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Crítica Histórica da Bíblia, por Eta Linnemann © 2009 Editora Cultura Cristã. Este livro foi primeiramente publicado pela VTR de Nuremberg, Alemanha, com o título Wissenschaft oder Meinung? Copyright © 1999 VTR. Tradução autorizada a partir da edição americana publicada pela Kregel Publications. Ia edição - 2009 - 3.000 exemplares Conselho Editorial Ageu Cirilo de Magalhães, Jr. Alderi Souza de Matos André Luís Ramos Cláudio Marra (Presidente) Fernando Hamilton Costa Francisco Solano Portela Neto Mauro Fernando Meister Tarcízio José Freitas de Carvalho Produção Editorial Valdeci da Silva Santos Tradução Wadislau Martins Gomes Revisão Davi Miguel Manço Wilton Vidal de Lima Alzira Muniz Editoração Assisnet Design Gráfico Capa Magno Paganelli L7587c Linneman, Eta Crítica histórica da Bíblia / Eta Linnemann; traduzido por Wadislau Martins Gomes. _São Paulo: Cultura Crista, 2009 208 p.: 16x23cm Tradução de Historical criticism of the Bible ISBN 978-85-7622-279-8 1. Bíblia RDITORA CULTURA CRISTÃ Rua Miguel Teles Junior, 394 - Cambuci 01540-040 - São Paulo - SP - Brasil Fone (11) 3207-7099 - Fax (11) 3209-1255 www.editoraculturacrista.com.br - [email protected] 0800-0141963 Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra Conteúdo Introdução do tradutor para a língua inglesa .............................................................. 7 Prefácio ....................................................................................................................................... 15 Introdução da autora ............................................................................................................. 17 Parte 1 O Cristianismo e a universidade moderna 1. As raízes anticristãs da universidade ............................................................................. 23 2. Questões pertinentes com respeito à universidade .................................................... 39 3. O antigo Israel e o Ocidente moderno ........................................................................... 47 4. A educação cristã no nível universitário ...................................................................... 53 Excurso 1 : Estudos gerais para o estudante cristão ................................................... 65 Excurso 2: A confiabilidade do pensamento ............................................................... 71 5. A Bíblia e o bomem moderno ..........................................................................................81 Parte 2 A Palavra de Deus e a teologia histórico-crítica 6. O estudo da teologia histórico-crítica ........................................................................... 95 7. A fé da teologia e a teologia da fé ................................................................................ 121 8. A mentalidade da teologia histórico-crítica ................................................................133 Excurso 3: Conselho falso e verdadeiro ......................................................................145 9. Teologia histórico-crítica e teologia evangélica ....................................................... 153 10. A Palavra de Deus ............................................................................................................. 167 índice de assuntos ............................................................................................................. 201 índice de textos da Escritura .......................................................................................... 207 5

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Crítica Histórica da Bíblia, por Eta Linnemann © 2009 Editora Cultura Cristã. Este livro foi primeiramente publicado pela VTR de Nuremberg, Alemanha, com o título Wissenschaft oder

Meinung? Copyright © 1999 VTR. Tradução autorizada a partir da edição americana publicada pela Kregel Publications.

Ia edição - 2009 - 3.000 exemplares

Conselho EditorialAgeu Cirilo de Magalhães, Jr.

Alderi Souza de MatosAndré Luís Ramos

Cláudio Marra (Presidente)Fernando Hamilton Costa

Francisco Solano Portela NetoMauro Fernando Meister

Tarcízio José Freitas de Carvalho Produção Editorial

Valdeci da Silva Santos TraduçãoWadislau Martins Gomes RevisãoDavi Miguel Manço Wilton Vidal de Lima Alzira MunizEditoraçãoAssisnet Design Gráfico CapaMagno Paganelli

L7587c Linneman, EtaCrítica histórica da Bíblia / Eta Linnemann; traduzido por Wadislau Martins

Gomes. _São Paulo: Cultura Crista, 2009 208 p.: 16x23cm

Tradução de Historical criticism o f the Bible

ISBN 978-85-7622-279-8

1. Bíblia

€RDITO RA CULTURA CRISTÃ

Rua Miguel Teles Junior, 394 - Cambuci 01540-040 - São Paulo - SP - Brasil

Fone (11) 3207-7099 - Fax (11) 3209-1255 www.editoraculturacrista.com.br - [email protected]

0800-0141963

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra

Conteúdo

Introdução do tradutor pa ra a língua in g le sa .............................................................. 7

P refácio ....................................................................................................................................... 15

Introdução da a u to ra ............................................................................................................. 17

Parte 1O Cristianismo e a universidade moderna

1. As raízes anticristãs da universidade............................................................................. 23

2. Questões pertinentes com respeito à un iversidade.................................................... 39

3. O antigo Israel e o Ocidente m oderno...........................................................................47

4. A educação cristã no nível un iversitá rio ...................................................................... 53

Excurso 1 : Estudos gerais para o estudante cristão ...................................................65

Excurso 2: A confiabilidade do p ensam en to ............................................................... 71

5. A B íblia e o bom em m o d e rn o ..........................................................................................81

Parte 2A Palavra de Deus e a teologia histórico-crítica

6. O estudo da teologia h istó rico -crítica ........................................................................... 95

7. A fé da teologia e a teologia da f é ................................................................................ 121

8. A m entalidade da teologia histórico-crítica................................................................133

Excurso 3: Conselho falso e verdadeiro ......................................................................145

9. Teologia histórico-crítica e teologia evangélica....................................................... 153

10. A Palavra de D e u s ............................................................................................................. 167

índice de a ssun tos .............................................................................................................201

índice de textos da Escritura ..........................................................................................207

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60 estudo do teologia histórico-crítica

Algumas pessoas têm feito objeção à terminologia usada no tí­tulo deste capítulo. Elas dizem: “Você deveria escrever: ‘O Estudo do Método Histórico-crítico’” . Muita coisa poderia ser dita em resposta a essa objeção; restrinjo-me a duas observações:

Uma é a de que o termo teologia histórico-crítica é eminente­mente justificável na estrutura de uso lingüístico geral. Se, por exem­plo, alguém, na Alemanha, diz que está indo a um Kneippkur, todos sabem o que isso significa: a pessoa está indo a uma clínica de repou­so onde receberá vários tipos de hidroterapia. Mais corretamente, ela quer dizer que está indo a uma clínica de saúde na qual ela receberá tratamento segundo os métodos do antigo Pastor Kneipp. Todo alemão sabe que um Kneippkur envolve esses métodos, distintos dos métodos utilizados em outras clínicas de repouso.

