contramão - edição especial - anos 1970

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: SOMBRAS E LUZES DA DÉCADA DE 70 Jornal Laboratório do curso de Jornalismo Multimídia - UNA - No.17 - Ano I V - Setembro / Outubro de 2011 - Distribuição gratuita Os anos 1970 marcam gerações. Em pleno regime militar,o Brasil viveu momentos de fruição intelectual, mesmo sob forte censura. A década começou na vigência do governo Médici, o mais duro de todos os 21 anos de ditadura. Porém, a virada para os anos 1980 testemunhou o renascer da sociedade civil e dos movimentos culturais. Os alunos do curso de Jornalismo da UNA foram a campo e reviveram esse período, em reportagens sobre a Copa de 70, o jornal alternativo De Fato, a trajetória de Wilson Simonal, o cartunista Henfil e o movimento punk. Paixão Nacional Sim, estamos falando de futebol, e não em ritmo de Copa, ainda, mas fa- lando, sim, de uma das copas mais admiradas, reconhecidas e lembra- das por nós brasileiros, a Copa de 70. Copa ocorrida em meio a um regime ditatorial, mas que, ao mesmo tem- po, deu voz ativa ao povo como em grito de liber- dade, afinal eram 90 mi- lhões em ação. Uma experiência inusi- tada, ao menos para mim, que acreditava que im- pedimento era o nome de algum jogador, que escanteio ou gandula de- viam ser algum tipo de xingamento autorizado nos jogos. Totalmente leiga, mas curiosa, ao desvendar os caminhos de 70 e me per- der nos passes de Pelé, dribles de Piazza e o grito da multidão em Guada- lajara, aprendi a apreciar essa, por assim dizer, a oi- tava arte de um povo. Povo esse que se permitiu ir às ruas sobre o protes- to de olhos quase hostis, pois afinal os militares, mesmo em suas fardas, também eram o povo brasileiro e também eram torcedores, mantendo- se na postura da farda e um coração explosivo no peito. Olhares que passavam despercebidos sob a multidão em fanfarra, afinal de contas, “o fute- bol seria o momento em que é possível as pessoas violentas extravasarem coletivamente, inclusive com explosões violentas, extravasando uma agres- sividade que não tinha outro caminho para sair” , escrevia a revista Veja em sua edição de 17 de ju- nho de 1970. Ditadura? Que ditadura? Para os torcedores a or- dem era a desordem do colorir as ruas de verde e amarelo. INVICTO! Foi assim o futebol brasileiro, longe dos fiascos vividos, ao exemplo de 2010, aquela seleção gigantesca no fa- zer futebol, grandiosa na disciplina como afirma Wilson Piazza: “Fomos para jogar futebol!”, em entrevista concedida em abril de 2011, quando os colegas Igor, Luigi, An- tônio Carlos, Tomás e eu elaborávamos o trabalho para a disciplina dir so- bre este tema. A seleção mostrou a que veio e além das fronteiras mexicanas, também veio nos dar a certeza do futebol do fu- turo e a qual deveríamos reverenciar até hoje. Hoje já consigo assimilar um 4/4/2, já sei o que é ser impedido. E o gandula que “catava” as bolas foras de 70 parou para admirar a seleção “Canarinha” e, no mínimo, em algum lugar, se ainda vivo, guarda uma bola autografada por Pelé na certeza de possuir as melhores recordações do bom futebol em cena. Wilson Piazza recorda os grandes momentos Renata Batista Foto Igor Coelho

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo com ênfase em Multímídia, do Centro Universitário UNA.

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Page 1: Contramão - Edição Especial - Anos 1970

: SOMBRAS E LUZES DA DÉCADA DE 70Jornal Laboratório do curso de Jornalismo Multimídia - UNA - No.17 - Ano IV - Setembro / Outubro de 2011 - Distribuição gratuita

Os anos 1970 marcam gerações. Em pleno regime militar,o Brasil viveu momentos de fruição intelectual, mesmo sob forte censura. A década começou na vigência do governo Médici, o mais duro de todos os 21 anos de ditadura. Porém, a virada para os anos 1980 testemunhou o renascer da sociedade civil e dos movimentos culturais. Os alunos do curso de Jornalismo da UNA foram a campo e reviveram esse período, em reportagens sobre a Copa de 70, o jornal alternativo De Fato, a trajetória de Wilson Simonal, o cartunista Henfil e o movimento punk.

Paixão Nacional

Sim, estamos falando de futebol, e não em ritmo de Copa, ainda, mas fa-lando, sim, de uma das copas mais admiradas, reconhecidas e lembra-das por nós brasileiros, a Copa de 70.Copa ocorrida em meio a um regime ditatorial, mas que, ao mesmo tem-po, deu voz ativa ao povo como em grito de liber-dade, afinal eram 90 mi-lhões em ação.Uma experiência inusi-tada, ao menos para mim, que acreditava que im-pedimento era o nome de algum jogador, que escanteio ou gandula de-viam ser algum tipo de xingamento autorizado nos jogos.Totalmente leiga, mas curiosa, ao desvendar os caminhos de 70 e me per-der nos passes de Pelé, dribles de Piazza e o grito da multidão em Guada-

