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COOPERCAM: Ferramenta para a comercialização de produtos da reforma agrária Elisângela Bellandi Loss¹ Keitilanger Grisa Hahn¹ Marcelo Roger Meneghatti¹ Michelle De Medeiros Carvalho 1 Allan Denizzard Limeira Coutinho 2 Wilson João Zonin 3 ¹ Mestrando(as) em Desenvolvimento Rural Sustentável UNIOESTE. [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]. 2 Engenheiro Agrônomo Fundação Terra. [email protected] . 3 Professor Adjunto do Programa Pós Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável - UNIOESTE. [email protected]. Resumo: O presente artigo relata um estudo realizado no Assentamento Antônio Companheiro Tavares, localizado em São Miguel do Iguaçu, com 80 famílias. O processo de organização, formação com foco na produção, e comercialização dos produtos, culminou na constituição de uma cooperativa de Assentados da Reforma Agrária, denominada COPERCAM (Cooperativa de Industrialização e Comercialização Camponesa), criada em 2009, a partir da integração entre as associações dos assentamentos da região Oeste-PR, a ACAPA (Associação de Cooperação Agrícola e Prestação de Serviços em Defesa da Agroecologia) em Diamante do Oeste, ACASI (Associação de Cooperação Agrícola Santa Izabel) em Ramilândia, ACARP Oeste (Associação de Cooperação Agrícola dos Assentamentos da Reforma Agrária do Oeste do Paraná) em Cascavel, e pelo ITEPA (Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária) em São Miguel do Iguaçu. O objeto desta pesquisa foi de compreender o contexto, potencialidades e limitações desta experiência bem sucedida de Reforma Agraria. A metodologia utilizada compreendeu uma visita ao assentamento, entrevista com informantes-chave, no contexto de um estudo de caso, aplicando através da técnica de análise SWOT. Evidenciou-se que a principal potencialidade do

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COOPERCAM: Ferramenta para a comercialização de produtos da reforma

agrária

Elisângela Bellandi Loss¹

Keitilanger Grisa Hahn¹

Marcelo Roger Meneghatti¹

Michelle De Medeiros Carvalho1

Allan Denizzard Limeira Coutinho2

Wilson João Zonin3

¹ Mestrando(as) em Desenvolvimento Rural Sustentável – UNIOESTE. [email protected];

[email protected]; [email protected]; [email protected].

2 Engenheiro Agrônomo – Fundação Terra. [email protected] .

3 Professor Adjunto do Programa Pós Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável - UNIOESTE.

[email protected].

Resumo:

O presente artigo relata um estudo realizado no Assentamento Antônio

Companheiro Tavares, localizado em São Miguel do Iguaçu, com 80 famílias. O

processo de organização, formação com foco na produção, e comercialização dos

produtos, culminou na constituição de uma cooperativa de Assentados da Reforma

Agrária, denominada COPERCAM (Cooperativa de Industrialização e Comercialização

Camponesa), criada em 2009, a partir da integração entre as associações dos

assentamentos da região Oeste-PR, a ACAPA (Associação de Cooperação Agrícola e

Prestação de Serviços em Defesa da Agroecologia) em Diamante do Oeste, ACASI

(Associação de Cooperação Agrícola Santa Izabel) em Ramilândia, ACARP Oeste

(Associação de Cooperação Agrícola dos Assentamentos da Reforma Agrária do Oeste

do Paraná) em Cascavel, e pelo ITEPA (Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da

Reforma Agrária) em São Miguel do Iguaçu. O objeto desta pesquisa foi de

compreender o contexto, potencialidades e limitações desta experiência bem sucedida

de Reforma Agraria. A metodologia utilizada compreendeu uma visita ao assentamento,

entrevista com informantes-chave, no contexto de um estudo de caso, aplicando através

da técnica de análise SWOT. Evidenciou-se que a principal potencialidade do

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assentamento é a produção leiteira, com uma média de 15 mil litros ao dia, destaca-se

também que a oportunidade do mercado institucional (PAA – Programa de Aquisição de

Alimento, e PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar), proporcionou

melhoria de renda e inclusão das famílias no mercado. Porém o estudo mostrou que faz-

se necessário atuar na mudança da matriz tecnológica e adequação dos produtos para

atender esse mercado. Também existem inúmeros desafios, como a estruturação da

logística, legislação sanitária, tributária e fiscal que incide sobre os produtos. Mas os

avanços com a organização através de cooperativa permitiu o acesso ao mercado,

principalmente, institucional, tornando-se uma ferramenta essencial para a viabilização

das propriedades que possibilita o aumento da renda e qualidade de vida às famílias,

mostrando-se um caminho promissor na busca do desenvolvimento sustentável.

