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A CENA COSPLAY EM GOIÂNIA: UMA ABORDAGEM CULTURAL. YHANKA LOUZA 1 RESUMO O presente artigo é o recorte de um trabalho já elaborado sobre o grupo cultural do cosplay, desta forma se pretende brevemente investigar e contextualizar a cultura Cosplay na cidade de Goiânia, almejando compreender como a mesma se espacializa e habita esta localidade, percebendo que a capital goiana não está distante dos processos culturais de outras metrópoles. Bem como as possibilidades e facilidades que uma cidade considerada metrópole pode trazer para que esse grupo cultural habite seus espaços. Será verificado como tal cena iniciou e se difundiu, como seus adeptos consomem as memórias das narrativas que despertaram o interesse pelo cosplay, como é ser cosplayer nesta capital, o impacto que uma cena cultural como esta trás para a cidade, e como é capaz de transformar a paisagem de locais por onde passam.. Se trata de uma pesquisa que envolve trabalho de campo em eventos de cultura pop japonesa, e entrevista, no intuito de conhecer mais de perto tal realidade, a identidade destes sujeitos, e da cena cosplay na capital. Palavras-chave: Cosplay. Goiânia. Cultura. Identidade. Paisagem. ABSTRACT This article is part of an already elaborated work on the cosplay cultural group, with the purpose of investigating and contextualizing Cosplay culture in the city of Goiânia, as a way to understand how this group is spatialized and inhabits this locality, to demonstrate that this city is not far from the cultural processes of other metropolis and to point out the possibilities and facilities that a city considered metropolis can bring so that this cultural group inhabits its spaces. In this work will be verified how such a scene began and spread, how its fans consume the memories of the narratives that aroused the interest for the cosplay, how it is to be cosplayer in this capital, the impact that a cultural scene like this brings back to the city and its capacity to transform the landscape of places they go through. This study is a research that involves field work in Japanese pop culture events, and interview, in order to know more deeply the reality, the identity of these subjects, and the cosplay scene in the capital. Key-words: Cosplay. Goiânia. Culture. Identity. Landscape. 1 Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás. E-mail de contato: [email protected]

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A CENA COSPLAY EM GOIÂNIA: UMA ABORDAGEM CULTURAL.

YHANKA LOUZA1

RESUMO

O presente artigo é o recorte de um trabalho já elaborado sobre o grupo cultural do cosplay, desta forma se pretende brevemente investigar e contextualizar a cultura Cosplay na cidade de Goiânia, almejando compreender como a mesma se espacializa e habita esta localidade, percebendo que a capital goiana não está distante dos processos culturais de outras metrópoles. Bem como as possibilidades e facilidades que uma cidade considerada metrópole pode trazer para que esse grupo cultural habite seus espaços. Será verificado como tal cena iniciou e se difundiu, como seus adeptos consomem as memórias das narrativas que despertaram o interesse pelo cosplay, como é ser cosplayer nesta capital, o impacto que uma cena cultural como esta trás para a cidade, e como é capaz de transformar a paisagem de locais por onde passam.. Se trata de uma pesquisa que envolve trabalho de campo em eventos de cultura pop japonesa, e entrevista, no intuito de conhecer mais de perto tal realidade, a identidade destes sujeitos, e da cena cosplay na capital.

Palavras-chave: Cosplay. Goiânia. Cultura. Identidade. Paisagem.

ABSTRACT

This article is part of an already elaborated work on the cosplay cultural group, with the purpose of investigating and contextualizing Cosplay culture in the city of Goiânia, as a way to understand how this group is spatialized and inhabits this locality, to demonstrate that this city is not far from the cultural processes of other metropolis and to point out the possibilities and facilities that a city considered metropolis can bring so that this cultural group inhabits its spaces. In this work will be verified how such a scene began and spread, how its fans consume the memories of the narratives that aroused the interest for the cosplay, how it is to be cosplayer in this capital, the impact that a cultural scene like this brings back to the city and its capacity to transform the landscape of places they go through. This study is a research that involves field work in Japanese pop culture events, and interview, in order to know

more deeply the reality, the identity of these subjects, and the cosplay scene in the capital.

