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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO, DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO, ANTE A COMPROVAÇÃO DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE DAYMON DE OLIVEIRA FALEIRO Itajaí (SC), Novembro de 2010.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO, DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO, ANTE A COMPROVAÇÃO DO CRIME DE EMBRIAGUEZ

AO VOLANTE

DAYMON DE OLIVEIRA FALEIRO

Itajaí (SC), Novembro de 2010.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO, DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO, ANTE A COMPROVAÇÃO DO CRIME DE EMBRIAGUEZ

AO VOLANTE

DAYMON DE OLIVEIRA FALEIRO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professor Esp. Débora Cristina Freytag Scheinkmann

Itajaí (SC), Novembro de 2010.

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente ao casal Paulo Sérgio e Maria de Lourdes, meus pais, pelo esforço, confiança e paciência que tiveram comigo.

A minha irmã Dayane, pela preocupação e compreensão.

A Deus, por tudo que me proporcionou, em toda a minha vida.

A minha orientadora, Professora Débora Cristina Freytag Scheinkmann que me auxiliou nessa

caminhada, atendendo de imediato ao meu pedido de orientação.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família, que é minha razão de viver e quem eu tenho certeza que sempre vai me apoiar, por toda minha vida.

Ao meu pai, que é exemplo de vida para mim, por sua honestidade e principalmente, por seu senso

de justiça.

A minha mãe, cujo carinho e amor a mim dedicados foram responsáveis por me tornar a

pessoa que sou.

A minha irmã Dayane, que é uma fonte de ligação para o amor e que sempre esteve do meu lado,

em todas as horas.

E a todas as pessoas que contribuíram direta, ou indiretamente, para a realização deste trabalho.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 26 de Novembro de 2009.

Daymon de Oliveira Faleiro Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Daymon de Oliveira Faleiro, sob o

Considerações Acerca do Crime de Homicídio Doloso, Decorrente de Acidente de

Trânsito, Ante a Comprovação do Crime de Embriaguez ao Volante, foi submetida

em 26/11/10 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: [Esp.

Débora Cristina Freytag Scheinkmann – Orientador e Presidente da Banca, e

examinador Esp. Guilherme Augusto Corrêa Rehder , aprovada com a nota

[Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí – SC, 26 de Novembro de 2010.

Professora Mestra Débora Cristina Freytag Scheinkmann

Orientadora e Presidente da Banca

Msc Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART. - Artigo - CP - Código Penal CPP - Código de Processo Penal - CRFB/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - HC - Habeas Corpus - N° - Número - § - Parágrafo STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina RT - Revista dos Tribunais CTB/97 - Código de Trânsito Brasileiro de 1997 CNH - Carteira Nacional de Habilitação DENATRAN - Departamento Nacional de Trânsito AC – Apelação Criminal HC – Hábeas Corpus JUTACRIM – Julgados do Tribunal de Alçada Criminal STF Supremo Tribunal Federal TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí CERJUPS Centro de Ciências Jurídicas e Sociais CODETRAN Coordenadoria Técnica de Trânsito - -

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Acidente de trânsito – Todo evento não premeditado de que resulte dano em

veículo ou na carga e/ou lesões em pessoas e/ou animais, em que pelo menos

uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou áreas abertas ao

público. Pode originar-se, terminar ou envolver veículo parcialmente na via

pública (Honorato, 2009, p. 19).

Culpa – Os doutrinadores ensinam que não existe um conceito de culpa, em

sentido estrito, mas que, com base no enunciado no art.18, II, do Código Penal

(diz-se o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado, por

imprudência, negligência ou imperícia), se poderia dizer que culposa é a

conduta voluntária que produz resultado ilícito, não desejado, mas previsível, e

excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado.

(TELES, 2004, p.186).

Crime – Ação típica, antijurídica e culpável (Leal, 1998, p. 167)

Dolo – O dolo, elemento essencial da ação final, compõe o tipo subjetivo. Pela

sua definição, constata-se que o dolo é constituído por dois elementos: um

cognitivo, que é o conhecimento do fato constitutivo da ação típica; e um

volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, o conhecimento, é

pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele.

(BITENCOURT , 2003, p. 210).

Embriaguez – A embriaguez pode ser definida como a intoxicação aguda e

transitória provocada pela ingestão de álcool ou de substância de efeitos

análogos. (BITENCOURT, 2007, p. 361-362).

Homicídio – A morte de um homem ocasionado por outro homem com um

comportamento doloso ou culposo e sem o concurso de causa ou justificação

(ANTOLISEI :1954, p. 12)

Trânsito - é um fenômeno mais amplo do que geralmente é compreendido, em

razão de englobar todos os usuários da vias terrestres, mesmo que não se

encontrem em deslocamento (Honorato, 2000, p. 77)

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SUMÁRIO RESUMO.............................................................................................................. 11

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12

CAPITULO 1 ........................................................................................................ 14

DO CRIME ........................................................................................................... 14

1.1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 14 1.2 CONCEITO DE CRIME .................................................................................. 14 1.2.1 CONCEITO MATERIAL .......................................... .................................... 16 1.2.2 CONCEITO FORMAL ............................................ ...................................... 17 1.2.3 CONCEITO ANALÍTICO ......................................... .................................... 19 1.3 FATO TÍPICO ................................................................................................. 20 1.3.1 CONDUTA ................................................................................................... 21 1.3.2 RESULTADO ......................................... ..................................................... 30 1.3.3 NEXO DE CAUSALIDADE ....................................... ................................... 32 1.3.4 TIPICIDADE ................................................................................................ 34 1.4 ANTIJURIDICIDADE............................... ....................................................... 36 1.5 CULPABILIDADE ................................. ......................................................... 38 CAPÍTULO 2 ........................................................................................................ 40

DO DOLO E DA CULPA ...................................................................................... 40

2.1 DOLO ............................................................................................................. 40 2.1.1 TEORIA DA VONTADE ............................................................................... 41 2.1.2 TEORIA DO ASSENTIMENTO OU CONSENTIMENTO ............................. 42 2.1.3 DOLO NATURAL ........................................... ............................................. 44 2.1.4 DOLO DIRETO ............................................................................................ 45 2.1.5 DOLO EVENTUAL .......................................... ............................................ 46 2.1.6 DOLO NORMATIVO .................................................................................... 49 2.1.7 DOLO ESPECÍFICO .................................................................................... 50 2.1.8 DOLO GERAL (ERRO SUCESSIVO) ................................................................ 51 2.1.9 DOLO GENÉRICO ...................................................................................... 51 2.2 CULPA ......................................... .................................................................. 53 2.2.1 IMPRUDÊNCIA ........................................................................................... 54 2.2.2 NEGLIGÊNCIA ....................................... ..................................................... 55 2.2.3 IMPERÍCIA .................................................................................................. 56 2.2.4 MODALIDADES DE CULPA ............................................. .......................... 58 2.2.5 CULPA INCONSCIENTE ............................................................................ 60 CAPÍTULO 3 ........................................................................................................ 62

ANÁLISE ACERCA DA CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL NOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO DECORRENTES DA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE............................................................................................................. 62

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3.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 62 3.2 A LEI 11.275/06 ............................... .............................................................. 63 3.3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ PREVISTO NO ART. 306 DO CTB .............. 66 3.3.1 EMBRIAGUEZ NÃO -ACIDENTAL (VOLUNTÁRIA OU CULPOSA ) ............................... 68 3.3.2 EMBRIAGUEZ COMPLETA E INCOMPLETA .......................................................... 69 3.3.3 EMBRIAGUEZ ACIDENTAL (CASO FORTUITO OU DE FORÇA MAIOR ) ...................... 70 3.3.4 EMBRIAGUEZ PREORDENADA .......................................................................... 72 3.3.5 EMBRIAGUEZ HABITUAL .................................................................................. 73 3.4 EMBRIAGUEZ COMO INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA E AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 11.705/08 .......................................................................... 73 3.5 A EMBRIAGUEZ COMO INFRAÇÃO PENAL NO CTB E A NOVA REDAÇÃO TRAZIDA PELA LEI 11.705/08 ......................................................... 75 3.6 DOLO EVENTUAL NOS DELITOS DE TRÂNSITO ......... ............................. 77 3.7 DISCUSSÃO ACERCA DA FALTA DE PREVISÃO LEGAL NO CTB PARA O CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO DECORRENTE DE DOLO EVENTUAL .......................................... ................................................................ 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 84

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .............................................................. 86

ANEXOS .............................................................................................................. 89

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RESUMO

A presente monografia tem por finalidade examinar

aspectos doutrinários e jurisprudenciais acerca da consideração do dolo

eventual nos delitos de trânsito causados por embriaguez alcoólica.

