classe social e opção partidária
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CLASSE SOCIAL E OPO PARTIDRIA: AS ELEIES DE 1976EM JUIZ DE FORA
Fbio Wanderley Reis
1. Introduo: As eleies e o problema institucional
A fluidez do processo poltico brasileiro com frequncia prepara
armadilhas para o analista, mas por vezes tambm o auxilia. No muito
tempo atrs, a preocupao de realizar estudos a respeito de eleies no
Brasil tinha de enfrentar, em certos setores, uma atitude de ceticismo que
podia pretender justificar-se por aspectos do cenrio poltico do pas que se
diriam bvios. Trata-se, afinal, de um regime autoritrio, assentado no
recurso a instrumentos de coero incontrastveis e presumivelmente capaz
de mobilizar tais instrumentos de forma a neutralizar a manifestao de
preferncias eleitorais que eventualmente se oriente em direes
incompatveis com os desgnios do ncleo de poder que o sustenta. A
realizao de eleies no representaria seno um ritual pseudodemocrtico
para efeito de imagem externa e de manipulao interna. As crises quepudessem decorrer de resultados eleitorais adversos no fariam mais do que
sinalizar para os titulares do poder autoritrio a necessidade de reativao
dos dispositivos de segurana do regime, os quais, tendo se mostrado
durante longos anos eficazes em garantir sua preservao, estariam agora,
ao cabo de um perodo em que se desenvolveram e sofisticaram, em
melhores condies para o cumprimento da tarefa. A isso se poderia
acrescentar o que se costuma descrever como a falta de conscincia
Captulo IV do volume Os Partidos e o Regime: A Lgica do Processo Eleitoral Brasileiro, organizadopor Fbio W. Reis e tendo como coautores Bolivar Lamounier, Olavo Brasil de Lima Jr., HlgioTrindade, Judson de Cew e Fbio W. Reis (So Paulo: Editora Smbolo, 1978), com base em surveyexecutado em colaborao em Presidente Prudente, Niteri, Caxias do Sul e Juiz de Fora por ocasio daseleies municipais de 1976. O projeto teve o apoio financeiro da Fundao Ford. A pesquisa em Juiz deFora, que serve de referncia principal a este texto, contou com a ajuda de Rubem Barboza Filho, quecolaborou em todas as fases do projeto, alm de trazer a colaborao inestimvel de sua vivncia da
poltica de Juiz de Fora, e de Amilcar Vianna Martins Filho, que, alm de participar da elaborao doquestionrio e do treinamento dos entrevistadores, foi um dedicado e eficiente supervisor de campo. AUniversidade Federal de Juiz de Fora e especialmente a professora Helena Mendes Meireles prestaram
igualmente decisivo apoio intelectual e logstico ao projeto. Com a colaborao de Rubem Barboza Filho.
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poltica do eleitorado brasileiro, que, apesar da ocorrncia de fatores mais
ou menos circunstanciais ou permanentes de insatisfao, asseguraria o
xito dos esforos propagandsticos e de manipulao simblica e permitiria
manter a taxa de coero direta dentro de limites viveis.
Na perspectiva de 1978, entretanto, essa posio se defronta com
uma primeira dificuldade na simples observao da ressonncia crescente
das disputas eleitorais no processo poltico brasileiro dos ltimos anos.
Basta comparar o interesse despertado pelo pleito municipal de novembro
de 1976 com o no-evento representado pelas eleies do mesmo tipo
realizadas em 1972, por exemplo, para que se perceba que a histria
eleitoral do perodo ps-64 envolve aspectos que aquela avaliao deixa nasombra. Se nos detemos, porm, a examinar o diagnstico do quadro
poltico brasileiro que ela encerra, vemos que a se destaca o que se passa
em dois planos desse quadro e a articulao que entre eles se estabelece, e
que temos nisso uma boa via de acesso apreenso talvez mais adequada
das conexes entre o processo eleitoral e o problema institucional brasileiro.
O primeiro plano tem a ver com os mecanismos em operao
interiormente ao prprio ncleo de poder autoritrio e seu aparato de
sustentao. A questo crucial aqui a de saber se tais mecanismos so de
molde a assegurar a preservao do regime independentemente do grau de
apoio popular com que possa contar o qual teria no processo eleitoral a
forma mais importante de se manifestar ou, ao contrrio, se seria possvel
desvendar, no interior do prprio sistema, a atuao de fatores que
acarretariam a exigncia de maior sensibilidade opinio pblica e s
aspiraes populares do que a que se tem expressado em esforos de
propaganda. O segundo plano diz respeito precisamente s disposies
existentes no seio do eleitorado e ao significado efetivo a lhes ser atribudo
no que se refere s perspectivas de que um regime da natureza do que se
encontra atualmente em vigor no pas venha a ser objeto de aquiescncia e
legitimao, como condio para sua estabilizao institucional em termos
compatveis com os desgnios fundamentais do projeto autoritrio.
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A esta altura, dificilmente a primeira parte dessa dupla indagao
comportaria mais de uma resposta. J so sobejamente claros os problemas
relativos manuteno da coeso interna do sistema nas condies
prprias do governo autoritrio, em que a corporao militar, como
decorrncia de seu predomnio incontrastado e de seu papel como fonte
principal de recrutamento das lideranas polticas decisivas, passa a
constituir-se em um organismo exposto competio e dissenso internas.
Problemas de ortodoxia revolucionria e de decidir quem ou que setores,
em determinadas circunstncias, falam em nome dos verdadeiros interesses
do regime tendero ento a acirrar-se, emergindo de maneira crtica nas
questes ou nos momentos em que esteja envolvido o problema sucessrio.
A tendncia bastante clara parece ser a de que tais dificuldades se agravem
com o passar do tempo, por um lado como consequncia de interesses
criados e frustraes acumuladas entre os componentes do ncleo mais
ntimo de poder, por outro em decorrncia do prprio xito do sistema em
implantar e desenvolver o aparato destinado a garantir sua segurana, o qual
termina por erigir-se, em alguma medida, em ncleo autnomo com
pretenses de ditar a ortodoxia do regime.
Torna-se, assim, problemtico qualquer projeto que pretenda
assegurar a institucionalizao ou regularizao do processo poltico e
garantir, ao mesmo tempo, a continuidade sem retoques da situao de
predomnio incontrastado e incontrastvel da corporao militar. A sada da
abertura ou distenso, que aparece ciclicamente como proposta dos
escales mais altos do regime e se encontra agora consagrada no projeto de
reformas, parece corresponder antes que aos pruridos democrticospessoais de tal ou qual lder resposta a problemas inerentes ao prprio
regime autoritrio: na medida em que assegure a expanso da esfera dentro
da qual se desenvolve o processo poltico, favorecer ela a coeso interna
da corporao militar, como componente decisivo do sistema, ao
propiciar o elemento de contraste e ao reduzir os prmios oferecidos
participao bem sucedida na competio que se trave interiormente s
foras armadas. Essa estratgia, porm, envolve claramente os seus prpriosriscos, sobretudo o de levar, como presentemente se observa, as fissuras
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potencialmente existentes no interior do sistema a se traduzirem em
articulaes entre setores da corporao militar e da sociedade civil. Do
ponto de vista do sistema agrava-se, assim, o problema que se trata de
resolver, com o perigo de comprometer-se de vez a possibilidade de atuao
efetiva por parte das foras armadas que decorre de sua autonomia ou
insulamento e coeso. Talvez mais importante, contudo, o fato de que,
ainda que esse perigo mais srio para o regime possa ser evitado,
extremamente problemtico o objetivo de conter qualquer tentativa de
abertura dentro de moldes e limites compatveis com a opo
constitucional ou com a frmula poltica bsica em vigor, a qual tem
como caracterstica central a exigncia de restries estritas e de controle
sobre a maneira como se h de dar a participao poltica dos setores
populares. Pois, nas condies que caracterizam atualmente a estrutura
social do pas, qualquer arranjo institucional que em algum momento d
voz ao eleitorado (e como pensar em sada que permita superar os dilemas
da coeso interna e exclua a consulta ao eleitorado?) no poder deixar de ser sensvel
aos setores populares majoritrios, tendendo fatalmente a
reincorporar ao processo poltico alguns dos ingredientes do antigo e
proscrito populismo.
A concluso que parece desprender-se disso a de que dificilmente
haver sada para os problemas do regime fora de alguma forma de
legitimao do mesmo aos olhos do eleitorado, como condio para que se
minimizem os riscos da abertura. Seria concebvel que esse esforo de
legitimao se orientasse na direo de criar para o regime perspectivas de
evoluo em que, atravs da combinao de concesses efetivas e maiorsensibilidade aos problemas e demandas populares com esforos
intensificados de manipulao simblica, pudesse ele prprio vir
eventualmente a beneficiar-se das caractersticas do eleitorado brasileiro
que tornaram possvel o populismo no pas e que parecem fazer dele ainda
um resultado provvel se se altera o quadro poltico-institucional. Sem
entrar a discutir o significado que caberia atribuir a uma evoluo desse
tipo, numa perspectiva de mais curto prazo trs possibilidades parecemexistir, apreciadas as coisas do ponto de vista meramente lgico: ou o
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regime, diante das ameaas de dissenso e das presses em favor da
abertura total, rearticula-se pelo recurso aos instrumentos de coero e
reafirma sua face mais dura; ou se impem as demandas de democratizao
plena, valendo-se da ativao das fissuras na base de sustentao militar do
regime; ou um compromisso se obtm, possivelmente em torno de algum
programa de reformas moderadas. No primeiro caso adiam-se, ao preo de
seu agravamento, os problemas que a anlise tenta mostrar, e abrem-se
talvez as portas para experincias que combinem mobilizao e
manipulao. No segundo, naturalmente, os eleitores brasileiros tero
presena decisiva. No terceiro assistiremos, por prazo indefinido, a more of the same
isto , a busca tensa e cclica de legitimidade e controle. Em qualquer
eventualidade, porm, conhecer a maneira como se estrutura o eleitorado e
as disposies que manifesta tarefa que se impe.
