produtor, mas também

resultado da nossa influência sobre ela. Nas palavras destes autores, a identidade

envolve

zonas de interseções, de vários tipos e tamanhos, pois são zonas de compartilhamento intersubjetivo com um grupo, um time de futebol, um bairro, uma cidade, um estado, um país, uma opção ideológico-política, etc., mas onde, também, sempre haverá o espaço da singularidade. (EWALD & SOARES, 2007, p. 24).

A palavra identificação é empregada por Hall (2001) no lugar de identidade para

resolver a falta de unidade e também para ratificar o processo de contínua estruturação

que ocorre na pessoa. O termo identidade foi adotado neste trabalho, porém, com esta

visão de processo em sua formação.

O terceiro “descentramento” foi atribuído à lingüística de Saussure. Para ele, como

a língua é social e não individual, tendo os significados inseridos nela e na cultura, não

somos considerados seus atores. O poder disciplinar é o quarto tipo de descentramento e

Page 22: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

se refere a um poder introduzido por Foucault, que institui o controle e a disciplina do

indivíduo e do corpo pelo poder administrativo. Hall (2001) coloca que o paradoxo desta

concepção está no fato de que “quanto mais coletiva e organizada a natureza das

instituições da modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do

sujeito individual” (Ibid., p. 43). E a última posição apontada foi o feminismo, originada nos

anos 60. Este evento toma destaque aqui por desestabilizar as noções de público e

privado, havendo uma politização da identidade e da identificação.

Para o melhor entendimento dessas modificações, exponho o projeto civilizatório

da modernidade ocidental que entrou em decadência, conforme cita Rouanet (1994). Não

estou afirmando, com isso, que esses ideais foram, algum dia, alcançados, mas quero

salientar que havia na civilização moderna ocidental esses três focos principais, que são:

universalidade, individualidade e autonomia. A universalidade seria a consideração de

todos independente das diferenças nacionais, étnicas ou religiosas. Já a valorização de

cada ser como único, sem considerá-lo parte de uma massa, seria a individualidade,

porém, a sociedade de consumo vai contra este princípio. A autonomia seria o poder

pensar sem o intermédio de alguma entidade ou instituição, o de usar o espaço público e

conseguir, pelo emprego, o que precisam para o sustento material. Sobre o colapso deste

projeto, o autor revela que hoje há “uma rejeição dos próprios princípios, de uma recusa

dos valores civilizatórios propostos pela modernidade” (Ibid., p. 11).

Um novo cenário sociocultural então foi surgindo. Embora as muitas mudanças já

fossem percebidas desde o século XIX, só em meados do século XX, com a vinculação

dos modelos audiovisuais massivos com a noção de lucro, é que uma nova forma de

relação econômico - cultural global ganhou espaço e intensidade. Segundo Sevcenko

(2001) as transformações tecnológicas ampliaram o quantitativo de produção e a

possibilidade de consumo seguido da própria forma de estruturação da sociedade, da

cultura, da política e do agir cotidiano.

Para Severiano e Estramina (2006), as três fases nas sociedades ocidentais

modernas para as crises da modernidade são: a) Capitalismo de produção, no qual o

consumo está relacionado à utilidade do produto, voltado à satisfação das necessidades

básicas. Esta fase desenvolveu-se no século XIX e início do XX. Havia uma orientação à

poupança e o capitalismo era voltado à produção. b) Sociedade de consumo de massa,

época do fordismo. O consumo passa a ser uma satisfação dos desejos, manipulados

pelos anúncios publicitários. O período de seu apogeu seria, de uma forma geral, a partir

da segunda metade do século XX até os anos 80; e c) Por último a sociedade de

consumo segmentada que se originou em meio ao desenvolvimento das novas

Page 23: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

tecnologias. Época do toyotismo e da globalização. Valorização da imagem-marca que

atribui valor ao produto. É diferenciado da segunda por difundir um consumo que visa

satisfazer partes da população, atribuindo características de personalidade a elas, o que

os autores chamam de “consumo personalizado”, sendo ainda de massa.

Essas mudanças nas concepções do homem e nos princípios levaram alguns

estudiosos a adotarem outros termos para caracterizarem essa sociedade, como por

exemplo, Modernidade tardia (Anthony Giddens), Pós-modernidade (Lyotard; Maffesoli) e

Hipermodernidade (Lipovetsky, que também usou o termo Pós-modernidade). Para

Lipovetsky (2004, p. 51), foi “a partir dos anos 70 [que] a noção de pós-modernidade fez

sua entrada no palco intelectual com o fim de qualificar o novo estado cultural das

sociedades desenvolvidas”. Neste novo momento sociocultural o enfraquecimento das

normas autoritárias e disciplinares é acompanhado por um processo caracterizado por

avanços tecnológicos, maior produção e difusão de produtos, aspectos publicitários e

advento da moda que propaga por toda a sociedade desde os anos 60.

Diante desse panorama, compete agora colocar que fatos foram propiciadores para

que ocorressem tamanhas alterações. Principio falando sobre a globalização.

A globalização, derivada do capitalismo, é um processo que acentuou as

operações globais não só a nível econômico, mas também social, político e cultural, em

âmbito mundial. Um elemento característico da globalização é o neoliberalismo. Este

“representa uma necessidade global de restabelecimento da hegemonia burguesa”

(Mancebo, 2003, p. 77). O reflexo disto nas relações sociais e políticas seria a prevalência

de interesses individuais e da lógica mercantil. O comportamento pessoal se fundamenta

em sua utilidade de acordo com os interesses particulares. Neste novo arranjo, a

subjetividade é afetada por uma gama de fenômenos, permitindo ou exigindo novas

formas de se organizar. Pode-se dizer, então, que houve um movimento para a

globalização das idéias, pessoas, produtos e signos, trazendo repercussões inclusive a

nível local e individual. A inserção de personagens de histórias em quadrinhos japoneses

no conjunto de identificações de alguns adolescentes brasileiros hoje, que ocorre de

forma cada vez mais acelerada e vinculada a um comércio que visa o aumento de seus

consumidores, é um fato que permite verificar essa mudança na organização da

sociedade. Ainda neste capítulo no terceiro item “Globalização equivale a mundo

homogeneizado?”, explorarei mais este tópico.

Um dos marcos importantes para essa transformação da sociedade foi a

implementação das tecnologias, que trouxe repercussões nos valores da sociedade. A

quebra de barreiras físicas, como distâncias territoriais, e a disseminação das

Page 24: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

informações quase que imediatamente a lugares longínquos, facilitaram o

desenvolvimento da sociedade global, porém, devo ressaltar que isso não ocorreu de

maneira uniforme e nem atingiu todas as sociedades. Um outro efeito que este novo rumo

mundial provocou, foi o surgimento da divisão transnacional do trabalho (Ianni, 1997), isto

é, o partilhamento da empresa em localidades diferentes no mundo, no qual, em muitos

casos, forçou a migração acentuada de pessoas na procura por oportunidades de

trabalho. Mesmo havendo condições de o trabalhador permanecer na sua nação, alguns

deles passaram a interiorizar essa nova lógica, tornando, ele próprio um ser

desterritorializado, adotando um modo de ser “nômade”; o que implica em novas formas

de identidades e desqualificação de outras. Com essa estrutura de trabalho o mundo se

tornou, nas palavras do autor, uma “fábrica global”.

Com a inserção das tecnologias houve também o aumento da multiplicidade de

estímulos e signos que se apresentaram em um ritmo cada vez mais acelerado. Sevcenko

(2001) afirma que o controle tecnológico inserido numa metrópole influencia o

comportamento dos que aí vivem ditando um ritmo ao qual o homem deve se adaptar. A

rápida velocidade passa, então, a mudar a relação do homem consigo mesmo e com os

outros.

Além disso, essa exploração do movimento acelerado vinculado à valorização da

visão vai incidir em todos os aspectos de nossa vida, exigindo novas habilidades visuais,

uma readaptação dos sentidos e de seus valores. Esse culto à visão revela um novo

dimensionamento do tempo, e abarcam os diferentes meios: “Da televisão ao jornal, da

publicidade a todas as epifanias mercadológicas, a nossa sociedade canceriza a vista,

mede toda a realidade por sua capacidade de mostrar e de se mostrar e transforma as

comunicações em viagens de olhar” (Certeau, 2002, p. 48). Segundo Sevcenko (2001),

um meio rápido para identificar as pessoas se apoiou fortemente na visão, ou melhor, em

símbolos exteriores como maneira de vestir, agir e pertences que usa. Neste sentido, é a

visão que qualifica o produto, sendo este o que estipula o estilo de quem o consome.

Martin-Barbero (2003) ratifica este aspecto ao assinalar que:

un adolescente cuya experiencia de relación social pasa cada día más por su sensibilidad, por su cuerpo, ya que es a través de ellos que los jóvenes –que hablan muy poco con sus padres– les están diciendo muchas cosas a los adultos mediante otros idiomas: los de los rituales del vestirse, del tatuarse y del adornarse, o del enflaquecerse conforme a los modelos de cuerpo que les propone la sociedad por medio de la moda y de la publicidad. 4

4 O trecho correspondente na tradução é: “Um adolescente cuja experiência de relação social passa cada dia mais por sua sensibilidade, por seu corpo, já que é através deles que os jovens - que falam muito pouco com os seus pais – estão dizendo muitas coisas aos adultos através de outras linguagens: a dos rituais de vestir-se, de tatuar-de e adornar-se, o do enfraquecer-se de acordo com os modelos de corpo que a sociedade propõe através de moda e da publicidade.”

Page 25: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

A identificação com base no olhar também se refere à vinculação a um grupo, pois

o compartilhar de certos produtos se torna um meio para inserção nele. Por exemplo, o

grupo de cosplayers entrevistados, colocou que os freqüentadores de eventos de anime/

mangá, possuem uma forma de vestir que os diferencia. Não só com fantasias, os

freqüentadores possuem uma vestimenta que os tornam parte daquele ambiente. Abaixo

estão as falas de alguns cosplayers que tentavam descrever essa comunicação visual

presente nas pessoas que vão aos eventos, suas regras implícitas e suas dificuldades em

verbalizar isso:

- Talita – [Roupas] No mínimo preto - Márcia. – Correntinhas... Acessórios - Talita – Existem regras que você tem que seguir. Ninguém te diz que essas regras existem, mas elas existem. - André – E você absorve elas. - Talita - Você pode até ir com essa roupa que você [facilitador] está vestida. O seu azul está discreto, mas você nunca pode ir de rosa choque para um evento. - Mônica – Se você ir com uma oncinha, sandália alta.... As pessoas vão te olhar assim [de modo espantado]. Não tem nada a ver.

Porém, acompanhar o que, em cada momento, representa visualmente certa

posição social, muitas vezes relacionado à aquisição de um objeto, é complicado,

sobretudo pela rapidez com que as mudanças ocorrem. E é nisto que se ampara a lógica

do consumo: não somente é imprescindível a compra e ostentação de algo para revelar

certa identidade, mas a dedicação e habilidade em acompanhar que produto, naquele

momento, indica a posição desejada. Essa rapidez característica do nosso tempo é

notável em meios audiovisuais e pode ser caracterizada através do controle remoto. A

troca acelerada de canais exacerba a questão da descartabilidade (neste caso de um

programa), a progressiva diminuição do tempo de atenção, e a ocupação cada vez maior

do período necessário para que haja uma reflexão mais aprofundada; aspectos esses que

estão presentes em vários âmbitos da vida de uma pessoa hoje. Como o desenvolvimento

da tecnologia nos habitua a um movimento acelerado, fica mais evidente a questão da

seletividade do que é observado. Diante de uma imensidade de estímulos, “só vemos

aquilo que olhamos” (Berger, 1999, p. 10), ou seja, o olhar indica uma escolha e isto

reflete uma relação entre o foco de nosso olhar e nós mesmos.

Um fato importante é que essa divulgação de imagens e símbolos é acentuada

pelos meios de comunicação de massa em escala mundial. Para Ianni (1997, p. 28) na

sociedade global, “o mundo se povoa de imagens, mensagens, colagens, montagens,

bricolagens, simulacros e virtualidades. Representam e elidem a realidade, vivência,

Page 26: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

experiência”. Numa comparação superficial, podemos dizer que como antes, no século

XX, um fator de exclusão era o acesso à cultura letrada, hoje o que estipula essa barreira

é o consumo dos meios eletrônicos audiovisuais, pois as imagens dominam e ocupam o

lugar das palavras.

1. 1 - HIPERMODERNIDADE

O conceito de pós-modernidade tal como construído por Maffesoli (1994) se refere

a este período como um momento de saturação, de desgaste do que era conhecido como

modernidade. O termo “decadente” é também empregado por ele para se referir a algo

que deixa de existir para, em seu lugar, surgir coisas novas. Para este autor:

Estamos, pois, numa época provisória: notamos o que não é mais, mas não conhecemos ainda o que está por vir (...) É um momento, uma passagem da Modernidade a qualquer coisa que, para apreendermos, é preciso saber buscar no substrato sensível dos dados sociais. (MAFFESOLI, 1994, p. 22).

A visão de Maffesoli, a meu ver, é reflexo do paradoxo, posteriormente discutido

por Lipovetsky, e que será apresentado neste trabalho.

Algumas modificações apontadas por Canclini (1999) que talvez indiquem traços

dessa transformação são apresentadas a seguir com alguns acréscimos:

a) Diminuição da influência dos órgãos locais e nacionais frente ao mercado

internacional.

b) Redimensionamento dos espaços urbanos que restringiu os locais de

encontro entre as pessoas e a diversidade, e tornou mais longínquos os lugares de

trabalho.

c) Apropriação de símbolos provenientes de culturas globalizadas

d) Redefinição do sentido de pertencimento e identidade pela inserção de

culturas transnacionais e desterritorizadas.

e) Mudança da condição de cidadão que argumenta e critica, ou seja, que tem

uma opinião pública, para aquele que busca qualidade de vida no convívio com meios

eletrônicos com redução do questionamento frente ao consumo deles.

Outras características destacadas da chamada “pós-modernidade” seriam,

segundo Maffesoli (1994), a ênfase no simbólico que abarca a razão e sentidos, a

pluralidade, o patchwork, a “ética da estética” (estética referente ao grego aísthesis, que

Page 27: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

significa percepção, sensação, emoção, etc), a busca da felicidade e a valorização do

presente.

Como foi visto no começo deste capítulo, a sociedade ocidental pós-moderna é

aquela caracterizada pelo interesse contínuo pelo novo, com destaque a autonomização

dos indivíduos, cujos desejos subjetivos foram emancipados. Porém, depois do período

de encantamento e despreocupação pós-moderna baseada na felicidade instantânea,

surge a insegurança, medo e estresse num mundo de contradição. Segundo Lipovetsky

(2004), o termo pós-moderno foi superado, pois ele foi somente empregado para designar

essa libertação das amarras da tradição e ditames sociais. Agora, volta-se a uma pressão

com outra roupagem. A hipermodernidade anunciada pelo neoliberalismo global, pelos

avanços tecnológicos, intensifica as relações de mercado voltadas ao indivíduo e não tem

oposição significativa. Ela é marcada pelo fluxo contínuo, flexibilidade e instabilidade, de

ritmo acelerado. O prefixo “hiper” do termo “Hipermodernidade” oferece esse sentido de

excesso da modernidade. Segundo Aubert (2005, p.16):

Le type de personallité que nous qualifions d’hypermoderne emerge dans lês années 70 em Europe occidentale et em Amérique du Nord. Dans la societé qui se dissipe à partir de ces années – là, société ou l’hyperconsommation devient la règle, société flexible, sans frontieres et sans limites (...)5

Essa caracterização da sociedade ocidental como hipermoderna, exposta por

Lipovetsky, é a que será adotada neste trabalho. Em muitos momentos noções de pós-

modernidade apontadas por outros autores são citadas como características da

hipermodernidade, pois nesses casos se mostram equivalentes.

Trabalhar com hipermodernidade é enriquecedor, pois permite entender essa nova

configuração que se apresenta hoje e no qual o cosplay se insere. A identificação com

personagens de desenho japoneses indica essa flexibilidade, aproximação das

localidades, “acessibilidade” e busca constante aos meios de informação e objetos de

consumo de forma cada vez mais acelerada, características essas que marcam o período

atual.

O hipermoderno, de acordo com Charles (2004) é a dependência e completa

condição da vida em função do consumo. A sociedade de consumo como é caracterizada

hoje, revela esse aspecto e indica que se consome mais pelo prazer proporcionado do

que pelo status que adquire. Há uma exigência de consumo para haver uma distinção

social, mas mais do que isso, é a satisfação trazida. Nos encontros com os cosplayers

5 O trecho correspondente na tradução é: “O tipo de personalidade que qualificamos de hipermoderna emerge nos anos 70 na Europa Ocidental e ns América do Norte. Na sociedade que se dissipa a partir destes anos, sociedade a qual o hiperconsumo torna-se a regra, [é uma] sociedade flexível, sem fronteiras e sem limites (...)”.

Page 28: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

essa vinculação entre prazer e status, assim como, a busca por esse status, surgiu em

vários momentos. Como essa questão será discutida no capítulo cinco, destaco apenas

uma ocasião onde esse assunto ocorreu. Neste trecho selecionado, o grupo estava

falando de um fórum virtual chamado MAP6, que era famoso entre adoradores de mangás

e animes e que, com o tempo, foi deixando se ser um atrativo, pois os freqüentadores

foram aumentando e os encontros “ao vivo” começaram a juntar pessoas que não tinham

condutas aceitáveis:

- Márcia – [...] Ser do MAP era do tipo: ser o pioneiro de eventos do Rio. - Renato - Aquele pessoal das antigas...Todo mundo se conhecia lá dentro. - Márcia - Todo pessoal começava a ver o pessoal do MAP com certa distância. Aí os novatos que estavam começando a ir em eventos, principalmente quem começou a ir em eventos depois de 2003, já começava a olhar o pessoal do MAP [assim] “Caramba! Eles gostam de anime há muito tempo...Eles conhecem tudo”. E aí passou a ser status. - Mônica – Aí muita gente começou a entrar lá só pra tirar onda. - Márcia - Aí aquela história subiu a cabeça de alguns...Nego começou a se aproveitar dessas coisas, fazendo altas algazarras. Já teve muitas histórias de algarrazas em eventos, em lugares públicos [...]. - Renato - Aí hoje em dia não existe mais [...] O legal do MAP era que, meio que todo mundo se conhecia através do fórum e no evento você sabia quem era. Nos eventos você tinha mais facilidade de se aproximar das pessoas - Mônica – Porque no começo era muito legal porque era tipo família. Era pequeno. Era todo mundo amigão. - Talita - Acho que o MAP hoje foi substituído pelo “Cosplay Brasil”. - Márcia – É verdade... - Talita - Que é outro fórum [...] No início, em 2003, eu comecei a fazer cosplay, por causa do “Cosplay Brasil”. Eu sou Cosplay Brasil há anos. Eu conheço todas as pessoas velhas, porque eu conheci as pessoas antes do pessoal ser famoso. Então... Não sou uma cosplay famosa, mas conheço todas as cosplayers famosas. - Facilitador – Então, você acha que o Cosplay Brasil hoje é um sinônimo de status? -Talita - Hoje é sim [O restante do grupo concorda]. - Facilitador – Mas todo mundo pode participar, não é?! - Todos – Sim. - Talita – Não tem como barrar. - Márcia – Mas o difícil é entrar na panelinha - André - São poucos os que julgam sem utilizar a panelinha. Sempre tem aquele grupo determinado que vai levar vantagem sobre você.

A obtenção de status como aqui explicitado, não se restringe a aquisição de bens,

fato este que não foi abordado neste trecho. Há, contudo, o “consumo” de formas de ser e

estar que fazem adquirir o status desejado. O olhar mais uma vez aparece neste aspecto,

pois ao ser acompanhado de um produto também se espera um comportamento visível e

compatível daqueles que o consomem. Assim, mesmo sendo poucos os que conseguem

o status, o prazer proporcionado em se comportar como os que já o possuem, por

6 MAP, segundo eles, era a abreviação de “Museu Anime Project”, que era o nome de um fórum que acontecia na internet e cujos encontros “ao vivo” ocorriam no museu do Catete. Como se tratava de um evento pequeno acabou virando um grupo de amigos que se autodenominou MAP. Os primeiros freqüentadores eram conhecidos como os pioneiros nessa “adoração” aos animes e mangás. Depois a sigla passou a significar “Mi Amigo Pássaro”, mas sem uma explicação certa da mudança. Uma das hipóteses é de que como deixou de ter eventos no museu eles queriam conservar a sigla, mas também pode ser porque já havia um outro evento com o mesmo nome.

Page 29: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

exemplo, freqüentando o MAP, já justifica o “consumo” de tais comportamentos e

produtos, o que se evidencia no aumento cada vez maior de freqüentadores.

A sociedade do hiperconsumo contém assim consumidores fragmentados que

focam mais no experimental. A vinculação do consumo a idéia do prazer é algo marcante

nas campanhas publicitárias, principalmente, aquelas em que se destaca o prazer sexual.

Da mesma forma, a emoção passa a fazer parte da publicidade e é combustível para as

vendas, pois há uma constante busca por emoção.

Porém o “hiper”, o excesso não é só referente ao consumo, mas também refletem

nas pressões, estresses e demandas. O indivíduo é marcado por ser compulsivo. Os

sentimentos, que demandam tempo para existir, são substituídos pelas sensações, mais

rápidas. O movimento atual dos meios de entretenimento é a de usar a emoção de modo

intenso. Lacroix (2006) estuda a “emoção” em seu livro, relacionando-o a intensificação

desta como parte da cultura atual. Para Lacroix (2006) a emoção tem esse aspecto

momentâneo e o sentimento seria algo duradouro, entretanto não é toda emoção que

marca a atualidade, destacando aquelas que provocam “choque”. Ele faz uma distinção

entre “emoção-choque” e “emoção-contemplação”. Aquela seria a do inesperado, de algo

que é rápido e a outra seria algo mais aproximado do sentimento, que não dura apenas

um instante, mas se estende e pode vir a ser um sentimento.

Vive-se então numa sociedade hiperemotiva. A emoção pode estar vindo

exacerbada para dar conta do vazio de ideologias ou de esperança que não dá meios

para ação. Assim, na falta de ideologias, religiões, o que os une é a emoção.

A emoção não é só individual, mas também social. Nos eventos que reúnem

admiradores de desenhos e quadrinhos japoneses que acontecem em todo Brasil, as

manifestações da platéia nos concursos de cosplayers é um exemplo de vivência da

emoção em conjunto.

Sem as presas da tradição que impõe suas normas inquestionáveis, o

individualismo emerge e vive uma mudança para uma autonomização que permite “maior

liberdade” nas escolhas: “Assiste-se aí à extensão a todas as camadas sociais do gosto

pelas novidades, da promoção do fútil e do frívolo, do culto ao desenvolvimento pessoal e

ao bem-estar – em resumo, da ideologia individualista hedonista” (Charles, 2004, p. 24). A

cultura hedonista traz uma necessidade de satisfação pelo prazer. Mas essa nova

perspectiva não implica que o poder de controle deixe de existir, ele só foi transformado

em mecanismos que criam a idéia de possibilidade, sem uma imposição explícita. A

independência que se conquista trouxe uma dependência, uma complexidade promovida

pelo hedonismo que ocorre em graus diferentes de relação. Para o autor, não é que as

Page 30: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

ideologias acabaram, mas que agora fazem parte do campo de escolhas pessoais e de

uma identidade.

O hipernarcisismo, diferente do narciso pós-moderno, é maduro, responsável,

flexível. O mundo é dos mais competentes, dos mais capazes de se adaptar e de

competir constantemente. O paradoxo vem de que ao mesmo tempo em que deve

assumir uma postura centrada, adulta, também aparece, por exemplo, a procura em

manter a todo custo uma juventude eterna, onde há um consumo, às vezes, compulsivo

de produtos “milagrosos” que se adequam a uma sociedade de tamanha fluidez e

superficialidade. Assim:

Os indivíduos hipermodernos são ao mesmo tempo mais informados e mais desestruturados, mais adultos e mais instáveis, menos ideológicos e mais tributários das modas, mais abertos e mais influenciáveis, mais críticos e mais superficiais, mais céticos e menos profundos (CHARLES, 2004, p. 27-28).

Diante do paradoxo do individualismo o que pode acarretar é que “ante a

desestruturação dos controles sociais, os indivíduos, em contexto pós-disciplinar, têm a

opção de assumir responsabilidade ou não, de autocontrolar-se ou deixar-se levar”

(Charles, 2004, p.21). Mas mesmo tendo a opção de não assumir responsabilidade, isso

não significa que se pode destituir a responsabilidade sobre algo. Diante isso, a falta de

certezas e parâmetros ocasionada pelo declínio das estruturas tradicionais de sentido e

das ideologias levou a um stress permanente e acentuado refletindo numa luta diária em

se definir, provar sua eficácia e manter (ou conquistar) lugar no mercado de trabalho cada

vez mais competitivo.

Então, se pode afirmar que a condução da vida é de única e exclusiva

responsabilidade do indivíduo e, sendo assim, ter sucesso ou fracasso depende apenas

do sujeito. De acordo com Gaulejac (2005, p.22) “Il ne s’agit pas d’atteindre um but, il

s’agit d’être le meilleur7”. E como o mesmo autor enuncia, há uma necessidade psíquica

de perfeição, de excelência, concretizados em conquistas de altos salários, ótimos

empregos, etc. Além disso, cabe apontar que o “ter sucesso” hoje em dia, está

relacionado ao alto poder aquisitivo e a maioria das pessoas tende a seguir esse modelo.

Para Botton (2005) há hoje uma busca por status, que está cada vez mais conexo com a

condição econômica, revelando uma certa ânsia pelo dinheiro que isso pode trazer. Para

corroborar essa colocação, observei em uma parte da atividade chamada “auto-retrato” na

qual os integrantes do grupo foram solicitados a escrever no desenho o que gostariam de

receber (na mão esquerda) e conquistar na vida (na mão direita), que alguns deles

7 O trecho correspondente na tradução é: “Não se trata de atingir um objetivo, trata-se de ser mais melhor.”

Page 31: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

colocaram essa necessidade de serem “bem – sucedidos” financeiramente em suas

respostas. O trecho onde alguns exemplos aparecem foram destacados abaixo:

- Márcia – [...] Alguma coisa que eu gostaria de receber da vida eu botei amor porque na verdade, dinheiro é alguma coisa que eu pretendo conquistar. Então eu botei na mão direita, no caso como sucesso profissional porque é o que eu quero mesmo e, para mim, isso envolve também conseguir bastante dinheiro. - Renato – [...] Na minha mão esquerda, que é o que eu gostaria receber da vida, diferente dela, eu falei dinheiro, não importa se recebido ou conquistado... Eu quero dinheiro. E na mão direita, que eu realmente gostaria de conquistar, eu coloquei o reconhecimento do meu trabalho. - André - O que eu quero receber é dinheiro porque do resto eu consigo conquistar... Isso e aquilo. O dinheiro é mais difícil, pois eu ainda não trabalho e nada do tipo. Tá longe. Aos poucos. - Mônica - O que gostaria de conquistar é minha felicidade plena. Ter uma vida feliz e saudável. O que eu gostaria de ganhar é dinheiro. Penso que nem o Renato, mesmo que conquistado, dado, achado... É dinheiro. Eu sou muito consumista, eu preciso de dinheiro. E na mão direita eu queria alcançar minha realização profissional, que eu não acho que necessariamente tem a ver com dinheiro. Eu acho que tem a ver com a sua felicidade em fazer o seu trabalho. Às vezes eu vou ganhar muito pouco, mas eu quero me sentir bem trabalhando com aquilo, pois eu vou fazer aquilo a vida inteira. - Talita - O que eu quero receber é amor, porque eu gosto de ser amada. Não é só gostar de ser amada. Talvez eu devesse ter colocado na outra mão porque é uma coisa que tem que conquistar... De graça. Agora que estou pensando nisso. Na outra mão, uma coisa que eu gostaria de conquistar é a realização pessoal. Realização pessoal vai envolver tanto o lado profissional quanto o lado financeiro. Eu gostaria de fazer algo que eu goste e ganhar bem com isso. A minha realização pessoal [é]... Algo que eu quero conquistar. Então é isso.

Como foi dito, é a lógica do consumo que agora reina, sendo caracterizada pelo

culto a emoção, prazer e superficialidade das relações. A mídia exerce uma enorme

influência sobre os costumes e comportamentos, vendendo modos de vida e identidades.

A ampliação da variedade de produtos, serviços e a competição entre as diversas marcas

estão presentes na sociedade de consumo, onde o excesso tanto na produção quanto na

necessidade de consumo e o próprio consumo são marcantes. Mesmo com essa lógica

do consumo permeando todas as relações, esta não destitui valores provindos do amor

ou voluntariado, por exemplo. Nessa inconstância do consumo, Lipovetsky (2004) declara

que a quantidade faz as pessoas mais exigentes de qualidade, não havendo a rejeição

desta como Bauman (2005) defende. Este autor coloca que nesse meio em que a

qualidade cai, é a quantidade que passa a interessar.