Palavras chaves: Cooperativismo, Políticas Públicas, PNAE e PAA.

1. INTRODUÇÃO

No decorrer dos anos, historicamente, o Brasil passa por modificações em seu

contexto, por interferências politicas, econômicas e dos movimentos sociais, que requer

a estruturação e construção de novas políticas e estratégias de trabalho.

Os movimentos sociais exercem papel fundamental, seja na pressão feita ao

Estado, ou nas proposições de mudanças. Pode-se citar o Movimento Sem Terra – MST,

que desde o final da década de 70, luta pela reforma agrária do País, a história do

movimento, tem origem nos fatores de desigualdade na distribuição territorial do país,

de onde surge também a ideia de grandes latifúndios que muito ao contrário do que se

prevê, nem sempre são sinônimos de grandes e sustentáveis produções as quais

sustentam a população de maneira justa.

Neste histórico de luta, em 2002, surge é formadoconquistou-se o Assentamento

Antônio Companheiro Tavares, localizado em São Miguel do Iguaçu, com 80 famílias,

que somadas as demais assentadas na região Oeste do Paraná, iniciam a constituição de

um Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), como

ferramenta na área educacional dos jovens , com capacitação aos assentados da Reforma

Agrária como uma nova possibilidade de atividades produtivas nas áreas de

assentamentos rurais, e com a promoção de diversas áreas, como por exemplo, a

agroecologia, visando o desenvolvimento e permanência destas famílias nas áreas

Formatado: Português (Brasil)

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rurais. Isso somente é possível através de organização e politicas estruturantes, como de

crédito, formação e capacitação e acesso ao mercado (PDA, 2005).

Este artigo tem como objeto compreender o contexto, potencialidades e

limitações da experiência do Assentamento Antônio Companheiro Tavares, localizado

em São Miguel do Iguaçu, com 80 famílias e o processo de organização, formação com

foco na produção, e comercialização dos produtos, que culminou na constituição de uma

cooperativa de Assentados da Reforma Agrária, denominada COPERCAM

(Cooperativa de Industrialização e Comercialização Camponesa).

2. MODELO ORGANIZACIONAL E POLÍTICO

As cooperativas facilitam o acesso às políticas públicas, incentivam o processo

de organização social e econômica nos diferentes níveis. Segundo Banco Mundial,

(BÚRIGO, 1999), “seria difícil encontrar um sistema mais eficaz do que o

cooperativismo para encorajar e estimular a participação ativa das populações e a

realização de um programa de desenvolvimento rural”.

E quando organizadas em rede do cooperativismo propõe a construção das

grandes diretrizes norteadoras com a ativa participação de associados, dirigentes,

colaboradores e entidades parceiras. As decisões e ações são de forma descentralizadas,

o que oferece abertura para adaptação às especificidades locais, como definido por Rech

(2009), o cooperativismo é uma das formas mais apropriadas de organização das

pessoas (ação coletiva) para vencer um objetivo comum, resultantes de suas próprias

necessidades na busca de solucionar ou aliviar o peso dos problemas que o grupo

enfrenta.

O cooperativismo segundo Álvares (2007), é uma ferramenta para promover

uma nação mais desenvolvida e socialmente mais justa, com uma melhoria do Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), devido que no cooperativismo o capital humano é

mais importante do que o capital financeiro, assim quando uma cooperativa cresce seus

ganhos são compartilhados, compatibilizando o crescimento da economia com a

distribuição de renda.

Um dos princípios do cooperativismo está na educação, que é um processo

social imprescindível na vida das pessoas e a cooperação, como um processo social,

produz educação, desta forma a, a organização cooperativa, além de outras finalidades

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como a econômica, tem um lugar social para a educação cooperativa, a qual se encontra

baseada nos valores fundamentais do cooperativismo (BASSO, 2010).

