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CORSÁRIOS MOUROS Desde o declínio do Império Romano que os piratas Norte Africanos, conhecidos como piratas da Barbária, termo derivado da designação dada pelos romanos ao troço Ocidental da costa do Magrebe, atacavam navios mercantes e povoações costeiras mal defendidas, de forma indiferenciada, e buscando apenas o saque que daí obtinham. A partir do século XII a actividade dos piratas da Barbária ganha outros contornos, já que passa a integrar-se no contexto da guerra entre muçulmanos e cristãos, com o início dos ataques aos navios que transportam os cruzados para a Palestina e ataques às próprias povoações costeiras que lhes dão apoio. Esta alteração legitima a sua actividade perante as autoridades do Norte de Africa e os piratas passam a ser considerados como corsários. As conquistas cristãs no século XIII no Al-Andaluze os êxodos de populações que se lhes seguiram, concretamente nos séculos XV e XVII, com a conquista do Reino de Granada, o estabelecimento da inquisição e a expulsão dos mouros, são a principal fonte de recrutamento para a actividade corsária ou corso. De facto, a guerra aos cristãos levada a cabo pelos Andaluses acaba por se transferir para o mar, estabelecendo-se muitos dos expulsos em núcleos costeiros de Marrocos, que se tornam autênticos “ninhos” de corsários que atacam permanentemente os navios e as costas da Ibéria. Vista de satélite do Golfo de Cádis e Estreito de Gibraltar

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Page 1: CORSÁRIOS MOUROS · 2012-04-22 · CORSÁRIOS MOUROS Desde o declínio do Império Romano que os piratas Norte Africanos, conhecidos como piratas da Barbária, termo derivado da

CORSÁRIOS MOUROS Desde o declínio do Império Romano que os piratas Norte Africanos, conhecidos como piratas da Barbária, termo derivado da designação dada pelos romanos ao troço Ocidental da costa do Magrebe, atacavam navios mercantes e povoações costeiras mal defendidas, de forma indiferenciada, e buscando apenas o saque que daí obtinham.

A partir do século XII a actividade dos piratas da Barbária ganha outros contornos, já que passa a integrar-se no contexto da guerra entre muçulmanos e cristãos, com o início dos ataques aos navios que transportam os cruzados para a Palestina e ataques às próprias povoações costeiras que lhes dão apoio.

Esta alteração legitima a sua actividade perante as autoridades do Norte de Africa e os piratas passam a ser considerados como corsários.

As conquistas cristãs no século XIII no Al-Andaluze os êxodos de populações que se lhes seguiram, concretamente nos séculos XV e XVII, com a conquista do Reino de Granada, o estabelecimento da inquisição e a expulsão dos mouros, são a principal fonte de recrutamento para a actividade corsária ou corso. De facto, a guerra aos cristãos levada a cabo pelos Andaluses acaba por se transferir para o mar, estabelecendo-se muitos dos expulsos em núcleos

costeiros de Marrocos, que se tornam autênticos “ninhos” de corsários que atacam permanentemente os navios e as costas da Ibéria.

Vista de satélite do Golfo de Cádis e Estreito de Gibraltar

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Em primeiro lugar importa distinguir o pirata do corsário _ enquanto o pirata é um fora da lei, que ataca e saqueia para seu benefício próprio, o corsário cumpre um objectivo político, actuando como uma espécie de guerrilheiro do mar, que apesar de obter lucros com a actividade que desenvolve, cumpre um papel muito importante no âmbito da política externa do país que serve.

Abriga-se num local que lhe é autorizado e a sua acção á reconhecida pelos governantes, por vezes através da concessão de uma “carta de corso”, e repartindo com eles o produto do seu saque. A sua actividade não se resumia ao ataque a navios, mas também a incursões terra adentro, onde não só pilhavam as regiões costeiras, como raptavam as populações para as escravizarem.

A entrada em cena dos corsários turcos, após a integração da Argélia no Império Otomano, vem dar uma nova amplitude à actividade corsária, já que a enquadra no âmbito das pretensões turcas de conquista da Europa e a generaliza territorialmente no Mediterrâneo.

