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OPERAÇÃO TRÊS PASSOS (1965): UM CORONEL DO EXÉRCITO QUE SE OPÔS A DITADURA MILITAR BRASILEIRA Leomar Rippel CONSIDERAÇÕES INICIAIS Esta comunicação consiste numa análise dos fatos ocorridos no sul do Brasil no ano de 1965, quando o ex-coronel do exército Jeferson Cardim saiu do Uruguai com mais três pessoas, adentrando no Rio Grande do Sul onde reuniram mais 17 integrantes e assaltaram alguns destacamentos da Brigada Militar e algumas delegacias, no ocasião também leram um manifesto via Rádio Difusora. Episódio que se destaca por ser a primeira ação armada contra a Ditadura Militar no Brasil. Fato que foi reflexo da conjunta política que vivia a nação no Pós-Golpe Militar, o que na visão da caserna não foi golpe, mas sim uma contra-revolução onde os militares impediram o surgimento de um governo socialista; por outro lado, no ponto de vista do comandante da Operação Três Passos, o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, foi um golpe de Estado onde os militares desrespeitaram a Constituição e instauraram uma Ditadura elitista. Estudando o contexto político pela revisão literária disponível, que além de vasta é contraditória, se tem a pretensão de problematizar as controvérsias da Ditadura Militar, e em específico deste fato. Oportunizada pela análise de documentos militares inéditos e entrevistas de quem viveu tal tempo, soldados e integrantes do movimento de protesto conhecido como Operação Três Passos, torna-se plausível elaborar a cronologia do episódio e esclarecer como o Estado militarizado tratou o caso. O acesso aos autos do processo da justiça militar que julgou o evento será possível elucidar os mentores e partícipes, além de seus níveis de envolvimento nesta tentativa de insurgência. Por último, mas não menos importante, foram dirigido esforços para entender o uso político dos acontecimentos por diversas correntes políticas, visíveis na imprensa escrita. UM POSSÍVEL QUADRO TEÓRICO METODOLÓGICO RELATIVO AO TEMA Doutorando em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE e professor do Centro de Ensino Superior CESUL. E-mail: [email protected]

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  • OPERAÇÃO TRÊS PASSOS (1965): UM CORONEL DO EXÉRCITO QUE SE

    OPÔS A DITADURA MILITAR BRASILEIRA

    Leomar Rippel

    CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    Esta comunicação consiste numa análise dos fatos ocorridos no sul do Brasil no

    ano de 1965, quando o ex-coronel do exército Jeferson Cardim saiu do Uruguai com

    mais três pessoas, adentrando no Rio Grande do Sul onde reuniram mais 17 integrantes

    e assaltaram alguns destacamentos da Brigada Militar e algumas delegacias, no ocasião

    também leram um manifesto via Rádio Difusora. Episódio que se destaca por ser a

    primeira ação armada contra a Ditadura Militar no Brasil. Fato que foi reflexo da

    conjunta política que vivia a nação no Pós-Golpe Militar, o que na visão da caserna não

    foi golpe, mas sim uma contra-revolução onde os militares impediram o surgimento de

    um governo socialista; por outro lado, no ponto de vista do comandante da Operação

    Três Passos, o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, foi um golpe de Estado

    onde os militares desrespeitaram a Constituição e instauraram uma Ditadura elitista.

    Estudando o contexto político pela revisão literária disponível, que além de vasta

    é contraditória, se tem a pretensão de problematizar as controvérsias da Ditadura

    Militar, e em específico deste fato. Oportunizada pela análise de documentos militares

    inéditos e entrevistas de quem viveu tal tempo, soldados e integrantes do movimento de

    protesto conhecido como Operação Três Passos, torna-se plausível elaborar a cronologia

    do episódio e esclarecer como o Estado militarizado tratou o caso. O acesso aos autos

    do processo da justiça militar que julgou o evento será possível elucidar os mentores e

    partícipes, além de seus níveis de envolvimento nesta tentativa de insurgência. Por

    último, mas não menos importante, foram dirigido esforços para entender o uso político

    dos acontecimentos por diversas correntes políticas, visíveis na imprensa escrita.