Na construção desta forma organizativa diferente, como o cooperativismo, nasce

o debate por políticas públicas que atendam as demandas desta nossa forma de

organização, visando a viabilização das atividades produtivas, através do acesso ao

crédito, ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) e comercialização.

As políticas públicas, voltadas para a agricultura familiar, no Brasil, iniciaram

debates em meados da década de 90, através da implantação do Pronaf (Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que trouxe modificações e a

constituição da rede de políticas para a agricultura, incorporando atores que até então

estavam excluídos aos acontecimentos que modelavam as políticas para o setor (MDA,

2011). E a partir de 2000, intensificou-se a construção de políticas de comercialização

da produção, acesso a mercados e garantia de preços como as grandes “bandeiras de

lutas” movimentos de agricultores familiares.

Esta mudança de rumo no enfoque das políticas públicas para o rural,iniciou-se

com as ações de intervenção na estrutura fundiária e reassentamento de agricultores,

passando pela extensão dos direitos previdenciários (aposentadorias rurais) e chegando

à agricultura familiar, através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar em 1996, e de vários outros programas e ações, muitos deles conexos ao

Pronaf (MULLER, 2007).

Mesmo a agricultura familiar sendo um segmento majoritário e que carrega uma

grande heterogeneidade, a conquista deste espaço e das políticas públicas para a

agricultura, bem como o seu próprio conceito, somente ocorreu e foi definido pela Lei

Nº 11.326/2006, a qual estabeleceu e regulamentou a profissão de “Agricultor Familiar”

(MDA, 2011).

Essa a luta por políticas públicas diferenciadas foi contínua, neste contexto

debateu-se sobre assessoria técnica e principalmente, acesso a mercados. Quanto a

politicas públicas para acesso a mercado, a primeira política lançada pelo governo, o

PAA, que foi instituído pela Lei 10.696, de 2 de julho de 2003 (BRASIL, 2003), como

uma ação estruturante do Programa Fome Zero. Teve como principal objetivo garantir a

comercialização dos produtos da agricultura familiar, através do estabelecimento de

preços mínimos a serem praticados com a garantia de compra, ao mesmo tempo em que

articulou esta produção com os mercados institucionais e/ou para formação de estoques,

atendendo aos princípios da segurança alimentar.

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Este Programa atua na comercialização dos produtos da agricultura familiar ao

viabilizar canais de escoamento da produção e assegurar preços justos para os produtos,

questões estratégicas, de conectar a demanda por alimentos criada ou estimulada pelos

programas públicos – o chamado mercado institucional de alimentos. É operado pela

CONAB, onde através de projetos de venda, adquire os alimentos de agricultores

familiares para formação de estoques estratégicos e atendimento a pessoas e populações

em situação de insegurança alimentar (CONAB, 2012).

Avaliações sobre este Programa indicam sua contribuição sobre a alteração da

matriz produtiva (diversificação, produção ecológica etc.) e de consumo (mudança dos

hábitos alimentares), valorização dos produtos dos territórios, recuperação dos preços

regionais e garantia de renda, construção de novos canais locais de comercialização,

atendimento de populações urbanas e rurais; formação de estoques estratégicos;

melhoria da qualidade dos produtos; fortalecimento do associativismo e cooperativismo;

e fortalecimento das organizações sociais.

Existem algumas limitações que afetam sua operacionalização, como:

dificuldades na organização e planejamento da produção agrícola, falta de assistência

técnica, obstáculos no acesso à DAP (Declaração de Aptidão do PRONAF), atraso na

liberação dos recursos e problemas de logística (transporte e armazenamento dos

alimentos). Porém o PAA é uma forma de inclusão dos agricultores familiares no

mercado e faz-se necessário que estes não se tornem dependentes deste mercado

institucional como a única opção de comercialização de seus produtos (CONAB, 2012),

ainda mais que esse é um programa e não uma política pública regulamentada por lei.

Com esta justificativa de consolidar politicas públicas de comercialização, em

2009, os movimentos sociais pressionaram o governo a institucionalizar o PNAE como

política pública, publicando da Lei nº 11.947/2009.

Este avanço possibilitou um amplo diálogo com os setores da educação de forma

a conectar estes dois importantes atores da política nacional (agricultura e educação). O

PNAE existe a mais de cinquenta anos no Brasil, e foi sendo reformulado e atualizado

ao longo destes anos. Pois as compras de produtos alimentares eram feitas através de

licitações com as grandes empresas, que muitas vezes não eram do local. Com a

publicação da Lei em 2009, esta realidade começou a ser transformada (FNDE, 2011).