O mesmo ocorre na teologia. A teologia, como ensinada nas uni­versidades ao redor do mundo hoje, tanto no Ocidente e no Oriente, quanto no Norte e no Sul, é baseada no método histórico-crítico. Isso é verdadeiro especialmente em relação ao método ensinado na Ale­manha, o qual monopoliza a universidade governamental e reivindica ser o único porta-voz sobre o assunto. Além disso, o método históri­co-crítico não é considerado apenas como o fundamento das disciplinas exegéticas. Esse método decide também o que o especialista sistemático

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60 estudo da teologia histórico-crítica

Algumas pessoas têm feito objeção à terminologia usada no tí­tulo deste capítulo. Elas dizem: “Você deveria escrever: ‘O Estudo do Método Histórico-crítico’” . Muita coisa poderia ser dita em resposta a essa objeção; restrinjo-me a duas observações:

Uma é a de que o termo teologia histórico-crítica é eminente­mente justificável na estrutura de uso lingüístico geral. Se, por exem­plo, alguém, na Alemanha, diz que está indo a um Kneippkur, todos sabem o que isso significa: a pessoa está indo a uma clínica de repou­so onde receberá vários tipos de hidroterapia. Mais corretamente, ela quer dizer que está indo a uma clínica de saúde na qual ela receberá tratamento segundo os métodos do antigo Pastor Rneipp. Todo alemão sabe que um Kneippkur envolve esses métodos, distintos dos métodos utilizados em outras clínicas de repouso.

O mesmo ocorre na teologia. A teologia, como ensinada nas uni­versidades ao redor do mundo hoje, tanto no Ocidente e no Oriente, quanto no Norte e no Sul, é baseada no método histórico-crítico. Isso é verdadeiro especialmente em relação ao método ensinado na Ale­manha, o qual monopoliza a universidade governamental e reivindica ser o único porta-voz sobre o assunto. Além disso, o método históri­co-crítico não é considerado apenas como o fúndamento das disciplinas exegéticas. Esse método decide também o que o especialista sistemático

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pode dizer, e se alguém aceita a sua reivindicação. Ele determina o procedimento na educação cristã, na homilética e na ética. É possí­vel que aqueles que são mais afetados por ele não estejam plenamen­te conscientes de sua influência. Ainda assim, a crítica histórica tem realmente permeado o ensino teológico nas universidades da mesma maneira como o fungo incha a massa levedada. Se alguém, entretanto, lida constantemente com a massa levedada, provavelmente, depois de um tempo, não perceberá mais o odor característico, ainda que este continue facilmente identificável para outros.

Observaria também que meus antigos colegas, com os quais tive contato na Sociedade para Estudos do Novo Testamento, protestariam veementemente se fossem classificados como metodologistas históri- co-críticos e não como teólogos. Eles vêem a si mesmos como teólo­gos e querem ser levados a sério como tais. Bem, nesse caso, não pode haver objeção quanto a considerar seu trabalho como teologia históri- co-crítica, em vez de meramente como metodologia histórico-crítica.

Muito mais poderia ser dito, mas deixemos assim, por enquanto, e avancemos para o ponto principal.

Teologia como ciência

O princípio básico

Pesquisas são conduzidas ut si Deus non daretur (“como se Deus não existisse”). Isso significa que a realidade de Deus é, logo de início, excluída das considerações, até mesmo se o pesquisador reco­nhece que Deus poderia dar testemunho de si mesmo em sua Palavra. O padrão pelo qual tutjo é avaliado não é a Palavra de Deus, mas o princípio científic<^)eclarações da Escritura com respeito a lugar, tempo, seqüência de eventos, e pessoas são aceitas somente enquanto se adequarem às pressuposições e teorias estabelecidas. O princípio científico adquiriu a condição de ídolo.

O estudo da teologia histórico-crítica 97

A relatividade da Bíblia

A pressuposição de tal teologia científica é a incorporação da Bíblia e da fé cristã precisamente no mesmo nível de comparação com outras religiões e suas escrituras sagradas. Até mesmo quando é enfa­tizado aquilo que é distintivo com respeito ao cristianismo, permanece a pressuposição fundamental da abordagem comparativa das religiões em geral. O grau de comparação ao qual o cristianismo foi reduzido, no entanto, não é em si mesmo um fato ou um dado necessário; an­tes, é uma abstração, um construto artificial a que se chega quando se abandona o Deus vivo. Qualquer pessoa que estude teologia científica será inevitavelmente levada a aceitar tal falsa pressuposição.

O conceito de Sagrada Escritura é tomado relativo de maneira que a Bíblia torna-se nada mais do que um escrito religioso como ou­tro qualquer. Uma vez que outras religiões têm seus escritos sagrados, não se pode presumir que a Bíblia seja única e superior. E por isso que ela passa a ser tratada como qualquer outro livro. Chega a não haver distinção no que diz respeito à maneira como a Bíblia é vista e como se lê a Odisséia, ainda que fiquem bastante claras, sob exame cuidadoso, as diferenças entre os dois livros.

Para se fazer justiça, alguns pensam que servem à proclamação do evangelho ao estabelecerem tais diferenças. Negligenciam, porém, o fato de que, no processo da comparação, reduzem a Palavra de Deus a uma coleção de idéias religiosas e de conceitos teológicos. Isso trans­forma a Palavra viva em letra morta, como se vê em muitos púlpitos à medida que pastores lutam em vão para trazer vida a textos inertes, recorrendo finalmente à psicologia, sociologia, socialismo e outras for­mas de “ismos” - uma tentativa de infundir relevância aos textos.

A Bíblia não é mais estimada como a Palavra de Deus desta ma­neira como é tratada. Toma-se como certo que as palavras da Bíblia e as palavras de Deus não são idênticas. O material impresso entre as duas capas da Bíblia - dizem - não é a Palavra de Deus em si mesma. Ele se toma Palavra de Deus apenas ocasionalmente quando funciona como

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taJ pof-mgio da leitura ou da pregação/Além disso, o Novo Testamento é lançado contra o Antigo Testamento sob a presunção de que o Deus do Novo Testamento seja diferente do Deus do Antigo Testamento, uma vez que Jesus teria introduzido um novo conceito de Deus. Paulo é lan­çado contra Tiago. Mantém-se que o livro de Atos apresenta um Paulo diferente daquele que escreveu Romanos, Gálatas, 1 e 2 Coríntios e ou­tras epístolas. Considera-se freqüentemente que Atos tem apenas valor literário; a veracidade histórica dos relatos de Lucas é tomada de modo tão leve como a teologia que defende. De fato, cada sentença é posta sob a suspeita de conter a teologia de Lucas em vez de ser um relato fiel daquilo que realmente ocorreu, e tal teologia é apresentada como prati­camente o oposto da boa teologia. Usando métodos literários grotescos, os quais conduziriam imediatamente a resultados absurdos se aplicados à obra de um poeta ou teólogo — como Goethe ou Barth — estabelecem- se reivindicações de inautenticidade para as epístolas pastorais (1 e 2 Timóteo e Tito), Efésios e Colossenses. Tais reivindicações são, então, sem verificação cuidadosa, passadas adiante de uma geração de teó­logos para a próxima. Diferenças entre particulares livros da Sagrada Escritura são exageradas e tomadas como inconsistências, j