***
Se partimos dos debates ps-eleitorais sobre qual dos partidos
realmente venceu as eleies municipais de 1976, as evidncias
disponveis quanto s inclinaes do eleitorado brasileiro podem parecer,
primeira vista, bastante complexas e sinuosas, sugerindo um quadro algo
catico. Essa impresso comea a modificar-se, contudo, quando se
ponderam alguns pontos. Em primeiro lugar, as mesmas dvidas poderiam
justificar-se, vistas as coisas de certo ngulo, com respeito aos resultados de
1974. Argumentos sobre quem ganhou foram efetivamente esgrimidos a
propsito daquelas eleies, j que, em termos partidrios, os padres de
votao para o Senado, a Cmara Federal e as Assembleias Legislativascom frequncia diferem. Em segundo lugar, a questo dos critrios para se
falar em vitria de um ou outro partido no ltimo pleito j havia surgido
bem antes da data das eleies precisamente porque j se podia prever com
antecipao muito do quadro que efetivamente resultou da apurao dos
votos: a vitria do MDB em certos Estados e nos grandes centros e o
predomnio da ARENA nos pequenos municpios do interior. Finalmente,
h uma bvia congruncia entre os dois pontos anteriores, no sentido de quemuitos dos mecanismos que atuaram para reduzir a consistncia partidria
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dos votos para os diferentes nveis em 1974 so justamente aqueles que
permitiram antecipar com bastante segurana os resultados das ltimas
eleies municipais, e as disposies introduzidas pela Lei Falco com
respeito campanha eleitoral no visavam seno garantir e intensificar sua
eficcia.
H, assim, apesar de que 1974 tenha sido visto com boas razes
como um expressivo triunfo do MDB (pelos resultados obtidos sobretudo
ao nvel da eleio para o Senado) e de que 1976 tenha revelado a conquista
pela ARENA do maior nmero de votos e de prefeituras, um claro elemento
de continuidade entre os dois eventos, e o aparente paradoxo a envolvido
no mais do que aparente. O padro subjacente, que transparece comindiscutvel nitidez, o que j foi sobejamente ressaltado por jornalistas e
cientistas polticos: o ncleo de inconformismo no panorama poltico
brasileiro da atualidade est representado sobretudo pelos polos dinmicos e
modernos da vida brasileira correspondentes s regies urbanizadas,
industrializadas e em expanso, nas quais se concentram grandes
contingentes populacionais, enquanto os padres que tradicionalmente
caracterizaram a estrutura clientelstica de nossa vida poltica seguem emoperao nos municpios do interior e nas regies mais atrasadas, fazendo
destas o reduto principal em que podem pretender eficcia os mecanismos
propagandsticos e de controle disposio do regime.
Reconhecido esse fato, porm, sobra muito por ser feito. Onde se
encontra o limite entre os dois mundos descritos acima de maneira polar,
qual a extenso e a natureza da zona de fronteira? Qual o alcance doinconformismo que se expressa nos centros urbanos? Como se articula
nesse quadro a estrutura de classes sociais, qual o significado real da
tendncia popular a votar pelo MDB nos grandes centros? Que relevncia
ter, alm da linha que separa o mundo metropolitano dos centros urbanos e
o mundo provinciano do interior, o limiar deparado pela juventude ao
penetrar um universo poltico que no a estimula participao? Que
consequncias extrair de tudo isso quanto aos prospectos relacionados
eventual alterao do quadro poltico-partidrio?
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O presente captulo dedica-se a explorar alguns aspectos dessas
questes, valendo-se principalmente de dados coletados em Juiz de Fora,
Minas Gerais, por ocasio das eleies de 1976, como parte do projeto de
pesquisa descrito anteriormente neste volume. Tomando as eleies
municipais daquele ano sobretudo como ocasio oportuna para o exame de
problemas que se colocam em plano nacional, a anlise busca com
frequncia explorar as correspondncias entre as observaes permitidas
especificamente pelos dados da pesquisa e as relativas a outros momentos e
lugares. Procura-se combinar, porm, as indagaes de ordem geral com a
preocupao de dar conta do que se verifica no plano local mesmo porque
as circunstncias que caracterizam o pleito de 1976 em Juiz de Fora
emprestam-lhe grande interesse do ponto de vista de questes que se situam
no plano nacional.
2. Juiz de Fora: estrutura scio-econmica e retrospecto poltico-partidrio
Foram dez anos de predomnio emedebista em Juiz de Fora, de 1966
a 1976. Durante uma dcada, a cidade gozou da fama de uma inflexvel
alma oposicionista, traduzida em um senador, vrios deputados federais e
estaduais, prefeitos e vereadores abenoados pela sigla do MDB. Nas
ltimas eleies municipais, entretanto, Juiz de Fora mostrou que ou no
to oposicionista assim, ou ainda mais oposicionista do que se pensava:
votou contra o prprio partido de oposio, dando a vitria ARENA.
Uma das mais importantes cidades de Minas Gerais, Juiz de Fora aliasua condio de municpio industrial de centro comercial de grande
evidncia. Criada em 1850, teve como atividade econmica bsica o plantio
do caf, que aos poucos foi sendo substitudo pela pecuria. O esgotamento
dos solos pela cultura cafeeira, a valorizao dos produtos da pecuria em
consequncia da expanso urbana e da formao de importantes centros
consumidores, bem como o desenvolvimento dos transportes, permitiram a
especializao da rea na comercializao do leite e seus derivados.
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Com uma populao economicamente ativa da ordem de 32 por
cento, a agricultura conta com 7 por cento da fora de trabalho, baixa
porcentagem que se explica pelo prprio tipo de atividade primria a
desenvolvida, a pecuria, que envolve reduzida utilizao de mo-de-obra.
Por outro lado, o setor tercirio bastante expressivo (58 por cento da
PEA), principalmente no que se refere s atividades ligadas ao comrcio de
mercadorias e prestao de servios. A atividade industrial, introduzida no
sculo XIX, desenvolveu-se graas expanso dos mercados consumidores
de produtos oriundos da industrializao do leite. Em 1970, segundo dados
do censo, o setor secundrio representava 35 por cento da PEA, sendo as
indstrias txteis e de alimentao as que concentravam o maior volume da
produo (32 e 29 por cento, respectivamente) e empregavam a maior parte
dos operrios.
Juiz de Fora conta hoje com uma populao ao redor de 300.000
habitantes (a estimativa do IBGE para 1975 era de 284.000) e sua taxa de
urbanizao bastante alta (92 por cento). Sua condio de centro urbano
importante pode ser ainda atestada por alguns indicadores de
desenvolvimento social e de bem-estar social manipulados por Vilmar
Faria.1 Constata-se que 80 por cento da populao de mais de 5 anos sabem
ler e escrever, ndice alto em comparao com a mdia das cidades
brasileiras de trinta mil e mais habitantes, que de 69 por cento. Tambm
significativo o percentual de domiclios servidos pela rede eltrica, que
de 88 por cento, contra 64 por cento para a mdia das cidades brasileiras da
mesma categoria.
Durante muito tempo, a explicao para o amplo predomnio eleitoral
do MDB em Juiz de Fora apontava para uma generosa herana deixada pelo
antigo PTB: uma mquina eleitoral bem lubrificada, juntamente com um
eleitorado em que se inclua um grande contingente de operrios e que se
achava comprometido com bandeiras populares. Vejamos, porm, um
pouco da histria poltico-partidria da cidade.
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Vilmar Faria, Uma Tipologia Emprica das Cidades Brasileiras: Uma AnlisePreliminar, So Paulo: CEBRAP, 1975 (mimeografado).
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Juiz de Fora mostrava algumas caractersticas bastante interessantes
desse ponto de vista. Em primeiro lugar, oferecia um amplo espectro
partidrio, com cerca de 13 siglas, para um colgio eleitoral, em 1962, de
aproximadamente 50.000 eleitores. Ao lado dos partidos, havia os
sindicatos, consideravelmente atuantes e participando ativamente da vida
poltica regional e federal. Em contrapartida, organizavam-se tambm
vrias associaes patronais, sempre cortejadas pelos partidos mais
conservadores. Existiam, ainda, os diversos grupos da Ao Catlica, com
ampla penetrao na classe mdia e algumas tentativas de atuao na rea
operria. Funcionavam, alm disso, as associaes de bairros, bastante
reivindicativas, e as instituies de representao estudantil, sempre ativas.
Enfim, primeira vista, Juiz de Fora poderia aparecer como uma cidade
onde as opes ideolgicas conscientes condicionariam o exerccio da
poltica e do voto. Paradoxalmente, entretanto, dois caciques reinavam
tranquilos: Adhemar Rezende de Andrade, da UDN e posteriormente do
PDC, e Olavo Costa, do PSD. Os dois chefes se substituam periodicamente
no poder, ou desconhecendo ou absorvendo os agrupamentos polticos existentes.
Se observarmos as eleies municipais em Juiz de Fora a partir de
1954, vamos encontrar primeiro a UDN como vencedora, elegendo como prefeito
Adhemar Rezende de Andrade. Em 1958 o PSD retoma as rdeas
do poder municipal, com Olavo Costa. Em 1962, Adhemar R. de Andrade
volta a ocupar a Prefeitura, agora elegendo-se pelo PDC, com
aproximadamente 20.000 votos, dando-se ao luxo de mudar de sigla
partidria e, assim mesmo, vencer. O vice-prefeito foi eleito pelo PR, depenetrao maior nos limites do Estado. O PSD consegue uns minguados
1.500 votos, enquanto o PTB chega aos 7.600. O candidato da UDN o
menos votado, com 644 votos, atrs, inclusive, do PRT. Para provar a fora
do cacique eleito, basta observar um detalhe: todos os outros candidatos a
prefeito tiveram votaes menores do que as de seus respectivos vices, o
que indica que Andrade absorveu votos de todos os outros candidatos a
prefeito. Em relao Cmara Municipal, a diviso foi a seguinte: 4vereadores para o PTB, 3 para o PSD, 2 para a coligao PRP-PL, 2 para o
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PSP, 2 para o PDC, 1 para o PSB e 1 para o PR. A UDN no conseguiu
eleger sequer um candidato a vereador.
bvio que os dados brutos do TRE no permitem alcanar as
alianas, os rompimentos e as pequenas traies dos grupos polticos. Mas
permitem, de qualquer forma, constatar que o PTB (apesar de j se haver
transformado isoladamente na maior fora eleitoral da cidade, como indica
a distribuio dos votos para vereador) no possua uma mquina eleitoral
to bem lubrificada assim, ou, se possua, no sabia como utiliz-la, o que
d no mesmo. Finalmente, pode-se perceber que esta eleio marca o incio
da decadncia udenista na cidade.