Esta lei determina, em seu artigo 14, a utilização de, no mínimo, 30% dos

recursos repassados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)

para alimentação escolar, a compra de produtos da agricultura familiar e do

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empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando os assentamentos de

reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. A

aquisição de gêneros alimentícios deve ser local, e quando isso não for possível, a

demanda deve ser complementada com a produção familiar da região, território rural,

estado e país, nesta ordem de prioridade (FNDE, 2011).

Porém, para promover essa conexão entre a agricultura familiar e a alimentação

escolar, é preciso observar os princípios e as diretrizes estabelecidos pelo PNAE: (i)

alimentação saudável e adequada; (ii) respeito à cultura, às tradições e aos hábitos

alimentares saudáveis; (iii) controle social; (iv) segurança alimentar e nutricional; (v)

desenvolvimento sustentável, que significa adquirir gêneros alimentícios diversificados,

produzidos localmente (MDA, 2011).

Do ponto de vista da produção da agricultura familiar, essa conexão ajuda a, (i)

garantir acesso á venda no mercado institucional, viabilizando o inicio de processos de

aprendizagem de relacionar-se com o mercado (desenvolvimento de marcas, noções de

qualidade, frequência, e outras); (ii) na garantia da segurança alimentar com produção

regional, fortalecendo a diversificação produtiva; (iii) na geração de renda e agregação

de valor, fortalecendo as economias municipais; (iv) na sustentabilidade do modelo de

desenvolvimento com fortalecimento do associativismo e cooperativismo (MDA, 2011).

O PNAE veio em complementaridade ao programa do PAA, pois aqueles grupos

que já comercializam para o PAA até o limite de R$ 5.500,00 (acesso invididual) e R$

6.500,00 (se acessado através de cooperativas), poderão fornecer também para o PNAE,

com o limite de R$20.000,00 por família/ano (FNDE, 2012). Com a aplicabilidade da

lei, os municípios procurarão comprar os produtos dos agricultores familiares, fazendo

com que o recurso permaneça dinamizando a economia local, e ofertando produtos que

pertençam ao hábito alimentar local (FNDE, 2012).

Grande desafio está na organização dos agricultores e de suas entidades

representantes para avançar no processo de acesso as políticas públicas, além dos

entraves existentes para a consolidação destas ações. A inclusão dos agricultores faz

parte do processo de construção de uma sociedade mais digna e justa para todos.

Contudo, assim como no PAA, são enormes os desafios operacionais do PNAE

(falta de conhecimento do programa e do mercado, carência de estruturas e logística,

falta de integração com outras políticas públicas etc.). Além disso, é preciso fortalecer

as organizações dos agricultores e o controle social de ambos os Programas, impedindo

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que sejam apropriados por práticas clientelistas das instituições locais ou reproduzam

“velhos” mecanismos de comercialização.

O orçamento total do FNDE em 2012 foi de quase R$ 3,5 bilhões por ano. A

fatia de 30% que deve ser direcionada para a agricultura familiar pode chegar, portanto,

a R$ 1 bilhão. Sendo uma grande oportunidade de mercado para a agricultura familiar

(FNDE, 2012).

3. METODOLOGIA

A COOPERCAM, sediada no município de São Miguel do Iguaçu na Região

Oeste do Estado do Paraná, foi escolhido como objeto de estudo por refletir a realidade

de inúmeros agricultores familiares rurais, com dificuldades que retratam uma grande

maioria de pequenas propriedades e suas dificuldades em cultivos, produção e

comercialização dos produtos, os quais dão origem às fontes de renda e sustento das

famílias inseridas neste meio.

Para garantir a idoneidade das informações e a sua clareza, foi aplicado junto aos

membros desta entidade um questionário aberto, de forma oral, ou seja, uma entrevista

pré-definida e semi-estruturada, dando ênfase a uma análise qualitativa, adaptadas às

circunstâncias da aplicação. Tais métodos foram gravados e filmados para garantir a

clareza e a verdade das informações (TRIVIÑOS,1987, p. 146). Foram entrevistadas

diretamente duas pessoas, as quais são responsáveis técnicos pelo instituto e

conhecedores da situação em que o mesmo se encontra e das rotinas e tarefas

executadas pela COOPERCAM.