Uma vez que não se aceite a inspiração da Escritura, não se pode assumir que os livros da Bíblia, individualmente considerados, complementem-se uns aos outros. Usando esse procedimento, algumas pessoas concluem que a Bíblia seja apenas um amontoado de criações literárias não-relacionadas. Certamente, poderão reconhecer que tais criações trazem à luz a fé dos seus autores. Não há, porém, nenhuma disposição para reconhecer nelas aquele a quem o autor dirige a sua fé. Em outras palavras, não consideram que sejam obras de revelação. Estas são consideradas meramente como criações literárias e teológi­cas. Assim - com dois ou três mil anos de idade, escritas por autores antigos para leitores antigos, e refletindo condições que a investigação histórico-crítica alega serem totalmente diferentes das de nosso tempo - elas podem ser consideradas como qualquer coisa, menos algo que tem relevância contemporânea.

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Afim de fazer justiça à reivindicação da autoridade que o cânon bíblico tem para a igreja, e também por orientação pessoal, alguns buscam um “cânon dentro do cânon Uns poucos chegam a listar apenas Romanos 7, o Bom Samaritano de Lucas 10, e a parábola do juízo final de Mateus 25. Para outros, esse “cânon dentro do cânon” é um pouco mais estendido. Em ambos os casos, o padrão é usado para se avaliar o restante da Bíblia, empregando implícita ou explicitamen­te o Sachkritic.' Usando Romanos, o livro de Tiago é desvalorizado.1 Coríntios 15.5-8 é criticado usando outros ensinamentos de Paulo sobre fé; ali, Paulo não estaria concordando com os altos padrões de seus próprios insights afirmados em outras passagens, pois trata a res­surreição de Jesus como um fato histórico.

Uma vez que o conteúdo dos escritos bíblicos é visto como mera criação de escritores teológicos, qualquer versículo nada mais é do que um pronunciamento teológico humano, sem nenhuma carga de obriga­toriedade. João 3.16, por exemplo, toma-se apenas o sentimento teoló­gico de um teólogo cristão antigo que escreveu seu evangelho perto do fim do primeiro século. Ele teria sido um gnóstico (isto é, um herege), ou alguém que usou terminologia gnóstica para combater o gnosticis- mo, ou talvez alguém mais ou menos influenciado pelo gnosticismo que advogou um ensino de salvação anticristão ou quase-cristão. Em outras palavras, para a teologiahistórko-crítica^lQão 3.16 não é uma promessa de Deus com força vinculante. É, antes, nada mais do que uma opinião humana descomprometida. Todas as promessas da Bíblia são tratadas da mesma maneira, embora segundo a Palavra de Deus elas todas tenham o “Sim” e o “Amém” em Jesus Cristo (2Co 1.20).

A interpretação da Escritura

A Escritura Sagrada é vista como “texto” que requer interpreta­ção. Não se discute, nesse ponto de vista, que temos direto acesso à Escritura. Porém, o que se conclui daí é que essa é uma interpretação

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subjetiva e existencial pertinente apenas ao proprio interprete. Sem que se processe a passagem utilizando a interpretação histórico-crí- tica, aquilo que se obtém dela é visto como permissível apenas para uso privado.

Uma interpretação responsável que se destine a outros, como na pregação e ensino, deve ser procedida “metodologicamente”, se­gundo as regras, de maneira a ser controlável. O Espírito Santo, que atua como lhe apraz (ver Jo 3.8), é deixado de lado “põrqué~ninguém pode garantir que o possui”, como diz Rudolph Buhmann. Õl^pTrito é substituído pelo método de interpretação, o qual supostamente ga­rante a objetividade da interpretação e sua adequabilidade para o texto bíblico em questão.

Não obstante, aquele que se assenta nos céus desafia todos os que defendem essa aproximação. Fora algumas poucas pressuposições básicas e alguma concordância metodológica, podemos estar certos de que sempre que dois teólogos compararem seus resultados, geralmen­te surgirão duas conclusões. Em contraste, sempre que professores bíblicos que tomam a Palavra de Deus literalmente em dependência do Espírito Santo comparam aquilo em que foram iluminados, fica evidente a unidade de espírito e a concordância no ensino - qualquer que seja a confissão, lugar ou período de tempo.

O princípio não-declarado, mas operante, da ciência do Antigo e do Novo Testamento é: Aquilo que o texto afirma claramente pode não ser verdadeiro; a tarefa do exegeta é a de descobrir e solver “dificulda­des” do texto da Bíblia. Quão melhor for o intérprete, mais engenhoso será esse processo. Para conquistar essa posição, o professor precisa fazer nome . Isso é coisa obrigatória, a menos que ele se contente

em descontar seu cheque de pagamento sem fazer aquilo que se espera de um professor. A situação toma-se aflitiva porque é necessário lu­tar para obter reconhecimento humano, até mesmo quando o professor se desinteressa por tais cerimônias. Asseguro, com prazer, que muitos dos meus antigos colegas são pessoas humildes e modestas. Entretanto,

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eles se vêem constrangidos pelo sistema de universidade teológica a fazer um nome para si mesmos e lutar pela honra humana. Contudo, o Senhor Jesus diz: “Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único?” (Jo 5.44).

Um estudante de teologia que não tenha morrido para a necessi­dade do reconhecimento de homens se encontra sob a mesma pressão. Não é de surpreender, então, que muitos estudantes de teologia crentes em breve tenham dificuldades com sua fé. Geralmente eles se desviam da fé sem que se dêem conta do fato. Alguma coisa do que estão estu­dando se apega a eles; como poderia ser diferente? Afinal, é para isso que estão estudando! Uinhas limítrofes são traçados ao longo de par­tes da Palavra de Deus. Diz-se de algumas dessas partes que elas não podem mais ser cridas e que, conseqüentemente, seu poder não pode mais ser experimentado como antes. “Paulo não é o autor das epístolas pastorais”, alguém aprende. “O autor do evangelho de João, certamen­te, não é o filho de Zebedeu e discípulo de Jesus”. “O Pentateuco não foi escrito por Moisés, mas compilado de diversas fontes” . Qualquer estudante que não tenha aprendido isso por volta do sexto semestre é olhado com pena, se não com desprezo, e assim a videira é devastada pelas pequenas raposas, como em Cântico dos Cânticos 2.15. Tudo isso parece inofensivo: São apenas ninharias; o que está em questão não é decisivo para a fé. Entretanto, a autoridade da Palavra de Deus está em questão. Ela perde seu caráter autoritativo, como evidenciará nosso trato de passagens que nos deixam mais desconfortáveis. Não nos en­ganemos: até mesmo um buraco de rato pode ameaçar um dique. Isso ficará ainda mais claro quando as tempestades trouxerem mais água.