Nas discussões com os cosplayers, eles relatam que durante os eventos, as

pessoas estão cada vez mais críticas. Querem ver cosplayers os mais perfeitos possíveis,

exigindo um certo profissionalismo na sua elaboração. Não esperam apenas ver

cosplayers nos eventos, mas cosplayers com qualidade, isto é, com uma riqueza de

detalhes, de preferência, seguindo fielmente o personagem ao qual fazem referência. É

claro que isso envolve um gasto maior, pois se dá atenção a tudo: cor dos olhos, tipo mais

Page 32: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

adequado de peruca, comprimento exato das roupas, entre outros aspectos. No segmento

abaixo estão algumas falas que apontam nesta direção:

- Márcia - Exigência até daquelas pessoas que vão aos eventos, mas não fazem cosplay. O nível de exigência dessas pessoas é muito alto. Se você vai e está com cosplay mais ou menos ninguém tira foto com você. Nem vem falar com você. Primeiro essas pessoas tiram foto com cosplayers mais famosas, depois tiram com os mais bonitos e você, que está com um cosplay simples, nem vem falar com você. - Mônica – Em eventos o pessoal vaia quem sobe no palco. Isso é horrível. Nem deixam as pessoas incentivadas. Nos eventos antigamente era mais legal. As pessoas eram menos críticas. - Mônica – Eu já vi gente criticando por causa do cabelo. Como a roupa é simples, elas só podem criticar o cabelo. - Talita – Eles querem o personagem pronto na sua frente. - Renato – Vocês ficam falando mal das pessoas que são mais críticas, mas eu sou assim. Eu acho que o cosplay tem que ficar com o cabelo igual... Maquiagem. Se o cabelo for arrepiado tem que usar direitinho.

A estruturação do tempo também sofreu mudanças, proporcionadas, sobretudo

pelos avanços tecnológicos, que levaram a uma aceleração e compressão do tempo,

vinculada a uma demanda por soluções imediatas e a curto prazo. Hoje cobrança e

estresse são inacabáveis e, em relação ao trabalho, isso fica mais evidente. O presente

passa a estar menos voltado ao viver intensamente o momento e mais direcionado a

incerteza e insegurança sobre a inserção ou manutenção de um espaço no mercado de

trabalho. Uma das conseqüências dessa aceleração na noção de tempo neste meio

reflete na necessidade diária e constante de mostrar eficiência como “garantia” para

permanecer no emprego; assim, o passado fica no passado e o presente precisa ser

constantemente validado. Nesta insegurança contínua para se manter no serviço, é

somada a vinculação do tempo com dedicação, no qual, quanto mais tempo se empenha

mais “dedicado” ao trabalho você é. Muitas vezes este aspecto é o que costuma trazer o

maior prejuízo nas relações familiares.

O capitalismo passou a organizar o tempo de trabalho que agora vai se tornando

“temporalidades heterogêneas” (Lipovetsky, 2004, p. 75): há o tempo dos jovens, do

trabalho flexível, há a valorização do presente que se nota pelos trabalhos temporários,

eficácia no trabalho. Estas temporalidades se estendem aos outros aspectos da vida e

cria uma preocupação cada vez maior, pois os tempos definidos para cada atividade

muitas vezes se conflitam (exemplo: tempo para filho e para serviço).

A tecnologia também proporcionou que o tempo voltado para a reflexão e contato

com amigos fossem reduzidos e em seu lugar ocupado por formas de distanciamento das

relações face a face, como celular, trocas de mensagens virtuais, uso de ipod, resultando

muitas vezes em relações distanciadas, rápidas e até sem profundidade. A ordem agora é

Page 33: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

a superficialidade. Conforme Bauman (2005, p. 33): “Com o mundo se movendo em alta

velocidade e em constante aceleração, você não pode mais confiar na pretensa utilidade

dessas estruturas de referência com base na sua suposta durabilidade”. Nem faz sentido

tê-los hoje em dia. Verifica-se um encurtamento do tempo de “vida útil” dos

comprometimentos, ou até mesmo o aparecimento dessa validade onde não existia. A

configuração dentro dessa lógica econômica do consumismo leva:

tanto a angústia existencial quanto o prazer associado às mudanças, o desejo de intensificar e reintensificar o cotidiano. Talvez esteja aí o desejo fundamental do consumidor hipermoderno: renovar sua vivência do tempo, revivificá-la por meio das novidades que se oferecem como simulacros de aventura. É preciso ver o hiperconsumo como uma cura de rejuvenescimento que se reinicia eternamente. Dessa maneira, o que nos define não é bem o “presente perpétuo” de que falava Orwell, mas antes um desejo de perpétua renovação do eu e do presente. (LIPOVETSKY, 2004, p. 79-80).

Então, não é que o passado e o futuro foram descartados, houve uma

reconfiguração da sua importância baseada neste presente em destaque. A importância

que se dá ao novo é acompanhada do aparecimento de momentos de expressão das

identidades nacionais, étnicas, regionais. A hipermodernidade não está paralisada num

presente eterno, mas nas palavras de Lipovetsky (2004) num “presente paradoxal” que

vai transformando e reformulando o passado.

O que era objeto de tradição ou de “autenticidade” virou produto de consumo

cultural, havendo uma mercantilização da cultura. Reviver o passado dentro dessa lógica

evidencia a comercialização temporal, sendo este o selo de importância que se dá ao

“antigo”. Pode-se dizer que atualmente há o consumo comercial do tempo e da memória.

Assim:

o passado não é mais socialmente instituidor nem estruturante; está renovado, reciclado, mas ao gosto de nossa época, explorado com fins comerciais. A tradição não mais convoca à repetição, à fidelidade e à revivescência das coisas imutáveis de outrora: ela se tornou produto de consumo nostálgico ou folclórico, mera olhadela para o passado, objeto-moda. (LIPOVETSKY, 2004, p. 89-90).

Já o futuro não é mais aquele que contém promessas de um mundo melhor, mas

sim povoado de incertezas e preocupações, a confiança se tornou instável. Como o futuro

está imerso nessas inquietações tanto os próprios jovens quanto seus pais buscam desde

cedo que a educação propicie cada vez mais condições para enfrentar os desafios

posteriores. O hiperindividualismo passa então a dar valor à prevenção, projeção e

articulação entre presente e futuro. A prevenção e a tentativa de previsão podem vir

associadas à crença na ciência. Por exemplo, vincular os avanços tecnológicos a um

aumento da expectativa de vida e da qualidade desta ou, através da preocupação com a

Page 34: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

saúde, a adoção de um controle sobre a dieta alimentar e exercícios físicos diários

visando um futuro mais saudável. Há, com isso, um declínio da cultura do carpe diem.

Como Lipovetsky (2004, p. 73) aponta: “[...] o hiperindividualismo é menos instantaneísta

que projetivo, menos festivo que higienista, menos desfrutador que preventivo, pois a

relação com o presente integra cada vez mais a dimensão do porvir”.

O hiperindivíduo é, desta forma, marcado pela virtualidade e presença, efêmero e

necessidade de permanência, é o encontro de paradoxos e não o “’escravo’ da ordem

social que exige eficiência, tanto quanto não é produto mecânico da publicidade. Outras

motivações, outros ideais (relacionais, intimistas, amorosos, éticos), não param de

orientar o hiperindivíduo” (Lipovetsky, 2004, p. 82).

Sobre a virtualidade, recorro à obra de Lévy (1996). Ele revela que o mundo hoje

passa por um processo de virtualização em vários âmbitos: nas relações, comunicação,

informação, sensibilidade e, inclusive, influencia diretamente a nossa formação.

Primeiramente, é importante que se defina o que seria virtual. A origem da palavra virtual

deriva do latim medieval virtualis que vem de virtus, força, potência. “Na filosofia

escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se,

sem ter passado, no entanto à concretização efetiva ou formal” (Lévy, 1996, p. 15). Neste

sentido o virtual é um modo de ser poderoso, pois ele permite que haja outras formas de

ser, ultrapassa os limites normais, não se contrapondo ao real, mas ao atual. O real para

Lévy seria a objetivação de um possível que estava latente, atributo da natureza. Em

relação ao virtual, pode-se dizer que ele seria uma “abertura” do real, do que é

considerado objetivo, já determinado.

A virtualização diferentemente da atualização, é dinâmica, é tornar virtual o atual.

Em outras palavras, virtualização é “uma mutação de identidade, um deslocamento do

centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente

por uma atualidade (uma ‘solução’), a entidade passa a encontrar sua consistência

essencial num campo problemático” (Lévy, 1996, p.17-18). O virtualizar não é se fixar em

algo permanente, mas sempre problematizá-lo, tornando fluidas as atualidades. Além

disso, neste processo o que permeia é a indeterminação e uma procura por atualização (ir

do virtual ao atual). A virtualização descrita por Lévy é semelhante ao que Bauman (2005)

denomina de “liquefação”, que é caracterizado por ser uma quebra da solidez das

estruturas e instituições sociais para uma forma fluida que não se mantém por muito

tempo.

Relacionada ao espaço e ao tempo, a virtualização seria o fato de se recortar o

espaço-tempo habitual, é o desterritorizar e o destemporalizar. É claro que a virtualização

Page 35: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

não está livre da referência espaço-tempo, “uma vez que devem sempre se inserir em

suportes físicos e se atualizar aqui ou alhures, agora ou mais tarde” (Lévy, 1996, p. 21). O

virtual não é imaginação, somente tem algumas características parecidas como o fato de

se tratarem de “não-presenças”. É, na verdade, um modo de ser que vai possibilitar outras

relações e ritmos.

A virtualização como deslocamento para a problemática é observado na identidade

clássica. Como não há uma identidade hoje definida, pré-estabelecida, pode-se dizer que

houve uma virtualização dela: “a virtualização é sempre heterogênese, devir outro,

processo de acolhimento da alteridade” (Lévy, 1996, p. 25). Esta troca contínua e fluida

da identidade não traz uma idéia sólida de que o indivíduo se torne “senhor de si mesmo”,

mas sim traz uma desestabilização da pessoa.

Quanto menos as normas coletivas nos regem nos detalhes, mais o indivíduo se mostra tendencialmente fraco e desestabilizado. Quanto mais o indivíduo é socialmente cambiante, mais surgem manifestações de esgotamentos e “panes” subjetivas. Quanto mais ele quer viver intensa e livremente, mais se acumulam os sinais do peso de viver. (LIPOVETSKY, 2004, p. 84).

Porém ao mostrar a fluidez das identidades, não está se afirmando que são formas

negativas de ser, mas sim quais são as saídas ou transformações que estão acontecendo

para se adaptar a essa instabilidade que o mundo se apresenta.

É claro que essas mudanças trazem conseqüências. Com o decréscimo das

influências estrutural e organizadora de instituições coletivas como a familiar, religiosa,

políticas, a cultura na hipermodernidade implicou numa fluidez do eu que podem

repercutir em sintomas psicossomáticos, depressivos, compulsões. Alguns autores

afirmam que estes seriam as resistências contra as características presentes na

sociedade atual. Segundo Costa (2004) as resistências são de duas ordens: a primeira

provém da fraqueza dos excessos, por exemplo, estresse, insônia, depressão,

hiperatividade, anorexia, e a outra se origina da procura de alternativas como práticas

espirituais ou corporais para fugir deste ciclo que o mercado impulsiona. Porém, a meu

ver, a primeira não seria uma resistência, mas sim uma exacerbação da cobrança e

aceleração, muitas vezes resolvida com medicamentos, o que leva a um retorno ao

consumo acrítico; enquanto na segunda opção, deve-se estar atento se o modo

alternativo apresentado, não se trata de uma variação do que é oferecido pelo mercado

de consumo.

Outro fato associado a virtualização é a passagem do interior ao exterior e vice-

versa. O capitalismo e outras características citadas anteriormente permitiram vincular a

posição do homem a algo coisificado. Como Lévy cita é um “efeito Moebius” que ocorre

Page 36: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

entre vários aspectos: público e privado, subjetivo e objetivo. As fronteiras do real diluem-

se no virtual, pois só no real que elas são definidas claramente.

Como uma forma de entender melhor a virtualização, focaremos na questão do

corpo. Mas por que pensar sobre o corpo na hipermodernidade? Percebo que como

outras questões, o corpo passou por transformações na sociedade de consumo e

compartilha de seu desenvolvimento. Antes o corpo era necessário em razão de sua força

muscular, sendo posteriormente substituído pelas máquinas. Neste momento, essas

transformações chegaram ao ponto no qual,

le corps s’inscrit aujourd’hui dans la société marchande et participe de la transformation progressive du non-marchand en marchand, il est objet de réflexion pour l’individu qui s’intéresse à sa propre personne mais aussi au regard que les autres vont porter sur lui, il s’inscrit dans une démarche de recherche constante de la performance et de la maîtrise de soi8 (TISSIER-DESBORDES, 2005, p. 32).

Produtos para o corpo, academias de ginástica e medicamentos não param de

crescer. E o que antes poderia ser feito artesanalmente ou gratuitamente para cuidar do

corpo, hoje é transformado em algum produto comercializado. Por exemplo, para que

tomar chá verde, se você pode comprar uma cápsula desse chá? Tomar banho para

relaxar? Melhor se for num spa, coberta de pétalas vermelhas, com som ambiente e

massagem, inseridos num pacote especial que fazendo duas sessões você ganha 10%

na seguinte.

Portanto, na época atual o corpo é um exemplo evidente da virtualização do mundo

hipermoderno, pois tudo nele se modifica e é manipulado, desde sua imagem, através do

consumo de produtos, até a intervenção de modo evasivo, por cirurgias plásticas visando

modelá-lo. Há também a possibilidade de consumir medicamentos com o objetivo de

alterar o metabolismo. Em relação a virtualização dos sentidos, esta pode ser observada

pelo uso do telefone (audição) e da televisão (visão), por exemplo. A projeção ocorre pela

ação, com a desterritorização seja pelos meios de transporte; pela imagem através da

telepresença; ou pelo telefone, que leva a voz a lugares distantes, separando-o do corpo.

O corpo é projetado no virtual. Passa-se a ter um “hipercorpo”, um organismo híbrido, que

pode ser fragmentado, acrescentado, reduzido e partilhado.

Há um remédio para todo mal, podendo até se criar uma enfermidade para que, em

seguida, surja no mercado uma pílula para ele. Ser fraco, doente, não ter o corpo como

gostaria, não é desculpa. Ninguém tem tempo para ouvir lamentações. O jeito é agir.

8 O trecho correspondente na tradução é: “o corpo se inscreve hoje na sociedade do mercado e participa da transformação progressiva do não-mercado em mercado, é objeto de reflexão para o indivíduo que se interessa por si mesmo, mas também no olhar que os outros vão ter sobre ele, ele se inscreve numa diligência de busca constante de desempenho e de controle de si”.

Page 37: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Como? Faça ginástica! Compre remédios! Vá ao cirurgião! E “ao persistirem os sintomas

o médico deverá ser consultado”. Com isso, novas soluções serão recomendadas e o

ciclo continuado. Como declara Tissier – Desbordes (2005, p. 34) “La science,

entransformant le corps, va donner l’illusion d’une transformation de l’identité9”.

Conforme apontado, houve uma desqualificação da tristeza, vinculando sua

permanência aqueles que não correram atrás de uma solução. O espaço para a dor ou

sofrimento foi reduzido. Por isso, atualmente, a felicidade é mais que um direito; é um

dever de todos. E esse foco numa alegria que deve sempre estar presente, apareceu nos

discursos dos cosplayers, participantes do grupo, quando estes foram solicitados a

colocar qual seria o lema de vida de cada um, na dinâmica do “Auto-retrato”. Abaixo estão

as falas apresentadas:

- Márcia - O que eu coloquei como lema de vida, é algo que eu falo muito. Parece meio clichê, mas como eu falo, eu deixei: “No final tudo fica bem, se não está bem é porque ainda não acabou...”. - Renato - No lema da minha vida, eu botei... Na verdade é uma frase enorme, mas é uma compilação de coisas que eu costumo dizer bastante numa dessas conversas filosóficas com as pessoas, que é a seguinte: “Seja sempre positivo, nunca se deixe abater e aproveite o melhor que puder o presente. No final, o que conta são as recordações e os momentos intensos que você viveu”. - André - Como lema de vida eu coloquei uma frase que eu sempre falo “Seja sempre você mesmo, sem utilizar máscaras e seja feliz desse modo”. - Mônica - Como lema de vida, parece bobo, mas eu coloquei “Hakuna Matata” porque é um lema bom. Assim, acho que as pessoas têm que viver e esquecer um pouco dos problemas, tentar viver na paz. Assim, sem botar muito empecilho na vida. Tem gente que por qualquer coisinha pequena a pessoa já transforma numa montanha e acho que isso não vale a pena. Você tem que viver bem e relaxado. - Talita - Como lema de vida eu coloquei a coisa mais clichê do que qualquer um que colocaram aqui que é Carpe Diem. Porque realmente a gente tem que viver todos os dias como se fossem os últimos. Viver tudo por momentos. Não pensar no dia seguinte, não pensar no que vai ser depois.

Somado a isso se pode observar uma adequação dos homens ao perfil trazido

pelas máquinas (Belli, 1998). Hoje, a alta produtividade, multifuncionalidade e eficácia

diária podem ser atribuições de um bom funcionário ou de um novo aparelho eletrônico.

E, da mesma forma que uma máquina é descartada quando não mais funciona, o

empregado é demitido quando é considerado inválido. O ser humano, com isso, passou a

ser identificado com uma máquina, e “deixa de ser verbo para ser substantivo” (Ciampa,

1994, p. 72), o que implica em um deixar de ser proprietário, um ser humano, um

realizador de suas atividades, para se transformar, ele mesmo num produto. Sendo

talvez, o único verbo incentivado, o de consumir.

A virtualização do corpo é inclusive constatada quando há uma externalização de

suas funções internas e dele próprio, pelo desenvolvimento de um comércio voltado a sua

9 O trecho correspondente na tradução é: “A ciência, transformando o corpo, vai dar a ilusão de uma transformação da identidade”.

Page 38: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

manipulação. O tornar externo o que era interno pelo raio x, por exemplo, é uma forma de

virtualização, assim como o deslocamento e trocas de parte dele como acontece quando

há um transplante. As fronteiras são cada vez mais difíceis de serem delimitadas. Pode

parecer que praticar esportes que desafiam os limites humanos são formas de ir contra a

virtualização do corpo, pois intensificam o “aqui-agora” e sua noção de mortalidade.

Porém, esse desvio da norma, como se tendesse a uma metamorfização do corpo se

transformando em um pássaro ou peixe, indo até o limite entre o ar e água, vida e morte,

mostra que o indivíduo vive outros mundos e experimenta outros modos de ser, havendo

assim a virtualização.

Diante de todos esses aspectos é como se atualmente houvesse o poder de

reinventar o corpo. Torná-lo “flexível”. E, por ele fazer parte da identidade, através do

caráter mutável que hoje se apresenta, podem-se criar várias formas de ser com a

manipulação dele. Seguindo esse pensamento, então o cosplay (o vestir-se como um

personagem) seria uma identidade criada pela projeção de uma imagem que se torna

quase presente através da pessoa que se veste. Em razão dessa variedade de formas de

ser e agir, facilitadas pelo consumo, e como o foco deste trabalho é o de refletir sobre

essa nova forma de identidade, o tema “identidade” será dado maior atenção no capítulo

quatro.

1. 2 - VIRTUALIZAÇÃO DA FAMÍLIA

Mediante todos esses desdobramentos que incidiram na sociedade em geral, Ianni

(1997, p. 29) relata que “Ao mesmo tempo que se constitui e movimenta, a sociedade

global subsume e tenciona uns e outros: indivíduos, famílias, grupos e classes, nações e

nacionalidades, religiões e línguas, etnias e raças”. Abordei aqui a família, como uma das

dimensões que tem sofrido os maiores abalos e que está formando novos ajustamentos.

A família como responsável pela educação não aparece de forma tão preeminente

nem os pais são considerados os detentores do saber como em épocas anteriores.

Nascidos em um mundo onde as tecnologias são vistas como naturais; crianças e

adolescentes se mostram habilidosos no uso desses instrumentos até mais do que seus

pais, o que evidencia a desconstrução da posição de maior conhecimento dos adultos.

Inclui-se aqui o fato de que por volta de 1960, com a inserção das mulheres no mercado

de trabalho, houve uma reestruturação do modelo familiar, assim, atualmente, ambos os

pais trabalham e, muitas vezes, a mulher é quem contribui com os maiores retornos

financeiros. Hoje, com essa ausência dos pais por um período maior de tempo,

decorrente de uma exigência e insegurança cada vez maiores no trabalho, houve uma

Page 39: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

diminuição do convívio com o que antes se tinha como referência de bases estáveis,

criando um espaço propício para que os meios midiáticos se tornassem mais presentes

como veículos de socialização e identificação dos jovens. Segundo Severiano e

Estramina (2006, p. 36) “A individualidade do sujeito parece ter sido subordinada a tal

ponto aos ideais do consumo que ele passa a conceber o objeto como fonte de

referência, como principal suporte da identidade”.

Pode-se também inferir que com a busca do “ideal jovem” veiculado pela mídia,

muitos adultos deixaram seu lugar de orientadores dos filhos, para partilharem deste

“mundo jovem”, saindo com os filhos, “ficando” e freqüentando os mesmos lugares que

eles, o que diminui a diferença entre gerações.

Essa mudança de referência é também corroborada por Sarlo (2000) ao colocar

que quando a religião, ideologias, escola, política, família e comunidade não servem de

base de identificação ou de valores, tanto em função da debilidade das autoridades

quanto pela inserção do mercado, este aproveita a “demanda simbólica” para inserir seus

produtos que são aceitos mais prontamente. Costa (2004) revela que a falta desses ideais

mais duradouros é o que se tem de mais danoso na sociedade consumista atual, pois não

é substituído por nada equivalente. Para ele, nossa cultura tornou-se “uma cultura do

imediato, do descompromisso consigo, com o outro e com o devir de todos” (Ibid., p. 85).

O que também se pode notar atualmente é que não só parece haver uma

valorização dos meios midiáticos em detrimento de organizações como escola e família,

como estas inclusive adquiriram características “(...) hedonistas, imediatistas e produtoras

de demandas por consumo rápido” (Mancebo, 2003, p. 81). O que era então um modelo

baseado na tradição e em condições de certa forma duradouras, hoje se apresenta como

uma questão de estilo de vida, possibilitando a “escolha” de que tipo de identidade

pretende adotar. Agora, os jovens que vão crescendo nesse meio,

Encontram momentos e locais extremamente favoráveis para o desenvolvimento de suas atividades diferenciadas e relativamente autônomas em relação aos adultos. Fugindo das instituições já sedimentadas da modernidade – o sistema escolar (...) os grupos juvenis caíram nas malhas de novas instituições que eles próprios ajudaram a construir ou sedimentar (GROPPO, 2000, p. 52-53).

Conforme mencionado, na ausência dos pais, as mídias eletrônicas passam a ser a

companhia necessária e fonte de distraimento dos filhos. A televisão é um exemplo de

mídia que conseguiu preencher esse espaço, proporcionando modelos e servindo como

agente socializador. Em relação às referências, não só a televisão como quaisquer outros

meios de comunicação de massa, como os quadrinhos, tornaram espaços míticos, nos

quais se encontra uma variedade de “deuses” que mesmo distantes (por serem deuses)

Page 40: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

se tornam próximos, pois “apenas” uma tela ou papel os separa. Esses vínculos

produzidos com os personagens midiáticos são fortes, pois atendem as demandas

afetivas de atenção, convivência, proximidade e uma “intimidade” que não causa

desgaste. Mas ao mesmo tempo são temporários, pois a partir do momento que ele perde

seu valor simbólico, ele é descartado. No encontro que realizei, vários cosplayers

relataram que aprenderam muito com mangás e animes e que, através do processo de

identificação com os personagens, muitos deles passaram a comparar sua atitude com a

dos personagens e a rever seus posicionamentos frente a diferentes situações,

encarando as questões vividas sem um nível alto de tensão. As falas seguintes foram

algumas respostas dos participantes sobre o meu questionamento sobre se eles tiram

algumas lições ao ler ou fazer cosplay:

- Márcia - Na verdade todos os otakus10 são uma mistura de todos os personagens de todos os animes que ele já assistiu. - Márcia - Tem gente que fala “Terapia para quê se existe Fruits Basket?” É uma lição de vida. É um mangá de auto-ajuda. Eu tenho milhões de problemas e qualquer um deles você vê em algum dos personagens, e eles resolvem. E você pára e pensa: “Eu também posso resolver meus problemas”. O mangá trata, lida muito com sentimentos, então é muito com uma coisa interior. Todo mundo tem problemas. Beleza, você tem problemas, assim como eles, mas eles estão vivendo, não estão? A história do mangá tá correndo, a sua vida também e no final tudo dá certo, sabe? Em outro momento perguntei o que modificou neles ao lerem ou fazerem cosplay. Resgato dois relatos: - Mônica - No meu caso parece meio clichê, mas eu acho que lendo as histórias, você se identifica com aqueles personagens excluídos, mas acabam [os personagens] arrumando amigos e arrumando pessoas que eles gostam e eles vivem felizes para sempre. - Facilitador - Dê um exemplo - Mônica - Eu pensei no Keitarô de Love Hina. Ele era o feioso, o excluído do colégio, que não pegava ninguém e não passou no vestibular. Love Hina é muito bom para vestibulandos e no final do mangá ele entra em História e vira um grande historiador. Parece meio clichê, mas eu tiro a lição de acreditar em mim mesmo. - Márcia - Uma coisa engraçada é que na época que eu fui prestar vestibular pela primeira vez, foi quando começou a sair [o mangá] Love Hina e eu nunca tinha lido ou assistido o anime. Eu sabia da história básica, mas não sabia tudo. Eu lembro que quando saiu o volume que eles estavam reprovados no vestibular, foi logo depois que eu vi o resultado da UFRJ e não tinha passado. E eu fiquei assim: “Ai! Caraca! Eu, o Keitarô e a Naru não passamos no vestibular”. Era nós três. Não era só eu. Era eu e mais os dois no mangá. Depois eu continuei lendo e eles passaram... Então eu vou passar também [pensou]. É claro que não foi por isso, eu estudei, mas você se sente melhor [...] Foi exatamente isso, eu olhei para o mangá e vi que não era a única, eles também não passaram. Não é como

10 Quando foi solicitado que os participantes do grupo explicassem o que seria esse termo, eles colocaram que era tipo o “nerd” no Japão, só que lá teria uma conotação um pouco pior. Segundo Barral (2000, p. 15), um jornalista que vive no Japão desde 1986 e escreveu um livro sobre os otakus, estes seriam “os catalisadores dos excessos da sociedade nipônica nos três domínios [educação, informação e consumo], e, como tal, carregam os estigmas. Indubitavelmente, não são eles os doentes, mas sim a sociedade que os engendrou”. Para o autor, otakus são as pessoas que não se encaixaram na sociedade japonesa, e acabam se fechando em um mundo virtual, preferindo, então, um mundo mais previsível e confiável.

Barral (2000) explica que o termo otaku contém dois significados que já existiam e, foi logo aceito para designar o fenômeno, por serem as características principais que o definem. Estes são: distanciamento das relações pessoais e isolamento na casa, mais especificamente no quarto. As convivências virtuais são vistas como mais seguras. Quando o termo otaku foi difundido no Brasil, ele era uma expressão positiva, pois só os fãs de anime e mangá o utilizavam. Significava justamente as pessoas que eram fãs de anime e mangá. Porém, aos poucos, também foi adquirindo um tom mais pejorativo, referindo-se aqueles que são viciados em anime e mangá, agindo de uma maneira considerada “exagerada” por esse grupo, pois só falam nisso, a vida gira em torno deste assunto. Apesar dessa mudança, o termo otaku continua sendo utilizado pelo grupo aqui no Brasil nos dois sentidos. O que costuma diferenciar quando se fala no sentido negativo, é que eles normalmente usam a expressão “otakus nerds”.

Page 41: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Figura 1 - Yuki do mangá Fruits Basket

[se] eles fossem personagens criados, era como se eles existissem e não tivessem passado, porque para mim, quando você se envolve com qualquer história, não só anime, mangás, mas um livro também, às vezes novela... As pessoas se envolvem, mas não admitem, porque novela é uma coisa mais popularizado demais. Mas as pessoas também se envolvem com isso. Mas, então, tipo...você pensa: “Caramba! Aquele personagem fica realmente triste, ou realmente feliz, porque aquele personagem realmente existe para você”.

Porém, não estou afirmando que por conta desse declínio de referências estáveis

como os pais, o jovem absorve sem questionar o mundo apresentado pelos meios de

comunicação, pelo contrário, “Os diversos papéis que vive e os diferentes códigos que

aciona lhe fornecem um repertório simbólico e cultural que invalida a idéia de que, pelo

fato de ver tevê regularmente, possa se tornar um “mero joguete” da cultura de massas”

(Velho, 1999, p. 69). Uma das participantes do grupo de cosplayers entrevistados falou de

um cosplay que pretende realizar, na qual ela se identifica muito, que seria o Yuki do

mangá Fruits Basket. Ela relata que apesar de se identificar muito com a sua história diz

que não iria agir diferente por usar a roupa deste personagem. Segundo ela:

- Mônica - Se eu ficasse com a roupa dele, eu acho que agiria normal, porque eu gosto do jeito que sou agora: mais escandalosa, mais espontânea e ele é mais caladão. Sabe, eu demorei tanto para conseguir ser assim. Eu era tão tímida que eu não queria voltar... Acho que é regredir.

Por conta da culpa que alguns pais sentem em relação à falta de tempo com os

filhos ou por uma espécie de fuga das cobranças diárias, muitas vezes o consumo se

insere como forma de alívio para esses pesares. Sevcenko (2001) ao estudar a sociedade

do espetáculo declarou que em conseqüência do processo capitalista difundido, o

consumo passou a ser uma fuga e/ou remédio para desejos reprimidos. E, assim, a lógica

do consumo se perpetua. Deve-se observar com este quadro, a relação intrínseca que se

estabeleceu entre juventude, tecnologia e cultura de massas. O “tempo livre” passou a

significar “tempo de consumo”, e é claro que a propaganda encontra aqui um campo fértil,

onde crianças e adolescentes passam a ser considerado potenciais consumidores. Então,

não somente houve uma reestruturação com relação à transmissão do saber como

também pode se considerar que ocorreu uma degradação do modelo hegemônico de

família nuclear, que se estenderam as outras instituições e também à própria política:

Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos - a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses - recebem sua resposta mais através do consumo primado de bens e dos meios de comunicação do que nas regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos. (CANCLINI,1999, p. 37).