Em um segundo momento, utilizou-se de pesquisa bibliográfica com o intuito de

uma maior compreensão e explanação conceitual do objeto de pesquisa e do tema em

questão, nela se procurou facilitar o conhecimento das causas que levam a existência

primeira do objeto de estudo e fatores que devem gerar uma análise, utilizando a técnica

da analise de SWOT.

A análise SWOT é uma técnica que sintetiza os principais fatores internos e

externos das organizações empresariais e sua capacidade de influenciar uma tendência

de buscar maior impacto no desenvolvimento da estratégia (JOHNSON et. al, 2007). O

objetivo desta ferramenta é identificar o grau em que as forças e fraquezas atuais são

relevantes para, e capazes de lidar com as ameaças ou capitalizar as oportunidades no

ambiente empresarial (JOHNSON et al, 2007).

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4. O ASSENTAMENTO ANTÔNIO TAVARES

Durante a década de 1980, a então Fazenda Mitakoré, sob a propriedade do

político paranaense José Eduardo de Andrade Vieira - mais conhecido como Zé

Eduardo (PTB) - ganhou diversos prêmios internacionais de produção de grãos. A

Mitakoré se destacava por ser uma “fazenda modelo” na produção de soja, aveia e

girassol. Foi considerada, nos padrões da Revolução Verde, de alto padrão tecnológico,

com uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos, sementes híbridas e outras

(SOUZA, 2010).

Devido ao grande número de dívidas contraídas pelo político londrinense, a

Fazenda Mitakoré foi expropriada, na década de 1990, pelo Banco Bamerindus –

entidade bancária a qual Zé Eduardo tinha hipotecado a propriedade; esse banco, porém,

veio a ser posteriormente liquidado pelo Banco Central, como parte de uma dívida que

havia contraído com os cofres da União (PDA, 2005).

Especulava-se na época que a área da Fazenda Mitakoré seria leiloada ou

direcionada pela União para outras atividades, seja para fins de pesquisa ou exploração

agrícola convencional. Foi nessa conjuntura, em 1997, que o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da região viu na área a possibilidade de

implementar mais um assentamento de Reforma Agrária, quando um grupo de

aproximadamente 380 famílias ocuparam à Fazenda Mitakoré, buscando dar uma

função social a ela, que até aquele momento não era cumprida. Em 2000, as famílias

acampadas ocuparam a totalidade da área, que incluiu a sede da fazenda. Somente após

cinco anos de resistência a área foi destinada à Reforma Agrária, no dia 17 de outubro

de 2002, passando então a receber o nome de Projeto de Assentamento Antônio

Companheiro Tavares (SOUZA, 2010).

Por esse histórico, o assentamento possui características distintas dos demais,

principalmente por sua localização privilegiada, próximo a grandes centros

populacionais, facilidade de acesso ao transporte da produção o que potencializa a

comercialização regionalmente. Também possui relevo plano e solos férteis com

predominância de Latossolo Vermelho Distroférrico classificado pela EMBRAPA. Com

área total do Assentamento é de 1.098,91 hectares, com 80 famílias assentadas, sendo

que cada uma possui em média 10 hectares (PDA, 2005).

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Com a nova possibilidade de desenvolver atividades produtivas na área, surge a

necessidade de promover ações educativas e capacitação para assentados e acampados

da Reforma Agrária e a seus filhos, constituiu-se em 2000, o Instituto Técnico de

Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), promovendo capacitações em

diversas áreas do conhecimento técnico, científico e humano, tais como a promoção e

desenvolvimento da Agroecologia, por meio da condução de pesquisas e estudos que

contribuiram para o desenvolvimento das famílias, e a criação de iniciativas de

agroindustrialização para geração de agregação de valor e maior viabilidade econômica

das famílias assentadas da Reforma Agrária.

Para cumprir esses objetivos, foi destinada ao ITEPA uma área de 162 hectares,

localizado na área da antiga fazenda e atualmente pertencente ao Assentamento Antônio

Tavares. O ITEPA mantém em sua estrutura a Escola José Gomes da Silva, responsável

pela realização de dois cursos técnicos integrados, sendo um deles o Curso Técnico em

Agroecologia, voltado à área de Saúde Comunitária, que já formou inúmeros

educandos/as. Ambos os cursos foram realizados em parceria com a ETUFPR (Escola

Técnica da Universidade Federal do Paraná), através da pedagogia da alternância, sendo

divididos em tempo escola e tempo comunidade (SOUZA, 2010).

Este período de capacitação e pesquisa refletiu de forma positiva e decisiva nas

atividades produtivas adotadas pelas famílias assentadas, que buscam na agroecologia

práticas mais sustentáveis, e como a especialização na bovinocultura leiteira, atividade

que predomina entre as famílias, atingindo a produção de 14.000 litros de leite/dia,

sendo coletado por caminhão próprio da associação, que comercializa volume maior

junto as empresas, agregando maior valor ao produto, atualmente com preço médio de

R$ 0,80/litro. O grande desafio está no desenvolvimento de projetos de leite orgânico,

que já possui 6 famílias em fase de certificação pela Rede Ecovida de Agroecologia.

Com o aumento da produção, ações na área de comercialização e

agroindustrialização estão sendo fomentadas, não somente na cadeia leiteira, mais na

diversificação da produção. Como a intensificação da fruticultura e em panifícios,

buscando agregação de valor e oportunidade de comercialização junto ao mercado

institucional (PAA e PNAE). Porém faz-se necessário, além da luta política, ou seja,

“bandeira de luta”, a legalização da comercialização, com a constituição de uma

cooperativa, como ferramenta de desenvolvimento para os assentamentos.

5. A COOPERCAM

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Das relações políticas fortes e atuantes do movimento, surge a cooperativa, que

nada mais é o resultado de uma organização e uma ferramenta para acesso a

comercialização. Tendo como principal objetivo organizar a produção para a

comercialização.

Frente a esse desafio, em 2009 é fundada a COOPERCAM, que surge da

organização associativa entre a Associação de Cooperativas Agrícola e Prestação de

Serviços em Defesa da Agroecologia – ACAPA e o Instituto Técnico de Educação e

Pesquisa de Reforma Agrária – ITEPA. Entretanto, essa cooperativa, possui

abrangência regional, e cooperados de diversos assentamentos da região. Atualmente

possui 401 associados, dos quais 360 assentados e 41 agricultores familiares que

comercializam junto ao mercado institucional. Destes, 350 famílias comercializam

através do PAA e as demais no PNAE. Mais tem um enorme potencial de ampliação do

quadro social, como expresso na tabela 1, devido a articulação que realiza e o número

de assentamentos na Região Oeste do Paraná.

Tabela 1. Relação de municípios, assentamentos e números de famílias assentadas na

Região Oeste do Paraná.

Fonte: COOPERCAM, 2013.

Em 2013, com projetos já aprovados a cooperativa irá comercializar R$ 3

milhões através do PAA, e mais de R$ 570 mil no PNAE estadual, além da perspectiva

de acessar a novas modalidades como a compra institucional, venda a presídios,

universidades, hospitais, restaurantes populares.

A cooperativa tem diversificado a produção, comercializando, principalmente o

leite, frutas, carne, verduras, soja. Buscando melhoria na produção, preocupando-se com

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a produção de alimentos “limpos” e a sustentabilidade das famílias. As famílias estão

organizadas em grupos produtivos, que possui um coordenador, que tem a função de

participar em conjunto com o setor produtivo da cooperativa na definição do

planejamento de plantio e culturas.

Através de parcerias, a cooperativa busca atender as demandas do seu quadro

social, como o apoio da ITAIPU Binacional para assessoria técnica, através de convênio

com o CAPA – Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor. Também possui dentre seus

cooperados, técnicos que desenvolvem atividades de organização social e produtiva.

Parceria na produção de sementes, com o IAPAR – Instituto Agronômico do

Paraná, o que permite o resgate de materiais crioulos, melhorando esse material para

atender as reais necessidades dos assentados e contrapondo ao modelo de produção

convencional, principalmente transgênico.

Outra parceria importante, esta na área da educação, através do Programa de

Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), com

a UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, com o objetivo de formar

educadores para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas

escolas rurais.