No primeiro capitulo foi examinado o conceito de crime

através dos conceitos material, formal, analítico, bem como fato típico, a

conduta, o resultado, o nexo de causalidade, a tipicidade, a antijuridicidade e a

culpabilidade.

No segundo capitulo foram analisados o dolo e suas

teorias da vontade, da representação ou consentimento, além do dolo natural,

dolo direto, dolo eventual, dolo normativo, dolo específico, dolo geral, dolo

genérico. Também foram analisados o conceito de culpa, nas modalidades

imprudência, negligência e imperícia e culpa consciente e culpa inconsciente.

No último capitulo examinou-se o dolo eventual nos

delitos de trânsito, a Lei 11.275/06, a embriaguez, nas modalidades não

acidental, completa e incompleta, acidental, preordenada, habitual, embriaguez

como infração administrativa e como infração penal, além de uma discussão

acerca da falta de previsão legal no CTB para o crime de homicídio doloso,

decorrente de dolo eventual.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a análise

doutrinária e jurisprudencial Considerações acerca do crime de homicídio

doloso, decorrente de acidente de trânsito, ante a comprovação do crime de

embriaguez ao volante.

O presente estudo tem como objetivo institucional

produzir uma monografia para a obtenção do Título de Bacharel em Direito,

pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, campus Itajaí.

Como objetivo geral pesquisar sobre os acidentes de

trânsito provocados a partir do estado de embriaguez do condutor do veículo.

Os objetivos específicos a).conceito de crime..b).analise

do dolo e da culpa c) analise da embriaguez ao volante.

O interesse pelo tema deu-se em razão da sua

atualidade, bem como o destaque do referido assunto na mídia e pela vivência

do autor, uma vez que este convive diariamente com esta realidade por

trabalhar com assuntos voltados ao trânsito.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando dos

conceitos material, formal e analítico do crime, fato típico, conduta, resultado,

nexo de causalidade, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.

No Capítulo 2, traz uma introdução à teoria do dolo e da

culpa, bem como teorias acerca da teoria da vontade, teoria da representação,

teoria do assentimento ou consentimento, elementos do dolo, espécie do dolo,

elementos da culpa, modalidade da culpa, espécie da culpa, culpa

inconsciente, culpa consciente ou com previsão.

No Capítulo 3, concluir-se-á o estudo tratando do dolo

eventual e da culpa consciente nos homicídios de trânsito. Tratar-se-á da

caracterização de trânsito, do homicídio culposo cometido em acidente de

trânsito, bem como o entendimento jurisprudencial quanto a figura dolosa nos

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homicídios ocorridos em acidente de trânsito no Tribunal de Justiça de Santa

Catarina.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre as considerações acerca do crime de homicídio doloso,

decorrente de acidente de trânsito ante a comprovação do crime de

embriaguez ao volante..

Para a presente monografia foi levantada a seguinte

hipótese:

Nos crimes de homicídio decorrente de acidente de

trânsito, comprovado também o crime de embriaguez ao volante, será

reconhecido o dolo eventual podendo o agente ser condenado por homicídio

doloso.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na

Fase de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento

de Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na

presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da

Pesquisa Bibliográfica

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica . p. 104.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 62.

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CAPITULO 1

DO CRIME

1.1 INTRODUÇÃO

O objetivo do presente capítulo é analisar as teorias

acerca do crime, com seus conceitos material, formal e analítico, abordando

ainda o significado do fato típico, da conduta, do resultado, do nexo de

causalidade, da tipicidade, da antijuridicidade, da culpabilidade e das teorias

acerca da ação, é mister para uma maior noção acerca da conduta praticada

pelo agente.

1.2 CONCEITO DE CRIME

A Lei de Introdução ao Código Penal, em seu art. 1º,

primeira parte (Decreto-Lei nº 3.914/41) prevê: “considera-se crime a infração

penal a que a lei comina de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer

alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”, prevê:

Teles assinala (2006, p.118):

Para o legislador definir certo fato humano como crime, deve, previamente, verificar se o mesmo é daqueles que lesionam bens jurídicos, ou pelo menos expõem-nos a grave perigo de lesão, e se tais lesões são de gravidade acentuada, de modo a serem proibidas sob a ameaça da pena criminal. Do contrario, não poderá o legislador considerá-las crime.

Jesus observa que (2005, p. 149):

Noxa, no antigo Direito Romano, segundo Mommsen, era o termo designativo da conduta delitiva. Evoluiu para noxia, que

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.”

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 31.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídic a. p. 45.

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significa “dano”. Este, porém, estava intimamente ligado aos conceitos de reparação e retribuição do mal causado, pelo que expressava mais a natureza dos efeitos do ato delitivo, que, propriamente, o significado da infração. Apareceram, então, outros termos, como expressão própria da conduta delituosa e não de suas conseqüências jurídicas. Daí a adoção das seguintes expressões: scelus, maleficium, flagittum, fraus, facinus, peccatum, probrum, delictum e crimen, com predominância das duas últimas. A expressão “delito” deriva de deliquere, abandonar, resvalar, desviar-se, significando abandono de uma lei. Crime vem do grego cerno, indicativo dos mais graves delitos.

Na Idade Média foram empregados os termo crimen e delictum, este indicando infração leve, aquele, grave.

O mesmo autor discorre acerca dos termos usados em

alguns países (2005, p. 149):

Na Itália foi adotada a expressão reato. Nos países de língua castelhana empregam-se os termos “delitos”, “crimes” e “contravenções”, sendo que “infração” designa as três condutas delituosas. Na Alemanha são também empregados os três termos, indicando “crime” (Verbrechen) o que para nós é infração. Na Inglaterra, offence é expressão comum e genérica, abrangendo os indictable crimes, sujeitos a acusação, que se dividem em felony e misdemeanor, segundo a maior ou menor gravidade. Nos Estados Unidos da América do Norte os crimes se tripartem em treasons, felonies e misdemeanors.

Para Dower (2002, p. 13-14):

Crime é um fenômeno social de alta relevância com graves consequências para a sociedade. O crime ou delito encontra-se descrito pela lei penal como sendo um fato humano sujeito a uma sanção. Sem definição legal nenhum fato pode ser considerado crime. Portanto, basicamente, o crime é uma ação ou omissão, um comportamento positivo ou negativo que se ajusta a um tipo penal. Esse fato típico, esse comportamento deve ser antijurídico, pois esse “tipo“ descreve o que é proibido.

O Código Criminal de 1830 e o Código Penal de 1890

elucidam o significado do termo crime, porém, vale ressaltar que em 1984 foi

reformulado o Código de 1940, deixando de definir o referido conceito.