Key-words: Cosplay. Goiânia. Culture. Identity. Landscape.

1 Acadêmica do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás. E-mail

de contato: [email protected]

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1- Introdução

Com o propósito em se pesquisar grupos de pessoas em que suas vestimentas

estão intrinsecamente ligadas à formação de suas identidades e no modo de viver, foi

selecionado o grupo cultural dos cosplayers, na cidade de Goiânia, para que seja

possível apreendermos como estes se espacializam na metrópole em questão,

através de suas práticas e vivências.

Os cosplayers, nada mais são do que os sujeitos da Cena Cosplay em estudo.

Cosplay, cos = costume, palavra esta originária da língua inglesa, que traz a ideia de

traje, play = brincar, também uma palavra da língua inglesa e que seu significado está

ligado à diversão. Levando em conta esta breve explicação em relação a etimologia

da palavra “Cosplay”, podemos compreender que estar na Cena Cosplay significa

brincar de se vestir e interpretar personagens das mais diversas narrativas.

Assim como diferentes grupos culturais existentes na cidade de Goiânia, o grupo

dos cosplayers agregam na construção e diversidade da cena cultural goiana,

trazendo certa teatralidade aos espaços habitados pelos mesmos. Espaços estes

como, escolas, faculdades, parques, creches, asilos, hospitais, shoppings, que se

tornam palco das atuações dos cosplayers e trazem entretenimento para a população.

A Cena Cosplay é conhecida como uma prática jovem num contexto geral,

podendo ainda assim contar com participantes de diversas idades. Por se tratar de

um grupo com fortes ligações à cultura pop, buscou-se analisar as contribuições e

influencias que este grupo cultural trás para a metrópole goiana, considerando que

esta por muitas vezes ainda é conhecida como uma capital sertaneja. Seria então esta

cena um exemplo de ruptura da ideia homogeneizada de uma Goiânia sertaneja?

Através de levantamento bibliográfico, entrevistas com os cosplayers e

trabalhos de campo em eventos de animê2, objetivando conhecer de forma mais

2 Evento que reúne fãs e pessoas interessadas em animes, mangás, games, cosplay e tudo que

envolve cultura pop-japonesa.

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aprofundada a realidade dos mesmos, foi apreendido como estes pertencem à cena

goiana do cosplay, constroem identidades, se sociabilizam, transformam a paisagem

e executam sua própria cena cultural.

Utilizou-se como referência principal a obra “Cena Cosplay. Comunicação,

consumo, memória nas culturas juvenis.”, organizado pela autora Mônica Rebecca

Ferrari Nunes3 que em conjunto com mais sete autores aborda a cena cosplay nos

estados da região sudeste do país.

2- Discussão

2.1- O limiar do Cosplay e seu pouso na cena cultural goiana.

Acredita-se que a inspiração inicial para o ato de vestir-se e interpretar

personagens fictícios surgiu através dos filmes de ficção científica. Páginas na web

vinculadas ao movimento cosplay brasileiro, relacionam o emergir do cosplay com

as convenções de ficção científica estadunidenses, em especial a 1ª World

Science Fiction Convention, que ocorreu na cidade de Nova York, no ano de 1939.

Um casal de jovens, Forrest J. Ackerman e Myrtle R., surgiram caracterizados

nesta convenção com vestimentas que faziam referência ao filme Things To Come,

despertando o interesse em outras pessoas de também se caracterizarem como

personagens de ficção científica nos anos conseguintes da convenção. Este tipo

de caracterização não seriam ainda o que hoje se conhece por Cosplay, tendo em

vista que as características das roupas eram pouco fieis à originalidade do

personagem.4

Não se pode dizer um momento exato em que tal atividade teve seu início. “A

historiografia do cosplay ainda não está completamente traçada e a cronologia de

certos fatos decisivos para a expansão desta prática não é unanime entre os

pesquisadores de cultura pop japonesa.” (NUNES, 2015, p.30).

3 Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com formação complementar na École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS, Paris, França, e também na Université Paris VIII, Saint-Denis, França. 4 https://cosmonerd.com.br/outros/colunas/mundo-cosplay/origem-do-cosplay/. Último acesso em 2 de

Junho de 2019.