Em 1966, as eleies municipais j encontram, naturalmente, os
diversos partidos polticos redivididos nas siglas da ARENA e do MDB. A
ARENA acolhe os polticos da UDN, grande parte do PSD, do PSP, do
PDC e do PR. O MDB constitui-se pela unio do PTB com dissidentes
pessedistas, alm de parte do PDC e do PR, do PSP e outros grupos
menores, como o PSB, o PRT e o MTR. A principal esperana arenista era
o vice-prefeito Fbio Nery, transformado em candidato a prefeito, face aosseus 17.000 votos em 1962. O MDB concentra suas expectativas em Itamar
Franco, do antigo PTB, sigla pela qual tinha obtido 10.000 votos para viceprefeito
em 1962. Alm destes, os dois partidos preencheram todas as
sublegendas.
Os resultados favorecem amplamente o MDB. Num colgio eleitoral
de 63.301 eleitores, o MDB consegue 35.490 votos dos 40.591 votosvlidos. Itamar Franco o mais votado, com 25.908 votos. Alm do
prefeito e do vice, o MDB passa a ocupar 9 vagas da Cmara, deixando as
outras 6 para a ARENA. de se registrar o grande nmero de votos nulos e
brancos 25% , traduzindo certa resistncia do eleitorado em vestir a
camisa de fora do AI-2.
Um dado importante: a estrela de Itamar Franco comea a brilhar,
enquanto a dos antigos caciques comea a se apagar. Com uma equipecompetente, consegue modificar a face da cidade, solidificando ainda mais
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a posio do MDB. Finalmente, um nmero razovel de vereadores eleitos,
futuros deputados federais e estaduais, no possua razes muito fortes nos
antigos partidos.
Em 1970 o MDB no fez campanha, fez festa antecipada. Itamar
Franco indica para seu sucessor outro engenheiro e empresrio, Agostinho
Pestana. A outra sublegenda preenchida por Wandenkolk Moreira, um
folclrico mas persistente poltico, candidato pela terceira vez. A ARENA,
desanimada pela perspectiva de uma estrondosa derrota, tenta uma ltima
cartada: recorre ao velho Adhemar Rezende de Andrade. A outra
sublegenda preenchida por um mdico, Murilo Sarmento.
Os resultados, com a percentagem de votos vlidos aumentada em
relao eleio anterior, so os seguintes: o MDB consegue 51.889 votos,
contra 20.615 da ARENA. O candidato indicado por Itamar Franco
inundado com 37.000 votos, enquanto o antigo cacique recebe apenas
aproximadamente 10.000 votos. A distribuio de vereadores permanece a
mesma: 9 para o MDB e 6 para a ARENA.
O nmero de eleitores quase duplica de 1962 a 1970, e a maioria dos
novos eleitores passa a votar no MDB. A supremacia emedebista ento
estabelecida na cidade parecia dever-se tanto herana petebista como a
novos grupos de classe mdia, trabalhados pela Ao Catlica e pelo
movimento estudantil, bem como a novos contingentes de operrios,
beneficiados por uma correta administrao municipal. A ARENA,
vinculada aos setores mais conservadores da cidade, no foi capaz de
montar uma estratgia para absorver esses grupos, o que explica o fracasso
do antigo cacique, senhor em outros tempos. Contudo, alguns dados a
serem apresentados adiante permitiro precisar essas impresses.
Em 1972, a ARENA tinha praticamente se desintegrado. Acreditando
numa nova derrota, decide no lanar candidato, no se expondo, portanto,
ao que parecia o ridculo de enfrentar o candidato natural do MDB, Itamar
Franco. O partido oposicionista, seguro, d se ao luxo de brigas internas:
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apesar de que ningum se atreva a desafiar Itamar Franco, candidato nico e
sem necessidade de sublegendas de apoio, ele prprio se atreve a desafiar
muita gente. Rompe com seu antigo aliado, Agostinho Pestana, prefeito.
Briga com todos os seus antigos assessores, e atinge ainda alguns
vereadores. Mas continua o favorito.
Neste momento, o governador Rondon Pacheco intervm
energicamente. Se a ARENA no tem nada a perder, nem mesmo o
prestgio, que concorra. Todos os candidatveis, entretanto, recusam a
honra. Os grandes se resguardam. O jeito pegar algum com menos a
perder do que a prpria ARENA. E surge a figura de um obscuro vereador,
Francisco Antonio de Mello Reis, alcunhado Chico Melado,
transformado agora num quixote arenista.
Uma grande campanha de publicidade orquestra em torno do expresidente
do Diretrio Acadmico da Faculdade de Filosofia da UFJF um
coro de incisivos refres e promessas aparentemente longe do alcance
emedebista: renovao, vinculao ao governo federal, mais verbas
estaduais, retomada da industrializao. Mello Reis subitamente a
personificao de um poltico sedutor, corajoso e capaz. O MDB, assustado,
vai para a retranca. E quase perde o jogo. Itamar Franco consegue se eleger
com apenas 400 votos de frente, num total de votos vlidos de 83.830. Na
Cmara, agora com 19 cadeiras, a vantagem emedebista diminui: 11 contra
8 da ARENA.
A ARENA ressurge em grande estilo e sua principal estrela MelloReis, ao lado do deputado federal Fernando Fagundes Netto. So polticos
sem grandes vinculaes com os antigos e, na verdade, os criadores da
ARENA de Juiz de Fora. E, apesar do desastre de 1974, quando Itamar
Franco consegue se eleger para o Senado e o MDB consegue a maioria de
votos em Juiz de Fora, a ARENA continua a se preparar. Mello Reis funda
um jornal semanal e estabelece um cronograma de visitas que lhe permita
chegar a todos os pontos e setores da cidade.
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Do lado do MDB, as coisas tendem a piorar. Itamar Franco, alado s
alturas da poltica nacional, abandona a Prefeitura administrao de seu
vice, Saulo Pinto Moreira. O grupo de Itamar fica to desgastado que no
consegue colocar sequer um representante no Diretrio Municipal. Alm
disso, outros dois grupos emedebistas se engalfinham em interminveis
brigas e discusses.
A campanha de 1976 comea com a ARENA bem estruturada,
lanando trs candidatos, embora Mello Reis seja o favorito. Cada um dos
candidatos arenistas explora supostos pontos fracos do MDB: renovao de
lideranas, integrao com o governo federal e estadual e atendimento aos
bairros. O favoritismo de Mello Reis estimula maior coeso das hostes
arenistas. Os outros dois candidatos, Waldir Bessa e Osmar Surerus,
aparecem como candidaturas de apoio.
No MDB, Srgio Olavo Costa, filho do antigo cacique Olavo Costa,
lana-se candidato. Depois de algum tempo, e em composio com o grupo
de Itamar Franco, que indica o candidato a vice, Tarcsio Delgado,
combativo deputado federal, coloca a sua candidatura. A terceira
sublegenda fica vazia, numa estratgia fatal para o partido oposicionista.
Poucos dias antes da eleio, o presidente Ernesto Geisel visita a
cidade e inaugura as obras da Siderrgica Mendes Junior, transformadas em
doao da ARENA e do governo federal cidade. Nenhum emedebista
incluindo o prefeito convidado para as solenidades, embora a deciso da
implantao da siderrgica e os contratos necessrios tenham sido assinadosdurante a gesto de Itamar Franco. De qualquer maneira, a visita
presidencial rende juros ARENA, que refora ainda mais o seu
favoritismo. Nas urnas, do total de 112.664 votos para prefeito, o eleitorado
de Juiz de Fora d 50,7 por cento ARENA (dos quais 50.505 a Mello
Reis, o candidato vitorioso) e 45,0 por cento ao MDB. A ARENA elege
ainda 10 vereadores, contra 9 do MDB.2
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Para efeito de comparao, so as seguintes as percentagens obtidas em nossa amostraentre os que tinham condio de votar:
Pretendiam votar pela ARENA 48%
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3. A identificao partidria e sua significao
Observemos a Tabela I. Verificamos a existir ntima associao
entre a preferncia partidria declarada pelos entrevistados e sua inteno
de voto: somente no caso daqueles que no tm preferncia entre os
partidos existentes e no pequeno grupo dos que se furtam sequer a
responder pergunta sobre identificao ou preferncia partidria que as
respostas tendem a distribuir-se pelas diversas categorias quanto ao voto
para prefeito; ao contrrio, concentram-se maciamente nas categorias
correspondentes a ARENA e MDB entre os entrevistados que declaram
preferir ou sentir-se identificados com o partido respectivo. Do ponto de
vista de nossas principais indagaes, as observaes permitidas pela Tabela I, so
bsicas, podendo servir como ponto de partida para os desdobramentos da anlise a ser
empreendida.
De certo ngulo, parece banal a informao mais saliente nela
contida, que acabamos de ressaltar: os que declaram preferir um partido
votam em sua quase totalidade por esse partido. Afinal, ou se trata de
preferncias autnticas, cristalizadas talvez ao longo do tempo e
possivelmente condicionadas por interesses estveis e opes de natureza
ideolgica, ou, ao contrrio, a preferncia declarada por um ou outro
partido poderia ser vista como forma diferente de se expressar precisamente
a deciso de se votar por esse partido, mesmo e sobretudo nos casos em que
essa deciso seja tomada de maneira algo fortuita ou irracional. De
qualquer forma, no haveria razo para se esperar seno intensa correlaoentre voto e preferncia partidria, e a tabela no faria mais do que reiterar a
associao entre as duas variveis repetidamente encontrada em estudos
Pretendiam votar pelo MDB 36%Indecisos 8%Pretendiam anular o voto ou votar em branco 1%
No pretendiam votar 2%No responderam 5%
V-se que h certa discrepncia com os resultados oficiais quanto ao voto pelo MDB. Isso parece indicar
que a maior parcela dos 8 por cento de indecisos correspondia a eleitores desse partido, o que congruente com o clima arenista que parece ter caracterizado as eleies de 1976 em Juiz de Fora,como veremos.
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anteriores no pas e no exterior.
Contudo, a alternativa formulada no rigorosamente correta, pois
podemos dar-nos conta de que ela contempla casos polares entre os quais h
lugar para diversos outros, que apresentaro matizes variados conforme se
aproximem de um ou outro extremo. Depois, bastante claro que essa
alternativa coloca ela prpria um problema de fundamental importncia,
pois o fato de tratar-se em determinados casos de preferncias autnticas
ou no ter certamente consequncias polticas relevantes. Assim, a
estabilidade das preferncias partidrias, entre outros aspectos, se ver
afetada conforme se trate de um ou de outro caso, ou conforme estejamos
mais prximos de um polo ou de outro e com ela a permanncia das
chances de vitria deste ou daquele partido.