lajara, aprendi a apreciar essa, por assim dizer, a oi-tava arte de um povo.Povo esse que se permitiu ir às ruas sobre o protes-to de olhos quase hostis, pois afinal os militares, mesmo em suas fardas, também eram o povo brasileiro e também eram torcedores, mantendo-se na postura da farda e um coração explosivo no peito.Olhares que passavam despercebidos sob a multidão em fanfarra, afinal de contas, “o fute-bol seria o momento em que é possível as pessoas violentas extravasarem coletivamente, inclusive com explosões violentas, extravasando uma agres-sividade que não tinha outro caminho para sair” , escrevia a revista Veja em sua edição de 17 de ju-nho de 1970.Ditadura? Que ditadura? Para os torcedores a or-dem era a desordem do

colorir as ruas de verde e amarelo.INVICTO! Foi assim o futebol brasileiro, longe dos fiascos vividos, ao exemplo de 2010, aquela seleção gigantesca no fa-zer futebol, grandiosa na disciplina como afirma Wilson Piazza: “Fomos para jogar futebol!”, em entrevista concedida em

abril de 2011, quando os colegas Igor, Luigi, An-tônio Carlos, Tomás e eu elaborávamos o trabalho para a disciplina Tidir so-bre este tema. A seleção mostrou a que veio e além das fronteiras mexicanas, também veio nos dar a certeza do futebol do fu-turo e a qual deveríamos reverenciar até hoje.

Hoje já consigo assimilar um 4/4/2, já sei o que é ser impedido. E o gandula que “catava” as bolas foras de 70 parou para admirar a seleção “Canarinha” e, no mínimo, em algum lugar, se ainda vivo, guarda uma bola autografada por Pelé na certeza de possuir as melhores recordações do bom futebol em cena.

Wilson Piazza recorda os grandes momentos

Renata Batista

Foto Igor Coelho

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Jornal De Fato marcou imprensa alternativa em Minas

Felipe Weikman Mara Prata

Entre 1964 a 1980, surgiram e desapareceram cerca de 150 periódicos alterna-tivos no Brasil. Estes ti-nham como marca a opo-sição ao governo militar. Pa r t i c u l a r m e n -te, no ano de 1968, após a decretação do ato-ins-titucional nº 5, em 13 de dezembro daquele ano, o país foi marcado pela grande opressão aos opo-sitores do regime militar. Segundo Barros (2003), as grandes mani-festações ocorridas, como do movimento estudantil, passeatas, oposição ar-mada e a rebeldia contra o crescimento das ideias contraculturais, foram duramente reprimidas. Com ideologias contrárias ao regime, pode-se destacar neste contexto a imprensa al-

Sem memória

O Brasil tem um pe-queno acervo quando o tema é o resgate de sua história, sobretudo, so-bre os anos da ditadura de 1964-1985. Assim, na Biblioteca Pública Esta-dual Luiz de Bessa e no Arquivo Público Minei-ro (APM) não há exem-plar a respeito do jornal De Fato, é como se a pu-blicação nunca houvesse existido. Nem mesmo há internet, o De fato mi-

O Jornal De Fato abordava temas considerados tabus na época

ternativa, chamada tam-bém de underground, emergente, nanica e até de não-alinhada, que recebia essas nomeações com o intuito de generalizar sua produção independente. De Fato foi um jornal alternativo funda-do em Belo Horizonte em 1976. O objetivo do jornal não era fins lucrativos, pois os seus integrantes chegaram a ter prejuí-zo para sua divulgação. Cada participante do jornal tinha um em-prego à parte para con-seguir se sustentar. Na criação do De Fato, foi necessária a contribuição monetária de cada um. Os jornalistas, can-sados de serem reprimi-dos e censurados na im-prensa onde trabalhavam, se uniram e montaram um jornal que mais se identi-ficava com seus interesses e do público alvo, como os estudantes e intelectuais. Ao longo do tem-

po surgiram pessoas de outras áreas, como de di-reito, psicologia, econo-mia e literatura que incor-poraram ao movimento contra a ditadura militar. Além disso, não havia regularidade na en-trega do jornal, pois para os próximos exemplares, a equipe precisava arre-cadar o dinheiro pelas vendas do anterior, como um trabalho voluntário. Se os aliados à di-tadura pegassem os exem-plares antes de ir às bancas, a equipe ficaria sem o capi-tal para a próxima edição.

Venda de bar em bar

Aloísio Morais foi um dos fundadores do De Fato. Ele fez da sua casa o espaço para as reuniões de pauta. A diferença entre o De Fato e os outros jor-nais alternativos, de acor-do com a entrevista con-cedida por Aloísio (2011), era que todos sempre par-

t i c i p a va m de todo o processo do jornal e os vendia em bares, portas de teatro, na feira hippie, nas bancas e chegou a ter assinan-tes no exte-rior, em sua maior par-te, exilados p o l í t i c o s . O s a s s u n t o s a bo rd a d o s no jornal eram va-riados, pois falavam so-bre religião, h o m o s s e -x u a l i s m o , cultura e movimento feminista. C om o passar do

tempo, o jornal começou a ter uma forte tendência po-lítica, relatando a ação vio-lenta da polícia e o desres-peito aos direitos humanos. Abordavam assuntos que não havia na grande im-prensa por causa da censura. “O jornal De Fato foi importante, pois foi o primeiro de Belo Hori-zonte a reunir mulheres do movimento feminista, onde retratavam temas que eram contra a mu-lher naquela época, além de abordar temas sexuais. Nas redações, era preponderantemen-te homens, mas as mu-lheres participantes era um grupo forte e es-sencial”, conta Aloísio. Dione Maria Diniz Dutra era uma das dia-gramadoras do jornal até 1977: “O De Fato era da-tilografado, diagramado e feita a arte final manu-almente, em papel no ta-manho natural do jornal. Mas não era só a imprensa alternativa que trabalhava com este procedimento. Todos os grandes jornais, como Estado de Minas e Folha, trabalhavam com estas ferramentas”. O que era peculiar, segundo Dione Dutra, “era a forma coletiva como o De Fato era montado: A gente assentava numa mesa na

neiro nao existe. O acervo que há pertence a pessoas, como ao jornalista Alo-ísio Morais Martins, que os coleciona em sua casa exemplares do jornal, que veiculou entre 1976 a 1978. A importância em dis-cutir o tema é que a ci-dade de Belo Horizonte não tem conhecimento sobre o jornal De Fato, o que é essencial para a história regional e cul-tural da capital mineira.

