coopercam: ferramenta para a comercialização de produtos da … · 2013. 10. 30. · coopercam:...
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COOPERCAM: Ferramenta para a comercialização de produtos da reforma
agrária
Elisângela Bellandi Loss¹
Keitilanger Grisa Hahn¹
Marcelo Roger Meneghatti¹
Michelle De Medeiros Carvalho1
Allan Denizzard Limeira Coutinho2
Wilson João Zonin3
¹ Mestrando(as) em Desenvolvimento Rural Sustentável – UNIOESTE. [email protected];
[email protected]; [email protected]; [email protected].
2 Engenheiro Agrônomo – Fundação Terra. [email protected] .
3 Professor Adjunto do Programa Pós Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável - UNIOESTE.
Resumo:
O presente artigo relata um estudo realizado no Assentamento Antônio
Companheiro Tavares, localizado em São Miguel do Iguaçu, com 80 famílias. O
processo de organização, formação com foco na produção, e comercialização dos
produtos, culminou na constituição de uma cooperativa de Assentados da Reforma
Agrária, denominada COPERCAM (Cooperativa de Industrialização e Comercialização
Camponesa), criada em 2009, a partir da integração entre as associações dos
assentamentos da região Oeste-PR, a ACAPA (Associação de Cooperação Agrícola e
Prestação de Serviços em Defesa da Agroecologia) em Diamante do Oeste, ACASI
(Associação de Cooperação Agrícola Santa Izabel) em Ramilândia, ACARP Oeste
(Associação de Cooperação Agrícola dos Assentamentos da Reforma Agrária do Oeste
do Paraná) em Cascavel, e pelo ITEPA (Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da
Reforma Agrária) em São Miguel do Iguaçu. O objeto desta pesquisa foi de
compreender o contexto, potencialidades e limitações desta experiência bem sucedida
de Reforma Agraria. A metodologia utilizada compreendeu uma visita ao assentamento,
entrevista com informantes-chave, no contexto de um estudo de caso, aplicando através
da técnica de análise SWOT. Evidenciou-se que a principal potencialidade do
assentamento é a produção leiteira, com uma média de 15 mil litros ao dia, destaca-se
também que a oportunidade do mercado institucional (PAA – Programa de Aquisição de
Alimento, e PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar), proporcionou
melhoria de renda e inclusão das famílias no mercado. Porém o estudo mostrou que faz-
se necessário atuar na mudança da matriz tecnológica e adequação dos produtos para
atender esse mercado. Também existem inúmeros desafios, como a estruturação da
logística, legislação sanitária, tributária e fiscal que incide sobre os produtos. Mas os
avanços com a organização através de cooperativa permitiu o acesso ao mercado,
principalmente, institucional, tornando-se uma ferramenta essencial para a viabilização
das propriedades que possibilita o aumento da renda e qualidade de vida às famílias,
mostrando-se um caminho promissor na busca do desenvolvimento sustentável.
Palavras chaves: Cooperativismo, Políticas Públicas, PNAE e PAA.
1. INTRODUÇÃO
No decorrer dos anos, historicamente, o Brasil passa por modificações em seu
contexto, por interferências politicas, econômicas e dos movimentos sociais, que requer
a estruturação e construção de novas políticas e estratégias de trabalho.
Os movimentos sociais exercem papel fundamental, seja na pressão feita ao
Estado, ou nas proposições de mudanças. Pode-se citar o Movimento Sem Terra – MST,
que desde o final da década de 70, luta pela reforma agrária do País, a história do
movimento, tem origem nos fatores de desigualdade na distribuição territorial do país,
de onde surge também a ideia de grandes latifúndios que muito ao contrário do que se
prevê, nem sempre são sinônimos de grandes e sustentáveis produções as quais
sustentam a população de maneira justa.