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Figura 1 – “Primeiro Cosplay da história. Forrest J. Ackerman e Myrtle R. Douglas, durante a

WorldCon de 1939.” 1939. Disponível em < http://sintoniageek.com.br/historia-do-

cosplay/>. Acesso em 2 de Junho de 2019.

A prática de se vestir e representar personagens fictícios não se deu somente

por uma configuração norte-americana, podendo ser considerada como uma fusão

entre os Estados Unidos da América e Japão. Um jornalista japonês, Nobuyuki

Takahashi, compareceu em 1984 à WorldCon na cidade de Los Angeles, onde pôde

conhecer os masquarades. Ao ficar encantado com o que presenciou no evento,

publicou numerosas matérias sobre o concurso que havia descoberto em diferentes

revistas de ficção científica do seu país. Takahashi então nomeou tal ação como kosu-

pure, que traduzindo significa cosplay. (NUNES, 2015, p. 32).

Ainda que seja uma associação entre os EUA e o Japão, a cena cosplay não

se prende somente à estes países, podendo ser percebida a existência de

personagens de diversas nacionalidades, tendo como exemplo, Harry Potter,

personagem fictício da série de sete romances de alta fantasia, nominada Harry

Potter, da autora britânica J. K. Rowling.5 Uma personagem que também não faz parte

destes dois países e que foi mapeada durante um dos trabalhos de campo na cidade

5 Escritora, roteirista e produtora cinematográfica britânica, notória por escrever a série de livros Harry

Potter.

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de Goiânia, é Miranda Lawson, personagem fictícia da série de games canadense,

conhecida como Mass Effect.6

Figura 2 – Vitor em seu cosplay de Harry Potter, personagem da série de alta fantasia Harry

Potter. Animash Christmas, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.

Figura 3 – Helena em seu cosplay de Miranda Lawson, personagem do game Mass

Effect. Sesc Geek, GO, 2017. Foto de Yhanka Louza.

A partir do crescimento editorial de mangás7, e do audiovisual dos animês8, em

meados de 1990, que a cena cosplay passa a se idealizar no Brasil. Foi na Convenção

Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações (MangáCon), realizada na cidade

de São Paulo, em que foi considerada a primeira aparição no país de jovens como

6 https://en.wikipedia.org/wiki/Miranda_Lawson. Último acesso em 2 de Junho de 2019. 7 História em quadrinhos no estilo japonês. 8 Animação produzida por estúdios japoneses.

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cosplayers, ocorrendo exibições de animês e comércio de mangás.9 (FLYNN, 1989,

p. 53)

Ao ser contextualizada a trajetória e chegada da Cena Cosplay no Brasil,

emerge a dúvida, como a metrópole goiana acolheu tal cultura? Sendo Goiânia uma

cidade que transita entre o urbano e o rural, entre o “novo” e o “velho”. Da mesma

maneira que outras grandes cidades, Goiânia detém culturas e grupos, podendo estes

serem tradicionais da região goiana, bem como não necessariamente goianos, mas

que foram guiados por meio da imigração, internet, mídia e diferentes meios de

comunicação. Sendo assim, o cosplay também aterrissou na capital goiana, porém

com um maior tardar, se comparada com a cidade de São Paulo.

Não há um período específico para definição da chegada da Cena Cosplay em

Goiânia, mas levando em conta a chegada em São Paulo em 1990, e o depoimento

da cosplayer entrevistada, Thaiza Montine, considera-se que ocorreu logo após a

cena se disseminar em São Paulo. “O movimento cosplay chegou em Goiânia por

volta dos anos 90, sendo um momento que ainda se existia grande preconceito com

tal atividade.”10

Na metrópole goiana acontecem diversos eventos voltados para a cultura pop

japonesa, viabilizados por grupos de amigos que compartilham do interesse no

universo de animês e mangás. Um destes eventos, possivelmente o mais conhecido

na cidade, é o AnimeHai, que teve sua primeira edição em 2007, no Colégio Lyceu de