Tabela I Juiz de Fora, 1976: voto para prefeito e preferncia partidria (%)
VOTO P/ PREFER. PARTIDRIAPREFEITO
Arena MDB Nenhum NS/NRArena 74 3 26 10
MDB 1 72 21 7Indecisos 0 3 21 13Nulo/branco 0 0 2 3No vota p/qualquer razo 23 21 28 40NR 2 1 2 27(N) (316) (241) (187) (30)
Se os dados da Tabela I so examinados a essa luz, a relevncia das
questes relacionadas natureza das preferncias partidrias e sua
estabilidade se faz sentir, em primeiro lugar, pela evidncia do predomniode preferncia pela ARENA que se associa vitria desse partido no
tradicional reduto emedebista representado por Juiz de Fora (comparem-se
os nmeros absolutos de cada categoria, apresentados entre parnteses).
Mas ela se revela tambm por certos indcios que permitem apreender como
que em curso o processo de mudana das preferncias partidrias a
ocorrido: referimo-nos s maiores perdas marginais que a minoria
emedebista sofre em comparao com a maioria arenista, sendo mais
numerosos os emedebistas que se mostram indecisos quanto ao voto ou
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propensos a votarem pelo partido adversrio.
Alm disso, os dados da Tabela I permitem verificar tambm que
uma parcela substancial dos entrevistados de nossa amostra(aproximadamente uma quarta parte deles) declara no ter preferncia entre
os partidos, apesar de que muitos dos que compem essa parcela se
mostrem prontos a votar por um partido ou outro. Temos a, certamente,
algo que justifica pelo menos presumir, ao contrrio da sugesto formulada
acima, que a declarao de preferncia partidria envolve algo mais do que
a simples deciso, mesmo reiterada, de votar pelo partido correspondente.
De outro lado, a disperso da inteno de voto que se encontra nestacategoria e o contraste que ela representa com o que deparamos nos casos
de preferncia declarada por MDB ou ARENA impem a suposio de que
este algo mais tem importncia decisiva no condicionamento do
comportamento eleitoral.
Destarte, o exame da relao entre o voto e a preferncia partidria tal
como se mostra na Tabela I torna possvel precisar diretamente por
referncia aos dados da presente pesquisa algumas das questes
fundamentais que nos orientam. Qual o significado da identificao com
determinado partido num ambiente poltico como o que caracteriza o Brasil
dos dias atuais? At que ponto ela poder ser posta em correspondncia
com a percepo de interesses em luta ou com opes ideologicamente
estruturadas, em que medida se relaciona com objetos efetivos ou potenciais
de disputa na arena poltica? Que sentido atribuir estabilidade ou
instabilidade das preferncias partidrias, s continuidades que as
preferncias atuais possam representar com respeito remota preferncia
por partidos extintos ou, ao contrrio, s rupturas que elas envolvam face s
tendncias de um par de anos atrs ou pouco mais? Por que, finalmente,
num contexto crescentemente oposicionista em mbito nacional e de
expanso do partido de oposio, sobretudo nos grandes centros, ocorrem
reviravoltas como a que se deu em Juiz de Fora, em que o segundo maior
centro urbano de Minas, tradicionalmente emedebista, se volta para o
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partido do governo?
Dessas questes estaremos nos ocupando em seguida. Parece
desnecessrio salientar o que elas tm de complexo e difcil, e no
incorremos na ingenuidade de pretender dar-lhes aqui respostas taxativas. O
leitor julgar por si mesmo at que ponto os dados que nos foi possvel
produzir e a anlise em que estamos empenhados representam avanos no
entendimento delas.
4. As bases sociais da identificao partidria
Comecemos a anlise sistemtica do significado da preferncia ou
identificao partidria pelo exame de como se relaciona com certas
variveis que representam dimenses bsicas da estrutura social. A Tabela
II mostra, em primeira aproximao, sua relao com o sexo, a idade, a
escolaridade e a renda familiar dos entrevistados.
Sexo e idade apresentam ambos fraca associao com a preferncia
partidria. Pode-se notar certa diminuio da preferncia pelo MDB com a
idade, em favor da ausncia de preferncia, e maior inclinao pelo MDB
entre as mulheres. Esta ltima verificao algo peculiar se confrontada
com o que se pde observar em pesquisas anteriores em centros como So
Paulo e Belo Horizonte, onde os homens se mostram mais propensos a
aderir ao MDB. A observao do efeito conjunto de sexo e idade sobre a
preferncia partidria, que a Tabela III permite, se no torna Juiz de Fora
menos peculiar quanto a este aspecto, revela que a maior propenso
emedebista das mulheres da cidade, embora manifestando-se de maneiramarcada entre as jovens de at 30 anos, torna-se especialmente curiosa
entre as mulheres de mais de cinquenta anos, onde ela se eleva em claro
contraste com a intensificao da propenso arenista entre os homens da
categoria correspondente. A razo disso, que no podemos comprovar
diretamente aqui, estar provavelmente em coisas como os xitos do MDB
em assegurar para as professoras primrias de Juiz de Fora nveis de
remunerao sem correspondncia com os dos demais municpios de MinasGerais.
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Certamente mais relevante e de maiores consequncias o que se
observa na Tabela II com respeito a escolaridade e renda familiar. Apesar
de que a incidncia de preferncia pelo MDB apresente variaes de sentido
no muito ntido nas diversas categorias de ambas as variveis, compondose
com os casos de falta de preferncia ou de pessoas que se furtam a
responder pergunta sobre identificao partidria, pode-se observar que as
propores de preferncia pela ARENA tendem a aumentar medida que se
sobe nos nveis de renda ou de escolaridade. No caso de escolaridade,
porm, verifica-se que a passagem do nvel colegial para o universitrio
representa um corte abrupto nessa tendncia, com a queda acentuada na
preferncia pela ARENA e o incremento correspondente dos casos de
ausncia de preferncia. Se, por outro lado, se atenta para o padro
apresentado pelos sem preferncia nos diversos nveis de escolaridade, cuja
proporo declina gradualmente nos nveis inferiores para aumentar
marcadamente nos nveis mais altos, v-se que provavelmente se tratar
aqui de dois casos distintos de ausncia de preferncia: enquanto o primeiro
corresponderia a uma forma de alheamento com respeito ao sistema
partidrio que seria afim falta de informao e marginalizao social e
poltica geral prpria dos nveis educacionais inferiores, o segundo teria a
ver antes com o repdio deliberado a ambos os partidos como consequncia
da oposio ao regime de que ambos so percebidos igualmente como fruto.
Como quer que seja, a forma geral apresentada pela relao entre
escolaridade e preferncia partidria e seu paralelismo com a relao desta
ltima com a renda familiar indicam claramente que, salvo quandoalcanado o nvel universitrio, escolaridade atua meramente, em seus
efeitos sobre a identificao partidria, como uma expresso ou dimenso
de status scio-econmico ou de posio social geral: na medida em que
escolaridade crescente tende a estar associada com nveis tambm
crescentes de renda e com o exerccio de ocupaes mais prestigiosas, no
seria seno natural esperar que ela se associasse igualmente com
disposies social e politicamente conservadoras. Em nosso caso, taisdisposies se traduziriam, entre outras coisas, no apoio ao partido do
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governo e do status quo.
A despeito do que parece haver de natural ou mesmo bvio
nisso, porm, a constatao de uma clara relao positiva entre escolaridade
e arenismo situa um problema de interesse. No que se trate de uma
constatao indita. Ao contrrio, resultados idnticos ou anlogos se
encontraram no apenas nas enquetes levadas a efeito em So Paulo e
Belo Horizonte por ocasio das eleies legislativas de 1974, mas tambm
em pesquisa executada durante o ano de 1973 nas principais cidades do
sudeste e do sul do pas: quer se trate de manifestao de preferncia pela
ARENA, quer se trate da expresso direta de satisfao com as polticas
gerais do governo a partir de 1964, em todos esses casos se evidenciou aocorrncia de graus crescentes de conformismo poltico em
Tabela II Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria por sexo, idade,escolaridade e renda familiar (%)
SEXO ESCOLARIDADE IDADE RENDA FAMILIARM F Analf Prim. Gin. Col. Univ. 18/30 31/50 50 mais At 2 2-4 4-8 +8
ou ou ou ou ou sm sm sm smPREF. PART. Mobr. parte parte parte parte
Arena 42 38 31 39 44 47 31 40 40 40 33 36 47 50MDB 27 35 31 37 35 23 27 35 28 27 36 37 25 24
Nenhum 27 23 25 22 17 26 41 22 26 29 26 24 25 23NS, NR 4 4 13 2 4 4 1 3 6 4 5 3 3 3(N) (329)(427) (68) (316) (139) (144) (85) (293) (290) (173) (257) (186)(171)(186)
* sm = salrios mnimos
correspondncia com graus crescentes de escolaridade.3 A questo de
interesse, porm, decorre de que tais verificaes, todas elas relativas a anos
recentes, contrapem-se de maneira bastante frontal aos resultados obtidos
em pesquisa executada em Belo Horizonte durante o ano de 1965. Apesar
3 Para os dados a respeito de So Paulo e Belo Horizonte, vejam-se Bolivar Lamounier, ComportamentoEleitoral em So Paulo: Passado e Presente, e Fbio W. Reis, As Eleies em Minas Gerais, ambos emBolivar Lamounier e Fernando Henrique Cardoso (organizadores), Os Partidos e as Eleies no Brasil(Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975). Os demais se referem pesquisa executada por Phillip Converse,Amaury de Souza e Peter McDonough sobre Representao e Desenvolvimento no Brasil e no foramainda objeto de publicao, embora tenham sido gentilmente cedidos para algumas anlises preliminares
que podem ser encontradas em Fbio W. Reis,Poltical Development and Social Class: BrazilianAuthoritarianism in Perspective (tese de doutorado no publicada, Universidade Harvard, 1974), cap. 7.Aproveitamos a oportunidade para agradecer de pblico a gentileza.