Razão crítica e realidade

Para a teologia histórico-crítica, a razão crítica decide o quej: e que não pode ser real idade na BÍblia; U essa dccTslc) é (eítána base

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da experiência diária acessível a cada pessoa. Nada é aceito como fato a menos que seja geralmente sustentado como possível.'Âquíltrque é espiritual é julgado segundo critérios da carne. As experiências dos filhos de Deus são totalmente desprezadas.

Devido à pressuposição adotada, a razão crítica perde de vista o fato de que o Senhor nosso Deus, o Todo-Poderoso, reina. Nenhuma pessoa, obviamente, sequer está em posição de explicar os milagres dos dias modernos, nem mesmo se forem plausivelmente atestados e medicamente provados. A principal razão para isso é que os livros que glorificam o Senhor relatando tais incidentes, somente serão tra­tados por certas editoras. E essas são as editoras cujas publicações são depreciadas pelos teólogos da crítica histórica. Logo de início e sem exame pessoal da evidência, esses teólogos rotulam tais livros de dis­parate religioso popular.

Aos seus próprios olhos, a teologia histórico-crítica deseja pres­tar assistência à proclamação do evangelho por meio de uma interpre­tação da Bíblia que seja cientificamente confiável e objetiva. Há, po­rém, uma monstruosa contradição entre o que se diz querer fazer, por um lado, e aquilo que realmente se faz, por outro. À luz de tudo o que tenho dito, deveria estar patentemente óbvio que a maneira como a teo­logia histórico-crítica maneja a Bíblia não promove a proclamação do evangelho, antes, retarda-a — na verdade, impede-a. Pior ainda, sequer fica claro que lidamos aqui com uma abordagem que realmente produz uma interpretação confiável e objetiva da Bíblia, tal como é reivindi­cado. Simplesmente não é verdadeiro que a teologia histórico-crítica substitui impressões subjetivas por uma bem fundamentada descoberta da verdade, através de cuidadosa avaliação de argumentos.

A contradição entre teoria e prática, entre ideal e realidade, mos­tra-se quando a pessoa se familiariza com a literatura pertinente. Na teoria, toda publicação histórico-crítica relevante a respeito de um dado tema deveria ser levada em conta. Na prática, isto se mostra impossí­vel devido à enxurrada constantemente crescente de publicações.

Até que ponto a pesquisa literária de alguém deve ir no passa­

O estudo da teologia histórico-crítica 103

do é algo totalmente arbitrário. O limite é geralmente 1900 ou talvez 1945. No período de 1900— 1945, somente seletos clássicos da teolo­gia histórico-crítica recebem menção. Raras, raríssimas obras escritas antes de 1900 são consideradas. Embora a teologia histórico-crítica seja praticada hoje em virtualmente todos os continentes e países, o amplo espectro de publicações continua sendo negligenciado, pois os diversos escritos são compostos em línguas que ainda nem todos podem ler. Para muitos pesquisadores de língua inglesa ou alemã, as publicações em francês já constituem uma barreira que muitos enfren­tam somente se a obra for um clássico absolutamente indispensável. E quantos obtêm o preparo lingüístico requerido para estudar livros escritos por colegas em grego moderno, espanhol ou japonês - citando apenas alguns exemplos? A busca da verdade promovida pela teologia histórico-crítica tropeça nesse ponto: muito dessa literatura lingüisti- camente inacessível tem de ser negligenciada.

Além disso, geralmente é difícil até mesmo procurar literatura que seja conhecida e acessível. Pode levar meses para se encontrar algo usando o sistema de empréstimo interbibliotecário. Explícita ou impli­citamente, o espectro da pesquisa fica restrito à literatura acessível a mim”. Muitas pessoas têm recorrido a um novo meio de lidar com a enxurrada de literatura. Os lingüistas especialmente recorrem a esse re­curso, pelo qual a literatura que não emprega os mesmos métodos par­ticulares que um dado acadêmico prefere, é logo de início excluída.

Mais e mais se observa o uso de outra tática questionável para contornar a dificuldade de se lidar com literatura que, devido ao seu tema, obviamente deveria ser pesquisada intensivamente: Um livro relevante é citado, e depois de um sumário distorcido, umas poucas linhas são avaliadas tão negativamente que parece não ser necessá­ria nenhuma atenção posterior. Dessa maneira um acadêmico pode se poupar do trabalho que poderia atrasar por alguns anos a publicação de seu novo livro. Em vista das prevalentes condições, alguém poderia justificar essa tática como sendo uma de defesa pessoal acadêmica. Não obstante, tal procedimento efetivamente afasta como de “discus­

104 Crítica histórica da Bíblia

são sem valor” livros aceitos como dissertações e, portanto, recomen­dados por reconhecidos professores teológicos - um estado de coisas que não parece receber atenção adequada.

Concluímos que não há necessidade de ir além da consideração de como a literatura é empregada, para questionar seriamente a procla­mada objetividade da teologia histórico-crítica.

A reivindicação de que a verdade é descoberta na base da argu­mentação crítica é outro tipo de auto-engano. Hipóteses mutuamente opostas podem ser geralmente mantidas por argumentos de aparente­mente igual valor, e, algumas vezes, até mesmo pelo mesmo pesqui­sador. Dependendo de como alguém considera as autoridades estabe­lecidas ou as evidências numa dada área, essa pessoa se deixará im­pressionar mais por aquilo que confirma sua própria suposição. Se ar­gumentos opostos são apurados na investigação, estes inevitavelmente se tomam não-convincentes. Tal escrutínio, portanto, tende somente a corroborar ou estabilizar a própria tese do pesquisador.