Neste histórico de luta, em 2002, surge é formadoconquistou-se o Assentamento
Antônio Companheiro Tavares, localizado em São Miguel do Iguaçu, com 80 famílias,
que somadas as demais assentadas na região Oeste do Paraná, iniciam a constituição de
um Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), como
ferramenta na área educacional dos jovens , com capacitação aos assentados da Reforma
Agrária como uma nova possibilidade de atividades produtivas nas áreas de
assentamentos rurais, e com a promoção de diversas áreas, como por exemplo, a
agroecologia, visando o desenvolvimento e permanência destas famílias nas áreas
Formatado: Português (Brasil)
rurais. Isso somente é possível através de organização e politicas estruturantes, como de
crédito, formação e capacitação e acesso ao mercado (PDA, 2005).
Este artigo tem como objeto compreender o contexto, potencialidades e
limitações da experiência do Assentamento Antônio Companheiro Tavares, localizado
em São Miguel do Iguaçu, com 80 famílias e o processo de organização, formação com
foco na produção, e comercialização dos produtos, que culminou na constituição de uma
cooperativa de Assentados da Reforma Agrária, denominada COPERCAM
(Cooperativa de Industrialização e Comercialização Camponesa).
2. MODELO ORGANIZACIONAL E POLÍTICO
As cooperativas facilitam o acesso às políticas públicas, incentivam o processo
de organização social e econômica nos diferentes níveis. Segundo Banco Mundial,
(BÚRIGO, 1999), “seria difícil encontrar um sistema mais eficaz do que o
cooperativismo para encorajar e estimular a participação ativa das populações e a
realização de um programa de desenvolvimento rural”.
E quando organizadas em rede do cooperativismo propõe a construção das
grandes diretrizes norteadoras com a ativa participação de associados, dirigentes,
colaboradores e entidades parceiras. As decisões e ações são de forma descentralizadas,
o que oferece abertura para adaptação às especificidades locais, como definido por Rech
(2009), o cooperativismo é uma das formas mais apropriadas de organização das
pessoas (ação coletiva) para vencer um objetivo comum, resultantes de suas próprias
necessidades na busca de solucionar ou aliviar o peso dos problemas que o grupo
enfrenta.
O cooperativismo segundo Álvares (2007), é uma ferramenta para promover
uma nação mais desenvolvida e socialmente mais justa, com uma melhoria do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), devido que no cooperativismo o capital humano é
mais importante do que o capital financeiro, assim quando uma cooperativa cresce seus
ganhos são compartilhados, compatibilizando o crescimento da economia com a
distribuição de renda.
Um dos princípios do cooperativismo está na educação, que é um processo
social imprescindível na vida das pessoas e a cooperação, como um processo social,
produz educação, desta forma a, a organização cooperativa, além de outras finalidades
como a econômica, tem um lugar social para a educação cooperativa, a qual se encontra
baseada nos valores fundamentais do cooperativismo (BASSO, 2010).
Na construção desta forma organizativa diferente, como o cooperativismo, nasce
o debate por políticas públicas que atendam as demandas desta nossa forma de
organização, visando a viabilização das atividades produtivas, através do acesso ao
crédito, ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) e comercialização.
As políticas públicas, voltadas para a agricultura familiar, no Brasil, iniciaram
debates em meados da década de 90, através da implantação do Pronaf (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que trouxe modificações e a
constituição da rede de políticas para a agricultura, incorporando atores que até então
estavam excluídos aos acontecimentos que modelavam as políticas para o setor (MDA,
2011). E a partir de 2000, intensificou-se a construção de políticas de comercialização
da produção, acesso a mercados e garantia de preços como as grandes “bandeiras de
lutas” movimentos de agricultores familiares.
Esta mudança de rumo no enfoque das políticas públicas para o rural,iniciou-se
com as ações de intervenção na estrutura fundiária e reassentamento de agricultores,
passando pela extensão dos direitos previdenciários (aposentadorias rurais) e chegando
à agricultura familiar, através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar em 1996, e de vários outros programas e ações, muitos deles conexos ao
Pronaf (MULLER, 2007).
Mesmo a agricultura familiar sendo um segmento majoritário e que carrega uma
grande heterogeneidade, a conquista deste espaço e das políticas públicas para a
agricultura, bem como o seu próprio conceito, somente ocorreu e foi definido pela Lei
Nº 11.326/2006, a qual estabeleceu e regulamentou a profissão de “Agricultor Familiar”
(MDA, 2011).