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de que os dados correspondentes tenham a ver com questes de natureza
Tabela III Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria e idade, por sexo (%)
SEXOMasculino Feminino
IDADEPREF. PART. 18/30 31/50 Mais de 50 18/30 31/50 Mais de 50Arena 39 38 56 40 42 27MDB 31 30 16 39 30 35
Nenhum 26 30 24 19 22 33NS,NR 4 2 4 2 6 5(N) (129)(125) (75) (164) (165) (98)
distinta, referidas a uma srie de temas especficos que constituram objeto
de debate poltico no perodo de 1945 a 1964 e sobretudo nos ltimos anos
desse perodo, eles deixam claro que eram as opinies favorveis,
transformao das condies vigentes no pas mais precisamente, as
opinies de esquerda que tendiam ento a aumentar medida que se
ascendia na escala educacional.4 A procura das razes de tal discrepncia
ser talvez esclarecedora com respeito a certos aspectos da operao do
regime autoritrio brasileiro ento recm-inaugurado.
No seria este o lugar para se aprofundar o debate terico sobre o
papel poltico da educao ou escolaridade a que esses achados
aparentemente contraditrios remetem. Ilustremos, apenas, algumas das
posies divergentes a respeito, recorrendo aos nomes de T. H. Marshall e
Ivan Illich e ao contraste de suas anlises. O primeiro, ocupando-se do
desenvolvimento da concepo de cidadania especialmente no contexto
britnico, salienta as disposies inconformistas e reivindicantes quetenderiam a resultar das possveis discrepncias entre as aquisies
educacionais, socialmente definidas e percebidas como um direito em si
mesmas e como geradoras de novos direitos, e as oportunidades oferecidas
pelo mercado. J o segundo, ocupando-se de problemas educacionais com
referncia especial Amrica Latina, destaca a ambiguidade do significado
poltico da escola e d nfase ao que ela representa como instrumento de
4 Veja-se Fbio W. Reis, Educao; Economia e Contestao Poltica na AmricaLatina, Revista Brasileira de Estudos Polticos, 31 (maio de 1971).
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manipulao e fator de conformismo:
"(...) o monoplio escolar combate a rebelio com muito maior eficcia que o napalm. (...)As escolas frustram, realmente, maioria, mas fazem-no com todas as aparncias de
legitimidade democrtica, seno tambm de clemncia. (...) o ideal de que cada pessoa tenhaseu carro e seu ttulo produziu uma sociedade de massas tipo classe mdia. medida que sevo tornando realidade, esses ideais se transformam em mecanismos que asseguram osistema que eles produziram".5
A educao formal um processo que se cumpre sobretudo dentro de
certas faixas de idade. Alm disso, o momento crucial da avaliao das
oportunidades oferecidas pelo mercado tende tambm a corresponder, para
os que contam com nveis mais altos de escolaridade, idade em que se
completa o treinamento escolar e se d a insero no mercado de trabalho.
Assim, torna-se naturalmente da maior relevncia ter em conta a idade dos
entrevistados para que se possa apreciar adequadamente o significado da
relao entre escolaridade e variveis de contedo poltico.
Com esse propsito, a Tabela IV apresenta a desagregao por
diferentes nveis de idade da relao entre escolaridade e identificao
partidria anteriormente observada, enquanto a Tabela V procede mesma
desagregao para a relao entre identificao partidria e renda familiar, o
que possibilitar ressaltar certos aspectos reveladores. Para permitir
comparao, apresentamos ainda, na Tabela VI, a relao encontrada em
Belo Horizonte, em 1965, entre idade e escolaridade, de um lado, e, de
outro, um ndice geral de esquerdismo em que se sintetizavam as opinies
mantidas com respeito a tpicos tais como reforma agrria, papel do capital
estrangeiro na economia do pas etc.6
5 Vejam-se T. H. Marshall, Citizenship and Social Class, em Class, Citizenship and Social Development(Nova Iorque: Doubleday, 1965), especialmente p. 121; e Ivan Illich,En Amrica Latina Para que Sirvela Escuela? (Buenos Aires: Ediciones Bsqueda, 1973), pp. 24, 27 e 25.
6 Quatro itens compunham esse ndice. Dois deles referiam-se a problemas especficos(reforma agrria e papel das empresas americanas no pas), os outros dois achavam-seformulados de maneira a apreender atitudes de alcance mais amplo, correspondendo o
primeiro oposio entre atitudes pr-mudana ou conservadoras e o segundo oposio entre atitudes
radicais (ou absolutistas) ou gradualistas. Informaes mais minuciosaspodem ser encontradas em Reis,Educao, Economia e Contestao Poltica, pp. 21 e seguintes.
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Tabela IV Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria e escolaridade, por idade (%)
IDADE18 a 30 anos 31 a 50 anos Mais de 50 anos
ESCOLARIDADE1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
PREF. PART.Arena 13 35 42 52 22 38 40 46 34 44 35 31 46 45 50MDB 67 43 40 24 37 9 38 32 26 4 28 31 23 10 25
Nenhum 13 21 14 21 39 29 21 18 32 52 34 26 27 40 25NS/NR 7 2 4 3 2 24 1 4 8 0 3 5 4 5 0(N) (18)(68)(73)(86)(54) (21)(162)(44)(38)(23) (32) (86)(22)(20) (8)
1=Analfabeto ou Mobral; 2=Primrio ou parte; 3=Ginasial ou parte; 4=Colegial ou parte;5=Universitrio ou parte
Tabela V Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria e renda familiar, por idade (%)
IDADE18 a 30 anos 31 a 50 anos Mais de 50 anos
RENDA FAMILIAR1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4
PREF. PART.Arena 39 33 43 39 29 39 48 48 33 35 43 56MDB 30 43 33 43 40 35 19 20 33 32 23 11
Nenhum 24 21 24 18 29 22 26 27 29 30 30 28NS/NR 7 3 0 0 2 4 7 5 5 3 4 5
1=At 2 salrios mnimos; 2=2 a 4 salrios mnimos; 3=4 a 8 salrios mnimos; 4=Mais de 8 salriosmnimos
Comecemos pela Tabela VI. notrio, em primeiro lugar, o efeito
inconformista produzido pela escolaridade crescente, que se pode verificar
comparando-se a incidncia das opinies esquerdistas e conservadoras nos
dois nveis educacionais dentro de cada categoria de idade. H sempre
predomnio de opinies de esquerda entre os que contam com maior
educao do que entre os menos educados, ainda que entre os de idade mais
avanada isso tenha uma contrapartida no fato de que a escolaridade mais
alta faz aumentar tambm a frequncia de opinies conservadoras (por
outras palavras, entre os mais velhos a educao tem o efeito de polarizar
as opinies e reduzir a incidncia de opinies intermedirias ou moderadas,
justificando presumir-se que ela preserva aqui em maior medida seu carter
de expresso da posio social geral dos indivduos). Contudo, observa-se
ainda que a intensidade do efeito esquerdizante de maior escolaridade
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aumenta medida que passamos do grupo mais idoso para o mais jovem,
no apenas fazendo que as maiores diferenas porcentuais nas propores
de alto esquerdismo se deem entre os jovens, mas tambm minimizando a
incidncia de conservadorismo entre os jovens educados, em claro contraste
com sua incidncia no caso dos jovens de menor escolaridade.
Tabela VI Belo Horizonte, 1965: Esquerdismo e escolaridade, por idade (%)
IDADE18 a 30 31 a 50 Mais de 50
ESCOLARIDADEBaixa Alta Baixa Alta Baixa Alta
ESQUERDISMOBaixo 40 15 38 20 38 44
Mdio 35 45 39 44 38 27Alto 25 40 23 36 24 29(N) (770 (141) (165) (138) (82) (41)
Fonte: Fbio W. Reis, Educao, Economia e Contestao Poltica na AmricaLatina,Revista Brasileira de Estudos Polticos, 31 (maio de 1971), p. 35.
Bem distintas so as observaes sobre a Juiz de Fora atual,
permitidas pela Tabela IV. Por certo, um aspecto especial no de todo
dissonante com o que acabamos de examinar tem a ver com os indcios que
fazem do nvel universitrio uma categoria peculiar. A desagregao por
idade na Tabela IV mostra que a queda encontrada anteriormente (Tabela
II) na incidncia de arenismo nesse nvel algo que se restringe faixa
mais jovem da populao, onde ocorre de maneira acentuada
simultaneamente com o incremento da preferncia pelo MDB e sobretudo
dos casos de ausncia de identificao com qualquer dos dois partidos.
Entre os de educao universitria e colegial nas demais faixas de idade,
porm, altas taxas de apoio ARENA se fazem acompanhar pela tendncia
marcada reduo do apoio ao MDB (apesar de que isto seja especialmente
ntido, para os universitrios, na faixa de idade intermediria,
provavelmente devido perturbao resultante do pequeno nmero de casos
de educao universitria entre os mais velhos). Configura-se, assim, o que
parece corresponder a uma situao de polarizao entre posies
governistas e posies mais radicais de repdio ao sistema partidrio como
tal, polarizao esta que seria afim que vimos acima existir entre os
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educados de mais idade na Belo Horizonte de 13 anos atrs. Contudo, se
prescindimos da peculiaridade apresentada pela categoria correspondente ao
nvel universitrio, o padro geral exibido pelos dados da Tabela IV
contrasta com os dados belo-horizontinos no apenas pela forma positiva
geral da relao entre escolaridade e arenismo, mas tambm pelo fato de
que essa relao positiva parece claramente ser mais forte entre os jovens.
A suposio de que pelo menos este ltimo aspecto poderia dever-se a
condies peculiares de Juiz de Fora, ademais, no se ajusta evidncia
disponvel, j que os dados de 1973 acima mencionados revelam o mesmo
padro de forma ainda mais ntida entre os entrevistados das diversas
cidades amostradas.7
Mas h algo mais a ser destacado quanto a este aspecto, algo que
coloca em evidncia o significado especial de que parece revestir-se a
escolaridade entre os jovens. Com efeito, no apenas se observa que a
relao positiva entre escolaridade e arenismo mais ntida entre os que
contam com at 30 anos do que nas demais faixas de idade: ao nos
voltarmos para a Tabela V, observamos tambm que, precisamente ao
contrrio do que se passa com escolaridade, a relao entre renda familiar e
identificao partidria (que se mostrava no muito forte quando
considerada a totalidade da amostra, como vimos na Tabela II) praticamente
desaparece entre os jovens, enquanto ganha grandemente em nitidez nas
duas outras categorias de idade, tendendo a crescer linear e
significativamente a identificao com a ARENA e a decrescer o apoio ao
MDB medida que subimos nos nveis de renda. Por outras palavras, a
comparao das Tabelas IV e V deixa evidente que a distribuio deidentificao partidria pelas diversas categorias de renda familiar
dissimula, no caso dos jovens, a correlao decisiva a existente daquela
varivel com escolaridade, ao passo que, nos demais grupos de idade, a
distribuio de preferncia partidria pelos diversos nveis de escolaridade
que dissimula a correlao decisiva que ela apresenta em tais grupos com a
renda familiar. Apesar de que renda familiar e escolaridade sejam
7 Cf. Reis,Political Development and Social Class, p. 410.
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dimenses intercorrelacionadas do status scio-econmico dos indivduos,
e no obstante ser por conseguinte semelhante a forma geral da associao
de cada uma delas com a identificao partidria, patente que, entre os
jovens, o acesso especificamente s oportunidades educacionais parece
cumprir papel singularmente importante no condicionamento das simpatias
governistas ou oposicionistas.