Page 42: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Neste momento de inserção dos meios eletrônicos no ambiente familiar e a

reestruturação das relações neste contexto, gostaria de relatar um texto intitulado

“Redação de menino” 11 que, ironicamente foi lido em um programa de televisão, e o qual

escolhi para ilustrar esse fato.

A professora pediu aos alunos que fizessem uma redação e nessa redação o que

eles gostariam que Deus fizesse por eles. À noite, corrigindo as redações, ela se depara com uma que a deixa muito

emocionada. O marido, nesse momento, acaba de entrar, a vê chorando e diz: "O que aconteceu?" Ela respondeu: "leia". Era a redação de um menino. "Senhor, esta noite te peço algo especial: me transforme em um televisor. Quero

ocupar o seu lugar. Viver como vive a TV de minha casa. Ter um lugar especial para mim, e reunir minha família ao redor. Ser levado a sério quando falo. Quero ser o centro das atenções e ser escutado sem interrupções nem questionamentos. Quero receber o mesmo cuidado especial que a tv recebe quando não funciona. E ter a companhia do meu pai quando ele chega em casa, mesmo que esteja cansado. E que minha mãe me procure quando estiver sozinha e aborrecida, em vez de ignorar-me. E ainda que meus irmãos "briguem" para estar comigo. Quero sentir que a minha família deixa tudo de lado, de vez em quando, para passar alguns momentos comigo. E, por fim, que eu possa divertir a todos. Senhor, não te peço muito... Só quero viver o que vive qualquer televisor!" Naquele momento, o marido da professora disse:

"Meu Deus, coitado desse menino. Nossa, que coisa esses pais". E ela olha e diz: "Essa redação é do nosso filho".

1. 3 - GLOBALIZAÇÃO EQUIVALE A MUNDO HOMOGENEIZADO?

Ao tratar de globalização, muitos autores a entendem como o mundo se tornando

homogeneizado nos gostos, atitudes e produtos que consomem. A homogeneização do

mundo é vista como fato evidente por parte deles, pois ao contrário seria considerado

“desqualificado como nostálgico do nacionalismo” (Canclini, 2003, p. 8). Eles também

defendem que a globalização procura a homogeneização com a exclusão dos diferentes.

Ianni (1997) defende que a globalização não leva a homogeneização. Para ele, essas

transformações ou novas realidades que estão acontecendo agregam, originam ou

recriam outras formas de ser neste mundo, outras singularidades e identidades, imersas

11 Texto disponível em: < http://maisvoce.globo.com/mensagem.jsp?id=16510>. Acesso em: 09 set. 2006.

Page 43: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

em uma multiplicidade que, muitas vezes se chocam. Porém Canclini (2003, p. 46)

declara que “A globalização não apenas homogeneíza e nos aproxima, mas também

multiplica as diferenças e gera novas desigualdades (...)”.

Assim, há autores que, como Ianni, defendem que há uma certa adaptação do que

é imposto de fora que pretendo focar neste trabalho e, associado a isso, há idéias, como

a de Canclini (2003) que alertam para o fato de que a globalização não é a circulação e

mútua influência de todas as nações do globo, mas sim um processo onde o ocidente dita

as regras e o resto dos países as absorve.

O termo “creolization” em inglês ou “glocalização”, é muitas vezes empregado por

antropólogos e lingüistas para se referir as mesclas interculturais notadas na língua ou

cultura. De acordo com Canclini (2003), se conceber que a globalização ocorreu na

segunda metade do século XX deve-se diferenciar esta da internacionalização e da

transnacionalização. A internacionalização originou com as navegações, colonização,

onde havia troca de informações, objetos e cultura. Era a “abertura das fronteiras

geográficas de cada sociedade para incorporar bens materiais e simbólicos das outras”

(Canclini, 1999, p. 41). Esse mercado mundial que se instalava era marcado por um

protecionismo local. A transnacionalização se observa a partir do começo do século XX

com a transposição de empresas e negócios em locais diferentes de sua nação de

origem, porém conservando traços que marcam sua identidade nacional. A globalização

surge de uma exacerbação de alguns pontos desses aspectos anteriores em escala

mundial que foram facilitadas pelo desenvolvimento tecnológico, diferenciando daqueles,

qualitativo e quantitativamente. Mas

também foi preciso que os movimentos transfronteiriços de tecnologia, bens e finanças acompanhados por uma intensificação de fluxos migratórios e turísticos que favorecem a aquisição de línguas e imaginários multiculturais. Nessas condições é possível, além de exportar filmes e programas televisivos de um país a outro, construir produtos simbólicos globais, sem ancoragens nacionais específicas, ou com várias ao mesmo tempo, como os filmes de Steven Spielberg, os videogames e a world music (CANCLINI, 2003, p. 42-43).

A globalização é vista em se tratando de economia por expandir seus mercados a

nível mundial e destituir alguns poderes nacionais. Ela acabou com algumas barreiras o

que permitiu que produtos de outros países entrassem no mercado global, em uma

velocidade cada vez maior. Esse contato com culturas tão distantes teve como um dos

facilitadores o aprimoramento tecnológico que proporcionou a criação de vários meios

comunicacionais e de locomoção. Woodward (2000, p. 20) define a globalização como um

processo que “envolve uma interação entre fatores econômicos e culturais, causando

mudanças nos padrões de produção e consumo, as quais, por sua vez, produzem

Page 44: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

identidades novas e globalizadas”. A globalização cultural segundo Befu (2003) pode se

dar de duas formas: a primeira pelo deslocamento de pessoas e a segunda através de

produtos culturais sem as pessoas. Assim, não só pelas migrações em busca ou em

razão de trabalho, congresso, turismo, mas também por encontros através de meios

midiáticos, por exemplo, cada vez mais sofisticados é que o mundo foi tornando-se

intercultural (Canclini, 2005).

Pela internet ou pela televisão é possível estar em contato com vários países, e em

nosso convívio diário, produtos alimentícios, eletrônicos e musicais de diferentes

localidades podem ser encontrados com facilidade. Eles passaram a fazer parte do

cotidiano e foram obtendo significados nacionais “Em poucos anos, as economias dos

países grandes, médios e pequenos passaram a depender de um sistema transnacional

do qual as fronteiras culturais e ideológicas se desvanecem” (Canclini, 2005, p. 19). O

próprio processo de conhecimento do que seriam animes e mangás pelos cosplayers,

integrantes do grupo focal, é um exemplo de como essa inserção de produtos

estrangeiros foi fazendo parte de uma atividade cotidiana. O primeiro contato com esses

produtos, normalmente, foi através da televisão, mais especificamente na Tv Manchete, a

qual exibia os animes. Posteriormente, a internet serviu para encontrar novos animes (ou

até saber o que eram animes) e mangás, desvendar outros produtos a ele vinculados,

sendo também um meio de troca das descobertas entre os interessados. A seguir um

trecho para ilustrar como esses meios participam desse processo de inserção de produtos

de outros locais:

- Márcia - No nosso caso [Márcia e Mônica] a gente já via [anime na televisão] há muito tempo. Desde 94, 95 a gente já assistia quando passava na Manchete. Depois ficou um tempo meio morno que não saia nada no Brasil, mas ainda tinha um ou outro ali. Depois voltou, apareceram muitas coisas e a gente continuou e aí, logo depois tinha uma época que as pessoas começaram a ter mais internet. Tipo, a gente, por exemplo, não usava internet. A gente foi ter internet em 98/97... A gente nem tinha computador em casa antes dessa época. Aí que começou...Usa internet, procura site, procura isso, procura aquilo... Aí a gente começou a descobrir outros mangás, outros animes que não tinham no Brasil. Aí tinha naquela época o mIRC12, que virou febre por aqui. - Renato - Que saudade! - Márcia - Todo mundo achava tudo no mIRC. Todo mundo trocava arquivos no mIRC. Foi aí que a gente começou a pegar anime. - Talita - Eu não peguei essa parte - Renato - Eu peguei todas essas etapas. - Márcia - Aí nessa época do mIRC tinha também o ICQ13. A moda era ICQ. E todo mundo se falava pelo ICQ e tinha aquela coisa de trocar ICQ. E quando alguém achava um anime legal, aí ele passava para todo mundo e logo a notícia se espalhava. E isso foi na época que nem tinha orkut. Se fosse hoje em dia...

12 É um popular IRC, isto é, Internet Relay Chat. É um programa gratuito que permite conversar com pessoas de diferentes localidades em tempo real. Ele também oferece a possibilidade de troca de arquivos entre os participantes. 13 É uma sigla que representa a pronúncia em inglês das palavras “I seek you”, em português, “eu procuro você”. É um programa com as mesmas características do mIRC, que tem a finalidade de permitir que pessoas se comuniquem instantaneamente de lugares distintos.

Page 45: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

É também neste cenário que se insere o desmembramento das empresas por

vários países na busca por lucros, com a contratação de mão-de-obra mais barata,

recursos mais acessíveis e menos impostos. Com isso, a interdependência passou a ser

relacionada a vários aspectos, tais como: econômico, financeiro, comunicacional, que leva

a novos meios de se estruturar.

Canclini (2003) aponta que apesar de se utilizar constantemente a palavra

globalização, sua definição não é consensual. Alerta para dois pontos que costumam

aparecer em algumas bibliografias: 1) equivaler globalização a neoliberalismo, isto é,

basear em um único paradigma e 2) pensar na pluralidade de narrativas.

Quando se fala em globalização, normalmente vem a idéia de uma concepção

ocidental (norte-americana) que se difunde pelo resto do mundo. O ideal é que a

multiplicidade fosse adotada e não a diversidade, pois como Silva (2000, p.100-101)

aponta:

Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre um processo, uma operação, uma ação. A diversidade é estática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é ativa, é um fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças – diferenças que são irredutíveis à identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multiplicidade estende e multiplica, prolifera, dissemina. A diversidade é um dado – da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um movimento. A diversidade reafirma o idêntico. A multiplicidade estimula a diferença que se recusa a se fundir com o idêntico.

Pode-se dizer que antes, os EUA era o centro do poder, a cultura de referência.

Com o passar do tempo, outros países como o Japão começaram a ganhar espaço e,

aquele poder de influência, centrado na hegemonia norte-americana, foi perdendo seu

status e descentrando seu poder (Iwabuchi, 2002).

1. 4 – JAPONIZAÇÃO

Japonização ou niponização é o termo que Befu (2003) se refere à inserção da

cultura japonesa pelo mundo. Como Hao e Teh (2004, p. 18) afirmam “as the marketing of

Japanese cultural products expands beyond its own shores, the impact of the Japanese

popular culture begins to be felt overseas, especially in Asian Countries that share cultural

similarities with Japan”14.

A palavra “cultura” pode se referir a três significados, segundo o dicionário Aurélio:

1. Ato, efeito ou modo de cultivar. 2. Fig O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos

14 O trecho correspondente na tradução é: “enquanto o marketing de produtos culturais japoneses expande além de suas próprias terras, o impacto da cultura popular japonesa começa a ser sentido em outras localidades, especialmente nos países asiáticos que compartilham similaridades culturais com o Japão”.

Page 46: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

coletivamente, e típicos de uma sociedade. 3. Fig. O conjunto dos conhecimentos adquiridos em determinado campo. (FERREIRA, 1993, p. 156).

Aprofundando mais sobre o segundo item do dicionário, que será a concepção

adotada neste trabalho, Canclini expõe que:

o cultural abrange o conjunto de processos mediante os quais representamos e instituímos imaginariamente o social, concebemos e administramos as reações com os outros, ou seja, as diferenças, ordenamos sua dispersão e sua incomensurabilidade por meio de uma delimitação que flutua entre a ordem que possibilita o funcionamento da sociedade (local e global) e os autores que a abrem ao possível (CANCLINI, 2003, p. 57-58).

Ao mesmo tempo em que a cultura define as inter-relações numa sociedade, como

acrescenta Velho (1999), ela indica a diferença na construção social da realidade tanto

temporal quanto espacialmente.

Na sociedade atual a multiplicidade de variáveis econômicas, simbólicas, políticas

é intensificada pelos meios de comunicação e economia globalizada. A difusão global dos

meios de comunicação e o advento da tecnologia modificou as relações e modos de

existência, e os indivíduos “(...) de um modo inédito, estão expostos, são afetados e

vivenciam sistemas de valores diferenciados e heterogêneos. Existe uma mobilidade

material e simbólica sem precedentes em sua escala e extensão” (Velho, 1999, p. 39).

Como foi mencionado, apesar desta suposta idéia de que a maior parte do mundo

caminha para uma homogeneização da cultura pela penetração de fast-foods, estilos de

vida e padrões estéticos, entendo que a multiplicidade ainda impera mesmo que haja o

consumo de produtos em comum. Por exemplo, não é tudo que é vendido no Japão que

terá aceitação aqui e o modo como é recebido também se diferencia. Assim, “(...)

nenhuma sociedade é efetivamente simples ou homogênea. Mesmo nas de menor escala,

encontra-se alguma diferenciação, seja de natureza sociológica, seja a nível dos

universos simbólicos” (Velho, 1999, p. 44).

Como Velho (1999), acredito que teorias como “aldeia global” devem ser

relativizadas assim como as de comunicações de massa, pois a recepção é distinta e as

interpretações se diferenciam de acordo com os grupos sociais. Um dos motivos para que

a recepção dos produtos estrangeiros seja diferente, é que as pessoas são ativas no

processo e captam a mensagem de acordo com a cultura na qual estão inseridas, isto

sem mencionar as diferenças individuais que também se apresentam. Quando um

produto de uma determinada localidade e cultura é colocado em uma cultura diferente,

busca-se, em alguns casos, a adaptação deste para adequar ao público local (Befu,

2003). Em animes (desenho animado japonês) como o Pokémon, por exemplo, houve a

mudança do nome dos personagens, música e algumas vezes da história para agradar

Page 47: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

aos norte-americanos. As modificações dos animes e mangás no Brasil podem ocorrer no

conteúdo, por vezes muito erótico à faixa que visam, assim como naqueles pontos

modificados acima para o mercado americano. Mas cada história contém um tipo de

adaptação mais adequada.

E, dependendo do lugar em que o produto de uma cultura vai ser inserido, ele pode

optar por preservar uma maior ou menor quantidade da sua versão original. Em países do

leste asiático o consumo de produtos japoneses é em grandes quantidades e sem muitas

modificações, fato este que pode ser explicado pela proximidade e similaridade cultural,

que facilita o entendimento e identificação com o produto, não só relacionado a desenhos

animados como também a outros entretenimentos como karaokê e mangás. Porém, o que

pode observar em todos é que mesmo havendo algumas alterações, muitas

características da cultura japonesa são preservadas, e dentro de uma lógica do consumo,

passam a servir como fator diferencial e atrativo para o produto. No Brasil, os mangás

mantiveram a ordem de leitura (da direita para esquerda) e o “estilo” monocromático, por

exemplo. Um outro aspecto apontado num estudo intitulado “O impacto da cultura

japonesa nos jovens de Singapura” é de que a popularidade dos produtos e mídias

japonesas não se restringiu a sua compra, mas levou os jovens a uma busca por um

maior conhecimento da língua, hábitos da cultura japonesa e da organização de eventos

que reúnem interessados nestes produtos, como também acontecem no Brasil. Em

decorrência disso, vários livros, artigos sobre vestimenta e outros mercados foram

surgindo para suprir essa demanda.

Para aprofundar ainda mais neste aspecto da inserção de outras culturas, como a

japonesa, em países diferentes e da adaptação sofrida pelo contato com a cultura local e

pelo mercado envolvido, ressalto o crescente número de restaurantes japoneses

encontrados no mundo todo. De acordo com Favaro (2006) há mais de vinte mil

restaurantes que preparam comida japonesa fora do Japão. Visando o lado exótico e

atrativo, em muitos restaurantes voltados a consumidores de maior poder aquisitivo, há

um alto investimento na decoração ambiente para criar um clima “japonês”. Neste sentido

também o termo de alguns pratos como o “sushi” é conservado nos cardápios, assim

como um nome japonês é adotado para muitos estabelecimentos.

Em relação ao preparo do sushi, há uma maneira particular de realizá-lo, mas pode

admitir variações sem perder as suas características. No Brasil, por exemplo, para ajustar

ao paladar local, o arroz ficou mais adocicado do que o original japonês. Além disso, se

encontram variações nos ingredientes como o sushi califórnia que contém kani, manga e

pepino, ou sushi contendo banana. Para tentar barrar todas essas modificações, um

Page 48: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

certificado de autenticidade da culinária japonesa está sendo criado. Apesar das regras

não terem sido indicadas, há algumas atitudes que já foram divulgadas como reprovadas.

Alguns exemplos são: o uso de cream cheese ou manga, a junção de arroz tipo agulhinha

com o japonês e o fritar. Considero alguns limites impostos válidos, porém a possibilidade

de inovação fica prejudicada. Esse tipo de iniciativa já ocorreu em culinárias como a

tailandesa e a italiana, mas não houve muita repercussão até porque, segundo Favaro

(2006), esse tipo de reivindicação leva a questão se há uma culinária totalmente

autêntica.

Um ponto vinculado a esta discussão é o de que atualmente é difícil considerar um

lugar como pertencimento

tampouco a língua nem a comida constituíam marcas identitárias que nos inscrevessem rigidamente em uma única nacionalidade. Ambos extraíramos de vários repertórios hábitos e pensamentos, marcas heterogêneas de identidade, que nos permitiam desempenhar papéis diversos e até fora de contexto (CANCLINI, 2003, p. 56).

A inserção e o distanciamento do seu local de origem chegam a tal ponto que, por

exemplo, comidas japonesas podem ser encontradas em churrascarias e até em fast-

foods. Esse aspecto é mais uma forma de observar a decadência das bases estáveis

deste mundo hipermoderno, que desterrioriza tudo.

Como foi apontado anteriormente, o imperialismo ocidental norte-americano vem

sendo deslocado desse centro e países como o Japão estão ampliando seu espaço no

mercado mundial, mas a representação que acompanha os EUA da idéia do “american

way of life” continua forte e conquistando adeptos em todo o mundo. O Japão na Era Meiji

foi o responsável pela difusão do conhecimento ocidental aos países asiáticos, e era o

que fazia as adaptações de modo a facilitar a aceitação por parte desses países. Antes da

Segunda Guerra Mundial o Japão era referência para o aprendizado de conhecimentos

ocidentais.

O que se evidencia é que, na maioria das vezes, o valor de um produto está

associado à imagem, experiências históricas e pessoais que a pessoa possui do país de

origem, isto é, sua representação. Entretanto, um assunto deve ser apontado: o consumo

de um produto da cultura japonesa não está vinculado necessariamente a um “gostar” do

Japão. Comprar algo “japonês” pode estar relacionado a um design diferente, qualidade,

funcionalidade ou por ser a moda atual apenas. Quando o Japão é valorizado, o fato de

adotar nomes japoneses para quadrinhos pode ser positivo. Por outro lado, há muitas

empresas que ao entrar no mercado internacional optaram por nomes não japoneses

como Sony ou Panasonic, para não evocar associações com os tempos de guerra ou da

Page 49: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

época em que produtos japoneses não tinham tanta qualidade. Percebe-se, contudo que

esse “anonimato” adotado ou a busca de aceitação está vinculado a um estilo ocidental

norte-americano. Power Rangers, Pokémon ou o vídeo game Super Mario Bros são

alguns exemplos nos quais foram retirados elementos que caracterizariam o produto

como japonês para serem mais aceitos.

Hoje, porém a nova geração de jovens no Brasil vivencia uma época na qual a

popularidade da cultura japonesa está em alta. Hello Kitty, Pokémon e alguns animes e

mangás fazem sucesso por aqui, especialmente entre essa faixa etária da população.

CAPÍTULO II

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

E

DESENHO ANIMADO JAPONÊS

Escolhi abordar os quadrinhos, pois o “cosplay” é baseado nos personagens

veiculados nesse meio midiático e por serem poucas as pessoas do meio acadêmico que

têm conhecimento sobre este material, seria importante um esclarecimento maior sobre

ele. É fato que há muitos admiradores cujo contato inicial com as histórias japonesas foi

através do desenho animado japonês, ou seja, pela televisão, mas mesmo neste caso o

estudo do quadrinho é importante, pois os animes (ou desenhos animados japoneses)

Page 50: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

são normalmente derivados das histórias em quadrinhos que tiveram maior sucesso no

Japão.

Porém, antes de partir para a explicação do que caracterizaria a história em

quadrinho japonesa, acredito ser de grande valia explorar um pouco mais sobre esse

universo das histórias em quadrinhos como um todo, para que posteriormente se possa

entender melhor as peculiaridades do quadrinho japonês.

As histórias em quadrinhos fazem parte da nossa cultura, sendo encontradas em

revistas contendo somente este assunto ou como parte de outro meio comunicativo, como

acontece no jornal. Coupèrie (apud Anselmo, 1975) revela que mesmo essa relação

sendo complexa ela faz parte de um momento histórico em que foi construída,

influenciada por tradições e pela cultura que está inserida.

Caracterizada como produto infanto-juvenil no Brasil, é fato que entre o seu

público, há muitos adeptos de idade mais avançada. É um mercado que atrai pessoas de

diferentes níveis sócio-econômicos e são de fácil acesso, pois vendem em qualquer

banca de jornal, mas como todos os produtos inseridos nesse mundo capitalista, são

poucos os que de fato conseguem adquiri-lo. Mesmo assim, os quadrinhos são

consumidos em grandes quantidades e se inserem na cultura popular. Eles exercem um

importante papel na divulgação de informação e difusão de maneiras de ser e estar de um

país. Assim como outras formas de comunicação e meios que estão servindo de

referência para crianças e adolescentes, as histórias em quadrinhos se tornaram um

veículo no qual eles podem adquirir certos valores, pois influenciam aqueles que as lêem.

O poder da repercussão dos quadrinhos pode ser constatado quando, por exemplo,

na época da conquista da Lua, a Apolo 8 e seu módulo lunar foram nomeados de Charlie

Brown e Snoopy. O desenho Flash Gordon foi proibido por Mussolini na Itália. E, nos

tempos da Segunda Guerra, não eram raros, heróis como Capitão América, Fantasma,

Tarzan, aparecerem em quadrinhos combatendo nazistas e japoneses.

Não é um consumo de massa recente. Uma época exata que determine quando e

onde as histórias em quadrinhos surgiram é difícil de especificar, porém ela é encontrada

em diferentes culturas, tendo para cada uma delas uma denominação específica. Pelo

próprio nome atribuído a elas nos diversos países é possível entender as distintas formas

de perceber esse objeto. Segundo Bibe-Luyten (1987) nos Estados Unidos, assim como

nos demais países de língua inglesa, como o conteúdo desse material era inicialmente

humorístico e caricaturesco, o termo “comic” foi dado para se referir às tiras (comic strips)

ou histórias em quadrinhos (comic books).

Page 51: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

“Bandes dessinées” ou tiras desenhadas é assim nomeado na França, já na Itália a

designação “fumetti” foi escolhida para representar esse objeto. Este nome se refere aos

traços encontrados nos quadrinhos como fumacinhas ou balões.

Em Portugal são denominadas “histórias aos quadradinhos”. E no Japão utiliza-se

a palavra “manga” que alguns traduzem como “imagens involuntárias” ou, conforme

Moliné, “imagens a partir de si mesma”. Segundo este autor, o termo foi “empregado

inicialmente para designar todo tipo de caricatura” (Moliné, 2004, p. 218), e depois passou

a ser sinônimo de histórias em quadrinhos no Japão.

Tanto no Brasil quanto na Espanha, uma revista em quadrinhos muito veiculada

deu origem ao nome do gênero no país. No caso da Espanha foi o T. B. O. de 1917, que

posteriormente originou a palavra “tabeó”. O equivalente no Brasil aconteceu com a

revista “Gibi” de grande sucesso nas décadas de 30 e 40.

No Brasil “há indícios de que os primeiros quadrinhos nacionais datam da época do

Império – época das ‘Aventuras de Zé Caipora’, de Ângelo Agostini, na Revista Ilustrada

(1884) [...]” (Netto apud Anselmo, 1975, p. 16).

2.1 – A ENTRADA DO MANGÁ NO BRASIL

No Japão, as histórias em quadrinhos não são um entretenimento de menor

dimensão. Elas abrangem todas as idades e o sucesso do consumo deve-se a uma

cultura na qual desde criança eles entram em contato. Mesmo o mangá tendo um formato

diferente do quadrinho no Brasil, ele segue um modelo parecido, o que facilitou o manejo

desse produto por aqui. Outro ponto que pode ter ajudado no interesse dos mangás é a

similaridade com a novela, tão presente na cultura brasileira. Recorrer a uma cultura onde

já existe o contato com a história em quadrinho e com as novelas é considerado aqui

como um motivador a mais, contudo, não determina seu consumo. Não se pode dizer que

o fato de ser parecido com um produto brasileiro foi algo determinante para o seu

consumo, pois novidades surgem a cada dia, no mesmo segmento ou não, e os jovens

parecem se adaptar a esse movimento de troca com extrema facilidade. Porém, o

cerceamento deste produto com a divulgação de desenhos animados, brinquedos,

biscoitos e outros produtos, tornaram o campo ainda mais favorável para entrada no

mercado.

O espaço para a inserção de mangás já estava dando sinais, pois em vários locais

no Brasil já se encontravam reproduções piratas. Mas até eles entrarem no Brasil teria

que haver adaptações desses produtos ao público local e encontrar interessados em

licenciá-los. A porta de entrada para os quadrinhos japoneses, de acordo com Tezuka

Page 52: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

(apud Schodt, 1986) tem uma relação direta com a veiculação do desenho animado

japonês (anime), como mencionado anteriormente15, pois muitos fãs dos animes

procuravam produtos que continham seus personagens favoritos.

Considero o mangá um produto novo, pois mesmo havendo similaridades com os

quadrinhos por nós conhecidos, ele se destaca por certas particularidades como modo de

leitura, desenho, caracterização da história e personagens, etc. Como o “sushi”, ele pode

até ter algumas semelhanças (por exemplo, conter arroz), porém a sua apresentação e

características o fazem ser algo novo e, com isso, um mercado vai surgindo e variações

aparecendo.

O Brasil possui a maior colônia japonesa fora do Japão, completando em 18 de

julho de 2008, 100 anos de imigração japonesa. Talvez, em razão da quantidade de

descendentes de japoneses no Brasil, o consumo do mangá ocorreu antes dos EUA ou

Europa. Entre os imigrantes e descendentes, o mangá servia como forma de manutenção

ou atualização da língua. A inauguração da primeira associação de mangás intitulada

ABRADEMI (Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações) ocorreu em

1983.

O primeiro mangá original publicado no Brasil foi Lobo Solitário, em 1988 pela

Editora Cedibra. Esse mangá é caracterizado como adulto, por haver um enredo mais

dramático e denso que os para jovens. Outros mangás foram lançados nessa época como

Akira pela Editora Globo, Crying Freeman pela Editora Sampa, contudo em alguns deles a

publicação foi interrompida. O sucesso foi conseguido somente em 2000 com o

lançamento dos mangás “Dragon Ball” e “Cavaleiros do Zodíaco” pela Editora Conrad

(antiga Editora Sampa). Esta, juntamente a Editora JBC, são consideradas as maiores

representantes de mangás no Brasil. Após cinco anos, somando-se edições especiais e

livros, “o mercado editorial dos mangás no Brasil cresceu impressionantes 680%” (Del

Greco, 2005, p. 30).

Atualmente os quadrinhos japoneses vêm atraindo cada vez mais adeptos no Brasil

e é considerado um fenômeno social constitutivo desse mundo globalizado. Ele se tornou

um bom mercado em nosso país. Surgiram eventos nos quais reúnem os interessados;

criou-se um canal a cabo (Animax) com a programação inteiramente de animes, 24 horas,

todos os dias da semana; e há lançamentos de livros, camisetas e outros artigos sobre os

personagens de mangás ou assuntos vinculados à cultura japonesa.

15 Vide página 46.

Page 53: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

2.2 - MANGÁ: AS PARTICULARIDADES DO DESENHO JAPONÊS

2.2.1 – Um pouco de história: a origem nipônica

Os primórdios dos quadrinhos japoneses apareceram por volta do século XI com os

ê-makimono feito em pergaminhos com desenhos de animais. Em 1814 o pintor Katsuhika

Hokusai, originou o primeiro encadernado em que desenhava imagens em sucessão. A

série total contava com quinze. O termo mangá foi criado por ele, derivado da junção de

man que significa “involuntário” e ga “desenho”.

Toba-e (“imagens ao estilo de Toba”) e os kibyôshi (“livros de capa amarela”) eram

produtos “fabricados em série, sendo impressos em chapas de madeira, o que, de certo

modo, precedia a produção em massa da atual indústria do mangá” (Bibe-Luyten, 2004, p.

19). A partir de 1853 começou a se estabelecer uma relação com o ocidente, acentuado

no período Meiji (1868-1912), que influenciaria o desenho japonês.

A popularização do termo mangá ocorreu em 1901 através de Rakuten Kitazawa

(1876-1955) considerado o primeiro autor japonês de quadrinhos. Foi ele quem elaborou

histórias em que os personagens permaneciam nesta.

As primeiras publicações eram voltadas aos adultos e depois foram expandidas ao

público infanto-juvenil.

Com a Segunda Guerra Mundial a produção de mangás sofreu uma queda devido

à economia e a censura. Tal como nos EUA, houve publicações voltadas à propaganda

bélica. Depois dos ataques a Hiroshima e Nagasaki iniciou-se uma nova etapa na história

dos mangás. A partir da década de 50 ocorreu um crescimento da publicação de mangás

semanais com a aparição de novos gêneros voltados as mais variadas faixas etárias. Ao

contrário do que aconteceu na América e na Europa onde a televisão diminuiu o consumo

de quadrinhos, no Japão ele expandiu juntamente com a indústria de animação que

produzia desenhos adaptados de mangás.

