contaminação por mercurio e o caso da amazônia

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3 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000 QUÍMICA E SOCIEDADE A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam diferentes inter-relações entre ciência e sociedade, procurando analisar o potencial e as limitações da ciência na tentativa de compreender e solucionar problemas sociais. A produção mundial de mercúrio é estimada em 10 mil toneladas por ano para uso nas mais di- versas áreas, como indústrias, minera- ção e odontologia, sendo os principais produtores o Canadá, a Rússia e a Es- panha. A emissão natural de mercúrio é devida à gaseificação da crosta terres- tre, emissões vulcânicas e evaporação natural de corpos d’água. A mineração de ouro e prata, a extração de mercúrio, a queima de combustíveis fósseis e a fabricação de cimento são exemplos de fontes antropogênicas de mercúrio. A utilização do mercúrio no processo de amalgamação do ouro já era conhe- cida pelos fenícios e cartagineses em 2.700 a.C. Caius Plinius, em sua “História Natural” (50 d.C.) descrevia a técnica de mineração do ouro e prata com um pro- cesso de almagamação similar ao utili- zado hoje nas minas de ouro. Na América do Sul, o processo de extração de ouro utilizando o mercúrio é usado em países como o Brasil, Ven- ezuela, Colômbia, Bolívia, Guiana Fran- cesa, Guiana, Equador e Peru desde os anos 80. O mercúrio na natureza Átomos deste elemento ocorrem naturalmente em três estados de oxidação: Hg 0 , que é a substância simples, e duas formas oxidadas, Hg 2 + (mercuroso) e Hg 2+ (mercúrico). A substância simples é um metal líquido prateado, à temperatura ambi- ente. Na natureza o mercúrio se apre- senta como o minério cinábrio, que contém sulfeto de mercúrio (HgS). As transfor- mações do mercúrio no meio ambiente en- volvem uma série de reações químicas complexas denominadas de ciclo do mercúrio, que é mostrado de forma simplificada na Quadro 1. A substância simples e os compos- tos orgânicos de mercúrio (alquilmer- curiais) são solúveis em solventes não polares. O vapor de mercúrio é mais solúvel em sangue do que em água, onde é ligeiramente solúvel. A solubili- dade em água de alguns compostos de mercúrio segue a seguinte ordem cres- cente: Hg(0), Hg 2 Cl 2 , Hg(CH 3 ) 2 e HgCl 2 . Legislação brasileira sobre o mercúrio O Brasil não produz mercúrio. A sua importação e comercialização são con- troladas pelo IBAMA por meio da por- taria n. 32 de 12/05/95 e decreto n. 97.634/89, que estabelece a obrigato- riedade do cadastramento no IBAMA das pessoas físicas e jurídicas que “impor- tem, produzam ou co- mercializem a substân- cia mercúrio metálico”. O uso do mercúrio metálico na extração do ouro é também re- gulamentado. O decreto 97.507/89 proíbe o uso de mercúrio na atividade de extração de ouro, “exceto em atividades licenciadas pelo órgão am- biental competente”. Por outro lado, a obrigatoriedade de recuperação das áreas degradadas pela atividade ga- rimpeira é igualmente regulamentada pelo decreto 97.632/89. Toxicologia Os efeitos tóxicos causados pelo mercúrio metálico são produzidos Jurandir Rodrigues de Souza e Antonio Carneiro Barbosa Nos últimos anos a problemática da contaminação por mercúrio no Brasil, principalmente na Amazônia, tem sido bastante discutida. A partir do momento em que os dados reais sobre esta contaminação foram aparecendo como resultado de inúmeros projetos de pesquisadores nacionais e estrangeiros, algumas dúvidas foram sendo esclarecidas e novas informações foram colocadas na mesa de discussão. Dentro desta nova ótica alguns preconceitos foram quebrados, outros foram surgindo e propostas para a remediação da contaminação de mercúrio foram expostas. Este artigo apresenta uma breve exposição do problema do mercúrio no Brasil, com ênfase para a Amazônia, com o objetivo de enriquecer as discussões sobre a situação atual dessa contaminação, os seus riscos e as alternativas para o seu controle. contaminação por mercúrio, ribeirinhos, Região Amazônica A utilização do mercúrio no processo de amalgamação do ouro já era conhecida pelos fenícios e cartagineses em 2.700 a.C. Contaminação por mercúrio Garimpo Floresta Rios Contaminação Veneno Metal pesado

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Este arquivo apresenta um breve problema do mercúrio no pais, com enfase na Amazônia.