Este protagonismo dominante dos turcos no corso originou que a designação dos corsários Norte africana fosse muitas vezes a de “corsários turcos”, nomeadamente para os ingleses, que ainda hoje se referem a qualquer eventual ameaça às suas costas como “o perigo turco”. Para nós portugueses, as designações que prevaleceram foram as de “corsários da barbária”, “corsários berberes” ou “corsários mouros”. Daí a designação “anda mouro na costa”, utilizada quando algo corre mal, que

convém não confundir com a expressão “anda moura na costa”, cujo significado é por demais conhecido.

O “chebec”, um dos barcos muito utilizados pelos corsários mouros.

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Os desertores cristãos também são uma fonte de recrutamento para o corso, com a particularidade de transmitirem aos muçulmanos um grande número de conhecimentos em termos de técnicas de navegação que estes não detinham até aí. Por exemplo, é devido aos corsários de origem europeia que os turcos abandonam no século XVI as galeras a remos e adotam os barcos de menor calado com vela latina, mais rápidos e facilmente manobráveis.

Os navios utilizados pelos corsários eram pequenos e rápidos, movidos tanto a remos como à vela e estavam equipados com canhões. Apesar de o corso no Atlântico só operar geralmente entre Abril e Outubro, tendo em conta que estes navios não suportavam as condições rigorosas do inverno na região, há notícia que frequentemente atacavam os Açores, a costa Sul de Inglaterra e

terão mesmo chegado à Islândia.

Normalmente o produto do corso era dividido da seguinte forma _ 10% para a autoridade da cidade, 45% para o armador do navio e 45% para a tripulação. Ironicamente, a maior parte das mercadorias roubadas aos europeus eram

vendidas na Europa, principalmente no mercado italiano.

Venda de uma escrava europeia num mercado de Argel

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Mas a grande actividade associada ao corso era o tráfico de escravos. Pensa-se que entre os séculos XVI e XIX os corsários tenham feito prisioneiras cerca de um milhão de pessoas em diversos países europeus. Só em Argel, no auge da actividade dos corsários, ou seja, em meados do século XVI, estima-se em mais de 20.000 o número de europeus prisioneiros nas masmorras da cidade. Tetuan e Salé ficaram também conhecidas como importantes centros de aprisionamento e venda de escravos.

Os corsários procuravam geralmente cobrar os resgates no momento da captura, evitando o transporte dos cativos. Para isso mantinham-se nos locais de aprisionamento durante alguns dias, promovendo o pagamento dos resgates por familiares.

Os reféns levados para o Norte de Africa tinham sorte diferente. Os mais ricos eram muitas vezes salvos após alguns anos de cativeiro, muitas vezes pelos chamados Alfaqueques, profissionais do resgate de prisioneiros. As mulheres jovens eram rapidamente vendidas para os haréns. Quanto aos mais pobres,

acabavam invariavelmente nos trabalhos forçados ou nas galés como remadores, onde o tempo de sobrevivência era muito reduzido.

Khayr Ed-Din Barbarossa

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Khayr Ed-Din Barbarossa e seu irmão Aroudj Reis são talvez os mais célebres corsários da história. De origem turca, estabelecem-se em Argel, sob a protecção do Império Otomano, cuja soberania garantem na região. A sua actividade era, sobretudo a de capturar populações e vendê-las como escravas, e o seu raio de acção ia desde o Mediterrâneo ao Mar do Norte. O número de cativos que aprisionavam era em muitos casos enorme, como são exemplo os 9.000 prisioneiros feitos em Lipari ou os 4.000 prisioneiros feitos na ilha de Ischia.

O título Reis ou Rais, derivado do Árabe “raís” ou “presidente”, era atribuídos geralmente aos chefes corsários, casos de Turgut Reis, Soliman Reis, Salah Reis “cabeça de fogo” ou Murat Reis.

Jan Janszoon van Haarlem, aliás Murad Rais, o “Grande Almirante”

Outro corsário célebre foi Murad Rais. De nome Jan Janszoon, nasceu em

Haarlem, na Holanda, quando o seu país estava ocupado pelos espanhóis. Ingressa na marinha e é capturado por corsários muçulmanos nas ilhas Canárias. É levado para Argel, onde se converte ao Islão e toma o nome de Murad Rais, ”o jovem”. Adere ao corso e escolhe Salé como sua base, da qual se torna governador, sendo conhecido como “o Grande Almirante”. Dos seus feitos contam-se um raid à Islândia e vários ataques a Inglaterra. É feito prisioneiro pelos Cavaleiros de Malta, evadindo-se em 1640, após o que é nomeado governador da fortaleza de Oualidia. Outros nomes de corsários mouros famosos são os de Hassan Corso, Cacchi “o diabo”, ou Hassan Português.