Por volta dos anos 90 houve uma queda na venda de mangás, que alguns autores

relacionaram a entrada de entretenimentos como computador e videogames. Porém, hoje

o Japão continua sendo o maior consumidor de histórias em quadrinhos no mundo. Em

seu mercado editorial, os quadrinhos ocupam, segundo Moliné (2004), 40% de toda

produção, sendo o número de editoras de aproximadamente 130 e, somados as

publicações periódicas, podendo atingir a 300.

2.2.2 – Para entender mais esse quadrinho

Page 54: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

No Japão, a produção de quadrinhos é feita independentemente de editoras, sendo

os próprios artistas responsáveis por ela, o que pode decorrer em um maior controle

sobre a elaboração e em seu reconhecimento, expresso através da fama e retornos

financeiros (Schodt, 1986). Assim, segundo este mesmo autor, os “Syndicates” como os

existentes nos EUA, não há no Japão.

No Brasil também não há um equivalente a “Syndicate”, pois não é um sindicato

nem uma associação. Pode-se configurar que nos EUA seja uma espécie de agência ou

serviço especializado que trabalha com entretenimento, possui direitos sobre venda e

distribuição do que é produzido pelos desenhistas e serve como divulgador ao vender as

matrizes para reprodução tanto nos EUA quanto em outros países. Eles funcionam sob

um código de ética e por agirem como intermediários no processo de divulgação do

produto, eles contribuíram para que isso se tornasse um fenômeno social. Alguns ainda

trabalham com notícias, reportagens, charges, etc. Este tipo de serviço beneficiou o

desenhista ao lhe fornecer além do que foi exposto acima, um salário fixo e/ou uma

porcentagem sobre as vendas, porém ao mesmo tempo o tornou um empregado dos

“syndicates”.

Os autores de mangá, chamados de mangakás, podem produzir para diferentes

editoras, quadrinhos diferentes e, diversamente do que acontece com um quadrinho

americano, a história não continua através de um outro autor.

Mas apesar desses pontos positivos, é um mercado competitivo e de produção

muito intensa. Para ter uma idéia do lugar que o quadrinho ocupa no Japão, as nove

principais revistas semanais de mangá para adolescentes, alcançaram uma tiragem em

1997, superior a 17 milhões numa semana (Barral, 2000). Porém, neste meio, são poucos

aqueles que conseguem chegar ao estrelato. A quantidade de histórias e a repercussão

da obra do autor formam a base para uma espécie de classificação que reflete no preço

pago por página pelo trabalho dele. O que seria, então, fonte de prazer virou algo imerso

numa lógica da rapidez e da cobrança, marcas do mundo capitalista. Como cita Schodt

(op. cit., p. 139, tradução nossa): “O artista logo se transforma no prisioneiro de seu

próprio sucesso”.

Conhecer algumas peculiaridades do mangá é importante, pois ajudam a entender

quais as características que foram relevantes no processo de escolha desse produto por

alguns jovens. A seguir são apresentadas, de forma breve, algumas delas.

Normalmente os mangás são publicados em revistas e em forma de histórias

seriadas e não de tiras. Mais tarde algumas séries de sucesso podem ser reunidas em um

livro, que é impresso em uma qualidade melhor de papel. O habitual é que ele seja de

Page 55: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

baixa qualidade e monocromático, estilo este que é seguido no Brasil. A quantidade de

páginas de um mangá no Japão também impressiona um leitor ocidental, tendo em torno

de 150 a 600 páginas e “contém umas vinte histórias publicadas como folhetim” (Barral,

2000, p. 120-121). No Brasil, os mangás têm em torno de 200 páginas e são referentes a

uma história. As revistas mais vendidas aqui são aquelas voltadas ao público juvenil

masculino (shonen manga) e feminino (shojo manga), mas no Japão existem mangás

para todas as idades e de diferentes estilos (histórico, esportivo, terror). No Shojo manga,

tipo de mangá direcionado as adolescentes, os traços são mais detalhados, com um

destaque aos olhos que muitas vezes são desenhados com uma estrela nas pupilas para

criar uma impressão de sonho ou romance. Apesar desta separação entre faixa etária,

não há uma restrição ou relação direta entre a categoria e os seus leitores.

A presença de uma maneira artística de contar uma história na qual, muitas vezes,

a imagem já seria a mensagem, sem precisar de um texto vinculado, pode ser associada

ao próprio sistema de escrita do Japão, pois alguns ideogramas ou kanjis foram formados

a partir de desenhos (Kurihara, 2007)16 ou sinais: Abaixo alguns exemplos17:

Exemplo 1:

à à à (HI = sol)

à à à (KI = árvore)

Exemplo 2: à (um ponto sobre a superfície indicando "em cima")

Exemplo 3:

(KI = árvore)

(HAYASHI = bosque)

(MORI = floresta) 16 Disponível no site <http://www.nj.com.br/kanji/historia_kanji.php>. Acesso em: 28 out. 2007. 17 Disponível no site <http://www.meishusama.org/homepage/nihongo.htm>. Acesso em: 29 out. 2007.

Page 56: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

O simbolismo é decorrente também da variedade de significados que uma palavra

pode ter, o que reflete numa riqueza das histórias por conta desta característica. A

palavra “kaeru”, por exemplo, pode significar: sapo, regressar, transformar, trocar, etc.

O sucesso dos quadrinhos nesse tempo de profunda correria pode estar vinculado

ao fato de ser mais prático de ler do que um romance ocidental e é um entretenimento

portátil, podendo ser lido a qualquer hora. Trata-se, porém, de uma atividade solitária.

Ao invés das tiras horizontais quase do mesmo tamanho e dos quadrinhos

praticamente uniformes, os mangás não possuem uma linearidade, variando seu formato

enormemente. O ritmo é outro aspecto que o diferencia de outros quadrinhos e, em vários

momentos, o foco em vários ângulos de uma mesma cena, tal como acontece no cinema,

é um mecanismo utilizado. Há também um aprofundamento no que diz respeito à reflexão

dos personagens sobre a situação em que se encontram. Nos encontros que tive com os

cosplayers, em um momento, eles afirmaram que os fãs de anime e mangá “costumam

ser os centros do mundo”. Questionados sobre essa afirmativa, eles fizeram uma ligação

entre algumas características do mangá/anime e o movimento deles perante isso, os

quais transcrevo no trecho abaixo para visualizar melhor esse aspecto do mangá:

- Márcia - [...] Geralmente nos mangás e animes tem o personagem principal. Toda trama vai girar em torno daquilo, e normalmente a maior introspecção é desse personagem principal e, [...] enquanto personagem principal, ele pensa muito. Todos eles sempre pensam muito, sempre se questionam muito. Para fazer a trama mesmo, e justamente para você ver uma evolução. E eles sempre acabam enfrentando diversos problemas. Então você... Você bota isso para você. Você passa a ser o personagem principal da sua vida, com seus problemas. Então, assim como todos os questionamentos do mangá giram em torno do personagem principal, por uma razão óbvia: normalmente é em primeira pessoa; a sua vida acaba virando em primeira pessoa para você. - Márcia - Não que isso seja bom ou ruim. É uma forma de ver a vida. Eu faço isso. Você se coloca como personagem principal da sua vida - Talita - Acho que não necessariamente só um otaku faz isso, acho que qualquer pessoa faz isso. - Márcia – Porque, na verdade, você tem que ter essa relação. Não vem do nada. Ninguém tira isso do nada. Você não nasce achando “Ah! Então eu tenho que pensar no mundo a partir de mim”. Não, você conhece o mundo a partir de você. Fato. Mas só que todos os problemas do mundo em geral estão nos outros, é mais fácil você ver assim. Tá no mundo e não sei se isso é da cultura. Eu tenho impressão que é uma coisa da visão... Tem uma coisa a ver com uma visão oriental, até religiosa. Porque, tipo... - Mônica - Ah! Acho que tem a ver... Tipo... Para você consertar o mundo você tem que se consertar. É uma lição [das histórias japonesas]. - Márcia - A grande diferença é que eles pensam muito. Numa novela você não tem uma cena inteira falando, tipo um monólogo. Agora no mangá e animes isso acontece direto. Um personagem está andando pela rua, sozinho e então surgem várias falas, que não são falas, são pensamentos. [...] Toda a seqüência do mangá vai acontecendo e, ao longo de todo o mangá, tem sempre um personagem que está pensando ao longo dessa história. [...] Então você acaba se acostumando com essa visão e faz tanto sentido fazer isso, porque realmente é assim. Quando você traz isso para sua vida é muito mais fácil. Você faz mesmo isso. Quando alguma coisa acontece você já está pensando no seu papel aqui.

Page 57: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

A ordem de leitura é inversa à ocidental, começando

da direita para a esquerda. Algumas editoras optaram pela

“ocidentalização” dos quadrinhos, invertendo a disposição

dos desenhos para adaptar ao estilo ocidental, porém

muitos acusavam essa atitude de adulteração. Atualmente

percebe-se uma aceitação da direção da ordem de leitura

original. Há, inclusive, mangás que contém orientações

sobre este aspecto. Por exemplo, se a pessoa abre um

mangá na primeira página da esquerda, em alguns deles

aparece a seguinte mensagem, como mostra na figura ao

lado.

Um fato que ocorre em vários países é a organização

de eventos para apreciadores de mangás e animes

(desenho animado japonês). No Brasil, há inúmeros eventos voltados a este público. Em

São Paulo, por exemplo, um dos eventos chegou a reunir em dois dias cerca de onze mil

pessoas. Neles, é comum encontrar pessoas vestidas como os personagens de história

em quadrinho japonesa ou do anime, sendo chamados de cosplayers. O capítulo seguinte

será voltado a este fenômeno.

Vários termos novos como Dojinshi e Fansubber18 passam a faz parte do

vocabulário dos que estão inseridos nesse grupo. Dojinshi se refere aos fanzines

japoneses. Fanzine vem da junção de “fan” e “magazine” e é definido como a criação de

quadrinhos japoneses por autores independentes. Seu conteúdo pode ser original ou

baseado em algum quadrinho já existente. Fansubber é uma outra palavra criada que é

derivada de uma ligação entre “fan” e “subtitled” que significa “traduzido por fãs”. Por

conta da demanda crescente dos fãs de anime e mangá, e de um mercado que não a

acompanha, muitos grupos vendem cópias de produções ainda não publicadas

oficialmente no Brasil com traduções realizadas por eles mesmos que, em grande parte

[segundo os próprios consumidores], são de grande qualidade. Também há certa

preferência por esse material por parte de alguns fãs por ser comum que em alguns

animes e mangás, haja cortes ou alterações do original.

Uma característica especial é que as personalidades dos personagens são mais

realistas, pois eles possuem defeitos, tem inseguranças, crescem com a vida e morrem.

18 Disponível em: <http://www.clubotaku.org/cow/Manga/Manga>. Acesso em: 10 nov. 2006.

Figura 2 - Orientações para leitura no mangá Chobits

Page 58: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Não há um personagem que seja mal “por natureza” ou até que um seja classificado

assim, uma vez que mesmo os personagens principais, que seriam considerados

“certinhos” cometem “erros”. Então, parâmetros como “bom” ou “mau” para definir os

personagens não costumam ser encontrados, os dois coabitam no indivíduo e são

sentidos de forma ambivalentes. Uma marca de um personagem tem uma razão de estar

ali.

Para corroborar esse ponto anterior é usual no mangá que haja um breve

histórico de cada personagem para que o leitor entenda porque ele age de tal forma. Por

exemplo, um aspecto marcante de um personagem do mangá Samurai X, Soujirou Seta,

era que ele lutava e matava sempre conservando um sorriso no rosto. Por pertencer a um

grupo inimigo do personagem principal Kenshin, alguns o poderiam ver apenas com maus

olhos, considerando-o insensível e que precisa ser eliminado, pois se trata de um inimigo.

Porém, no episódio 31 Soujirou Seta expõe a sua história: ele era um menino, filho de um

relacionamento fora do casamento e, por isso era desprezado pela família que o

considera um serviçal. Qualquer problema era motivo para a família descontar a raiva

nele. Certa vez ele percebeu que quanto mais chorava ou ficava bravo, mais seus

familiares eram violentos com ele e, por isso, passou a manter o sorriso, mesmo sentindo

raiva ou dor. Com esse breve histórico da sua vida, o leitor pode não só conhecer a

personalidade dos personagens apresentados, mas também entender que não há apenas

um lado da história (o sorriso não era a demonstração de um prazer de matar, como

alguns poderiam achar). Serve inclusive para compreender quais foram as saídas que

aquela pessoa escolheu para seguir a vida.

Para exemplificar essa dificuldade de definir o mau e o bom, ou o que é certo ou

errado no mangá /anime, gostaria de citar uma discussão surgida com os cosplayers

sobre o mangá (também há o anime) “Deaf Note”. Primeiramente tentarei descrever um

pouco a história deste mangá.

Deaf Note é um mangá escrito em doze volumes pelo autor Tsugumi Ohba. A

história gira em torno de um caderno, antes pertencido ao Deus da Morte, que cai nas

mãos de um estudante chamado Light Yagami. Ele descobre que ao escrever o nome de

uma pessoa neste caderno, ela morre e a narrativa conta justamente a forma que o

estudante se posicionou frente a esta descoberta, que foi a de eliminar o mal da

sociedade. A trama é acompanhada da busca de um detetive em descobrir o assassino.

Diante da conversa entre os cosplayers sobre este mangá, perguntei sobre do que

ele se tratava:

Page 59: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

- Talita - É um jogo psicológico. Tipo tem a parte mística que é um caderno do Deus da morte que cai na Terra e vai parar na mão de um dos melhores alunos do Japão. Tem aquela coisa da moral “matar é errado”. Você fica pensando se o caderno caísse na minha mão, o que você faria. Eu não ia fazer nada. “Matar é errado”. Ninguém nunca vai afirmar... - Renato – Mas do jeito que é retratado você acaba...Porque de alguma forma o personagem principal é como se fosse o vilão da história, porque ele pega o caderno e faz justiça com as próprias mãos. Ele mata todos os criminosos. - Talita - Ele quer o mundo perfeito - Renato - Mas ele acaba se perdendo no meio dessa história, se corrompendo, tentando... Ele passa a matar para defender o próprio império que ele próprio construiu. - Márcia - E mesmo assim, ele mesmo matando todos os criminosos do mundo, ele ainda assim é um assassino. - Renato - Mas essa é a grande discussão ética, se é justo ou não, se vale a pena ou não. - Facilitador - Vocês questionam isso? Todos dizem que sim. - Talita - Tem hora que ele mesmo pensa sobre isso. - Márcia - No próprio mangá pessoas se dividem para ver se o Kira [nome dado ao assassino] está certo ou não. Até mesmo na sala de aula [no próprio mangá] o professor pergunta o que vocês acham sobre o Kira. - Facilitador - No próprio mangá se estimula o questionamento? - Todos - É. - Talita- [...] Alguns tem adoração ao Kira. As pessoas, embora elas não consigam admitir, quando elas estão sozinhas, elas pensam: “Finalmente alguém está fazendo alguma coisa. Finalmente alguém está tentando mudar o mundo”. - Márcia - A divisão entre bem e mal nem sempre é muito clara em animes e mangás. Em Deaf Note praticamente não existe essa divisão entre bem e mal. Existe a policia e quem está sendo perseguido pela polícia. Tipo... A policia está agindo dentro da lei. Se você considerar que agir dentro da lei, é o bem, então a policia está sendo o bem. Por outro lado, o Raito [como o japonês fala Light] não está sendo mal...Então não dá para saber. - Talita - Ele está querendo acabar com a maldade do mundo, por isso pode ver ele como o bom. - Márcia - Por isso às vezes em animes e mangás é difícil falar em mocinho e vilões. Não é tão fácil como Superhomem. - Renato - É muito mais complexo. - Márcia - Por isso que normalmente fala em personagem principal e o inimigo dele. Agora, lado bom e lado mau já fica bem mais difícil. - Mônica - Por isso eu acho que mangá é muito mais atrativo do que americano, HQ. Muito mais complexo. - Márcia - Porque a vida não é dividida em bem e mal, a vida é dividida em várias partes. - Mônica - Faz você pensar. [As pessoas] acabam procurando qual é o mau da história. Se os dois são corretos, quem é o errado?

A partir destes aspectos mostrou-se uma variedade de elementos diferenciais que

servem como atrativos para seus leitores e o qualifica como um produto novo,

aumentando seus admiradores.

Page 60: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

CAPÍTULO III

CONHECENDO O COSPLAY

Após elucidar sobre o mangá e seu diferencial frente a outros quadrinhos, passo a

explicar o fenômeno “cosplay”. Em um artigo publicado em 1997 nos Estados Unidos,

intitulado "Fifteen years of japanese animation fandom, 1977-92", Ledoux, Ranney e

Pattern (1997) revelaram que o primeiro evento organizado por fãs de animes na América

do Norte ocorreu em abril de 1977 em Los Angeles. Neste mesmo período originou o

primeiro fã clube.

Segundo este mesmo artigo, em julho/agosto de 1980 houve o primeiro evento no

qual seriam observadas pessoas vestidas como os personagens dos desenhos

japoneses. Este encontro foi realizado em San Diego, chamado de San Diego-Com, que

contou com a presença de trinta cartunistas japoneses entre eles: Osamu Tezuka, Go

Nagai e Yumilo Igarashi, que se impressionaram com a popularidade dos desenhos entre

os americanos.

A palavra “cosplay” é originada da junção de duas palavras: “costume” que significa

fantasia e “play” que seria brincar ou jogo em inglês, criando assim o sentido de “brincar

Page 61: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

de fantasiar”. Segundo Andriatte & Benedetto (2005) esta palavra foi designada por um

jornalista japonês Nobuyuki Takahashi quando, ao ir aos EUA para registrar o evento

Wordcon em 1984, se deparou com inúmeras pessoas vestidas como os personagens. A

princípio ele denominou esse fenômeno de “masquerade”, que em inglês quer dizer

“disfarçar” ou “se passar por”, porém, para diferenciar do sentido de “festa a fantasia”

utilizou o termo “costume-acting” ou “costume-play”, que mais tarde foi reduzido a

“cosplay”.

Em um outro artigo, Pattern (2004) relatou que em um dos eventos anuais nos

EUA, o Anime Expo 2003, o qual reuniu cerca de dezoito mil pessoas, os termos

“masquarade” e “costuming” ainda eram usados na programação, mas aos poucos o

termo “cosplay” vem sendo adotado pela totalidade dos participantes.

O vestir-se como o personagem foi absorvido pela cultura japonesa e também pelo

Brasil. Aqui esta atividade começou a ser desenvolvida em eventos realizados pela

ABRADEMI (Associação brasileira de desenhistas de mangá e ilustrações) em

1996/1997. Hoje, os eventos acontecem em várias localidades, sendo realizados

normalmente aos sábados e domingos, e a entrada custa em torno de dez reais, o dia.

Antigamente os eventos eram destinados à exibição de animes, pois a divulgação e

acesso a esse produto era escasso no Brasil. Aos poucos ele foi adquirindo mais atrativos

e o concurso de cosplay passou a ser algo extremamente importante, porém este não é, e

nem pode ser, o único entretenimento. Talita, uma das cosplayers do grupo, comenta que

“Era o auge do evento o concurso de cosplay. Hoje em dia, os eventos têm que ter

concurso de cosplay, DDR [Dance Dance Revolution], tem que ter banda. Hoje em dia o

concurso não é só suficiente”.

Os maiores eventos no Brasil acontecem em São Paulo, que são o AnimeCon e

Anime Friends, os quais recebem aproximadamente quarenta mil pessoas.

Mesmo com essa variedade de atividades, os concursos de cosplay não deixaram

de ser destaque. Segundo reportagem de Souza, Greco e Malone (2006) as regras para

competição logo surgiram e foram ficando mais rebuscadas. Além de se vestir o mais

semelhante possível a um personagem de mangá ou anime, é preciso agir como ele,

tanto em relação aos gestos de luta, por exemplo, como no modo de falar, dependendo

da categoria escolhida. São inúmeros os eventos que acontecem no Rio de Janeiro, e em

cada um deles pode haver variações quanto às regras dos concursos. Alguns desses

eventos como Anime Family e Anime Center, possuem sites onde se divulgam a

programação, locais de compra de ingresso e as normas para os interessados em

participar dos concursos. No Anime Center, por exemplo, as categorias que os cosplayers

Page 62: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

podem concorrer são: interpretação; indumentária; adereços e caracterização; escolha do

público; e conjunto da obra. E todas essas são subdivididas em subcategorias individuais

ou em grupo. O julgamento varia conforme a categoria. O Anime Center19 define que:

· As notas serão dadas pelos juízes, e a média entre eles será a nota final. Cada quesito

receberá uma nota de zero a 10, com intervalos de 0,5 (meio) ponto.

· Os juízes do concurso de cosplay são escolhidos pelo coordenador do concurso e

aprovados pelo organizador do evento.

· Para o critério de julgamento da categoria “interpretação” os juízes são instruídos a julgar a

similaridade na representação do personagem, criatividade na concepção da cena e desenvoltura

no palco.

· Para o critério de julgamento da categoria “indumentária” os juízes são instruídos a julgar

somente a roupa, similaridade com o original, qualidade na confecção e escolha de materiais

utilizados.

· Para o critério de julgamento da categoria “adereços e caracterização” os juízes são

instruídos a julgar os acessórios e materiais utilizados na confecção dos mesmos, acabamento em

armas e armaduras, jóias e outros. Também serão avaliados neste critério, soluções para a

caracterização do personagem, como maquiagem, perucas, enchimentos e outros “efeitos

especiais”.

· Para o critério de julgamento da categoria “escolha do público” os juízes são instruídos a

julgar o quanto à apresentação empolgou o público. O desempate será decidido nas palmas.

· O quesito “conjunto da obra” será julgado da maneira tradicional dos concursos de

cosplay, avaliando a fidelidade tanto da roupa quanto da interpretação, usando-se a criatividade

como critério de desempate.

· Em caso de empate nas notas finais dos primeiros colocados e sujeitos a premiação, irá

prevalecer aquela com menor desvio-padrão. Se ainda assim ocorrer empate, os juízes e o

coordenador do concurso realizarão uma votação.

· Além de julgar o concurso os juízes irão se reunir antes do concurso, para receber

instruções detalhadas sobre o procedimento e os critérios de julgamento, e irão se reunir após o

concurso, para analisar o cálculo das notas, julgar casos especiais e assinar um documento

declarando estarem de acordo com os resultados finais do concurso.

· Casos omissos ou que não constarem neste corpo de regras serão julgados pelo

coordenador do concurso de cosplay.

19 Disponível em <http://www.animecentereventos.com.br/cosplay.htm>. Acesso em: 29 out. 2007.

Page 63: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Figura 3 - Cosplay do personagem principal do filme “O Máskara”

O evento considerado o mais importante para competição de cosplayers é o World

Cosplay Summit (WCS), que em 2006 teve pela primeira vez uma etapa para

classificação de duplas no Brasil. Os irmãos Mônica e Maurício Somenzari Leite Olivas

foram os ganhadores da etapa no Brasil e também da final no Japão. Vestidos dos anjos

Rosiel e Alexiel do anime Angel Sanctuary, eles ensaiaram diariamente, tendo aulas de

kung-fu, treinando as falas em japonês e despendendo trinta dias na confecção de seis

asas de aproximadamente 1,50m de altura feita de penas. Esses jovens não são

japoneses nem descendentes, e isso exemplifica bem a popularização com que a cultura

pop japonesa atingiu o público brasileiro.

Os cosplayers não necessariamente têm que competir. Eles podem optar por

simplesmente se vestirem como os personagens e freqüentarem os eventos. Com o

passar do tempo, fazer cosplay deixou de ser exclusividade de personagens de mangás e

animes e começou a estender a filmes, desenhos, vídeo-games, entre outros, sem

importar a origem étnica dos mesmos.

3. 1 – EVENTOS E COSPLAY: MÁSCARAS DA REALIDADE

Rabelais é considerado por Bakhtin um dos autores mais democráticos do

Renascimento e valoriza o caráter popular de sua obra literária ao se aproximar das

fontes populares. O meu intuito ao utilizar esta obra de Bakhtin é mostrar possíveis

paralelos entre os festivais carnavalescos da cultura cômica popular na Idade Média e no

Renascimento, e os eventos que acontecem atualmente, para então entender um pouco

mais esse espaço criado, no qual o cosplay é aceito como parte desta realidade.

Reconhecer algumas semelhanças entre o carnaval da Idade Média e os encontros de

aficionados por anime e mangá é algo delicado, pois trata de períodos singulares com

culturas totalmente distintas, porém esse recurso de recorrer ao passado é colocado de

modo a auxiliar na compreensão de aspectos atuais.

Page 64: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

As festas e festividades foram sempre comuns na civilização humana, sendo

marcadas por um momento sóciohistóricocultural. Para Bakhtin, as festas são apenas

denominadas assim se estiverem vinculadas ao mundo dos ideais. Outra característica é

que os festivais têm locais e horários determinados e estão ligados a momentos de crise

e/ou transtorno.

Os festejos de carnaval eram importantes para o homem medieval e traziam uma

visão de mundo diferente do culto e das cerimônias oficiais que estavam relacionadas à

Igreja ou ao Estado feudal. Estas festas oficiais iam contra a natureza do sentido de festa,

e se caracterizava por ter uma visão acabada, imutável e séria.

Para o homem da Idade Média, com o regime de classes e do Estado, as

manifestações cômicas possuíam caráter não-oficial e adquiriam o sentido de cultura

popular. Neste aspecto, os ritos e espetáculos cômicos faziam parte da vida cotidiana de

uma parte da população e não estavam presos a dogmas religiosos e nem possuíam

qualquer aspecto mágico. O carnaval dessa época representava uma forma diferente de

ser, com características próprias, marcadas por uma forma de expressão dinâmica,

flutuante e sem as verdades que imperavam as relações daquele período. Não havia

hierarquias, regras ou tabus. Na época do regime feudal na Idade Média, as festas de

carnaval representavam uma outra forma de viver, que se expressava como um “reino

utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância” (Bakhtin, 1996, p. 8).

Huizinga (2001) relata as semelhanças existentes entre festa e o jogo. Para ele:

ambos implicam uma eliminação da vida quotidiana. Em ambos predominam a alegria, embora não necessariamente, pois também a festa pode ser séria. Ambos são limitados no tempo e no espaço. Em ambos encontramos uma combinação de regras estritas com a mais autêntica liberdade. Em resumo, a festa e o jogo têm em comum suas características principais. (HUIZINGA, 2001, p. 25)

O caráter de não-oficialidade também marca o evento voltado para os interessados

em animes e mangás. Eles criam esse lugar, tal como no carnaval da Idade Média, em

que todos os participantes, vestidos ou não como personagens, vivem aquele momento

como uma mescla entre realidade e “arte”. Há a vivência de algo que pode ser

considerado tanto fictício como parte da vida real e isso é compartilhado por aqueles que

lá estão. Lembro de um episódio narrado por Velho (1999) de uma situação ocorrida em

1970 na qual um senhor teria incorporado “preto-velho” e estava dando conselhos ou

orientações a alguns transeuntes. Este autor observou a interação das pessoas e de certa

forma, como no evento do Anime Center o qual relatei minha primeira visita, praticamente

todos os que ali estavam “atuaram dentro e um sistema compartilhado de crenças e

Page 65: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

valores. Mesmo admitindo uma certa variação individual, o comportamento e a atitude dos

participantes apresentavam notável homogeneidade” (Velho, 1999, p. 17).

Esses encontros proporcionam, tanto nos carnavais da Idade Média quanto nos

eventos de fãs da cultura japonesa, a formação de um tipo especial de relação, com a

criação de novos vocabulários e gestos que passam a constituir uma linguagem

característica desse grupo ou situação, sem o peso de regras e etiquetas normalmente

seguidas. Bakhtin (1996) coloca que essa nova forma de comunicação proporcionada

pela aproximação entre as pessoas acontece quando, por exemplo, duas pessoas com

afinidades, estabelecem uma relação de amizade. Elas criam uma forma de comunicar

entre elas, evidenciadas seja pela adoção de apelidos ou comportamentos menos polidos.

Em uma entrevista com um dos organizadores do Anime Friends, Takashi Tikasawa

responde o que ele acredita ser uma diferença entre o público brasileiro e o de outros

países que freqüentam este tipo de evento. Para ele “O público japonês não faz amizades

como o do Brasil. Os otakus japoneses compram produtos, tiram milhares de fotos e vão

embora. Não há interação. No Brasil é diferente. Tudo é uma grande festa” (Tikasawa

apud Del Greco, 2005, p. 34).

Porém esse encontro que se estabelece entre semelhantes que tem um contato

concreto e vivo nos eventos de mangá e anime se diferencia do carnaval popular de praça

pública na Idade Média por não ter o “caráter universal”. Esse fato é corroborado por

conta da restrição da acessibilidade para dele participar. Os ingressos custam em torno

de dez reais, o que evidencia uma distinção econômica, deixando de existir a

universalidade, pois como foi dito, não se consegue atingir todas as pessoas.

A aproximação com as formas do espetáculo teatral aparece tanto no carnaval na

Idade Média quanto em eventos de anime e mangá, podendo ser mais especificamente

considerados no próprio cosplay, pois há a representação e um aspecto “fantasioso” que

é partilhado. Nas palavras de Bakhtin (1996, p. 6) “ele [o carnaval] se situa nas fronteiras

entre a arte e a vida. Na realidade, é a própria vida apresentada com os elementos

característicos da representação”. Neste período “por um certo tempo o jogo se

transforma em vida real” (Ibid., p.7). É como se houvesse uma segunda vida.

Perguntei ao grupo de cosplayers se fazer cosplay tem semelhanças com a

apresentação teatral. Segundo eles:

- Talita - Não existe uma diferença. - Márcia - É a mesma coisa - Facilitador - Mas eu não posso dizer que cosplay é um teatro? - Talita – Na parte da apresentação sim. - Márcia - É um teatro, só que você monta aquele seu teatrinho, mas baseado naquele personagem que já existe. Não é que como no teatro que você cria um personagem. Ali

Page 66: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

você dá vida a um personagem, fora da tela ou fora da página do mangá. O barato é isto: você pega alguma coisa que já existe. - Talita - Você pode até criar novas falas, novas coisas, mas você tem que seguir algo que já está ali.