A disposição básica da interpretação crítico-histórica da Bíblia para considerar suas próprias teses como provisionais e questionáveis de modo nenhum implica a intenção real de estabelecer a verdade. Na situação isolada em que um ponto de vista é alterado - o que ocorre de modo especialmente raro com acadêmicos de carreira - novos argu­mentos, tão persuasivos quanto os anteriores, mas que apóiam a nova posição, são fornecidos. A argumentação racional nos meios acadêmi­cos, alguém poderia concluir, é suscetível de prostituição.2

Quanto às relações entre os acadêmicos, à parte de publicações, a tendência dominante é a de manter as posições já adotadas. Quando um deles envia uma publicação a outro acadêmico para revisão, a res­posta comum é. Suas considerações são interessantes, mas não posso concordar com elas”. Nenhuma razão é dada. E isso não represen­ta uma falha de caráter, mas uma reação naturalmente emergente da maneira como as coisas são. O professor, em seu ensino, deve cobrir uma área relativamente ampla. Ele precisa estar em posição de assimi­

O estudo da teologia histórico-crítica 105

lar descobertas da totalidade do espectro da pesquisa do Antigo e do Novo Testamento. Só é possível para ele, entretanto, em um dado mo­mento, se dedicar com profundidade somente a questões pertinentes à área restrita daquilo em que estiver trabalhando. Suas observações são até mesmo altamente determinadas pelas suas prévias investiga­ções, de maneira que qualquer aceitação de novas idéias demandaria uma quantidade excessiva de revisão de antigos pontos de vista. Tais revisões não são esperadas quanto tantos outros deveres profissionais reclamam ação, como palestras, trabalho administrativo, avaliação de exames e ensaios, supervisão de dissertações, complemento da própria publicação e a edição de contribuição a periódicos acadêmicos.

Por essas razões, a aceitação de resultados de pesquisas mais re­centes por parte de acadêmicos que já têm uma opinião formada numa área abrangente, é inevitavelmente arbitrária. O nome do autor de uma publicação e o da escola à qual ele pertence geralmente determinam como a publicação e recebida. Sob tais pressuposições, a apregoada objetividade da interpretação histórico-crítica da Bíblia está fadada, desde o início, ao insucesso.

Verdade e subjetividade

Em meio a emergente geração de acadêmicos prevalece certa resignação em relação à verdade. Essa resignação e evidenciada nas teorias de subjetividade. Na verdade, o corolário lógico disso deveria ser o fim do trabalho científico na teologia, mas essa conclusão não é levada a sério. Entretanto, surge a questão de se a ciência está servindo apenas como meio para a auto-realização. Não se deveria desprezar, contudo, a boa consciência que as faculdades teológicas podem man­ter quanto ao seu trabalho, em vista da relação entre oferta e demanda que existe à medida que as igrejas geralmente fazem do estudo formal nessas faculdades um requisito obrigatório.

Cada vez mais, as mais novas gerações de teólogos são infiltra­

106 Crítica histórica da Bíblia

das pelo socialismo. O propósito salvador de Deus bem como a eterna redenção em Jesus Cristo, estão sendo substituídos pelos objetivos hu­manos para o progresso do mundo. Esses objetivos são velados pelas palavras arbitrariamente selecionadas do chamado “Jesus histórico”, o qual é interpretado como um reformador social ou em revolucionário, dependendo do desejo do intérprete. Os textos preferidos incluem a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25-37) e o discurso sobre o juízo final (Mt 25.31-46), assim como as palavras de Jesus referentes ao Sábado (Mc 2.27,28). Nessa última passagem o termo filho do homem, no versículo 28 é tomado para significar simplesmente homem, o que é lingüisticamente possível. A comunhão de Jesus à mesa com coletores de impostos e pecadores (por exemplo, Mc 2.15-17) é tomada como prova de que ele mudou estruturas socialmente injustas e que, nisto, nós deveríamos imitá-lo.

Uma característica dessa abordagem é a teoria da projeção. O Antigo Testamento é posto de lado em sua maior parte como sendo irrelevante para nós por ser, inteira ou parcialmente, apenas uma cons­trução intelectual, uma projeção. Ele é o resultado da então corrente estrutura patriarcal e reflete antigas condições de produção agrária; o Antigo Testamento tinha a função de justificar e emprestar estabilida­de a essas estruturas e condições. De conformidade com essa teoria, até mesmo os Dez Mandamentos não são mais normativos para nós. É dito que Jesus os aboliu trocando-os pelo mandamento do amor. Mas o que esse amor significa não é derivado da Palavra de Deus, mas sim, determinado por meios sensuais.

Os profetas são tidos como reformadores sociais. Amós serve de álibi para essa afirmação.

A prática da teologia histórico-crítica

Como qualquer ciência, a teologia depende de hipóteses. A hipó­

O estudo da teologia histórico-crítica 107

tese é uma pressuposição de que algo é ou se comporta de certa maneira. Nas ciências naturais as observações empíricas servem como pressupo­sições básicas quanto a regularidades no reino natural. Tais observa­ções são verificadas por meio de experimentos. Nas humanidades, em contraste, as hipóteses, de forma alguma, possuem a mesma função e não podem ser verificadas da mesma maneira. O estudo do Antigo e do Novo Testamento como ciência assumiu como seus, além de outros, as abordagens gerais usadas na historiografia crítica e na crítica literária.

Historiografia crítica

Na historiografia crítica o remanescente antigo e as evidências lingüísticas são usados como fontes de informação sobre uma era pas­sada para a qual o próprio pesquisador data o remanescente e as evi­dências. Nessa datação, as pressuposições já estão operando. Esse é um importante componente na formação de hipóteses. Dois exemplos ilustrarão o que foi dito:

Primeiro, se alguém presume que a parábola das Dez Virgens (Mt 25.1-13) não foi proferida pessoalmente por Jesus, mas, antes, que ela apareceu na igreja primitiva, então esse alguém a está colocando em contexto diferente. Ela dá informação não sobre Jesus, mas sobre a igreja primitiva. Para analisá-la, o pesquisador a compara com o que já se conhece da igreja primitiva, não com o que é conhecido acerca

de Jesus.Segundo, se alguém presume, com base nas diferenças entre o

Evangelho de João e os outros três Evangelhos, que o autor de João não é João, o discípulo de Jesus, então uma série de inferências se segue naturalmente: Nesse caso, o próprio autor não experimentou pessoalmente aquilo que ele afirma sobre Jesus. Ele teve que modelar sua apresentação a partir de fontes mais antigas. Isso levanta também a questão sobre a natureza desses documentos mais antigos. E isso, por sua vez, levanta a questão adicional de como o Evangelho de João se

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distingue das fontes sobre as quais foi baseado.Agora, outras pressuposições vêm à baila em relação à teologia

e às tendências do Evangelho, assim como sobre a natureza da comu­nidade que ele reflete. Juntamente com isso, surgem questões quanto ao contexto histórico para um ponto de vista religioso comparativo; aqui a tarefa é a de distinguir entre o próprio ponto de vista de João e o de suas fontes. Quais foram as principais influências sobre o autor do Evangelho de João? Gnosticismo? Qumran? Judaísmo com tendências gnósticas? Ou o autor tomou seus fundamentos diretamente do Antigo Testamento? Se suas fontes foram gnósticas, como ele se relaciona com elas: Polemicamente? Positivamente? Criticamente?