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Costa Jr descreve que (2006, p.31):

O Código Criminal de 1830 e o Código Penal de 1890 traziam o conceito de crime. Tal não ocorre na legislação atual, mas, no entanto, embora se diga que a conceituação tenha sido relegada à doutrina, a sua realização mais completa (analítica) é apenas possível através da busca das disposições espalhadas pelo Código.

Como o Código Penal não prevê o conceito de crime,

cabe à doutrina posicionar-se a respeito.

1.2.1 CONCEITO MATERIAL

O presente conceito, ora em análise, destaca dois

elementos, a lei penal e o "bem jurídico material" que visa proteger, entendo

que bem jurídico material não só engloba objetos materiais, como abstratos,

como os religiosos, morais e psicológicos.

Barros destaca que (2006, p.117):

Sob o aspecto material ou substancial, crime é o fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos penalmente protegidos. Essa noção material não é falsa, porém nela sobreleva-se apenas a ontologia do crime. Apresenta-se como uma fórmula vazia sobre a ótica da dogmática penal, porquanto não identifica os elementos estruturais do conceito do crime. A lesão ou perigo de lesão de um interesse penal protegido constitui, na verdade, o resultado jurídico, essencial à caracterização de todo o crime. O direito penal necessita, no entanto, de uma visão mais analítica, que coloque em destaque os elementos estruturais do crime.

Costa Jr esclarece que (2006, p.19):

São aqueles em que o legislador distingue, na sua configuração objetiva, além da conduta, um resultado dela dependente. É insuficiente a atividade (ou inatividade) do agente (ou omitente). Faz parte também da facti species (espécie de fato) legal um evento (naturalístico), que integra o tipo, como elemento necessário e indispensável.

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Crimes materiais também são chamados de crimes com

evento, ou seja, são aqueles em que o legislador distingue um resultado

dependente da conduta.

Para Capez (2005, p. 112):

Crime sobe o aspecto material, é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.

Jesus discorre que (2005, p. 190):

No crime material o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação. Exs.: homicídio, infanticídio, aborto, participação em suicídio, lesão corporal, furto, roubo etc.

São crimes em que o tipo descreve a conduta do agente e a modificação no mundo exterior causada por ela.

Teles (2006, p.150) argumenta que no “crime material o

tipo descreve a conduta e o resultado, exigindo, para a consumação, a

ocorrência do resultado”.

1.2.2 CONCEITO FORMAL

No crime formal, não há obrigatoriedade do resultado

pretendido pelo agente. Aqui, a conduta e o resultado ocorrem ao mesmo

tempo.

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Teles discorre acerca deste conceito (2006, p.117):

Crime, do ponto de vista formal, é o comportamento humano proibido pela norma penal, ou simplesmente, a violação desta norma. Crime é, simplesmente, aquilo que a lei considera crime.

Teles (2006, p150), complementa discorrendo que no

crime formal, o tipo penal descreve a conduta e o resultado naturalístico, mas

não exige, para a consumação, a ocorrência do resultado.

Barros (2006, p.116) argumenta que:

O conceito formal não se preocupa com o aspecto ontológico, nem em sublinhar os elementos essenciais do delito; é a definição fornecida pelo legislador, variando, por isso, conforme a lei que o define. É mutante, varia consoante a lei que o define, não atendendo às exigências do jurista, que busca uma idéia ontológica e analítica do fenômeno.

É preciso haver uma ação ou omissão para que haja

crime, porém, o fato deve ser típico e antijurídico para que constitua um delito.

Capez ressalta que (2005, p 112):

O conceito formal de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descreve como tal, pouco importando o seu conteúdo. Considerar a existência de um crime sem levar em conta sua essência ou lesividade material afronta o principio constitucional da dignidade humana.

A conceituação formal como uma definição auto-suficiente

poderia ser fundamentada através do pensamento normativista, principalmente

através de Kelsen e o seu pretenso purismo metodológico. De fato, sobre o

prisma da modernidade, o conceito formal de crime é claramente dogmático.

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No entanto, é necessário demonstrar a sua importância, haja vista que, em

termos, o conceito analítico vem a resgatar um pouco desta dogmática, como

será demonstrado mais adiante.

1.2.3 CONCEITO ANALÍTICO

A classificação analítica tem várias vantagens, como

demonstra a analogia de Machado : "Ainda que, formalmente, a água seja

água e, materialmente, seja um líquido insípido, inodoro e incolor que serve

para, entre outras coisas, saciar a sede, analiticamente a sua composição é

H2O."

Leal destaca (2004, p.183 e 184):

A doutrina penal, paulatinamente, construiu um conceito denominado dogmático ou analítico. Trata-se de construção doutrinária que, ainda hoje, não pode ser considerada definitivamente acabada. A infração penal não deixa de ser uma entidade jurídica unitária, mas para fins de estudo ou de analise teórica, justifica-se a decomposição em seus elementos ou requisitos, sem os quais desaparece a figura criminosa.

E acrescenta ainda o mesmo autor (2004, p.183 e 184):

Em 1906, o jurista alemão Ernst von Beling, reformulou o conceito analítico de crime, inserindo um novo elemento: a tipicidade. O crime passou a ser definido, do ponto de vista dogmático, como a conduta humana, típica, antijurídica e culpável. Este conceito passou a ser entendido como o mais adequado para definir o crime do ponto de vista técnico-jurídico.

Diante deste conceito verifica-se que é destacada a

tipicidade ou antinormatividade; a ilicitude ou antijuridicidade e a culpabilidade

(divergente acerca do conceito analítico ou estratificado).

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1.3 FATO TÍPICO

A principal característica do crime é o fato típico, que é

formado pela conduta, pelo resultado, pelo nexo causal e pela tipicidade.

Teles ressalta que (2006, p.130):

A primeira característica do crime é ser um fato típico, descrito, numa lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde exatamente a um modelo de fato contido numa norma penal incriminadora, a um tipo.

Os componentes de um fato típico são: a conduta humana, a consequência dessa conduta se ela a produzir (o resultado ), a relação de causa e efeito entre aquela e esta (nexo causal ) e, por fim, a tipicidade .

Teles continua enfocando que (2006, p.150):

Fato típico é o comportamento humano descrito em lei como crime ou contravenção.

Fato típico, ao revés, é aquele que não se encontra descrito em lei como infração penal.

Fato típico é o fato material que se ajusta aos

componentes previstos na lei penal.

Para Barros (2006, p. 149 e 150):

O crime reúne duas características essenciais: fato típico e ilicitude.

Fato típico é o comportamento humano descrito em lei como crime ou contravenção.

Fato típico, ao revés, é aquele que não se encontra descrito em lei como infração penal

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Jesus destaca (2005, p.225):

O crime sob o aspecto jurídico-formal apresenta-se com a característica do fato típico e da antijuridicidade.

O primeiro requisito é, pois, o fato típico, que consiste no fato que se enquadra no conjunto de elementos descritivos do delito contidos na lei penal.

É mister abordar-se acerca dos componentes do fato

típico, ou seja, a conduta humana, o resultado, o nexo causal e a tipicidade, o

que será exposto na seqüência.

1.3.1 CONDUTA

De acordo com o conceito analítico, o crime tem como

parte fundamental a ação ou omissão humana, isto é, a conduta positiva ou

omissiva do homem.

Para Barros (2006, p.150):

Todo crime, seja doloso, seja culposo, só pode ser praticado por meio de uma conduta. Podemos deixar assentado, efetivamente, que não existe um crime sem a respectiva conduta. Bem exprime essa ideia velho adágio jurídico: Nullum crimen sine actione. Não há crime sem ação humana.