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Page 1: Contaminação Por Mercurio e o caso da Amazônia

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000

QUÍMICA E SOCIEDADE

A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam diferentes inter-relações entre ciência e sociedade,procurando analisar o potencial e as limitações da ciência na tentativa de compreender e solucionar problemas sociais.

A produção mundial de mercúrioé estimada em 10 mil toneladaspor ano para uso nas mais di-

versas áreas, como indústrias, minera-ção e odontologia, sendo os principaisprodutores o Canadá, a Rússia e a Es-panha. A emissão natural de mercúrio édevida à gaseificação da crosta terres-tre, emissões vulcânicas e evaporaçãonatural de corpos d’água. A mineraçãode ouro e prata, a extração de mercúrio,a queima de combustíveis fósseis e afabricação de cimento são exemplos defontes antropogênicas de mercúrio.

A utilização do mercúrio no processode amalgamação do ouro já era conhe-cida pelos fenícios e cartagineses em2.700 a.C. Caius Plinius, em sua “HistóriaNatural” (50 d.C.) descrevia a técnica demineração do ouro e prata com um pro-cesso de almagamação similar ao utili-zado hoje nas minas de ouro.

Na América do Sul, o processo deextração de ouro utilizando o mercúrioé usado em países como o Brasil, Ven-ezuela, Colômbia, Bolívia, Guiana Fran-cesa, Guiana, Equador e Peru desdeos anos 80.

O mercúrio na naturezaÁtomos deste elemento ocorrem

naturalmente em três estados deoxidação: Hg0, que é a substânciasimples, e duas formas oxidadas, Hg2

+

(mercuroso) e Hg2+ (mercúrico).A substância simples é um metal

líquido prateado, à temperatura ambi-ente. Na natureza o mercúrio se apre-senta como o minériocinábrio, que contémsulfeto de mercúrio(HgS). As transfor-mações do mercúriono meio ambiente en-volvem uma série dereações químicascomplexas denominadas de ciclo domercúrio, que é mostrado de formasimplificada na Quadro 1.

A substância simples e os compos-tos orgânicos de mercúrio (alquilmer-curiais) são solúveis em solventes nãopolares. O vapor de mercúrio é maissolúvel em sangue do que em água,onde é ligeiramente solúvel. A solubili-dade em água de alguns compostos de

mercúrio segue a seguinte ordem cres-cente: Hg(0), Hg2Cl2, Hg(CH3)2 e HgCl2.

Legislação brasileira sobre o mercúrioO Brasil não produz mercúrio. A sua

importação e comercialização são con-troladas pelo IBAMA por meio da por-taria n. 32 de 12/05/95 e decreto n.97.634/89, que estabelece a obrigato-riedade do cadastramento no IBAMA

das pessoas físicas ejurídicas que “impor-tem, produzam ou co-mercializem a substân-cia mercúrio metálico”.

O uso do mercúriometálico na extraçãodo ouro é também re-

gulamentado. O decreto 97.507/89proíbe o uso de mercúrio na atividadede extração de ouro, “exceto ematividades licenciadas pelo órgão am-biental competente”. Por outro lado, aobrigatoriedade de recuperação dasáreas degradadas pela atividade ga-rimpeira é igualmente regulamentadapelo decreto 97.632/89.

ToxicologiaOs efeitos tóxicos causados pelo

mercúrio metálico são produzidos

Jurandir Rodrigues de Souza e Antonio Carneiro Barbosa

Nos últimos anos a problemática da contaminação por mercúrio no Brasil, principalmente na Amazônia, tem sido bastantediscutida. A partir do momento em que os dados reais sobre esta contaminação foram aparecendo como resultado de inúmerosprojetos de pesquisadores nacionais e estrangeiros, algumas dúvidas foram sendo esclarecidas e novas informações foramcolocadas na mesa de discussão. Dentro desta nova ótica alguns preconceitos foram quebrados, outros foram surgindo epropostas para a remediação da contaminação de mercúrio foram expostas. Este artigo apresenta uma breve exposição doproblema do mercúrio no Brasil, com ênfase para a Amazônia, com o objetivo de enriquecer as discussões sobre a situaçãoatual dessa contaminação, os seus riscos e as alternativas para o seu controle.

contaminação por mercúrio, ribeirinhos, Região Amazônica

A utilização do mercúriono processo de

amalgamação do ouro jáera conhecida pelos

fenícios e cartagineses em2.700 a.C.