Goiânia, atraindo um público de mais de três mil pessoas. Após alguns anos sem

realizar outras edições, o evento voltou em 2017, com uma edição especial de 10

anos.11

Há também outros eventos que atendem a comunidade cosplay, como o Anime

Gyn Festival, Sesc Geek, entre outros, que ocorrem durante todo o ano, porém sem

9 Disponível em https://www.cosplaybr.com.br/page/index.php/o-que-e-cosplay. Último acesso em

Março de 2018 10 Entrevista realizada por e-mail com a Cosplayer Thaiza Montine, em 6 de abril de 2018. 11 Disponível em http://animehai.com.br/historico/. Último acesso em abril de 2018.

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datas fixas. O que se pode notar é que não existe um único evento para os cosplayers,

mas eventos que reúnem diversas extensões do mundo geek12, otaku13 e cosplay.

2.2- As potencialidades da metrópole para a cena e construção da identidade

cosplay.

A Cena Cosplay está inserida em um cenário jovem e compõe a paisagem de

diversas grandes metrópoles, através dos seus eventos e encontros, onde cosplayers

se vestem e realizam performances respectivas a personagens de livros, HQ’S,

mangás, filmes, desenhos, animês, séries e games. Por se tratar de uma prática que

advém de grandes centros urbanos, o que a metrópole goiana detém para que tal

prática tenha se espacializado e adaptado à cidade?

Analisando a noção do que pode ser uma metrópole, Willi Bolle14 alicerçado

nos estudos de Walter Benjamim, traz seu conceito de metrópole por meio da cidade

de Paris, retratada por ele como a “capital do século XIX”.

Paris como lugar das primeiras exposições universais, “capital do luxo e da moda”, centro de planejamento da industrialização da Terra, palco da Exposição Universal de 1867, com “o desabrochar mais radioso” da cultura capitalista – eis alguns dos atributos que, além de fazer resplandecer sua imagem sobre o século XIX, sugerem também a dominação do globo. (BOLLE, 1994, p. 29).

É perceptível a visão eurocentrista de Benjamim, sendo assim, como seria

possível relacionarmos sua concepção de metrópole com grandes cidades que vieram

a surgir posteriormente nos chamados países de “terceiro mundo”, levando em conta

as diferenças históricas e geográficas do contexto europeu e da América do Sul?

É que determinadas estruturas de nossas grandes cidades foram antecipadas, de modo visionário, pelas “radiografias” da Modernidade, de autoria de Benjamin. O primeiro de seus quadros urbanos, o ensaio

12 Pessoas fãs de tecnologia, eletrônica, jogos, história em quadrinhos, livros, filmes e séries. 13 Fãs de animês ou mangás. 14 Stefan Wilhelm Bolle é professor titular de Literatura na Universidade de São Paulo (Área de

Alemão/ Departamento de Letras Modernas/ Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

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“Nápoles”, escrito em 1924 juntamente com Asja Lacis, aponta significativamente em direção ao Sul. (BOLLE, 1994, p.33)

Tratando-se do Brasil, temos São Paulo como exemplo de primeira metrópole

de Terceiro Mundo em nosso país. “Devido suas vantagens geográficas, à sua

infraestrutura e à imigração, a cidade se tornou o centro industrial e comercial do

país, e mais: seu principal foco de inovação cultural e artística.” (BOLLE, 1994, p.

33). É relevante que contextualizemos a expressão “terceiro mundo”, levando em

conta que esta já foi revista dentro da Geografia e está em decadência desde a

Guerra Fria, sendo esse tipo de rotulação considerada ultrapassada.

A partir das características atribuídas às cidades consideradas metrópoles

como, redes de indústrias, comércios, arte, cultura, é possível percebermos

semelhanças com Goiânia, que também possui estas características, e é uma capital

considerada como metrópole em nosso país. Desta forma, podemos compreender

como a cultura cosplay e seus sujeitos alcançaram espaço na capital goiana.