Apesar de concordarem com essa semelhança, percebi ao longo dos encontros,

que a escolha do personagem, baseada na identificação, seria algo característico do

cosplay, do qual falarei posteriormente.

O jogo, na concepção de Huizinga (2001), é útil para entender essa brincadeira.

Este autor revela sua crescente crença de que a origem e desenvolvimento da civilização

se dão pelo/no jogo e defende que a cultura tem um caráter lúdico, do qual o jogo faz

parte. Deve-se estar atento que na maioria das línguas européias o jogo e o brincar são

designados por uma mesma palavra, porém em português há uma distinção, exigindo

uma escolha entre essas duas possibilidades.

O jogo, para este autor, é uma atividade que possui um fator significante, que

envolve prazer, paixão, divertimento, e não pode ser explicada simplesmente pela via

biológica. Também não traz um elemento racional, pois os animais jogam. O jogo como o

autor coloca é uma abstração, uma realidade autônoma. Ele abrange desde brincadeiras

simples, como nos animais, de morder a orelha sem ferir, até formas mais complexas.

Então, ele não se restringe a algo psicológico, biológico ou material, e sim possui uma

função significante, dando um sentido a ação, ou seja, há “um elemento não material em

sua própria essência” (Huizinga, 2001, p. 4).

Considero o cosplay como uma forma de jogo presente nesses encontros. Assim,

conforme Huizinga (2001), as principais características do jogo que agora serão

relacionadas ao próprio “cosplay” são as de que:

1) Trata-se de uma atividade voluntária que pode ser suspensa a qualquer momento.

A obrigatoriedade pode surgir caso tenha função cultural;

2) Não faz parte da “realidade”, sendo que a pessoa tem consciência de que aquilo

não é “real”, marcado por ser temporário. Qualquer jogo pode envolver por completo a

pessoa. Ele é desinteressado, isto é, não faz parte do dia-a-dia, sua satisfação provem da

realização desta, é temporário, tendo papel importante na vida como um todo. Quando o

jogo começa a fazer parte da cultura, ele não deixa de ser desinteressado, pois não está

relacionado a algo material ou biológico, fazendo parte da manutenção do grupo social;

3) Respeita certos limites quanto ao tempo e espaço. Quanto ao tempo, se fixa como

fenômeno cultural, pode se tornar uma tradição. Tem a capacidade de se repetir e pode

Page 67: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

haver alternância. Em relação ao espaço, o limite pode ser “material ou imaginária,

deliberada ou espontânea” (Huizinga, 2001, p. 13);

4) O jogo cria ordem, “Introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo uma

perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a menor

desobediência a esta ‘estraga o jogo’, privando-o de seu caráter próprio e de todo e

qualquer valor” (idem). Além de satisfação, se caracteriza pelo ritmo e harmonia. No jogo

a tensão está presente, sendo esta entendida como incerteza ou acaso.

Ao falar sobre a mascarada, Huizinga (2001, p. 16) afirma ser esse o momento mais

“extra-ordinário” que o jogo pode alcançar:

O indivíduo disfarçado ou mascarado desempenha um papel como se fosse outra pessoa, ou melhor, é outra pessoa. Os terrores da infância, a alegria esfuziante, a fantasia mística e os rituais sagrados encontram-se inextricavelmente misturados nesse estranho mundo do disfarce e da máscara.

A mascarada então possui características muito próximas do cosplay. O jogo, ao

“representar” alguma coisa, é entendido como a exposição de algo da característica da

pessoa. Quando um jovem, por exemplo, finge ser um personagem, ele sente prazer,

incorpora o personagem, age como se fosse ele, e transmite algo dele naquela

representação, porém sem deixar de perceber que aquilo se trata de uma construção,

imaginação.

O cosplay é então, de certa forma, uma máscara e tal como ela, na visão popular e

carnavalesca:

traduz a alegria das alternâncias e das reencarnações, a alegre relatividade, a alegre negação da identidade [vista como algo fixo] e do sentido único, a negação da coincidência estúpida consigo mesmo; a máscara é a expressão das transferências, das metamorfoses, das violações das fronteiras naturais, da ridicularização, dos apelidos; a máscara encarna o princípio de jogo da vida, está baseada numa peculiar inter-relação da realidade e da imagem, característica das formas mais antigas dos ritos e espetáculos. (BAKHTIN, 1996, p. 35).

Esse aspecto está relacionado com a idéia de identidade que será discutida no

penúltimo capítulo deste trabalho que, do mesmo modo que a máscara, possui inúmeras

possibilidades de ser. A identidade apresenta esse caráter de se metamorfizar, também

remetendo ao sentido de virtualização de Lévy (1996) que trata da diluição das fronteiras

existentes. Ao comparar a máscara com a identidade e a relação delas com o consumo,

pode-se pressupor que neste caso a máscara não é usada no sentido de esconder algo,

Page 68: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

mas o de revelar quem a pessoa é; utilizando para isso, objetos que nos classificam pelo

olhar.

Pode-se dizer, então, que a fantasia ou máscara marca um efeito presente hoje,

que é o da transitoriedade de identidades. Canevacci (2001, p. 139), ao falar de máscara

a coloca como possibilidade de ser um outro, “seja em relação à temporalidade, para

impedir a decadência da própria imagem e realizar o outro grande desejo, ser imutável e

indestrutível”.

Uma outra expressão usada para o ato de fantasiar é o “avatar”, usado no mundo

cibernético ao criar um personagem. Dentro de uma concepção apontada por Machado

(2002), se trata de uma “máscara” utilizada para criar uma identidade. O termo “avatar”

tem sua origem na mitologia hindu que, segundo Machado (2002, p. 7-8), “designava o

corpo temporário utilizado por um deus quando visitava a Terra. O antigo termo sânscrito

avatara significava, ao pé da letra, ‘passagem para baixo’”. Em um jogo da internet

chamado “Second Life”, a pessoa pode criar um avatar, isto é, montar um personagem

que gostaria de ser neste universo virtual. Pode-se escolher o tipo físico, a cor da pele,

profissão e, assim, viver essa “segunda vida”. Sobre este novo mundo virtual que vem

atraindo pessoas do mundo todo, foi apresentada uma dissertação pela Perissé (2007) a

qual discute essa outra possibilidade de ser na atualidade.

3.2 - BRINCANDO DE FAZ DE CONTA

Para melhor entender o processo de desenvolvimento do interesse em fazer cosplay,

solicitei ao grupo de cosplayers que, inicialmente, me contassem como foi o primeiro

contato com os eventos. Todos responderam que foram convidados por amigos e essa

informação é importante, pois mostra que a socialização é algo marcante desde o

princípio.

Pensando agora na etapa de escolha do personagem, propus uma dinâmica para o

grupo na qual os participantes deveriam imaginar que tinham acordado vestidos como um

personagem que já fizeram ou gostaria de fazer cosplay, e respondessem algumas

questões que estarão expostas nas transcrições dos trechos abaixo. Usei uma história

para apreender melhor esse processo, pois “É sabido que nem sempre a melhor

articulação a respeito da compreensão do outro e de nossa autocompreensão é feita pelo

discurso racional, acadêmico. Talvez seja possível fazê-lo através de um romance ou de

um filme” (Taylor apud Mattos, 2006, p. 38).

Page 69: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Figura 4 - Shin do mangá Nana

Os depoimentos destacados de cada um dos participantes têm como objetivo

permitir a melhor visualização de como a identificação com o personagem se desenvolve.

Como a identidade é uma questão que perpassa todas as declarações, o capítulo

seguinte foi necessário para aprofundar esse tópico.

Por conta dos mangás e animes não serem conhecidos pela maioria das pessoas,

juntamente ao relato de cada participante da vivência da situação proposta, solicitei que

eles contassem um pouco da história do personagem escolhido.

Foi difícil para os participantes imaginarem apenas um personagem, apresentando

na maioria das vezes uns dois ou três. Porém, em alguns deles, o relato se concentrou

em um dos personagens, e nestes casos, a apresentação do mangá/anime se restringiu a

este, especificamente.

A seguir, exponho o jovem entrevistado, o respectivo personagem ao qual gostaria

de fazer cosplay e o relato, propriamente dito.

1) Renato

Personagem principal escolhido: Shin do mangá de Nana20

- Renato - Quem eu estava pensando primeiro. Eu primeiro pensei no meu cosplay de Raito, mas eu sempre quis fazer o meu cosplay de alguém de Nana... Mas eu fiz o cosplay de Raito, porque eu gosto dele também, mas porque era mais fácil por causa das roupas e tal. Mas o que eu queria mesmo é fazer o Shin. Aí eu imaginei, acordando com o cosplay de Shin, porque além de ser cosplay de anime e mangá, ele tá ligado ao visual também porque é de banda, ele é todo estilozinho. Eu acho que mudaria o jeito de eu agir, porque eu me empolgo muito, então... E eu adoro e eu tenho essa expressão corporal, mais caricatural, então com certeza eu ia tentar o jeito dele agir dele, todo coisinha. - Facilitador - Que características dele você adquiria para você? - Renato - Eu acho que basicamente a expressão corporal e o jeito. Ele tem um jeito mais bonequinho, fofinho. - Facilitador - Como é esse personagem? Descreva. Como você vê ele? Qual a história? - Talita - Posso descrever? Eu sei! - Renato - É um mangá sobre bandas, duas bandas. E daí os integrantes das bandas... Acontecem vários relacionamentos, é aquela coisa tipo de cotidiano. O personagem tem... - Talita - 15 anos - Renato - Ele se relaciona no meio de pessoas mais velhas. Ele toca baixo numa das bandas, da personagem principal, que é ela [aponta para Márcia que está vestida como Nana]. E ele tem um jeitinho... Ele é meigo. - Talita - Ele tem muita história por trás. Ele não sabe quem é o pai dele, pois o cara que disseram que era o pai dele, não é o pai dele. Então ele tem certeza que a mãe traiu o pai dele.

20 O mangá conta a história de duas mulheres de 20 anos que tem o mesmo nome, Nana, e acabam se conhecendo quando se mudavam para Tokyo. Porém, apesar dessas similaridades, ambas tem personalidades muito diferentes. Seu autor é o mangaka Ai Yazawa.

O mangá trata de relações amorosas, os diferentes modos de se relacionar, a busca por um objetivo de vida e do conhecimento de si mesmo.

Este mangá não foi lançado no Brasil, sendo o acesso proveniente da internet. As páginas são scaneadas e, muitas delas, estão em outras línguas, como no inglês.

Page 70: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

- Renato - Ele é uma pessoa complexada...Ele sempre tenta agir de um jeito bem positivo. Ele está sempre feliz. - Talita - Ele tem todo esse passado, ele fugiu de casa. A primeira aparição dele, ele é uma pessoa todo normal, blusa listrada, cabelo normal. No segundo apareceu com cabelo azul. No terceiro ele aparece com um piercing aqui, outro aqui. Você vai vendo toda a evolução. - Facilitador - O que te chamou a atenção? Por que escolher esse personagem? - Renato - Eu acho ele o mais legal da história. Eu acho ele o mais estiloso, porque ele tem um jeitinho mais divertido. - Facilitador - E essa história? - Renato - Acho que a história não influenciou tanto na escolha. Eu gosto da personalidade, do jeito, mais do que a história da vida dele em si. - Facilitador - Tem alguma coisa característica negativa do personagem que você mudaria? - Renato - Acho que não. - Márcia - É uma confluência quando você escolhe um personagem. Tem a história, tem o visual e tem um pouco da personalidade. Você tem que no mínimo se simpatizar com ele. - Facilitador - Esse “ser estiloso” é uma característica que você vê em você? [pergunto para o Renato]. - Renato - Ah ham [sim]. - Facilitador - Tem uma característica dele que você queria ter em você? - Renato - Eu gosto do visual dele. Eu gostaria de ter um guarda roupas tão legal.

2) Márcia

Personagem principal escolhido: Nataku do mangá/anime Soul Hunter21

- Márcia - Quando você falou, o primeiro personagem que pensei foi a Nana por estar vestida que nem ela, mas na verdade logo depois eu pensei em outro personagem e ele não saiu da cabeça, que é o Nazza, Nataku, na verdade, o nome original japonês que é de um anime Soul Hunter, que é o próximo cosplay que eu estou pensando em fazer. Seria estranho acordar com a roupa dele e ter que passar o dia todo assim, porque não é um anime de cotidiano, é um desses animes bem fantasiosos. Então a roupa dele é daquelas bem esfalapabéticas, bem bizarras. Tipo: braceletes enormes, um troço enorme na perna também, um troço na testa de ferro assim [cobrindo a testa]... Aí eu fiquei tentando imaginar ficar um dia inteiro com ele e eu com certeza mudaria minha forma de agir. Ele é aquele personagem cool; ele é um cara caladão, tipo sem expressão. E é um cara que sempre acontece as coisas mais esdrúxulas com ele, justamente porque ele é um cara sério. Na verdade o nome do anime é Senkai Den Houshin Engi, mas foi traduzido como Soul Hunter. É mais ou menos assim: se passa na China feudal e têm absurdos... Tem tecnologias juntas. É meio atemporal. Aí tem um mago, que é o personagem principal, Taikun, que ele caça as almas dos espíritos maus que fugiram do confinamento dele. Aí ele tem que recapturar essas almas. Aí ele encontra vários personagens nessa jornada dele, como normalmente acontece em todos os animes, para desenrolar a história. E o primeiro personagem que ele encontra é esse cara, que ele na verdade, é um andróide. Ele não é uma pessoa. Ele nasceu de uma flor de lótus. Aí ele não tem muita expressão, justamente por causa disso, ele é um andróide, só que ele é muito fofo. Ele morava numa aldeia quando se encontra com esse personagem. Ele morava numa aldeia com pessoas simples e ele é todo sinistro, com bracelete e ele começa a andar com o Taikun para ajudar na missão dele e eles se tornam amigos.

- Facilitador - O que te atraiu nele? - Márcia - Esse personagem eu sempre achei ele muito legal. Eu gosto do visual dele. Eu acho ele muito fofo. Eu acho ele legal mesmo. Ele tem umas tiradas muito legais no anime. Ele não tem expressão no rosto, mas assim, tá todo mundo conversando, aí alguém fala uma besteira, ele só vira e [levantado o braço] e ele atira na pessoa, porque os braceletes saem. As pessoas ficam com medo dele. Todo mundo fica sacaneando ele. - Facilitador - Você se identifica com ele?

21 Criado por Ryo Fujisaki, é um mangá publicado pela editora japonesa Jump em 1999, tendo 23 volumes, publicados ao longo de quatro anos. Este mangá trata da saga de um mágico que visa acabar com os espíritos malignos com a missão de salvar um imperador.

Page 71: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Figura 8 - Kaname do Vampire Knight

Figura 7 - Tamaki do mangá Ouran High School Host Club

- Márcia - Não exatamente. Eu me acho muito escandalosa e bem mais expressiva, mas gosto dele. Eu acho assim, se eu não fosse como eu sou, eu seria como ele. - Facilitador - Então isso de brincar de ser... - Márcia - Com certeza. Eu ia passar o dia inteiro muito feliz fingindo ser ele. - Facilitador - Você traria algumas características dele para você? - Márcia - Provavelmente sim. Algumas vezes desse tipo de personagem, não só dele... Tem vários personagens parecidos com ele. Desse tipo de personagem eu tiro uma coisa: que muitas vezes é melhor você ficar calada. Eu perco muita dessas oportunidades de ficar calada. Com certeza eu traria isso.

3)Talita

Personagens principais escolhidos:

- Renge do mangá Ouran High School Host Club22

- Tamaki Suou do mangá Ouran High School Host

Club

- Kaname do Vampire Knight23

- Talita - Eu pensei em três personagens diferentes e lembrei da Renge. Ela é a

otaku. Talvez porque a gente estava falando de otaku agora a pouco. Ela tem aquelas risadas escandalosas. Ela chama atenção. Ela entra e todo mundo tem que parar para olhar para ela. Ela sempre aparece com roupas malucas. As pessoas perguntam: “O que você está fazendo?” “Tô fazendo cosplay!” [fala da personagem respondendo]. Ela faz cosplay no meio do desenho. Eu nem gosto

dela, sabe?! Mas ela é muito paranóica. Depois fiquei...Não! Eu prefiro me identificar com outra pessoa, eu lembrei do Tamaki, que era assim... Eu vou fazer o cosplay dele, porque ele é o cara perfeito. Ele se acha; é o gostoso. Ele é idiota. [...] Eu acho bem legal, eu me divirto com ele. Ainda tem outro. Não sei por que eu lembrei do Kaname do Vampire Knight. Ele é o oposto dos outros dois. Ele é quieto, calado. Ele é vampiro. Ele é superior. É um vampiro de raça pura. Ele não tem nada a ver com os outros. Eu me identifico muito com ele. O jeito dele. Talvez porque os opostos se atraem. Esse, ao contrário, dos outros, não tem nada em comum. - Facilitador - E os outros tem algo em comum com você? - Talita - É... Eu acho que eu sou escandalosa. Eu acho que quanto mais parecido mais afinidade. Você tem de se manter fiel ao personagem. - Facilitador - E é isso que te chamou atenção nos personagens? - Talita – É. Uns por serem iguais e outro por ser um desafio, porque ele é tudo que eu não

sou. - Facilitador - Você pegaria alguma característica deles para você?

22 Mangá criado por Bisto Hatori. A história fala do Colégio Ouran, onde estudam pessoas ricas e de prestígio. O Clube dos Anfitriões foi criado por alguns meninos de boa aparência no qual a satisfação das garotas tornou-se um negócio. Tamaki, fundador do Clube, quer ser o centro das atenções. Renge é uma otaku no mangá e se declara gerente do Clube. 23 Neste mangá a história se passa numa época onde havia vampiros. Com o objetivo de que os vampiros e os humanos consigam conviver pacificamente, o diretor Cross cria a Classe do Dia e a Classe da Noite. Há regras rígidas: os vampiros, que são da turma da noite não podem revelar sua identidade e não podem sugar sangue. Kaname é um vampiro de “puro sangue”, pois em sua família não houve mistura com humanos. Por ser de puro sangue ele tem o poder de transformar humanos em vampiros. Kaname participa da turma da noite e aceita participar da escola, pois vê neste projeto uma esperança de quebrar séculos de preconceito e violência.

Figura 5 - Nataku do mangá Soul Hunter

Figura 6 - Renge do mangá Ouran High School Host Club

Page 72: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Figura 9 - Yuki Souma do mangá Fruits

Basket

- Talita - Da primeira [personagem] com certeza não. Ela é o pesadelo de qualquer um. Do Tamaki talvez sim. É o jeito de tratar as pessoas, todo educado. Do Kaname, acho que com certeza eu acharia alguma coisa dele.

4) Mônica

Personagem principal escolhido: Yuki Souma do mangá Fruits

Basket24. A seguir mais detalhes sobre ele, expostos pela pessoa

que o escolheu:

- Mônica - Eu na verdade pensei no próximo cosplay que eu pretendo fazer que é a Pink. Mas na verdade eu nem gosto muito da Pink, eu pensei nela por causa da roupa dela mesmo. Parece uma roupa que eu usaria. Ela usa duas chuquinhas, ela usa um shortinho, uma botinha, ela usa um coletinho por cima da blusa dela. E eu gosto muito do colete. Mas eu fiquei mais por causa da roupa dela. Mas sempre que fala de personagem que eu me identifico, eu sempre penso no Yuki, do Fruits Basket. Assim, olhando por fora, não tem nada a ver. Mas eu conheço, quando eu leio, ele tem sim. Ele é mais caladão que eu. Mas a história base é muito parecida comigo. Ele... A auto-estima dele era muito baixa, ele era muito inseguro. E ao longo do mangá ele vai melhorando, ele vai ficando mais confiante dele mesmo, mais alegre, coisa e tal. E eu me identifico, pois eu era muito assim. Quando eu era nova eu era muito tímida, eu me achava horrorosa, um patinho feio e, ao longo dos anos, eu fui tomando mais auto-confiança. Ah! Eu não sou tão ruim assim. Vou dar uma

ajeitadinha. Comecei a falar mais piadas e tal. A me soltar mais. - Facilitador - Você leu esse mangá depois de tudo isso ou foi durante? - Mônica - Não. Foi mais depois, mas eu vi nele alguma coisa que tinha acontecido em mim. Aí eu me identifiquei. Apesar de hoje em dia, apesar de ter mais auto-confiança, eu sou um pouco insegura. E também porque ele tem uma aparência muito andrógena e eu também. Então, várias vezes eu tô com cabelo solto e com uma blusa que não dá pra ver muito o meu peito, as pessoas acham que sou um garoto. E eles sempre acham que ele é uma garota e eu me identifico com ele nessa parte. [...] - Mônica - Eu me identifiquei com ele. Quando fala em personagem eu penso nele. - Facilitador - Você, então, não agiria diferente do que você é. - Mônica - Não. Talvez se tivesse com cabelo prata eu mexeria mais no cabelo. Acho que se fosse para ter uma das características dele, se eu quisesse ter, é a inteligência dele. - Facilitador - E tem alguma característica que você mudaria nele? - Mônica - Eu... Não sei porque ele evoluiu tanto ao longo do mangá. Não tem nada nele que me irrite. Talvez ele pudesse ser um pouco mais espontâneo, mais solto.

24 É um mangá escrito por Natsuki Takaya. Ele foi lançado em 2001 no Japão, e em 2004 foi transformado em um anime com 26 episódios. Neste mesmo ano ele foi considerado o shojo mangá mais vendido nos EUA.

O nome dado ao mangá, “Fruits Basket” se refere a uma brincadeira na qual a cada pessoa é atribuído um nome de uma fruta e o objetivo é achar o par. No mangá, a história não trata de frutas, mas sim de uma maldição na qual algumas pessoas de uma família se transformam nos animais do horóscopo chinês ao serem abraçados por pessoas do sexo oposto. A relação com o jogo “Fruits Basket” é que o grande desafio dessas pessoas amaldiçoadas é permitirem encontrar seus pares [companheiros], pois muitos deles levam consigo o sentimento de rejeição de seus familiares. Yuki Souma é o personagem que se transforma em rato quando abraçado por uma mulher. É inteligente, mas muito calado, não fala de sua intimidade. Disponível no site: <http://mangasjbc.uol.com.br/fruitsbasket/interna.php?secao=manga>. Acesso em: 02 nov. 2007.

Page 73: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Figura 10 - Kaname do mangá Vampire Knight

5) André

Personagem principal escolhido: Kaname do mangá Vampire Knight

- André - Quando você falou, eu pensei no Kaname, que é o próximo cosplay que eu quero fazer que, por acaso, ela [Talita] também pensou. Ele é exatamente o que eu não sou. Ele é sério, tem um jeito refinado. É basicamente isso que me atraiu nele. É o que eu não sou. Eu acho que se eu vestisse a roupa dele, eu acho que não ia mudar em tudo. - Facilitador - O que você adquiria para você? - André - Eu aprenderia algumas coisas como: às vezes é bom ser sério, e deixar de falar algumas coisas.

- Renato - Se eu usasse a roupa do Kaname eu ia me sentir tão poderoso que eu ia ter que agir com aquele jeito elegante dele. A roupa dele pede isso. - André - Jeito elegante a gente pega, mas eu não ficaria tão sério. Porque eu era muito sério. Acho que todo mundo aqui pelo jeito começou com aquela fase tímida e foi se soltando. Agora sou escandaloso do jeito que eu sou.

No site Cosplay Brasil coloquei duas perguntas relacionadas a esse processo de

identificação com os personagens para realização do cosplay. A primeira foi: “Como é

feita a escolha do personagem?”. Selecionei duas respostas para exemplificar o que foi

por eles colocado:

Nadia - Eu escolho o meu personagem qdo vejo que suas caracteristicas são parecidas com as minhas, e quando sei que irei ficar bem nele. Hoje tenho muitos amigos cosplayers e posso garantir que é uma emoção sem igual. Marcelo - Normalmente escolho o personagem porque gosto do jeito dele, não ligo muito pra complexidade da roupa, se eu gosto da personalidade do personagem tento fazê-lo... ^^... afinal o que vale é se divertir, e não parecer APENAS bonitinho... ^^... mas é claro, essa opinião varia entre os cosplayers, cada um com seu critério de escolha.

Em seguida perguntei se as “características parecidas” são relacionadas a

aspectos físicos ou seriam relativas ao comportamento.

Nadia - Bom eu procuro personagens parecidos comigo nas duas formas: comportamento e físicas. E há sim algumas características de comportamento nas quais eu realmente procuro me espelhar. Marcelo - Normalmente são características que eu tenho, não digo características físicas (até porque é difícil encontrar um personagem que tenha minhas características), mas sim no jeitinho dele ser, assim não preciso me esforçar tanto pra interpretá-lo, por exemplo: não consigo fazer personagens muito sérios, até poruqe gosto muito de rir e por qualquer besteirinha estou dando risada... rs. Então me identifico mais com personagens mais alegres e agitados... ^^... mas nada me impede de fazer cosplay de um personagem sério, se eu gostar eu faço... ^^

Page 74: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Tanto no site quanto no encontro com os cosplayers “ao vivo”, se pode notar que

eleger qual personagem gostariam (gostam) de fazer cosplay, está relacionado a uma

identificação, que pode ser pela história, personalidade ou vestimenta. Algumas dessas

características são as que eles têm de parecido, outras são opostas, mas que gostariam

de ter.

O fato de se identificar com um personagem do sexo oposto não é impedimento para

realização do cosplay. No caso das mulheres se vestirem como homens não há problema,

mas o inverso não é visto com tanta naturalidade.

Contudo, no processo de elaboração de um cosplay, selecionar um personagem é

apenas uma etapa. Depois disso, as pessoas se deparam com o próximo passo, que é

torná-lo real. “Dar vida ao personagem” envolve não apenas interpretá-lo, mas também

preparar uma fantasia real. A maioria dos participantes do grupo já fez mais de três

cosplayers e pretendem fazer mais, sendo a troca de experiência entre os cosplayers uma

das características que mais me chamou a atenção. Durante os eventos ou até mesmo

nos fóruns virtuais, muitos cosplayers (no grupo isso acontece com todos) costumam

compartilhar informações sobre a forma de elaboração da vestimenta e acessórios, dando

dicas e sugestões. Afora as perucas, que podem ser adquiridas prontas, a maioria das

peças que compõem o personagem precisa ser construída. O processo de formação de

uma fantasia pode ser muito demorado, dependendo da complexidade da roupa e do

dinheiro disponível, e envolve várias atividades, tais como: escolha do tecido mais

adequado ao movimento que o personagem realiza; pesquisa de preços e de materiais

mais baratos para confecção do cosplay (normalmente não possuem muita renda para

isso), distribuindo o orçamento para conseguir montar a fantasia completa;

desenvolvimento de habilidades no uso da cola quente e corte e costura para a

montagem da fantasia e dos adereços, e criatividade em coordenar todas essas etapas a

tempo para um evento. Em alguns casos, eles desenham a roupa e compram o material,

sendo a costura encaminhada a um profissional.

Uma das dúvidas que eu tive é se a roupa tinha que ser, necessariamente, idêntica

ao do personagem. Eles responderam o seguinte:

- Mônica – Eu acho legal quando a pessoa dá uma adaptada às vezes. [...] - Márcia – Eu acho que tem adaptações que são muito válidas. É como se você falasse assim: Tem cosplays que você consegue botar fielmente o que seria o ideal e tem cosplays que não dá. Se fosse colocar na vida real, seria assim. E é uma adaptação super válida. - Talita – E tem gente que assim... Inclusive fala assim: “Eu já fiz [cosplay] de tal personagem na vida real”. [...]. Eu já vi [cosplay] do rei do Evangelion. Ela [a personagem]

Page 75: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

tem um cabelo azul. Aí ela [a cosplayer] tem um cabelo idêntico só que castanho. [Não usou a peruca] E ficou muito bom. E o azul é peruca... Todo mundo olha e vê que é peruca. - Renato – Tem gente que pinta o cabelo.

A dificuldade em montar uma fantasia vai depender, então, do personagem

escolhido. Muitas vezes são roupas do cotidiano e que não precisam de muita

elaboração. Nesses casos no qual a roupa é simples, há a possibilidade dessas pessoas

fazerem um “cosplay de armário”. O que seria isso? Seria aquele cosplay de improviso,

que utiliza o que se tem em casa, e que normalmente não se gasta nada para fazer.

Cosplay de armário não é sinônimo de cosplay ruim; para isso eles utilizam o termo

“cospobre”. Nas palavras de uma das participantes, “Cospobre é aquele cosplay zoado

que você pega qualquer coisa da sua casa e faz”.

Page 76: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

CAPÍTULO IV

JUVENTUDE E IDENTIDADE:

ESSA METAMORFOSE AMBULANTE

A escolha de trabalhar com o grupo jovem para melhor compreensão do fenômeno

“cosplay” advém do fato de ser uma atividade realizada, em sua maior parte, por essa

parte da população. E, além disso, estudar a juventude serve como meio de entendimento

das transformações que estão ocorrendo em nossa sociedade, principalmente porque é

nesta fase que atualmente acometem as maiores contradições tanto em relação à

formação da identidade quanto pelo choque entre estruturas passadas e atuais.

As variações quanto à definição do termo juventude aparece nos trabalhos dos

diferentes profissionais, assim como naqueles que lidam com categorias gerais como

infância e adulto, por exemplo. As diferenças no entendimento acontecem, sobretudo por

ocasião do referencial utilizado. Segundo Groppo (2000) os três termos mais usados

quando se trata de juventude são:

1) Puberdade, derivada das ciências médicas, é relativo às mudanças no corpo;

2) Adolescência, proveniente da psicologia e pedagogia, se refere às alterações na

personalidade e no comportamento durante a passagem para idade adulta;

Page 77: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

3) Juventude, adotada pela sociologia. Trata-se do período marcado pelas

transformações sociais entre a infância e a idade adulta. É a época da socialização

secundária que ocorre através da escola e outras instituições.