    UM POSSÍVEL QUADRO TEÓRICO METODOLÓGICO RELATIVO AO

    TEMA

    Doutorando em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE e professor do

    Centro de Ensino Superior – CESUL. E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]

  • Após 47 anos da instauração do Regime Militar no Brasil vivemos uma torrente

    de publicações e eventos que se dedicam a discutir a ditadura militar. Fico (2004)

    fundamenta a certeza de que estes acontecimentos são possibilitados graças à superação

    de velhos mitos e estereótipos apresentados pela pesquisa “historiográfica de perfil

    profissional” e do “desprendimento político” harmonizados pelo distanciamento

    temporal. (FICO, 2004, p. 30). Os dias atuais possibilitam o historiador contar com

    liberdade para questionar variante impostas e estruturas internas da instituição militar

    sem ser taxado de “subversivo”; também como contestar ícones e tabus da velha

    esquerda sem ser classificado de “reacionário” ou ter historicidade argüida.1

    Confirma-se também uma geração de historiadores interessados no tema que não

    viveram os acontecimentos, portanto suas pesquisas não estão carregadas de paixões,

    ideologias, sentimentos ou doutrina política. Neste sentido, há uma nova interpretação

    sobre diversas questões da ditadura militar que estão sendo discutidas pelo que podemos

    chamar de Historiografia da Ditadura Militar no Brasil. (Idem).

    Um desses questionamentos reafirma o pequeno apreço dos principais atores

    históricos pela democracia. Durante a década de 1960 o regime democrático deixou de

    ser prioridade dos grupos políticos, tanto da esquerda quanto da direita, ambos

    “subscreviam a noção de governo democrático apenas no que servisse às suas

    conveniências. Pois nenhum deles aceitava as incertezas inerentes às regras

    democráticas”. (FIGUEIREDO, 1993, p. 2002). Da mesma forma que se usavam do

    discurso da legalidade e da defesa da democracia/constituição para legitimar suas ações

    movidas por interesses e convicções ideológicas, políticas, partidárias ou institucionais.

    Estas recentes pesquisas constituem uma nova fase da publicação sobre o assunto

    e põe por terra alguns mitos dados como “verdades” absolutas sobre o tema, como: o de

    que a esquerda revolucionária, que optou pela luta armada, seria parte integrante da

    defesa democrática (FICO, 2004, p. 30); quebraram o paradigma de que somente após

    1968 que se deu a instauração da tortura e censura como prática diária dos integrantes do

    1 O que vem sendo pesquisado, inicialmente sobre fortes questionamentos acadêmicos, pelo CPDOC –

    Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do Brasil - Fundação Getúlio Vargas desde

    1973.

  • Governo Militar juntamente com a isenção de culpa dos generais presidentes pelo

    desconhecimento das práticas que incluíram assassinatos (GASPARI, 2002, p. 324);

    abandonou-se a ideia de que o presidente João Goulart fora um reformista vitimado por

    um golpe de Estado, atribuindo a ele um novo perfil de vacilante, imóvel e de

    possivelmente golpista (VILLA, 2004); desmistificado o conceito de homogeneidade de

    pensamento e atitudes no Exército como instituição (TAVARES, 2001, p. 85); assim

    como a classificação simplista dos militares como “duros” e “moderados” deixou de

    existir (FICO, 2001); e em específico a historiografia pertinente à luta armada, quanto a

    tese do “suicídio revolucionário” e a busca pelas “causas da derrota”, que teria sido a

    aventura da luta armada no país, atualmente está sendo apresentada como componente da

    plataforma política partidária do PT, pensada para o Brasil a partir da afirmação de um

    novo projeto social-democrata nos anos 80. (NASCIMENTO, 2004).

    Além dos apontamentos supracitados, pode ser ressaltado o questionamento do

    projetado perfil legalista do primeiro general presidente Castelo Branco (FICO, 2004, p.

    32), a opção de analisar o lado bom da ditadura pelos que foram vítimas da ampla

    propaganda política2, além dos fatores que motivaram o golpe de estado de 1964 dando

    início ao período conhecido como Regime Militar ou Ditadura Militar do Brasil. (FICO,

    1997). São baseados nestes pressupostos teóricos, juntamente com uma linha de

    raciocínio paralela que se pretende embasar a futura pesquisa histórica.