A cena cosplay está relacionada ao consumo de narrativas, sendo estas um

exemplo de ferramenta que permitem despertar o imaginário dos cosplayers, e que

inspiram na escolha do personagem que irão interpretar. Outros tipos de consumo

além das narrativas foram mapeados durante a pesquisa, como o gasto com

acessórios, indumentária, participação em eventos, objetos colecionáveis. Modos de

consumir que se apresentam entre o consumo material e midiático. Estes são

elementos que fazem da cena cosplay uma cultura que muitas vezes consegue se

desenvolver com maior facilidade em grandes cidades que oferecem estes itens de

consumo.

As conexões consumo-memória ajudam a responder sobre como os cosplayers habitam e consomem as memórias das narrativas que impulsionaram o desejo por determinado cosplay, e também tornam possível o entendimento sobre as vinculações entre o cosplayer e entre os membros deste coletivo. (NUNES, 2015, p.29)

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Figura 4 – À esquerda comércio de personagens em miniatura de narrativas de consumo no evento Geek Sesc e à esquerda comércio de acessórios no evento Animash Christmas. GO, 2017. Foto de Yhanka Louza

Cidades classificadas como metrópoles tornam-se um local que propiciam

maiores opções para a cena cosplay e seus sujeitos. Como por exemplo possuindo

variedades de espaços onde podem ser realizados eventos e encontros do grupo

cultural. Thaiza Montine ao ser entrevistada para a pesquisa foi questionada sobre os

locais onde são realizados os eventos e se existem eventos em locais públicos.

“Normalmente os organizadores alugam escolas ou faculdades, esses são os mais

comuns. Quando o evento envolve filantropia, costuma ser em locais públicos:

parques (Vaca Brava, Flamboyant), praças, hospitais, asilos, orfanatos”15, explica a

cosplayer. Trazendo uma maior explicação do porquê da escolha de certos locais, o

cosplayer Mikael Alves durante entrevista, diz: “os eventos geralmente são em

colégios, pois dá para utilizar a sala de aula como uma sala temática geek, como uma

sala de games, sala kpop16, sala cosplay, sala Harry Potter. Já teve sim eventos em

local público. Seria mais em parques, Vaca Brava e Flamboyant, porém é um evento

mais para conversar com amigos.”

15 Entrevista realizada por e-mail com a Cosplayer Thaiza Montine, em 6 de abril de 2018. 16 Gênero musical que se originou na Coreia do Sul, caracterizado por grande uso de elementos

visuais.

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Figura 5 - Grupo de cosplayers em uma atividade de filantropia no HUGOL (Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira). GO, 2017. Disponível em <https://www.instagram.com/p/Bj0Pnt1gtjg/?taken-by=thaizamontinecosplayer>. Acesso em 16 de junho de 2018.

A Cena Cosplay possui uma própria identidade, isto quer dizer que é constituída

por um grupo de indivíduos que compartilham das mesmas preferências e do

interesse em consumir narrativas, para a partir delas performarem algum personagem.

Indivíduos que possuem uma identidade em comum, por pertencerem à cultura pop

japonesa, à cultura do cosplay, participando de eventos e se inserindo em grupos de

cosplayers.

São as narrativas que possuem uma forte relação com a identidade, pois não

apenas produzem conteúdo cultural e entretenimento, mas também contribuem no

papel de constituição de uma imagem e identidade dos cosplayers.

De acordo com Stuart Hall, o conceito de identidade já sofreu algumas

mudanças ao longo do tempo e vem sendo fragmentado no mundo moderno,

entendendo que tal fragmentação acaba por provocar novas identidades, causando

também a fragmentação do indivíduo moderno.

É a partir da maneira como os cosplayers habitam a cena, os símbolos e

sentidos que os mesmos constroem sua identidade cosplay. Hall17 em seu livro

intitulado “A identidade cultural na pós-modernidade”, traz três concepções do

conceito de identidade, a do sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-

17 Sociólogo jamaicano e importante teórico cultural, que viveu e atuou no Reino Unido a partir de

1951.

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moderno, sendo a identidade do sujeito sociológico a que melhor relaciona-se com a

composição da identidade cosplay.

De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. (HALL, 1992, p. 11).

