conversando com-um bioqufmico - cienciamao.usp.br · mal ensinada nas escolas de 1° e 2° graus....

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CONVERSANDO COM-UM BIOQUfMICO Entrevista com 0 Professor Etelvino J. H. Bechara, do Instituto de Quimica da Universidade de Sio Paulo.

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CONVERSANDOCOM-UM

BIOQUfMICOEntrevista com 0 Professor Etelvino J. H. Bechara,

do Instituto de Quimica da Universidade de Sio Paulo.

REG- As pessoas tendem a contrapor a Quimlca 8natureza, como se esta clincla fosse respons8vel pelapolulC;io, pelo uso Indevldo de adltlvos allmentares e,tambem, por uma serle de catbtrofes amblentals. Afl-nal, a Quimlca e asslm tio rulm?

Etelvlno - Bem, n6s poderiamos dizer que Quimi-ca e vida. Na natureza, os animais e as plantasvivem gra<;:as a capacidade que tem de fazer inter-conversoes de diferentes formas de energia, entreas quais a energia quimica. Ha uma serie de pro-cessos moleculares ocorrendo dentro de nossos6rgaos e isto permite que vivamos. A imagem ruimda Quimica esta associada a sua ma utiliza<;:ao. Porexemplo, ha uma serie de compostos quimicosusados de forma exagerada em alguns produtoscom 0 intuito de torna-Ios visual mente mais agra-daveis. Eo caso dos corantes adicionados as balas,sorvetes, gelatinas e doces em geral. A utiliza<;:aode tais corantes nao visa outra coisa que nao avendagem, pois sac absolutamente desnecessa-rios. Na agricultura, temos outros exemplos: e sabi-do que se usam adubos e inseticidas em excessopara aumentar a produ<;:ao e dar uma aparenciamelhor aos vegetais. E 0 que ocorre, por exemplo,com os tomates; os tomates maiores e mais boni-tos, que se encontram nas feiras, sac os que con-tem mais inseticidas; aqueles menores, mais feios,foram produzidos, provavelmente, at raves de umprocesso mais natural de cultivo. Concluindo, autiliza<;:ao de produtos quimicos tem obedecido aocriterio de produ<;:ao e consumo do maior, do maisbelo que, via de regra, lesam a saude. Este e umdos motivos que tem gerado uma imagem da Qui-mica como sendo algo pernicioso. A polui<;:ao do are da agua por algumas industrias quimicas, tam-bem contribui para a imagem negativa da Quimica.Confunde-se a Quimica com 0 usa que se faz dela,enquanto que, no meu modo de ver, a Quimica evida, e a ciencia das transforma<;:oes. Se a naturezanao se transforma, ela morre, para de existir.

REG - Voce ve alguma relac;io entre 0 ensino daQuimica e esta sua imagem nociva e destruidora?

Etelvlno - Em primeiro lugar a Quimica "e muitomal ensinada nas escolas de 1° e 2° graus. NoBrasil, ha carencia de profissionais preparados pa-ra 0 ensino desta ciencia; ha profissionais de variasareas ensinando Quimica, sem um preparo ade-quado para tanto. Outro motivo que eu possoapontar e a ausencia de laborat6rios, de recursosmateriais nas escolas, 0 que no meu entender pre-judica 0 ensino de uma ciencia, por excelencia,experimental. Como consequencia do despreparodos professores e da falta de recursos materiais, amaior parte da populavao que frequenta as escolasnao aprende Quimica e, dai, nao desenvolve umpensamento critico sobre os problemas que envol-

vem a Quimica. Temos, entao, geravoes e geravoessujeitas a engolir uma imagem da Quimica bastan-te deturpada, veiculada pelos meios de comunica-vao. Exemplificando: "Tal produto faz mal a saudeporque tem muita quimica". Ora, quem nao temconhecimentos de Quimica, nao tem criterios paraavaliar, para perceber que 0 desenvolvimento daQuimica traz inumeros beneficios para as pessoas,tais como: medicamentos, tecidos mais resistentese mais bonitos, novos combustiveis, novos mate-riais de construvao, tintas e vernizes, adesivos,condutores eletricos etc.