Crítica literária

Na crítica literária a formação de hipóteses tem uma função di­ferente. Procuram-se respostas para questões sobre a estrutura e tradi­ção histórica do texto. Tais questões, entre outras, desempenham papel importante: Foi o texto formado por fatores orais, ou foi fixado em forma escrita desde o início? Foi, então, transmitido de forma oral ou escrita? Trata-se de uma unidade literária ou não? Ele reflete fontes escritas ou um complexo unificado de tradições compostas de várias tradições individuais, ou de uma tradição em particular? Mostra sinais de dependência literária? Parece ter sido editorialmente reformulado, talvez mais de uma vez? Há padrões reconhecíveis na maneira como essa unidade literária em particular se encontra conectada?

Essas são questões levantadas aleatoriamente e não compõem uma lista compreensiva. Cada uma das questões é respondida com base em suposições. Nenhuma dessas suposições admite verificação definitiva. Meramente demonstram ser sustentáveis por meio de sua plausibilidade e do talento do pesquisador em fundamentar suas su­posições através de argumentações. Elas se tomam aceitáveis a outros pesquisadores por meio da sua adequação aos vários complexos de

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suposições que já são mais ou menos aceitas. Sua aceitabilidade se deriva das cuidadosas conexões estabelecidas com prévias pesquisas. Em outras palavras: A formação de hipóteses no Antigo e no Novo Testamento é um sistema auto-estabilizado.

Isso chega a ser uma tola brincadeira com a Palavra de Deus que não busca a Deus nem mesmo quando um pesquisador em particular está convencido de estar prestando um serviço a Ele. Trabalho e pri­vação estão muito envolvidos — uma semana de trabalho de sessenta horas é coisa comum para esse tipo de pesquisa - e esse grau de esfor­ço segue por toda a vida, até que faltem as forças intelectuais e físicas. A fim de que essa proposta de vida não seja em vão, as hipóteses do pesquisador do Antigo ou Novo Testamento precisam receber reco­nhecimento. Ele tem de lutar para conseguir honra. A única coisa que dá a esse trabalho — que exige tanto esforço e sacrifício — a aparência de realidade é o processo de dar e receber honra uns dos outros.

Os resultados da pesquisa

Com base em seu trabalho, o professor de teologia inevitavel­mente obtém convicção segura de que a Palavra de Deus não pode ser entendida sem o uso cuidadoso dos construtos hipotéticos da ciência do Antigo e do Novo Testamento. Ele se toma convencido disso e, portanto, habilitado a passar tal convicção aos seus ouvintes.

Uma vez que os estudantes não podem atingir o mesmo grau de controle dos “resultados da pesquisa” do qual o professor se assenho­reou ao longo de anos de estudo, eles se tomam inseguros e passam a depender de tudo o que o professor diz. Em vez de suplicar - não ape­nas ritualisticamente, mas com expectação verdadeira - que o Espírito Santo lhes abra a Palavra de Deus, eles tomam um comentário, uma obra que “explica” um livro da Bíblia verso a verso à luz da crítica histórica. Seu estudo é tão condicionado a encontrar dificuldades no texto que não mais concebem a descoberta do sentido do texto sem o

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auxílio de um comentário.Tudo o que leva a disparar a necessidade de um estudante que

lê uma passagem olhar o que os experts dizem, é lembrar-se de uma hipótese crítica. Suposições críticas são postas em íntima ligação, e levantar apenas uma delas tende a despertar todas as outras.

O estudante de teologia é geralmente incapaz de detectar o que Deus diz em sua Palavra, e assim passa à sua congregação a convicção na qual foi doutrinado: A Sagrada Escritura libera seu significado ape­nas através do uso do método histórico-crítico. Os membros da igreja recebem uma versão condensada daquilo que aprendeu no seminário.

Quanto maior o esforço para obtê-lo mais precioso se toma tal conhecimento. Além disso, esse conhecimento traz a honra de poder se apresentar diante daqueles a quem ele ensina ou pastoreia como um especialista”. O simples uso da Palavra de Deus com o objetivo de ser um praticante da Palavra não traz tanta honra, pois quando este é o padrão, o Espírito Santo confere a honra a quem ele quer. E não será necessariamente para alguém que seja respeitosamente saudado como “Pastor”.

Subjugados pela especialidade” dos teólogos, o estudante, a pessoa que é consagrada, ou o membro de igreja perdem a confiança na própria capacidade de pessoalmente entender a Palavra de Deus. Outra perda típica é a da alegria que o estudante um dia teve na leitura da Bíblia.

Suposição e fato

Em nenhum outro lugar as coisas são “assumidas pela fé” como no estudo científico, pelo menos no estudo teológico. Há certamente argumentos para suportar uma hipótese em particular. Mas na média, de fato até mesmo o estudante mais cuidadoso aceita 80— 90 por cen­to das hipóteses sem estar em posição de avaliar seus argumentos. Ele aceita 40—50 por cento delas, talvez mais, sequer sabendo quais

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são os argumentos. Como regra, nas instituições de ensino esses ar­gumentos de apoio vem a bada somente quando estao sendo lançados como relativamente novos e ainda não totalmente aceitos; ou quando o professor encontra objeções aos seus comentários que o forçam a dar as razões para o seu ponto de vista. Existe, é claro, um cuidado na orientação em certas áreas do conhecimento e em casos particulares, mas essa não é a regra. E nem poderia ser, pois o edifício da ciência consiste de uma pletora de hipóteses, cada qual dependendo de seu apoio para numerosos argumentos.

Uma série de suposições tendo o caráter de um consensus com- munis, isto é, que seja geralmente aprovada entre os cientistas de uma agremiação, forma uma grade sem a qual é simplesmente im­possível se manter ou processar a informação apresentada em pales­

tras ou seminários.As suposições básicas são colocadas no mesmo nível de fatos,

não em teoria, é claro, mas certamente na aplicação prática. Isto é, alguém as utiliza como se fossem fatos. Qualquer um que incorpore tais suposições básicas em seu pensamento é influenciado e finalmente

transformado por elas.O risco envolvido no estudo teológico crítico é assim tão grande

porque tais mudanças tomam lugar de modo inexorável e impercep­tível. A pessoa respira numa atmosfera tão mortal como aquela po­luída com monóxido de carbono, um gás inodoro e incolor, difícil de ser detectado. Não menos difíceis de serem detectados são os efeitos danosos do estudo da teologia crítica. A única esperança é a de que a graça de Deus intervenha de maneira distinta.

A objetividade do trabalho científico é em grande parte uma ilusão. Na prática, elementos extra-científicos desempenham papel considerável. Alguns exemplos são: a formação de grupos;’ as habili­dades pessoais, personalidade e habilidades relacionais na defesa de uma idéia; o “nome” do cientista (com variável significância em di­ferentes campos teológicos); se a pessoa detém posição-chave como

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livre-docência, ou se é diretor de um instituto, e mais importante, se é editor de um periódico ou conselheiro para publicadores em relação a séries monográficas.