O crime é realização exclusiva do ser humano, só o homem pode realizar condutas. Isso porque a vontade, seja qual for a teoria que se adote, é o elemento essencial da conduta. E a vontade é atributo exclusivo do homem.

O vocábulo “conduta” serve para designar a ação e a omissão, mas também a palavra “ação”, em sentido amplo, serve para identificar a ação e a omissão, duplo sentido que pode provocar dúvidas. Preferimos, por mais claro, o termo “conduta” ou “comportamento” para indicar o gênero de que são espécies a ação e a omissão.

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Constituem elementos da conduta um ato de vontade

dirigido a um fim e a manifestação dessa vontade, que abrange o aspecto

psíquico e o aspecto mecânico ou neuromuscular.

Teles menciona acerca da conduta que (2006, p.138):

Estrutura-se em dois elementos: um ato de vontade dirigido a uma finalidade e a atuação dessa vontade no mundo exterior, vontade essa que abrange o fim pretendido, os meios usados e as consequências secundárias.

Leal observa que (2004, p.212 e 213):

A conduta realizadora do tipo penal pode se manifestar na forma de ação positiva ou comissiva, ou de omissão. A conduta omissiva deve ser entendida como ausência de um comportamento que o indivíduo, nas circunstâncias, tinha o dever de jurídico de realizá-lo. Assim, a omissão só tem relevância penal, isto é, somente assume a categoria jurídico-penal de conduta, quando o indivíduo tem obrigação jurídica de agir e não o faz.

Conduta é a ação ou omissão humana consciente e

dirigida à determinada finalidade, ou seja, um comportamento humano, não

estando incluídos, portanto, os fatos naturais, os do mundo animal e os atos

praticados pelas pessoas jurídicas

1.3.1.1 TEORIAS ACERCA DA CONDUTA

As condutas estabelecidas no Direito Penal trazem uma

noção maior no entendimento do crime cometido pelo sujeito, mostrando assim

sua intenção através de sua conduta.

A análise das teorias acerca da conduta serve de base ao

estudo desta nos Delitos de Trânsito.

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1.3.1.2 TEORIA FINALISTA

O que se pode entender acerca desta teoria é que o

conteúdo da vontade integra o conceito de ação. Não basta estabelecer

apenas que houve vontade.

Ferracini acentua que (2000, p.28):

Concepções finalistas da ação aparecem também sustentadas por outros autores, como Mezger, Hellmuth Mayer, SchonkeSchrodere, Nagler etc., tendo em vista que não há querer humano sem finalidade, mas o que caracteriza a teoria finalista é a introdução do dolo como parte subjetiva da ação. D notar-se, porém, que o dolo aqui é o que se tem chamado de dolo natural, ou seja, a simples direção da vontade, sem qualquer conteúdo de reprovação ético-jurídico.

Welzel, apud Ferracini (2000, p.30):

A finalidade e a causalidade são conceitos ontológicos, constituindo uma lei estrutural do Ser e do comportamento humano. Ação humana é exercício de atividade dirigida a um fim, sendo a ação, pois, acontecimento final e não apenas causal do homem. Das possíveis conseqüências de sua atividade em determinada extensão, dispondo, assim, de diversos fins, e dirigindo o planejamento de sua atividade para obtenção desses fins. A pura causalidade não é dirigida a um fim, mas simples resultado fortuito de precedentes componentes causais. Figuradamente falando, a finalidade “vê”, a “causalidade é cega”. “Censurando a teoria natural”.

A Teoria finalista descrita por Damásio (2005, p. 233)

pode ser entendida por meio da direção desejada pelo agente. É uma atividade

final humana. Significa que o agente pode, através de sua consciência, prever

as conseqüências de sua conduta.

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Ferracini (2000, p.31-32):

As críticas que nesse sentido foram apresentadas terminaram por ser acolhidas pelos próprios partidários da teoria finalista, como Nies e Maurach, que propuseram uma nova formulação, a que veio aderir Welzel: tanto nos crimes dolosos como nos culposos há ação finalística, pois em ambos os casos o autor antecipa mentalmente um resultado. No crime culposo, porem, a finalidade é pura finalidade do ser, um real processo psicológico, que se refere a um resultado que está fora do tipo (Niese). Que o resultado seja, no primeiro caso, conforme ao tipo, e, no último, não conforme ao tipo, permanece sem influência para a teoria da ação, à qual só é essencial que tanto nos crimes dolosos como nos culposos haja vontade e sai efetivação. Nos crimes culposos a vontade se dirige a um fim não típico e em regra juridicamente irrelevante (Maurach). A teoria dos crimes culposos foi objeto de larga elaboração doutrinária e hoje não mais oferece dificuldades.

No ensinamento de Mirabete (2004, p. 102):

Para a teoria finalista da ação, como todo comportamento do homem tem uma finalidade, a conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente casual. Como ela é um fazer (ou não fazer) voluntario, implica necessariamente uma finalidade. Não se concebe vontade de nada ou para nada, e sim dirigida a um fim.

Para Ferracini (2000, p. 33) o posicionamento contrário

dos autores supra mencionados sobre a teoria finalista da ação não combinam

com o Direito Penal vigente. Defende o autor a referida teoria nos seguintes

termos: “sustentamos a teoria finalista da ação por ser a mais consentânea a

realidade social, mesmo porque seria mais coerente o seu emprego no estudo

da culpa e crimes omissivos, já que os causalistas também sofrem restrição

quando do estudo em profundidade no delito omissivo, sendo que este jamais

seria a causa do evento (resultado).

A finalidade, ou atividade finalista da ação, se baseia em

que o homem, consciente dos efeitos causais do acontecimento, pode prever

as conseqüências de sua conduta, propondo, dessa forma, objetivos de distinta

índole (Ferracini, 2000, p.42).

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Porém, algumas críticas foram feitas no sentido de que a

finalidade nos crimes dolosos é atual, quando nos crimes culposos é potencial,

pois estes podem ser evitados através de atividade finalística.

1.3.1.3 TEORIA NATURALISTA OU CAUSAL DA AÇÃO

Significa um comportamento humano voluntário. Consiste

em fazer ou não fazer. Entende-se por um processo mecânico, muscular e

voluntário. Para a afirmação de que o agente praticou ação típica, basta que se

tenha a certeza de que o mesmo atuou voluntariamente, ou seja, é irrelevante

o que ele queria.

Mirabete assim preleciona (2004, p. 102):

Para a teoria causalista (naturalista, tradicionalista, clássica, causal-naturalista) a conduta é um comportamento humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer ou não fazer. É um processo mecânico, muscular e voluntário (porque não é um ato reflexo), em que se prescinde do fim a que essa vontade se dirige. Basta que se tenha a certeza de que o agente atuou voluntariamente, sendo irrelevante o que queria, para se afirmar que praticou ação típica.

Ferracini descreve (2000, p. 34):

Nesta teoria a conduta é concebida como um simples comportamento, sem apreciação sobre a ilicitude ou reprovabilidade. É denominada naturalista ou naturalística porque incorpora as leis da natureza no Direito Penal. Nos termos dessa teoria, a conduta é um puro fato de causalidade. Daí também chamar-se causal. Para ela, a conduta é o efeito da vontade e a causa do resultado. A vontade é causa do comportamento e este, por sua vez, é causa do resultado. Tudo isso se analisa sob o prisma naturalístico, de acordo com as leis da natureza, sem qualquer apreciação normativa ou social.

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O entendimento é que deve ser analisado o

comportamento do agente sem questionar sua ilicitude ou culpabilidade. O fim

da conduta deve ser analisado na culpabilidade, pois faz parte dela.