A “interação” apresentada por Hall entre o eu e a sociedade, a conversa com

os mundos chamados por ele de “exteriores” e as identidades que esses mundos

oferecem pode ser observada na identidade cosplay.

O cosplay é um texto cultural imprevisível, em um certo grau, com função de memória, capaz de criar em seu entorno uma cena e, por sua vez, provocar os mais diversos modos de sociabilidade e suas implicações subjetivas, identitárias, estéticas e políticas. (NUNES, 2015, p.24).

Consolidando um diálogo com o mundo cultural do cosplay e se sociabilizando

o cosplayer cria sua identidade e motivações para pertencer à cena. Se projetando

nessa identidade cultural, bem como absorvendo dela significados e valores.

2.3 - Alteração da paisagem através da prática Cosplay

Ao circular pela cidade os cosplayers com suas vestimentas e performances

acabam transformando a paisagem dos locais por onde se deslocam, podendo dar à

estes, uma nova significância. Conforme Nunes (2015, p.44), “Os fluxos de cosplayers

e cosplays imputam à cidade certa teatralidade pública, marcada pela performance e

pela ocupação de formas estéticas em locais impensados.”

Desta forma a cena cosplay possui uma paisagem própria, uma paisagem

cultural que pode ser analisada pelo viés da geografia cultural.

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Em relação ao conceito de paisagem por meio desta perspectiva, a paisagem

vai além da visão e da percepção, mas também sendo possível compreender a

importância do sujeito inserido nela e como a produzem.

[...] ela existe em primeiro lugar, em sua relação com um sujeito coletivo: a sociedade que a produziu, que a reproduz e a transforma em função de certa lógica. A paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas é também uma matriz, porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e de ação – ou seja, da cultura – que canalizam, em certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza e, portanto, a paisagem de seu ecúmeno. (BERQUE, 1984, p. 239)

Durante entrevista, a cosplayer Nannahara18 foi questionada em relação a

como ela acredita que as pessoas que estão de fora da cena, a veem, ao circular pela

cidade vestida de algum personagem. “As pessoas olham com surpresa, mas eu

adoro. Me divirto quando entro em algum lugar e as pessoas veem algo que elas não

esperavam ali, naquele momento.” Através desta declaração temos um exemplo

perceptível de como a presença do indivíduo cosplayer em locais diferentes dos

habituais, como eventos, por exemplo, pode trazer uma mudança na paisagem, e

suscitar olhares curiosos.

Figura 6 - Grupo de cosplayers no shopping Bougainville, GO, 2018. Disponível em

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10211170405796083&set=picfp.1235

791117.10209372979341545&type=3&theater>. Acesso em 13 jun. 2018.

3- Conclusão

18 Entrevista realizada com a cosplayer Nannahara Bessa, em 15 de fevereiro de 2018.

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Neste breve trabalho em relação à cultura cosplay na cidade de Goiânia foi

possível apurar como a cena e seus sujeitos a habitam e espacializam, realizando

eventos, consumindo narrativas e materialidades, transformando paisagens.

Compreender o início desta cultura também foi fundamental para a atividade laboral

desta produção, sendo a partir disso possível interpretar a importância das identidades

formadas ao se inserirem nesse meio.

Por tanto buscou-se mostrar a importância deste grupo cultural que é o

Cosplay, e como suas práticas impactam a cultura na metrópole goiana, tornado

significativa sua existência e formas de habitar e transformar o espaço em paisagem

cultural.

4- Referências bibliográficas

BERQUE, Augustin. Paisagem-Marca, Paisagem-Matriz: Elementos da

Problemática para uma Geografia Cultural. In: CORRÊA, L. R. & ROSENDAHL,

Z.(Org.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro, EdUERJ, 1998, p.84-91

BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em

Walter Benjamin. 1ª ed. São Paulo: Ed Usp, 1994.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 12ª ed. Rio de Janeiro: Ed Lamparina, 2014.

NUNES, Mônica Rebecca Ferrari. et al. Cena Cosplay: Comunicação, consumo,

memória nas culturas juvenis. 1 ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.

SIGNIFICADOS. Significado de cosplay. https://www.significados.com.br/cosplay/,

acesso em 10 março de 2018.

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