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A QUESTÃO DO ESPÍRITO SANTO: RESPOSTAS
LUTERANAS A TENDÊNCIAS PENTECOSTAIS
Por:
Mathias Francisco da Silva
Mauro Campagnoni Alves
A partir de: BRUNER, Frederick. Teologia do Espírito Santo. São Paulo: Vida Nova, 1983.
Apresentação
O presente artigo se propõe a expor os argumentos de Frederick Bruner no que se
refere ao Espírito Santo. Em seu livro, Teologia do Espírito Santo, mais precisamente nos
capítulos VI e VII, Bruner analisa trechos do Novo Testamento em busca de respostas aos
questionamentos surgidos no diálogo com pentecostais. Ele faz uma confrontação das idéias
pentecostais com a posição bíblica neotestamentária, tirando suas conclusões e formulando
sua própria posição.
Especialmente no capítulo VII, Bruner se atém às cartas de Paulo aos coríntios,
ocupando-se em esmiuçar os pontos mais críticos da discussão entre aquela comunidade e o
apóstolo. Grande destaque é dado às diferentes significações de poder, em se tratando do
ambiente cristão.
O autor faz bastantes referências diretas à Bíblia, o que confere solidez ao escrito.
Além disso, ele se ocupa grandemente com a análise gramatical de trechos bíblicos,
conseguindo extrair informações mais precisas e que geram asserções mais diretas, objetivas e
claras.
Por fim, faremos uma pequena avaliação e resumo do escrito de Frederick Bruner,
buscando tornar ainda mais claros os pontos de vista e a argumentação de Bruner, ressaltando
as descobertas e redescobertas do autor para a vivência da igreja na atualidade.
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1 O caminho do Espírito Santo de acordo com o Novo Testamento, e as conseqüências
para a Doutrina Pentecostal: um panorama sistemático.
1.1 A condição do Espírito: a obra de Cristo – a libertação da lei
1.1.1 A doutrina do Novo Testamento
O autor Frederick Bruner se ocupa, inicialmente, com a questão da condição para que
o ser humano receba o Espírito Santo de Deus. O Novo Testamento, na verdade, apresenta a
realidade de tal forma que precisa haver alguma mudança, a fim de que as pessoas possam
receber o Espírito Santo.
A partir de várias passagens do Evangelho de João, como Jo 7.37-39, chega-se à
conclusão de que a condição mais anterior e indispensável para que o Espírito Santo seja dado
é a própria obra de Cristo.
Mas a pergunta pela condição para receber o Espírito Santo pode sugerir que o ser
humano tenha tarefas a cumprir para que isto se realize. Vem à tona a discussão sobre as
obras da lei e sua eficácia. O que se pode fazer para que o ser humano se relacione com Deus?
O apóstolo Paulo leva em consideração dois caminhos auto-excludentes: o caminho da lei e o
caminho do evangelho. Em Gl 3.13, Paulo assevera que se a lei for cumprida até seu último
preceito, a pessoa obtém a vida por isso. Mas o mesmo apóstolo entende que quem faz uso
deste caminho se torna maldito, porque despreza a obra de Cristo.
A luta de Paulo na carta aos Gálatas se travava contra o pensamento de que era
necessário o cumprimento de várias leis para que finalmente se alcançasse a completude da
salvação. Desde já se percebe que os problemas referentes às condições impostas para o
recebimento do Espírito partem de um desejo, oculto ou aparente, por mais, por algo que seja
plenamente espiritual.
Se alguém toma a via da lei para estabelecer relacionamento com Deus e obter o seu
Espírito Santo, traça um caminho próprio, que vai da pessoa em direção a Deus. O Espírito
Santo faz justamente o caminho inverso. É ele que vem, não em uma experiência posterior ao
recebimento de Jesus Cristo pela graça de Deus, mas em Jesus.
O autor frisa que o caminho da lei é caminho de desprezo para com a obra de Cristo,
pois esta precisa ser tomada como totalmente suficiente para a pessoa que crê em Deus. Sendo
assim, a lei é o caminho traçado desde o ser humano até o Espírito Santo; o evangelho, por
sua vez, é o caminho do próprio Espírito até o ser humano. A direção nomista, pela lei, conta
com as forças do ser humano, e a direção evangélica se apóia no solus Christus. Na verdade,
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são as formulações espiritualistas que contam com um determinado cumprimento para que
haja libertação. O crente em Cristo tem esta lógica invertida. É a partir da libertação que passa
a existir verdadeiro cumprimento. Vemos, então, quão próximos estão o legalismo e o
espiritualismo.
Desde muito tempo é possível observar grupos nos quais se entendeu o evangelho
como sendo mais um conjunto de leis para se alcançar Deus. Os montanistas são um exemplo.
Na época da Reforma Protestante, Lutero precisou advertir o grupo de Karlstadt no sentido de
que estes deveriam ensinar como o Espírito Santo chega às pessoas, e não como estas
deveriam chegar ao Espírito.
Uma purificação a partir do cumprimento da lei não é possível, porque na prática,
como testemunha 1Co 15.56, a lei não permanece como freio do pecado, mas se torna ocasião
para o mesmo.
Diante desta impossibilidade, o evangelho não propõe que a lei seja descumprida. O
evangelho reconhece que a lei precisa ser cumprida, mas dá conta de que é na cruz de Cristo
que isto se concretiza. O peso não recai mais sobre o ser humano, mas sobre a cruz. Assim o
evangelho é evangelho da justiça, porque não cobra mais uma tarefa desumana das pessoas.
Ele dá lugar à fé, e “a fé deixa Deus ser Deus” e “deixa os homens serem homens [sic!]” (p.
183). A Deus é dada toda a glória e atribuída toda a obra referente à salvação, enquanto que
do ser humano não é mais pedido algo de cumprimento impossível.
O Espírito Santo, desta forma, não é aquilo que deve ser alcançado por meio de
práticas de melhoramento moral, mas é o ponto de partida para que as transformações possam
acontecer na pessoa que crê em Cristo. Nisto vemos que as exigências de algumas doutrinas
para que se receba plenamente a presença de Deus tem bom fundamento, mas a localização de
seu centro está totalmente errada quando este não é o próprio Cristo.
1.1.2 As conseqüências para a doutrina pentecostal do pecado
Bruner relata que no pentecostalismo o crente é convocado a realizar tudo o que
estiver ao seu alcance para retirar todo o pecado de sua vida, a fim de se tornar morada do
Espírito Santo. Conclui, então, que o crente pentecostal precisa merecer o Espírito. Mas o
testemunho bíblico anuncia que são justamente aqueles que não possuem potência alguma em
si que são considerados, por Deus, como dignos do recebimento do Espírito Santo.