Mirabete entende que (2004, p. 102):

Embora não neguem que a conduta implica uma finalidade, os causalistas entendem que, para se concluir pela existência de ação típica, deve-se apreciar o comportamento sem qualquer indagação a respeito de sua ilicitude ou de sua culpabilidade, ou seja, consideram que a ação é a manifestação da vontade sem conteúdo finalístico. Esse conteúdo (fim da conduta) deve ser apreciado na culpabilidade, como elemento dela.

Ferracini assevera (2000, p.36):

É errôneo distinguir a conduta em duas partes: processo causal exterior e conteúdo subjetivo da vontade. Para a doutrina causal, porém, não se confundem. O conteúdo da vontade é o reflexo interior do acontecer exterior. A conduta é o efeito da vontade, sem considerar seu conteúdo, que corresponde à finalidade do comportamento (simples voluntariedade), o conteúdo da vontade pertence à culpabilidade.

Marques, apud Ferracini, opina o seguinte (2000, p.36):

A voluntariedade da conduta ativa não se confunde com a projeção da vontade sobre o resultado. O querer intencional de produzir o resultado é matéria pertinente à culpabilidade, e não a ação. Não se confunde, assim, a voluntariedade da ação com o juízo sobre a culpabilidade do fato punível e ilícito. No primeiro caso, verifica-se a existência da vontade como suporte psíquico do ato, na segunda hipótese, formula-se um juízo de vontade.

Essa teoria, porém, recebe críticas, pois, o conceito real

da conduta humana diferencia-se do jurídico penal. Assim, de acordo com a

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teoria naturalista ou causal da ação, estar-se-á separando a ação voluntária de

seu conteúdo.

Mirabete entende que (2004, p.102):

Critica-se essa posição clássica. Nos termos propostos pelos causalistas, o conceito jurídico penal da conduta humana difere do conceito real. Está-se cindindo um fenômeno real, separando-se a ação voluntária de seu conteúdo (o fim do agente ao praticar a ação) e ignorando-se que toda ação humana tem sempre um fim. Isso implica dificuldade, por exemplo, na conceituação da tentativa, pois a tipicidade desta exige que se verifique de imediato a finalidade da ação.

Ferracini (2000, p. 36-37) ao descrever o pensamento de

Welzel, afirmou que a doutrina da Teoria Naturalista ou Causal da Ação

recebeu severas críticas. Segundo o autor, Welzel afirma que o conteúdo da

vontade não pertence à conduta (Ação), sendo que esta é apenas causa do

resultado.

Para que se afirme que ocorreu a tentativa de

determinado crime é preciso dizer que houve uma conduta tendente à

produção de certo resultado, que o sujeito desejou produzir certo evento, não

alcançando por circunstâncias independentes de sua vontade. Então, na

conduta da tentativa existe o conteúdo da vontade.

1.3.1.4 TEORIA SOCIAL DA AÇÃO

Entendem alguns doutrinadores, como Ferracini e

Mirabete, que a ação não poderia ser conceituada com base apenas nas leis

da natureza, seria necessário valorar juntamente com o mundo social, por

tratar-se de um comportamento no meio social. O resultado desejado pelo

agente, não é analisado na ação, mas sim na culpabilidade. É suficiente que o

agente tenha desejado algo.

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Este é o posicionamento de Ferracini (2000, p.37-38):

Essa teoria compreendeu que um conceito tão importante, como o da ação, produtor de relevantes efeitos na estrutura do delito, não podia atender exclusivamente a princípios fundamentados nas leis da natureza. Diante disso, conheceu a necessidade de situar o problema numa relação valorativa com o mundo social. O conceito de ação, tratando-se de um comportamento praticado no meio social, deve ser valorado por padrões sociais. Assim, ação é a realização de um resultado socialmente relevante, questionado pelos requisitos do Direito e não pelas da natureza. Diante disso, ação nada mais é que a causação de um resultado, não importando qual. O conteúdo da vontade, em que se perquire qual o resultado visado pelo agente, não pertence à ação, mas à culpabilidade. É suficiente, na vontade da ação, que o agente tenha querido alguma coisa. O problema referente àquele que ele quis pertence à culpabilidade.

Alguns autores vêem na relevância social do fazer ou da

omissão, o critério conceitual comum a todas as formas de comportamento.

Engloba o agir como fator sensível da realidade social, com todos os seus

aspectos pessoais, finais, causais e normativos.

Mirabete assinala (2004, p. 103-104):

A teoria social da ação (ou da ação socialmente adequada, da adequação social ou normativa) surgiu para ser uma ponte entre as teorias causalista e finalista. Para essa teoria a ação é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. A relevância social da ação é o critério conceitual comum a todas as formas de comportamento e, portanto, também ao crime. Entende-se que o “comportamento” é a resposta do homem a uma exigência posta em determinada situação conhecida, ou pelo menos passível de ser conhecida, constituindo-se na realização de uma possibilidade de reação, de que ele dispõe em razão de sua liberdade. Como o Direito Penal só comina pena às condutas socialmente danosas e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio, sem relevância social não há relevância jurídico-penal. Só haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação.

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A Teoria Social da Ação, por outro lado, é criticada pelos

mesmos doutrinadores, haja vista que dá valor à conduta e não ao resultado.

Ferracini assevera que (2000, p.38):

Essa teoria, como a causal propriamente dita, dá muita importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Se a ação é a causação de um resultado socialmente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, uma vez que o resultado é idêntico nos dois casos. A diferença será feita, não na ação ou no fato típico, mas no terreno da culpabilidade. Diante disso, não se pode com propriedade falar em conduta dolosa de homicídio. Só a análise do fato diante da culpabilidade é que permitirá o emprego de tal expressão. Por esses motivos, essa teoria foi repudiada pela doutrina penal.

Mirabete por sua vez posiciona-se (2004, p. 102):

Critica-se essa posição clássica. Nos termos propostos pelos causalistas, o conceito jurídico penal da conduta humana difere do conceito real. Está-se cindindo um fenômeno real, separando-se a ação voluntária de seu conteúdo (o fim do agente ao praticar a ação) e ignorando-se que toda ação humana tem sempre um fim. Isso implica dificuldade, por exemplo, na conceituação da tentativa, pois a tipicidade desta exige que se verifique de imediato a finalidade da ação. Também não se pode explicar convenientemente pela teoria tradicional a tipicidade quando o tipo penal contem elementos subjetivos (finalidade da ação, ânimo do agente etc.), que fazem parte da própria descrição legal e onde a vontade final do agente está indissoluvelmente ligada à sua ação.

De acordo com a teoria social da ação, a conduta, na

seara penal, não pode ser analisada apenas com base nas leis da natureza,

tampouco vista como a manifestação puramente objetiva da vontade, que é

conscientemente dirigida a um fim desejado pelo agente, como entendiam os

adeptos das teorias anteriores.

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Sobre o assunto, Damásio Destaca (2005, p. 232 e 233):

Essa teoria compreendeu que um conceito tão importante como o da ação, produtor de relevantes efeitos na estrutura do delito, não podia atender exclusivamente a princípios fundamentados na lei da natureza. Diante disso, reconheceu a necessidade de situar o problema numa relação valorativa com o mundo social. O conceito de aço, tratando-se de um comportamento praticado no meio social, deve ser valorado por padrões sociais. Assim, aço é o resultado socialmente relevante, questionado pelos requisitos do direito, e não pelas leis da natureza.

Portanto, essa terceira teoria acrescentou ao conceito de

ação a relevância social do comportamento humano.

1.3.2 RESULTADO

O caput do art. 13 do Código Penal, deixa implícito que

não há crime sem resultado. Portanto, todos os crimes possuem um resultado.

Entretanto, há crimes onde o resultado depende de um resultado concreto ou

material distinto da ação, são os chamados crimes de ação e resultado.