casa do Aloísio e cada um fazia o que podia para aju-dar, às vezes varamos a ma-drugada”, recorda Dione. “Havia muitas charges e textos longos”, diz Edson Fernandes Mar-tins, jornalista que também participou da fundação do De Fato. Ele afirma que o jornal teve um bom debate. As cartas dos lei-tores eram de grande importância para o cres-cimento do jornal, por-que diferente da grande mídia, era uma forma de manifestação que não po-dia passar despercebido. O jornal De Fato sofreu um atenta-do em meados de 1978. Arrombaram as portas e entraram na tentati-va de incendiar o local. O atentado le-vou os seus integrantes a desanimarem com sua produção e conforme o tempo, outros jornais e movimentos oposito-res começaram a surgir, isso fez com que o De Fato chegasse ao seu fim. Os que lá traba-lhavam recebiam liga-ções ameaçadoras no decorrer da sua realiza-ção, apesar de que, para Edson Martins a censu-ra era maior para as rá-dios e não havia receio para as pessoas lerem.

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Quem se lembra de Wilson Simonal?

Simonal foi um cantores mais populares de sua geração, mas a fama foi roubada após ganhar a pecha de ‘dedo duro’

O público que assistir o documentário musical de Wilson Simonal (2008) de Claudio Manoel, certa-mente não se arrependerá. Esta constata-ção se evidencia no de-senrolar da trama que apresenta-nos um jovem cantor negro, apontado pela sociedade da época como um negro metido a branco, caracterizado por seu jeito irreverente e debochado, ostentando suas riquezas. È quando no auge do sucesso, este assiste a sua carreira su-cumbir ao ser acusado pelo crime de delação e condenado ao ostracis-mo. O documentário desenvolve um enredo cuja trajetória de Wilson Simonal vivenciada na

época da ditadura mili-tar, traz também a alusão de como era explicito o racísmo da sociedade. Contudo, o jovem negro mostra-se bem articula-do ao conseguir driblar o preconceito sofrido, atra-vés de suas músicas. Este, também nos presenteia com depoi-mentos dos filhos Max Castro, Simoninha, e amigos de Simonal, como Pelé, Tony Tornado, Chico Anysio, bem como as de-clarações compromete-doras do seu ex-contador. É neste cenário que Wilson Simonal tra-va uma luta contra a do-ença que adquiriu pelo alcoolismo e comove-nos com a árdua e dramática tentativa de limpar o seu nome contra as acusações de um crime do qual jura-va inocência. O filme-docu-mentário Wilson Simo-nal - Ninguém sabe o

duro que dei, foi objeto do tidir3 cujo nome A Leitura de Wilson Simo-nal 40 Anos Depois bus-cou analisar a visão de alguns blogueiros e co-mentaristas da atualidade em contrapartida com o objetivo do diretor Clau-dio Manoel que idealiza o cantor como sendo ino-cente de uma acusação de envolvimento com o

DOPS, um braço da dita-dura militar. É no blog do re-nomado jornalista Pau-lo Moreira Leite (2009) que deparamo-nos com sete posts ora a favor, ora contra a acusação sofrida pelo cantor Wil-son Simonal de delator do DOPS. Este é o tema tra-tado no documentário,

pois aborda a vida e a carreira do artista e, so-bretudo, a sua decadência artística ocorrida devido a tal acusação, visão essa defendida por seus pro-dutores que sustentam uma posição de injustiça sofrida por Simonal, ide-alizando-o como vítima.

Gisele Caldeira Sena MartinsTatiane Kely Ribeiro

O filme revive a controvertida história de Simonal

Cenas do trailler / divulgação / C

enas documentário “N

inguém sabe o duro que dei”, dirigido por C

laudio Manoel - 2009

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Traços e Cartas Que Esboçaram o Processo de Redemocratização do BrasilFelipe Bueno Lailiane Freitas Laiza Kertscher

Henfil figura entre os maiores cartunistas bra-sileiros – senão o maior – nome do desenho hu-morístico brasileiro e sua importância no processo de transição democrá-tica do país é inegável. Através de traços tortos, metáforas, disfar-ces na linguagem e muito humor, Henfil construiu uma das mais significa-tivas formas de oposi-ção ao regime militar. Ao dar voz ao personagem Ubaldo o paranóico e nas crônicas Cartas a mãe, o cartu-nista conseguiu driblar a repressão e discutir pen-samentos e ideias aba-fadas pela ditadura. Nasce em 1944 na cidade de Ribeirão das Neves em Minas Gerais, em pleno fim do gover-no ditatorial de Getú-lio Vargas, Henrique de Souza Filho (1944-1988).