Visto o problema de maneira geral, porm, tudo parece indicar que
apreendemos aqui um processo efetivamente em curso, no qual os efeitos
polticos associados educao formal transitam do quadro descrito por
Marshall para condies mais afins s nfases de Illich. A componente
decisiva da explicao para essa transio, sem dvida, reside no impulsodado ao processo de desenvolvimento econmico e nas altas taxas de
crescimento da produo nacional que o regime inaugurado em 1964 se
mostrou capaz de sustentar por vrios anos, acelerando assim a
conformao de um sistema em que, para amplos setores da classe mdia, o
ideal do diploma encontra possibilidades mais seguras de se traduzir
diretamente no ideal do carro prprio, do apartamento de luxo e do lazer
sofisticado. J no que diz respeito juventude e especial nitidez da
inverso de padres que a se observa, entre 1965 e 1976, cumpre lembrar,
em primeiro lugar, que a este setor da populao se dirige h vrios anos,
precisamente atravs do aparelho escolar, o esforo especial de doutrinao
consubstanciado no ensino de disciplinas como educao moral e cvica.
Dada a obrigatoriedade de tais disciplinas em todas as sries do sistema
escolar, para as geraes mais novas maior escolaridade significa maior
grau de exposio doutrinao conservadora e governista a veiculada.
Ainda que haja indcios claros de que as disciplinas correspondentes no
nvel superior no cumprem os propsitos a que foram destinadas, dadas as
caractersticas especiais do ambiente universitrio, de se presumir que
essa doutrinao se revista pelo menos de alguma eficcia nos demais
nveis.8 Em segundo lugar, no apenas certo que as promessas
ocupacionais ou de carreira pessoal que hoje se associam educao formal
8 Esse um tema pouco estudado, embora de interesse bvio. Uma exceo o trabalho de Mrio
Brockmann Machado,Poltical Socialization in Authoritarian Systems: The Case of Brazil(tese dedoutorado no publicada, Universidade de Chicago, 1975).
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se fazem sentir tambm entre os jovens, mas parece lcito supor que elas se
faam sentir principalmente entre eles, e a importncia recm-observada de
que parece revestir-se o acesso a oportunidades educacionais quanto a
condicionar simpatias governistas dentre a populao jovem tende a
corroborar essa suposio. E at o ponto em que os fatores de ordem
econmica e ocupacional ligados ao processo de crescimento tenham, como
parece provvel, o papel principal na explicao dos fatos observados,
torna-se claro que o contraste entre os dados de 1965 os recentes no ,
afinal, to grande. Em outros termos, as proposies aparentemente
divergentes de Marshall e Illich tm muito em comum, e muito parece
depender do grau em que as expectativas de direitos dirigidas ao mercado e
produzidas pela instituio legitimadora que a escola se frustram ou
encontram condies de se realizarem. Assim, a verificao da ocorrncia
de maior inconformismo entre os educados jovens, que se v na Tabela VI
para a Belo Horizonte de 1965, no certamente alheia ponderao
anterior de que, entre os educados, so os jovens os que vivem de maneira
aguda o problema de sua insero no mercado. Alm disso, aquela
verificao acarreta a implicao de que a adeso a opinies mais radicais
tende a corresponder amplamente a uma fase transitria da vida das pessoas
de maior nvel educacional, a ser esquecida medida que tais pessoas se
deixem absorver em suas carreiras.9 Assim sendo, o que haver de novo nos
dados atuais, em contraste com os de 13 anos atrs, ser simplesmente o
fato de que as condies econmico-ocupacionais do pas levam a que
aquela absoro se d mais prontamente e de maneira mais satisfatria ou
criem pelo menos, para cada um, a expectativa de que as coisas venham a
ser assim.
Seja como for, os dados a respeito dos aspectos at aqui considerados
9 Na verdade, anlises mais pormenorizadas dos dados belo-horizontinos de 1965 mostramque as mais altas frequncias de opinies pr-mudana ocorrem dentre a minoria de pessoasde alta escolaridade e mais idosas que no desfrutam de ocupaes e nveis de rendacongruentes com seu nvel de educao formal. Alm disso, mesmo entre os jovens essaincongruncia mantm algum papel na determinao da incidncia de opiniesinconformistas, apesar de que taxas relativamente altas de esquerdismo continuem a
ocorrer entre os jovens educados independentemente dela. Cf. Reis, Educao,Economia e Contestao Poltica, op. cit.
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sugerem com bastante clareza que, pelo menos nos centros urbanos, o
regime em vigor tem se mostrado capaz de atrair apoio em correspondncia
com as oportunidades educacionais que assegure e com a promessa que
estas representam de acesso aos benefcios do desenvolvimento econmico.Ademais, se excetuamos a juventude universitria, isso parece aplicar-se
especialmente gerao que atingiu a maioridade mais ou menos
simultaneamente com a implantao do atual regime ou posteriormente.
Contudo, a clara contrapartida disso que, nos centros urbanos a que aqui
nos referimos, as linhas de apoio e oposio ao governo passam agora,
talvez mais do que nunca, pelas linhas que demarcam a estratificao social
pelas linhas das classes sociais, por outras palavras, se os dados
apresentados relativamente escolaridade e sobretudo renda familiarpodem ser tomados como aproximaes aceitveis estrutura de classes.
Examinaremos agora, de acordo com as indagaes gerais anteriormente
formuladas, o contedo de que se reveste a identificao partidria em
termos de variados fatores de ordem subjetiva, considerados estes ltimos
como propiciando, nas relaes que manifestam entre si e com a propenso
mesma ao apoio a este ou aquele partido, uma via de acesso a formas
distintas de se estruturar ideologicamente a vida poltica na conscincia daspessoas. Dada a natureza das questes bsicas que nos orientam e a
evidncia da correlao entre identificao partidria e posio social, esse
exame ser realizado com constante ateno para os contextos diversos
representados pelos diferentes nveis de renda familiar e para o
condicionamento por eles exercido sobre o conjunto de imagens e opiniesa ser observado.
5. Universos polticos e opo partidriaUma forma de se dar incio anlise das conexes entre a
identificao partidria e os aspectos de ordem subjetiva tal como se
manifestam nos diferentes estratos scio-econmicos consiste em examinar
a relao entre a identificao com MDB ou ARENA e a distribuio das
preferncias entre os partidos existentes at 1965. A Tabela VII permite
observar essa relao nos nveis de renda familiar.
Congruentemente com algumas observaes feitas no rpido
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retrospecto da histria poltico-partidria de Juiz de Fora anteriormente
apresentado, v-se que a herana petebista tem um peso importante no
condicionamento da opo atual pelo MDB. Pois no apenas se nota que as
maiores propores de antigos petebistas se declaram atualmente
identificados com o partido de oposio o que tende a ser tanto mais
verdadeiro quanto mais descemos na escala de renda familiar e apresenta
uma nica exceo no nvel mais alto de renda , como tambm se pode
assinalar que o contingente petebista representa o mais numeroso
contingente isolado entre todas as categorias correspondentes a preferncias
por qualquer dos antigos partidos outra vez com a nica exceo do nvel
superior de renda, onde a UDN conta com a maioria relativa. O MDB se
beneficia ainda com aportaes apreciveis dos antigos pessedistas e dos
adeptos de outros partidos menores, que em geral correspondem, porm, a
propores bem menores das preferncias antigas. J a ARENA conta
desproporcionalmente com as preferncias dos antigos udenistas em todos
os nveis de renda. Apesar de que esses dados, exceto pela distribuio de
preferncias entre os partidos antigos, corroborem bastante bem o que se
pde observar em estudos relativos a outras cidades,10 importante
assinalar o grande nmero dos que declaram no se sentir identificados com
qualquer dos partidos extintos: tratando-se aqui certamente em boa medida
de jovens incorporados recentemente ao processo eleitoral, os dados em
exame se revelam peculiares em contraste com os de estudos anteriores pelo
fato de que o MDB no conta com a maioria sequer relativa dos membros
dessa categoria em qualquer dos nveis de renda. Temos a uma nova
indicao da capacidade de aliciamento demonstrada recentemente pela
ARENA em Juiz de Fora, e voltaremos a ocupar-nos deste aspecto quandotratarmos de avaliar a contribuio de nossos dados explicao da
reviravolta eleitoral ali ocorrida.
Outros aspectos, porm, nos permitem penetrar mais profundamente
no exame dos contedos associados identificao partidria. Numerosos
itens de opinio de tipos diversos integraram o questionrio utilizado e o
10
Vejam-se Lamounier, Comportamento Eleitoral em So Paulo, eReis, As Eleies em Minas Gerais.
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estudo de suas conexes com a identificao partidria empreendido
adiante de forma padronizada. Convm, assim, que procuremos explicitar
de sada a lgica subjacente utilizao desses itens e forma a ser dada
anlise.