Contaminação por mercúrio

Garimpo Floresta

RiosContaminaçãoVeneno

Metal pesado

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depois de sua oxidação no organismoe por causa de sua grande afinidadepelos grupos sulfidrilas das proteínas e,em menor grau, por grupos fosforilas,carboxílicos, amidas e aminas. Nas célu-las, o mercúrio é um potente desnatu-rador de proteínas e inibidor de aminoá-cidos, interferindo nas funções metabó-licas celulares. Ele causa também sériosdanos à membrana celular ao interferirem suas funções e no transporte atravésda membrana, especialmente nosneurotransmissores cerebrais.

Por outro Iado, estudos citogené-ticos já realizados em pessoas conta-minadas por Hg, em níveis conside-rados toleráveis pela OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS), revelaramaumento significativo de quebras cro-matídicas, com a possível interferêncianos mecanismos de reparo do DNA.Este efeito pode resultar em quebrascromossômicas e em morte celular, oque justificaria o quadro progressivo de

deterioração mental nos indivíduosmais altamente contaminados.

Doenças causadas pelo mercúrioO mercúrio penetra no organismo

humano e se deposita nos tecidos,causando lesões graves, principal-mente nos rins, fí-gado, aparelho di-gestivo e sistemanervoso central.

A exposiçãoaguda, por inala-ção de vapores demercúrio, podeacarretar em fra-queza, fadiga,anorexia, perda depeso e perturba-ções gastrointestinais.

A ingestão de compostos mercu-riais, em particular cloreto mercúrico,provoca úlcera gastrointestinal e ne-crose tubular aguda.

A exposição excessiva ao Hg dáorigem a reações psicóticas, como porexemplo delírio, alucinação e tendênciasuicida.

Os efeitos sobre a saúde humana,relacionados com a bioacumulação, atransformação e o transporte mundial domercúrio inorgânico, se devem quaseexclusivamente à conversão dos com-postos de mercúrio em metilmercúrio(CH3Hg).

Como o mercúrio chega ao homemExistem duas maneiras do mercúrio

chegar até o homem: ocupacional eambiental. A primeira é mais conhecidae está ligada ao ambiente de trabalho,como mineração e indústrias, geral-mente associada aos garimpos de ouroou às fábricas de cloro-soda e de lâm-padas fluorescentes. Trata-se de umacontaminação pelas vias respiratórias,que atinge o pulmão e o trato-respira-tório, podendo ser identificada e quanti-ficada pela dosimetria do mercúrio naurina.

A contaminação ambiental, por suavez, é provocada pela dieta alimentar,comumente pela ingestão de peixes deágua doce ou salgada, e afeta direta-mente a corrente sangüínea, provocan-do problemas no sistema nervoso cen-tral. Sua comprovação é feita facilmen-te pela determinação do mercúrio nocabelo ou no sangue.

A substância simples e os sais demercúrio são os principais responsáveispela contaminação ocupacional, en-quanto os compostos orgânicos de mer-cúrio, predominantemente o metilmer-cúrio, são responsáveis pela contami-

nação ambiental. Umacaracterística comum àsduas formas de mercúrioé que ambas podem atra-vessar a barreira placen-tária afetando seriamenteo feto.

O mercúrio e os peixesFala-se muito em nível

trófico e cadeia trófica. Otermo trófico vem da raiz

grega τροϕη que significa alimento. Acadeia trófica, isto é, a cadeia alimentar,é formada em sua base inferior pormicrorganismos e peixes de espéciesmais simples (de nível trófico baixo), ter-