Os primeiros dese-nhos do filho de Henrique de Souza e Maria da Con-ceição foram feitos ainda quando criança, quando dedicava o seu traço a dese-nhar santos para sua mãe. H e n r i q u i n h o , como era chamado, se mudou ano depois de seu nascimento para a capi-tal mineira, aonde deu seus primeiros passos na carreira e se engajou nas questões sócio-políticas. Cada personagem criado por Henfil retrata uma frente de luta de seu criador, que junto ao seu humor afiado, represen-tou uma das principais manifestações da oposi-ção do período ditatorial. Um dos mais famo-sos personagens do cartu-nista, Ubaldo o paranóico, tinha charges dedicadas e ele, veiculadas ao lado das crônicas que Henfil inti-tulava Cartas a mãe. Ini-cialmente foram publica-das no Pasquim, em 1977 passaram a ser um item semanal da revista ISTOÉ.

Henfil: traços e palavras engajados contra o regime militar

Portadores de uma do-ença hereditária que

Tendão de Aquiles: o código genético

incapacita o corpo de controlar sangramentos

e dificulta o processo de coagulação do san-gue, a hemofilia, Hen-fil e seus dois irmãos, o sociólogo Herbert de Souza (Betinho) e o mú-sico Chico Mário sofre-ram complicações na saúde decorrentes des-sa carga genética. Mas ao mesmo tempo, isso deu a eles mais vonta-de de viver e reforçou outra herança, o senti-mento de indignação com a injustiça, herda-do de Dona Conceição.

Betinho (esquerda) e Henfil (direita): O sociólogo e o cartunista

Propagandas e censura A censura à im-prensa foi instaurada jun-to ao golpe de 1964 com a finalidade de se autenti-car o regime militar e foi instrumento de controle dos militares para se criar uma boa imagem do país. Apesar de fazer um retrato bonito de uma nação, essa imagem era ilusória. Esse pro-cesso de alienação da população dava-se por meio de proibições aos meios de comunicação em propagar o descon-tentamento e pensamen-tos contrários à ditadura. Além disso, tam-bém vetava a dissemina-ção de filmes, livros, mú-sicas e estudos históricos que reforçassem uma ideologia de tendência es-querdista ou mesmo qual-quer possibilidade con-testatória ou libertária. A exemplo disso, Henfil, em sua crônica se-manal publicada na revis-ta ISTOÉ, em 14 de setem-bro de 1977, evidenciou a forma como a imprensa transmitia sua progra-mação de teor ufanista, mais especificamente a “TV Blim Blim”, forma como o cronista gostava de chamar a Rede Globo. Ao citar o progra-ma Globo Repórter, ele pretendia ilustrar o que

seria a forte campanha do governo de criar uma visão positiva do Brasil, um país de grande exten-são, de vasta natureza e de diversidade étnica. Mar-tins explica esse esquema de legitimação do gover-no militar por meio dos meios de comunicação. E assim o anti-vestibular, palavra cita-da para caracterizar uma sociedade que está ilhada da informação, é tam-bém a representação do falso sistema de seleção de estudantes ao ingres-so do ensino superior, que cobrava nas provas um conhecimento sobre pontos da história proi-bidos de serem falados. Sem o acesso ao conhecimento e com a desconstrução da visão crítica através da repres-são do governo à impren-sa, as pessoas tinham uma visão limitada e equivo-cada sobre assuntos de viés político e sobre tudo o que estava acontecendo no mundo. Henfil, ao final da crônica, fez uma descons-trução das propagandas do governo antidemo-crático. Ele formulou perguntas sobre essas campanhas publicitá-rias e frases de ordem do momento, sejam a favor ou contrárias à ditadura. Assim, Henfil iro-

nicamente responde com uma das campanhas do governo Geisel o que seria um povo desenvolvido. Propaganda que ficou fa-mosa por ter criado o em-blemático personagem Sujismundo, explorava a noção de que “povo de-senvolvido é povo limpo”. E segue, ao dizer que a liberdade é “uma calça velha, azul e desbo-tada”, em alusão ao mo-vimento Tropicália, aos Mutantes, a Caetano Ve-loso e a Gilberto Gil que propuseram uma difusão da cultura. Ao questionar o que seria inflação, ele cita o verso “Digo: não” da música “É proibido proibir”, de Caetano Ve-loso. “Quantos partidos existem no país?” foi a indagação que permitiu expor o quanto antide-mocrático o regime era, isso estava expresso na frase da campanha do regime “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Ao se discutir so-bre a renda per capita, a reposta não poderia deixar de ser sarcástica frente à discrepante de-sigualdade social que as-solou o país no período de 1968-1985, “Mexa-se!” era o discurso da política nessa época para que uni-dos e munidos da força de trabalho os brasileiros