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Abdelouahed Ben Messaoud, embaixador de Marrocos na corte de Isabel I

A actividade dos corsários, enquanto actividade assumida pelos próprios estados que servem, é também enquadrada ao nível da política externa, dando origem a tratados e acordos e acompanhada pela troca de representantes diplomáticos.

Durante o período da ocupação espanhola de Portugal e da guerra entre Espanha e a Inglaterra pelo domínio do comércio no Atlântico, ingleses e marroquinos celebram uma aliança com implicações políticas e econômicas. Esta aliança vem reforçar a actividade do corso junto da costa portuguesa, e

origina a troca de embaixadores entre os dois países. Abdelouahed Ben Messaoud será o primeiro diplomata de Marrocos a permanecer em Londres, a partir do ano1600.

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O almirante Haj Abdelkader Perez

Outro embaixador de relevo foi o almirante marroquino Abdelkader Perez, que cumpriu funções diplomáticas em Londres entre 1723 e 1737. Como o nome indica, provinha de uma família de origem andalusa. Não se podendo falar da existência de uma marinha de guerra de Marrocos, o título de almirante era conotado com a sua origem de corsário.

A aliança anglo-marroquina foi decisiva em determinados períodos, assegurando a presença da armada inglesa na defesa de portos de Marrocos e também como se verá adiante, na resolução de conflitos entre os próprios corsários mouros.

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Praças-fortes e fortalezas portuguesas na costa de Marrocos

A partir do século XV Portugal estabelece uma série de praças-fortes e fortalezas na costa Marroquina, procurando limitar a acção dos corsários ao confiná-los às suas bases. Esta situação acaba por provocar um bloqueio naval ao Reino de Fez, que

assim se vê privado do transporte dos seus produtos por mar. O corso, tradicionalmente ofensivo, passa também a assumir um carácter de defesa da navegação na costa de Marrocos. As praças–fortes portuguesas passam a ser também bases dos corsários de Portugal.

Aliás, diga-se em abono da verdade que Portugal já utilizava o corso desde o século XIV quando D. Dinis contrata o genovês Manuel Pessanha para operar nas costas do Algarve e Alentejo. Durante o século XV os portugueses eram considerados os maiores corsários da cristandade, actividade considerada nobre e honrada e apoiada pela família real, que lucrava com os seus proveitos. O Infante D. Henrique, o Infante D. Fernando, Duque de Beja e Sancho de Noronha, Conde de Odemira, eram proprietários de navios que

praticavam o corso, não só contra os muçulmanos, como contra os cristãos, entregando 1/5 do saque ao rei de Portugal.

As principais bases do corso português eram Lisboa, Odemira, Lagos e Tavira.

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O Mercado de Escravos de Lagos

O infante D. Henrique era de longe o grande promotor dos corsários de Portugal. A partir da sua base de Lagos enviava os seus navios para o Atlântico

e o Mediterrâneo, onde saqueava mercadorias, mas sobretudo dedicava-se ao tráfico de escravos. É ele que promove em Lagos a primeira venda de escravos na Europa, que Zurara descreve com grande detalhe. Apesar de a venda de escravos se efectuar ao ar livre, existe na cidade um edifício conhecido como o Mercado de Escravos, símbolo desse período da nossa história.

Entre muitos dos corsários portugueses destacam-se Bartolomeu Dias, João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira, Pedro de Ataíde “o inferno”, ou Diogo de Azambuja. A actividade dos corsários portugueses contra navios de Portugal e Castela era tal, que motivou queixas ao rei por parte dos mercadores nacionais que eram frequentemente roubados nas águas do seu próprio país.

Praças-fortes e fortalezas portuguesas e principais bases de corsários

A relação dos corsários mouros com as cidades da costa Atlântica de Marrocos sempre foi evidente e o corso foi sem dúvida uma das razões que impeliu Portugal a estabelecer-se na região.

Conforme refere David Lopes, ”Esses ladrões do mar, no Mediterrâneo como no Estreito e no Atlântico, ou ao longo das suas costas, salteavam os navios e as populações do litoral, roubando uns e outros, cativando as pessoas, ou matando-as, se resistiam”.