Os efeitos tóxicos causadospelo mercúrio metálico sãoproduzidos depois de suaoxidação no organismo epor causa de sua grandeafinidade pelos grupos

sulfidrilas das proteínas e,em menor grau, por grupos

fosforilas, carboxílicos,amidas e aminas

• Mercúrio de origem antropogênica (originário de atividades humanas, fábricas, garimpos,mineração etc.) e o natural (devido a emanações vulcânicas, gaseificação da crosta terrestreetc.) são lançados no meio ambiente (atmosfera, corpos d’água e solos).• Principalmente em ambientes aquáticos, sob determinadas condições físico-químicas,ou pela ação de microrganismos, os íons de mercúrio dos compostos inorgânicos podemse ligar a grupos orgânicos, transformando-se em compostos orgânicos de mercúrio(como por exemplo o metilmercúrio e dimetilmercúrio). Os íons de mercúrio tambémpodem ser reduzidos a Hg0.• Parte dos átomos de mercúrio, sob determinadas condições climáticas, pode evaporar,quer pela ação da queima de florestas e de amálgamas com ouro, quer por emanaçõesvulcânicas.• Na atmosfera o mercúrio na forma metálica pode ser oxidado pelo oxigênio do ar.• Por meio de um processo denominado deposição seca e úmida o mercúrio precipitacom as chuvas e materiais particulados, depositando-se nos solos e corpos d’água.

Contaminação por mercúrio

Quadro 1: O ciclo global do mercúrio

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A amostra contendo íons de mer-cúrio é colocada no frasco reacional.A seguir, adiciona-se ácido sulfúricoe cloreto de estanho(II). Neste mo-mento os íons de mercúrio são trans-formados em mercúrio metálico:

Sn2+ + Hg2+ → Sn4+ + Hg0

Utilizando o ar como gás dearraste, o vapor de mercúrio é con-duzido até o sistema de detecção(célula de observação e espectrô-metro de absorção atômica).

Após a interação do vapor com aluz de comprimento de onda especí-fico do mercúrio, no interior da célulade detecção, o vapor é conduzidopara um sistema de aprisionamentodo mercúrio.

Quanto maior a quantidade demercúrio no vapor, maior será a intera-

ção com a luz. É possível montar umgráfico de quantidade de luz absor-vida (absorbância) em função daquantidade de mercúrio.

Para uma leitura feita no espec-trômetro (absorbância, Ai) obtém-sea correspondente quantidade de mer-cúrio contida na amostra (xi), comomostrado abaixo.

minando por peixes predadores (de níveltrófico elevado) e, finalmente, o homem,que se alimenta de peixes. As po-pulações ribeirinhas da Bacia Amazônicasão dependentes do consumo de peixepara o seu sustento, chegando a con-sumir em média 200 gramas por dia. Ospeixes são concentradores naturais demercúrio e a sua quantidade nestes ani-mais depende do alimento, bem comoda idade e do tamanho. Como conse-qüência, a contaminação humana pormercúrio depende não somente daquantidade de peixe consumida comotambém da espécie escolhida.

Simplificando, há os peixes de níveltrófico baixo, que são os herbívoros edetritívoros, os de nível trófico interme-diário, os omnívoros, e finalmente os denível trófico elevado, os piscívoros, tam-

bém chamados de carnívoros ou preda-dores. Os herbívoros (tambaqui, jatua-rana, pirapitinga, pacu) se alimentambasicamente de sementes e de frutos,os detritívoros (bodo, jaraqui, curimatã,branquinha) se alimentam de matériaorgânica em decomposição e microrga-nismos associados à lama do fundo delagos e margens de rios. Os detritosprovindos da mata alagada, ninfas deinsetos e zooplâncton são a base daalimentação dos omnívoros (aruanã,pirarara, cará, mandi, matrinchã, cuiu-cuiu). Os piscívoros se alimentam deoutros peixes e por isso bioacumulam omercúrio (dourada, filhote, piranha, tucu-naré, surubim, pescada e pintado).

A contaminação por mercúrio naAmazônia

Após a sua utilização no processo

de extração do ouro, o mercúrio re-sidual é descartado nas margens e nosleitos dos rios, no solo, ou é lançadona atmosfera durante o processo dequeima do amálgama1 (Figura 1).Estando disponível no meio ambiente,este mercúrio pode transformar-se nometilmercúrio (ciclo do mercúrio, Qua-dro 1). A metilação do mercúrio é opasso mais importante para a suaentrada na cadeia alimentar de orga-nismos aquáticos, maiores bioconce-ntradores deste metal.