    CAMINHOS E ENCRUZILHADAS PARA INICIAR UM ESTUDO SOBRE

    ESTE EPISÓDIO HISTÓRICO

    Nos tempos atuais estamos vivendo em nosso país uma intensa onda de

    intenções que procuram desmistificar fatos ocultos e ações abstrusas do período da

    Ditadura Militar. Não fazendo parte apenas de um modismo intelectual passageiro, esse

    trabalho segue o fluxo da tendência não só acadêmica, mas também política da História

    recente do Brasil. Assim,

    2 FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo: Ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de

    Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997.

  • um tema de pesquisa histórica deve ser relevante não apenas para o

    próprio pesquisador, como também para os homens de seu tempo,

    estes que em última estância serão potencialmente os leitores ou

    beneficiários do trabalho realizado. Daí a célebre frase, cunhada por

    Benedetto Croce e re apropriada por Luciene Febvre, de que toda

    ‘História é contemporânea’. (BARROS, 2005, p. 26).

    Pensa-se em uma investigação além desta comunicação que tenha como objetivo

    central analisar os fatos relativos ao movimento de protesto comandado pelo Coronel

    Cardim no ano de 1965, dentro de suas concepções, princípios e peculariedades,

    discutindo a História Política de nosso país no início do que viria a ser considerados

    como os “Anos de Chumbo” e visando através da utilização de fontes primárias analisar

    a primeira ação armada contra a Ditadura Militar no Brasil. Desta forma a proposta é de

    se apresentar como uma perquisição no campo da História Política Renovada dando

    ênfase na História Militar brasileira amparados no que já se pode considerar,

    historiografia da ditadura militar brasileira.

    O levante armado liderado pelo Coronel Cardim de Alencar Osório, precipitado

    nos últimos dias do mês de março de 1965, está retratado por distintas designações3 e

    carregava o intuito de iniciar a resistência armada contra a recém instaurada Ditadura

    Militar no Brasil; antes desta completar seu primeiro aniversário em 31 de março de

    1965.

    Mais que comprovar equívocos ou enganos das produções pré-existentes, a

    elaboração desta pesquisa tem o interesse de sair da superficialidade factual e

    aprofundar-se proporcionando uma nova interpretação histórica, tomando para isso

    alicerces e amparos em fontes oficiais jamais analisadas e discutindo algumas questões

    que se apresentam como lacunas na história deste episódio.

    Dedicando-se à questão norteadora de uma futura pesquisa empregar-se-á

    esforços para elucidar controvérsias expostas pelas diversas versões deste fato histórico.

    Tomamos inicialmente duas indagações como base:

    3 Tais como “Coluna Cardim”,“Operação Três Passos”, “Forças Armadas de Libertação Nacional”,

    “Guerrilha do Coronel Cardim” ou, até mesmo ridicularizado por“Exército Brancalione” em referência

    à crônica medieval em que um grupo de maltrapilhos rouba alguns cavalos, autodenomina-se exército e

    parte em marcha utópica para conquista de um feudo imaginário.

  • - A ação armada liderada pelo coronel Cardim nos três estados do sul foi uma

    guerrilha, um levante, uma insurreição, uma marcha, uma tentativa de golpe ou

    contragolpe, ações de terrorismo, assalto ou um sinal para iniciar quarteladas?

    -Sendo um movimento político, como ficou comprovado pelo Inquérito Policial

    Militar, podemos considerá-lo de orientação comunista, socialista ou nacional-

    revolucionário?

    Essas variantes iniciais relativas ao título/denominação do movimento são

    identificadas claramente pelas correntes políticas antagônicas que disputaram o poder

    durante a Guerra Fria ou que, de alguma forma estiveram ligadas a este embate.

    Deparamo-nos com correntes políticas que enaltecem o movimento como forma de luta

    e resistência à Ditadura Militar,4 outras que o condenam como ação terrorista orientadas

    por órgãos internacionais.5

    O dissenso entre a existência de luta armada no sul do Brasil em 1965 é

    encontrado até mesmo entre autores da mesma corrente política! Dentro do Exército,

    instituição que se orgulha da sua homogeneidade, se pode exemplificar esse

    apontamento ao consultarmos os escritos do general Raymundo Negrão Torres6, que

    nega a existência de luta armada no sul, e do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,7

    qual afirma que nesta ocasião as forças legais enfrentaram um grupo guerrilheiro.