Se são aqueles que não têm pecado que podem receber o Espírito Santo de Deus, que
vem em Jesus Cristo, a ordem dos fatos que é trazida por Jesus fica invertida. Já não são mais
os doentes que precisam de médico, mas os sãos é que recebem a sua visita. No entanto, é
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impossível haver libertação do pecado se não for pelo poder do Espírito Santo no crente (Rm
8.2-4). Não há possibilidade de cura sem ser pelas mãos do médico, que é Cristo.
Por detrás do pensamento pentecostal de que é preciso que o crente elimine tudo
aquilo que conhece por pecado a fim de receber o Espírito está uma contraposição das
afirmações “Cristo por nós” e “Cristo em nós”. Esta última é entendida como algo mais
superior ou profundo do que o “Cristo por nós”. O texto de Colossenses 1.27 é usado para a
argumentação neste sentido. Quando Cristo é por nós, temos o perdão dos pecados, o que não
é o bastante. Para que a vida seja verdadeiramente celestial, plena do poder do Espírito Santo,
Cristo precisa ser “em nós”.
Entende-se, por isso, o motivo da busca por mais uma experiência de fé, além do
batismo. O perdão dos pecados, por Cristo, já não é suficiente. Fica então necessário que se
estabeleça um plano de ações de obediência superior para que Cristo esteja plenamente no
crente.
Bruner se coloca no oposto diametral com sua argumentação de base bíblico-luterana.
“A fé é aquilo que recebe a Cristo. Onde houver a fé em Cristo, ali está Cristo pela fé. Este
fato é simplesmente o evangelho. Além disso, ‘Cristo em nós’ não é uma forma superior e
melhor de ‘Cristo por nós’. (...) Onde Cristo é por nós, também está em nós” (p. 185). Este
trecho sintetiza brilhantemente a contra-argumentação ao pensamento pentecostal da “vida
vitoriosa”. O autor entende que este tipo de argüição traz o ensino da lei sob a aparência do
ensino de “Cristo em nós”. Novamente a atitude de gratidão do crente, é trocada por uma
atitude de servilidade. O foco não é os outros, mas é o próprio crente.
O problema da busca por algo que seja mais espiritual começa no momento em que o
perdão dos pecados passa a ser considerado algo incompleto, algo que é apenas parte do que
Deus tem para o cristão. Ter o perdão, que nos torna filhos de Deus, como parte e não como o
dom completo de Deus para nós, torna-se o ponto de partida para o desejo pentecostal
constante por mais.
Toda esta distinção entre mais espiritual e menos espiritual faz com o pentecostal
chegue a afirmar: “Como pecadores aceitamos a Cristo; como santos, aceitamos o Espírito
Santo”. Bruner vê aí um grande problema, pois está sugerido, com a frase acima, que o
Espírito Santo só pode estar presente em uma classe superior de humanos, cumpridores de
preceitos mais altos. Da pessoa que crê é exigido que se purifique de todo o pecado antes de
receber e para que receba o Espírito. O curioso é que a necessidade que a pessoa tem do
Espírito Santo é justamente no sentido de que este remove o pecado e a torna justa e santa. Se
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é preciso que o pecado seja eliminado para a vinda do Espírito Santo, com que finalidade ele
vem? Esta é uma pergunta que o autor deixa para o pentecostalismo.
Ainda outros questionamentos surgem sobre a necessidade do perdão de Deus, se para
que o Espírito de Deus venha sobre o que crê em Cristo é necessário que não haja mais
nenhum pecado. Na verdade, se a pessoa, por si só, entende que não tem mais pecado, neste
ponto é de se pensar que sua consciência do pecado já está tão endurecida pelo próprio pecado
que a engana facilmente.
Mostra-se necessário que o pentecostalismo perceba que suas condições para o
recebimento do Espírito Santo são justamente o que o Novo Testamento entende por lei. Se é
pela lei, já não é por Cristo; então “morreu Cristo em vão” (Gl 2.21).
1.2 Os meios do Espírito
1.2.1 A mensagem da fé
De modo resumido, Bruner apresenta o meio do Espírito Santo como sendo a
mensagem da obra de Cristo; obra de Cristo esta que é a condição do Espírito. E para
demonstrar o que está sendo afirmado, o autor se ocupa dos textos de Gl 3.1-5 e Rm 10.16-17.
Vê-se que entre os gálatas começava a se levantar o pensamento de que havia mais do
evangelho para ser vivido. Paulo houvera trazido somente a iniciação. No entanto os gálatas
estavam recebendo o evangelho completo, que lhes daria a plenitude do Espírito. Permanecia
que a fé, pregada por Paulo, era o importante primeiro passo. Mas algo superior era esperado
por aqueles que obedeciam de forma mais perfeita. Pensava-se que Deus daria a completude
de seu Espírito para quem se dedicasse de modo superior.
A posição que Paulo toma diante dos eventos ocorridos entre os gálatas é claramente
observada em Gl 3.3. O que de mais importante poderia ter acontecido na vida deles, a
salvação pela fé, havia lhes sido dado sem a ajuda deles. Mesmo assim, pensavam que de
alguma maneira poderiam completar esta obra grandiosa com feitos de suas próprias mãos.
Paulo vê a verdadeira proporção do erro gálata porque compreende que a mensagem da fé não
é mero início, mas constitui-se também nos meios para uma vivência cristã.
Aos gálatas estava sendo ensinado que a fé era importante para o ser cristão, mas uma
obediência mais completa era necessária para que Deus pudesse dar do seu Espírito de modo
mais completo. Era exigida “uma obediência além da mera fé” (p. 188). O problema de uma
obediência além da fé é que ela é forçada e voltada para a própria pessoa, ao invés de ser uma
obediência nutrida pela fé e voltada para o próximo.
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Bruner mostra que esta diferenciação entre mensagens acontece hoje, no meio
pentecostal, assim como acontecia entre os gálatas. É perceptível, em alguns meios, que
somente pessoas identificadas com o pentecostalismo são capazes de transmitir o evangelho
completo, com o qual é possível receber o dom da plenitude do Espírito Santo. Pentecostais e
ramos do evangelicalismo entendem que é preciso buscar mais do Espírito Santo por meio de
passos e condições, para que se alcance uma vida cristã mais profunda e plena.
Revela-se um paradoxo o fato de que justamente aqueles que se dizem evangélicos
propõem que o próprio evangelho não é o bastante para que alguém tenha uma vida realmente
cristã. Já em Paulo se percebe posição contrária, pois, para ele, a mensagem do evangelho
aceita em fé é o único elemento necessário e suficiente para que alguém viva uma vida cristã.