Hoje sabe-se que a velocidade demetilação realizada pelas bactérias éfunção de vários fatores, como o baixopH da água, alta concentração de ma-téria orgânica dissolvida e baixo teor dematerial particulado, situação fácil de serencontrada nos rios amazônicos. O pHdo Rio Negro, por exemplo, é particular-mente baixo, chegando a 3,8.

Cerca de 3 mil toneladas de mercú-rio utilizadas nos garimpos de ouro daAmazônia, ao longo dos últimos 20anos, vêm sofrendo oxidação e metila-ção nas condições propícias daságuas e sedimentos dos rios, contami-nando as populações ribeirinhas, atra-vés da ingestão de peixes.

Existem diversas pesquisas realiza-das na Amazônia abordando a conta-minação da população ribeirinha pormercúrio, mencionadas em sua maio-ria no artigo de Barbosa et al. (1997).

Em um período compreendido en-tre 1991 e 1993 foram analisadas

Figura 1: Queima de amálgama em mer-cado de Jacareacanga - Pará. Foto de An-tonio C. Barbosa.

Contaminação por mercúrio

Quadro 2: Como determinamos o mercúrio em amostras de cabelo, urina,peixe e sangue?

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amostras de cabelo de 270 ribeirinhosdo rio Madeira, utilizando a espectro-metria de absorção atômica com va-por frio (Quadro 2). O teor médio demercúrio no cabelo destes indivíduosfoi 17,2 microgramas de mercúrio porgrama de cabelo (µg/g), com valor má-ximo obtido de 303 µg/g. Foram ana-lisados também cabelos de 51 pes-soas da região, mas com baixo con-sumo de peixe (controles). Para estaspessoas, o teor médio foi de 4,1 µg/g,nível que pode ser considerado normal.

Estudos semelhantes foram realiza-dos em populações ribeirinhas dos riosTapajós (1986-1994 e 1993) e Negro(1998-1999). Os teores médios obtidosforam, respectivamente, 18,6 µg/g,16,3 µg/g e 20,3 µg/g, e os valores má-

ximos obtidos para estas populaçõesforam 176 µg/g, 151 µg/g e 59 µg/g.

O teor médio de mercúrio emcabelo obtido em vários projetos parapopulações da Amazônia foi de19,1 µg/g, considerado elevado,merecendo atenção especial dosórgãos do governo responsáveis pelomeio ambiente e saúde da populaçãobrasileira. A Tabela 1 mostra a situaçãodos teores de mercúrio dos peixespiscívoros da Amazônia, de nível tróficoelevado. Os resultados são transcritosprincipalmente do trabalho publicadopor Malm (1998). O teor médio obtidopara os piscívoros, 669 ng/g, estáacima dos limites estipulados pelaOMS. O consumo diário de peixes, du-rante um longo período, correspon-dente a 200 microgramas de mercúrio(isto é, consumo de 500 gramas depeixe contendo 400 ng/g de mercúrio),acarreta o acumulo de 50 µg/g de Hgno cabelo (OMS, 1990).

A Tabela 2 mostra a correspon-dência entre o consumo diário demercúrio e o teor no cabelo, e respec-tivos indicadores. São apresentadostambém, para efeito de comparação,os teores médios de mercúrio encon-trados em algumas populações ribeiri-nhas da Amazônia (Figura 2).

Soluções propostasA eliminação do metilmercúrio e o de-

senvolvimento de sinais e sintomas deintoxicação dependem de fatores gené-ticos ainda desconhecidos que, de certa

forma, protegem o indivíduo da intoxi-cação. Estes fatores estão relacionadoscom o sexo, a idade, hormônios, a taxade hemoglobina e a capacidade deindução das metaIotioneínas, que podemfuncionar como barreiras protetoras docérebro e sobretudo do cerebelo, ondeo acúmulo é mais pronunciado.

Existem algumas propostas relacio-nadas ao controle e remediação dapoluição do mercúrio. No entanto, aquestão do mercúrio passa antes porum processo de educação ambientalde todos os agentes envolvidos: garim-peiros, pescadores, índios, ribeirinhose principalmente pela ação fiscaliza-dora da sociedade. A recuperação dasáreas contaminadas por mercúrio emMinamata foi obtida com medidasdrásticas, como pesadas multas paraa empresa poluidora, proibição de pes-ca, compensação financeira para ospescadores e dragagem.