Foto Maria N

akano, livro Rebelde do Traço, de D

enis de Moraes

http://ww

w.centrocultural.sp.gov.br/gibiteca/henfil.htm

. Autor desconhecido

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Traços e Cartas Que Esboçaram o Processo de Redemocratização do BrasilA gente te vê por aqui Na charge do dia 21 de setembro de 1977, Henfil mostra como nem ao as-sistir televisão, Ubaldo conseguia se ver livre de sua mania de persegui-ção. Pelo contrário, para o personagem, durante um simples momento de lazer, ele poderia ser alvo de um dos meios de manipulação do regime ditatorial. Logo no pri-meiro quadrinho, Ubal-do sentado em frente ao aparelho televisor, se per-gunta se além de assistir a televisão, ela não poderia assisti-lo também. O per-sonagem logo se prepara para desligar o aparelho, quando surge o logotipo da Rede Globo na tela com o seu famoso “blim blim”, que instantanea-mente assusta Ubaldo.O logotipo da Globo apareceu como uma me-táfora, de um olho que observa quem o assiste. Desde sua fundação, em pleno regime ditatorial, a Globo já exercia grande influência sobre os brasi-leiros. Lemos descreve o nascimento da TV Globo Rio, em 1965, ainda aliada à companhia norte-ame-ricana Time-Life. Anos depois, a Globo é naciona-lizada, mas desse período ficaram o método empre-sarial de direção norte-americano. Com a criação do primeiro telejornal em rede brasileiro, o Jor-nal Nacional, a Globo foi sintonizada por todo o país e começava a criar sua supremacia sobre as outras redes de televisão. A nova rede de TV brasi-leira florescia sob a influ-ência da ditadura militar, e seguia como um auxí-lio na divulgação para as campanhas ufanistas do governo.

pudessem construir um futuro promissor. O governo também tentou inculcar na cabe-ça das pessoas a noção de uma nação grande, de pes-soas iguais, apesar da di-versidade. Dessa maneira, sobre a pergunta quantas raças formaram o Brasil, Henfil responde com uma frase do jogador de futebol Pelé, que disse que “o Brasil foi feito por nós, mas nós ainda não estamos prepa-rados para democracia”. A propriedade do futebol nas suas inúmeras vitórias e a importância para a população brasilei-ra levou o governo a ex-plorar e propagar valores progressistas como, “90 milhões em ação, para frente Brasil salve a se-leção!”, música sobre o êxito da seleção na Copa do Mundo do México em 1970, que reforçou o pode-rio do país e a idoneidade dos estadistas. Esse jogo de per-guntas e repostas se encer-ra com o trecho da música “Eu te amo, meu Brasil” , de uma propaganda do gover-no no objetivo de exaltar o país. O verso em questão é “Aí vão ver que ninguém segura a juventude do Bra-sil” e está em diálogo com a lição passada por Henfil sobre todas essa indaga-ções lançadas por ele como forma de refutar o sistema do governo que propicia-va uma desinformação em massa, que deixava estudantes sem memó-ria histórica, soltos den-tro de um tempo na qual eles não podem refletir. Lei do Ventre Livre A crônica de Henfil, publicada em 28 de dezem-bro de 1977 (ISTOÉ, nº 53, p. 74), na seção Cartas a mãe da revista ISTOÉ, faz uma releitura da Lei do Ventre Livre, no dia em que se co-memorava 106 anos desde sua promulgação, em 1871. A Lei assinada pela Princesa Isabel previa que todos os filhos nascidos de mulheres escravas a par-tir daquela data estariam livres, o que possibilitaria transição gradual do regi-

Charge da revista ISTOÉ, de 21 de setembro de 1977, nº 39, p. 82

Ainda assustado, Ubaldo dialoga com a televisão, e se justifica ao dizer: “Tava brincado! Tava só brincan-do, Doutor! (sic)”. O “dou-tor” tão temido por Ubal-do era Roberto Marinho,

então diretor-presidente da Globo. Ubaldo, ao se dar conta que também es-tava sendo “assistido” pela Rede Globo, logo teme a força política de Roberto Marinho e de sua rede de

televisão, que assumiu um papel importante na legi-timação de propostas do governo militar e foi uti-lizada como instrumento importante para promo-ver idéias do governo.

me de escravidão para a mão de obra livre. Na crônica quem sanciona a Lei é a Prince-sa Dona Conceição, mãe de Henfil, a quem era di-recionada todas as crôni-cas desta seção. A mãe do

cartunista ficcionalmente decreta que a partir daque-le dia todos seriam livres, e teriam o direito de votar e escolher seus represen-tantes, além de garantir e discutir vários outros di-reitos e temas pertinentes

ao período. Em 1977 o proces-so de abertura política já havia começado, mas ca-minhava a passos lentos, como queriam os Milita-res. Porém as movimenta-ções por parte dos grupos

de esquerda e do movi-mento estudantil eram in-tensas. Na crônica o car-tunista revoga todas as leis de arbítrio decretadas pelo regime militar, que impediam as pessoas de

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O Punk Tupiniquim nas décadas de 70 e 80Ana Paula de PaivaJéssica NewmanJuliana Magalhães VilellaMauro Lúcio Amaral Torres

O Movimento que dominava Nova York e Londres, em 1974 e 1975, ao som oprimido e simplificado das bandas Ramones e Sex Pistols, chegou ao Brasil com ideais diferenciados de apenas se fazer um “novo” Rock n’ Roll.

Quatro garotos de Nova York (Jo-hnny, Joey, Dee Dee e Tommy), crescidos na década de 1960, em meio à explosão de bandas de rock. A maioria das bandas que os influenciou já não existia mais. O que existia, naquele mo-mento, era um rock com acordes intermináveis. Neste cenário que os Ramones entraram em cena. O mundo nunca tinha visto nada parecido com aquilo, mú-sicas que duravam no máximo dois minutos, tocadas do jeito mais rápido possível, um voca-lista bizarro de 1,98m encarando o público com os instrumentos abaixo da cintura e emendando uma música na outra, ninguém