Leal esclarece que (2004, p.214):

Esta é mais uma questão meramente teórica sobre a qual a doutrina se divide: uma corrente afirma que não há crime sem que haja um resultado, separado ou distinto da conduta típica; outra corrente entende que pode haver crimes que não exigem a ocorrência desse resultado naturalístico. Para esta corrente doutrinaria, se resultado é a modificação causada no plano externo pela conduta humana, pode haver conduta delituosa sem a ocorrência dessa modificação concreta no plano concreto: são os crimes formais ou de mera conduta.

Já a primeira corrente defende a idéia de que todo o crime possui um resultado ou um evento distinto da conduta que o causou. Estamos aqui diante da chamada teoria jurídica de resultado.

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Um resultado típico só ocorre nos crimes materiais. Isso

quer dizer que nem sempre é exigido um resultado típico para ocorrer um

crime. Isso contudo não exime o ordenamento jurídico de tipificar, descrever a

conduta como criminosa.

Mirabete apresenta o mesmo entendimento (2005, p.110):

Não basta conduta para que o crime exista, pois é exigido, o segundo elemento do fato típico, que é o resultado. Segundo o conceito naturalístico, é ele a modificação do mundo exterior provocado pelo comportamento humano voluntário.

A lei prevê, porém, crimes em que não existe tal modificação no mundo exterior. Assim, resultado deve ser entendido como lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma penal.

Discorre Jesus (2005, p.243):

Resultado é a modificação do mundo exterior provocada pelo comportamento humano voluntário.

É comum o emprego da expressão evento como sinônimo de resultado, embora etimologicamente possuam significados diferentes. Evento quer dizer sucesso, acontecimento; resultado indica efeito, consequência.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 13, dispõe que o

resultado depende da existência do crime e somente é imputável a quem lhe

deu causa.

Além disso, a norma penal considera causa a ação ou

omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

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Jesus esclarece ainda que (2005, p.244):

Segundo a concepção naturalística, resultado é a modificação do mundo externo causada por um comportamento humano. O conceito resulta da relação entre conduta e modificação, prescindindo-se de sua análise em face da norma jurídica.

O resultado, assim é entendido, como uma modificação

no mundo exterior. Classificando os crimes em material, formal e crime de

mera conduta.

1.3.3 NEXO DE CAUSALIDADE

Entre a causa e o efeito deve haver um vínculo, uma

ligação. A ação ou comportamento figura como causa e o resultado como

consequência. O nexo de causalidade é o vinculo entre o comportamento

humano descrito no tipo e o resultado.

Vargas aponta que (1997, p.234):

Quando o nosso código penal, art.13, 2ª parte, expressamente, considera causa do crime a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, adotou a chamada teoria da conditio sine qua non ou da equivalência dos antecedentes causais, que tem como base a teoria de que tudo o que acontece para o resultado é causa, tenha o agente agido isoladamente ou não. Causa é, pois, toda condição do resultado. A teoria acima referida “atribui aptidão causal a antecedentes distantes desde que, sem eles, não se daria o resultado. Tudo o que contribui para o resultado é causa para ele”

Para comprovar que alguém praticou uma determinada

conduta, é mister estabelecer a ligação entre esta e o resultado gerado, isto é,

verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado.

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Ensina Jesus que (2005, p.246):

O terceiro elemento do fato típico é o nexo de causalidade entre o comportamento humano e a modificação do mundo exterior. Cuida-se de estabelecer quando o resultado é imputável ao sujeito, sem atinência à ilicitude do fato ou à reprovação social que ele mereça.

Jesus ainda elucida (2005, p.246 e 247):

O nosso Código, ao resolver a questão do nexo de causalidade, adotou a teoria da conditio sine qua non ou da equivalência dos antecedentes causais. Reza o art. 13, caput, 2ª parte, que é considerada causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado, considerado que nenhum elemento, de que depende a sua produção, pode ser excluído da linha de desdobramento causal.

Para Capez (2005, p. 155), nexo causal é o elo concreto,

físico, material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o

resultado naturalístico, por meio do qual é possível dizer se aquela deu ou não

causa.

Para Mirabete (2005, p.110 e 111)

Para haver fato típico é ainda necessário que exista relação de causalidade entre a conduta e o resultado.

O conceito de causa não é jurídico, mas da natureza; é a conexão, a ligação que existe numa sucessão de acontecimentos que pode ser entendida pelo homem. Causar, como ensinam os léxicos, é motivar, originar, produzir fenômeno natural que independe de definição.

Para estabelecer, porém, o que se deve entender por causa em sentido jurídico penal, várias teorias foram elaboradas: a da causalidade adequada, a da eficiência, a da relevância jurídica etc.

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Nexo de causalidade é o liame de ligamento entre a

conduta e o resultado. É ele que diz qual foi a conduta que produziu o

resultado.

1.3.4 TIPICIDADE

Tipicidade é agir de acordo com a conduta humana

prevista na lei e que corresponde a um crime.

Teles discorre que (2006, p.174):

Tipicidade é a relação de adequação exata, perfeita, total, completa, absoluta, entre o fato natural, concreto da vida, e o tipo, que é o modelo de conduta proibida.

Em grande parte dos casos da vida, a verificação dessa relação de adequação se faz de modo bem simples. Observa-se o fato e, num átimo de segundo, chega-se à conclusão de que ele se ajusta a certo tipo legal de crime.

Quando o fato natural se ajusta, se enquadra, imediatamente, diretamente, ao tipo, fala-se em tipicidade direta.

Complementa Teles (2006, p.175):

Nem sempre é possível verificar a tipicidade de um fato, adequando-o diretamente, a um tipo legal de crime, porque em dois casos certos fatos da vida, que exigem pronta resposta penal, não se ajustam diretamente a um tipo legal de crime. Nesses casos, a verificação da tipicidade só é possível de forma indireta.

Este elemento do fato típico deve ser a correspondência

exata, a adequação perfeita entre o fato natural, concreto e a descrição contida

na lei.

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Leal preleciona (2004, p.233):

O juízo de tipicidade consiste em verificar se determinado comportamento humano se enquadra perfeitamente na definição legal de crime. Por isso a tipicidade foi definida como a conformidade do fato àquela imagem diretriz traçada na lei, ou seja, é a condição de que deve revestir-se o fato para realizar concretamente o tipo legal. Ou, ainda, é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora.

Sem essa propriedade de pleno ajustamento do fato concreto ao modelo incriminador descrito na norma repressiva em que consiste a tipicidade, desaparece o elemento fundamental do conceito jurídico do crime.

Para que a conduta humana seja considerada crime, é

necessário que se ajuste a um tipo legal.

Jesus ensina que (2005, p.260):

Tipicidade num conceito preliminar é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora. Em várias passagens, empregaremos a expressão “tipo legal” não no sentido de crime com todos os seus requisitos, mas sim como o conjunto dos elementos descritivos do delito contidos na norma incriminadora, sobre os quais se faz o juízo valorativo da antijuridicidade e da culpabilidade. O mesmo se diga da expressão “fato típico”, que é o fato que se adapta ao modelo legal nos elementos necessários para que se configure a infração penal.

Tipicidade é a qualidade que possui o fato de encontrar correspondência descritiva no modelo legal.

A tipicidade é o indício da antijuridicidade do fato. Assim

praticado um fato típico, presume-se também a sua antijuridicidade, presunção

que somente cessa diante da existência de uma causa que a exclua.

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1.4 ANTIJURIDICIDADE

A expressão antijurídico remete à prévia definição:

Anti é prefixo que significa contrario, portanto, antijurídico

significa uma conduta contra o jurídico.