Enumeramos a seguir algumas pro-postas para o controle e remediaçãoda poluição do mercúrio no Brasil:

• Uso de retorta e capelas nascasas de queima do amálgama;

• Maior eficiência no processo degarimpagem: calha mais adequada;

• Criação de centrais de bateia-mento;

• Reprocessamento dos rejeitoscom altas concentrações de mercúrio;

• Recuperação das áreas degra-dadas;

• Educação ambiental e recomen-

Tabela 2: Indicadores e sintomas em função dos teores de mercúrio.

Indicador Consumo diário de mercúrio Teores de

µg/kg µg/indivíduo Hg em cabelo (µg/g)do indivíduo de 55 kg

Dose de referência(EPA/OMS) 0,3 16,5 4

Máximo permitido(FAO/OMS) 0,5 27,5 7

Desenvolvimento anormalde crianças 0,7-1,5 38,5-82,5 10-20

Sintomas sub-clínicos 1,5-2,1 82,5-115,5 > 20

Sintomas clínicos -parestesia (OMS 1976) 2,4-5,5 132-302,5 > 50

Ribeirinhos da Amazônia 1,4 77,0 19,1

EPA = Agência para Proteção do Meio Ambiente – EUAFAO = Organização para Alimento e Agricultura – Nações Unidas

Tabela 1: Teores médios de mercúrio (τ) empeixes piscívoros da Amazônia.

Local N τ / (ng/g)

Rio Madeira 370 850

Rio Madeira 154 665

Rio Madeira 251 634

Rio Tapajós 118 498

Rio Tapajós 212 499

Rio Tapajós 73 511

Rio Tapajós 85 723

Rio Negro 113 780

Rio Negro 214 635

Total 1590 669

N = número de amostras analisadas.Figura 2: Criança Kaypó da aldeia Gorotire,uma das populações ribeirinhas sob riscode contaminação por mercúrio. Foto de IaraBrasileiro.

Contaminação por mercúrio

Page 5: Contaminação Por Mercurio e o caso da Amazônia

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 12, NOVEMBRO 2000

Referências bibliográficasBARBOSA, A.C.; GARCIA, A.M. e SOU-

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MALM, O. Gold mining as a source ofmercury exposure in the Brazilian Ama-zon. Environmental Research, seção A,v. 77, p. 73-78, 1998.

OMS. Environmental Health Criteria101 - Methylmercury. Geneva: Organiza-ção Mundial de Saúde, 1990.

Para saber maisBARBOSA, A.C. Mercury in Brazil:

present or future risks? Ciência e Cultura- Journal of the Brazilian Association forthe Advancement of Science, v. 49, n. 1-2, p. 111-115, 1997.

LIMAVERDE FILHO, A.M. e CAMPOS,R.C. Redução seletiva aplicada à espe-ciação de mercúrio em peixes: umaadaptação do método de “Magos”. Quí-mica Nova, v. 22, n. 4, p. 477-482, 1999.

MICARONI, R.C.C.M.; BUENO,M.I.M.S. e JARDIM, W.F. Compostos demercúrio. Revisão de métodos de deter-minação, tratamento e descarte. QuímicaNova, v. 23, n. 4, p. 487-495, 2000.

MOREIRA, J.C; PIVETTA, F.R; KURIYA-MA, G.S; BARROCAS, P.R; NICOLA,F.L.G; ROSA, F.C.G. e JACOB, S.C. Apresença de mercúrio em casa constituium risco de contaminação humana e/ou ambiental? Um relato de caso. Quí-mica Nova, v. 20, n. 4, p. 420-422, 1997.

dação para ingestão de peixes debaixo nível trófico;

• Monitoramento da contaminaçãonos diversos compartimentos ambientais.

Considerações finaisO mercúrio é um metal altamente

tóxico e encontra-se disseminado emrios e solos da Amazônia, em grandeparte devido à sua utilização na recupe-ração do ouro em garimpos de formaindiscriminada e sem qualquer contro-le. Publicações recentes, no entanto,comprovam também a presença natu-ral do mercúrio em algumas regiões,sem histórico de atividade garimpeira,como é o caso do Rio Negro.

No Brasil, especialmente na Ama-zônia, o mercúrio metálico, sob a formade vapor, é lançado na atmosfera pelaqueima do amálgama, enquanto noJapão o mercúrio despejado direta-mente na Baía de Minamata foi o metil-mercúrio. As condições dos rios daAmazônia, favorecendo a metilação domercúrio, sugerem um cenário decontaminação contínua e crescente.