entendia nada, mas tinha um sentimento de que tudo aquilo que estava acontecendo era legal e de atitude. Estas são de cenas do filme “Garotos do Subúrbio”, que tem a direção do estreante Fernando Meirelles, de 1983. Os Ramones lançaram seu primeiro disco, homônimo, pela Sire Records, em 1976. O LP tinha 14 músicas e 29 minutos de duração (Idem). As músicas e as letras eram simplíssimas. O álbum recebeu poucas, po-rém boas críticas, mas acabou não sendo um grande sucesso de vendas, mas os jovens que com-praram formariam suas bandas posteriormente.Depois de uma turnê que pas-

sou pela Inglaterra, os Ramones deixaram uma legião de fãs no “velho mundo” e inspiraram a maioria dos jovens a formar uma banda. Dentre essas esta-va o Sex Pistols, inspirado pelo lema Do it yourself (Faça você mesmo), levou um novo ape-lo político ao Punk e as causas sociais. A Londres da década de 70 vivia uma recessão violenta. Desemprego, protesto e desânimo conviviam em desar-monia absoluta, numa provo-cação imediata para chamar o caos. De acordo com o historia-dor inglês Tony Judy, no Reino Unido, “o nível de desemprego excedia 1,6 milhão e continuava a crescer”.

Em seu livro “Pós-Guer-ra- uma historia da Europa desde 1945, Judt analisa que “ no final dos anos 70, discutia-se muito a suposta ‘ingovernabilidade’ do Grã-bretanha, a percepção gene-ralizada de que a classe política perdera o controle, não apenas da política econômica, mas do local de trabalho e até das ruas . O Estado de Bem-Estar no Reino Unido estava em xe-que. Judt explica que, na se-gunda metade da década de 70, o programa de reestruturação econômica “reconhecia a ine-vitabilidade de certos níveis de desemprego; reduzia os repasses financeiros e os custos de mão-de-obra, pois protegia os ope-

terem uma vida livre e de exer-cerem os seus direitos políticos, além de criar contrapontos com a liberdade que passariam a ter. No parágrafo 1° da lei do Ventre Livre, Henfil devolveu o direito de exercício pleno da democra-cia, e extinguiu a Lei Falcão, que regulamentava a propaganda po-lítica da época e impedia que os candidatos falassem durante o horário eleitoral. Além de citar fatos da época, como a fala do ex-jogador de futebol Pelé, que chegou a dizer que a população brasileira não estava preparada para a democracia. No próximo parágrafo, o autor defendeu o direito dos es-tudantes e das organizações es-tudantis, que eram proibidas de existir, e pôs fim ao Decreto-Lei 477, que ficou conhecido como o “AI-5 das Universidades”, o qual Charge da revista ISTOÉ, de 30 de novembro de 1977, nº 49, p. 82

punia professores e alunos acu-sados de subversão. Em seguida, Henfil fala sobre os direitos tra-balhistas, e incluiu a organização de sindicatos livres e das greves e critica a alta taxa de impostos e os subsídios dados às grandes multi-nacionais. A partir daí, nos próximos parágrafos, é garantido à liberda-de de expressão, a liberdade de imprensa, o fim da censura, a vol-ta do habeas corpus e do direito a um julgamento dentro da Lei, em que todos são inocentes, até que se prove o contrário. E por fim, Henfil revoga todos os “atos anticoncepcionais”, ou os Atos Institucionais. Assim, analogicamente, Henfil traça um paralelo de dois momentos au-toritários da história do Brasil: um é o período escravocrata e o outro o Regime Militar. Ao fazer esta comparação são expostas as principais medidas que privavam a população do direito de liberda-de.

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rários especializados, enquanto permitia o surgimento de uma periferia desfavorecida de em-pregos contratados em regime de meio expediente, desprote-gidos e não sindicalizados e que visava a controlar e reduzir a inflação e os gastos do governo, mesmo à custa da austeridade econômica e crescimento desa-celerado”. Nesse contexto econômi-co e social, gritavam: “Anarquia já!”. O Punk estava nas ruas, lu-tando por melhores condições. Eles cantavam sua indignação com tudo que estava aconte-cendo, como por exemplo, em Anarchy in UK, onde a letra diz: “I’m antichrist, I’m anarchist; Don’t know what I want; But I know how to get it; I wanna destroy the passerby; Cause I want to be anarchy; No dog’s body […]” e God save the Que-en, que relata uma provocação ao governo britânico, a rainha, e a toda sociedade conservadora na época. “God Save the Queen; Her fascist regime; It made you a moron; A potential H bomb [. . .]” Logo o estilo se populari-zou rapidamente pelo mundo e, no Brasil, o movimento contava com várias bandas de punk rock como Olho Seco, Inocentes, Ra-tos de Porão, e outras. E assim como na Inglaterra, aqui também se usava um visual agressivo e de atitude para gerar uma mu-dança radical do sistema social.