Vrios aspectos dos resultados obtidos nas pesquisas levadas a efeito
por ocasio das eleies de 1974 indicam a existncia de um grau precrio
de integrao nas posies adota das por parcelas substanciais do eleitorado,
particularmente em seus estratos menos favorecidos scio-economicamente,
com respeito a questes que pareceriam compor todos orgnicos aos olhos dos analistas
do processo poltico brasileiro.11
Assim, depararam-se altas taxas de desconhecimento e alheamento
com respeito a temas candentes do debate poltico entre eleitores cuja opo
emedebista pareceria dever interpretar-se em termos de protesto que se
suporia motivado pela posio frente a tais temas. Mas mesmo problemas
como o custo de vida, que se esperaria tocassem mais de perto a
sensibilidade dos estratos em questo, vieram a mostrar relaes pouco
claras com o apoio ao partido de oposio. Tudo parecia indicar que esteltimo cumprira, para os setores populares, o papel de um smbolo (o
partido dos pobres ou do povo, na caracterizao que dele fizeram
numerosos eleitores belo-horizontinos) no qual terminou por fixar-se uma
insatisfao difusa incapaz de articular-se por referncia a problemas
especficos de qualquer natureza. Pde-se mesmo observar que os estratos populares,
onde se encontravam de longe os maiores contingentes de emedebistas, eram
tambm os mais propensos a reagir de maneira positiva diante dos temasda propaganda ufanista e triunfalista do governo. Os dados quanto a
este ltimo aspecto, que corroboravam certas constataes de pesquisas
anteriores,12sugeriam a existncia, nas camadas mais pobres do
eleitorado, de uma espcie de esquizofrenia ou algo que pelo menos se
11 Ibid.; veja-se tambm Fbio W. Reis, O Institucional e Constitucional, CadernosDCP, 3 (maro de 1976).12
Veja-se Bolivar Lamounier,Ideology and Authoritarian Regimes: Theoretical Perspectives and a Studyof the Brazilian Case (tese de doutorado no publicada, Universidade da Califrnia, Los Angeles, 1974),
p. 264.
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apresentaria como tal luz de formas mais convencionais de se contemplar
o quadro poltico brasileiro. Assim, a vocalizao ou mesmo a adeso
consciente a certos valores quando enunciados em termos abstratos e
remotos se faria acompanhar pela negao de tais valores no plano das
atividades concretas ou da vida cotidiana e o comportamento eleitoral,
assim os dados indicavam, se guiaria antes pelos valores latentes contidos
neste ltimo plano.13
Com o objetivo de explorar mais minuciosamente tais sugestes,
vrios conjuntos de perguntas includos em nosso questionrio foram
concebidos como meio de apreender as opinies e percepes dos
entrevistados relativamente a assuntos ou problemas supostamente situados
em nveis diversos desde o nvel correspondente aos temas do debate
poltico-institucional dos dias atuais at o dos problemas que afetam
diretamente as condies de vida dos entrevistados nos bairros ou
vizinhanas onde moram. A suposio que orientou o trabalho nesse
aspecto foi a de que as posies ou opinies com respeito aos problemas
prprios de cada nvel tenderiam no somente a apresentar padres diversos
de variao de acordo com a posio scio-econmica dos indivduos de
nossa amostra, mas tambm a exibir padres distintos de associao com a
identificao partidria nos contextos representados pelas diferentes
posies scio-econmicas. Por outras palavras, no somente variam, supunha-
se, a salincia das questes dos diferentes tipos para as pessoas de
condies scio-econmicas diversas, e consequentemente a apreciao que
delas fazem, como tambm varia de acordo com o estrato social o
condicionamento exercido sobre a identificao partidria pelos diferentes
Tabela VII Juiz de Fora, 1976: Preferncia partidria atual e prefernciapartidria anterior a 1965, por renda familiar (%)
RENDA FAMILIARAt 2 sal. mnimos De 2 a 4 sal. mnimos
PREFERNCIA PARTIDRIA ANTERIOR A 1965PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR | PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR
13Essa idia da ruptura entre nveis de conscincia explorada em conexo com o conceito
de falsa conscincia por Michael Mann em The Social Cohesion of Liberal Democracy,American Sociological Review, 25, 3 (junho de 1970)
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pref. | pref.PREF. |
PART. |ATUAL |Arena 50 79 22 30 34 30 | 33 64 30 40 36 35MDB 25 0 56 40 29 33 | 50 9 50 20 34 45
Nenhum 13 21 20 30 34 18 | 17 27 20 30 24 20NS/NR 12 0 2 0 3 19 | 0 0 0 10 6 0(N) ( 8) (14) (55) (10) (119) (33) | ( 6) (11) (46) (10) (83) (20)
RENDA FAMILIARDe 4 a 8 sal. mnimos Mais de 8 sal. mnimos
PREFERNCIA PARTIDRIA ANTERIOR A 1965PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR | PSD UDN PTB Outros Sem NS/NR
pref. | pref.PREF. |PART. |ATUAL |Arena 70 70 27 71 41 73 | 42 67 38 44 43 60
MDB 30 0 50 0 24 18 | 33 10 33 44 25 40Nenhum 0 20 20 29 32 9 | 21 17 25 12 31 0NS/NR 0 10 30 0 3 0 | 4 7 4 0 1 0(N) (10) (10) (30) ( 7) (92) (11) | (24) (30) (24) (16) (81) (10)
tipos de questes. A expectativa era a de que, captando os correlatos da
identificao partidria em termos das representaes e opinies quanto aos
diversos tipos de problemas, vissemos a ser capazes de desvendar, por
detrs do vazio ou mesmo da incoerncia que aparentava caracterizar aopo partidria das camadas populares, formas particulares de alicerar-se
esta ltima que permitissem ver nela algo distinto, por exemplo, da simples
preferncia popular por Flamengo ou Corinthians.
Concretamente, quatro baterias de questes foram usadas a
respeito:
1. Um extenso conjunto de perguntas indagava a opinio dos entrevistadossobre uma srie de tpicos que compem o problema polticoinstitucional
brasileiro do momento e que aqui chamaremos questes
polticas, incluindo coisas tais como o ato institucional n.o 5, a
participao dos militares na vida poltica, eleies indiretas, a avaliao
da capacidade poltica do povo etc.14
14A lista completa de tais perguntas referia-se opo entre eleies diretas e indiretas, avaliao da capacidade que tem o povo de votar bem e escolher os melhores candidatos
para governar o pas, ao voto do analfabeto, participao dos militares no governo, tenso entre desenvolvimento e distribuio de renda (que chamaremos de poltica salarialdo governo), utilidade das discusses e debates entre partidos polticos, ao Ato
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requisitos de maneira satisfatria. No caso de Juiz de Fora, deu-se
prioridade dimenso popular versus elitista, e chamaremos questes
populares s questes correspondentes.16
Iniciemos a anlise pelo exame dos dados relativos s questes
polticas. Na Tabela VIII encontramos a relao entre as opinies com
respeito a cada uma das questes apresentadas aos entrevistados e a renda
familiar destes, classificada nas quatro categorias anteriormente
estabelecidas. J a Tabela IX mostra a relao existente, dentro de cada
categoria de renda familiar, entre a opinio sobre as diferentes questes e a
preferncia partidria dos entrevistados. Dada a complexidade resultante do
grande nmero de itens e da considerao simultnea de trs variveis,
decidimos recorrer a medidas sintticas de correlao para a apresentao
dos dados nesta ltima tabela.17
Os dados da Tabela VIII podem ser apreciados de vrios ngulos. Em
primeiro lugar, salta vista o fato de que, considerados os diversos itens
como expresses de ideias e polticas consagradas pelo regime em vigor, h
diferenas gritantes no grau de aquiescncia ou concordncia que elesparecem suscitar globalmente, isto , independentemente dos diversos
nveis de renda familiar, o que indica com muita clareza que eles no
16No caso de Juiz de Fora, foi a seguinte a formulao dada a essas quatro perguntas, aprimeira das quais corresponde a um problema debatido com insistncia durante acampanha: O Sr. concordaria ou discordaria com a ideia de o governo tomar as seguintesmedidas: A) Dar mais importncia a coisas como melhorar o centro das cidades (calado,fontes luminosas) do que, por exemplo, a problemas como calamento, gua e esgotos nos
bairros? B) O governo fazer contratos do INPS com hospitais e mdicos particulares ao invsde aumentar o nmero de ambulatrios e postos de sade nos bairros? C) O governo tratar de
aumentar a produo de carros particulares (a Fiat, por exemplo) ao invs de melhorar otransporte coletivo nas cidades? D) O governo aumentar as vagas nas universidades ao invsde ampliar e melhorar o ensino primrio?.
17A medida utilizada o coeficiente de correlaofi, adequado para tabelas 2 X 2 em que serelacionam variveis das quais pelo menos uma de nvel nominal, isto , no envolveordem entre os valores que a compem (preferncia partidria, por exemplo, cujos valoresseriam, em nosso caso, Arena e MDB, se exclumos o caso dos que no tm preferncia). Osvalores do coeficiente variam de 0, quando no h nenhuma correlao entre as variveis, a 1ou -1, quando a correlao total, quer positiva quer negativa. No caso
presente, um valor positivo do coeficiente significa que os entrevistados que adotam umaposio crtica diante da situao existente (tal como se expressa em cada item dosdiversosconjuntos de questes) tendem a votar no MDB e que os que adotam uma posio
conformista ou conservadora tendem a votar na Arena; um valor negativo do coeficienteindica o contrrio.
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surgem na conscincia da populao em geral como peas de um mesmo
todo coeso. Assim, o clima de opinio relativamente ao item 5 revela um
repdio macio poltica salarial do governo e forma concentradora de
renda em que se tem processado o desenvolvimento econmico do pas,
enquanto as respostas ao item 8 mostram grandes propores de apoio
participao dos militares na vida poltica e a tendncia amplamente
majoritria a considerar tal participao como algo que continua a ser
necessrio; grandes maiorias em todos os nveis de renda do preferncia ao
voto direto e se manifestam favoravelmente com respeito ao papel
cumprido no pas, em princpio, pelos debates entre partidos polticos, mas
maiorias quase to amplas ou apenas um pouco mais reduzidas consideram
que a Lei Falco foi uma boa medida ou do prioridade capacidade de
realizao dos governos frente aspirao de se ter governos eleitos.
Apesar de que seria sem dvida imprprio pretender que qualquer
molde nico pudesse ajustar-se coerentemente aos dados, em termos do
clima geral de opinio que se expressa com relao aos diferentes itens
pareceria possvel pretender agrup-los em algumas categorias, nas quais
teramos: (a) A tendncia ao apoio a posies liberais quando enunciadas em tese e
assim contrapostas a posies elitistas ou autoritrias (voto direto ou
indireto, capacidade poltica do povo, voto do analfabeto, papel
positivo ou negativo dos debates entre partidos). H a exceo, porm,
da preferncia dada a governos com capacidade de realizao sobre
governos eleitos, onde a sugesto de inpcia versus competncia e
eficincia (que aparentemente emerge com fora apesar de os termos
pas que vai pra frente ou como pas democrtico), seja refernciadireta a algum aspecto ou medida especfica do quadro poltico atual que
poderia pretender justificar-se em termos conjunturais (participao dos
militares, Lei Falco e AI-5, apesar de que este ltimo represente um
caso especial por algo que mencionaremos adiante). (c) Finalmente, uma categoria
mais ou menos residual de questes que podem ser postas em
termos de poltica econmica, os itens 5, 7 e 10, com respeito aos quais ser
talvez adequado pretender-se encontrar coerncias no clima nacionalista, estatizante eredistributivista que parecem evidenciar.