A mensagem da fé é o ponto de partida e o meio pelo qual Deus dá o seu Espírito de
maneira permanente àquele que crê. Assim, é verdade que os cristãos têm o Espírito Santo de
modo completo, já que todo o dom de Deus é dado quando somos incorporados em Cristo.
Além disso, quem crê não precisa e não deve buscar meios de obter mais de Deus, porque
temos a completude da bênção espiritual de Deus em Cristo. Disso dá testemunho o texto de
Ef 1.3: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com
toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo”.
Frederick Bruner se dedica a firmar sua argumentação, de que em Cristo recebemos
tudo o que Deus tem para nos dar, no fato de que em Jesus está a plenitude da Divindade. Se
Deus está completamente no Cristo, que foi crucificado e morto, não há como pensar outra
coisa senão que em Cristo temos Deus em nós de maneira plena, e não dividida. O cristão está
completamente com Cristo porque este se apropriou daquele, e não o contrário. Desse modo,
o cristão não precisa fazer algo mais para que tenha em si a plenitude do Espírito: o próprio
Cristo é quem providencia isso, sendo ele mesmo a plenitude de Deus.
Assim como os gálatas, o pentecostalismo insiste em localizar a plenitude do Espírito
em algum lugar separado da iniciação em Cristo. Eis, então, o seu maior erro, já que não
podemos separar o Cristo do Espírito Santo de Deus.
1.2.2 O ouvir da fé
A mensagem da fé em Cristo, que é mensagem-ouvida da fé, traz um importante
diferencial em relação a outras mensagens. Ela é mensagem que em si mesma traz e oferece
exatamente aquilo que exige: a fé. A partir de Rm 1.17 vemos que Deus dá de sua plenitude
por causa da fé, o que se torna em negação ao nosso merecimento. Sendo assim, o que
fazemos para obter o dom de Deus, a sua graça, automaticamente se anula, pois não é por
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obras que isto acontece, mas por fé. Só há uma coisa “que a fé não pode ser: uma obra” (p.
193). Aqui se apresenta a diferença entre fé cristã e não cristã: aquela parte do evangelho para
a pessoa que a recebe; esta parte da pessoa para Deus, caracterizando-se como uma obra do
esforço da própria pessoa.
Novamente se mostra importante a citação do caso dos gálatas. Ali, o que estava sendo
pregado não era uma negação à fé ou à sua importância para o início da vida cristã, mas isto
não era tido como suficiente para a justiça diante de Deus, sendo que uma obediência superior
deveria ser exercida, com vistas ao recebimento de mais (cf. Gl 3.1-14). Fé e obediência eram
alocadas lado a lado. No entanto, isso faz com que a suficiência da fé seja colocada em xeque.
Um questionamento sobre a direção moral que se pode extrair de uma mensagem que
transfere tão enfaticamente as exigências de sobre as pessoas para Deus se torna inevitável.
Paulo, contudo, deixa claro em textos como Gl 2.20 (“já não sou em quem vive, mas Cristo
vive em mim”) que Cristo é tudo o que o crente precisa para ter alinho moral. Desse modo,
“Paulo não é antinominiano, é antinomista” (p. 193).
Bruner expõe que o pentecostalismo faz certa confusão entre os significados de fé e
obras. A fé fica sendo uma obra quando é vista como uma ação da pessoa em direção à oferta
de Deus. Conforme o testemunho bíblico, o Espírito Santo nos é dado, mas o pentecostalismo
afirma que o Espírito nos é ofertado, e a fé se torna o preço que a pessoa deve pagar pelo dom
de Deus. Vemos aí, que a confusão entre fé e obras do pentecostalismo revela a sua confusão
no que concerne à graça. Segundo o Novo Testamento, as obras não são aquilo que, se bem
praticadas, levam à fé. A fé é o ponto de partida para toda boa obra. Se não é assim, a graça
não tem mais sentido, pois pagamos pelo dom que Deus queria nos dar gratuitamente. Já os
reformadores ressaltavam que a fé em Cristo é a impulsão suficiente para toda boa obra.
Há uma linha de argumentação pentecostal que explica que temos fé em relação a
Cristo, para a salvação, e fé em relação ao Espírito Santo, para a santificação. O autor enxerga
neste ponto a doutrina da salvação pelas fés. Novamente a fé não é o bastante. É necessário
mais um passo. O que está por trás de tanta insistência em exigir condições é a negação
pentecostal de que fé e obras sejam caminhos diferentes para o dom de Deus. Ademais, onde
fica o sola fide se é possível aceitar uma doutrina das fés? Se é suficiente a obra de Cristo para
nossa salvação, então não é necessário que desenvolvamos uma fé diferente, para algo
considerado superior.
O fato de o pentecostalismo considerar a fé como um “apropriar-se”, faz daquela uma
obra, mais uma vez. Isto porque apropriar-se se refere a um ato de tomar algo como
propriedade, e não a receber algo. Se a fé é entendida desse modo, seu significado não é mais
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compatível com o que o Novo Testamento nos apresenta por fé. A fé torna-se, assim, uma
“obra devota” a Deus, e não é mais um receber a graça de Deus.
A fé testemunhada pelo Novo Testamento é aquela que aceita que Deus já fez todo o
necessário e que ele se dá a nós por graça. Esta definição descarta um entendimento de fé no
sentido de um esforço humano (ou sobre-humano?) para uma apropriação de algo superior. O
pentecostalismo chama as pessoas a buscar o absoluto em seu próprio coração, o que não é
possível. Nega-se à fé a sua própria simplicidade, e a graça é colocada de lado. Este
entendimento sobre a fé não pode ser considerado evangélico, pois, como pergunta Bruner:
“Quando alguém sabe que creu de modo absoluto? (...) Qual ser mortal pode praticar o
absoluto?” (p. 198).
O autor aponta para o texto bíblico de João 7.37-39, a fim de demonstrar que em
Cristo temos o Espírito Santo. A busca pentecostal pelo Espírito Santo é a busca pelo poder
de Deus. Mas se Cristo afirma que “quem crê em mim, do seu interior fluirão rios de água
viva”, a fé nele não pode, de maneira nenhuma, ser considerada uma fraca iniciação. Em
Cristo temos “rios”, e não poucas gotas do dom de Deus. E isto não depende da disposição do
crente para receber, mas da disposição de Deus para fazer fluir.
A partir do texto de João 4, Bruner afirma que o crente não deve buscar experiências
espirituais além da água que Cristo oferece. O beber, uma só vez, deve ser o suficiente, não
desprezando o poder de Cristo de forma nenhuma. A busca incessante por mais, por parte dos
pentecostais, fica sem sentido. O único mais a ser buscado pelo crente deve se a ação por
causa da gratidão. Só assim, tudo o que Cristo já conseguiu por nós é considerado e não
precisa de complementos de nossa parte.