Essa a luta por políticas públicas diferenciadas foi contínua, neste contexto
debateu-se sobre assessoria técnica e principalmente, acesso a mercados. Quanto a
politicas públicas para acesso a mercado, a primeira política lançada pelo governo, o
PAA, que foi instituído pela Lei 10.696, de 2 de julho de 2003 (BRASIL, 2003), como
uma ação estruturante do Programa Fome Zero. Teve como principal objetivo garantir a
comercialização dos produtos da agricultura familiar, através do estabelecimento de
preços mínimos a serem praticados com a garantia de compra, ao mesmo tempo em que
articulou esta produção com os mercados institucionais e/ou para formação de estoques,
atendendo aos princípios da segurança alimentar.
Este Programa atua na comercialização dos produtos da agricultura familiar ao
viabilizar canais de escoamento da produção e assegurar preços justos para os produtos,
questões estratégicas, de conectar a demanda por alimentos criada ou estimulada pelos
programas públicos – o chamado mercado institucional de alimentos. É operado pela
CONAB, onde através de projetos de venda, adquire os alimentos de agricultores
familiares para formação de estoques estratégicos e atendimento a pessoas e populações
em situação de insegurança alimentar (CONAB, 2012).
Avaliações sobre este Programa indicam sua contribuição sobre a alteração da
matriz produtiva (diversificação, produção ecológica etc.) e de consumo (mudança dos
hábitos alimentares), valorização dos produtos dos territórios, recuperação dos preços
regionais e garantia de renda, construção de novos canais locais de comercialização,
atendimento de populações urbanas e rurais; formação de estoques estratégicos;
melhoria da qualidade dos produtos; fortalecimento do associativismo e cooperativismo;
e fortalecimento das organizações sociais.
Existem algumas limitações que afetam sua operacionalização, como:
dificuldades na organização e planejamento da produção agrícola, falta de assistência
técnica, obstáculos no acesso à DAP (Declaração de Aptidão do PRONAF), atraso na
liberação dos recursos e problemas de logística (transporte e armazenamento dos
alimentos). Porém o PAA é uma forma de inclusão dos agricultores familiares no
mercado e faz-se necessário que estes não se tornem dependentes deste mercado
institucional como a única opção de comercialização de seus produtos (CONAB, 2012),
ainda mais que esse é um programa e não uma política pública regulamentada por lei.
Com esta justificativa de consolidar politicas públicas de comercialização, em
2009, os movimentos sociais pressionaram o governo a institucionalizar o PNAE como
política pública, publicando da Lei nº 11.947/2009.
Este avanço possibilitou um amplo diálogo com os setores da educação de forma
a conectar estes dois importantes atores da política nacional (agricultura e educação). O
PNAE existe a mais de cinquenta anos no Brasil, e foi sendo reformulado e atualizado
ao longo destes anos. Pois as compras de produtos alimentares eram feitas através de
licitações com as grandes empresas, que muitas vezes não eram do local. Com a
publicação da Lei em 2009, esta realidade começou a ser transformada (FNDE, 2011).
Esta lei determina, em seu artigo 14, a utilização de, no mínimo, 30% dos
recursos repassados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)
para alimentação escolar, a compra de produtos da agricultura familiar e do
empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando os assentamentos de
reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. A
aquisição de gêneros alimentícios deve ser local, e quando isso não for possível, a
demanda deve ser complementada com a produção familiar da região, território rural,
estado e país, nesta ordem de prioridade (FNDE, 2011).
Porém, para promover essa conexão entre a agricultura familiar e a alimentação
escolar, é preciso observar os princípios e as diretrizes estabelecidos pelo PNAE: (i)
alimentação saudável e adequada; (ii) respeito à cultura, às tradições e aos hábitos
alimentares saudáveis; (iii) controle social; (iv) segurança alimentar e nutricional; (v)
desenvolvimento sustentável, que significa adquirir gêneros alimentícios diversificados,
produzidos localmente (MDA, 2011).