Uma definição mais detalhada da juventude a apresenta como:

Uma concepção, representação ou criação simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos tidos como jovens, para significar uma série de comportamentos e atitudes a ela atribuídos. Ao mesmo tempo, é uma situação vivida em comum por certos indivíduos. (GROPPO, 2000, p. 8).

Pensar em juventude, segundo uma visão biológica ou psicológica, conforme

descritas acima, implica em concordar que esta é uma fase entre “a maturidade fisiológica

até a maturidade social” (Castro; Abramovay; Rodriguez, 2004, p. 25), porém, é só olhar

para o cotidiano que se percebem as variedades quanto ao tempo histórico e as maneiras

de vivê-la em cada período. A incoerência decorre porque na modernidade considerava-

se a juventude uma fase preparatória para entrada na vida adulta, mas como categoria

social, ela acaba abrangendo uma série de possibilidades de ser jovem dependendo do

contexto social e cultural que se situe. E é a partir disso que a sociologia e as ciências

políticas contribuíram, mostrando outras perspectivas, o que torna viável se falar hoje em

“juventudes”. Uma das marcas da juventude é a formação de grupos concretos com

símbolos e estilos que se diferenciam de outros, e a criação de uma identidade entre

aqueles que compartilham destes aspectos.

Há autores que apontam para uma continuidade no desenvolvimento, com uma

perspectiva evolucionista, no qual primeiro viria a infância, seguida da adolescência,

depois da juventude, chegando a idade adulta. Também é possível encontrar em alguns

livros a equivalência na definição de adolescência e juventude como época de transição

entre infância e idade adulta. Historicamente, a adolescência foi criada na sociedade

capitalista como período para se preparar para o mercado de trabalho.

O termo a ser adotado neste trabalho é o de juventude, visto como uma construção

do indivíduo situado num momento histórico, social e cultural. Ao empregar este conceito

não se está ignorando as questões biológicas e psicológicas, pois acredito que este

enfoque engloba estes aspectos. Eventualmente empregarei o termo “adolescência” e

suas variações, na mesma perspectiva defendida para o termo “juventude”.

Para reforçar o caminho que estou delineando, ressalto quatro aspectos que vem

acompanhando o imaginário das pessoas e que podem interferir na compreensão,

quando se trata de juventude. Primeiro, ao considerar a juventude um período entre a

infância e a idade adulta, isto não implica que esta fase, assim como a infância, seja

Page 78: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

apenas uma etapa de preparação para alcançar um futuro, no qual ele passará a ser

alguém (adulto), destituindo com isso o presente. A pergunta “o que você vai ser quando

crescer?” seria um indício desse ponto. A partir de 1960, uma outra visão da juventude

começou a repercutir, associando-a a uma idéia de liberdade, de prazer, na qual essa

fase serviria para se experimentar atitudes e sensações novas, sem o peso da

responsabilidade e voltada para busca do prazer. Soma-se a isso os que consideram a

juventude como momento de crise, rebeldia e conflitos com a família e consigo mesmo.

Segundo esta visão, a juventude é aquela que contradiz as idéias dos adultos

simplesmente por capricho, por isso a desqualificação da posição desses jovens. Como

último aspecto, acrescento a idéia de Dayrell (2003) de que hoje existe uma tendência em

reduzir o jovem a uma cultura, que se expressa em determinadas ocasiões ou atividades.

Sem essas pré-concepções é possível entender a juventude não como fase de

transição, mas como um momento em si, importante na vida de uma pessoa, no qual se

passa por transformações no corpo, nas relações e emoções, que terão repercussões ao

longo da vida. Como esse processo está diretamente relacionado ao meio social que o

sujeito se encontra, existem várias formas de ser jovem. O jovem como sujeito social é

um ser em construção que dá sentido a si mesmo e ao que está a sua volta, e “se

constitui como ser biológico, social e cultural, dimensões totalmente interligadas, que se

desenvolvem com base nas relações que estabelece com o outro, no meio social concreto

que se insere” (Dayrell, 2003, p. 43).

O critério etário é usualmente adotado por sociedades ocidentais e orientais para

definir quem é considerado jovem, porém segundo Castro (1998b), essa restrição

referente à categoria baseada na idade é limitada, sendo importante ressaltar a

relatividade deste discernimento diante das diferenças nas representações simbólicas e

valores de acordo com a nacionalidade, gênero, classe social, contexto histórico, etc,

pois, como mencionado anteriormente, existe uma variedade de juventudes. Um fato

que implica numa dificuldade ainda maior em estipular uma faixa etária para definir a

juventude decorre da cultura de massa da sociedade capitalista que, por conta da entrada

de novos elementos houve uma desinstitucionalização da juventude, passando a ter uma

“juvenilização” (Groppo, 2000) da vida. A fase jovem começou a ganhar espaço e é

definida como a melhor etapa a ser vivida. Sob essa nova óptica, “ser jovem” não se

refere mais a uma fase transitória, nem está vinculado a uma idade, mas sim está

relacionado a um “estilo de vida identificado ao bem-estar consumista”, sendo

extremamente almejado hoje em dia. Vianna (1992) corrobora este aspecto em uma das

perspectivas que adota para juventude. Nesta, ela aponta que a:

Page 79: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Juventude é um complexo de representações na mídia, cujos signos e símbolos são manipulados no domínio do consumo e introjetados por cada pessoa, que lhes dá um sentido específico. A pessoa será sempre jovem enquanto estiver existencialmente em formação, atenta à dinâmica do mercado e aberta para as inovações e transformações que se dão no mundo. Juventude está associada a um padrão de beleza e isso envolve um aumento progressivo de cuidados com o corpo, cuidados que, em geral, tendem a atenuar e dissimular a idade sócio-biológica e causar a impressão de vitalidade perene. Além disso, envolve toda uma preocupação em seguir modas de vestuário e praticar certos tipos de atividades. Juventude, então, significa uma "idade mídia", isto é: uma categoria trans-etária, incorporada pela cultura de massa como mito da "eterna juventude", que reforça o estigma da velhice em nossa sociedade.

Mesmo havendo essas limitações, creio que a melhor opção seja adotar a faixa

etária como referência, mas deixo registrado aqui que esta delimitação foi sugerida

visando facilitar a escolha do grupo a ser estudado e por falta de critérios mais precisos.

Como o período que define a juventude varia enormemente, adotarei o limite etário

estipulado pelas Nações Unidas que define a população jovem aquela entre 15 e 24 anos.

O Brasil é o quinto país que possui o maior percentual de jovens, “correspondendo a 50%

da população jovem da América Latina e 80% do Cone Sul. Os 34,1 milhões de jovens

brasileiros, ou 20,1% do total da população brasileira, representam quase que a

população total da Argentina (cerca de 38 milhões)”25.

Pode-se dizer, de uma forma geral, que a faixa etária que corresponde ao jovem foi

ampliada, avançando no que antes era considerado adulto. Isso decorre de mudanças na

sociedade e na cultura, em especial pelo maior tempo de preparação nas escolas devido

ao aumento de exigências para entrada no mercado de trabalho. O período cada vez

maior dedicado ao estudo evidencia a enorme concorrência para conseguir uma boa

oportunidade de emprego, item tão importante na conquista do sucesso. Nos eventos que

reúnem admiradores de mangá e anime, as competições já aparecem e as pessoas

concorrem a prêmios. Porém, alguns competidores chegam a exacerbar as reações com

a concorrência, passando a discutir por conta disso. Dois depoimentos dos participantes

foram selecionados para corroborar esse ponto:

- Mônica - Eu já vi gente brigar porque entrou no grupo de fulano e não no meu grupo, então cortou a amizade. Uma coisa absurda. - Márcia - Outra coisa relativa à briguinha também: Pessoa que faz cosplay de determinado personagem e se acha dono daquele personagem. O que já teve gente se achando dono de determinado personagem... De encontrar no banheiro e falar: “Mas por que você está usando cosplay de tal personagem? Porque o tal personagem eu faço cosplay dele”. Aconteceu com uma amiga nossa, ela estava com o cosplay de Sailor Júpiter. Naquela época havia um único grupo de Sailor Moon. Elas eram as Sailors. Um dia essa amiga fez um cosplay dela [de uma das Sailors, a Sailor Júpiter], tava bonitinho. Foi ao banheiro, começou a se ajeitar... A garota chegou, colocou o dedo na cara dela e falou “Que história é essa de fazer Sailor Júpiter?! Você não vai se apresentar!”. Ela queria que ela não se apresentasse, pois ela era a Sailor Júpiter. Depois disso várias outras historinhas

25 Disponível em <http://www.onu-brasil.org.br/view_news.php?id=4697>. Acesso em: 31 out. 2007.

Page 80: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

4. 1 - GERAÇÃO

Um outro ponto importante de ser abordado ao estudar o fenômeno “cosplay” entre

adolescentes é o tema das gerações. Esse conceito sociológico é uma forma de situação

social que deve ser distinguida dos grupos sociais concretos como foi proposto por

Mannheim (1982). Os grupos sociais concretos seriam as organizações com propósitos

definidos, formados através de laços familiares e/ou de “proximidade” como o “grupo

comunitário”, ou pela vontade como “grupos associativos”.

Na geração, diferentemente do grupo, os membros não conhecem

necessariamente uns aos outros, não precisa haver uma proximidade entre eles e

também não possuem um objetivo ou documentos relativos a uma organização que os

una. A geração, enquanto fenômeno social possui estrutura semelhante à classe social.

Esta se caracteriza por ser uma situação comum vivida por alguns indivíduos diante da

estrutura econômica de poder e, por isso, não advém da vontade das pessoas. Do

mesmo modo, a geração é uma situação comum, mas esta se dá pelo ritmo biológico

humano. Pessoas que nasceram num mesmo ano possuem uma situação comum, com

uma dimensão histórica e social específica, que os diferencia dos demais por estarem

expostos a um modo de vida, estímulos, contextos e modos de pensar específicos

daquele momento. Apesar da base biológica, não está havendo aqui uma redução dos

fenômenos sociológicos a fatos naturais, estes servem apenas como auxílio para

entender o fenômeno como tipo de situação social compartilhado por “grupos etários” em

um processo histórico-social comum. Assim, da mesma forma que a juventude, a

geração pode ser definida pela idade, mas não se reduz a isso.

Porém o fato de nascerem em um mesmo período não garante que seus

constituintes estejam “similarmente situados”, sendo apenas condição para que haja uma

situação comum. Aquela é criada por uma posição de partilhamento de experiências

comuns. Os membros devem coincidir na contemporaneidade cronológica e também

participarem das circunstâncias históricas e sociais.

Outro ponto relevante é que a existência das gerações na vida social implica num

movimento contínuo de surgimento de novas gerações e desaparecimento de outras,

podendo haver transmissão do processo cultural vivido no decorrer desta passagem.

Cabe esclarecer que a herança cultural acumulada é recebida pelo outro diferente da

forma com que foi adquirida, do mesmo modo que acontece com produtos de outros

países. Em nossa sociedade a diferença das gerações tornou-se visível pelo contraste

Page 81: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

proporcionado pela proliferação tecnológica que vinculou a necessidade de um objeto não

mais a sua utilidade, mas sim ao desejo em adquiri-lo, tornando o produto uma marca de

diferença (Canclini, 1999). Como foi discutido no item “virtualização da família” os adultos

como os principais responsáveis pela educação e transmissão dos valores, costumes e

normas para continuidade do mundo, estão, muitas vezes, destituindo desses papéis (até

porque muitos desses conhecimentos são novos para ele também) que,

progressivamente vão sendo ocupados pelos meios eletrônicos, que perpetuam saberes e

modos de ser.

A diferença no modo como os grupos de uma mesma geração reagem diante de

uma mesma experiência é também abordada por Mannheim, sendo nomeada de

unidades de geração. Estas são caracterizadas pela semelhança no modo de pensar dos

seus integrantes. Hoje uma dessas ligações pode estar relacionada ao consumo de certo

produto, pois além de adquirirem o mesmo artigo há também uma adequação quanto ao

valor atribuído a ele. Nas palavras de Mannheim (1982, p. 89) as unidades de geração,

se caracterizam pelo fato de que não envolvem apenas a livre participação de vários indivíduos em um padrão de acontecimento partilhado igualmente por todos (embora interpretado diferentemente por indivíduos diferentes), mas também uma identidade de reações, uma certa afinidade no modo pelo qual todos se relacionam com suas experiências comuns e são formados por elas.

A unidade de geração surge de um encontro entre pessoas, de grupos concretos

que, posteriormente, provocam atitudes integradoras entre aqueles que não formavam o

grupo inicial, ampliando suas concepções que, aos poucos, vão sendo desvinculadas do

grupo de origem.

É viável apontar que uma situação de geração (refere àqueles que partilham do

mesmo período de nascimento, região histórica e cultural) não é pré-requisito para que

haja uma unidade de geração, assim como o movimento não necessariamente é voltado a

atitudes progressistas. Portanto, mesmo que novas concepções e movimentos seqüentes

ganhem forma pelo coletivo, não é em toda situação de geração que eles são

observados.

Como resultado de uma aceleração no ritmo da transformação social e cultural, as atitudes básicas precisam se modificar tão rapidamente que a adaptação e modificação latente e contínua dos padrões tradicionais de experiência, pensamento e expressão deixa de ser possível, fazendo então com que as várias fases novas de experiência sejam consolidadas em alguma nova situação, formando um novo impulso claramente distinto e um novo centro de configuração. Falaremos em tais casos, da formação de um novo estilo de geração ou de uma nova intelíquia de geração (MANNHEIM, 1982, p. 92).

O fator biológico apenas possibilita novas intelíquias, mas não as determina. Neste

sentido, uma mudança pode ocorrer sem reflexão, sem constituição de uma unidade

Page 82: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

diante desse novo impulso ou sem ter experienciado conscientemente seu caráter de

unidade de geração. Além disso, o período de uma nova geração não tem quantidade fixa

de anos, mas depende da ação do processo social e cultural.

Hoje ao mesmo tempo em que há um certo “confronto” entre aqueles que estão

vivendo a trajetória de um mundo cada vez mais dominado pelas máquinas e aqueles que

já nasceram convivendo com isso nesta sociedade, pode também ser observado (como

anunciei anteriormente) uma dissolução dessa diferença, ao instituir a juventude como

uma categoria sem fronteiras etárias ou “trans-etária”. Neste caso, as gerações anteriores

e atuais coincidem. Como Vianna (1992, p. 14) elucida “O tempo histórico - o passar das

gerações - é abolido em detrimento de um tempo mítico - onde a juventude é eternamente

imobilizada. O indivíduo rebela-se contra a possibilidade de envelhecer”.

4.2 – IDENTIDADE: UMA RELAÇÃO COM O MUNDO Ao longo deste trabalho foi sendo discutido como a sociedade hoje está

contextualizada, o que serve agora como alicerce para discorrer sobre a “identidade”. A

questão da identidade foi mencionada direta ou indiretamente em diferentes aspectos,

sobretudo no capítulo três, “Conhecendo o cosplay”, no qual este assunto esteve presente

em vários momentos, havendo, por isso, a necessidade de aprofundar esse tema, já que

a realização do cosplay está relacionada principalmente a identificação com o

personagem.

A identidade é algo construído e sua origem ocorreu em decorrência da crise do

pertencimento. Segundo Bauman (2005), não devemos recorrer a autores que não

viveram esse período para responder ou explicar as questões sobre identidade, pois os

problemas agora são diferentes do momento no qual desenvolveram suas teorias. Nas

palavras deste autor: “Quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam

parecer ‘natural’, predeterminada e inegociável, a ‘identificação’ se torna cada vez mais

importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um ‘nós’ a que possam

pedir acesso” (Bauman, 2005, p. 30). Fica, assim, mais fácil entender porque a identidade

é um assunto que está em evidência nas últimas décadas.

Pela etimologia da palavra, identidade é um termo de origem latina que significa “o

mesmo” ou semelhante, fato este que indica a dialética em sua formação, pois o homem

se forma a partir das relações que estabelece com o mundo. Berger (1999) em seus

estudos sobre os modos de ver, também apresenta essa relação de reciprocidade quando

relata que ao vermos somos vistos.

Page 83: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

O processo de construção do “eu” tem início pela inserção num meio que vai

transmitindo seus valores e regras. Assim “antes que eu ‘me chamasse Fulano’, eu ‘era

chamado Fulano’” (Ciampa, 1994, p. 63). Ou seja, é a partir da relação que vai sendo

formado um “eu”, uma subjetividade e se adquire uma singularidade. O princípio

existencialista já dizia que “a existência precede a essência” o que demonstra a

importância da relação no estabelecimento da essência. Nas palavras de Maheirie (1994,

p. 115): “(...) nascemos ninguém e vamos nos tornando alguém na medida em que

vivenciamos as relações com as coisas, com os homens, com o tempo e com o corpo”.

Segundo esta mesma autora, para Sartre, “eu”, essência e identidade possuem o mesmo

sentido, sendo formadas na relação corpo e consciência no mundo.

Presumo que seja imprescindível fazer uma distinção entre subjetividade e

identidade, pois diferentemente da autora citada, eu os considero diferentes. Vários são

os autores que procuram distinguir esses conceitos com variações do tipo: identidade

individual e coletiva, subjetividade individual e social, somente identidade ou

subjetividade, podendo também encontrar os que empregam como sinônimos; o que

justifica a confusão dos termos. Como dito acima, a identidade é aqui entendida em um

contexto social, sendo uma característica que a torna pertencente a um grupo social. A

subjetividade é a que indica o porquê se investe em tal posição na sociedade ou se

identifica com tal grupo ou pessoa. No dicionário “Le notions philosophiques” (Jacob,

1990), uma das definições da subjetividade na filosofia moderna aparece como sendo

consciência de si ou sua essência. Para Woodward (2000) a subjetividade envolve

pensamentos e emoções pessoais, conscientes ou não, que pode ser manifesta pelas

identidades. Assim:

O conceito de subjetividade permite uma exploração dos sentimentos que estão envolvidos no processo de produção da identidade e do investimento pessoal que fazemos em posições específicas de identidade. Ele nos permite explicar as razões pelas quais nós nos apegamos a identidades particulares. (WOODWARD, 2000, p. 55-56).

Ao elaborar seu pensamento dentro de fundamentos sartrianos, Souza (1987)

expõe que ao se deparar com o mundo, cada pessoa o organiza de maneira particular,

havendo então várias percepções e inúmeros significados para um mesmo fenômeno.

Segundo esta autora, “Nunca vemos ‘objetos’ puros e simples. Vemos as coisas dentro de

um contexto no espaço e no tempo. Tudo o que os nossos órgãos dos sentidos

conseguem captar interessa particularmente em primeiro lugar a nós mesmos” (Ibid., p.

37). Neste sentido, a identificação que uma pessoa tem por determinado grupo, produto

ou personagem revela algo sobre a subjetividade dela. Além da identificação, é pelo agir

Page 84: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

que é formado o ser, assim, na medida em que uma pessoa escolhe uma forma de se

colocar no mundo, ela também se escolhe e constitui seu projeto existencial.

Um fato característico é que atualmente a identidade está cada vez mais

sustentada por ideais ou princípios com a qual a pessoa se afilia e menos ditada por laços

de criação. O modelo antigo de identidade, fixa, estável, não tem mais sentido e se

distancia das novas estruturas. Como ela está aumentando seu apoio em bases

“líquidas”, parafraseando Bauman (2005), é complicado se pensar em exigir identidades

estáveis e duradouras. Neste contexto a existência de uma identidade que dure por um

longo período vai se tornando inconciliável: “As identidades são para usar e exibir, não

para armazenar e manter” (Ibid., p. 96). Pertencimento e identidade tornam-se

transitórios. Uma questão hoje talvez seja qual das identidades escolher, havendo uma

avaliação se tal identidade é compatível com a pessoa. Este é mais um dos meios que o

homem é considerado um ser virtualizado de acordo com Lévy (1996), o que significa

poder assumir várias formas, inúmeras identidades.

Para pensar em algumas características da identidade, utilizo em alguns casos os

meios midiáticos, pois estes exploram essa questão de diferentes maneiras. Um aspecto

que Ciampa (1994) destaca é o ocultamento intencional da identidade que pode ser

verificado no caso de um espião ou um super-herói, por exemplo. Uma variação deste

ocultamento pode surgir quando se esconde algum aspecto de sua identidade por receio

de rejeição. Numa história em quadrinho japonesa chamada Kare Kano, este tipo de

ocultamento é o foco inicial da narrativa, sendo possível acompanhar as dificuldades que

a personagem enfrenta por acreditar que se agisse de modo autêntico, isso resultaria num

afastamento dos benefícios que o seu meio social lhe oferece. Deste modo, ela finge ser

uma pessoa prestativa, calma e que adquire notas boas sem muito esforço, para

conseguir elogios de seus colegas.

Um fato a ser elucidado nestes casos é que pode haver um confronto entre as

identidades pessoais e suas respectivas representações. Sobre a representação, pode-se

dizer que são as

práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos. (WOODWARD, 2000, p. 17).

Na adolescência esse conflito normalmente acontece, pois algumas vezes se cobra

que ele seja adulto, outras o posiciona como criança. E quando, por algum motivo, uma

identidade não é mais reconhecida isso se torna ameaçador. Um exemplo é o de um ex-

Page 85: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

prisioneiro. Este, muitas vezes não consegue ter uma identidade digna, pois esta não é

confirmada pela sociedade, que impõe uma barreira para se ter uma identidade diferente.

As pessoas o identificam como pertencente a um grupo (delinqüentes) o qual é difícil de

ser modificado. Não estou entrando na questão do posicionamento do indivíduo frente a

isso, seja enfrentando o preconceito ou consentindo com essa posição. Nesses casos em

que a identidade é descartada a priori, a pessoa é destituída de ter identidade, pois é

afastada do meio social onde esta é formada, confirmada ou eliminada, sendo chamada

de “identidade de subclasse”.

A “sub-classe” é um grupo heterogêneo de pessoas que – como diria Giorgio Agamben – tiveram o seu “bios” (ou seja, a vida de um sujeito socialmente reconhecido) reduzido a “zöe” (a vida puramente animal, com todas as ramificações reconhecidamente humanas podadas ou anuladas) (BAUMAN, 2005, p. 46).

A representação também dá suporte ao estabelecimento das identidades

individuais e de grupo na cultura, pois é através da representação que adquirem sentido.

A representação não possui caráter mentalista ou interior, mas se coloca como uma

marca material, exterior, tal qual uma pintura, expressão oral, texto. Silva (2000, p. 91)

complementa que “a representação é um sistema lingüístico e cultural: arbitrário,

indeterminado e estreitamente ligado a relações de poder”. Assim, quem representa dita

as identidades a serem seguidas. Aí é que a publicidade se insere, produzindo

identidades e fornecendo significados. Desta maneira, o sucesso de um anúncio se dá

pela identificação do consumidor pela imagem veiculada. Por exemplo, a representação

de uma mulher independente e decidida hoje, pode estar vinculada à aquisição de um

determinado produto. Outra representação difundida atualmente é a da identidade

americana, que se apóia numa visão maniqueísta. Nesta, veicula-se a idéia de que,

quem está ao lado dos EUA são pessoas “boas” ou até “coitadinhas”, e a personificação

do mal se coloca na figura do “Osama bin Laden”.

O grupo de cosplayers demonstrou indignação quanto à representação que é

passada sobre eles em alguns meios de comunicação. Um assunto que foi motivo de

discussão por vários cosplayers foi a reportagem sobre dois adolescentes que teriam

fugido para manter o romance. O trecho inicial publicado no jornal O Globo dizia o

seguinte:

Clara Graham, de 14 anos, e Robson Celestino, de 17, são fanáticos por desenhos animados japoneses. Na vida real, os dois se envolveram numa aventura: há uma semana, fugiram de casa e seus pais tiveram de recorrer à polícia para tentar encontrá-los. De acordo com o pai de Clara, Miguel Bruno de Souza, de 57 anos, o motivo da fuga teria sido a oposição ao namoro dos dois:

Page 86: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

- Minha filha começou a entrar nessa onda de se vestir como esse pessoal fanático por desenho. Até então, não achávamos nada demais. Conversamos com os dois e ficou tudo bem. Mas o relacionamento chegou a um ponto com o qual não estávamos concordando. Pedimos que terminasse o namoro e ela fugiu. O que aproximou Clara de Robson foi o culto aos desenhos animados japoneses, conhecidos como anime. Os dois costumavam se encontrar com outros adolescentes para conversar sobre os desenhos e ouvir músicas ligadas a esse universo (MOREIRA, 2007, p. 15).

Quando o grupo falou sobre esse episódio, eles comentaram a repulsa que sentem

ao divulgarem essas informações errôneas sobre o cosplay:

- Renato – [...] Quando eles falam alguma coisa... Eles nunca retratam bem. É sempre uma coisa esquisita - Márcia – Apesar de ser verdade que a gente mesmo fala: “Hummm aquele cara é surfistinha” e alguém olhar para você e dizer: “Humm aquele lá é otaku”, acho que quando está falando de você, quem você é, parece sempre que está te tachando negativamente, mesmo que não esteja mesmo pensando nisso. Eu sinceramente não gosto. Quando eu vejo matérias falando sobre isso, eu até leio mesmo para saber sobre o que eles estão falando, mas eu não gosto. Eu nunca gostei.

Uma outra situação onde a identidade é colocada em uma condição de confusão

ocorre quando, por exemplo, se descobre que tal amiga é na verdade a filha dela. Como a

criação da história de cada pessoa vai sendo construída na relação, pode-se dizer que a

identidade de uma revela a da outra, assim, no exemplo anteriormente citado, desvendar

que uma amiga é a filha dela traz uma nova identidade para ambas.

Esses manejos apresentados da identidade revelam que esta não é algo

estanque. De acordo com a herança social, experiências vividas e aspectos pessoais

formam-se identidades que se transformam e são imersas em contradições. Para

visualizar este quadro, recorro a Castro (1998a) num trecho em que ela aponta a

pluralidade de faces que o adolescente vive, dependendo do meio que ele é exposto. O

jovem convive, então, com uma face aparentemente submissa encontrada na escola; uma

outra que se forma pela televisão, videogame e institui uma nova pedagogia através da

imagem e do predomínio da sensação; outra ainda é constituída na ausência da

convivência mais próxima com os pais e no aumento da troca entre seus pares; e, por

último, a face que lhe confere o status de consumidor, nova forma de ser cidadão nesta

sociedade. Cada uma dessas situações se apresenta com regras particulares e, os

diferentes modos de ser aos quais os adolescentes estão expostos, muitas vezes

paradoxais, influem diretamente na autopercepção e nas maneiras pelas quais eles se

apresentam, dependendo do meio em que se encontram. Porém, em meio a tantas

demandas que podem ocorrer no mesmo dia, incluindo as transformações que vão

acontecendo com o passar dos anos (ao deixar de ser criança para se tornar

adolescente), há uma tendência em manter uma unidade, uma noção de que somos a

Page 87: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

mesma pessoa. Assim, fica claro que somos “diferentemente posicionados pelas

diferentes expectativas e restrições sociais envolvidas em cada uma dessas diferentes

situações, representando-nos, diante dos outros, de forma diferente em cada um desses

contextos” (Woodward, 2000, p. 30).

A questão do prenome e do sobrenome como Ciampa (1994) elucida, indica mais

um aspecto importante da identidade, que é a presença da diferença (prenome) e da

igualdade (sobrenome) perante os demais. Assim, ao pertencer ou se identificar com um

grupo, isso revela uma igualdade entre os membros, um certo reconhecimento dos

integrantes quanto ao seu pertencimento e de seu reconhecimento no grupo, da mesma

forma que indica uma distinção ou exclusão de outros grupos. As identificações com

grupos diferentes ratificam o caráter social da identidade.

Retomo a condição de transitoriedade da era “líquido moderna” (Bauman, 2005, p.

18) que ocasionou uma mudança no estabelecimento dos laços sociais, que foram se

tornando mais frágeis. As comunidades das quais as pessoas fazem parte assim como as

“intimidades” somam agora características como: serem passageiras e superficiais.

Bauman define essas comunidades de “comunidades guarda-roupa”, pois tal como em

alguns espetáculos em que os casacos são unidos no começo e entregues no final, elas

só duram o tempo que for preciso para utilizá-las.

Como o consumo é algo que está totalmente vinculado ao processo de

identificação, gostaria de discutir sobre esse ponto de forma mais aprofundada.

As identidades podem servir como linguagem e compartilhamento de sistemas

simbólicos. Para Baudrillard (1995), um acontecimento notável nos dias de hoje é a

relação da lógica do consumo com a “lógica da produção e da manipulação dos

significantes sociais” (p. 59). Segundo ele, o objeto não é consumido pelo seu valor de

uso, mas pelos signos que representam e que os insere em determinados grupos e os

distingue de outros. Ele relaciona o consumo como um meio de linguagem, na qual a

diferença não se restringe ao significado, mas por um sistema de valores numa

hierarquia. Tendo o objeto como símbolo de identificação em um grupo social, referencial

das preferências e consequentemente de diferenciação daqueles que não se enquadram

em tal grupo, são esses os critérios baseados na lógica do consumo que vão servir de

alicerces na construção da identidade atual.

