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CORRELAÇÃO ENTRE ZUMBIDO E CURVA AUDIOMÉTRICA
CORRELATION BETWEEN TINNITUS AND AUDIOMETRIC CURVE
Jéssica Laganá Pinto
Fonoaudióloga
Graduada pela Universidade de Araraquara – UNIARA
Fonoaudióloga do Centro Audiológico
Camila Francisco Alves Rodrigues Mourão
Fonoaudióloga
Especialista em Motricidade Oral pela Universidade de Ribeirão Preto -
UNAERP
Fonoaudióloga da prefeitura municipal de Américo Brasiliense
Daniela Vituri
Fonoaudióloga
Graduada pela Universidade de Araraquara – UNIARA
Fonoaudióloga
Edson Ibrahim Mitre
Médico otorrinolaringologista
Doutor em medicina
Médico Segundo Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa
Casa de São Paulo
Instituição de Origem
Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica (CEFAC)
Rua Carvalho Filho, 1797 14802-412 Araraquara – SP
Fone: (16) 3331-6223 [email protected]
Resumo
OBJETIVO: correlacionar o tipo de zumbido referido pelos funcionários de uma
empresa metalúrgica com o tipo de curva audiométrica apresentado em seus
exames periódicos. MÉTODOS: Foram avaliados protocolos de pacientes que
apresentavam apenas perda auditiva neurossensorial. RESULTADOS: Nesse
trabalho, o que observamos nos protocolos avaliados, foi um maior número de
funcionários referindo zumbido agudo e apresentando curva audiométrica com
característica de U (predomínio nas freqüências médias). Zumbidos graves e
os não caracterizados apresentaram-se em menor escala assim como os
outros tipos de curvas audiométricas. CONCLUSÃO: A maior parte dos
prontuários avaliados eram de indivíduos que referiam zumbido agudo e esses
apresentaram curva audiométrica com características em U.
Palavras-chaves: Perda auditiva, Zumbido, Ruído, Curva audiométrica
2
Abstract
OBJECTIVE: Correlate the buzzing’s type presented by the employees of a
metallurgic company with the type of audiometric curve presented in their
periodic exams. METHODS: Patients’ protocols presenting neurosensorial
hearing loss were appraised. RESULTS: In the appraised protocols, we could
observe a larger number of employees referring sharp buzzing and presenting
audiometric curves with hairpin curves (prevalence in the medium frequencies).
Serious buzzings and those not distinguished, showed up in smaller scale as
well as the other types of audiometric curves.
CONCLUSION: Most of the appraised records were from individuals presenting
sharp buzzing and those presenting curves audiometric curves with hairpin
curves.
Word-key: Hearing loss, Buzzing, Noise, audiometric curves
3
Introdução
A audição é um sentido que não podemos deter; ouvimos sempre, desde
que nascemos até a morte, estando imersos num ambiente ruidoso; o silêncio
absoluto não existe e de qualquer forma não poderíamos suportar por muito
tempo, anão ser que a surdez aumente pouco a pouco ou que fôssemos
surdos desde o nascimento ou desde os primeiros anos de vida 1.
É uma função muito complexa. O sistema auditivo é um sentido
considerado obrigatório (não fechamos as orelhas para dormir, da mesma
maneira que fechamos os olhos). E faz parte de um sistema muito
especializado de comunicação 2.
É através da audição que o ser humano adquire a linguagem e realiza a
comunicação com seus semelhantes. A surdez é definida como a perda ou
diminuição considerável do sentido da audição 3.
As perdas auditivas são classificadas como:
- Perdas auditivas condutivas: encontramos limiares por via óssea
preservados (normais) e limiares por via aérea rebaixados, sugerindo prejuízo
na condução do sim por alterações da orelha externa e/ou média (cerume,
oclusão do meato acústico externo, presença de corpo estranho, perfuração de
membrana timpânica, otite média).
- Perdas auditivas neurossensorial: apresentam limiares auditivos por via
aérea e via óssea iguais e ambos estarão rebaixados. Os pacientes se
queixam de escutarem mas não entenderem pois existe um comprometimento
de inteligibilidade de fala.
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- Perdas auditivas mistas: combinação das perdas auditivas condutiva e
neurossensorial. Os limiares auditivos por via óssea estão rebaixados mas os
limiares por via aérea estão mais rebaixados ainda, conferindo ao mesmo
tempo um caráter neurossensorial e condutivo 4.
No ambiente de trabalho existem inúmeros agentes que são
potencialmente prejudiciais à saúde. Alguns representam fatores de risco à
audição: o ruído intenso, as vibrações e substâncias químicas, como solventes,
chumbo e mercúrio 5.
A exposição ocupacional ao ruído intenso, lesa as células ciliares do
órgão de Corti, causando perda progressiva e irreversível da audição, doença
conhecida como perda auditiva induzida por ruído (PAIR) 6.
A PAIR apresenta característica com perda auditiva iniciada nas altas
freqüências.