REG- Domlnar as transformac;oes que ocorrem comos materials sempre fol 0 deseJodo homem em dlver-sas epocas e em dlversas organlzac;oessocials. Essedominlo, multas vezes, posslbllltava um certo poderpara quem 0 detlnha. Qual e 0 papel da Quimlca hoJe?Qual e 0 papel do quimlco?

Etelvlno - A Quimica e um setor muito importantedentro da economia de qualquer pais, mas no casode um pais do terceiro mundo, isto se torna aindamais dramatico, principal mente porque a Quimicaesta ligada as necessidades referentes a agricultu-ra, a saude e a energia. Nenhum pais pode semanter hoje, ou po de se tornar independente, senao tiver um programa claro e inteligente de desen-volvimento da Quimica e da Engenharia Quimica.Entao, 0 papel do quimico, hoje, aqui no Brasil, e 0de se engajar na pesquisa: a pesquisa basica e ape~quisa aplicada. Esta ultima pode ser desenvolvi-da, com vantagem, at raves da interavao com indus-trias genuinamente nacionais, com 0 objetivo detornar 0 Brasil tanto quanto possivel independentedos paises desenvolvidos na questao da importa-<;:aode tecnologia. Na area de saude, por exemplo,o papel que 0 qufmico tem hoje esta na descobertade substancias que tenham principios ativos para 0controle de uma serie de doen<;:as. 0 enfoque quese tem dado e 0 de descobrir a estrutura basica desubstancias encontradas em plantas medicinais,responsaveis pelas propriedades terapeuticas des-sas plantas e introduzir pequenas mudan<;:as nasua estrutura molecular a fim de otimizar a suaa<;:ao farmacol6gica, restringindo, tambem, seusefeitos colaterais. Outro exemplo, que e de grandeinteresse para os diabeticos: no sui do Brasil, hi!uma planta chamada Stevla rlbaudlana, com aqual se faz um cha muito doce. No seu extrato,identificou-se um a<;:ucar, chamado steviosfdeo,que e muito mais doce que 0 a<;:ucar da cana. Esseavucar nao e metabolizado e, portanto, pode sermuito util em regimes alimentares de baixas calo-rias.

REG- Multas vezes, 0 quimlco tem consclincla de quea Industria em que trabalha polul 0 melo amblente.Qual it 0 seu papel, neste caso?

Etelvino - Assim como qualquer outro profissio-nal, 0 quimico deve estar engajado em todos osmovimentos da sociedade civil para garantir umaboa qualidade de vida e de justic;:a para todos, maso quimico possui uma responsabilidade maior, namedida em que ele tem 0 conhecimento tacnico-cientffico dos efeitos dos poluentes no meio am-biente e sa be como evitar tais efeitos. Veja bem, amaior parte do problema da poluic;:ao do meio am-biente no Brasil est a ligada ao fate de que asmultinacionais que dominam quase todo 0 parqueindustrial brasileiro nao aplicam, no Brasil, as mes-mas normas de controle que sac exigidas nos seuspaises de origem, como Alemanha, Franc;:a, Suic;:aetc. Portanto, 0 problema da agressao ao meioambiente e aos individuos nao se localiza na exis-tEmcia de industrias, mas no sistema politico emque vivemos. Como resolver tal problema dentro deum sistema economico em que 0 capital predomi-na sobre 0 trabalho? Nao vejo como. Uma empresadentro do sistema capitalista esta interessada, evi-dentemente, no lucro. Entao ela paga baixos sala-rios a seus empregados e gasta 0 menos possivelcom tudo aquilo que nao esteja envolvido direta-mente na produc;:ao, na fabricac;ao de seus produ-tos, que serao comercializados. 0 que acontececom a agua que ela tirou dos rios, utilizou e jogoufora, nao a interessa. Por que? Porque a agua e 0ar, no Brasil, nao sac considerados bens publicos.Ninguam deveria ter 0 direito de pegar a agua deum rio, utiliza-Ia nos processos industriais e joga-Iafora, contaminada. A mesma coisa se aplica ao ar.Sabemos que a possivel fazer tratamento da agua,assim como a possivel instalar filtros, nas cham i-nas das fabricas, para reter material particulado, eincineradores, para queimar os gases t6xicos. En-fim, a possivel devolver ao meio ambiente efluentesindustriais tratados, de forma a nao causar danos anatureza e as pessoas. Poram 0 tratamento dosresiduos industriais tem um custo elevado, repre-senta uma reduc;:ao do lucro para a industria. Teria,entao, que ser embutido no prec;:o dos produtos, 0que os encareceria e acarretaria menor vendagem.No meu modo de ver, 0 governo deveria estardisciplinando energicamente 0 usa da agua, do are do solo, com vistas a manter uma produc;:ao que,ao mesmo tempo, atenda as necessidades de todosos cidadaos e nao lese 0 meio ambiente e a saudedos individuos.

REG - VocA e um pesqulsador em bloqufmlca. 0 quevoc6 faz no seu dla-a-dla, aqul na Unlversldade?

Etelvino - A Universidade a uma instituic;:ao quetem as preocupac;:oes basicas de produzir e trans-mitir conhecimento e de prestar servic;:os a comuni-dade. No meu dia-a-dia, fac;:o pesquisa na area debioquimica do oxigemio, dou aulas de bioquimicapara os cursos de graduac;:ao e p6s-graduac;:ao esou frequentemente solicitado por industrias e la-borat6rios para assessora-Ios e por escolas de pri-

meiro e segundo graus para fazer palestras. Atual-mente venho pesquisando 0 processo de biolumi-nescencia dos vagalumes, um processo bioquimi-co que requer 0 oxigenio. Estudamos tambam atoxicidade do oxigenio em trabalhadores expostosa chumbo e em doentes mentais. Ja estudamosesta toxicidade em residentes da Vila Parisi -Cubatao-SP e em pacientes do Hospital das Clini-cas, portadores de porfiria aguda intermitente, quea uma doenc;:a em que os doentes apresentamdisturbios mentais quando em crise aguda. Parafazer a pesquisa, a Universidade s6 me da 0 espa-c;:o, funcionarios, luz, agua, gas, telefone e quotasde xerox. Mas, no tocante a equipamentos e rea-gentes, ela nao me da nada, de forma que conse-gui-Ios fica dependendo da minha capacidade decaptar verbas junto aos 6rgaos de financiamento,tais como: FINEP, CNPq, FAPESP e outros.

REG - Quais seo os passos na reallzal;eo de umapesqulsa?

Etelvino - Primeiro voce tem uma idaia, uma per-gunta relevante a responder. Em seguida a precisetrac;:ar um caminho bem objetivo para responde-Ia.A partir dai, vem a elaborac;:ao de um projeto: de-pois a realizac;:ao e, em seguida, se voce chegar aum conhecimento novo, a precise divulga-Io atra-vas de seminarios, conferencias, congressos e pu-blicac;:oes.

REG - Qual 0 tempo medlo para Ir da Idela ate apubllcac;:eodos resultados?

Etelvino -Isso varia muito. Vou citar alguns exem-plos e neles voces poderao perceber as inumerasvariaveis que influem no tempo de durac;:ao de umapesquisa. Uma pesquisa que fizemos no Hospitaldas Clinicas acerca da porfiria aguda intermitenteapresento\,J situac;:oes favoraveis. Eu percebi queseria interessante estuda-Ia do ponto de vista datoxicidade do oxigenio. Com a colaborac;:ao do Dr.Paulo Marchiori (do Hospital das Clinicas) foi feitaa triagem dos pacientes, a coleta de sangue, apesquisa e, final mente, 0 trabalho foi publicado.Tudo isso ocorreu num prazo de dois anos. Agora,os pianos que eu tinha para pesquisar sobre 0saturnismo (intoxicac;:ao por chumbo) levaram mui-to mais tempo para serem postos em pratica, por-que quem est a mais exposto ao chumbo a 0 pes-soal de industria e nao a facil conseguir autoriza-c;:ao,junto as industrias, para desenvolver uma pes-quisa que utiliza dados Is de dentro (precisavamoscoletar sangue dos trabalhadores). Ha receio deque seja divulgado 0 nome da empresa e que hajaalgum tipo de manipulac;:ao por parte da imprensa.Felizmente 0 SESI se interessou pelo projeto e,rapidamente, numa entrevista com 0 chefe de pes-quisa do SESI, eu e a Ora.Arline Sydnea Abel Arcuri.

(atualmente qufmica da FUNDACENTRO), conse-guimos engatilhar todo 0 trabalho. No SESI, pode-damos obter amostras de sangue de trabalhadoresde varias industrias de Sao Paulo, mas querfamostambem fazer 0 estudo de uma determinada indus-tria, onde pUdessemos definir bem a populac;:aoalvo da pesquisa (0 pessoal exposto ao chumbo,ligado diretamente a linha de produc;:ao) e a popu-lac;:ao controle (0 pessoal nao exposto, Iigado aosescrit6rios, jardinagem, enfermagem etc). Foi diff-cil convencer os industriais de duas industriasacerca da importancia da pesquisa. Este trabalholevou quatro anos para se desenvolver. 0 terceiroexemplo diz respeito ao projeto sobre biolumines-c€mcia dos vagalumes. Este projeto foi concebidoem 1980, comecei a fazer a coleta dos insetos em1982, consegui laborat6rio para fazer a sua criac;:aoem 1984/1985 e ele esta em andamento ate hoje.Um pesquisador pode, tambem, passar a vida intei-ra trabalhando em cima de uma unica ideia.

REC- Que caracterfstlcas deve ter um garoto de 6"ou7" serle (13-14 anos) para vir a ser um qufmlco? Eledeve ser um g6nlo?

Etelvlno - Eu nao me considero um indivfduomuito inteligente. Considero-me persistente, dedi-cado. Sempre tive que estudar muito para entenderos conteudos formais ministrados na escola. Masha algumas condic;:6es e qualidades importantes.No meu caso particular, eu comecei a despertarpara a ci€mcia na 7a/ 8a sarie, porque tive a sorte deter uma fantastica professora de Ci€mcias: a Pro-fessora IIza Campos Sad, professora de Ci€mcias eGeografia no Ginasio Estadual de Manhuac;:u -M.G., a quem eu dediquei a primeira confer€mciaque fiz na Academia Brasileira de Ciencias. Na se-mana passada fui a festa de seus 70 anos. Atual-mente ela dirige a Casa de Cultura da cidade.Todas as pUblicac;:6es que eu fiz estao la. E tamMmde muitos outros colegas. Ela foi uma pessoa muitoimportante na minha vida e na de outras crianc;:asda cidade. Ela ensinava Botanica, Zoologia, Ffsicae Qufmica de uma maneira bast ante ligada a nossarealidade, ao nosso dia-a-dia. Muitos de n6s vivfa-mos no campo e a professora nos ensinava Botani-ca ensinando a observar as plantas, as diferenc;:asentre elas, a coletar esse material, secar e fazer umherbario. Eu tinha albuns e albuns de tipos diferen-tes de flores, pistilos, estames, folhas, caules. Tudoera muito simples. No momenta de classificar asfolhas utilizavamos sua forma. Atravas da observa-c;:ao direta da forma da folha e com a ajuda daminha professora, eu conseguia compreender eusar a linguagem mais elaborada da classificac;:aodas folhas. 0 que ela me ensinou, entao, foi isso:observar a natureza, anotar tudo e sistematizar asinformac;:6es. Essa e uma qualidade importante,que 0 estudante deve ter - a capacidade de obser-var e anotar, registrar tudo. E, a partir do acumulode uma sarie de informac;:6es, generalizar aqueles

dados, ver 0 que ha de comum entre um abacateiroe a grama, entre um cavalo e um peixe, por exem-plo. Ha muita coisa em comum e muitos pontosdfspares e a isso que faz a Natureza linda, interes-sante. E para isso que 0 menino deve estar atento.Essa capacidade de observar bem, de anotar, apersistencia e a leitura sac muito importantes. Soufilho de um alfaiate e de uma doceira; nenhum dosdois tem instruc;:ao primaria completa, nao chega-ram nem a 4a sarie. Trabalharam muito para susten-tar 5 filhos, nao tin ham sequer tempo para conver-sar com a gente. No entanto, com 13 o.u 14 anos,enfiei na cabec;:a que eu ia ser um pesquisador. Eugostava muito de plantas, animais. Quando aprendianatomia, eu ia ao ac;:ougue e pegava rim de porco,corac;:ao de boi, enfiava 0 dedinho la dentro, via aaurfcula, 0 ventrfculo, via onde safa, on de nao safa,cortava ao meio. Tinha interesse, curiosidade desaber 0 que estava atras das coisas, 0 que se podeentender. Com curiosidade, persistencia e traba-Iho, qualquer pessoa pode chegar a ser um pesqui-sador. Nao precisa ser genio, ter pai rico e frequen-tar escolas excelentes, porque ha livros muito bonse voce pode pesquisar sozinho, ler sozinho.

REC - Quais S80 as op~oes proflsslonals para umestudante que quer segulr carreira na area de Quf-mica?

Etelvino - Uma pessoa formada em Qufmica temtres ramos de atuac;:ao profissional: ensino, pesqui-sa e industria. Como professor, ela pode atuar no 2°grau e na Universidade. A pesquisa pode ser desen-volvida na Universidade (tanto pesquisa pura, debase, como pesquisa aplicada). Na industria, 0 quf-mico pode desenvolver tres tipos de atividades: a)controle de qualidade e controle de mataria-prima(qufmico analftico); b) supervisao da linha de pro-duc;:ao, em parceria com 0 engenheiro qufmico; elenao pode fazer isso sozinho porque 0 qufmico naotem competencia legal para controle de processona produc;:ao; c) pesquisa e desenvolvimento denovos produtos a serem lanc;:ados no mercado,atividade mais recente criada por algumas indus-trias. Alam disso ele tem, assim como um bi61ogoou um ffsico, excelentes condic;:6es para se dedicarao jornalismo cientffico. Essa e uma area poucoexplorada e muito importante, porque ha uma seriede desentendimentos entre a comunidade cientffi-ca e a populac;:ao em geral, por falta de indivfduosque intermediem esses dois lados. A linguagem doqufmico, do bi610go, do ffsico a muito rebuscadapara a compreensao da populac;:ao. E, em geral, 0que ocorre a que os jornalistas, com formac;:ao naarea de humanas, tentam decifrar os c6digos entreesses do is lados. Esses indivfduos, por nao teremuma formac;:ao cientffica, tem uma serie de dificul-dades, 0 que concorre para a difusao de varioserros, de desentendimentos. Um jornalista nuncadeveria dizer que tal alimento tem muita qufmica.Isso a conceitualmente errado, do ponto de vista

'cientifico, e a nocivo do ponto de vista politico, auma barbaridade.

REG - Como voce v6 a formac;io, na area de qulmlca,d08 n08808 e8tudante8?

Etelvino - Eu leciono Bioquimica basica para es-tudantes das varias unidades da USP (Farmacia,Educa<;:ao Fisica, Quimica, Odontologia, Medicinaetc). A Bioqufmica a uma disciplina interessantepara se verificar se 0 aluno tem ou nao uma boaforma<;:ao em Qufmica, porque a Bioquimica requerque 0 estudante integre bem os conhecimentos deQufmica Organica e Inorganica e tambam de Fisi-co-Quimica. E impossivel entender Bioquimicasem saber equilibrio qufmico, cinatica quimica, ter-modinamica, oxidorredu<;:ao, mecanismos de rea-<;:aoe comportamento das fun<;:oes organicas. Emgeral, a disciplina de Bioquimica basica a leciona-da para estudantes do 10 semestre do 10 ano, ouseja, para 0 estudante que acabou de ingressar nauniversidade. 0 que a gente constata a que elessao muito ruins em Quimica, sabem muito pouco e,em geral, 0 que sabem se reduz a um conjunto deformulas e regras que eles decoraram e aprende-ram a aplicar em situa<;:oes classicas, do tipo vesti-bular. Em geral eles conhecem as fun<;:oes organi-cas, mas nao sabem qual 0 comportamento quimi-co e fisico das substancias. Comumente nao sa-bem representar um fen6meno quimico ou fisicograficamente e nao tem os conceitos fundamentaisde Qufmica e de Fisica. Uma verifica<;:ao bem claradestas deficiencias se faz no vestibular. Durantemuitos anos fui convocado pela FUVEST para cor-rigir provas de vestibular e uma coisa que medeixava irritado e desconcertado era ver alunosrespondendo questoes sofisticadas, de aplica<;:aode formulas, sem conseguirem responder questoesconceituais mais simples, mais fundamentais. Issoprova que os alunos nao estao aprendendo a Cien-cia Quimica. Eles estao memorizando uma sarie deformulas, regras e rea<;:oes para nada, sem final ida-de. E esses sac os alunos mais selecionados, ouseja, que prestaram 0 vestibular e, entre inumerosoutros, conseguiram a aprova<;:ao para a Faculdadede Medicina, da Universidade de Sao Paulo, porexemplo.

REG - Como voce vi 08 cur808 teCn/C08 a nlvel de 2·grau?

Etelvino - 0 ensino tecnico, assim como 0 univer-sitario, a muito importante. Eu fiz 0 curso tacnicoagricola em Vi<;:osa (MG), porque em minha cidade(Manhua<;:u, MG) nao havia 0 colegial. Para com-pletar meus estudos, uma vez terminado 010 grau,eu tinha tres caminhos: ir para a escola de aero-nautica (em Barbacena), entrar para 0 seminario depadres (em Manhumirim) ou ir para a escola agri-cola. Optei pelo ultimo. E no curso tacnico eu tive

uma prepara<;:ao fantastica, em termos das cienciasbasicas e em termos do preparo tacnico, estudan-do topografia, zootecnia, culturas regionais, tecno-logia de alimentos, economia rural.

Quando eu terminei 0 curso tacnico e migreipara Sao Paulo,tive de trabalhar numa industriaquimica. La conheci muitos tacnicos quimicos, for-mados pela Escola Oswaldo Cruz. Senti que elestinham um preparo tao bom quanta 0 meu. Tinhamum preparo excelente, atuando como intermedia-rios entre os quimicos, os engenheiros qufmicos eos peoes. Eu penso que esses cursos tacnicos sacuma alternativa importante para pessoas que naoambicionam um curso universitario mas desejamadquirir uma qualifica<;:ao profissional que ihesproporcione um salario melhor.

REG - Na exp08/c;io 80bre energla, no MU8eu deTecnolog/a, 8ua pa/e8tra 80bre blolum/ne8cencla d08vagalume8 chamou multo a atenc;io d08 e8tudante8que 18 e8t/veram. Conte-n08 mal8 80bre e8te trabalho.

Etelvino - No inicio da entrevista eu disse que souuma pessoa entusiasmadissima com a Quimica e aBioquimica do oxigenio, e uma das expressoesmais bonitas da Quimica do oxigenio a a biolumi-nescencia, ou seja, a produ<;:ao de luz fria pororganismos vivos. Elegi os vagalumes como objetode estudo para desenvolver uma sarie de pesquisassobre bioluminescencia, por varias razoes: desdecrian<;:a sempre fui alucinado por vagalumes, sem-pre os achei muito intrigantes; no ginasio tambamtive uma excelente professora de portugues, estu-dei muito literatura e vi que 0 vagalume era tema deinspira<;:ao de muitos poetas e romancistas de va-rios paises: 0 Circulo Vicioso, de Machado deAssis, Canaa, de Gra<;:aAranha, A Lanterna Magica,de Cassiano Ricardo, sac livros que falam do vag a-lume; ha musicas de carnaval que falam do vagalu-me. Entao 0 vagalume a assim meio magico, muitointeressante. Comecei a fazer coletas de vagalu-mes pelo Brasil todo, com a preocupa<;:ao de estu-dar melhor a produ<;:ao de luz por esses insetos, dever se havia alguma rela<;:ao entre a cor da luzemitida e 0 sexo, a fase da metamorfose do inseto,as espacies. Ao longo desse estudo, comecei adesenvolver pesquisas sobre elaterideos, vagalu-mes que, em sua maioria, vivem no interior detroncos apodrecidos, quando na fase de larva. Co-mecei tambem a estudar uma espacie de elateri-deos que a inquilina do cupim, na regiao do cerra-do brasileiro. Principal mente em Goias e MatoGrosso voce encontra inumeros cupinzeiros lumi-nosos que chegam a atingir 2 metros de altura, cujasuperficie lembra um queijo sui<;:o, a toda furada.Pelos furos, a noite, as larvas de vagalumes saem eemitem uma luz forte, esverdeada, que atrai outrosinsetos voadores que Ihes servem de alimento, po isa larva do vagalume a carnivora. Mesmo que apresa seja grande (a larva tem 1 ou 2 cm e pode"capturar" uma mariposa de 5 ou 10 cm) ela sera,

imobilizada. Surgiu enUio uma questao interessan-te: como isso acontece? Pegando a larva, vemosque ao ser agredida pela nossa mao, ela morde 0dedo da gente e regurgita um Ifquido escuro, quemancha a pele. Estudamos esse regurgitado e vi-mos que se trata de um coquetel de enzimas diges-tivas. A larva injeta esse coquetel de enzimas diges-tivas na presa, deixa essa presa na camara dealimentac;:ao e sai para cac;:ar outras presas. Aposalgum tempo, a larva tem um estoque armazenadode presas pre-digeridas e, entao, ja pode sugaruma sopa de oligomoleculas, ou seja, 0 alimento japarcial mente elaborado. Esses cupinzeiros lumi-nescentes constituem 0 fen6meno mais grandioseda bioluminescencia. Se voce imaginar, uma noitede lua nova, no cerrado de Goias, no escuro, deze-nas de cupinzeiros, cada um deles com 300 a 400larvas brilhando intensamente de verde ... e umespetaculo de rara beleza!

REC - Voc6 e uma das pessoas que mals t6m lutadopela S.B.Q. (Socledade Brasllelra de Quimlca). 0 que ee 0 que faz essa Socledade?

Etelvino - A SSQ congrega profissionais interes-sados no desenvolvimento da Quimica no pafs e nadifusao do conhecimento quimico nao so dentroda comunidade cientifica mas tambem entre a po-pUlac;:ao como um todo. Temos a nossa reuniaoanual em julho, junto com a reuniao anual da SSPC- Sociedade Srasileira para 0 Progresso da Cien-cia. Na reuniao da SSQ, sac apresentados todos ostrabalhos de Quimica produzidos no pais e sacoferecidos cursos a nfvel basi co e avanc;:ado paraestudantes de graduac;:ao, pos-graduac;:ao, tecnicosquimicos, enfim, para quem quiser assistir. Promo-vemos, tambem, mesas-redondas para discutir te-mas de interesse da populac;:ao em que 0 quimicotem responsabilidade, tem um papel importante.Neste ano, por exemplo, discutimos a responsabili-dade do quimico frente a Justic;:a do Trabalho e asaude do trabalhador. Quando um trabalhador estaintoxicado por um metal ou por qualquer outrasubstancia quimica, quem decide se ele esta intoxi-cado ou nao, se ele deve ou nao ser afastado dotrabalho, se ele dever ser indenizado ou nao, e 0juiz, com 0 auxilio do medico. Acontece que nemum nem outro foi preparado para isso porque naosac quimicos, nao conhecem 0 procedimento ana-Iftico. Eles nao sabem que a analise de uma amos-tra envolve uma etapa de amostragem, aescolha de um metodo, a analise propria_mente dita e ainda a avaliac;:ao da margemde erro. Entao tomam medidas absurdas, comoocorre, por exemplo, com 0 controle do benzolls-mo. Este e feito atraves da determinac;:ao do fenolurinario na urina dos trabalhadores. A urina asvezes e coletada quando eles chegam ao trabalho,quando se sabe que 0 benzene e metabolizado emquestao de horas. Entao essa verificac;:ao tem quei

ser feita no fim do expediente e nao quando 0trabalhador chega. Outra atividade importante daSSQ e a organizac;:ao de pessoas em torno deinteresses comuns. E isso que toda associac;:ao ousociedade faz, porque se atuarmos a nivel indivi-dual, nao chegaremos a lugar algum; e preciseatuar em grupos e atuar na comunidade, comocidadao. 0 cidadao nao e isolado, so e cidadao seele se sentir e agir como parte de um grupo. Agoraja passamos daquela fase inicial de aglutinac;:ao, deconsolidac;:ao da Sociedade, enquanto SociedadeCientifica. Em termos de ac;:ao, ao nivel da divulga-c;:ao do conhecimento quimico, estamos bem. 0passo seguinte, agora, e a conquista do espac;:opolitico. Voce ve nos jornais, TV e radio nomesfamosos de trsicos, matematicos, economistas emedicos; de quimicos, nunca. 0 quimico foi sem-pre deixado de lado, foi sempre pouco considera-do, por culpa de nos mesmos, quimicos porquecomo eu disse no inicio da entrevista, 0 quimico,talvez, pela propria natureza do trabalho dele, foisempre muito imobilista, muito conservador, muitotimido. Agora estamos partindo para uma ac;:aomais agressiva de conquista de espac;:o politicojunto a sociedade civil e junto a sociedade cientffi-ca e, para isso, precisamos de gente disposta atrabalhar junto com a gente.

REC - 0 que deve fazer· 0 professor de quimlca quequelra se tornar s6cio da SBQ?

Etelvino - Ele tem que preencher um formulariode inscric;:ao a Sociedade e conseguir cartas deapresentac;:ao de dois quimicos que ja sejam 50-cios. Em Sao Paulo, 0 formulario pode ser obtido,diretamente ou por carta, na sede da SSQ, noInstituto de Quimica da USP - Caixa Postal 20780,CEP 01498 - Sao Paulo. Nos outros estados, 0formulario pode ser obtido nas Secretarias Regio-nais da SSQ que funcionam nos Departamentos deQufmica das Universidades Federais. 0 formulariode inscric;:ao tambem pode ser encontrado encarta-do na revista Qufmica Nova. A taxa de inscric;:ao ede 2 OTN's para um individuio formado em Quirni-ca, 1/2 OTN para um estudante de Quimica e 1 e 1/2OTN para casal, marido e mulher que queiram seassociar a SSQ. Todo associado a SSQ recebe umbo/etim informativo mensa/, que 0 mantem infor-made sobre tudo 0 que acontece em Qufmica nopais, nas areas do ensino e da pesquisa, principal-mente. Recebe, tambem, a revista Qufmica Nova,editada trimestralmente, pode participar das reu-ni6es anuais, pode fazer os cursos que oferecemosgratuitamente e ainda pode participar dos Encon-tros Nacionais de Ensino de Qufmica, que realiza-mos de dois em dois anos, onde podera entrar emcontato direto com professores de Qufmica de ou-tros estados e as vezes de outros pafses e ficarconhecendo novos projetos de ensino de Qufmica.