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“Quando a nossa gente entrou em Ceuta, encontrou lá dois sinos que os

corsários tinham tomado em Lagos, e foram colocados na antiga mesquita convertida em igreja.” David Lopes refere também as inegáveis vantagens que as praças de Marrocos prestaram na luta contra o corso. “Desde então Ceuta foi padrasto dos mouros. A cavaleiro do Mediterrâneo e do Estreito, vigiava essa navegação inimiga, e impedia-a muitas vezes, ao mesmo tempo em que protegia a outra navegação cristã entre o Mediterrâneo e o Atlântico. O benefício geral que daí resultava era muito grande e Portugal prestava um inestimável serviço à navegação europeia.”

Bandeira de Ceuta

Ceuta era nos inícios do século XV a grande ameaça aos navios portugueses e à costa do Algarve. Cidade com uma localização estratégica, teve uma fundação

antiquíssima, sendo referenciada como um dos dois locais onde se erigiu uma das colunas de Hércules. Al-Hassan Al-Wazzan Al-Fasi, conhecido como Leão “o Africano”, afirma na sua obra “Descrição de Africa” que Ceuta tinha 1.000 mesquitas e 300 casas de viajantes.

A conquista de Ceuta em 1415 representa um passo decisivo para conter as acções dos corsários marroquinos. Para a sua conquista, D. João I utiliza uma armada de 242 navios e cerca de 50.000 homens. Após a conquista de Ceuta a cidade é fortemente fortificada. Ceuta torna-se então o principal centro do corso português. Pedro de Menezes, capitão de Ceuta, detinha uma pequena armada à qual associava navios de corsários sediados na cidade, fossem portugueses, fossem estrangeiros, como alemães, castelhanos ou genoveses.

Em 1437 dá-se a tentativa falhada para conquistar Tânger, na qual o infante D. Fernando é feito prisioneiro e levado para Fez. O malogro de Tânger deveu-se, sobretudo à deficiente planificação do ataque e imprudência do próprio “Infante Santo”, que se deixou capturar após se ter aventurado em demasia terra a dentro.

Alcácer-Ceguer era um pequeno porto no estreito de Gibraltar, muito utilizado no período Almóada para embarcar tropas para a península. No século XV era um importante reduto de corsários.

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É tomada em 1458 por D. Afonso V após dois dias de combate, com recurso a

uma frota de 220 embarcações e 25.000 homens. No seguimento da sua conquista Alcácer-Ceguer é fortificada.

Conquista de Ceuta

Nos meados do século XV Anfa ou Anafé é uma activa base de corsários que ameaçam a navegação dos navios portugueses. No ano de 1468 uma frota de 50 navios e 10.000 homens arrasam completamente a cidade, decisão tomada pelo facto de se ter considerado que a sua manutenção nas mãos de Portugal seria extremamente difícil e dispendiosa.

Apesar disso os portugueses construiriam em 1515 neste porto uma fortaleza, em torno da qual se desenvolveu uma nova área urbana, que baptizam com o

nome de Casa Branca.

Completamente destruída pelo tsunami de 1755, Casa Branca seria reconstruída por mão do sultão Sidi Mohamed Ben Abdallah em 1770. O estabelecimento de mercadores espanhóis na cidade altera o seu nome para Casablanca.

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Em 1471 D. Afonso V envia uma armada de 477 navios e 30.000 homens conquistar Arzila, conquista essa ilustrada em três das tapeçarias de Pastrana, expostas na cidade espanhola com o mesmo nome. Para colonizar Arzila foram estabelecidas na cidade famílias de judeus castelhanos. A partir de 1509 as muralhas são reconstruídas e edificada a torre de menagem obra a cargo dos mestres Butaca e Danzino.

Após a tomada de Arzila os marroquinos abandonam Tânger, que os portugueses ocupam sem combate. À semelhança de Ceuta, Tânger foi uma cidade fundada pelos fenícios e de grande importância estratégica. Os Portugueses empreenderam também em Tânger obras de fortificação bastante importantes, nomeadamente as suas muralhas e a alcáçova.

Detentor destas quatro praças, Portugal domina o Estreito de Gibraltar e consequentemente controla a navegação entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

Larache era considerado o maior porto do Norte de Marrocos, abastecendo e exportando os produtos da cidade de Fez, e também um importante centro do corso.