Do ponto de vista da produção da agricultura familiar, essa conexão ajuda a, (i)
garantir acesso á venda no mercado institucional, viabilizando o inicio de processos de
aprendizagem de relacionar-se com o mercado (desenvolvimento de marcas, noções de
qualidade, frequência, e outras); (ii) na garantia da segurança alimentar com produção
regional, fortalecendo a diversificação produtiva; (iii) na geração de renda e agregação
de valor, fortalecendo as economias municipais; (iv) na sustentabilidade do modelo de
desenvolvimento com fortalecimento do associativismo e cooperativismo (MDA, 2011).
O PNAE veio em complementaridade ao programa do PAA, pois aqueles grupos
que já comercializam para o PAA até o limite de R$ 5.500,00 (acesso invididual) e R$
6.500,00 (se acessado através de cooperativas), poderão fornecer também para o PNAE,
com o limite de R$20.000,00 por família/ano (FNDE, 2012). Com a aplicabilidade da
lei, os municípios procurarão comprar os produtos dos agricultores familiares, fazendo
com que o recurso permaneça dinamizando a economia local, e ofertando produtos que
pertençam ao hábito alimentar local (FNDE, 2012).
Grande desafio está na organização dos agricultores e de suas entidades
representantes para avançar no processo de acesso as políticas públicas, além dos
entraves existentes para a consolidação destas ações. A inclusão dos agricultores faz
parte do processo de construção de uma sociedade mais digna e justa para todos.
Contudo, assim como no PAA, são enormes os desafios operacionais do PNAE
(falta de conhecimento do programa e do mercado, carência de estruturas e logística,
falta de integração com outras políticas públicas etc.). Além disso, é preciso fortalecer
as organizações dos agricultores e o controle social de ambos os Programas, impedindo
que sejam apropriados por práticas clientelistas das instituições locais ou reproduzam
“velhos” mecanismos de comercialização.
O orçamento total do FNDE em 2012 foi de quase R$ 3,5 bilhões por ano. A
fatia de 30% que deve ser direcionada para a agricultura familiar pode chegar, portanto,
a R$ 1 bilhão. Sendo uma grande oportunidade de mercado para a agricultura familiar
(FNDE, 2012).
3. METODOLOGIA
A COOPERCAM, sediada no município de São Miguel do Iguaçu na Região
Oeste do Estado do Paraná, foi escolhido como objeto de estudo por refletir a realidade
de inúmeros agricultores familiares rurais, com dificuldades que retratam uma grande
maioria de pequenas propriedades e suas dificuldades em cultivos, produção e
comercialização dos produtos, os quais dão origem às fontes de renda e sustento das
famílias inseridas neste meio.
Para garantir a idoneidade das informações e a sua clareza, foi aplicado junto aos
membros desta entidade um questionário aberto, de forma oral, ou seja, uma entrevista
pré-definida e semi-estruturada, dando ênfase a uma análise qualitativa, adaptadas às
circunstâncias da aplicação. Tais métodos foram gravados e filmados para garantir a
clareza e a verdade das informações (TRIVIÑOS,1987, p. 146). Foram entrevistadas
diretamente duas pessoas, as quais são responsáveis técnicos pelo instituto e
conhecedores da situação em que o mesmo se encontra e das rotinas e tarefas
executadas pela COOPERCAM.
Em um segundo momento, utilizou-se de pesquisa bibliográfica com o intuito de
uma maior compreensão e explanação conceitual do objeto de pesquisa e do tema em
questão, nela se procurou facilitar o conhecimento das causas que levam a existência
primeira do objeto de estudo e fatores que devem gerar uma análise, utilizando a técnica
da analise de SWOT.
A análise SWOT é uma técnica que sintetiza os principais fatores internos e
externos das organizações empresariais e sua capacidade de influenciar uma tendência
de buscar maior impacto no desenvolvimento da estratégia (JOHNSON et. al, 2007). O
objetivo desta ferramenta é identificar o grau em que as forças e fraquezas atuais são
relevantes para, e capazes de lidar com as ameaças ou capitalizar as oportunidades no
ambiente empresarial (JOHNSON et al, 2007).