1.2.3 A água do batismo
A argumentação luterana acerca do batismo, trazida por Bruner, privilegia a base
bíblica, sustentando suas afirmações com a citação de vários textos da Escritura. Assim, ele
assevera que, no batismo, Deus nos é dado inteiramente, e não apenas em uma parcela. Ali,
Cristo nos é dado, e nele recebemos justificação, santificação e o Espírito Santo. O batismo é
a evidência do Espírito, e a partir daí o crente faz parte da igreja, que é o corpo de Cristo (cf.
1Co 1.30; 6.11).
Em João 3.5 seria possível achar algo para apoiar a tese de que existam dois batismos
diferentes. O autor explica, no entanto, que se esse fosse o caso, o texto seria diferente. Em
grego, a passagem diz algo como: “quem não nascer de água e Espírito”, aparecendo uma
vez a partícula “ex”, de genitivo. Deveria constar duas vezes essa mesma partícula se aqui se
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tratasse de dois eventos diferentes, o que não é o caso. Permanece que não há dois batismos.
Assim, confirma-se que há um só novo nascimento, no único batismo.
O Espírito Santo é o agente da salvação, no batismo. Dele é que depende a sua própria
vinda, e não de determinações humanas. E quando ele se dá a nós, o faz de maneira completa.
Se assim não fosse, ele operaria o batismo, num primeiro momento, então se ausentaria e
esperaria um momento mais puro do cristão para daí tomar conta de sua vida. Um pensamento
assim não é compatível com o evangelho e não considera a ação completa de Deus em um
único evento. O batismo, que é sinal visível, é certeza de que Deus opera sua obra salvífica,
de modo completo, na vida do crente em Cristo. O fato de que é Deus que opera, e isso é
graça, faz com que a promessa de Deus possa alcançar a todos, e todos possam receber.
O pentecostalismo, no entanto, entende que o batismo é lugar de atuação do crente em
relação a Deus. E, mais uma vez, existe a tentativa de dar a Deus exatamente aquilo que ele
gostaria de dar, gratuitamente. Nisso, admite a forçosa possibilidade de que existam cristãos
que não receberam o Espírito Santo. Além disso, exige-se do crente a purificação (que é a
obra de santificação do Espírito) a fim de que se receba o batismo no Espírito Santo. O
caminho do evangelho é justamente para o outro lado, e Bruner demonstra de maneira
enfática e precisa: “O fardo do pecado é levado embora e a condição da justiça é cumprida
pela obra histórica de Cristo; o dom deste cumprimento é transmitido ao crente na mensagem
evangélica da fé em Cristo; o ouvir da fé é capacitado por esta mensagem; o batismo é dado; o
crente chegou em casa” (p. 204).
Ao contrário do que ensina o pentecostalismo, o batismo não é o alvo do crente, mas é
o ponto de partida para a ação cristã. A vida espiritual à qual somos chamados em Cristo
precisa ser baseada no único batismo, e não ser exigida para que se consiga um batismo
especial ou superior.
Em face ao quase descaso que o pentecostalismo tem quanto ao batismo com água, já
que o considera incompleto e necessitado de segunda experiência, Bruner coloca toda a ênfase
no acontecimento do batismo, reforçando sua relevância, suficiência e exclusividade. Aponta
para o fato de que o Novo Testamento traz o batismo como o lugar no qual Deus nos dá e
aplica todo seu dom. Se o batismo não é entendido assim, em sua suficiência, para o autor é
compreensível que os pentecostais sintam a necessidade de experiência complementar. Mas o
batismo é onde Deus realmente identifica o crente com Cristo.
O pentecostal tira o foco da ação de Deus, no batismo, e o coloca sobre os méritos da
pessoa batizada. Isso enfraquece o próprio batismo. Por sua vez, um batismo enfraquecido,
esvaziado, precisa de complemento. O batismo no Espírito Santo é esse complemento, e,
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assim como no batismo com água, a vinda do Espírito precisa ser evidenciada com um sinal
visível: o falar em línguas. Vê-se que onde é tirada a profundidade do batismo verdadeiro,
bíblico, os elementos dessa profundidade têm de aparecer em outras oportunidades.
Mesmo com tudo isto, pode-se dizer que as condições que o pentecostalismo coloca
para os cristãos não são de todo descartáveis. O engano está no fato de se colocar essas
condições antes da graça. Ao contrário, a graça é que deve ser o ponto de partida para a
transformação da vida do crente. Quando as tarefas vêm primeiro, a fim de, por elas, se
conseguir a graça de Deus, o máximo que pode ser alcançado é a glorificação da própria
pessoa, e não de Deus. Dessa forma satisfaz-se à carne ao invés de satisfazer a Deus. Para que
a vitória na guerra do crente contra a carne não seja vencida por esta, a glória precisa ser
sempre de Deus, e a graça de Deus deve ser a base de toda ação.
1.3 A evidência do Espírito: a fé cristã
1.3.1 A doutrina neotestamentária
Dá-se ênfase, nesta parte do texto, à tarefa do Espírito Santo de Deus, que é consoante
à única grande obra salvadora de Deus. E essa obra salvadora só poderia ter seu centro
firmado em Jesus Cristo. Logo, o objetivo principal do Espírito Santo é indicar Cristo, com o
fim de que as pessoas creiam em Deus, o Pai.
O autor Frederick Bruner chama a atenção para a evidência clássica do Espírito Santo,
que é o próprio Cristo. E com base em Rm 8.15-17, é possível verificar que o Espírito Santo
faz com que possamos dizer “Aba, Pai!”, como filhos de Deus. A primeira evidência
verificável do Espírito, portanto, é a oração, já que somente por ele é possível que nos
dirijamos ao Pai em oração.
Continuando no pensamento de Paulo, Bruner observa que o apóstolo vê o Espírito
Santo em íntima ligação com o Pai e com o Filho. Isso para demonstrar que o Espírito não é
desconectado do Pai e do Filho. Para Bruner, Paulo tinha total consciência da Trindade e fazia
questão de mostrar isto em seus ensinamentos. O apóstolo também reforça a idéia de que o
Espírito Santo é outorgado ao cristão de forma completa e de uma vez por todas, como vemos
em Rm 5.5. O “foi outorgado” mostra que o que Deus fez é completo, dando aos cristãos a
justificação e o conhecimento desta aceitação.
O Espírito Santo, como aquele que é a garantia de que somos amados e aceitos por
Deus, não se ausenta dos cristãos após ter apresentado o amor de Cristo para voltar em um
momento de maior pureza da pessoa que creu. Eis a tarefa do Espírito: permanecer no crente
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para dar a certeza de que Deus o ama. É assim, dando o entendimento sobre a graça de Deus,
que o Espírito Santo cumpre o seu papel. Por isso podemos ver que a obra do Espírito sempre
está voltada para fora dele mesmo, sendo que o alvo da obra do Espírito não é o próprio
Espírito, mas a graça de Deus.