É, então, nesse mundo de eternidades passageiras, segurança fictícia e intimidade

superficial que as identidades são constituídas. Esse hiperconsumo reflete a

Page 88: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

desestabilização do indivíduo que sem os referenciais que a antiga socialização os

fornecia, interessam-se mais pela emotividade e menos à reflexão. A sociedade de

consumo caminha para uma construção de uma subjetividade ligada ao consumo e à

aparência. Como a identidade é uma escolha, uma construção que está sempre sendo

remodelada dentro da lógica do consumo, o que a pessoa consome passa a refletir o que

ela é. O consumo passa a ser indicativo dos gostos e faz parte do sistema de

reconhecimento dos valores, estilos de vida e dos grupos de relacionamento, sendo

mantidos como utensílio necessário para marcar uma identidade, até a sua substituição

pelo próximo objeto que é visto sempre como o ponto máximo a ser alcançado. O

consumo o faz destacar/ diferenciar frente aos demais e isso é o que denomina sua

identidade. Por conta dessa inconstância, esta passa a ser vista como campo no qual

novas tecnologias podem investir e explorar mercados, sendo a influência da mídia

marcante nesse meio. Os meios de comunicação oferecem um arsenal de produtos que

servem como formas de definir a pessoa e possuem características frágeis e

descartáveis, sendo assim:

Hoje em dia, um século e meio depois, somos consumidores numa sociedade de consumo. A sociedade de consumo é a sociedade do mercado. Todos estamos dentro e no mercado, ao mesmo tempo clientes e mercadorias. Não admira que o uso/consumo das relações humanas, e assim, por procuração, também de nossas identidades (nós nos identificamos em referência a pessoas com as quais nos relacionamos), se emparelhe, e rapidamente, com o padrão de uso/consumo de carros, imitando o ciclo que se inicia na aquisição e termina no depósito de supérfluos. (BAUMAN, 2005, p. 98).

Uma autora que analisa a identidade inserida na cultura de consumo é Beatriz

Sarlo. Segundo ela, a identidade sofre influência pelo que é ditado no mercado e sua

transformação incide numa posição que apresenta o desejo do novo. “Em certa medida as

vanguardas estéticas já sabiam disto, porque uma vez rompidas as comportas da

tradição, da religião, das autoridades indiscutíveis, o novo se impõe com seu moto-

perpétuo” (Sarlo, 2000, p. 26). Esta importância dada pela pessoa ao ato de adquirir

objetos em detrimento da conservação dos mesmos, fez com que Sarlo a nomeasse de

“colecionador às avessas”. A expressão “shopping spree” seria um extremo desse

consumo, o qual só se esgota quando as limitações econômicas se impõem. Porém hoje,

com a facilidade de se ter um dinheiro virtual, como o cartão de crédito, essa ação pode

prejudicar a vida da pessoa em proporções ainda maiores.

Ao invés do “desejo do novo”, Bauman (2004) sugere que o desejo seja o de repetir

o ato e se entregar aos impulsos. O desejo para ele demanda tempo para ser cultivado,

preferindo adotar a palavra “impulso” para descrever esse movimento instantâneo de

Page 89: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

consumir imediatamente. Como os impulsos possuem caráter temporário, esta ação é

vivida com profundo prazer.

O colecionismo, marcado pelo sentimentalismo pelo que é consumido, é hoje

substituído por objetos hipersignificantes, que possuem um valor simbólico que está além

da utilidade deles, no qual sua durabilidade está diretamente relacionada ao tempo que o

objeto conserva sua validade simbólica, seu poder. Costa (2004) sugeriu que o

consumismo não se deve à sedução da propaganda, mas à satisfação de necessidades

psicossociais provenientes “da nova moral do trabalho e da nova moral do prazer” (p. 79),

que traria uma forma de realização pessoal. A moral do trabalho estaria baseada na

insegurança e competição nos/por trabalhos, que trouxe modificações nas condutas dos

sujeitos, tornando-os flexíveis, superficiais nas relações, criativos e voltados ao presente;

características que se estenderam aos vários contextos da vida em geral. O consumo

atende a essa forma de conduzir a vida, pois o produto é mantido dependendo do

interesse por ele. A aquisição de um produto também traz uma sensação de estabilidade

enquanto possuído, podendo ser descartado e facilmente substituído. Assim “a posse de

mercadoria permitiu ao indivíduo preservar a necessidade psicológica de estabilidade sem

renunciar à elasticidade pessoal exigida pelo mundo dos negócios” (p. 80).

A moral do prazer, segundo Costa (2004), foi a maior conquista promovida pela

lógica do consumo. Este valor conferido ao prazer das sensações físicas passou a fazer

parte da constituição da subjetividade. O prazer sensorial, diferente do prazer sentimental,

precisa da presença do objeto para que haja estimulação, sendo igualmente necessária a

disposição daquele que será estimulado. Mas para manter este prazer é preciso também

que haja uma excitação duradoura num limiar adequado. Já o prazer sentimental persiste

sem que precise dos estímulos sensórios-motores. A lógica do consumo pode ser

entendida pelo prazer sensorial na medida em que esta depende de um objeto e, como

este perde a capacidade de excitação rapidamente, uma diversidade de outros objetos é

necessária para manutenção do prazer. Essa valorização das sensações é corroborada

por Lacroix (2006), porém, ele questiona se usamos bem a emoção e coloca que ao

reduzirmos emoção a uma excitação, algo exacerbado, ela acaba por deturpar-se.

Diferentemente do que é considerado por muitos, para Baudrillard (1995), o

consumo não está vinculado ao objeto ou ao prazer, que seria individual, mas sim tem

função de produção, sendo coletiva, um sistema de troca. O prazer não é o fim, servindo

como racionalização de uma atividade que não termina aí. Para este autor o prazer seria

apenas o consumo individual, com o final em si. Assim, o homem não se depara com a

sua necessidade, “O consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos

Page 90: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

e a integração do grupo; constitui simultaneamente uma moral (sistema de valores

ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta” (Baudrillard, 1995, p.

78). O resultado disso, como ele mesmo aponta, é a condução para uma era de alienação

radical.

Por outro lado, Canclini (1999) questiona a idéia de que o consumo seja uma

atividade irracional e que os meios de comunicação de massa dominam aqueles que o

consomem. Há uma racionalidade no consumo, podendo se exercer cidadania a partir

dele. Esse autor fala do aspecto simbólico do consumir. O consumo além de servir na

comunicação, dá inteligibilidade ao mundo, e também serve para pensar. O desejo de

consumir que se torna uma demanda não é algo irracional, mas está inserido numa

cultura.

Considero que há no ato de fazer cosplay um estímulo à criatividade para tornar

algo de duas dimensões em uma de três. É uma forma de produção vinda de um meio

midiático que coloca o espectador como autor de um trabalho e ajuda o sujeito a refletir

sobre suas atitudes, pois a escolha do personagem envolve um processo de identificação

que começa desde a leitura do mangá ou ao assistir a um anime. Dois exemplos de como

isso aconteceu, apareceram quando perguntei se os cosplayers notaram uma modificação

em sua atitude ao ler mangá, assistir anime ou fazer cosplay. Abaixo alguns depoimentos:

- Mônica - Eu acho que tem a [história] de Nana. É muito bom este mangá e eles são personagens bem... Com uma historia bem fantasiosa. [...] Eu me identifico com uma das personagens principais que é a Hachi, mas eu fico com raiva porque ela é muito mimada, mas eu, ao mesmo tempo, eu me identifico com ela. Daí eu acabo tirando a lição de que ‘eu não vou ser assim’. Eu tenho que deixar de ser um pouco mimada. Às vezes... Algumas coisas que ela faz eu acho que eu faria também, mas eu vendo eu fico com raiva dela. Pô! Mas eu faria isso! Então eu não posso fazer mais. - Márcia - Isso acontece comigo com a Asuka de Evangelion. Ela é muito chata. Todo mundo odeia a Asuka e eu odeio também ela. Eu digo que odeio ela especialmente. Quando alguém fala para mim ‘eu odeio ela’ eu falo que não odeia ela tanto quanto eu porque ela é igual a mim, por isso eu posso odiar mais ainda. Eu digo que tenho mais propriedade para odiar ela, porque eu sou ela praticamente. É muito igual, entendeu? Realmente tem muitas vezes que eu paro: “Caraca que coisa horrível!”... Às vezes você pensa: “Caramba! Que garota mimada e escrota”... E você pensa...e eu ... tô fazendo.

Além da questão da identificação ou motivação para o consumo de um produto,

Certeau (2002) enfatiza que se deve observar o que o sujeito constrói a partir das

produções sócio-culturais dadas pela sociedade. Essa “produção secundária” derivada da

representação do que é transmitido é algo que não deve ser desprezado. Para este autor,

na sociedade de consumo os meios podem oferecer os produtos e estímulos, porém são

os consumidores que apropriam destes de acordo com suas necessidades e

particularidades.

Page 91: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

4.2.1 - CRISE DE IDENTIDADE NA HIPERMODERNIDADE

É freqüente, autores colocarem como conseqüência da sociedade atual a “crise” ou

“fragmentação da identidade”, vinculando esse fato à instabilidade/perda dos referenciais

estáveis. Segundo Martin- Barbero (2003):

(...) estamos ante un sujeto cuya autoconciencia es muy problemática, porque el mapa de referencia de su identidad ya no es uno solo, pues los referentes de sus modos de pertenencia son múltiples, y, por tanto, es un sujeto que se identifica desde diferentes ámbitos, con diferentes espacios, oficios y roles. (...) Hoy nos encontramos con un sujeto mucho más frágil, más quebradizo, pero paradójicamente mucho más obligado a asumirse, a hacerse responsable de sí mismo, en un mundo en el que las certezas en los planos del saber, como en el ético o el político, son cada vez menores26.

Para elucidar a viabilidade do uso da expressão “crise de identidade”, utilizo a

diferenciação proposta por Canclini (1999) entre as identidades modernas e as pós-

modernas, que neste último caso posso associá-las também as hipermodernas. As

primeiras seriam territoriais e praticamente monolinguísticas no qual a força da cultura

local era forte e, por isso, sua definição pode ser considerada sócio-espacial. Já as

segundas se caracterizam como transterritoriais e multilinguísticas, cuja lógica se

fundamentaria na produção industrial de cultura, tecnologia e consumo, e pode ser

definida como sócio-comunicacionais. Esta identidade deve também, como já foi

apontado, ser diferenciada daquela formada na Modernidade, cujas referências eram

estáveis e onde a construção se baseava em capacidades e em estruturas já

estabelecidas. Neste sentido, torna-se viável afirmar que está havendo uma crise de

identidade.

A palavra “crise” entendida “no seu sentido etimológico original Krisis, significa

distinguir, escolher, julgar, mas também cortar, dividir” (Soares, 2000, p. 226). Ela não

possui nenhuma conotação negativa, pelo contrário, é um indicativo de que alguma coisa

está por vir. Conforme Soares (2000, p. 226) aponta: “É a crise afinal que expõe o

potencial de liberdade de cada homem, de cada sociedade. [...] São das crises e das

soluções – incluindo o preço emocional a ser pago – de onde o homem extrai a força para

mudar o rumo de sua existência”. Um ponto interessante a enfatizar é que no idioma

chinês esta mesma palavra (crise) é formada de dois ideogramas: “ameaça” e

“oportunidade”, o que vem a reforçar o caráter de mudança e atuação do sujeito. Sem ter

26 O trecho correspondente na tradução é: “(...) estamos ante um sujeito cuja autoconsciência é muito problemática, porque o mapa de referência de sua identidade, já não é um só, pois os referenciais de seus modos de pertencimento são múltiplos e, portanto, é um sujeito que se identifica desde diferentes âmbitos, com diferentes espaços, profissões e papéis. (...) Hoje nos encontramos com um sujeito muito mais frágil, mais quebradiço, mas paradoxalmente muito mais obrigado a assumir-se, a ser responsável de si mesmo, em um mundo em que as certezas nos planos do saber, como no ético e no político, são cada vez menores”.

Page 92: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

em mente uma busca imaginária de identidade, psicanaliticamente falando, acredito que o

entendimento do que era identidade na modernidade ocidental sofreu alterações, sendo

possível afirmar que houve uma fragmentação da identidade, porém esse fato não

impossibilita a criação de outras formas de ser a partir das características desse novo

contexto onde se vive.

Uma questão levantada por Woodward (2000) relativa à crise de identidade foi

abordada através da identidade nacional na antiga Iugoslávia, durante a guerra entre

sérvios e croatas. Para tanto, ele expôs duas definições da identidade, uma que ele

denominou de essencialista e outra de não-essencialista. A visão essencialista acredita

que há características autênticas e imutáveis em todos os sérvios (seguindo o exemplo

dele), uma qualidade essencial que permanece inalterável independente do tempo. O uso

de argumentos referentes à história, mito e a biologia é freqüentemente utilizado a fim de

criar uma coesão no pensamento, fazendo parte da cultura.

Ao comparar identidade com linguagem, Silva (2000, p. 84) afirma que há uma

busca ou necessidade por uma estabilização, “Entretanto, tal como ocorre com a

linguagem, a identidade está sempre escapando. A fixação é uma tendência e, ao mesmo

tempo, uma impossibilidade”. Mantendo a relação com a linguagem, para mostrar a

instabilidade desta por conta de seu sistema de significação, sobretudo devido ao signo,

Silva (2000) esclarece seu pensamento a partir do dicionário. A procura do significado de

uma palavra no dicionário leva sempre à indicação de outros signos, adiando-se

continuamente a “presença” (Derrida apud Silva, 2000). Esta seria a indicação de um

objeto concreto, um conceito concreto ou até abstrato, porém ela nunca é alcançada.

Deste modo, se nos apoiamos na linguagem para entender nossa constituição, isto é, em

uma estrutura na qual o

adiamento indefinido do significado e sua dependência de uma operação de diferença, [isso] significa que o processo de significação é fundamentalmente indeterminado, sempre incerto e vacilante [aspecto que vai aparecer na identidade]. [...] Na medida em que são definidas, em parte, por meio da linguagem, a identidade e a diferença não podem deixar de ser marcadas, também, pela indeterminação e pela instabilidade (SILVA, 2000, p. 80).

Esse último relato serve como introdução à perspectiva não-essencialista, a qual

está baseada no que há de comum e o que a diferencia dos que não pertencem a este

grupo, estando atenta também às transformações ocorridas ao longo do tempo. Um dos

contrapontos relacionados às identidades fixas e delimitadas é o hibridismo, presente na

nossa cultura e marcado pela interlocução das diferenças (raciais, étnicas, nacionais).

Neste sentido “A identidade que se forma por meio do hibridismo não é mais

Page 93: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

integralmente nenhuma das identidades originais, embora guarde traços dela” (Silva,

2000, p. 87). Porém há na hibridação relações de poder, pois a ocupação é normalmente

imposta. Em nossa sociedade o hibridismo ocorre tanto por deslocamentos físicos, muitas

vezes exigidos pelos empregos, quanto pela facilidade que trouxe a quebra de barreiras

pela tecnologia. Esse contato com diferentes sistemas simbólicos é o fator constituinte

dessa conjunção. Por conta disso, uma propriedade dessa visão não-essencialista é o

foco no movimento.

Em todo o trabalho, pode-se observar que permeia o princípio de que a identidade

não é fixa, estável, homogênea ou acabada, mas sim “que a identidade é uma

construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A

identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade

está ligada a estruturas discursivas e narrativas” (Silva, 2000, p. 97). Além disso, como

apontado anteriormente, ela está ligada a representações e a relações de poder. Mas, ao

lado da desestabilidade provocada, pode-se entender algo de positivo na identidade atual,

pois se pode ter a liberdade de escolhê-la e de permitir que haja:

a inventividade e a engenhosidade humana por trás das sólidas e solenes fachadas de credos aparentemente temporais e intransponíveis, dando-lhes assim a coragem necessária para se incorporar intencionalmente à criação cultural, conscientes dos riscos e armadilhas que sabidamente cercam todas as expansões ilimitadas. (BAUMAN, 2005, p. 20-21).

Diante do que foi apontado, o cosplay se torna um exemplo dessa “metamorfose

ambulante” de nossos dias, algo que possui uma influência marcante da mídia que passa

a ditar os modelos e atribuir valores a eles, porém sem ser considerada uma atividade

irracional ou sem reflexão.

Seguindo esta perspectiva, eu entendo a crise de identidade também como uma

possibilidade que a pessoa tem de se adaptar ao mundo, ao conseguir transitar por

diferentes códigos e universos simbólicos e se transformar na interação com eles. Porém

afirmar que a identidade assume um caráter instável e está sujeita a multiplicidade de

referências superficiais e transitórias, não indica que esse fato não deva ser mudado ou

que eu concorde com essas condições. O que está sendo enfatizado aqui é que há

possibilidade de mudança.

Page 94: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

CAPÍTULO V

COSPLAY E O IMAGINÁRIO SOCIAL

Como o cosplay trata do ato de se fantasiar e realizar representações, um assunto

que deixo para o último capítulo, sem que isso desqualifique sua importância, é o

imaginário.

Como vários conceitos como, por exemplo, a identidade, não há um consenso em

sua definição. Durante muito tempo o que era proveniente da imaginação não havia

exatidão, sendo o “conhecimento verdadeiro [aquele que] resulta sempre da atividade

demonstrativa da razão” (Teves, 1992, p. 6). Sem as amarras que a idéia do dualismo

coloca (real x imaginário), principalmente relacionados ao pensamento empirista e

Page 95: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

racionalista, o imaginário é aqui considerado como algo “impalpável e real” (Maffesoli,

2001, p. 77). Não se constitui como algo fixo, imutável e sim como sensibilidade que

escapa a lógica.

O imaginário se constitui da experiência e por processos que advém dela, então, o

imaginário varia conforme a cultura e a sociedade. Mas qual seria o limite entre o real e o

imaginário? Conforme Patlagean (1993) o imaginário não é estanque e o seu limite

também não é. O que tem de comum, por outro lado, é o campo em que este vai

pertencer, que é o da experiência humana.

De acordo com Bazcko (1985), o imaginário social faz parte da vida social, no

modo como atuam e do que produzem os que aí pertencem. Sendo que

através dos seus imaginários sociais, uma colectividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição de papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de <bom comportamento>, designadamente através da instalação de modelos formadores tais como o do <chefe>, o <bom súdito>, o <guerreiro corajoso>, etc. [...] O imaginário social é, deste modo, uma das forças reguladoras da vida coletiva. (BAZCKO, 1985, p. 309).

Assim, é por meio do imaginário social que se faz parte de uma sociedade, se

informa sobre ela e se orienta quanto ao comportamento. A partir das representações e

imagens, que fazem parte da experiência, é que são criados as identidades, normas e

valores. Nos sistemas simbólicos nos quais atua o imaginário social, se inserem as

experiências de vida, os desejos, as motivações e as expectativas. Conforme Teves

(1992), pelo imaginário é possível que o grupo se identifique, o que possibilita trocas e

instituem-se papéis sociais.

Há também a produção de signos e ritos nos imaginários sociais. Para Bazcko

(1985, p. 324):

O nascimento e a difusão dos signos imaginados e dos ritos coletivos traduzem a necessidade de encontrar uma linguagem e um modo de expressão que correspondem a uma comunidade de imaginação social, garantindo às massas, que procuram reconhecer-se e afirmar-se nas suas ações, um modo de comunicação.

Uma outra discussão trazida por Bazcko é a de que o alcance do imaginário social

sobre as pessoas está sujeito aos meios de transmissão destes. Daí o poder daqueles

que controlam esses meios. Com o avanço tecnológico, a veiculação e o controle das

informações e imagens se modificaram. Sobre os meios de comunicação de massa, o

autor destaca a relação estabelecida entre informação e imaginação. Neste meio a

quantidade de informações é enorme e, por isso, há um processo de seleção e

Page 96: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

manipulação tanto sobre o que deve ou não ser divulgado, como pela forma que isso

ocorre. A propaganda procura, portanto, manipular esses imaginários.

Maffesoli (2001, p. 80) afirmou que “O imaginário é alimentado por tecnologias”, o

que coloca a tecnologia atual como capaz de influenciar e estimular a construção do

imaginário. Como o imaginário se dá, para ele, na interação e na comunicação, é deste

modo que a tecnologia vai criando seus vínculos. Seguindo este pensamento, as

tecnologias se inserem nas necessidades sociais, o que acaba revelando a relação que o

indivíduo estabelece com o objeto de consumo, detentor de significados sociais,

instituídos simbólica e culturalmente.

O imaginário proporcionado pela mídia serve a instantaneidade do mundo, que

oferece variados tipos de elementos passíveis de identificação.

Sem deixar de estar inscritos na memória nacional, os consumidores populares são capazes de ler as citações de um imaginário multilocalizado que a televisão e a publicidade reúnem: os ídolos do cinema hollywoodiano e da música pop, os logotipos de jeans e cartões de crédito, os heróis do esporte de vários países e os do próprio que jogam em outro compõem um repertório de signos constantemente disponível (CANCLINI, 1999, p. 87).

Como é pelo corpo que as pessoas agem e interagem, é através dele que cada um

forma a sua essência. Assim “Ao invés do corpo ser ‘utilizado’ pelo homem como um

instrumento de trabalho, como o foi na sociedade industrial, o homem/a mulher inserem-

no na sociedade de consumo como um objeto extremamente valorizado, a ser cuidado, e

a ser exibido” (Lehmann, Silveira, Afonso, Castro, 1998, p. 126). O vestuário passa a criar

uma imagem que é facilmente descartada. Ele assume papel de destaque nas novas

formas de ser e, com o consumo e a globalização, dita diferentes identidades e trocas

simbólicas. Além disso, há um perfil esperado para quem utiliza aquele produto. Segundo

Villaça (2007, p. 16): “O corpo é um lugar de construção identitária que se articula

crescentemente com a imagem, substituindo, progressivamente, a idéia de adequação

por uma estranheza”. O corpo é o que diz sobre o sujeito, já que a imagem que dele se

forma é o que predomina.

Desta forma, o cosplayer utiliza este imaginário, ao desenvolver imagens como ele

gostaria de vivenciar. E, ao freqüentar os eventos, é possível que essa imaginação seja

compartilhada, pois a roupa é um instrumento fundamental para sua identificação. Ao

buscar entender como um personagem pode ser visto como algo “vivo” para o grupo de

cosplayers, uma delas explicou:

Page 97: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

- Márcia - A gente fala: “Ah! Fulano morreu para mim”. Se você consegue matar uma pessoa que está viva porque você não pode viver uma pessoa que não existe? Sabe, eu acho que é exatamente o mesmo processo.

Pode-se notar então o papel importante que a vestimenta tem no imaginário nos

dias atuais, pois ela é ornamentada e cuidada como se fizesse parte do corpo. Sobre este

assunto, Villaça (2007, p. 142) coloca que: “A aderência ao corpo mais evidente é

certamente a roupa: embalagem que vela e desvela, simula e dissimula. Fisicamente

autônoma, ela é, entretanto, intimamente ligada ao corpo do qual recebe odores e calor e

ao qual oferece um estatuto”.

5.1 – A BUSCA POR SATISFAÇÕES

Quando foi colocado para que os cosplayers informassem o que os motivava a

fazer cosplay, as respostas obtidas foram: divertimento, ganho de conhecimento em

várias áreas e, reconhecimento. Mesmo não havendo atores ou públicos formalmente

estruturados, pois a pessoa se fantasia e faz suas interpretações com liberdade, sem

precisar competir, os cosplayers esperam pela reação do seu “público”, o que eu

relaciono como uma busca por status.

Status é uma palavra de origem latina, statum, que se refere à posição de uma

pessoa na sociedade. Ela será utilizada fazendo referência ao “valor e a importância de

uma pessoa aos olhos do mundo” (Botton, 2005, p. 7). É interessante notar no trecho da

frase “olhos do mundo”, que a posição de alguém está associada ao outro, ao que ele

pensa dele. Para Sartre (apud Perdigão, 1995), o homem não vive isolado. Ele desloca a

perspectiva para o outro, sendo que isto não se refere ao simples fato do outro nos

conhecer, porque apenas nos situaria como objeto. Segundo sua teoria “O Outro é a

condição necessária para que eu possa me conhecer de uma maneira que, sem o olhar

dele, eu sequer seria capaz de imaginar que fosse possível”. (Ibid., p.142).

Os motivos normalmente pronunciados para alcance do status são três: dinheiro,

fama e influência, mas, para Botton (2005), estes podem ser sintetizados em apenas um:

busca por amor. As razões apontadas anteriormente seriam apenas meios para obter

amor. A partir do amor recebemos atenção, cuidado e proteção e, com isso, conseguimos

crescer. O pior para uma pessoa é ela não ser notada.

Pode-se dizer que a atenção dos outros importa para nós principalmente porque somos afetados por uma incerteza congênita em relação a nosso próprio valor – e como resultado disso, o que os outros pensam de nós vem a ter um papel determinante no modo como

Page 98: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

conseguimos nos ver. Nosso senso de identidade torna-se cativo da opinião daqueles com quem convivemos. (BOTTON, 2005, p. 18)

Assim, por mais que os cosplayers do grupo reconheçam que o próprio ato de

confecção da roupa foi bem desenvolvido, é preciso que sejam valorizados pelo outro

para se convencerem disso. Isso se deve porque reconhecemos idéias contrárias de nós

mesmos: podemos nos considerar burros e inteligentes, fortes e fracos, e, por conta

dessa incerteza, o outro é quem passa a indicar esse valor. A importância que o outro nos

dá, é indicativo do valor que temos no mundo. Um dos depoimentos que vem a corroborar

este aspecto surgiu no fórum no site Cosplay Brasil, no qual participei, quando um dos

participantes comentou sobre a apresentação dele no concurso de cosplay. Ele destaca

que:

- Lucas - No caso de se apresentar, quando recebemos os aplausos do público percebemos que somos capazes de agradar alguém, nos faz sentir bem. Desenvolve a auto-estima e a auto-confiança "eu sei que eu sou capaz de melhorar, eu sei que posso fazer".

No encontro com os cosplayers, eles falavam dessa necessidade e dificuldade de

obterem reconhecimento pelo trabalho junto aos freqüentadores dos eventos, pois estes

estão com um nível de exigência cada vez maior:

- Mônica - Os eventos antigamente eram eventos pequenos. Os eventos eram muito família. Você chegava para um cosplay com uma peruca e o pessoal [comentava]: “Nossa! Você tá com uma peruca!!!”. -Talita - Hoje em dia chega a ser ridículo. “Você não comprou lente?? [eles perguntam]. Mas o personagem pede lente”. Como se fosse obrigação. Hoje em dia você tem que estar de peruca, a roupa, a lente de contato e não pode ter nenhum defeito, para não ser criticado. Isso é horrível! - Mônica - E sempre tem algum que fala: “Está errado! Porque a saia é um dedo maior que isso”. Umas palhaçadas assim.

A falta de reconhecimento surgiu nas falas dos cosplayers de duas formas: pelas

críticas negativas e pelo fato das pessoas do evento não pedirem para tirar foto. Uma das

participantes relatou que chegou a tirar o cosplay dela, isto é, a fantasia representando

um personagem, por não ter tido reconhecimento. Porém, um outro integrante do grupo

colocou que nem se importa com isso, pois vai aos eventos geralmente para se divertir

com os amigos. Ao ouvir esse depoimento, ela comentou:

- Márcia - Nesses casos é divertido. Nesses casos a satisfação está em você. Mas às vezes tem casos que você faz [cosplay] querendo que os outros olham. E quando os outros não olham é muito frustrante. - Mônica - Quando você vai e ninguém tira foto sua.

Page 99: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Perguntei se o objetivo da maioria dos cosplayers, na opinião deles, era o de ter o

reconhecimento com as pessoas tirando fotos. Eles relataram que:

- Mônica – Isso [o fato das pessoas não tirarem fotos com eles], na verdade, só aconteceu no Anime Friends, mas eu acho que estava muito cheio. Quase ninguém estava tirando fotos dos cosplayers e eu falei com algumas pessoas que estavam na sala do Cosplay Brasil e tava todo mundo meio mal por causa disso, porque o público não estava tirando muita foto por causa disso, porque estava muito cheio. Estava todo mundo meio ruim, porque é legal você tirar foto. - Talita - Hoje em dia tem uma parada que o Cosplay Brasil criou. Ele criou assim... Nos eventos, reserva uma sala e faz um estúdio de fotografia. Eles levam um pano branco, forram a parede e um pedaço do chão, fica meio um estúdio de fotografia. Tem luzes que eles levam e os fotógrafos, que já são os fotógrafos oficiais. Você já conhece as pessoas. Isso é muito legal, as fotos ficam muito boas, mas acho que isso decaiu com a foto do evento. Tipo, ninguém mais pára: “Seu cosplay tá muito bonito. Posso tirar uma foto sua?”. Todo mundo [fala/pensa]: “Ah não! Depois eu entro no site e vejo a foto que os fotógrafos tiraram dela”. Acho que foi muito legal a iniciativa do Cosplay Brasil, mas isso estragou esse outro lado do cosplayer, esse outro divertimento, que é de você ser parado no evento.

Diante disso, vê-se a necessidade deste reconhecimento e, de certa forma, as

justificativas encontradas para o decréscimo deste tipo de abordagem com os cosplayers.

Percebe-se uma exigência de melhor qualidade tanto na realização do cosplay quanto na

hora de tirar foto e isso está diminuindo o prazer que os cosplayers têm de ter esse

contato com o público.

O reconhecimento social é visto como parte da inclusão no meio social. A formação

do indivíduo se dá pelo reconhecimento social e isso se deve porque é através da

interação que é possível perceber certas características compartilhadas por outros e

também algo que é só seu. Os cosplayers ao refletirem sobre sua identidade podem se

deparar com características que são compartilhadas com este grupo, aumentando sua

sensação de pertencimento, isto é, se reconhecem como parte deste grupo. No encontro

com os cosplayers, por exemplo, a identificação que ocorreu entre eles em relação à

admiração pelos quadrinhos e desenhos animados japoneses, foi algo notável. E eles

ligaram isso ao próprio modo deles agirem. Conforme uma participante colocou:

- Márcia - Todo mundo que acaba assistindo, lendo mangá, acaba tendo uma visão... Assim... Uma reação a algumas situações que é muito característica. E disso eu só posso tirar uma conclusão: que tem influência dali. Não tem outra coisa que se destaque. É minha conclusão. Eu vejo isso em mim mesmo.