4. O ASSENTAMENTO ANTÔNIO TAVARES
Durante a década de 1980, a então Fazenda Mitakoré, sob a propriedade do
político paranaense José Eduardo de Andrade Vieira - mais conhecido como Zé
Eduardo (PTB) - ganhou diversos prêmios internacionais de produção de grãos. A
Mitakoré se destacava por ser uma “fazenda modelo” na produção de soja, aveia e
girassol. Foi considerada, nos padrões da Revolução Verde, de alto padrão tecnológico,
com uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos, sementes híbridas e outras
(SOUZA, 2010).
Devido ao grande número de dívidas contraídas pelo político londrinense, a
Fazenda Mitakoré foi expropriada, na década de 1990, pelo Banco Bamerindus –
entidade bancária a qual Zé Eduardo tinha hipotecado a propriedade; esse banco, porém,
veio a ser posteriormente liquidado pelo Banco Central, como parte de uma dívida que
havia contraído com os cofres da União (PDA, 2005).
Especulava-se na época que a área da Fazenda Mitakoré seria leiloada ou
direcionada pela União para outras atividades, seja para fins de pesquisa ou exploração
agrícola convencional. Foi nessa conjuntura, em 1997, que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da região viu na área a possibilidade de
implementar mais um assentamento de Reforma Agrária, quando um grupo de
aproximadamente 380 famílias ocuparam à Fazenda Mitakoré, buscando dar uma
função social a ela, que até aquele momento não era cumprida. Em 2000, as famílias
acampadas ocuparam a totalidade da área, que incluiu a sede da fazenda. Somente após
cinco anos de resistência a área foi destinada à Reforma Agrária, no dia 17 de outubro
de 2002, passando então a receber o nome de Projeto de Assentamento Antônio
Companheiro Tavares (SOUZA, 2010).
Por esse histórico, o assentamento possui características distintas dos demais,
principalmente por sua localização privilegiada, próximo a grandes centros
populacionais, facilidade de acesso ao transporte da produção o que potencializa a
comercialização regionalmente. Também possui relevo plano e solos férteis com
predominância de Latossolo Vermelho Distroférrico classificado pela EMBRAPA. Com
área total do Assentamento é de 1.098,91 hectares, com 80 famílias assentadas, sendo
que cada uma possui em média 10 hectares (PDA, 2005).
Com a nova possibilidade de desenvolver atividades produtivas na área, surge a
necessidade de promover ações educativas e capacitação para assentados e acampados
da Reforma Agrária e a seus filhos, constituiu-se em 2000, o Instituto Técnico de
Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), promovendo capacitações em
diversas áreas do conhecimento técnico, científico e humano, tais como a promoção e
desenvolvimento da Agroecologia, por meio da condução de pesquisas e estudos que
contribuiram para o desenvolvimento das famílias, e a criação de iniciativas de
agroindustrialização para geração de agregação de valor e maior viabilidade econômica
das famílias assentadas da Reforma Agrária.
Para cumprir esses objetivos, foi destinada ao ITEPA uma área de 162 hectares,
localizado na área da antiga fazenda e atualmente pertencente ao Assentamento Antônio
Tavares. O ITEPA mantém em sua estrutura a Escola José Gomes da Silva, responsável
pela realização de dois cursos técnicos integrados, sendo um deles o Curso Técnico em
Agroecologia, voltado à área de Saúde Comunitária, que já formou inúmeros
educandos/as. Ambos os cursos foram realizados em parceria com a ETUFPR (Escola
Técnica da Universidade Federal do Paraná), através da pedagogia da alternância, sendo
divididos em tempo escola e tempo comunidade (SOUZA, 2010).