O nascer do Punk no Brasil

Foi ainda nos anos 1970 que surgiu mais uma tentativa de rebeldia contra a sociedade que negava ao jovem a possibili-dade de realizar-se como pessoa: o punkismo gerado no ventre do proletário inglês, no caldo do desemprego e de crise do Rei-no Unido – um horror visual, a violência [. . .] Avessos à política, sujos, segregacionistas, eles can-tavam as canções do meteórico conjunto musical Sex Pistols, repetindo que, se a sociedade esta podre, e se ninguém, nem eles, pode salvá-la, o negócio é destruí-la de vez, conta o jorna-lista Luiz Fernando Emediato, em seu livro “Geração Abando-nada”. Durante a política reces-siva e monetarista da ditadura militar, o movimento punk nas-ce para os brasileiros, em mea-dos de 1976 e 1977, coincidindo

com o retorno do Movimento Estudantil. Em 1977, ao movi-mento estudantil somavam-se mais de um milhão e meio de universitários, e a qualidade do ensino naquele momento havia crescido inversamente a quan-tidade. As verbas naquela época eram escassas e apenas 5% do orçamento da União estavam destinados à educação. Nesse período, devido à grande censura, poucos perió-dicos eram publicados no Bra-sil, mas as poucas publicações que chegavam às mãos dos jo-vens, e novo estilo musical que ouviam, eram reproduzidos em seus comportamentos como se isso preenchesse o inconfor-mismo da época. O punkismo foi incorporado pela indústria, que passou a produzir discos, li-vros, objetos de adorno, roupas e tudo mais que expressasse esse horror aparentemente inconse-qüente, conforme explica Eme-diato. “Quando li na revista ‘Pop’ uma reportagem sobre os Pistols, pensei: ‘Meu, isso é tudo o que estava procurando’. Des-cobri que era punk”, disse Zor-ro, ex-integrante da banda M-I9, hoje da banda Invasores de Cé-rebros, à Folha de S. Paulo, em entrevista de 1996. Entre 1977 e 1980, os punks eram considerados gan-gues de ruas que se identifica-vam pelas formas de vestir e pelo som estridente. “Em plena ditadura militar nós rompemos com tudo, rompemos com uma estética visual, estética musical, e uma estética comportamen-tal”, relata o músico Zorro, no documentário de Gastão Morei-ra, “Botinada: A origem do punk no Brasil!”, de 2007. No começo, o Movimen-to Punk era apolítico, mas foi no início de 1980 que alguns adep-tos passaram a colaborar com os anarquistas tomando um rumo totalmente direcionado à mili-tância política, com discussões e ações mais ativas, opondo-se à mídia tradicional, ao Estado, às instituições religiosas e gran-des corporações capitalistas, conforme explica Diego Assis, na reportagem “Festival punk ganha reedição 20 nos depois”, publicada no Caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 2002. Em 1982, com o intui-to de unir as gangues de São Paulo com as do ABC, bandas punks brasileiras como Ino-

centes e Cólera decidem organi-zar o festival “Começo do Fim do Mundo”, no Sesc Pompéia. O festival, que tinha o intuito de unir os jovens, acabou em panca-daria entre polícia e Punks e ficou registrado com um dos maiores e históricos festivais de punk do Brasil. Somente em 1988, oficial-mente, alguns Punks se uniram a grupos anarquistas, criando assim um novo grupo os Anarcopunks. Em geral, o movimento defende valores como o anti-machismo, anti-homofobia, anti-fascismo, liberdade individual, autodidatismo, etc. Nesse período de repres-sões, os Punks buscavam uma re-volução, com a quebra da superio-ridade imposta pelos burgueses. Os jovens divulgavam suas ideias por meio das músicas, de mídias alternativas – como os fanzines, revista alternativa, destinada aos fãs de determinada manifesta-ção cultural. Em geral, evitavam a mídia de massa, como a televi-são, para difundir suas ideias, por acreditarem que esses meios de comunicação eram manipulado-res e que distorciam os fatos para benefício próprio. Dentre os meios de co-municação destaca-se o jornal “O Estado de São Paulo”, onde o jornalista e escritor Luiz Fer-nando Emediato acompanhou o cotidiano dos jovens da época. Guiado pelo jovem Renato (Caco) ex-traficante e usuário de drogas, o jornalista escreveu várias crôni-cas, que mais tarde se transforma-ram no livro: Geração Abandona-da. Os relatos do livro, segundo Emediato, eram as histórias que os jovens o contavam. O jornalis-ta recebeu, pela sua audácia de se inserir no meio deles, o prêmio Esso de Jornalismo, em 1982. Em resposta à matéria “Geração Abandonada”, o vocalis-

ta e baixista da banda punk Ino-centes, Clemente Tadeu Nasci-mento, disse que o Punk era um movimento sócio-cultural. “Ele é a revolta dos jovens da classe menos privilegiada, transporta-da por meio da música”. Para entender como essa “nova filosofia” influen-ciou as atitudes dos jovens bra-sileiros no período de reces-são, antes, torna-se necessário entender quais os requisitos eram necessários para se en-quadrar no movimento. Este é o tema do próximo tópico

Nova ideologia

O que era necessário para ser e representar o “Ser Punk” naquela década? “Era uma dispu-ta para ver quem era mais Punk, de um jeito muito juvenil, coisa de molecada”, diz Zorro. A tentativa foi a de rela-cionar a cultura vivida por eles a um estilo imposto por revistas como a POP – um cabelo moi-cano ou cortado por si próprio, jaqueta cheia de arrebites ou rolas tingidas e a excitação pela música punk rock. Na maioria dos casos, as publicações jorna-lísticas e a televisão traziam al-gumas informações equivocas e preconceituosas na hora de identificar o que é ser Punk, em textos opinativos, os jornalistas transformam os jovens seguido-res deste movimento em seres desprezíveis e baderneiros. O “ser Punk” não está re-lacionado somente à identidade visual. O jovem punk define o ter-mo “Punk” como uma manifes-tação cultural e ideologicamente independente, fundamentando essa ideologia na subversão não coativa dos costumes cotidia-nos , analisa Cecília D’avila, em seu artigo “Punk: cultura e arte”.