Tendo visto a primeira evidência do Espírito Santo na vida do cristão, a oração,
passamos agora à evidência pública do Espírito, segundo 1Co 12.2 e 1Jo 4.3. A confissão e o
testemunho de que Jesus Cristo veio em carne compõem a evidência ressaltada por Bruner.
Temos, assim, duas evidências do Espírito: a oração e a confissão de Jesus, como Deus e
homem. Com isto, Bruner descarta qualquer evidência do Espírito que seja sobre-humana.
Este tipo de evidência seria própria de círculos gnósticos. Cristãos confessam Cristo que veio
em carne, e a evidência de seu Espírito deve estar no natural.
O Espírito Santo é aquele que suscita, no cristão, a fé para esperar um futuro especial
das mãos de Deus. Nele, o crente não espera um fim calamitoso, mas um fim no qual Deus vai
transformar todas as coisas. Assim, a obra de Deus por nós não fica presa no passado, mas
está presente em todo tempo na vivência do evangelho. O Novo Testamento não dá conta de
uma expectativa pelo Espírito Santo. Mas o Espírito é o meio de toda a esperança na vida do
cristão.
No que se refere à carne, ou melhor, à luta do cristão contra a carne, o Espírito Santo é
aquele que fornece a energia necessária para que a carne seja mortificada. A fé é esta energia.
O Espírito é santificador, e faz esta obra no crente para que este sofra cada vez menos com
suas más inclinações. Vemos aqui que a evidência do Espírito passa por elementos de
melhoramento ético muito mais de que por experiências de êxtase.
Levando em consideração que a mensagem do evangelho sempre remete ao outro,
quando se fala no Espírito Santo não poderia ser diferente. Uma busca pelo Espírito em si tem
como objetivo último a própria pessoa. Não é assim com a busca do serviço ao próximo, no
qual o beneficiado é o outro. Além disso, uma busca pela posse do divino leva à divisão dos
cristãos em dois grupos. Um grupo seria o dos superiores espiritualmente, já que possuem o
Espírito. O outro grupo seria o dos cristãos nominais, uma vez que não tem todo o Espírito.
Confirma-se o que está escrito em 1Co 8.1: “o saber (a gnosis, a experiência espiritual)
ensoberbece, mas o amor edifica”.
A primeira carta de João constitui-se em um enfrentamento aos gnósticos que se
infiltraram na comunidade destinatária. A partir da carta é possível perceber que o grande
engano gnóstico, no que concerne à ética, é o voltar-se para si mesmo, ao invés de voltar-se
para o irmão. Para João, esta troca de foco é característica do anticristo. Com isso, Bruner
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expõe mais um argumento contrário à ênfase nas experiências e evidências espirituais
sobrenaturais.
Em João 14.15-16 encontramos algo que poderia ser entendido como uma condição
para o recebimento do Espírito a ser cumprida pelos cristãos. O autor logo explica, no entanto,
que a chamada ao amor, em João, é a chamada à própria fé. Coloca também que em nenhuma
lista de condições do pentecostalismo para a vinda do Espírito o amor é um dos itens. Todos
os aspectos exigidos com esse fim podem ser realizados no quarto da pessoa que almeja o
Espírito, sem contato com outros. A convocação à dedicação ao próximo feita pelo evangelho
é, neste caso, colocada de lado.
Bruner se coloca contrário a aspectos da doutrina pentecostal que aludem a
experiências posteriores e mais profundas do que o recebimento da graça em Jesus Cristo.
Afirma que o Espírito é aquele que conduz as pessoas a Cristo. Deste modo, desde que Cristo
está na vida da pessoa, o Espírito Santo também está; não como um substituto daquele, mas
como aquele que dá continuidade à sua obra. A obra do Espírito é apontar para Cristo e
glorificá-lo; não é objetivo do Espírito Santo levar as pessoas a algum lugar além de Jesus.
1.3.2 As conseqüências para a doutrina pentecostal da evidência inicial
Neste ponto o autor chega a conclusões contundentes acerca do pentecostalismo. Visto
que as evidências do Espírito procuradas pelos pentecostais não são as mesmas que o Novo
Testamento propõe, o distanciamento entre aqueles e este vai se tornando perceptível. Quando
o pentecostalismo faz exigências além da fé em Cristo, se aproxima dos grupos dos primeiros
séculos aos quais Paulo anunciou o anátema. Para Bruner, esta é a situação dos pentecostais, à
semelhança daqueles que confundiam os gálatas.
Os pentecostais substituem as evidências do Espírito apresentadas pelo Novo
Testamento, que são a oração e a confissão, pela evidência do falar em línguas. Todas essas
evidências são faladas, mas aquelas declaradamente edificam a igreja, enquanto que esta
edifica somente aquele que fala. Além disto, quando são colocadas condições para que se
alcance um estado mais alto espiritualmente, se estabelece um outro caminho para o Espírito,
que não é o evangelho. E o Novo Testamento, conforme João 10.1, não aceita outro caminho.
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2 Huper: os problemas espirituais relevantes em Corinto
2.1 1Coríntios 12-14: A esfera do Espírito é o corpo de Cristo
2.1.1 1Coríntios 12: A obra do Espírito – charismata
Dedicando-se à análise da primeira carta de Paulo para os coríntios, mais precisamente
aos capítulos 12 a 14, Bruner observa os problemas daquela comunidade surgidos a partir de
distorções da doutrina cristã e tenta apresentar definições positivas acerca das questões
espirituais. Dúvidas quanto a estas questões surgem a todo momento e em qualquer âmbito.
Por isso, Bruner pretende, aqui, examinar profundamente estes capítulos bíblicos e
proporcionar maior clareza quanto a este assunto.
A grande questão surgida entre os coríntios e apresentada a Paulo parece ter sido no
sentido de o que pode ser considerado verdadeiramente espiritual. Ou melhor, quem pode ser
considerado espiritual. Paulo, no entanto, sabia que fazia parte das experiências dos coríntios
anteriores ao tornarem-se cristãos os arrebatamentos e as sensações de dominação por forças
espirituais. Baseado em 1Co 12.2, Bruner enfatiza que esses elementos não fazem parte de
maneira nenhuma da prática cristã, mas da religião que os coríntios tinham antes. Assim, o
que o Espírito Santo faz com os cristãos não é uma dominação que os deixa irracionais, mas
ele faz o seu trabalho no crente de modo inteligente e que coloca Cristo no centro de tudo. É o
que o autor chama de “modo mental” de compreensão do Espírito.