    Mas qual a motivação deste desacordo bibliográfico, que se torna aparente na

    imprensa escrita da época? Seriam apenas pontos de vista diferenciados? Ou estariam os

    autores legitimando ações próprias de um passado recente? Ou então, negando um fato

    histórico que não é relevante para uma determinada corrente política? Estariam eles

    elaborando memórias tendenciosas, como o caso do professor Silvério Schneider que

    organizou em sua monografia uma exaltação ao heroísmo guerrilheiro onde seu tio fora

    integrante do grupo armado? (SCHINEIDER, 2000). A questão central é: em meio às

    paixões políticas e detalhes forçados ao esquecimento ou incutidos na lembrança, existe

    4 Vejamos: “O Tenente Vermelho” de José Wilson da Silva, “A ditadura Envergonhada: as ilusões

    armadas” de Elio Gaspari e “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” de Aluizio Palmar, dentre

    outras. 5 Podem ser citados: “A Grande Mentira” de Agnaldo Del Nero Augusto, “Nos Porões da Ditadura” de

    Raymundo Negrão Torres e “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil

    conheça” de Carlos Alberto Brilhante Ustra, dentre outras. 6 TORRES, 1998. 7 USTRA, 2006.

  • uma versão mais próxima da realidade histórica que podemos extrair deste fato

    histórico?

    Entre as controvérsias questiona-se o apoio dado por Leonel Brizola8 em relação

    à “ação armada” que se findou no sudoeste do Paraná em 1965. Alguns autores o trazem

    como o líder principal do movimento que após desencadeá-lo se arrependeu, deixando o

    movimento do ex-coronel Cardim ser encurralada pelo exército nacional; outros apenas o

    citam como conhecedor do movimento, o qual não apoiou.

    Após cumprir pena, o ex-coronel Jefferson Cardim líder do movimento a ser

    estudado, em entrevista concedida a Décio de Freitas na Assembléia Legislativa gaúcha

    em março de 1980, declarou que a

    Operação Três Passos” previa a entrada de Brizola no Brasil, a fim de

    catalisar e de detonar as revoltas: ‘Acho que Brizola se acovardou, foi

    uma traição, porque em seu apartamento na Praça da Independência,

    em Montevidéu, selamos um pacto. Ele não cumpriu este

    compromisso, que era o de derramar o sangue pelo povo brasileiro’.

    [grifo nosso]. (DUMONT, 2006. Disponível em:

    http://www.ternura.com.br/cardim.htm . Acesso em: 06 Out 2006).

    O ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Albery Vieira dos

    Santos, integrante do grupo concedeu uma entrevista ao “COOJORNAL” publicada em

    dezembro de 19799, na qual o militar declarava que o dinheiro para financiar a Operação

    - um milhão de dólares - havia sido conseguido em Cuba e levado, até Brizola, por Darcy

    Ribeiro e Paulo Schilling. Afirmou, também, sobre Brizola, que: “A traição dele

    (Brizola) foi ter mandado iniciar o movimento e, depois, ter-se arrependido e não

    colocar o plano em execução”. (AUGUSTO, 2002, p. 170). Brizola nunca se pronunciou

    publicamente sobre o caso.

    Afinal, qual a participação de Leonel de Moura Brizola neste episódio? O que o

    Inquérito Policial Militar e os processos na Justiça Militar tem a nos informar sobre este

    8 Brizola representou a esquerda brasileira na década de 1960 inclusive realizando alianças com diversos

    grupos, no entanto não deve ser identificado como comunista, mas sim como nacional revolucionário.

    (FC LEITE FILHO, 2008, p. 309). 9 GUERRILHA NO SUL: 23 homens tentam levantar o País. Coojornal. (Especial). Porto Alegre. Ano V

    (47): 1979, p. 37.

    http://www.ternura.com.br/cardim.htm

  • contraponto? O que os integrantes do movimento têm a dizer sobre isso? A Frente de

    Libertação Nacional. tão sonhada união de todos os grupos de esquerdas exilados do

    Brasil e reunidas no Uruguai, tem alguma participação no evento? Houve investimentos

    cubanos no movimento do sul?

    Existe a versão de que o ex-sargento Albery, um dos exilados mais corajosos e

    radicais, procurou Brizola solicitando dinheiro para realizar a incursão armada e este não

    forneceu. (SILVA, 1987, p. 170). Encontrando-se depois com o ex-coronel de artilharia

    do exército Jefferson Cardim nasceu o movimento. Cardim era parente remoto de

    Castelo Branco e ligado ao PCB, veterano militante de esquerda, que despertava ódio aos

    militares do exército, por quebrar a ética militar em casar-se com a mulher de um

    companheiro e depois se amasiar com sua enteada. (ARAUJO; CASTRO, 1997, p. 124).

    Em “A ditadura envergonhada” de Elio Gaspari publicada em 2002 afirma que

    Albery e Cardim começaram a se articular e mesmo sem apoio de Leonel Brizola

    conseguiram juntar mil dólares, três fuzis tchecos semi-automáticos e alguns revólveres.

    Conseguiram um caminhão e com vinte e três homens entraram no Brasil no dia 19 de

    março de 1965. (GASPARI, 2002, p. 192). As obras publicadas pelo jornalista Elio

    Gaspari representarem um grande esforço no sentido de catalogar e narrar fatos da

    Ditadura Militar no Brasil, no entanto a sua confiabilidade em relação a este episódio

    em especifico não é fidedigno, deparamos com uma torrente de equívocos em relação ao

    comando do grupo, armamento utilizado, direção e localização do grupo quando

    capturados.

    Quanto à tese do “combate travado” com a tropa do Cardim também é rodeada

    de incógnitas, em alguns momentos ela é apresentada para legitimar a criação

    institucional do herói militar, o sargento Camargo, militar das forças regulares e única

    vítima fatal deste combate. (ZATTA; RIPPEL; COSTA GAMA, 2010 e FOLHA DE

    SÃO PAULLO 28 Mar 1965). Em outros momentos ela é apresentada como emboscada

    para intensificar o caráter censurável e ardiloso dos guerrilheiros. (FOLHA DA

    MANHÃ, Data rasurada).

    Já a probabilidade do uso de tortura para fins de confissão rápida dos envolvidos,

    o que teria levado o Presidente Castelo Branco desconfiar de maus tratos aos presos e

  • mandar instaurar novo inquérito, apresentada por Elio Gaspari10 é contestada por todos

    os autores militares.11 No entanto, esta acusação está confirmada pela entrevista ao Cabo

    Bener que participou da captura do grupo, que afirma ter visto os seus superiores

    hierárquicos do exército e policiais chutarem o Coronel Cardim até “soltar a sola do

    coturno”, também diversas sessões de escarros e arrasto pela estrada de terra.

    Os noticiários da imprensa nacional no ano de 196512 apresentam um Exército

    preparado e vitorioso que consegue através de uma operação coordenada em conjunto

    com a Força Aérea capturar os todos os guerrilheiros em marcha. Contrário a essa

    versão, em entrevista ao pasquim COOJORNAL em 1979, o Coronel Cardim e o

    Sargento Albery afirmam que vários de seus subordinados na marcha se entregaram às

    tropas federais sem nenhuma resistência ou dificuldade imposta. (COOJORNAL (Edição

    Especial), 1979, p. 22).

    Em depoimento ao mesmo jornal os ex-militares afirmam que ao serem presos

    perceberam que não seriam apresentados às autoridades competentes, como descreve a

    versão oficial apresentada pelo Exército. Seriam executados “pois guerrilheiro não vai

    preso, guerrilheiro morre em combate!” Esta seria a ordem de execução de todos os

    prisioneiros recebida pelas tropas em combate do escalão superior.

    Se assevera ainda, que os integrantes do grupo não foram executados por ter sido

    fotografado pela reportagem da TV Manchete junto aos militares. A imprensa cobria a

    inauguração da Ponte da Amizade com um avião, que foi deslocado para acompanhar as

    operações de contraguerrilha registrando o momento da prisão de alguns dos capturados.

    No entanto, os radiotelegramas não registram tais ordens, tão pouco foi confirmado tal

    ordem com o cabo entrevistado.

    No dia 28 de março de 1965 o exército apresentou um informe para a imprensa

    detalhando que os guerrilheiros marchavam em direção a cidade Foz do Iguaçu-PR, onde

    seria comemorada a dita “Revolução de 31 de Março de 1964” através da inaugurando a

    10 GASPARI, 2002, p. 191-196. 11 AUGUSTO, 2002; TORRES, 1998 e USTRA, 2006. 12 Considerados aqui os arquivos on-line Folha de São Paulo/Banco de Dados da Folha: Acervo de

    Jornais e Diário da Manhã: recortes acondicionados no Museu Militar Tenente Camargo nas

    dependências do 16º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada em Francisco Beltrão-PR.

  • Ponte da Amizade.13 E que nesta oportunidade os guerrilheiros atentariam contra a

    integridade física do general Presidente brasileiro, Castelo Branco. (FOLHA DE SÃO

    PAULO, 28 Mar 1965). Versão que não foi confirmada pelos integrantes do movimento

    em suas declarações, que asseguram estarem se deslocando pelo sudoeste paranaense em

    fuga, que pela proximidade com a fronteira da Argentina almejavam evadir-se do

    território brasileiro para o Parque Nacional do Iguaçu.

    Retomando o que tange o único confronto armado deste episódio, que originou a

    morte do Sargento Camargo, descreve a notícia da FOLHA DE SÃO PAULO em

    28/03/1965 que este militar faleceu com dois tiros na perna e um no peito disparado por

    uma pistola calibre .45. Ressalto ainda que não fora realizada a autópsia do corpo do

    sargento, que somente o médico militar teve acesso ao corpo e não elaborou laudo

    cadavérico ou relatório. Tão pouco na época havia perícia nas armas, onde tanto os

    militares como o grupo comandado por Cardim possuíam armamentos de mesmo calibre.

    Com base nisso, retomamos a versão não-oficial apresentada nas conversas

    informais dos militares de Francisco Beltrão-Pr de que os disparos que matou o sargento

    Camargo foi um tiro amigo, ou seja, um disparo acidental. Versão apresentada e

    defendida em minha dissertação de mestrado defendida em 2008. (ZATTA, 2009, p.

    157).

    O vago relatório do Tenente Lemos, comandante do sargento Camargo na

    operação, afirma que durante a emboscada houve uma intensa troca de tiros, diversos

    disparos para todos os lados. Expõe-se assim:

    deparamos com um indivíduo, vestindo o 5° uniforme de oficial do

    Exército, sem túnica, portando na cintura uma pistola e na mão

    direita, segurando ao longo da perna, uma arma grande. Não pude

    notar se era uma metralhadora ou um mosquetão... deviam ser então

    11:00 horas14...A viatura parou mais ou menos 10 metros do

    indivíduo [...] Concomitantemente os primeiros tiros foram

    disparados contra o caminhão ainda com alguns soldados se

    movimentando para abandona-lo.Comandei então:-“ Fogo à

    vontade”...primeiros momentos foram de confusão. Acalmamos os

    homens e gritamos que permanecessem aonde estavam instalados as

    13 Solenidade conjunta com o ditador paraguaio, general Alfredo Stroessner. 14 Manhã do dia 27 de março de 1965.

  • duas margens da estrada... durante o tiroteio perdi contato com os

    Sgt...Calculei que estivessem camuflados na mata [...]15

    A versão de confusão também foi confirmada pela entrevista do Cabo Bener que

    se encontrava em cima do caminhão que o sargento Camargo trafegava, onde

    conseqüentemente foi assassinado.

    Em 2008 durante a exumação dos restos mortais do sargento Camargo, fora

    registrado pelo fotógrafo do 16º Esquadrão de Cavalaria, o terceiro sargento João Olivo,

    que em um fêmur havia marca de projétil pertencente a uma arma de calibre menor. Fato

    que aponta que o falecido militar foi atingido pelas costas. Teria sido o sargento

    Camargo, “herói” militar das operações de contraguerrilha de 1965, morto pelos próprios

    companheiros?

    Outro detalhe que merece atenção deste episódio histórico é a promoção post-

    mortem do sargento Camargo. Por ordem do Ministro da Guerra, o general Artur da

    Costa e Silva, Camargo foi promovido post-mortem ao posto de segundo-tenente.

    (ZATTA, 2009, 307). Esta espécie de promoção ocorre quando um militar morre em

    combate ou em exercício de sua função, sendo promovido ao posto ou graduação

    subseqüente a aquela que exerce. Ou seja, o terceiro-sargento Camargo deveria ser

    promovido ao posto de segundo-sargento.

    Então, por que após a morte este praça fora promovido ao quadro de oficial do

    exército brasileiro? Houve uma supervalorização deste episódio? Ou o exército não

    pretendia eternizar um graduado/praça como “herói” da luta contra a sublevação,

    subversão e/ou comunismo? Notamos que no período havia sérias divergências entre o

    quadro dos praças com o dos oficiais das Forças Armadas, a Revolta dos Marinheiros e o

    Comício do Automóvel Clube foram apontados como quebra da hierarquia militar em

    1964, algo sagrado para os militares, e a sua seqüente anistia pelo presidente João

    Goulart é lembrado como um dos motivos do Golpe de 1964. (USTRA, 2006, p. 127).

    15 RELATÓRIO DAS OPERAÇÕES DO 1º PELOTÃO DE INFANTARIA DA 1ª COMPANHIA, com

    sede em Francisco Beltrão-PR, escrito e assinado por seu comandante, o 1º Tenente Juvêncio Saldanha

    Lemos. Este relatório descreve detalhes não tão precisos do combate que se desencadeou nas

    proximidades da cidade de Capitão Leônidas Marques, as tropas envolvidas, a morte do Sargento Carlos

    Argemiro de Camargo e a prisão dos guerrilheiros.

  • Quanto ao assassinato misterioso do sargento Albery no oeste paranaense em

    fevereiro de 1979 também há contrapontos. De acordo com a denúncia da Revista Istoé

    na reportagem intitulada “Os Matadores”, após ter sido preso em 1965 no sudoeste

    paranaense por ocasião da guerrilha do coronel Cardim ele teria se tornado informante

    do Governo Militar infiltrado na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Foi o

    responsável por atrair militantes para uma área de guerrilha fictícia na zona rural de

    Medianeira-PR. (JUNIOR, 2004, p. 26). Seu assassinado de forma pouca esclarecia em

    1979 aponta indícios que teria sido morto como queima de arquivo por um órgão não-

    oficial do Governo Militar em atividade em pleno período democrático. (PALMAR,

    2006). Obviamente o exército nega a existência de qualquer grupo de extermínio/limpeza

    política!

    Algo que também tem remexido o passado do Regime Militar no Brasil são as

    indenizações paga as famílias das vitimas da Ditadura Militar. (FICO, 2004). O grupo

    do coronel Cardim realmente receberam altas indenizações pagas pelo Governo

    brasileiro como foram acusados pelos militares? Autores de direita se dizem

    injustiçados ao ver pagas altas indenizações aos ditos subversivos, Ustra (2006) afirma

    que a família de Albery recebeu através da Comissão de Desaparecidos Políticos uma

    indenização de R$ 419.500,00 e a sua esposa, a viúva Iloni Schnetz dos Santos, recebe

    mensalmente R$ 7.300,00 de pensão. (USTRA, 2006, p. 147).

    Sabemos através de contato com o setor de pagamento do exército que a viúva

    do sargento Camargo, Maria da Penha Correa Soares de Camargo recebe o soldo de 2º

    sargento aproximadamente à R$ 2.800,00 contando com algumas gratificações sua

    pensão aproximam-se de R$ 3.500,00. O fato é que independente da corrente política

    defendida, o povo brasileiro paga caro pelas ações extremistas do passado recente.

    Considerações finais

    A intenção desta comunicação é apresentar algumas controvérsias, contrapontos,

    discordâncias e desacordos que rondam o caso do movimento do coronel Cardim, o que

    impediram até o momento, a elaboração de uma versão aceita como verdade histórica

    do episódio. Pensa-se em elaborar uma futura pesquisa sobre o tema com fontes oficiais

    militares inéditas e caráter reservado, sigiloso e secreto, se avigorando avaliar os atores

  • e acontecimentos deste fato extremamente marcante, mas tão pouco estudado pela

    História recente do nosso país.

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