Os resultados de pesquisas naAmazônia apontam para teores demercúrio preocupantes nos peixespiscívoros, com média de 669 ng/g,acima, portanto, dos 500 ng/g consi-derados pela OMS como limite máximopermitido para consumo. Como conse-qüência deste resultado, é tambémelevado o teor de Hg em amostras decabelo da população ribeirinha da

Amazônia (média de 19,1 µg/g), emcuja dieta o consumo do peixe é predo-minante.

Embora existam algumas propostasisoladas na tentativa de solucionar o ex-tenso e grave problema da contamina-ção por mercúrio no Brasil, especial-mente na Amazônia, entendemos queo pontapé inicial deveria ser uma gran-de campanha de conscientização am-biental, a começar pelos principaisagentes poluidores, os garimpeiros.

Alguns cuidados deveriam ser toma-dos no processo de recuperação doouro, evitando-se deixar resíduos demercúrio no solo e no leito dos rios, pro-curando sempre queimar o amálgama1

mercúrio-ouro em retortas, para que ovapor de mercúrio não vá para a atmos-fera, assim evitando a degradação domeio ambiente na área de garimpo.

Nota1. O termo “queima do amálgama”

refere-se ao processo de separação domercúrio metálico do amálgama mer-cúrio-ouro, por aquecimento usandoum maçarico a gás.

Jurandir Rodrigues de Souza ([email protected]),bacharel e licenciado em química pela Univ. de Brasília(UnB), doutor em engenharia de processos pela ÉcoleNationale Supérieure d’Ingénieurs de Génie Chimiquede Toulouse, é docente do Instituto de Química da UnB.Durante 10 anos, foi professor na Fundação Educa-cional do Distrito Federal. Antonio Carneiro Barbosa,bacharel e licenciado em química pela Univ. Federalde Minas Gerais, licenciado em filosofia e bacharel elicenciado em letras clássicas pela FAFI, N.S.M., emFriburgo (RS) e doutor em química analítica pela École

Contaminação por mercúrio

Recursos Multimídia para FormaçãoInicial e Continuada de Professores deQuímica no Brasil

Dando continuidade ao programaRecursos Multimídia para FormaçãoInicial e Continuada de Professores deQuímica no Brasil, organizado pelaDivisão de Ensino de Química e finan-ciado pela Sociedade Brasileira deQuimica e pela Fundação Vitae, forampromovidos três mini-cursos “QuímicaNova na Escola: viabilização, usos epossibilidades”, nas cidades de SãoPaulo, Piracicaba e Belo Horizonte nosmeses de agosto e setembro de 2000.A participação dos professores foiintensa, chegando a duplicar a proje-

ção inicial de inscritos, atingindoquase 500 professores nos três en-contros. Nesses mini-cursos, editoresde Química Nova na Escola apresen-taram as diversas seções da revista,discutiram as possibilidades de suautilização e receberam sugestões detemas para outros artigos. Em outrafrente do programa, realizaram-semini-cursos no X Encontro Nacionalde Ensino de Química, realizado junta-mente com o XX Encontro de Debatesde Ensino de Quimica e o II EncontroLatino-Americano de Ensino de Quí-mica na cidade de Porto Alegre. Lá,registramos a participação de cercade 1000 professores de química detodo o Brasil e alguns países da Amé-

rica Latina. Recentemente, QuímicaNova na Escola também esteve pre-sente no IV Encontro Bahiano deEnsino de Química, realizado em Sal-vador, onde quase 300 professoresparticiparam de mini-cursos, palestrase mesas redondas. Os eventos terãocontinuidade no ano de 2001, com-pletando seu ciclo em uma capital daregião Centro-Oeste. Os participantesdos encontros locais e regionais,assinantes de Química Nova naEscola, cursos de licenciatura emquímica e ciências no Brasil receberãogratuitamente um conjunto de ma-teriais multimídia especialmente ela-borado para professores de química.

(M.G.)

Nota

Supérieure de Physique et de Chimie Industrielle deParis, é técnico do IBAMA em projeto de controle emonitoramento de substâncias perigosas. Foi docentedo Instituto de Química da UnB até 1993.