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Em segundo lugar, a observao das propores correspondentes aos
que declaram no saber ou deixam de responder a cada item permite destacar
duas constataes de relevncia do ponto de vista dos problemas que aqui nos
importam. Por um lado, as variaes em tais propores indicam variar
bastante o grau em que os diferentes itens podem ser considerados como
correspondendo a questes efetivamente presentes na conscincia dos
indivduos, ou seja, a questes que efetivamente existam como tal para eles.
De maneira que corrobora o que se verificou em outros centros, o AI-5 se
situa num patamar especial quanto s altas porcentagens de entrevistados que
declaram no saber responder questo correspondente, as quais atingem o
nvel dos 50 por cento em certos casos.18 Um segundo nvel pareceria existir
nos casos dos itens relativos ao controle das empresas estrangeiras,
expanso das empresas governamentais e questo do grau de democracia do
Brasil em confronto com outros pases, onde as respostas tipo no sei
chegam a atingir em alguns casos a faixa dos 20 a 25 por cento, enquanto as
propores de tais respostas nos demais itens oscilam em nveis inferiores.
Por outro lado, o padro de variao da incidncia de respostas no sei
segundo os nveis de renda, com poucas excees, tende a ser o mesmo nos
diversos itens, com o aumento das porcentagens medida que vamos dos
18Na verdade, em outra pergunta em que se indagava diretamente do entrevistado se ele
sabia o que era o Ato Institucional n 5, a porcentagem de respostas certas no foi alm dos16 por cento.
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Tabela VIII Juiz de Fora, 1976: posies quanto a questes polticas e rendafamiliar (%)*
RENDA FAMILIARAt 2 2 a 4 4 a 8 Mais de
QUESTES s. m. s. m. s. m. s. m.1. Voto direto ou Direto 60 64 55 56indireto Indireto 21 24 37 38
NS, NR 18 11 8 62. Povo sabe Sabe 55 60 53 40votar? No sabe 33 33 43 52
NS, NR 10 5 2 43. Voto do Deve votar 49 54 54 46analfabeto No deve 41 43 44 46
NS, NR 10 2 3 64. Opinio sobre Contra 14 13 16 24o AI-5 A favor 33 34 45 41
NS, NR 53 52 39 315. Poltica Contra 75 76 82 75salarial A favor 15 10 12 11
NS, NR 10 6 2 56. Debate entre Positivo 69 73 79 75
partidos Negativo 15 15 16 13NS, NR 15 8 4 5
7. Controle de Necessrio 56 62 67 78empresas estrangeiras Desnecessrio 17 20 22 13
NS, NR 25 17 9 68. Participao Contra 21 25 22 30
poltica dos A favor 58 58 67 56militares NS, NR 17 14 6 8
9. Preferncia Eleito 16 17 16 23governo eleito ou Realizador 71 74 81 70realizador NS, NR 12 7 3 410. Crescimento No devem crescer 13 13 22 38das empresas Devem crescer 64 68 70 51governamentais NS, NR 23 17 6 711. Este um No 13 14 11 29
pas que vai pra Sim 75 75 81 85frente NS,NR 8 4 2 312. Brasil comparado Menos democrtico 19 22 26 32a outros pases To democrtico 58 57 61 54democrticos NS,NR 20 17 10 713. Lei Falco Contra 26 20 25 30
A favor 58 69 69 69NS,NR 16 11 6 1
(N) (257) (186) (171) (186)
* As porcentagens no somam 100 por ter sido excluda, em cada item, a categoriadiscorda de ambas. Ver nota 14.
nveis mais altos de renda familiar aos mais baixos: ainda que de maneira
nada surpreendente, isso ratifica a suposio de que se trata, com as questes
poltico-institucionais, de temas que tendem a apresentar-se como remotos
e desprovidos de importncia sobretudo aos olhos dos setores populares.
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Essa constatao aumenta a significao da ltima observao de
interesse que a Tabela VIII nos parece permitir, a qual se refere precisamente
aos padres diferenciais de associao entre as posies frente s vrias
questes e a posio scio-econmica dos entrevistados, expressa na renda
familiar. Com efeito, a partir do item n 4, correspondente opinio sobre o
AI-5, verificamos que, com apenas umas tantas excees parciais, a
incidncia de opinies crticas com respeito situao existente no pas
cresce com o crescimento dos nveis de renda: quer se trate de opor-se aos
traos politicamente autoritrios do regime, de mostrar-se ctico diante do
ufanismo oficial, de reivindicar que cesse a expanso econmica do estado ou
que este coloque restries atuao das empresas estrangeiras naeconomia do pas, o padro que a emerge leva a que as maiores propores
de opinies anti-status quo se concentrem no nvel mais alto de renda.
Conjugada com a observao acima destacada, tal padro nos leva a supor
no apenas que medida que subirmos na escala scio-econmica iremos
encontrar com maior frequncia cidados politicamente atentos, envolvidos e
participantes, mas tambm que tais cidados se iro mostrar sobretudo
diante de sua oposio s caractersticas autoritrias do regime maiscoerentemente democrticos e progressistas do que os integrantes das
camadas scio-econmicas menos favorecidas.
No isso, porm, o que verificamos quando nos voltamos para os trs
itens relacionados em primeiro lugar na Tabela VIII, os quais dizem respeito
opo entre eleies diretas e indiretas, avaliao de at que ponto o
povo seria capaz de votar judiciosamente e posio diante do voto doanalfabeto. V-se que tais itens tm em comum precisamente o fato de
envolverem todos uma avaliao da capacidade poltica dos setores
populares, ou da capacidade dos membros de tais setores para se
desempenharem como cidados. Torna-se grandemente significativo, assim,
constatar que a maior propenso dos indivduos dos estratos scioeconmicos
mais baixos a se mostrarem alheios s questes polticas, como
acima destacamos, no impede tais estratos de se mostrarem
comparativamente confiantes e afirmativos quando se trata da avaliao de
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sua prpria capacidade como cidados. Essas trs questes se revelam
especiais, portanto, de duas maneiras: em primeiro lugar, como assinalamos
anteriormente, elas compem com o item relativo ao papel dos debates entre
os partidos o conjunto dos itens estritamente polticos em que o clima geral
de opinio predominantemente liberal, tendendo a favorecer o voto direto, a
avaliar favoravelmente a capacidade popular e a entender que o analfabeto
deve votar; alm disso, entretanto, inverte-se aqui o padro geral de
associao das opinies polticas com a posio scio-econmica, mostrando
que os maiores bolses de suspeita social se encontram nos nveis sociais
superiores e que aquilo que surge como a maior incongruncia dos setores
populares em diversos aspectos dos dados encontra alguma forma de
compensao, neste aspecto particular, nas propenses elitistas e excludentes
a predominarem precisamente nas camadas onde tambm se concentra a mais
articulada, crtica e liberal oposio ao regime. Isso no quer necessariamente
dizer, naturalmente, que os indivduos de altas rendas que se mostram liberais
em outras questes sejam os mesmos a exibir sentimentos elitistas,
parecendo mais razovel supor o que encontra respaldo nos dados que
estaremos analisando adiante que os estratos de rendas altas manifestem
maior tendncia a se dividir entre indivduos apegados a vises globais
distintas, independentemente do peso relativo de cada uma delas em termos
de frequncia.
Mas o leitor se ter provavelmente apercebido de algo desconcertante.
Com efeito, a forma predominante da relao entre a renda familiar e as
opinies diante das diferentes questes, segundo a qual as posies anti-status
quo aumentam em frequncia medida que subimos nos nveis de renda,corresponde precisamente ao oposto do que caberia esperar a julgar pela
relao anteriormente encontrada entre renda familiar e identificao
partidria, que mostrava o incremento das propores de arenistas com renda
familiar crescente. Ainda que a relao deparada na Tabela VIII se mostre
com frequncia de reduzida intensidade ou nitidez, isso permite supor que a
identificao partidria estar, em geral, fracamente correlacionada com as
opinies a respeito das questes polticas que aqui examinamos, o quenaturalmente coloca um problema de interesse do qual deveremos ocupar-nos.
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Se nos voltamos para a Tabela IX, uma viso global dos nmeros que
dela constam tende a corroborar a suposio que acabamos de formular: os
valores do coeficiente de correlaes utilizado so em geral baixos, indicando
que, em geral, as posies com respeito s questes polticas apresentam
reduzida correlao com a identificao partidria dos entrevistados.
Contudo, alm dessa verificao geral e do que ela possa ter de interessante e
talvez surpreendente, a Tabela IX apresenta excees significativas norma
a contida e dois ou trs padres reveladores. Em primeiro lugar, a coluna
correspondente ao mais alto nvel de renda familiar constitui uma clara
exceo ao padro de baixas correlaes, pois temos a, ao contrrio, valores
que indicam, na maioria dos casos, correlaes bastante altas entre opiniespolticas e opo partidria. Portanto, os indivduos de status scioeconmico
mais elevado so no apenas os mais propensos a se revelarem
politicamente envolvidos e a aderirem a opinies que se opem ao status quo
como acabamos de constatar, mas tambm de longe aqueles cujas opinies
tendem a traduzir-se mais certamente em preferncia partidria, e naquela
preferncia partidria que se preveria, ou seja, os que aderem opinies
crticas identificam-se com o MDB e os que se mostram conformes com ascondies polticas existentes do seu apoio ARENA. Esse conjunto de
observaes representa clara corroborao da idia de que os membros
dos setores scio-economicamente mais altos dispem de melhores condies
para alcanar um grau mais sofisticado e integrado de estruturao do
universo poltico em que se movem, de forma no apenas a fazer que sua
percepo de determinados aspectos desse universo tenha consequncias
quanto sua posio frente a outros aspectos, mas tambm que taisconsequncias assumam a aparncia de maior consistncia ou coerncia.
Observaes posteriores nos permitiro voltar sobre este ponto.
Por ora, destaquemos ainda duas constataes permitidas pela Tabela
IX. A primeira tem a ver com o fato de que alguns dos treze itens que nela
figuram, apesar de estarem de acordo com o padro recm destacado no
sentido de que manifestam maiores correlaes com preferncia partidria
no nvel mais alt