Ostensivamente, o estudante está em posição para formar uma opinião objetiva. Na realidade, a tomada de informação é antes passa­da por um crivo. O crivo, ou filtro, é formado...

por professores. A escolha que o estudante faz da faculdade, geralmente baseada em critério totalmente diferente daquele mantido pela faculdade escolhida, pode ser decisiva para a orientação teológica que ele recebe.

pela limitação de possibilidades para estudar todo o espectro de livros relevantes. O estudante poderá trabalhar apenas com uma seleção e assim ater-se primariamente àquilo que é re­comendado nas aulas e palestras. Até mesmo o estudante que faz escolhas independentes tem apenas um vislumbre de pe­quena parte do que existe disponível. A literatura nas biblio­tecas departamentais e universitárias é previamente filtrada. Literatura cristã de autores que crêem na Bíblia é praticamen­te tabu. A produção de algumas publicadoras não é levada a sério e não pode ser alistada na bibliografia de manuscritos formais, a menos que o estudante esteja preparado para rece­ber uma nota baixa. Também, o professor não está realmente familiarizado com esses trabalhos e poderá se sentir pressio­nado quando o estudante os menciona em seus escritos. O professor teria de tomar tempo, ler e interagir com eles. Já pressionado pelo tempo e convencido de início da dubiedade dessas publicações, o professor geralmente as rejeita.

pelo próprio envolvimento acadêmico do estudante. É ofereci­da ao estudante a oportunidade de “participar da inquisição científica”. Uma visão mais próxima, porém, revela que seu envolvimento será em tarefas rotineiras que demandam e

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que o professor deseja que seja feita em preparação para um projeto que ele está completando, ou na revisão de material já completado. O estudo procede, então, da mesma maneira pela qual as crianças constroem casas ou carros com blocos de Lego. É claro que é possível haver variações, mas essas acabam sendo menos do que o desejado quando comparadas com o modelo planejado, como o professor ou um aluno mais avançado facilmente podem demonstrar. Ao longo do mate­rial, o resultado esperado está garantido; não obstante, o estu­dante fica ostensivamente “auto-convencido” . Dessa maneira rebeldes são domesticados e adequados ao sistema. A honra de terem sido levados a sério como pesquisadores adiciona peso à atratividade disso tudo.

Socialização e conformação

O curso de estudos tem o caráter de uma socialização secundá­ria. O estudante é profundamente afetado. Ele adentra o estudo formal como um novato, como alguém que nada sabe ou pode fazer e como um ignorante das práticas e regras do novo jogo. A fim de ser aceito, ele tem de possuir tais práticas e regras e obter a especialidade e o co­nhecimento que contam ali.

O estudante é inundado por uma verdadeira enchente de infor­mações que nenhum artifício pedagógico poderia reter. O professor dissemina em aulas e palestras os resultados de uma vida de trabalho, a qual é baseada no trabalho de prévias gerações de pesquisadores. De sua parte, os estudantes têm dificuldades só para compreender os métodos pelos quais os resultados do professor são obtidos. Em vista desse transbordamento de informação fica difícil para o estudante se apegar aos insights que tinha da Palavra de Deus no início do estudo formal, especialmente quando tais insights são desqualificados como “não-científicos”. O estudante crente geralmente encontra oposição

114 Crítica histórica da Bíblia

dos instrutores das seguintes formas:Condescendência: “Estou certo de que você acabará entendendo!” Tentação: “Por favor, aceite este ponto de vista ao menos na

teoria e veja como ele funciona!”Sedução: “Sua fé é tão pequena e seu Deus tão fraco que você se

recusa a aceitar esta idéia?”

Assim o estudante é conduzido a aceitar pessoalmente idéias que conflitam com aquilo que aprendeu anteriormente na Palavra de Deus.

Ao mesmo tempo, o estudante enfrenta a poderosa pressão do grupo. Companheiros estudantes são “co-instrutores”, dando orienta­ção decisiva no processo de socialização. Isso é especialmente verda­deiro no que diz respeito aos veteranos, ou para os que se distinguem por alguma habilidade ou aptidão especial. Um estudante crente, que por causa de suas atitudes em relação a Deus não está disposto a acei­tar certos métodos ou resultados da crítica histórica, geralmente é dis­criminado. Tal estudante recebe sorrisos condescendentes, é zombado e - ainda que secretamente respeitado - tratado como um forasteiro. Se ele é capaz de articular um ponto de vista com habilidade, pode até receber algum respeito aqui e ali. Mas pode contar com a plena aceitação apenas de pontos particulares, no máximo, e esses ainda se­rão pontos que não se distanciem muito da estrutura tradicionalmente aceita pela disciplina científica em questão.

A medida que vai sendo iniciado no modo de pensamento his- tórico-crítico, o estudante se toma alienado daqueles com os quais partilhava íntima comunhão na fé. Eles não falam mais a “mesma lin­guagem”, e o estudante tem dificuldade para ouvi-los. Não os entende mais e vice-versa. Isolada, a pessoa se coloca na perigosa situação de se julgar superior e se toma mais suscetível à pressão do grupo repre­sentado por instrutores e colegas estudantes.

O estudante também tem de apresentar trabalhos escritos que demonstrem que a abordagem histórico-crítica foi suficientemente

O estudo da teologia histórico-crítica 115

apreendida. Ele é compelido a pensar, falar e escrever histórico-criti- camente. À parte da intervenção aberta da graça de Deus, isso leva a uma grave mudança de pensamento e fé. A pessoa não é mais a mes­ma, pois seu manejo da Palavra de Deus é fundamentalmente transfor­mado, até mesmo a sua leitura pessoal para edificação. Aquilo que foi aprendido nos estudos se coloca entre o cristão e a Palavra, barrando

o acesso.

Palavras e significado

No manejo prático da tradição cristã comum à teologia históri­co-crítica, ganha espaço algo que, no estudo do gnosticismo, veio a ser chamado de pseudomorfose. A pseudomorfose ocorre quando con­ceitos são esvaziados de seu sentido original e preenchidos com novo conteúdo que nada mais tem em comum com o sentido original do que o próprio nome. Essa confusão de sentidos é encontrada em cada ponto da ciência teológica. Conceitos bíblicos tais como: justificação pela fé, substituição, graça, redenção, liberdade, pecado original, fé, oração e a filiação divina de Jesus continuam a ser usados, mas com significados completamente diferentes.