Chama a atenção que Paulo começa este trecho de sua carta usando o termo
pneumatika e mais tarde passa a fazer uso da palavra charismata. Ele estabelece a conexão
direta entre as coisas espirituais e a graça de Deus. Desta maneira ele mostra como o Espírito
dá testemunho do Cristo que veio em carne, foi crucificado, foi ressuscitado e está em nosso
meio a todo momento, atuando por meio dos dons, que são dados de graça aos cristãos e que
são destinados ao serviço de edificação da igreja. Aqui se observa que a obra do Espírito está
intimamente ligada à obra de Cristo. Primeiro, o Espírito é aquele que testemunha que Jesus é
o Senhor (1Co 12.3). Depois, o Espírito é quem providencia para que possamos atuar na
edificação da igreja, por meio dos dons. A partir disso, Bruner afirma que “o Espírito é o
Senhor operando” (p. 229). Porém esta frase suscita uma dúvida: Bruner terá reduzido o
Espírito Santo a um sub-elemento da Trindade? Com a finalidade de evidenciar a ligação das
pessoas da Trindade, ele eliminou as propriedades de cada pessoa dentro da Trindade? Este é
um risco que se corre ao argumentar desta forma. Bruner não despreza de maneira nenhuma e
Trindade nem o Espírito Santo. Por outro lado, sua luta para expor o trabalho do Espírito
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juntamente com o trabalho do Pai e do Filho deixa, por vezes, o Espírito não só em uma
condição velada, mas o transforma em mais um instrumento nas mãos de Deus.
Quanto aos dons do Espírito, Bruner entende que Paulo os têm como unicamente para
a edificação de todos. Os dons podem ser chamados assim enquanto estão a serviço da
comunidade. Dessa maneira, os dons não são para a pessoa que os têm, mas para o conjunto
dos cristãos. Mais do que isto, do versículo 11 pode-se concluir que os dons são dados
continuamente, a todo e qualquer cristão, conforme a vontade do Espírito Santo.
Desde o versículo 12, Paulo menciona o corpo humano como exemplo para a
complexidade das relações entre elementos diferentes aos quais se propõe que realizem
trabalho em conjunto. Bruner observa que este é o versículo no qual Paulo chega mais perto
de falar em “batismo no Espírito Santo”. Mesmo assim, nem em Paulo, nem em qualquer
outro lugar do Novo Testamento, pode-se encontrar exatamente esta expressão. Ademais, o
versículo 13 salienta a uniformidade como as pessoas são aproximadas de Cristo, não dando
espaço para a propagação de um evento que separe os cristãos entre superiores e inferiores.
Permanece a tentativa de Paulo em firmar a união de todos os que são de Cristo.
O autor mostra como o batismo é importante para a unidade dos cristãos, pois dele
todos participamos sem mérito nenhum de nossa parte. É no batismo que somos feitos parte
do corpo de Cristo. E já que não existem dois corpos de Cristo, não é admissível que se pense
haver estados superiores ao do cristão, simplesmente. Há um corpo e uma maneira de fazer
parte desse corpo. Sendo que no batismo, o Espírito Santo nos é dado, pois Deus não está
dividido, nem se dá em parcelas.
Paulo dá muita ênfase à união do corpo de Cristo, lembrando aos coríntios o modo
como foram introduzidos a este corpo. Todos foram batizados com o mesmo e único batismo,
e são, portanto, como um só. Disso decorre que não deveriam disputar entre si, mas cuidar uns
dos outros em amor, sabendo que Deus os colocou cada um em seu lugar de trabalho, como
acontece no corpo humano.
2.1.2 1 Coríntios 13: O modo do Espírito – agape
O capítulo 13 figura como uma demonstração do que deve ser a base da vida dos
cristãos, a partir das graças de que se falou no capítulo anterior. Os dons citados no capítulo
12 precisam ser vivenciados com o amor, que é próprio de Cristo.
Na visão de Bruner, o que Paulo pretendia era que a vida em comunidade não fosse
tomada pela emoção, mas que essa fosse domada, sendo essa uma característica do amor
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cristão. A paciência precisa tomar conta dos cristãos, e dons como de sabedoria e de
conhecimento devem ser especialmente prezados.
O amor é o que faz com que os dons espirituais sejam realmente exercidos de modo
cristão. O que se busca não são os interesses próprios, mas as necessidades dos outros, e isso
por causa do amor de Cristo nos cristãos. Tenta-se mostrar que a busca do crente não deve ser
por coisas superiores, que o distancie dos outros, mas pela humildade, na qual é possível o
serviço e a doação.
2.1.3 1 Coríntios 14: O alvo do Espírito – oikodome
O capítulo 14 também reflete, na visão de Frederick Bruner, uma contraposição de
aspectos extraordinários e aspectos ordinários da vida de fé. Entre os coríntios, o sobrenatural
ganhava destaque. Por isso, é compreensível que o dom de línguas tivesse mais projeção do
que outros naquele círculo. O autor ressalta que quando se fala no dom de profecia, efetuando
uma tradução mais precisa, deveria se falar em dom de fala refletida. Este dom, de fala
refletida, é exaltado por Paulo, em detrimento do dom de línguas, que seria uma fala não
refletida e que não edifica tanto quanto a profecia, ou testemunho.
O apóstolo Paulo fez questão de promover o dom da fala refletida por causa da idéia
geral que tinha sobre os dons. Quanto mais um dom serve para edificar a igreja, mais
importante esse dom é. Tendo por experiência que o dom de línguas edificasse somente o
portador do dom, mesmo que fosse considerado superior pelos coríntios, ele não tinha tanto
valor para Paulo quanto o dom de profecia. Para ele, quem tem um dom, deve se preocupar
em colocá-lo a serviço do próximo, e não de si mesmo.
Ainda assim, o dom de línguas poderia edificar a igreja se as línguas fossem
interpretadas. Vê-se aí a real função do dom de línguas. É digno de destaque, no entanto, o
contraste feito por Paulo entre o dom de línguas e o testemunho refletido no versículo 19:
“prefiro falar na igreja cinco palavras com meu entendimento, para instruir outros, a falar dez
mil palavras em outra língua”.
Falando de testemunho da igreja e missão, e fazendo uso dos versículos 20 a 25,
Bruner mostra que o dom de línguas não contribui para a missão da igreja e endurece os
corações dos que não crêem. Ao contrário disso, a profecia, ou fala refletida, dá testemunho
claro da fé em Cristo e proporciona o arrependimento e a conversão daquele que antes não
seguia a Cristo.