Ainda como manifestação auditiva, a exposição ocupacional ao ruído se
associa ao zumbido, que também é chamado de acúfeno ou tínitus e pode ser
definido como “uma ilusão auditiva, isto é, uma sensação sonora não
relacionada com uma fonte externa de estimulação”. Isso significa que o
zumbido é uma percepção auditiva que fantasma, que pode ser notada apenas
pelo acometido na maior parte dos casos, o que dificulta sua mensuração
padronizada 6.
O zumbido é a percepção de um som que é gerado endogenamente na
ausência de um estimulo externo. Esse sintoma pode ser objetivo ou subjetivo,
estando presente em uma ou duas orelhas ou ainda na cabeça. Provavelmente
é o primeiro indicio de uma série de patologias que afetam a saúde e bem estar
de um indivíduo 8.
5
Ele tem sido associado predominantemente com problemas da cóclea
ou do nervo auditivo, apesar de não ter sido ainda esclarecido qual seria o seu
substrato anátomo-fisiológico.
A associação entre o zumbido e a perda auditiva, segundo os diferentes
relatos, 85 a 96% dos pacientes com zumbido apresentam algum grau de
perda auditiva e apenas 8 a 10% apresentam audiometria normal 9.
O número de afetados por zumbido é elevado sendo que a prevalência
de zumbido aumenta com o grau da perda auditiva. Em quase a totalidade dos
casos de PAIR, o zumbido é descrito como sendo de caráter tonal e de
freqüência alta. Na maioria dos casos, a freqüência do zumbido se encontra na
gama de freqüências 5-10 KHz. Em alguns casos, o zumbido pode ser
constituído por diversos componentes de várias freqüências, em outros o
paciente percebe zumbido de freqüência e intensidade diferentes nos dois
ouvidos 10.
Entre as pessoas com PAIR, apenas um número limitado descreve o
zumbido como sendo ruidoso, como, por exemplo o ruído de um trem distante,
cachoeira, um avião sobrevoando. O zumbido pode ser binaural ou monoaural.
A percepção do zumbido pode iniciar-se em um dos ouvidos para então estar
presente em ambos ou mesmo dar a impressão de proceder de dentro da
cabeça 10.
A presença concomitante de algum tipo de perda auditiva nos pacientes
com zumbido é extremamente freqüente. Tanto o zumbido quanto a perda
auditiva podem apresentar repercussões importantes na vida diária do
paciente. Existe uma correlação entre a perda auditiva e a intensidade do
6
zumbido. Pacientes com perdas auditivas nos agudos geralmente apresentam
zumbidos agudos 8.
O objetivo desse trabalho foi correlacionar as características do zumbido
com a curva audiométrica de trabalhadores expostos a altos níveis de pressão
sonora com perda auditiva neurossensorial.
Métodos
Foram avaliados os 80 primeiros prontuários de funcionários que
realizaram exames audiométricos periódicos no ano de 2006 de uma fábrica
metalúrgica de Araraquara SP.
Todos os sujeitos são do gênero masculino, com queixa de zumbido e
trabalham em setores com diferentes níveis de exposição sonora
caracterizados na pesquisa como: Setor de maior intensidade de ruído (100.6
dB), setor de menor intensidade de ruído (76.9 dB) e setor com ausência de
ruído.
Os prontuários foram avaliados por meio de protocolo (anexo1).
Foram excluídos prontuários de indivíduos com perda auditiva condutiva
ou mista.
Os resultados foram analisados estatisticamente.
A presente pesquisa pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em
pesquisa do CEFAC sob o número 160/06.
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Resultados
Análise dos Dados
1. Análise Descritiva
1.1.Tabela Setores
A tabela a seguir apresenta a distribuição dos funcionários segundo o
nível de ruídos no setor em que trabalham.
Tabela 1 - Distribuição dos funcionários de acordo com os setores.
Funcionários PorcentagemMaiorMenorAusência ruído
57176
71,25%21,50%7,50%
A maioria dos funcionários trabalha no setor com maior intensidade de
ruído, (57 funcionários - 71,25%). No setor de menor intensidade foram
encontrados 17 funcionários, que representam 21,25%. E os que apresentam
queixa de zumbido mas não trabalham em setor de ruído, totalizam 6
funcionários (7,5%). A figura 1 representa o histograma da distribuição por
setores.
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1.2.Tabela Zumbidos
Tabela 2 - Distribuição dos tipos de zumbidos apresentados pelos funcionários
Funcionários PorcentagemAgudoGraveNão caracterizou
442115
55,00%26,25%18,75%
A tabela 2 apresenta a distribuição dos tipos de zumbido apresentados
pelos funcionários. Quarenta e quatro desses funcionários (55%)
caracterizaram seu zumbido como sendo agudo e 21 funcionários
(26,5%)referiram zumbido grave. Ainda, 15 trabalhadores (18,5%) não
souberam caracterizar o zumbido. A seguir, o histograma com a distribuição
dos tipos de zumbido de acordo com as características desta variável é
apresentando.