No ano de 1489 os portugueses constroem a Fortaleza da Graciosa, na foz do rio Loukos, para controlar as saídas dos corsários de Larache, e expulsam os

habitantes da cidade. Seria sol de pouca dura, já que, dois anos depois, o sultão de Fez, Mohamed As-Said Ash-Sheik, ocupa a Fortaleza, expulsando os portugueses, volta a povoar a cidade e fortifica-a.

Larache continuará a ser o porto da cidade de Fez e uma das grandes bases dos corsários de Marrocos, dando abrigo a uma nova geração de corsários que surge vinda de Leste.

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“Por esta altura surge no Mediterrâneo Ocidental um novo adversário temido e conhecedor das tácticas e técnicas portuguesas: os Turcos. Estes vão tornar-se um precioso auxílio para os piratas locais trazendo navios maiores e outra dinâmica à guerra de corso.” “Em 1517 o célebre corsário turco Barba Roxa percorre o Estreito com catorze navios de remos. Contra esta armada envia o Rei de Castela uma poderosa frota que, no entanto não consegue capturar o famoso pirata turco. Este divide os navios, indo parte para Larache e outra para Argel. A intervenção espanhola e esta fuga para Larache vão assumir uma importância fundamental no desenrolar da actividade marítima da região. A primeira vem dar consistência às crescentes preocupações dos monarcas espanhóis para

com a segurança das suas costas. O segundo facto transformou Larache num grande porto de piratas que em muito prejudicaram as ligações de Portugal com o Norte de África. Toda esta actividade corsária terá sido um dos motivos que levou D. Manuel a prover esta região com uma armada permanente. É a partir da sua criação oficial, em 1520, que a actividade naval portuguesa toma foros mais consistentes.”

Caravelas portuguesas

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No século XVI a actividade dos corsários aumenta exponencialmente, acompanhando o desenvolvimento do comércio marítimo, não só no Atlântico, com a abertura das rotas de Africa, da India e das Américas, mas também no Mediterrâneo e nas próprias transacções com o norte da Europa.

Portugal prossegue o estabelecimento de praças-fortes e a construção de fortalezas, agora no território do chamado Marrocos amarelo. Em 1506 D. Manuel manda construir o Castelo Real de Mogador, no local da actual cidade de Essaouira. Os portugueses apenas conseguirão manter o castelo na sua posse durante 4 anos, após o que é tomado pela tribo local dos Regraga.

No ano de 1508 é conquistada por Diogo de Azambuja a cidade de Safim, reconhecendo o seu alcaide a soberania de Portugal sobre o seu território. Em troca, os habitantes de Safim poderiam circular livremente pelas possessões de Portugal e aí fazer o seu comércio. Em 1512 é construída uma cintura de três quilómetros de muralhas da autoria dos irmãos Diogo e Francisco de Arruda e edificado o Castelo do Mar em estilo manuelino.

Nesse mesmo ano é construído o Castelo de Aguz junto à povoação de Souira Khedima, numa praia 35 km a Sul de Safim.

Em 1513 é comprada ao comerciante português João Lopes Sequeira a fortaleza de Santa Cruz do Cabo Guer, por ele construída em 1505 para fazer face aos ataques dos espanhóis, no local onde hoje se ergue a cidade de Agadir.

Azamur

Em 1486 os habitantes de Azamor, cidade integrada no Reino de Fez, pediram protecção ao Rei de Portugal D. João II, de quem se tornaram vassalos. Estabeleceu-se uma feitoria, no seguimento do qual surgem desavenças entre a população. “Rodrigues Bérrio, um armador de Tavira que costumava ir pescar sáveis a Azamor, em 1508 deu conhecimento a D. Manuel das grandes divisões entre os seus habitantes e do desejo que alguns manifestavam em se tornar súditos de Portugal”. No seguimento da expulsão de alguns portugueses da cidade e do encerramento da feitoria, D. Manuel envia em 1513 uma armada de 500 navios e 15.000 homens para a conquista de Azamor, comandada por D. Jaime Duque de Bragança.

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Em 1514 os irmãos Diogo e Francisco de Arruda são chamados para uma intervenção nas muralhas da cidade _ “dois baluartes curvilíneos, o de “São Cristóvão”, anexo ao Palácio dos Capitães como uma torre de menagem compacta; e o do “Raio”, no extremo da fortaleza, decorado por quarenta bandeiras e com espaço para mais de sessenta peças de artilharia fazerem fogo, simultaneamente, em todas as direcções”. Nesse mesmo ano é fundada a cidadela de Mazagão, a jóia da coroa portuguesa em Marrocos, classificada como Património da Humanidade. Inicialmente foi construído no local, em 1514, um Castelo da autoria dos irmãos Arruda, que se revelou pouco eficaz em termos defensivos. O projecto da cidadela data do ano de 1541 e foi seu autor Benedetto da Ravena,

engenheiro de Carlos I de Espanha. A construção esteve a cargo de João de Castilho e João Ribeiro. A cidadela integra no seu interior uma cisterna em estilo manuelino de grande interesse arquitectónico.

Paralelamente às ocupações de Portugal na costa Atlântica de Marrocos, Espanha limita-se a ocupar alguns dos ninhos de corsários do Mediterrâneo. Em 1497 ocupa a cidade de Melila e em 1508 Badés, criando uma fortificação no Peñon Velez de la Gomera. Só em 1673 ocupará a Ilha de Alhucemas, junto a Nakor, em 1848 as Ilhas Chafarinas e em 1884 a Ilha de Alborán.

A Casbah Oudaya em Rabat

Apesar de Larache se afirmar como a grande base do corso no Norte de Marrocos, e merecer da parte de Portugal a correspondente importância, é em Rabat-Salé que os corsários irão afirmar todo o seu poder, ao ponto de se constituírem numa república independente entre os anos de 1627 e 1668, e que ficou conhecida pelo nome de “república do Bouregreg”, nome do rio que separa as duas cidades.

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A república do Bouregreg era formada por três núcleos edificados _ na

margem direita do rio, Salé ou Velha Salé, cidade fundada pelos romanos com o nome de Sala Colonia; na margem esquerda, e a Casbah Oudaya, erigida pelos Almorávidas, ocupada pelosHornacheros, andaluses expulsos da cidade estremenha de Hornachos, e Rabat ou Nova Salé, fundada por mouriscos expulsos da península, originários de diferentes regiões andalusas, mas com uma forte componente de Nasirís do antigo Reino de Granada. Os seus dois primeiros governadores, Ibrahim Vargas e o célebre renegado holandês Jan Janszoon van Haarlem, também conhecido pelo nome de Murad Reis ou o Grande Almirante, mantêm-se leais ao sultão Mulay Zidane. Mas a partir de 1627 Bouregreg proclama-se como república independente, sendo governada por um conselho ou diwande 16 membros, representativo dos Hornacheros, dos Andaluses, e dos Árabes tradicionais de Salé. Para além

destes havia que contar com uma mescla de renegados estrangeiros, sobretudo holandeses, ingleses e alemães, que falavam uma língua própria, a língua franca, uma espécie de dialecto árabe misturado com espanhol, português e italiano.

Em 1630 estala uma guerra civil pelo controlo do poder e da repartição do produto dos roubos, opondo Hornacheros, andaluses e os habitantes de Salé. Os confrontos são apaziguados por uma frota inglesa que aí aportou. Seguiram-se outros confrontos nos anos de 1636 e 1641, também acompanhados de interferências de potências europeias, principalmente dos ingleses. A partir de 1660 e dinastia Alauita deixa de reconhecer a autonomia à

república de Bouregreg e inicia-se uma guerra que durariam oito anos até à sua reintegração no reino de Fez.

Estas cidades foram grandemente afectadas pelo tsunami do terremoto de 1755.

Rabat e Salé são ainda hoje duas cidades rivais, separadas por um rio que as divide, mas que as uniu também através da história numa relação de cumplicidade.

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Planisfério de Cantino de 1502

No início do século XVI Portugal altera a sua política expansionista, desistindo de manter na sua costa praças-fortes extremamente dispendiosas e economicamente inviáveis, quando na India e no Brasil obtinha grandes proveitos com gastos consideravelmente menores.

O desastre da Mamora de 1515 é um acontecimento que apressa essa decisão. No seguimento da conquista de Azamor e da construção da cidadela de Mazagão, os portugueses decidem construir uma fortaleza na foz do rio Sebú, a

que chamariam S. João da Mamora, topônimo já existente no local. Convergem para aí 200 navios e 8.000 homens para iniciarem os trabalhos. Durante a maré vazia as forças do rei de Fez atacam a esquadra portuguesa, que não consegue manobrar devido ao grande calado dos navios. Metade da frota é dizimada e cerca de 4.000 homens são mortos.

No seguimento deste acontecimento os mouros constroem uma casbah no local, que servirá de base a corsários liderados pelo renegado inglês Hainwaring, conhecido como “o capitão”.

O segundo acontecimento é a derrota de Santa Cruz do Cabo Guer em 1541, que provoca o abandono imediato de Safim e Azamor. Segue-se em 1550 o abandono de Alcácer-Ceguer e Arzila. A presença portuguesa fica reduzida a

Ceuta, Tânger e Mazagão.

A batalha de Lepanto de 1571 travada entre a armada dos Otomanos e a chamada Liga Santa, constituída pela Espanha, cidades italianas e os Cavaleiros de Malta, que terminou com a derrota total dos turcos, marca o fim da ameaça turca à Europa, mas está longe de acabar com o corso no Norte de Africa.

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A batalha de Lepanto de 1571

O desastre de Alcácer Quibire a consequente perca da nacionalidade vem alterar a correlação de forças na região, passando a vigorar um conflito aberto bipartido, entre Espanha e Inglaterra, esta última aliando-se a Marrocos. Desde meados do século XVI que a Inglaterra mantinha com Marrocos relações

comerciais no âmbito do estabelecimento da “Barbary Company” inglesa. Estas relações foram desde sempre contestadas por Portugal e por Espanha, já que os ingleses, em troca de sal, penas de avestruz e açúcar, entregam a Marrocos armas de fogo que vão equipar os corsários.

A derrota de Alcácer-Quibir e a aclamação de Felipe II como Rei de Portugal em 1580 origina uma aliança entre Isabel I e o sultão de Fez Ahmed Al-Mansur. Inglaterra passa a ter o exclusivo do comércio com Marrocos, que por sua vez será um apoiante da restauração da independência de Portugal.

A disputa entre a Espanha e a Inglaterra tem origem na pretensão inglesa de quebrar a supremacia dos espanhóis no comércio do Atlântico, principalmente com as chamadas Índias Ocidentais. Os ataques da armada espanhola contra

navios negreiros ingleses iniciam-se ataques de corsários ao serviço de Isabel I, nomeadamente de Francis Drake, contra navios espanhóis.

Em 1585 rebenta a guerra entre os dois países, que não correria de feição para Inglaterra e que só iria terminar em 1604 com uma paz negociada entre James I e Felipe III.

Apesar da derrota da Armada Invencível espanhola em 1588 no Canal da Mancha, Espanha continua a ser a grande potência naval europeia.

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A Invencível Armada espanhola em 1588

Após a restauração de 1640 Portugal desiste das 3 praças que detinha anteriormente em Marrocos _Tânger é oferecida à Inglaterra em 1662, a soberania da Espanha sobre Ceuta é reconhecida em 1668 e Mazagão é abandonada em 1769 por ordem do Marquês de Pombal, transferindo-se a sua população para uma nova cidade fundada na Amazónia, denominada Vila Nova de Mazagão.

O século XVII em Portugal fica marcado pela realização de obras de reforço da defesa da costa do Algarve, aliás já iniciadas no tempo dos Felipes.

Ao retrocesso estratégico de Portugal corresponde o auge da actividade dos corsários do Norte de Africa. “É nos séculos XVI e XVII que a actividade dos corsários atinge níveis mais elevados, surgindo em especial os navios ingleses e franceses e depois os holandeses, provocando graves problemas á navegação portuguesa no Atlântico, sendo quase impossível navegar sem ser atacado ou por corsários ou por piratas.” “Espanha permaneceu como a grande potência da Europa no século XVII até que as derrotas contra a França na Guerra dos Trinta Anos e a ascensão da supremacia naval holandesa (no meio do mesmo século) destruíram seu poder marítimo. Apesar da derrota da Armada não ter permitido a Inglaterra

suplantar o poderio marítimo espanhol, ou agilizar a colonização americana, foi uma inspiração valiosa para os navegadores ingleses posteriores, particularmente nos combates navais anglo-franceses do século XVIII dos quais a Inglaterra emergiu finalmente como principal potência naval da Europa e nação colonizadora.”