Axel Honneth, baseado nos trabalhos da teoria do conhecimento de Hegel e da

psicologia social de Herbert Mead, desenvolve uma sociologia do reconhecimento. A

identidade, segundo Honneth está relacionada a um processo intersubjetivo de

reconhecimento. Utiliza os conceitos de Me e I de Mead que coloca que o “indivíduo só

toma consciência de si mesmo na condição de objeto” (Honneth apud Mattos, 2006, p.

Page 100: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

88). Assim, a identidade é formada a partir do outro. O Me é como sou a partir da

perspectiva do outro e o I é justamente as especificidades que contrapõem ao Me, é a

busca da singularidade. Um outro conceito vinculado à socialização é o de “outro

generalizado”. Este se refere a uma generalização de expectativas de comportamento

que permitem sentir como parte de uma comunidade. De certa forma são os padrões de

comportamento esperados e compartilhados entre os membros daquele grupo. Mas essa

interação entre Me e I não se dá de forma passiva, pois não é tudo que se encaixa nas

normas.

Uma conquista que alguns adquirem ou procuram com o cosplay é que este facilita

o processo de socialização. Estar com as pessoas não é apenas uma forma de ser

reconhecido por seu esforço, mas também atua como meio que promove a aproximação e

o conhecimento de outras pessoas. No fórum virtual do Cosplay Brasil, essa questão

surgiu em alguns momentos, como destaquei abaixo27:

- Lívia - O cosplay (na minha opinião) faz com que os outros saibam (mesmo sem você dizer) que gosta de tal personagem de tal anime, acho que isso também é um pretesto pra você fazer novas amizades (o que sozinho em casa é impossível). Fora que fazendo cosplay (eu pelo menos) perco minha timidez, afinal todos pedem fotos, chamam pra conversar e blá blá blá, e o fato de eu saber que essas pessoas também gostam das mesmas coisas que eu já facilita (coisa que se acontecesse no meio da rua, eu no mínimo iria estranhar) - Sérgio - Acho que a maioria que fez ou faz cosplay, eu falo a maioria ou seja não todos, no passado foi uma pessoa muito tímida e fechada, eu no caso era assim, acho que inicialmente usava o "cosplay" como uma forma para perder essa timidez, já que por sua vez como você mesma falou você ganha ums minutinhos de fama e pessoas vem falar com você, pessoas das quais você não iria parar a pessoa para conversa com ela do nada e tal, dai você de certa forma acaba teno a possibilidade de ficar "menos tímido" bom sei lá...... em outras palavras acho que o cosplay ajudo eu a ser o que sou hoje, porque antigamente eu era uma pessoa muito tímido e fechado, não saia direito e tal, com cosplayer conquistei amigos mesmo sendo tímido e estes amigos me ajudaram a ser algem um pouco mais sociável e tal ^^ hoje em dia eu sou bem diferente do que eu era antes. de certa forma acho que o cosplayer serve como uma forma de socialização daquelas pessoas que vivem fechadas e sei lá de certa forma tímidas que existem por ai ^^ e vai por mim ajuda e muito.

A sociedade coloca que, atualmente, para ser valorizada, a pessoa tem que se

destacar de alguma forma. Assim, para algumas pessoas, o cosplay serve como uma

forma mais rápida para conquistarem essa posição. É certo que não são todos os que

fazem essa atividade com esse fim, mas esta pode ter sido uma saída encontrada diante

de um mundo com tamanhas cobranças. Longe, então, de imaginar que se vestindo como

um personagem, o jovem estaria se afastando da realidade, acredito que é uma forma

criativa de se adaptar a uma sociedade cercada por novidades, plasticidade e exigências.

Além disso, qual seria a estranheza desta máscara perante tantas outras que utilizamos

27 Como se trata de participações onde os cosplayers escrevem seus depoimentos via internet, optei por preservar seus relatos sem correções ortográficas.

Page 101: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

no dia-a-dia? A vantagem desta máscara em relação a outras, é que ela se enquadra nas

características da sociedade atual, porém é vista como uma brincadeira, uma diversão,

que fazem alguns refletirem sem ser de uma forma ameaçadora.

VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cosplay é um “brincar de se fantasiar” originado em 1980 nos Estados Unidos. O

“fantasiar” neste caso só se assemelha ao que acontece numa festa à fantasia, pelo fato

de que as pessoas colocam trajes diferentes dos quais costumam usar normalmente.

Porém, há significativas diferenças. Primeiro eles ocorrem em eventos voltados a pessoas

Page 102: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

interessadas em desenhos animados e quadrinhos japoneses. Segundo, essas fantasias

são relacionadas, principalmente, aos personagens desse entretenimento japonês.

Terceiro, a escolha do personagem normalmente está relacionada à identificação com

ele. As pessoas que se vestem passam a agir como o personagem, há uma vivência de

uma nova realidade. E, por último, há um ganho proporcionado por essa atividade que,

em geral, é a valorização de si mesmo.

O estudo procurou compreender o fenômeno cosplay, explorando o processo de

identificação desenvolvido pelos cosplayers com os personagens provindos dos meios

televisivos e impressos. A identificação com alguns personagens de mangás e animes

decorre, sobretudo, por estes oferecerem um aspecto mais realista, sem a invencibilidade

ou enquadramento em dualidades, mal e bem, que costumam acontecer em quadrinhos

ocidentais. Somado a isso, outros fatores que podem ser destacados como facilitadores

no processo de identificação neste entretenimento japonês são: maior profundidade no

trato da personalidade dos personagens e um desenvolvimento gradual da história, com o

envelhecimento e crescente aprendizagem deles.

Ao longo do trabalho descrevi aspectos dos eventos onde os cosplayers e demais

admiradores de mangás e animes se encontram, pois é aí que os cosplayers

afirmam/confirmam sua existência como pertencente daquele lugar e procuram satisfazer

suas necessidades. Além disso, inclui falas dos jovens que vivem a experiência de serem

cosplayers, pois somente a partir deles, que conseguiria me aproximar do entendimento

desse fenômeno. Os objetivos para participação nos eventos são muitos e diferentes,

sendo os mais citados: diversão, reconhecimento social e aumento de habilidades com a

confecção de roupas e adereços. A facilidade proporcionada no relacionamento social foi

citada como uma vantagem para os que se consideram tímidos, pois muitas pessoas

iniciam a conversa com eles. Também pude perceber que o processo de realização do

cosplay envolve muita dedicação e criatividade, aspectos esses que vão de encontro à

idéia de um consumo passivo do que é veiculado pela mídia.

Apesar das informações obtidas pelo grupo focal não poderem ser generalizadas,

pois não trabalhei com amostras representativas estatisticamente dos jovens do Rio de

Janeiro, os dados obtidos suprem as necessidades deste trabalho, uma vez que visa

entender, refletir e questionar o fenômeno cosplay, e no qual o singular tem relevância

para este estudo.

Considero o cosplay como parte do mundo hipermoderno, pois ele explicita o

caráter flexível das identificações, baseadas predominantemente no consumo de

produtos, compartilhados pelo grupo e identificáveis pela visão. A competição e a busca

Page 103: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

por excelência, tanto de alguns competidores quanto dos próprios freqüentadores dos

eventos, são outros aspectos presentes nos eventos que se adequam ao contexto atual.

Como a identidade torna-se mais manipulável, a sua ligação com uma roupagem

toma destaque, e o lugar da mídia se insere na formação do sujeito. O ato de fazer

cosplay pode parecer distante para nós, mas o fato é que não é. Tanto nos eventos de

aficionados por animes e mangás, quanto no mundo o qual estamos mais familiarizados,

desenvolvemos algumas identidades utilizando objetos de consumo, a diferença é que

naquele ambiente teríamos mais facilidade, ou uma visibilidade maior nesse poder de

escolha.

Da mesma forma, incorporar um personagem e interpretá-lo pode ser encarado

como atividade distante, no máximo voltado para atores ou cosplayers (agora que já

conhecem esse fenômeno), mas será que não podemos dizer que atualmente muitas

“mulheres de 50 estão interpretando garotas de 18”, conforme aponta Medeiros (2007)?

Sem mencionar que normalmente as pessoas representam ser seres imunes de dor ou

sofrimento, pois aceitam as verdades midiáticas de que não pode haver falhas ou ter

defeitos.

Entendo o cosplay como um jogo no qual a imaginação dá a liberdade de

transformar a realidade, possibilitando brincar de ser outra pessoa. Ela possibilita que

haja um ambiente sem muitas barreiras, o que facilita o uso de maneiras novas de ser,

diferentes do habitual. Ao se vestirem como os personagens isso seria uma forma

encontrada para lidar com a realidade, servindo como algo constituinte da subjetividade.

O lúdico, desta forma, permite que se encarem as situações com um nível menor de

tensão.

Posso dizer, então, que as fronteiras entre imaginário e a realidade são móveis e,

com o crescimento da influência da mídia, é difícil definir quando estamos vivendo

conforme nossas demandas e necessidades ou quando já adquirimos, sem refletir,

modelos de comportamento colocados pelos meios de entretenimento. Contudo, uma

diferença é a convivência com a mídia, vendo-a como um entretenimento em si, outra é

tê-la como autoridade, fonte de modelos inquestionáveis. Se a mídia coloca, por exemplo,

que ser uma executiva está vinculado a usar terninho, salto alto e ter uma bolsa da Vitor

Hugo, então, serão os cosplayers mais um exemplo de “fenômeno – problema”,

característicos dos jovens, ou um acontecimento coerente com o contexto social,

diferenciada por ser controlada por aqueles que a vestem, e que aqui aparece com uma

roupagem distinta daqueles já absorvidos pela população?

Page 104: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Um fato interessante é que não há, por parte dos cosplayers dos quais entrevistei,

um consumo não reflexivo dos modelos da mídia. Apesar de muitas vezes copiar as

roupas, a confecção envolve inventividade e a identificação com os personagens já traz

uma leitura do comportamento deles, nos quais leva a um questionamento de suas

próprias atitudes.

No começo deste trabalho, apontei que ele iria ser desenvolvido não mais para

superar a barreira do incômodo sobre o tema, mas sim a da dúvida; porém, agora não

encaro minhas questões como barreiras, mas como pontos de curiosidade frente a um

tema tão amplo. Na dissertação pude desenvolver apenas um aspecto dentre tantos que

podem ser explorados, assim, acredito que com o aprofundamento dessas questões ou a

exploração de outras, novos aspectos possam surgir que podem corroborar ou não com o

que foi aqui apresentado. Destaco a questão de alguns cosplayers preferirem se vestir

com personagens do sexo oposto e a comparação do processo de identificação do

cosplays em diferentes nacionalidades, como alguns assuntos interessantes de serem

estudados.

Portanto, em meio a acelerações no ritmo da vida e ao declínio das bases estáveis

na qual formamos nossa identidade, podemos ver o exótico, não como algo que agride a

estética aceita pela mídia, mas sim como uma alternativa surgida em meio a tantas

limitações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AIGNEREN, Miguel. La técnica de recolección de información mediante los grupos

focales. Revista electrónica del Centro de Investigación Social (CEO), 2001.

Disponível em http://ccp.ucr.ac.cr/bvp/texto/14/grupos_focales.htm Acessado em 26

jun. 2006.

ANDRIATTE, A. M.; BENEDETTO, F. V. Cosplay x realidade: o conflito de um

adolescente. I Simpósio Internacional do Adolescente, 2005.

ANIME CENTER EVENTOS. Concurso de cosplay. Disponível em

<http://www.animecentereventos.com.br/cosplay.htm>. Acesso em: 29 out. 2007

ANSELMO, Zilda Augusta. Histórias em Quadrinhos. Petrópolis: Vozes, 1975.

AUBERT, Nicole. Les métamorphoses de l’individu. Sciences de l’Homme & Sociétés, n.

75, p. 16-20, mar. 2005.

BAZCKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: ROMANO, Ruggiero (org.). Enciclopédia

Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985.

Page 105: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto

de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Editora da Universidade de

Brasília, 1996.

BARRAL, Étienne. Otaku: os filhos do virtual. São Paulo: Editora Senac, 2000.

BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Edições

70, 1995.

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

______. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi/ Zygmunt Bauman. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 2005.

BEFU, Harumi. Globalization Theory from the bottom up: japan’s contributon.

Japanese studies, vol. 23, nº 1, 2003, p3-22. Carfax Publishing.

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

BELLI, Angelina de. Infância em tempo de megabytes. In: CASTRO, Lucia Rabello de.

(org.). Infância e Adolescência na Cultura do Consumo. Rio de Janeiro: NAU,

1998. p. 175-188.

BIBE-LUYTEN, Sonia M. O que é história em quadrinhos. São Paulo: Editora

Brasiliense, 1987.

______. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: JBC, 2004.

BOTTON, Alain de. Desejo de status. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da

globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.

______. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.

______. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade. Rio de

Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

CANEVACCI, Massimo. Antropologia da comunicação visual. Rio de Janeiro: DP&A,

2001.

CASTRO, Lucia Rabello de. Infância e adolescência hoje. In: CASTRO, Lucia Rabello de.

(org.). Infância e Adolescência na Cultura do Consumo. Rio de Janeiro: NAU,

1998a. p. 11- 21.

______. Uma teoria da infância na contemporaneidade. In: CASTRO, Lucia Rabello de.

(org.). Infância e Adolescência na Cultura do Consumo. Rio de Janeiro: NAU,

1998b. p. 23- 53.

CASTRO, Mary García. ABRAMOVAY, Mirim. RODRIGUEZ, Ernesto. Políticas Públicas

de/para/com juventudes. Brasília: UNESCO, 2004.

Page 106: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis: Editora

Vozes, 2002.

CHARLES, Sébastien. O individualismo paradoxal: introdução ao pensamento de Gilles

Lipovetsky. In: LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo:

Editora Barcarolla, 2004.

CIAMPA, Antonio da Costa. Identidade. In: LANE, Silvia T.; CODO, Wanderley (orgs.).

Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 58-

75.

CLUBOTAKU.ORG. Disponível em: <http://www.clubotaku.org/cow/Manga/Manga>.

Acesso em: 10 nov. 2006.

COMISSÃO DE ÉTICA EM PESQUISA – SR2. Disponível em:

<http://www.sr2.uerj.br/sr2/coep/index.php?mod=projetos.htm#2007>. Acesso em:

02 jan. 2008.

COSPLAY BRASIL. Disponível em <http://www.cosplaybr.com.br/cb/>. Acesso em: 02 jan.

2008.

COSTA, Jurandir Freire. Perspectivas da juventude na sociedade de mercado. In:

Novaes, Regina; Vannuchi, Paulo (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho,

educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,

2004, p. 75-88.

DALL`AGNOL, Clarice Maria; TRENCH, Maria Helena. Grupos Focais como estratégia

metodológica em pesquisas na enfermagem. Revista Gaúcha Enfermagem, Porto

Alegre, v. 20, n.1, p. 5- 25, jan. 1990.

DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação. São

Paulo: ANPEd, n. 24, p. 40-52, 2003.

DEL GRECO, Marcelo. Mangá está na moda. Made in Japan. São Paulo: JBC, n. 98, p.

28-37, 2005.

EWALD, Ariane Patrícia; Soares, Jorge Coelho. Identidade e subjetividade numa era de

incerteza. Estudos de Psicologia, Natal, v. 12, 23-30, 2007.

FAVARO, Thomaz. A política do sushi. Revista Veja, número 1985 de 6 de dezembro de

2006. p.70-72

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

FRUITS BASKET. JBC Mangás. Disponível no site:

<http://mangasjbc.uol.com.br/fruitsbasket/interna.php?secao=manga>. Acesso em:

02 nov. 2007.

Page 107: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

FURUKAWA, Carolina. Desafios de ser jovem numa sociedade de consumo: o

advento do desenho japonês na construção da identidade. 2005. Monografia –

Instituto de Psicologia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

GAULEJAC, Vincent de. L’hypermodernité ou la société paradoxale. Sciences de

l’Homme & Sociétés, n. 75, p. 21-23, mar. 2005.

GONZÁLEZ REY, F. L. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São

Paulo: Pioneira Thompson Leading, 2003.

______. Pesquisa Qualitativa e Subjetividade: os processos de construção da

informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

GROPPO, Luis Antonio. Juventude: Ensaios Sobre Sociologia e História das Juventudes

Modernas. Rio de Janeiro: Difel, 2000.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

HAO, Xiaoming; TEH, Leng Leng. The impact of Japanese popular culture on the

Singaporean youth. Keio Communication Review, n. 26, 2004, p. 17-36.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Editora

Perspectiva, 2001.

IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p. 7-

35.

INSTITUTO CULTURAL BRASIIL-JAPÃO. Noções básicas sobre a língua japonesa.

Disponível em: <http://www.meishusama.org/homepage/nihongo.htm>

Acesso em: 29 out. 2007.

IWABUCHI, Koichi. New pop culture and lifestyles in Asia: emerging common values

and their implications for regional integration. Asia-Pacific journalists meeting, 2002.

JACOB, André (Direction). Les Notions Philosophiques - Dictionnaire. Tome 2;

Philosophie occidentale: M-Z (volume dirigé par Sylvain Aurox). Paris: Presses

Universitaires de France - PUF, 1990.

KIND, Luciana. Notas para o trabalho com técnica de grupo focais. Psicologia em

Revista, Belo Horizonte, v. 10, n.15, p. 124-136, jun. 2004.

KURIHARA, Akiko. História: Kanji (ideogramas). Nippo-jovem, São Paulo, jan. 2002.

Disponível em: <http://www.nj.com.br/kanji/historia_kanji.php>. Acesso em: 28 out.

2007.

LACROIX, Michel. O culto da emoção. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

LEDOUX, Trish; RANNEY, Doug; PATTERN, Fred. Fifteen years of japanese animation

fandom, 1977-92. In: PATTERN, Fred. Watching anime, reading mangá: 25 years

of essays and reviws. Store Bridge Press, Berkely, CA, 2004.

Page 108: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

LEHMANN, Lúcia de Mello e Souza; SILVEIRA, Alessandra Gomes; AFONSO, Andréia de

Fátima Lino; CASTRO, Lucia Rabello de. Estetização do corpo: identificação e

pertencimento na contemporaneidade. In: CASTRO, Lucia Rabello de (org.).

Infância e Adolescência na cultura do consumo. Rio de Janeiro: NAU, 1998.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

MACHADO, Arlindo. Regimes de Imersão e Modos de Agenciamento. In: XXV

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2002, Salvador.

MAFESSOLI, M. O imaginário é uma realidade. Revista Famecos, mídia, cultura, e

tecnologia. Porto Alegre, Edipucrs, nº 15, p. 74-81, Ago. 2001.

______. In: ROUANET, Sergio Paulo & MAFFESOLI, Michel. Moderno e pós-moderno.

Rio de Janeiro: Departamento Cultural da UERJ/ SR-3, 1994.

MAHEIRIE, Kátia. Angenor no mundo: um estudo psicossocial da identidade. Santa

Catarina: Ed. Letras Contemporâneas, 1994.

MANCEBO, Deise. Contemporaneidade e efeitos de subjetivação. In: BOCK, Ana Mercês

Bahia (org.). Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003.

MANNHEIM, Karl. In: FORACCHI, Marialice M (org.). Karl Mannheim: sociologia. São

Paulo: ed. Ática, 1982.

MARTIN-BARBERO, Jesús. Saberes hoy: diseminaciones, competencias y

transversalidades. Revista Iberoamericana de Educación, Escuela y medios de

comunicación / Escola e meios de comunicação, n. 32, Maio – Ago. 2003.

MATTOS, Patrícia. A sociologia política do reconhecimento: as contribuições de

Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. São Paulo: Annablume, 2006.

MEDEIROS, Martha. Quem você é, de verdade? Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 05

ago. 2007. Revista, p. 40.

MOLINÉ, Alfons. O grande livro dos mangás. São Paulo: Editora JBC, 2004.

MOREIRA, Gabriela. Adolescentes fogem para manter namoro. Jornal O Globo, Rio de

Janeiro, 13 jun. 2007. Rio, p. 15.

MOURA, Maria Lucia Seidl de; FERREIRA, Maria Cristina. Projetos de pesquisa:

elaboração, redação e apresentação. Rio de Janeiro: Eduerj, 2005.

ONU faz campanha para jovem participar mais. Disponível em <http://www.onu-

brasil.org.br/view_news.php?id=4697>. Acesso em: 31 out. 2007.

PATTERN, Fred. Watching anime, reading mangá: 25 years of essays and reviews.

Store Bridge Press, Berkely, CA, 2004.

Page 109: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

PLATLAGEAN, Evelyne. A história do imaginário. In: LE GOFF, Jacques. A História

Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 291-317.

PERDIGÃO, Paulo. Existência e liberdade: uma introdução à filosofia de Sartre. Porto

Alegre: L&PM, 1995.

PERISSÉ, Ana Paula. Second Life. Duas Vidas. A oscilação inquietante das novas

possibilidades hipermodernas. 2007. Dissertação - Pós - graduação em

Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.

Redação de menino. Disponível em: <http://maisvoce.globo.com/mensagem.jsp?id=16510>.

Acesso em: 09 set. 2006.

ROSO, Adriane. Grupos focais em psicologia social: da teoria à prática. Psico: Porto

Alegre, v.28, n.2, p. 155-169, jul./dez.1997.

ROSSI, Jones. Cosplay, o reino da fantasia. Estadão.com.br, São Paulo, out. 2007.

Disponível em:<http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup67966,0.htm>.

Acesso em: 03 fev. 2008.

ROUANET, Sergio Paulo. In: ROUANET, Sergio Paulo & MAFFESOLI, Michel. Moderno

e Pós-Moderno. Rio de Janeiro: UERJ, Departamento Cultural/ SR-3, 1994.

SARLO, Beatriz. Cenas da vida Pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na

Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.

SARTRE, Jean Paul. Questão de método. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural,

1984.

SCHODT, Frederik L. Manga! Manga! The world of japanese comics. Japan:

Kodansha International Ltd., 1986.

SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São

Paulo: Companhia das Letras, 2001.

SEVERIANO, Maria de Fátima Vieira; ESTRAMINA, José Luis Álvaro. Consumo,

narcisismo e identidades contemporâneas: uma análise psicossocial. Rio de

Janeiro: EdUERJ, 2006.

SILVA, Tomaz Tadeu de. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA,

Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos

culturais. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000. p. 73-102.

SOARES, Jorge Coelho. A crise da sociedade contemporânea e o sofrimento psíquico.

Revista Ciências Humanas, Rio de Janeiro, v.23, n. 1-2, p. 220-231, jun-dez. 2000.

SOUZA, Incéia Heiderscheidt. Psicologia existencialista II: O eu e as relações. Ed,

Nuca, 1987.

Page 110: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

SOUZA, Lívia Maria de; GRECO, Marcelo Del; MALONE, Verena. O mundo do cosplay.

Revista Made in Japan, São Paulo, n. 106, p.12-23, ano 9, 2006.

TEVES, Nilda. O imaginário na configuração da realidade social. In: TEVES, Nilda (org.).

Imaginário social e educação. Rio de Janeiro: Gryphus: Faculdade de Educação

da UFRJ, 1992. p. 3-33.

TISSIER-DESBORDES, Élisabeth. Le corps hypermoderne. Sciences de l’Homme &

Sociétés, n. 75, p. 32-34, mar. 2005.

VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

VIANNA, Letícia, C. R. A idade mídia: uma reflexão sobre o mito da juventude na cultura

de massa. Brasília, Série 121 Antropologia, 1992. Disponível em:

<http://www.unb.br/ics/dan/Serie121empdf.pdf>. Acesso em: 09 set. 2006.

VILLAÇA, Nízia. A edição do corpo: tecnociência, artes e moda. Barueri, SP: Estação

das Letras Editora, 2007.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:

SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos

culturais. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000. p. 7- 72.

Page 111: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

APÊNDICE A - ROTEIRO PARA OS ENCONTROS

1º encontro - “Adesão das pessoas: Conhecendo o grupo”

Neste primeiro momento foi necessário explicitar o cenário da pesquisa aos

participantes, de forma que estimulasse a comunicação e envolvimento deles, mas

principalmente, que instigasse o sentido subjetivo dos participantes. Como envolve

conteúdos subjetivos, o envolvimento do grupo (incluindo o pesquisador e o observador)

assim como o estabelecimento de um rapport, foram essenciais para o desenvolvimento

da pesquisa.

Foi informado que este trabalho precisaria que as pessoas estivessem disponíveis

para expor suas opiniões e experiências e participassem de algumas atividades, sendo

apontado que em nenhuma das solicitações, as pessoas passariam por qualquer tipo de

constrangimento. Também foi comunicado que não havia obrigatoriedade em continuar a

vir nos encontros, porém uma vez que os convidados aceitassem participar da pesquisa,

isso seria considerado como forma de interesse e comprometimento com a proposta do

estudo.

Foi acordado também sobre o horário e dias dos encontros.

A dinâmica de “Auto-retrato” foi escolhida para apresentação dos participantes, por

já iniciar uma autoreflexão de quem se apresenta. Os materiais utilizados foram: papel

sulfite, lápis de cor, canetas hidrocor e giz de cera. A atividade consiste em o facilitador

pedir a cada participante que faça uma representação de si mesmo, estando livre para

desenhar da forma que desejar. Juntamente a isso, o facilitador solicita que todos (cada

um no seu desenho) complementem a figura com os seguintes itens:

· Saindo da boca, fazer um balão com uma frase que represente seu lema de vida;

· Saindo do coração, fazer uma seta indicando três dos seus valores;

· Na mão esquerda escrever algo que gostaria de receber; e

· Na mão direita, escrever uma meta que deseja alcançar.

Para finalizar, o facilitador pede a cada um que se apresente para o grupo, dizendo

seu nome, como é chamado pelos amigos (apelido), idade e escolaridade e, em seguida,

fale sobre o seu desenho.

Abaixo um esquema simplificado do que foi desenvolvido em cada encontro. As

discussões, contudo, não necessariamente se restringiram a esse roteiro prévio, às

vezes, tomando outros rumos.

Page 112: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

PROPOSTA DESCRIÇÃO DURAÇÃO Apresentação - Facilitador e observador 5 min Esclarecimento da proposta

- Temas - Objetivos - Técnica dos grupos focais - Horário e dia - Leitura e explicação das questões éticas

10 min

Atividade - Aplicação da Dinâmica: “Auto retrato” - Apresentação dos participantes

40 min

Alguns assuntos para debate

- Primeiro contato com os eventos. Através de amigos, Internet; - Contato anterior com animes/ mangás; - Primeiro contato com os animes/ mangás. Amigos, televisão, conta própria, algum meio de divulgação; - Interesse em fazer o primeiro cosplay - Cosplayers que já realizaram.

55 min

Encerramento -Impressões gerais, opiniões, sugestões - Marcação do próximo encontro. - Agradecimento

10 min

2º encontro – “Influência da mídia” No segundo encontro, foi dada continuidade a discussão sobre alguns assuntos, como explicitado abaixo:

PROPOSTA DESCRIÇÃO DURAÇÃO

Abertura Recebimento dos participantes 5 min Alguns tópicos para debate

- Influência da mídia; - Pessoas que se fantasiam como personagens do sexo oposto; - Mudança com o uso da internet; - A escolha do mangá ou anime. - Discussão sobre as histórias ou atitudes de alguns personagens com amigos.

75 min

Encerramento - Impressões gerais, opiniões, sugestões. - Marcação do próximo encontro - Agradecimento

10 min

3º encontro- “Ser um cosplay” Neste terceiro encontro, em um determinado momento, foi solicitado que os

participantes realizassem a atividade “Sendo o cosplay por um dia”. Esta consistia em que

todos imaginassem que ao acordar, estivessem com uma roupa de um personagem que

já tivessem feito ou que gostariam de fazer cosplay, e deveriam passar o dia assim,

Page 113: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

fazendo as atividades que normalmente realizam durante o dia. A partir disso pedi que

cada um respondesse:

1) Que personagem escolheu, contando um pouco da história do personagem

selecionado;

2) Se agiria diferente por estar vestindo essa roupa;

3) Quais características você mudaria em si mesmo (ou se mudaria); 4) Por que escolheu esse personagem; 5) Se você mudaria alguma coisa nele; e 6) Se tem uma característica dele que gostaria de ter.

PROPOSTA DESCRIÇÃO DURAÇÃO

Abertura Recebimento dos participantes 5 min Alguns tópicos para debate

- Motivação para se vestir; - A escolha do personagem; - O processo de montagem da vestimenta; - Tempo disponível para realização das roupas do cosplay; - Influência da leitura do mangá, anime e cosplay; - Impressão sobre as vaias; - A competição nos eventos; - Diferença entre teatro e cosplay; - Representação do cosplay para eles.

60 min

Atividade - “Sendo o cosplay por um dia” - Exposição dos participantes

30 min

Encerramento - Impressões gerais, opiniões, sugestões - Agradecimento

15 min

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Yuki do mangá Fruits Basket .................................................................. 42

Figura 2 – Orientações para leitura do mangá Chobits.............................................59

Figura 3 – Cosplay do personagem principal do filme “O Máskara”..........................66

Figura 4 – Shin do mangá Nana................................................................................73

Page 114: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Figura 5 – Nataku do mangá Soul Hunter..................................................................74

Figura 6 - Renge do mangá Ouran High School Host Club.......................................75

Figura 7 - Tamaki do mangá Ouran High School Host Club………………………..…75

Figura 8 – Kaname do mangá Vampire Knight..........................................................75

Figura 9 – Yuki Souma do mangá Fruits Basket........................................................76

Figura 10 – Kaname do mangá Vampire Knight........................................................77

Page 115: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 116: “COSPLAY”: IDENTIDADES NA …livros01.livrosgratis.com.br/cp071064.pdfconsumo de histórias em quadrinhos/desenhos japoneses, jogos eletrônicos. Com eles eu percebi que não era

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo