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1 CONTRIBUIÇÃO DE GRUPOS DE APOIO NO FORTALECIMENTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE CONTRIBUTION OF SUPPORT GROUPS IN FORTIFING PRIMARY HEALTH CARE Marina Siebert; Denise Bueno Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Farmácia Departamento de Produção e Controle de Medicamentos Avenida Ipiranga 2752, CEP 90.610-000. Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Brasil. Endereço para correspondência: Denise Bueno, Profª. Drª. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Farmácia Avenida Ipiranga, 2752 Porto Alegre, RS – Brasil CEP: 90.610-000 Telefone: (51) 3316-5305 Fax: (51) 3316-5437 e-mail: [email protected] Contrib. Grupos de Apoio no Fortal. APS

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CONTRIBUIÇÃO DE GRUPOS DE APOIO NO FORTALECIMENTO DA

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

CONTRIBUTION OF SUPPORT GROUPS IN FORTIFING PRIMARY HEALTH

CARE

Marina Siebert; Denise Bueno

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Farmácia

Departamento de Produção e Controle de Medicamentos

Avenida Ipiranga 2752, CEP 90.610-000. Porto Alegre, Rio Grande do Sul -

Brasil.

Endereço para correspondência:

Denise Bueno, Profª. Drª.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Faculdade de Farmácia

Avenida Ipiranga, 2752

Porto Alegre, RS – Brasil

CEP: 90.610-000

Telefone: (51) 3316-5305

Fax: (51) 3316-5437

e-mail: [email protected]

Contrib. Grupos de Apoio no Fortal. APS

2

RESUMO

Contribuição de Grupos de Apoio no Fortalecimento da Atenção Primária

à Saúde

Objetivo: Descrever o funcionamento de grupos de apoio de uma Unidade

Básica de Saúde de Porto Alegre – Rio Grande do Sul, bem como, a

contribuição dos mesmos no fortalecimento da Atenção Primária à Saúde.

Metodologia: A metodologia empregada foi de observação participante.

Resultados: Observou-se o funcionamento dos grupos de apoio: do

Tabagismo, da Dor nas Costas, de Gestantes e Vida Saudável. Aspectos de

coordenação de cada um, a duração e a freqüência dos encontros, além do

local onde eram realizados, foram alguns dos parâmetros observados.

Conclusão: Os grupos de apoio contribuem para o fortalecimento da APS. A

interdisciplinaridade deve sofrer mudanças a fim de integrar outros profissionais

na equipe de saúde do Programa de Saúde da Família, como por exemplo, o

farmacêutico.

Descritores: funcionamento, grupos de apoio, Unidade Básica de Saúde,

fortalecimento, Atenção Primária à Saúde.

3

ABSTRACT

Contribution of Support Groups in Fortifing Primary Health Care

Objective: The study purpose was to describe the functioning of support

groups of one Basic Health Unit Porto Alegre – Rio Grande do Sul, as well as,

the contribution of the same ones in fortifing Primary Health Care.

Methods: The participant comment methodology was used in the study.

Results: It was observed the functioning of support groups: Tobaccoism, Pain

in the Coasts, Pregnant Women and Healthful Life. Aspects of coordenation of

each one of these groups, the duration and the frequency of the meeting,

beyond the place where they were realized, these had been some observed

parameters.

Conclusion: The support groups contribute in fortifing Primary Health Care,

although the interdisciplinarity had to suffer changes in order to integrate others

professionals in the health team of the Program Health of the Family, as for

example, the pharmacist.

Keywords: functioning, support groups, Basic Health Unit, fortifing, Primary

Health Care.

4

INTRODUÇÃO

Atualmente, o sistema de saúde no Brasil possui uma conformação que

tem influências que remontam ao início do século passado. A saúde pública

brasileira do último século pode ser dividida em grandes períodos, cada um

deles com significados econômicos e políticos diferentes.8

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado como resultado da luta do

Movimento da Reforma Sanitária, que incorpora na Constituição de 1988 vários

princípios e diretrizes da VIII Conferência Nacional de Saúde.9

As ações e serviços de saúde que integram o SUS obedecem alguns

princípios estabelecidos pela Constituição, dentre eles o acesso universal e

eqüitativo às ações e serviços de saúde, com regionalização e hierarquização;

descentralização dos serviços de saúde, com direção única em cada esfera de

governo; e atendimento integral, de modo a reunir a assistência curativa com a

prevenção e a promoção à saúde. A participação da comunidade é legítima e

se estabelece por meio das Conferências e dos Conselhos de Saúde, nos

quais a comunidade, por meio de seus representantes, pode opinar, definir,

acompanhar a execução e fiscalizar as ações de saúde nas três esferas de

governo: federal, estadual e municipal.4

A partir da preocupação da expansão prático-conceitual das políticas de

saúde em todo o mundo e, objetivando definir novas estratégias assistenciais

baseadas no conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da Saúde

(OMS), ocorreu, no ano de 1978, a Conferência Internacional Sobre os

Cuidados Primários em Saúde. Nessa conferência foram estabelecidos alguns

parâmetros básicos da Atenção Primária à Saúde como uma estratégia de

5

assistência baseando-se no conceito de saúde da OMS. Além disso, esse

encontro tornou-se o marco na tentativa de se promover a saúde envolvendo

outros setores da sociedade.9

Em relação ao conceito de saúde, a OMS vem discutindo, há algumas

décadas, a sua redefinição. Na verdade, o que se discute é a mudança de

enfoque da conceituação de saúde. A saúde deixa de ter a interpretação de

ausência de doença, e começa a equivaler ao completo bem-estar físico,

mental e social do indivíduo.9

Atenção Primária à Saúde (APS) é entendida como uma forma de

organização dos serviços de saúde, uma estratégia para integrar todos os

aspectos desses serviços, a partir de uma perspectiva da população. A APS é

o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde e o local

responsável pela organização do cuidado à saúde do paciente e da população

ao longo do tempo.13 É preciso deixar claro que as ações e políticas de saúde

baseadas na APS apresentam como diferencial fundamental, o enfoque na

promoção à saúde e não mais somente na prevenção. Então, caracteriza-se

como uma prática preventiva e de promoção física, social e psicológica da

saúde de forma mais ampla possível e com menores custos.9

A APS orienta-se pelos princípios da universalidade, acessibilidade (ao

sistema), continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, vínculo,

eqüidade e participação social. A atenção primária deve considerar o sujeito

em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sócio-cultural,

bem como, buscar a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de

doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam estar

comprometendo suas possibilidades de viver de modo saudável.3

6

A atenção primária é aquele nível de um sistema de serviço de saúde

que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e

problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a

enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições,

exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida

em algum outro lugar ou por terceiros. Assim, é definida como um conjunto de

funções que, combinadas, são exclusivas da atenção primária. A atenção

primária também compartilha características com outros níveis dos sistemas de

saúde: responsabilidade pelo acesso, qualidade e custos; atenção à

prevenção, bem como ao tratamento e à reabilitação; e trabalho em equipe.12

Nos dias de hoje, o Programa de Saúde da Família (PSF) é a estratégia

principal de APS no Brasil e torna-se também uma alavanca para a

reformulação do modelo assistencial. O PSF foi efetivamente implantado em

1994 e tornou-se um instrumento de reestruturação e reorganização do SUS.1

Apresenta-se como uma estratégia assistencial em que a família e o seu meio

social são o foco de ação.9

O PSF tem como alguns de seus princípios básicos: a família como foco

de abordagem, território definido, adscrição de clientela, trabalho em equipe

interdisciplinar, co-responsabilização, integralidade, resolutividade,

intersetorialidade e estímulo à participação social. Esse programa permite a

implementação dos princípios e diretrizes da APS, devendo se constituir como

ponto fundamental para a organização da rede de atenção.3

Cada profissional da equipe de saúde – médico, enfermeiro, odontólogo,

psicólogo, nutricionista, entre outros – tem seu núcleo de competência. Porém,

para que se consiga um atendimento integral efetivo, além da presença dos

7

profissionais da equipe, espera-se que estes sejam capazes de trabalhar em

grupo, aliando os conhecimentos específicos no trabalho interdisciplinar. O que

se espera é que os profissionais trabalhem numa relação de

complementaridade e interdisciplinaridade e, ao mesmo tempo, de autonomia

relativa com um saber próprio.15

Um bom exemplo de aplicação prática do PSF são os grupos de apoio

aos pacientes existentes nas Unidades Básicas de Saúde. Um dos objetivos de

tais grupos baseia-se na correlação dos fatos que interferem em determinada

doença com situações vividas pelo paciente, buscando a expressão de

sentimentos, por meio de um clima acolhedor de tais manifestações,

proporcionando a troca de vivências. Esse tipo de grupo acaba tendo um efeito

terapêutico, visto que os usuários estão reunidos em torno de um problema

comum e acolhidos por uma equipe que os apóia.11

O objeto de estudo deste trabalho foram os grupos de apoio existentes

na Unidade Básica de Saúde (UBS) HCPA-Santa Cecília, visando descrever o

funcionamento dos mesmos, bem como, a contribuição desses no

fortalecimento da Atenção Primária à Saúde.

A Unidade, localizada no município de Porto Alegre, conta com duas

equipes de PSF, uma Farmácia e oferece serviços de acolhimento,

atendimento odontológico, atendimento nutricional, pediatria, ginecologia e

clínica geral. A UBS Santa Cecília integra o serviço prestado à comunidade

pelo HCPA, na sua condição de instituição universitária com fins de execução

de assistência primária à saúde, atividades de ensino e de pesquisa. Essa

Unidade é administrada por sistema de co-gestão entre os parceiros, segundo

princípios do SUS. Como unidade de atenção primária à saúde, está

8

estruturada para acesso direto da população, com continuidade e integralidade.

Os medicamentos disponibilizados na UBS são provenientes da Secretaria

Municipal de Saúde de Porto Alegre a partir da relação municipal de

medicamentos (REMUNE).

9

METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido segundo a metodologia qualitativa utilizando a

ferramenta de observação participante como instrumento de coleta de dados. O

local escolhido para a coleta dos dados foi a UBS HCPA-Santa Cecília, sendo

que a mesma aconteceu no período de setembro a novembro de 2006.

Foram selecionados como objetos de estudo os grupos de apoio: Grupo

do Tabagismo, Grupo da Dor nas Costas, Grupo de Gestantes e o Grupo Vida

Saudável, os quais estão resumidos no quadro abaixo.

Quadro 1. Descrição dos grupos observados.

Grupo Profissionais

responsáveis Público-alvo

Tabagismo Médico Usuários interessados em parar de

fumar

Dor nas Costas Médico residente

Usuários com queixas de dor, mas

não necessariamente com lesão

na coluna; risco de lesão, em

alguma parte do corpo, devido à

execução de movimentos

repetitivos do trabalho, ou mesmo

do dia-a-dia

Gestantes Médico

Enfermeira Gestantes a partir do sexto mês

Vida Saudável Acadêmicas do

curso de Nutrição

Usuários da unidade hipertensos

e/ou diabéticos

10

Os quatro grupos observados neste trabalho foram realizados nas

dependências da UBS HCPA-Santa Cecília, na sala destinada a este fim e a

porta era mantida fechada. Cada encontro teve duração de cerca de uma hora

e eram previamente agendados.

Os grupos foram assistidos sempre pelo mesmo observador e não

houve interferência do mesmo sobre a dinâmica dos grupos. O observador

registrou os dados coletados em seu diário de campo.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Saúde do

Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

11

RESULTADOS

1. Grupo do Tabagismo:

O Grupo do Tabagismo realizou quatro encontros, sendo que cada um

deles abordou um assunto diferente dentro do tema principal trabalhado pelo

grupo. A observação do mesmo foi feita durante o terceiro e o quarto encontro.

O grupo foi conduzido por um médico, o qual possuía sempre, um

planejamento das atividades a serem realizadas a cada encontro. O

profissional fez uso de uma linguagem acessível e clara, e contou com apoio

de material didático (em cada reunião do grupo, um novo livro informativo foi

entregue aos usuários). A metodologia empregada neste grupo é a

preconizada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCa), que treina os

profissionais e inclusive fornece as cartilhas utilizadas. Embora o profissional

possuísse uma programação do que seria feito no encontro, mostrou-se aberto

a perguntas, deixando espaço para que os participantes falassem, expusessem

dúvidas e vivências e, dessa forma, incentivou a participação dos mesmos. Foi

possível perceber que houve empatia entre os participantes, bem como, entre

eles e o coordenador do grupo. A cada novo encontro, o médico relembrou o

assunto da reunião anterior e somente a seguir, expôs para os usuários a

abordagem e os objetivos do encontro do dia.

No último encontro do Grupo do Tabagismo, além do profissional repetir

os objetivos gerais do grupo (discutir o porquê das pessoas fumarem, dar dicas

sobre como parar de fumar, compartilhar vivências e dificuldades, etc), os

usuários expuseram sua opinião a respeito do grupo. Todos eles, afirmaram ter

se beneficiado participando do grupo. Embora não tivessem conseguido parar

12

de fumar, a maioria conseguiu diminuir o número de cigarros/dia. Os

participantes mostraram interesse em continuar a freqüentar o grupo, surgindo,

então, a idéia de um grupo de manutenção.

2. Grupo da Dor nas Costas

O Grupo da Dor nas Costas realizou quatro encontros e um médico

residente responde pela coordenação. A observação foi feita durante todos os

quatro encontros do grupo.

No primeiro encontro, o médico explicou o objetivo do grupo (aprender

um pouco sobre a dor nas costas, a fazer os exercícios tanto de alongamento

como de fortalecimento, a fim de melhorar a dor) e expôs sucintamente os

assuntos a serem abordados em cada uma das reuniões do grupo. As

atividades a serem realizadas no decorrer do grupo estavam previamente

planejadas.

Durante os encontros, o profissional usou uma linguagem acessível e de

fácil entendimento, distribuiu material de apoio aos participantes do grupo

(livros de exercícios, com fotos ilustrativas), mostrou um vídeo relacionado ao

tema, fez uso de colchões, de aparelho de som e de retroprojetor. Este grupo

mostrou ter um caráter bastante dinâmico, visto que, os usuários faziam os

exercícios junto com o médico durante os encontros. O profissional

caracterizou-se por ser atencioso e paciente com os participantes, estando

bastante atento durante a realização dos exercícios. Pode-se perceber que

houve empatia entre os participantes, assim como, entre eles e o médico.

No último encontro, os pacientes relataram opiniões sobre o grupo,

sendo que, todos, sem exceção, disseram ter melhorado bastante a dor (não

13

só da coluna, mas também de outras partes do corpo) devido à realização dos

exercícios e também por causa de algumas mudanças de hábitos aprendidas

ao longo do grupo.

3. Grupo de Gestantes

O terceiro grupo observado foi o Grupo de Gestantes, o qual foi

coordenado por um médico e uma enfermeira. Esse grupo foi dividido em seis

encontros, porém, os dados foram coletados somente nos três primeiros.

No decorrer da primeira reunião do grupo, a enfermeira explicou quais

eram os objetivos gerais do grupo (saber quais os cuidados com o bebê,

aprender sobre a amamentação, sobre anticoncepção, etc). O médico explicou

brevemente o que acontece a cada semana da gestação. Ele fez uso de

material ilustrativo para facilitar o entendimento das gestantes.

Durante o segundo encontro do grupo, houve a participação de uma

odontóloga e de sua auxiliar de consultório, bem como, de uma discente do

curso de nutrição (a qual já havia estado presente no primeiro encontro). A

dentista abordou dúvidas freqüentes de algumas gestantes, bastante comum

em seu consultório. Após, abriu espaço para perguntas e para o

esclarecimento de dúvidas. Depois, a acadêmica de nutrição falou algumas

dicas de alimentação para as participantes e também esclareceu algumas

dúvidas. A terceira reunião do grupo teve como enfoque o parto e, as usuárias

fizeram uma visita ao hospital, com o objetivo de conhecer as etapas pelas

quais irão passar no dia do parto.

Em relação aos coordenadores do Grupo de Gestantes, tanto a

enfermeira como o médico, mostraram-se atenciosos e dedicados às usuárias.

14

Eles possuíam um planejamento prévio de suas atividades, fizeram uso de

material de apoio (para ilustração), falaram com clareza e de modo bem

acessível. Este grupo contou com a participação de um parceiro de uma das

gestantes. Pode-se notar que houve empatia entre os participantes do grupo, e

também, entre eles e os coordenadores. As usuárias pareciam bastante

entusiasmadas com o andamento do grupo, sendo que, uma delas já o

freqüentava pela segunda vez.

4. Grupo Vida Saudável

O quarto grupo observado foi o Grupo Vida Saudável, a observação foi

realizada no decorrer do segundo e do terceiro encontro do grupo. Este grupo

teve dez encontros. Quatro discentes do sexto semestre do curso de Nutrição

formaram a equipe executora do grupo, sendo que, uma delas era responsável

pela coordenação do mesmo. Antes de iniciar cada encontro, as acadêmicas

pesaram e verificaram a pressão arterial dos integrantes do grupo. Os

participantes foram selecionados entre os usuários cadastrados no programa

HIPERDIA da UBS, de acordo com critérios de inclusão adotados pela equipe

responsável por esta dinâmica.

Os assuntos abordados nos encontros resultavam de sugestões vindas

dos próprios participantes. Assim, a equipe do grupo planejava as atividades do

encontro seguinte de acordo com o tema escolhido a cada encontro.

Percebeu-se empatia entre os usuários, assim como, entre eles e a

equipe de profissionais que conduzia o grupo. A equipe fez uso de técnicas de

dinâmica de grupo durantes os encontros, como por exemplo: atividade com

balões.

15

DISCUSSÃO

A metodologia utilizada neste estudo se justifica na busca do

entendimento de como funcionam os grupos de apoio destinados aos usuários

da Unidade Básica de Saúde (UBS) HCPA-Santa Cecília, e a observação

participante visa avaliar como os mesmos estão contribuindo no fortalecimento

da APS.

A observação participante dos grupos em estudo fez com que o

observador participasse da vida diária das pessoas em estudo, tanto

abertamente no papel de pesquisador, como assumindo papéis disfarçados,

observando fatos que acontecem, escutando o que é dito e questionando as

pessoas ao longo de um período de tempo.14

O foco de interesse deste estudo foi amplo e dele fez parte à obtenção

dos dados descritivos de funcionamento dos grupos, mediante o contato direto

do pesquisador com a situação a qual foi seu objeto de estudo. Buscou-se o

entendimento dos fenômenos segundo as perspectivas dos participantes dos

grupos e, a partir daí, seguiu-se à interpretação dos mesmos.

A técnica escolhida como instrumento de coleta dos dados foi a

observação participante, sendo a justificativa, o pressuposto de que muitos

elementos podem não ser apreendidos por meio da fala ou da escrita. A

observação participante pode ser entendida como um processo pelo qual se

mantém a presença do observador na situação objeto de estudo, a fim de

realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face

com os observados e, ao participar da vida dos mesmos no seu ambiente

natural, ele realiza a coleta os dados. Assim, o observador é parte do contexto

16

sob observação, ao mesmo tempo está modificando e sendo modificado por

este contexto. É necessário levar em consideração os efeitos do mesmo no

próprio evento, tendo sempre em mente, que muitas ações podem ter sido

geradas pela presença do observador. A técnica empregada permite o registro

do comportamento não-verbal e o recebimento de informações não esperadas

porque não seguem, necessariamente, um roteiro fechado.16

Saúde é considerada uma área eminentemente interdisciplinar e a

integralidade é uma diretriz importante para a consolidação do novo modelo de

atenção à saúde, baseado no PSF.17

O PSF espera uma abordagem integral dos usuários do sistema, então,

a equipe multiprofissional e o trabalho interdisciplinar tornam-se necessidade

fundamental. Cada profissional da equipe de saúde com seus conhecimentos

específicos deve ser capaz de trabalhar em equipe, para um efetivo

atendimento integral.15 Cumprir este princípio da integralidade significa, dentre

outras coisas, assegurar aos indivíduos uma atenção integral à saúde nos

diferentes níveis de complexidade; associar atenção curativa e preventiva; e,

sobretudo, compreender a totalidade dos indivíduos e coletividades a partir de

suas singularidades.7

Após realizar a observação dos grupos de apoio da UBS HCPA-Santa

Cecília, algumas considerações podem ser destacadas:

Os grupos de apoio, os quais foram objetos de estudo neste trabalho, se

caracterizam por serem grupos operativos, com função terapêutica. Assim, o

foco de trabalho desses grupos está centrado em objetivos específicos, que

podem esclarecer as dificuldades individuais dos seus usuários, romper com

estereótipos e possibilitar a identificação de obstáculos que impedem o

17

desenvolvimento desses indivíduos, auxiliando-os a encontrar condições

próprias de resolver ou se enfrentar com seus problemas.5

O Grupo do Tabagismo, o Grupo da Dor nas Costas e o Grupo de

Gestantes tiveram um planejamento prévio de atividades, a serem

desenvolvidas nos respectivos encontros, representando um roteiro pré-

estruturado. O Grupo Vida Saudável fez uso da dinâmica de grupo aberto.

Nesse tipo de grupo se discute questões sobre a saúde em geral dos usuários,

sendo que alguns temas são abordados com base em demandas geradas

pelos próprios integrantes do grupo ou advém da necessidade sentida pela

equipe coordenadora do grupo.10

O tamanho dos grupos variou de 2 a 10 usuários no decorrer das

observações e coleta dos dados. O tamanho ideal de grupo é de 7 a 8

membros, e não mais do que 10. Em um grupo com mais de 10 participantes,

haverá uma interação ampla e produtiva, mas alguns desses serão deixados

de fora. Grupos de 6 a 8 usuários oferecem a maior oportunidade para o

intercâmbio verbal entre os mesmos.18

O simples fato dos profissionais de saúde acolherem os usuários com

cordialidade e de não utilizarem uma linguagem científica, de difícil

entendimento, foi bastante positivo. Isso porque os usuários se sentiram

estimulados a participar e, conseqüentemente, tiveram maior aproveitamento

dos grupos. Outra consideração importante neste aspecto foi a não utilização

de perguntas fechadas e induzidas na maior parte do tempo, deixando os

participantes bem à vontade para fazerem perguntas e interagirem com o

restante do grupo.

18

Os coordenadores do Grupo do Tabagismo e do Grupo da Dor nas

Costas utilizaram material de apoio, o qual foi entregue aos usuários no

decorrer dos grupos. Em relação ao Grupo da Dor nas Costas, isso fez com

que os participantes pudessem continuar a fazer os exercícios em casa, pois

as técnicas contidas no livro ilustrativo eram as mesmas executadas durante os

encontros do grupo. O Grupo do Tabagismo possibilitou benefício aos usuários,

visto que o livro informativo entregue aos participantes, continha sempre o

assunto abordado durante o encontro, sendo uma maneira de dar suporte aos

mesmos enquanto estivessem longe do grupo.

O Grupo de Gestantes utilizou um material didático ilustrativo, a fim de

facilitar o entendimento de seus participantes. Contudo, não houve entrega de

material a cada encontro, no segundo encontro do grupo, a odontóloga e a

acadêmica de nutrição entregaram às usuárias texto informativo a respeito da

abordagem feita pelas mesmas naquela ocasião. Dessa forma, os grupos

ofereceram informações aos usuários por meio de material educativo ou por

meio de aconselhamento.18

Os grupos observados se reuniam uma vez por semana e possuíam um

número pré-determinado de encontros. Caso fossem de longa duração, as

sessões deveriam ser duas vezes por semana, quando possível, visto que

aumentaria significativamente a intensidade e a produtividade do grupo.18

Os encontros dos grupos tiveram duração entre 60 e 90 minutos,

estando, dessa forma, de acordo com o tempo de duração sugerido na

literatura, que seria entre 60 e 120 minutos. Isso porque de 20 a 30 minutos

são necessários para a elaboração dos principais temas da sessão.18

19

O local em que os grupos foram realizados, foi de tamanho adequado,

possuía assentos confortáveis, proporcionou privacidade e liberdade, e não

houve intervenções. Foi feito um posicionamento das cadeiras em forma de

círculo e todos os participantes dos grupos foram capazes de enxergar uns aos

outros. Além disso, houve impacto positivo o fato de a porta da sala manter-se

fechada durante os encontros. Isso porque o barulho externo não dificultou a

escuta das informações e também não desviou a atenção dos usuários do

grupo, sendo que houve contribuição para estimular à participação e à troca de

experiências entre os mesmos.

Pôde-se perceber que os coordenadores dos grupos apresentaram

atributos desejáveis e, para certas situações imprescindíveis, dentre eles

destacando-se: coerência, ética, respeito, paciência, comunicação, empatia,

etc.19

A partir das observações feitas, pôde-se verificar que os grupos são

importantes para APS devido ao fortalecimento da interdisciplinaridade dentro

da equipe de saúde. Contudo, o PSF (o qual é a principal estratégia de APS)

ainda carece de alguns profissionais integrando a equipe multiprofissional,

dentre esses, o farmacêutico.

O farmacêutico tem várias possibilidades de atuação no PSF, dentre as

quais pode-se destacar dois eixos principais: as primeiras, voltadas

diretamente ao usuário do sistema de saúde e, as direcionadas aos outros

profissionais da equipe de trabalho. No primeiro grupo, as intervenções são

muitas: desde a atividade de dispensação orientada de medicamentos,

primordial para a garantia de adesão aos tratamentos, passando por atividades

educativas, individuais ou em grupos, importantes para a prevenção de

20

doenças, promoção e recuperação da saúde; além, é claro, da atenção

farmacêutica, possibilitando um efetivo acompanhamento farmacoterapêutico.

E nas ações voltadas aos outros profissionais da equipe, destaca-se o suporte

informativo em relação aos medicamentos, auxiliando na terapêutica e

contribuindo para um tratamento medicamentoso eficaz.15

Uma segunda diretriz que merece destaque no contexto do PSF é o

trabalho em equipe. É uma forma eficiente de estruturação, organização e de

aproveitamento das atividades humanas. Possibilita uma visão mais global e

coletiva do trabalho, reforça o compartilhamento de tarefas e a necessidade de

cooperação para alcançar objetivos comuns. O trabalho em equipe pressupõe

uma relação recíproca de comunicação e interação. A importância do diálogo

em busca de consenso entre os profissionais traduz-se em qualidade na

atenção integral às necessidades de saúde da clientela. Caso não haja

interação entre os profissionais das equipes de saúde do PSF, corre-se o risco

de repetir a prática fragmentada, desumana e centrada no enfoque biológico

individual.2 Hoje, a real integração dos diversos profissionais de saúde serve

como instrumento de medida sobre a qualidade real dos serviços prestados na

APS.15

21

CONCLUSÃO

O presente trabalho desenvolvido na UBS HCPA-Santa Cecília,

possibilitou constatar que as atividades desenvolvidas pelos grupos de apoio

estão, de fato, contribuindo para o fortalecimento da APS.

O número de usuários, em média, por grupo não foi de acordo com o

que consta na literatura.18 Entretanto, os grupos foram realizados em local

apropriado, houve utilização de material de apoio para educação e

aconselhamento de seus participantes, houveram encontros com periodicidade

de uma vez por semana, sendo a duração dos mesmos de cerca de 60

minutos.

Os coordenadores dos grupos agiram com cordialidade, empatia,

coerência, paciência, respeito, e foram comunicativos, utilizando uma

linguagem de fácil entendimento aos usuários. Dessa forma, facilmente pôde-

se perceber que os usuários se sentiram estimulados à participação nos

grupos.

Os grupos de apoio estão contribuindo para o fortalecimento da

interdisciplinaridade na equipe de saúde, sendo esse princípio bastante

importante na APS. Contudo, algumas mudanças no PSF são necessárias a

fim de que outros profissionais, como por exemplo, o farmacêutico, possa

integrar esta equipe multiprofissional. Caso isso venha a acontecer, os usuários

dos grupos poderão ser beneficiados pela participação do farmacêutico nos

grupos, garantindo, assim, uma maior educação em relação aos

medicamentos, quanto ao seu uso, efeitos adversos, etc.

22

Um segundo princípio merece destaque na APS, que é o trabalho em

equipe, buscando a integralidade da atenção à saúde. Os profissionais de

saúde precisam trabalhar em conjunto, se comunicando e interagindo mais,

buscando superar o que representa o maior desafio nas práticas em saúde

hoje: a integralidade. Contudo, não a integralidade como questão institucional

ou política, mas como desafio cultural, a fim de romper com formas

cristalizadas de se entenderem e realizarem ações técnicas e que conformam

padrões de intervenção médica ou em saúde já tornados tradição.

A importância deste tipo de estudo fundamenta-se no conhecimento do

processo de maturidade e consolidação da APS em todos os níveis de

atendimento. A avaliação dos aspectos relacionados ao atendimento das

expectativas e necessidades dos usuários e da forma de trabalho

interdisciplinar, da capacitação e da educação permanente dos profissionais,

pode instrumentalizar o sistema com ferramentas relevantes para a análise da

qualidade da atenção à saúde, a qual se objetiva alcançar.

23

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