A partir do que se viu nestes versículos, o autor propõe que haja uma transformação na
estrutura dos cultos na igreja hoje. No procedimento atual, a mensagem principal é trazida
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pelo oficiante. Não se segue a isso nenhuma resposta de parte da comunidade. Mas em 1Co
14 Paulo conclama à ordem no culto, onde muitos queriam falar. Disto vem a proposta de que
nos cultos, atualmente, seja introduzido um período de discussão do tema exposto pelo
oficiante. Bruner entende que isto seria muito mais dinâmico e menos cansativo do que outros
métodos para envolver a comunidade. Outrossim, ele faz uma dura crítica ao que se produz
em termos de música na igreja.
2.2 2 Coríntios 10-13: A esfera do Espírito é a fraqueza do crente
2.2.1 2 Coríntios 10
Na primeira carta aos coríntios, Paulo precisava se posicionar frente a um
questionamento referente ao verdadeiramente espiritual. Agora, na segunda carta, Paulo
precisa argumentar em favor do seu próprio apostolado, que é colocado em xeque. Os
coríntios tinham assimilado uma lógica na qual se entendia que se alguém é espiritual, é
também forte. Por conseguinte, se alguém é fraco, se deve ao fato de ser carnal. Assim, Paulo,
que não temia revelar suas fraquezas, começava a ser considerado não-espiritual.
Isso tudo não concordava com a mensagem de Paulo. O apóstolo queria mostrar aos
cristãos de Corinto que somente onde a nossa força não é mais o fator determinante é que se
pode reconhecer o poder de Deus. Frederick Bruner expõe o pensamento de Paulo em uma
fala fictícia do apóstolo:Se eu fosse pessoalmente impressionante ou assoberbante, se vocês me vissem cheiode poder, o que me tornaria dalgum modo diferente de qualquer outra personalidadepoderosa e impressionante no mundo? A situação é, porém, que vocês me vêem emtodas as minhas fraquezas, neste vaso de barro, mas é exatamente aqui que Deuspode ser Deus. Vocês podem saber que o poder na minha vida é o de Deus, porqueem mim mesmo vocês conseguem achar tão pouco poder. Da maneira que sou,vocês podem ter certeza de que o poder transcendente pertence a Deus e não a mim(p. 239).
Para Paulo, fica claro que o carnal é justamente aquilo que parece forte aos olhos
humanos e que por causa disso pode se orgulhar. Exemplo desta verdade é a ordem dos tido
como espirituais ao Cristo pregado, para que descesse da cruz e mostrasse poder. Mas a fé
cristã, que é evidência do Espírito, é aquela que possibilita acreditar mesmo que o poder não
seja visto.
Os espiritualistas coríntios prezavam o contato direto com Cristo, em detrimento do
contato indireto por meio dos irmãos. Por isso, se sentiam superiores aos outros e se
denominavam os “de Cristo”. A pregação de Paulo, no entanto, dá conta de que é necessário
que o cristão se torne inferior, para que Cristo seja exaltado. É ele que recomenda a quem
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quer, por causa do serviço, e não a própria pessoa que se recomenda, com base em sua
espiritualidade superior.
2.2.2 2 Coríntios 11: A busca de “mais” e o “solus Christus” de Paulo
O que Bruner vê de mais perigoso na comunidade dos coríntios é o seu desejo por
mais do que a simples e suficiente devoção a Cristo. Aqueles cristãos deveriam perceber que
Cristo é seu único esposo. Percebendo isso, não precisariam de “mais”, nem se deixariam
enganar por falsos mestres. Eva tinha sido enganada através de um desejo por mais, e Paulo
temia que a mesma coisa estivesse acontecendo com os cristãos de Corinto.
A partir da pregação destes falsos mestres passou-se a ver a mensagem de Paulo
apenas como introdutória, necessitada de complemento. Em contrapartida, a nova mensagem
trazida por eles era o evangelho mais completo. O fato é que se almejava pregar um Jesus que
era diferente do pregado por Paulo. Na nova mensagem, Jesus era visto muito mais como o
poderoso fazedor de milagres do que aquele que sofre e padece pelos seus – uma imagem de
fragilidade.
Desta linha de pensamento os coríntios cunharam uma pergunta capciosa sobre o
quanto Paulo teria do Espírito de Deus. Isso porque Paulo falava de suas fraquezas, e pregava
um evangelho simples. Para os coríntios, aquele que tinha muito do Espírito Santo deveria ser
forte e mostrar poder. Se Paulo estivesse mesmo cheio do Espírito, não deveria ser como era.
Por isso, com sua pregação, Paulo só fazia cristãos nominais, enquanto que os super-apóstolos
(cf. v.5) faziam cristãos “no Espírito”. Enquanto Paulo trazia uma parte do evangelho, aqueles
apóstolos superlativos traziam o evangelho completo e o Espírito de modo pleno.
Não são poucas as vezes que Bruner cita a palavra “mais” em relação aos coríntios e
suas aspirações neste trecho de seu texto. Quer chamar a atenção para o grande perigo que
existe nesta pequena palavra para a vivência cristã. É por causa desse “mais” que os apóstolos
superlativos de Corinto se orgulhavam. Porém, justamente por este motivo é que não se
encaixavam em um modelo superior de apóstolos, mas se excluíam de qualquer modelo de
mestre verdadeiramente cristão.
É notável que a comunidade coríntia se deixasse levar pelos ensinamentos diferentes
dos apóstolos superlativos. Quase não poderia ser diferente, se entendemos o quão fascinante
deveria ter sido o domínio (de cima para baixo, com autoridade forte) exercido por esses
mestres falsos. É o que acontece se alguém se eleva a si mesmo e convence aos outros que é
espiritualmente superior.
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Paulo reluta em entrar nesse jogo de influências e poderes. Ainda assim, mostra que
também tem experiências espirituais das quais poderia se orgulhar. Ele o faz de maneira muito
simples, sempre lembrando que o que está fazendo é uma loucura, em se tratando de um
cristão. A própria forma como ele realiza este relato dá a entender que as experiências
espirituais não precisam ser alardeadas, nem devem servir para exaltação daquele que as teve.
Logo depois de contar sobre suas experiências espirituais, Paulo segue fazendo
menção de seus desafios e problemas por causa do anúncio do evangelho, compondo um
estranho quadro de valorização das dificuldades. Por fim, Paulo considera mais proveitoso
relatar um fato tragicômico de seu trabalho de missão do que se gloriar em algo que o fizesse
parecer grande frente aos coríntios.