Por exemplo, que Jesus seja Filho de Deus, na teologia histórico- crítica freqüentemente não significa que ele é “Deus de Deus, Luz de Luz, Próprio Deus do Próprio Deus”. Esse conceito é entendido como apenas uma cifra que expressa que houve algo especial com o Jesus histórico” que o distingue de outras grandes figuras da História, e que nele nós estamos — de alguma forma — em contato com Deus. Em relação a isso alguém ouve a expressão que diz que cada época tem sua própria sorte e deve operar sua própria cristologia. Tenho ouvido essa fórmula pelos últimos trinta anos. Eu mesma costumava apregoar isso e, com grande fervor, esperei por essa cristologia — em vão. Descobri que essa fórmula era apenas um alvará que permitia que aquilo que a Palavra de Deus diz acerca de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo fosse posto de

7/6 Crítica histórica da Bíblia

lado como não-vinculante, como uma cristologia do passado.E comum ouvir acadêmicos afirmarem que Messias é apenas um

título honorífico, assim como Filho de Deus e Salvador. Tais títulos foram atribuídos a Jesus pelos diversos segmentos do cristianismo pri­mitivo. Foram usados para expressar “relevância” àqueles que associa­vam suas esperanças religiosas a tais títulos. Hoje muitos não hesitam dizer que, por meio de tais títulos, Jesus “foi ludibriado por seus segui­dores” - ele foi aclamado como algo que na verdade nunca pretendeu ser. Qualquer um que adote essa maneira de pensar abandona a fé pura na Palavra de Deus, e como resultado traz destruição pessoal para a experiência com Deus. “Se você crer, receberá”, afirmou claramente Lutero. Se eu descreio ou creio apenas parcialmente naquilo que a Palavra de Deus diz sobre Jesus, então ele será correspondentemente menos para mim pessoalmente. Experimentarei Jesus apenas no nível que minha fé permite, e minha atitude carecerá de suas bênçãos e de sua comunhão. Não nos deixemos dissuadir da posição de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, o Salvador, até mesmo se formos acusa­dos de usar uma filosofia obsoleta e não-satisfatória porque, à vista de muitos, aceitamos meras palavras como se fossem fatos.

Há apenas um conceito relacionado à salvação a partir da Sagra­da Escritura que não foi incluído na confusão de termos acima men­cionada: o sangue de Jesus. Tal conceito não foi redefinido, mas sim­plesmente rejeitado. Foi posto de lado sob a alegação de que falar de sangue é um resquício duvidoso de uma era em que, tanto para judeus quanto para não-judeus, o sacrifício sangrento estava na ordem do dia.

Somente o Espírito Santo pode lançar a luz que precisamos para olhar através dessa confusão de termos. Podemos pedir a Deus a sa­bedoria para isso. Estamos lidando aqui com uma teia de engano tão finamente urdida e entretecida que apenas podemos deslindar com o auxílio do Espírito Santo. Não nos enganemos - os professores de teologia crêem naquilo de que falam. Eles próprios estão enredados na teia, até que graciosamente Deus os retire do domínio das trevas para

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o reino do Filho do seu amor (Cl 1.13,14).Dizem que os velhos conceitos, tal como usados originalmen­

te, não são mais acessíveis para o homem moderno, e assim, devem ser transpostos para a situação contemporânea. Exige-se que seja feita uma distinção na Palavra de Deus entre o que é dito e o que é signifi­cado. Mas a Escritura afirma, em resposta a tais asseverações: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17).

É dito também que a Sagrada Escritura é tanto Palavra de Deus quanto palavra do homem, assim como nosso Senhor Jesus é Deus e homem conforme a confissão da igreja. A mesma confissão, entre­tanto, afirma que essas naturezas de Cristo são “sem confusão, sem separação”.4 Portanto, não é permissível nem possível que se separe a palavra humana condicionada ao tempo, da eternamente válida Pala­vra de Deus. Numa mistura de limalha de ferro e areia, alguém poderia separar o ferro usando um ímã. A Palavra de Deus, porém, não é uma mistura da válida Palavra de Deus com a palavra do homem condicio­nada ao tempo, de forma que possam ser separadas uma da outra.

Conseqüências da teologia histórico-crítica

Estas linhas não foram escritas com o propósito de condenar pessoas pelas quais, afinal, nosso Senhor Jesus foi à cruz. Antes, o propósito é o de caracterizar o perigo que o sistema de teologia his- tórico-crítico apresenta. O que tentei fazer é comparável à colocação de um rótulo de aviso numa garrafa de líquido venenoso, a fim de que ninguém inadvertidamente beba do conteúdo pensando tratar-se

de uma delícia nutritiva.Entendendo o que envolve o estudo crítico da teologia, a pessoa

118 Crítica histórica da Bíblia

não mais assumirá automaticamente que o chamado para ser um envia­do missionário, um evangelista ou um pastor e mestre deveria implicar forçosamente o estudo de teologia (veja E f 4.11). No mundo a pessoa precisa, se possível, completar um curso de estudos a fim de obter um bom salário e “fazer algo na vida”. Este mundo não é o nosso lar, pois a nossa pátria está nos céus (Fp 3.20). Somos admoestados a não nos conformar com o mundo (Rm 12.2). Não podemos nos esquecer que o mundo nos odeia (Jo 15.19; lJo 3.13). Somos soldados de Jesus Cristo, e nenhum soldado avança sem suas ordens, especialmente em campo inimigo. Se o faz, pode esperar pelo pior.

Um jovem que enfrente a questão de se aplicar ao estudo teo­lógico crítico deveria, de coração puro, dispor-se a abrir mão de seus planos pessoais e pedir a Deus a iluminação da sua vontade. O indiví­duo deveria obter direção clara com respeito ao chamado do Senhor não somente para se tomar um componente estratégico no corpo de Cristo (E f 4.16), mas expressamente também para o estudo formal de teologia.

Qualquer pessoa que o Senhor chame para o treinamento teoló­gico formal deveria entregar-se alegre e confidentemente a essa tarefa como um enviado do Rei que sabe como proteger seus súditos até mesmo dentro de uma faculdade de teologia. Contudo, esse estudan­te terá de calcular seus movimentos com cuidado, como um soldado atrás das linhas inimigas.

Quem não recebeu tal chamado para o treinamento teológico formal deveria saber que muitas outras possibilidades estão aí, postas à disposição pelô nosso Pai celeste, para preparar a pessoa para o seu serviço:

José não foi treinado na academia real de administração para ser o segundo no comando sobre o Egito apenas abaixo de Faraó, mas, antes, no calabouço real.

Moisés, reconhecido como filho da filha de Faraó, foi instruído

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em todas as ciências e artes dos egípcios. Contudo, o preparo para liderar seu povo no Êxodo do Egito para a Terra Prome­tida foi o de uma educação de quarenta anos como pastor no deserto, trabalhando para seu sogro, Jetro.

Josué recebeu seu preparo ao longo de décadas de serviço subor­

dinado a Moisés.

Deus diz: “Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos se agradem dos meus caminhos” (Pv 23.26).