Devido à aptidão das famílias no desenvolvimento da atividade leiteira, a

comercialização do leite “in natura” é explorada por atravessadores ou indústrias de

grande porte que remuneram as famílias com baixos preços. Também a comercialização

de produtos coloniais, como o queijo, é feita de forma ilegal e clandestina, pela

dificuldade das famílias em atender as exigências da legislação sanitária vigente e que

inviabiliza pequenos empreendimentos familiares.

A alternativa encontrada foi através das parcerias e projetos, que está em fase de

implantação, uma agroindústria de láticos, que processará inicialmente 14.000 litro/dia.

Também em fase de conclusão da obra, uma agroindústria de massas que atenderá as

exigências sanitárias e viabilizará a comercialização junto aos programas

governamentais. Isso gerará maior independência das famílias, agregará valor ao

produto, consequentemente maior renda para os assentados, ainda mais com a proposta

da transição agroecológica que possui acréscimo de 30% no valor final do produto, no

mercado institucional, devido esse diferencial.

Com a análise SWOT, se identificou pontos fortes, fracos, oportunidades e

ameaças presentes no ambiente de estudo. Essa leitura prévia do seu ambiente interno e

externo permitirá aos associados/produtores desenvolver ações para explorar

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oportunidades ou minimizar os riscos das ameaças a que estão sujeitos as suas

atividades produtivas. Com intuito de concluir esse diagnóstico, na seqüência é

apresentada a análise da Cooperativa em estudo.

Quadro 2. Resultados da análise SWOT, e sistematização da matriz FOFA.

Ambiente interno

Pontos Fortes

Maior agregação de valor aos produtos,

aumento da renda;

Alta disposição das participantes do

grupo para trabalhar;

Busca constante pela melhoria da

qualidade

Recursos Humanos: A equipe de

trabalho empenhada, focada na missão e

valores da Cooperativa.

Gerencia experiente

Localização: É o ponto onde as terras

são muito boas e férteis.

Diversificação do mercado;

Surgimento de novos canais

distribuição.

Pontos Fracos

Profissionalização da gestão da

cooperativa, como ações na área da

logística, produção e também política;

Instalações obsoletas;

Problemas operacionais internos,

profissionais capacitados;

Deficiência e inexistência de

estruturas de agroindustrialização;

Matriz tecnológica não sustentável;

Baixa escala produtiva;

Baixa inovação de produtos

diferenciados;

Deficiência e inexistência de

estruturas para logística;

Ambiente externo

Oportunidades

Promover o desenvolvimento da

agricultura familiar.

Mudança da matriz tecnológica,

principalmente da produção de leite;

Legalização e adequação dos produtos

às exigências sanitárias e ambientais,

para acessar o mercado, principalmente,

mercado institucional;

Novos modelos organizacionais: Ser

um empreendimento auto-gestionário

inserido no contexto da Economia.

Propaganda: Maior divulgação de seus

produtos. (rádio e TV).

Visitas de intercâmbio

Mudança de hábitos do consumidor.

Expansão do mercado.

Ameaças

Variação de preços

Confiança com relação à produção e

comercialização

Atrasos na tecnologia e pesquisa;

Produtos/logo patenteados;

Rede de distribuição limitada;

Legislação sanitária, tributária e

fiscal;

Abertura do mercado institucional

para grandes cooperativas.

Fonte: pesquisa de campo, 2013.

Pode-se analisar que são inúmeros os entraves para as famílias e a cooperativa

para consolidarem-se no mercado, até no institucional, que é específico para a

agricultura familiar. Porém, através do processo de organização coletiva que esses

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desafios serão superados e contornados, oportunizando assim o acesso ao mercado de

forma profissional e principalmente garantindo a renda e melhor qualidade de vida às

famílias assentadas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A organização através do MST – Movimento Sem Terra possui articulação

política forte e influente, não somente no debate da questão agrária, mais atua na

reforma agrária integrando através da luta por políticas públicas para o meio rural e

agricultura familiar camponesa;

A mudança da matriz produtiva tecnológica é um desafio para atender as

demandas de mercado e de ideias defendidas pelo movimento;

As políticas públicas representam a inclusão de inúmeras famílias assentadas no

mercado, com perspectivas de ampliar e acesso ao mercado privado;

A organização através de cooperativa permitiu o acesso ao mercado,

principalmente, institucional. O que a torna uma ferramenta essencial para a

viabilização das propriedades que possibilita o aumento da renda e qualidade de vida as

famílias, em busca do desenvolvimento sustentável.

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