Este período de capacitação e pesquisa refletiu de forma positiva e decisiva nas
atividades produtivas adotadas pelas famílias assentadas, que buscam na agroecologia
práticas mais sustentáveis, e como a especialização na bovinocultura leiteira, atividade
que predomina entre as famílias, atingindo a produção de 14.000 litros de leite/dia,
sendo coletado por caminhão próprio da associação, que comercializa volume maior
junto as empresas, agregando maior valor ao produto, atualmente com preço médio de
R$ 0,80/litro. O grande desafio está no desenvolvimento de projetos de leite orgânico,
que já possui 6 famílias em fase de certificação pela Rede Ecovida de Agroecologia.
Com o aumento da produção, ações na área de comercialização e
agroindustrialização estão sendo fomentadas, não somente na cadeia leiteira, mais na
diversificação da produção. Como a intensificação da fruticultura e em panifícios,
buscando agregação de valor e oportunidade de comercialização junto ao mercado
institucional (PAA e PNAE). Porém faz-se necessário, além da luta política, ou seja,
“bandeira de luta”, a legalização da comercialização, com a constituição de uma
cooperativa, como ferramenta de desenvolvimento para os assentamentos.
5. A COOPERCAM
Das relações políticas fortes e atuantes do movimento, surge a cooperativa, que
nada mais é o resultado de uma organização e uma ferramenta para acesso a
comercialização. Tendo como principal objetivo organizar a produção para a
comercialização.
Frente a esse desafio, em 2009 é fundada a COOPERCAM, que surge da
organização associativa entre a Associação de Cooperativas Agrícola e Prestação de
Serviços em Defesa da Agroecologia – ACAPA e o Instituto Técnico de Educação e
Pesquisa de Reforma Agrária – ITEPA. Entretanto, essa cooperativa, possui
abrangência regional, e cooperados de diversos assentamentos da região. Atualmente
possui 401 associados, dos quais 360 assentados e 41 agricultores familiares que
comercializam junto ao mercado institucional. Destes, 350 famílias comercializam
através do PAA e as demais no PNAE. Mais tem um enorme potencial de ampliação do
quadro social, como expresso na tabela 1, devido a articulação que realiza e o número
de assentamentos na Região Oeste do Paraná.
Tabela 1. Relação de municípios, assentamentos e números de famílias assentadas na
Região Oeste do Paraná.
Fonte: COOPERCAM, 2013.
Em 2013, com projetos já aprovados a cooperativa irá comercializar R$ 3
milhões através do PAA, e mais de R$ 570 mil no PNAE estadual, além da perspectiva
de acessar a novas modalidades como a compra institucional, venda a presídios,
universidades, hospitais, restaurantes populares.
A cooperativa tem diversificado a produção, comercializando, principalmente o
leite, frutas, carne, verduras, soja. Buscando melhoria na produção, preocupando-se com
a produção de alimentos “limpos” e a sustentabilidade das famílias. As famílias estão
organizadas em grupos produtivos, que possui um coordenador, que tem a função de
participar em conjunto com o setor produtivo da cooperativa na definição do
planejamento de plantio e culturas.
Através de parcerias, a cooperativa busca atender as demandas do seu quadro
social, como o apoio da ITAIPU Binacional para assessoria técnica, através de convênio
com o CAPA – Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor. Também possui dentre seus
cooperados, técnicos que desenvolvem atividades de organização social e produtiva.
Parceria na produção de sementes, com o IAPAR – Instituto Agronômico do
Paraná, o que permite o resgate de materiais crioulos, melhorando esse material para
atender as reais necessidades dos assentados e contrapondo ao modelo de produção
convencional, principalmente transgênico.
Outra parceria importante, esta na área da educação, através do Programa de
Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), com
a UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, com o objetivo de formar
educadores para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas
escolas rurais.
Devido à aptidão das famílias no desenvolvimento da atividade leiteira, a
comercialização do leite “in natura” é explorada por atravessadores ou indústrias de
grande porte que remuneram as famílias com baixos preços. Também a comercialização
de produtos coloniais, como o queijo, é feita de forma ilegal e clandestina, pela
dificuldade das famílias em atender as exigências da legislação sanitária vigente e que
inviabiliza pequenos empreendimentos familiares.
A alternativa encontrada foi através das parcerias e projetos, que está em fase de
implantação, uma agroindústria de láticos, que processará inicialmente 14.000 litro/dia.