2.2.3 2 Coríntios 12: A busca pelo poder e a sola gratia de Paulo
Mesmo com todas as explicações do capítulo 11, a pergunta sobre as experiências
sobrenaturais de Paulo permanecia. O que interessava aos coríntios era saber se o apóstolo já
tivera revelações, ou visões, ou arrebatamentos. Na verdade, Paulo já havia experimentado
coisas que se pode considerar como sendo fora do comum. Não obstante, quando ele relata o
que aconteceu, não o faz para se comparar com os super-apóstolos, nem conta isto como uma
vantagem sobre ninguém. Ele até mesmo fala como se fosse de outra pessoa, não dele mesmo.
O autor Frederick Bruner destaca que o próprio fato de Paulo não ser nada específico
em seu relato de experiência sobrenatural, falando na terceira pessoa, pode ser considerado
uma reprovação das idéias vigentes na comunidade de Corinto. O apóstolo não diz se a
experiência foi no corpo ou fora do corpo, como teria interessado aos coríntios. Além disso,
Paulo se refere a um acontecimento passado há anos, o que permite concluir que não tinha
esse tipo de experiência constantemente.
Outro motivo que fazia os coríntios duvidarem da espiritualidade genuína de Paulo era
o seu “espinho na carne”. No entendimento deles, a partir da pregação dos apóstolos
superlativos, se alguém é espiritual, tem o poder do Espírito, e não sofre com nenhuma
fraqueza. Logo, se Paulo não conseguia se livrar daquele sofrimento, deveria procurar ser
mais espiritual. O apóstolo, no entanto, via a situação por outro prisma. Para ele, o poder do
cristão vem de Deus, e é no reconhecimento da nulidade efetiva de qualquer “força” humana
que o poder de Deus pode ser percebido. Isso para que ninguém pense assumir o lugar de
Deus, mas atribua todo o poder a ele. Bruner ainda observa que em toda esta discussão sobre
o poder, Paulo não se reporta ao Espírito. E isso com a intenção de transferir a atenção dos
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espiritualistas de Corinto para a obra do Espírito por excelência, que é a glorificação de
Cristo, na graça de Deus.
Ainda neste capítulo, Paulo argumenta que não deveria ser considerado menor do que
os apóstolos tidos como superiores. Mesmo que em seu argumento ele afirme não ser
poderoso, mas fraco ao extremo. E mostra como ainda existem pecados graves em meio
àquela comunidade, mesmo se considerando tão espirituais. Para o autor, é natural que surjam
os pecados citados no versículo 20 em um ambiente espiritualista, até porque podem
facilmente passar despercebidos para aqueles que os cometem, por sua sutileza.
2.2.4 2 Coríntios 13: A busca da evidência e a sola fides de Paulo
Os coríntios também buscavam em Paulo alguma evidência de que Cristo realmente
estivesse com ele. Bruner não se preocupa em descobrir qual seria esta evidência. Cita, apesar
disso, o falar em línguas, como experiência extática. O modo como o apóstolo Paulo iria
evidenciar que estava com Cristo era, ao contrário da expectativa dos cristãos de Corinto, por
meio de sua postura apostólica severa, desmascarando o pecado do qual eles não tinham se
arrependido.
Paulo começa, no versículo 5, a chamar os coríntios para um exame deles mesmos,
com base na verdadeira mensagem de Cristo. Para o autor, o apóstolo não admite nenhuma
outra evidência da presença de Cristo que não seja a fé. Só permanece na fé aquele que sabe
ser o Cristo o único alvo e o único digno de dedicação. Esta é a fé que consegue olhar para
fora de si mesmo.
Frederick Bruner conclui este trecho de seus escritos afirmando que nas cartas aos
coríntios pode-se encontrar uma espécie de gnosticismo e, até mesmo, de pentecostalismo, de
modo antecipado. Vê vários pontos de encontro entre estas duas correntes separadas pelo
tempo. Daí, percebe que os cuidados dos cristãos referentes aos gnósticos precisam ser
aplicados a alguns círculos do pentecostalismo. E faz uma crítica a idealização da igreja
primitiva feita também por estes círculos.
A partir do entendimento do evangelho com base em uma teologia da cruz, a igreja e o
pentecostalismo podem aprender a buscar nas suas fraquezas o poder de Cristo. Somente
desse modo se experimenta a plenitude do Espírito, buscada de maneira errada pela
pentecostalismo.
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Conclusões
A argumentação de Bruner, como vimos, é própria do âmbito luterano, com vasta base
bíblica e muita sobriedade no posicionamento. Vê-se que o pentecostalismo tem, realmente,
muitos pontos a reconsiderar, analisando suas práticas e sua hermenêutica bíblica.
É possível perceber, no entanto, traços culturais e até mesmo pessoais imiscuídos na
argumentação. Por vezes, alguém que seja latino-americano pode estranhar frases como a que
encontramos na p. 234: “a principal característica do amor cristão não [está] tanto na
expressão da emoção quanto na extensão dela, a ‘alongar’ literalmente a emoção no sentido
de domá-la”. Tenta-se apresentar um Paulo com características, por assim dizer, européias.
Isso trai um pouco o objetivo do texto. Além disso, não é difícil entender que Bruner se
posiciona pessoalmente contra o pentecostalismo, o que é verificável em várias partes do
texto. Há, inclusive, momentos em que o próprio Paulo parece estar relacionado diretamente
aos pentecostais de hoje: “Paulo não recebeu informações sobre como se chega além da mera
graça. Não lhe foi dito como vencer a sua fraqueza em cinco passos” (p. 245), aludindo aos
métodos de ensino pentecostais.
A parte destas questões, das quais ninguém está livre, temos aí uma ótima mostra do
posicionamento luterano no que concerne a temas controvertidos como a atuação do Espírito
Santo e os dons que ele dá.
Frente a tantas idéias que surgem nas igrejas, é muito importante manter uma base
sólida e bíblica, eliminando distorções de interpretação, para o bem da edificação do corpo de
Cristo. Vimos como podem se tornar perigosas certas interpretações aparentemente
inofensivas e espirituais. Isto porque aquilo que surge indicando para além do evangelho, por
isto mesmo já se excluiu do evangelho.
Não se pode tolerar, e este aviso de Bruner é muitíssimo sério, que no meio da igreja
de Cristo haja desunião por nenhum motivo, muito menos porque alguns se promovem,
considerando-se superiores aos outros. Para isto, sempre é preciso lembrar quem é o
responsável por todo e qualquer poder na igreja. Quando o centro de tudo e único alvo é o
Cristo que vem a nós, aí a igreja é edificada. Por outro lado, quando se espera algo além de
Cristo, está decretada a auto-exclusão de dentro do corpo de Cristo.
A igreja de Cristo precisa ser cristocêntrica (mesmo que pareça redundante). E para
isso, os interesses próprios devem ser deixados de lado, a fim de que a fé realmente possa dar
frutos e o amor de Cristo verdadeiramente seja o único modo esperado para o agir do Espírito
Santo .
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