Para Mirabete (2005, p.173):

A antijuridicidade é a contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico.

A antijuridicidade, como elemento na análise conceitual do crime, assume, portanto, o significado de “ausência de causas excludentes de ilicitude”. A antijuridicidade é um juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, no sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico.

Na antijuridicidade, tem predominância o concernente à

ilicitude, pois o ordenamento jurídico determina um mandamento externo de

comportamento e só lhe interessa, ao contrário do que acontece com a Moral,

a atividade subjetiva do sujeito quando demonstrada através da conduta

(Damásio, 2005, p. 355).

Mirabete ainda complementa (2005, p.175):

O direito prevê causas que excluem a antijuridicidade do fato típico. São normas permissivas, também chamadas tipos permissivos, que excluem a antijuridicidade por permitirem a prática de um fato típico.

Segundo o entendimento adotado, a exclusão da antijuridicidade não implica o desaparecimento da tipicidade e, por conseguinte, deve-se falar em “conduta típica justificada”.

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Noronha assevera (2004, p.101):

A ação é antijurídica ou ilícita quando é contrária ao direito. A antijuridicidade exprime uma relação de oposição entre o fato e o direito. Ela se reduz a um juízo, a uma estimativa do comportamento humano, pois o direito penal outra coisa não que um complexo de normas que tutelam e protegem as exigências ético-sociais. O delito é, pois, a violação de uma dessas normas.

Tal conceito se completa por exclusões, isto é, pela

consideração de causas que excluem a antijuridicidade. Será antijurídico um

fato definido na lei penal, sempre que não for protegido por causas

justificativas, também estabelecidas por ela (Noronha, 2004, p. 102).

Leal discorre que (2004, p. 289):

O direito, como sistema normativo, estabelece proibições ou impõe obrigações em geral. Os comportamentos que violam essas proibições ou deixarem de cumprir essas obrigações, contrariam a ordem jurídica e, em consequência, são considerados ilícitos jurídicos. Essa condição de contrariedade à ordem jurídica, apresentada por certos comportamentos humanos, é que se denomina de ilicitude ou antijuridicidade.

A antijuridicidade é a contradição entre uma conduta e o

ordenamento jurídico. O fato típico, até prova em contrário, é um fato que,

ajustando-se a um tipo penal, é considerado antijurídico. Existem, entretanto,

na lei penal ou no ordenamento jurídico em geral, causas que excluem a

antijuridicidade do fato típico. Por essa razão, diz-se que a tipicidade é o indício

da antijuridicidade.

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1.5 CULPABILIDADE

Culpabilidade é a reprovabilidade da conduta praticada,

ou seja, é um juízo de censurabilidade, sobre a pessoa que comete um fato

típico e ilícito.

Capez observa (2005, p. 297):

É a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena.

Costa Jr. descreve que (2009, p. 146):

A culpabilidade apresenta-se como condição necessária, mas não suficiente da punibilidade.

Exercita a culpabilidade um papel de limite da intervenção estatal punitiva, determinando o máximo da pena que poderá ser aplicada.

Para que se possa dizer que uma conduta é reprovável,

ou seja, que há culpabilidade, é necessário que o agente tivesse podido agir de

acordo com a norma.

Mirabete ressalta que (2004, p. 196):

A culpabilidade é, assim, a reprovabilidade da conduta típica e antijurídica.

Mas, do princípio da culpabilidade se depreende que, em primeiro lugar toda a pena supõe culpabilidade, de modo que não pode ser castigado aquele que atua sem culpabilidade (exclusão da responsabilidade pelo resultado) e, em segundo

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lugar, que a pena não pode superar a medida da culpabilidade (dosagem da pena no limite da culpabilidade)

Ao constar prática de uma infração penal, define-se um

juízo de censurabilidade e reprovação que será exercido sobre o agente que

praticou o fato típico e ilícito. O Código Penal adotou a teoria limitada da

culpabilidade, segundo a qual são seus requisitos: a) imputabilidade; b)

potencial consciência da ilicitude; c) exigibilidade de conduta diversa.

Os requisitos da culpabilidade são conceituado na visão

de Leal (2004, p. 328) como: “Imputabilidade é a condição de desenvolvimento

biopsíquico necessária para tornar o indivíduo capaz de entender e querer a

prática de uma infração penal e por esta ser responsabilizado.”

Sobre a potencial consciência da ilicitude, discorre Leal

(2004, p. 329) que: “exige-se do agente, no momento em que pratica o fato

típico, a consciência do caráter antijurídico deste, ou ao menos, que tenha tido

a possibilidade de alcançar esse conhecimento”.

Leal (2004, p. 330) complementa conceituando: “O juízo

de censura (culpabilidade) se torna positivo quando se verifica que o infrator,

em vez de infringir o mandamento contido na norma penal,deveria ter agido

conforme o direito, evitando assim a realização do tipo penal”.

Para a melhor compreensão do tema abordado,

necessário é, o estudo dos institutos do dolo e da culpa previstos no Código

Penal, que serão analisados no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 2

DO DOLO E DA CULPA

É mister o referido estudo para a analise das condutas

praticadas pelo agente na direção do veículo automotor, que encontra-se sob a

influência de álcool ou substância de efeitos análogos, para verificar se a ação

foi praticada com dolo ou se é decorrente de culpa. Desta forma, aborda-se-a

primeiramente acerca do dolo.

2.1 DOLO

Dolo é a intenção do agente em cometer o crime. É a

modalidade mais grave de um crime. Pratica o crime com a intenção de um fim

gravoso, é uma intenção criminosa de prejudicar.

Segundo o artigo 18, inciso I, do Código Penal (Gomes, p.

257):

Art. 18. Diz-se o crime:

Crime doloso

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

(...)

Por dolo pode-se entender que é a consciência e a

vontade do agente,constatando que é constituído por dois elementos: o

cognitivo e o volitivo.

O dolo apresenta algumas espécies como: dolo natural,

dolo direto, dolo normativo, dolo específico, dolo geral e dolo genérico e o dolo

eventual.

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No entendimento de Bittencourt (2003, p. 210):

O dolo, elemento essencial da ação final, compõe o tipo subjetivo. Pela sua definição, constata-se que o dolo é constituído por dois elementos: um cognitivo, que é o conhecimento do fato constitutivo da ação típica; e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, o conhecimento, é pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele.

Capez ensina sobre a abrangência do dolo (2001, p. 176):

A consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base à sua decisão em praticá-la. Ressalte-se que o dolo abrange também os meios empregados e as conseqüências secundárias de sua atuação.

O Dolo pode ser explicado a partir de duas teorias: a)

Teoria da Vontade; e c) Teoria do Assentimento ou Consentimento, assim

imprescindível a análise de duas delas, que ora passa-se a abordar.

2.1.1 TEORIA DA VONTADE

Para que se verifique o dolo, através da Teoria da

Vontade, é necessária que a conduta dolosa do agente seja visando o fim que

se busca, enfim, que o agente conheça os atos e sua significação. A Teoria da

Vontade significa a vontade de causar o resultado.

Assim ensina Teles (2004 p. 181):

Age com dolo, segundo a teoria da vontade, quem tem, como objetivo, a prática de um fato definido como crime. Em outras palavras, é dolosa a conduta em que o agente tem vontade de

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alcançar o resultado, de conseguir que ocorra, se materialize a conseqüência de seu comportamento.

O agente, buscando o resultado que é o da sua vontade,

estará agindo dolosamente, conforme a Teoria da Vontade. Basta que, o

resultado seja o desejado pelo agente para que configure o dolo.