Callegari, baixista dos Inocentes e um dos organizadores do “Começo”. (Arq. Ariel Uliana - Ex-traído Revista Trip)

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Os trabalhos foram orientados pelos professores Cândida Borges Lemos (coord. da disciplina Trabalho Interdisciplinar Dirigido – TIDIR do 3 módulo do curso de Jornalismo), Aurélio Silva, Elisângela Dias, Magda Santiago, Nelma Costa e Pedro Vilela. Os artigos estão disponíveis na íntegra em http://sombraseluzes70.wordpress.com

Fazem o que tem vontade e não se importam com as conse-quências ou com o que os outros vão dizer, seja no seu vestir ou no vocabulário, eles simplesmente não são adeptos ao caráter poli-ticamente correto. Não seguem as normas impostas pelo Estado, seguem a vida com suas causas e vontades de ser, e não se impor-tam com a sociedade ao seu redor.

“Ser Punk”

Em entrevistas com mú-sicos que vivenciaram o nascer do Punk neste período históri-co, apontamos que a censura, a repressão e a violência existiam, porém, não para todos. Em entrevista com o jor-nalista, escritor e musico Anto-nio Carlos, conhecido como Kid Vinil, nem todos foram afetados diretamente pela Ditadura Mili-tar, de acordo com Kid, a repres-são existia, porém ela não os atingiu diretamente, “a Ditadu-ra Militar necessariamente não influenciou e nem atrapalhou o movimento, as pessoas con-viviam com o Governo Militar, protestavam de certa forma, pois neste movimento diferentemen-te de outros as pessoas tinham a liberdade de falar, não depen-diam tanto da censura, como ou-tros artistas. O Punk circulava numa área mais independente”.Em contrapartida ao jornalista e músico, o também musico Ale-xandre Dota, da banda Os Con-tras, afirma que em Minas Ge-rais, precisamente na cidade de Belo Horizonte, ele sofreu com a repressão militar e diz que: “Ser Punk naquela época e naquela região (região Centro Sul-Savas-si) se resumia em tomar geral toda hora da polícia e ser preso em shows”.Imprensa e violência Com um perfil público, muitas vezes, violentos, os jo-vens adeptos e simpatizantes do Movimento Punk eram, na maioria das vezes, alvos da mí-dia sensacionalista, “Cuidado com eles – Suburbano e Pobre, o agressivo ‘Punk’ ganha as rua”, diz no documentário “Bontina-da”. Os punks, assim como toda a população, desejavam

viver em paz, porém, para con-quistar isso, eles provocaram a “desordem” para contrapor à falsa paz que os governan-tes pregavam, pois, os ideais e as ações do movimento punk sempre estiveram diretamen-te ligados à mudança radical do sistema social, a quebra de valo-res sociais e morais. “Claro que existiam os punks violentos, mas as pessoas generalizaram, pensando que todos nós éra-mos assim”, desabafa Clemen-te Tadeu, da banda Inocentes, no documentário “Botinada”.

Em novembro de 1982, foi realizado no Sesc Pompéia de São Paulo, o festival O Co-meço do Fim do Mundo, com a presença de 19 bandas e “foi

Milhares de jovens aderiram ao estilo punk em todo o mundo

considerado o pon-tapé inicial da cena punk”, explica As-sis. O evento acir-rou as rivalidades entres os grupos Punks do estado Paulista e a Polícia. O Festival, que pre-gava pela união dos grupos, acabou dei-xando ainda maior as rivalidades en-tres eles e se tornou famoso pela mídia devido a sua desor-dem e violência.

Por volta das 17h, a polícia invade o salão, acaba com o que classifica “de-sordem” e leva para a delegacia parte da platéia – na maio-ria, adolescentes de 14 a 19 anos, roupas negras e cabelos co-loridos e pontiagu-dos, conta Sallum na Folhateen. O jornal nor-te-americano The Washington Post e a revista Maxim-mum Rock’n’Roll, da Califórnia, mos-travam em suas ma-térias, pouco o som produzido pelas bandas e dava ên-fase às brigas entre

os jovens. Segundo Sallun, a par-tir deste evento, os punks foram “perdendo espaço e voltando para os guetos”. Além das divisões in-ternas e da pressão policial, parte da imprensa publicou reporta-gens ressaltando a violência e os perigos do movimento, aumen-tando o preconceito em relação a eles. Após uma fase de disper-são no meio dos anos 1980 e o fim da ditadura militar, o movimento punk retornou mais diluído, po-rém mais organizado.Pós-Punk: Existe vida após “O co-meço do fim do mundo” ? Não se pode dizer que o punk brasileiro morreu. Após a grande repercussão da mídia, a onda punk ainda resistiria por mais alguns anos. Os exemplos

disso são os músicos Zorro e Ariel, eles se recusam até hoje a assinar contratos com produtoras e gravadoras. Os músicos já lança-ram discos independentes e con-servam até nos dias atuais o estilo Punk dos anos 1970. Nenhum movimento mu-sical conseguiu superar a força do Punk. Incorporando a rebeldia primal do rock n’ roll, um bando de garotos eternamente inconfor-mados conseguiu transformar os padrões de comportamento em to-dos os segmentos do mundo pop. Não é exagero nenhum di-zer que o punk mudou tudo – e não apenas no setor musical. Desde os primórdios, o estilo sustentou-se graças à sua multiplicidade. Ser punk sempre foi algo maior do que ser mais um fã de uma banda.

Foto João Pires. R

eprodução livro Geração A

bandonada de Luiz Fernando Em

ediato