1.3.Tabela Tipos de Curvas
Tabela 3 - Tipos de Curvas Audiométricas
Tipo Curva Funcionários PorcentagemU 39 48,75%Predomínio agudo 22 27,50%Plana 11 13,75%Predomínio grave 5 6,25%U invertido 3 3,75%
Quando se observa a tabela 3 e a figura 3, tem-se que 48,75% dos
funcionários apresentam curvas audiométricas em U seguido por aqueles que
caracterizam curvas com predomínio de agudos (27,5%). Somente 3,75% dos
funcionários apresentaram curvas em U invertido.
9
A tabela 3 também mostra que poucos são aqueles funcionários com
curvas audiométricas com predomínio de graves.
2. Tabelas de Contigência
2.1.Relacionamento entre os tipos de Curvas e Zumbidos
Para se verificar se existe correlação entre os tipos de curvas e o tipo de
zumbido foi realizado o teste não paramétrico denominado 2. Será
considerado um nível de significância de 5% para a hipótese nula de que não
haja relacionamento entre os tipos de curva e o tipo de zumbido.
Tabela 4 - Tabela de Contigência: Tipo de Curva X Zumbido
Tipo CurvaZumbido
U Pred. Agudo Plana Pred. Grave U Invertido Total
Agudo 31 10 3 0 0 44Grave 8 1 6 3 3 21Não Caract. 0 11 2 2 0 15Total 39 22 11 5 3 80
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Discussão
O zumbido é uma percepção auditiva fantasma, notado apenas indivíduo
que o refere, ele é objetivo ou subjetivo e apresenta-se em uma ou duas
orelhas ou ainda na cabeça 8. No estudo realizado, 18,75% dos indivíduos
pesquisados referiram zumbido porém não conseguiram caracterizá-lo.
Nos casos de PAIR o zumbido é descrito como sendo de caráter tonal e
de freqüência alta, na gama de freqüências 5-10 KHz 10. Foram encontrados
nesse estudo 55% dos trabalhadores referindo zumbido do tipo agudo.
A PAIR é caracterizada como sendo irreversível, neurossensorial e
predominantemente coclear, o portador tem história prolongada de exposição a
níveis de ruídos elevados, a perda desenvolve-se gradualmente num período
geralmente de 6 a 10 anos de exposição. A perda inicia-se nas altas
freqüências audiométricas e essa perda deve estabilizar-se quando a
exposição for eliminada 7. Nessa pesquisa encontramos o predominantemente
perda auditiva caracterizada com curva em U, seguida das perdas auditivas
com predomínio em agudos. A mesma relação acontece para aqueles
indivíduos que apresentam a curva do tipo plana e o zumbido do tipo grave. Já
em menor grau aparece a associação entre curvas com predomínio de agudos
com aqueles indivíduos com zumbido não característicos.
Outra característica é a aparente associação entre os indivíduos com
zumbido não característico e curva com predomínio de agudos.
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Conclusão
Esse estudo mostrou que existe uma correlação entre zumbido e tipo de
curva audiométrica. A maior parte dos prontuários avaliados era de indivíduos
que referiam zumbido agudo e esses apresentaram curva audiométrica com
características em U seguida de curva audiométrica com predomínio em
agudos.
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Referências
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Janeiro: Enelivros; 1986. p. 29-30.
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Oliveira JAA. Otorrinolaringologia – Princípios e Prática. Porto Alegre: Artes
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Audiologia Tonal e Vocal. In: Munhoz MSL, Silva MLG, Caovilla, HH, Ganança,
MM Audiologia Clínica – Série Otoneurológia vol. 2. São Paulo: Atheneu; 2000
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Ibanes RN. PAIR – Perda Auditiva Induzida pelo ruído. Rio de Janeiro:
Revinter; 2001 p. 1-16.
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9. Sanches TG, Mediros IRT, Levi CPD, Ramalho JRO, Bento RF: Zumbido em
pacientes com audiometria normal: caracterização clínica e repercusões. Rev
Bras de Otorrinolaringol 2005; 71(4):9-18.
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In: Nudelmann AA, Costa EA, Seligman J, Ibanes RN. PAIR – Perda Auditiva
Induzida pelo ruído. Rio de Janeiro: Revinter; 2001 p. 93-105.
14
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seus efeitos e medidas preventivas. São Paulo: Revinter; 1993.
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Anexo 1: Protocolo de avaliação de prontuários
1 – Setor da empresa:
( ) Ruído de maior intensidade
( ) Ruído de menor intensidade
( ) Ausência ruído
2 – Características do Zumbido
( ) Grave
( ) Agudo
( ) Não caracterizou
3 – Característica da Curva Audiométrica
( ) Perda auditiva plana
( ) Perda auditiva com predomínio em graves
( ) Perda auditiva com predomínio em agudos
( ) Curva em U (predomínio em freq. médias)
( ) Curva em U invertido (predomínio em freq. graves e agudas simultâneamente)
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