Também em fase de conclusão da obra, uma agroindústria de massas que atenderá as
exigências sanitárias e viabilizará a comercialização junto aos programas
governamentais. Isso gerará maior independência das famílias, agregará valor ao
produto, consequentemente maior renda para os assentados, ainda mais com a proposta
da transição agroecológica que possui acréscimo de 30% no valor final do produto, no
mercado institucional, devido esse diferencial.
Com a análise SWOT, se identificou pontos fortes, fracos, oportunidades e
ameaças presentes no ambiente de estudo. Essa leitura prévia do seu ambiente interno e
externo permitirá aos associados/produtores desenvolver ações para explorar
oportunidades ou minimizar os riscos das ameaças a que estão sujeitos as suas
atividades produtivas. Com intuito de concluir esse diagnóstico, na seqüência é
apresentada a análise da Cooperativa em estudo.
Quadro 2. Resultados da análise SWOT, e sistematização da matriz FOFA.
Ambiente interno
Pontos Fortes
Maior agregação de valor aos produtos,
aumento da renda;
Alta disposição das participantes do
grupo para trabalhar;
Busca constante pela melhoria da
qualidade
Recursos Humanos: A equipe de
trabalho empenhada, focada na missão e
valores da Cooperativa.
Gerencia experiente
Localização: É o ponto onde as terras
são muito boas e férteis.
Diversificação do mercado;
Surgimento de novos canais
distribuição.
Pontos Fracos
Profissionalização da gestão da
cooperativa, como ações na área da
logística, produção e também política;
Instalações obsoletas;
Problemas operacionais internos,
profissionais capacitados;
Deficiência e inexistência de
estruturas de agroindustrialização;
Matriz tecnológica não sustentável;
Baixa escala produtiva;
Baixa inovação de produtos
diferenciados;
Deficiência e inexistência de
estruturas para logística;
Ambiente externo
Oportunidades
Promover o desenvolvimento da
agricultura familiar.
Mudança da matriz tecnológica,
principalmente da produção de leite;
Legalização e adequação dos produtos
às exigências sanitárias e ambientais,
para acessar o mercado, principalmente,
mercado institucional;
Novos modelos organizacionais: Ser
um empreendimento auto-gestionário
inserido no contexto da Economia.
Propaganda: Maior divulgação de seus
produtos. (rádio e TV).
Visitas de intercâmbio
Mudança de hábitos do consumidor.
Expansão do mercado.
Ameaças
Variação de preços
Confiança com relação à produção e
comercialização
Atrasos na tecnologia e pesquisa;
Produtos/logo patenteados;
Rede de distribuição limitada;
Legislação sanitária, tributária e
fiscal;
Abertura do mercado institucional
para grandes cooperativas.
Fonte: pesquisa de campo, 2013.
Pode-se analisar que são inúmeros os entraves para as famílias e a cooperativa
para consolidarem-se no mercado, até no institucional, que é específico para a
agricultura familiar. Porém, através do processo de organização coletiva que esses
desafios serão superados e contornados, oportunizando assim o acesso ao mercado de
forma profissional e principalmente garantindo a renda e melhor qualidade de vida às
famílias assentadas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A organização através do MST – Movimento Sem Terra possui articulação
política forte e influente, não somente no debate da questão agrária, mais atua na
reforma agrária integrando através da luta por políticas públicas para o meio rural e
agricultura familiar camponesa;
A mudança da matriz produtiva tecnológica é um desafio para atender as
demandas de mercado e de ideias defendidas pelo movimento;
As políticas públicas representam a inclusão de inúmeras famílias assentadas no
mercado, com perspectivas de ampliar e acesso ao mercado privado;
A organização através de cooperativa permitiu o acesso ao mercado,
principalmente, institucional. O que a torna uma ferramenta essencial para a
viabilização das propriedades que possibilita o aumento da renda e qualidade de vida as
famílias, em busca do desenvolvimento sustentável.
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TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa
em educação. São Paulo: Atlas, 1987. p.175.