Bittencourt afirma que (2003, p. 211):

A essência do dolo deve estar na vontade, não de violar a Lei, mas de realizar a ação e obter o resultado. Essa teoria não nega a existência da representação (consciência) do fato, que é indispensável, mas destaca, sobretudo, a importância da vontade de causar o resultado.

O agente que, tendo consciência de que seu

comportamento irá dar causa a um determinado resultado, podendo prever o

resultado proibido, age conforme a Teoria da Vontade.

Teles discorre acerca da presente teoria (2004, p.181):

Quem assim agir, segundo essa teoria, age dolosamente. É quem consegue representar o futuro resultado, quem o prevê e, simultaneamente, deseja alcançá-lo. Dolo é, portanto, previsão do resultado e, a um só tempo, vontade de alcançá-lo. Dolo é a consciência (previsão) e vontade.

2.1.2 TEORIA DO ASSENTIMENTO OU CONSENTIMENTO

A Teoria do Assentimento ou Consentimento significa que

o sujeito tenha a consciência, que ele aceite o fato, mesmo que não queira

alcançar o resultado. Junta-se com a Teoria da Vontade.

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Teles entende que (2004, p. 182):

Esta teoria, tanto quanto a teoria da vontade, exige que o agente tenha consciência do fato, tenha previsão do resultado, mas não exige que ele queira alcançar o resultado, bastando que o aceite, consinta, caso ele aconteça.

Para essa teoria, também é dolo a vontade que, embora

não dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou possível,

consente na sua ocorrência ou, o que dá no mesmo, assume o risco de

produzi-lo. A representação é necessária, mas não suficiente à existência do

dolo, e consentir na ocorrência do resultado é uma forma de querê-lo.

(Bittencourt, 2003, p.211-212).

Discorrendo sobre o tema, Damásio (2003, p.288):

É aceita a teoria da vontade. Dolo não é simples representação do resultado, o que constitui um simples acontecimento psicológico. Exige representação e vontade, sendo que esta pressupõe aquela, pois o querer não se movimenta sem a representação do que se deseja.

Capez dispõe (2001, p.177):

Dolo é o assentimento do resultado, isto é, a previsão do resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo. Não basta, portanto, representar; é preciso aceitar como indiferente a produção do resultado.

Portanto, entende-se que as Teorias do Assentimento ou

Consentimento e a Teoria da Vontade são as teorias que dão fundamento ao

artigo 18, I do Código Penal.

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Neste sentido, Bittencourt discorre (2003, p.212):

Nosso Código Penal, ao contrário do que alguns afirmam, adotou duas teorias: a teoria da vontade, em relação ao dolo direto, e a teoria do consentimento, em relação ao dolo eventual.

Da análise do disposto no art. 18, I, do Código Penal,

conclui-se que foram adotadas as teorias da vontade e do assentimento. Dolo é

a vontade de realizar o resultado ou a aceitação dos riscos de produzi-lo. A

teoria da representação, que confunde culpa consciente com dolo, não foi

adotada. (Capez, 2001, p.177).

Assim, o Dolo é conceituado por meio de duas teorias, ou

seja, da Teoria da Vontade e da Teoria do Assentimento ou consentimento

para conceituá-lo.

2.1.3 DOLO NATURAL

Em um conceito sucinto, dolo natural é a simples vontade

de fazer alguma coisa.

Capez conceitua (2001, p. 177):

É dolo concebido como um elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Trata-se de um simples querer, independentemente de o objeto da vontade ser lícito ou ilícito, certo ou errado. Esse dolo compõe-se apenas de consciência e vontade, sem a necessidade de que haja também a consciência de que o fato praticado é ilícito, injusto ou errado.

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Capez (2006, p. 201):

Esse dolo compõe-se apenas de consciência e vontade, sem a necessidade de que haja também a consciência de que o fato praticado é ilícito, injusto ou errado. Dessa forma, qualquer vontade é considerada dolo, tanto a de beber água, andar, estudar, quanto a de praticar um crime. Afasta-se a antiga concepção de dolus malus do direito romano. Sendo uma simples vontade, ou está presente ou não, dispensando qualquer análise valorativa ou opinativa. Foi concebido pela doutrina finalista, integra a conduta e, por conseguinte, o fato típico. Não é elemento da culpabilidade, nem tem a consciência da ilicitude como seu componente.

Portanto, verifica-se que a conduta é um comportamento

voluntario, que tem como fim o conteúdo da vontade. A conduta tem a vontade

como componente subjetivo.

2.1.4 DOLO DIRETO

Dolo direto é o querer o resultado, é a vontade dirigida ao

fim. O agente realiza uma conduta desejando um fim específico, que é o

pretendido por ele.

Nos ensinamentos de Bittencourt (2003, p. 214):

No dolo direto o agente quer o resultado representado como fim de sua ação. A vontade do agente é dirigida à realização de fato típico. O objeto do dolo direto é o fim proposto, os meios escolhidos e os efeitos colaterais representados como necessários à realização do fim pretendido.

Fragoso (2006, p. 209), em sua obra define o dolo como

sendo: “a consciência e vontade na realização da conduta típica. Compreende

um elemento cognitivo (conhecimento do fato que constitui a ação típica) e um

volitivo (vontade de realizá-la)”.

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Considera-se dolo direto quando o agente quer

determinado resultado. A vontade constitui a essência do dolo.

Capez, por sua vez, nos traz o conceito de dolo (2005, p.

189):

Como “a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente é a vontade manifestada da pessoa humana de realizar a conduta.” O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 18, inciso I, dispõe que é considerado doloso o crime quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. A doutrina acentua que é inerente ao dolo a consciência da ilicitude do fato, sendo consciência e voluntariedade do fato conhecido como contrário ao dever.

Damásio (2005, p. 298) assevera, outrossim, ao discorrer

sobre a natureza jurídica do dolo, que ele constitui elemento subjetivo do tipo

(implícito) Damásio (2005, p. 298)

2.1.5 DOLO EVENTUAL

Para a caracterização do dolo eventual é necessário que

o agente assuma o risco de produzí-lo. O sujeito não quer o resultado, poderá

dar causa ao acontecimento. Ele antevê o resultado, mas continua sua

conduta. Ele não quer o resultado, mas se ocorrer arcará com o resultado. O

dolo eventual pode também, ser chamado de Dolo Indireto, como conceituam.

Damásio preleciona (2003, p. 290-291):

Ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse, haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o avento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o

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comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza.

Para Bittencourt, o dolo eventual equipara-se ao dolo

direto (2003, p.217):

Sinteticamente, procura-se distinguir o dolo direto do eventual, afirmando-se que “o primeiro é a vontade por causa do resultado; o segundo é a vontade apesar do resultado”. No entanto, nosso Código equiparou-os quanto aos efeitos, nos precisos termos da Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, da lavra do Ministro Francisco Campos, in verbis: “O dolo eventual é, assim, plenamente equiparado ao dolo direto. É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu advento”.

Para Damásio (2003, p.292) dolo direto também é

equiparado ao dolo eventual, equiparação advinda de longo debate doutrinário.

No CP, o dolo direto está contido na expressão “quis o resultado” (art. 18, I, 1ª.

parte); o dolo eventual se encontra na expressão “assumiu o risco de produzi-

lo” (art. 18, I, 2ª. parte).

Complementando seu entendimento sobre o tema,

Bittencourt assinala (2003, p.234):

Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que atribui à prática da ação. Por isso, entre desistir da ação ou praticá-la, mesmo correndo o risco da produção do resultado, opta pela segunda alternativa.

Acrescenta ainda o mesmo autor (2003, p. 235):

O fundamental é que o dolo eventual apresente estes dois componentes: representação da possibilidade do resultado e anuência à sua ocorrência, assumindo o risco de produzi-lo.

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Enfim, como sustenta Wessels, haverá dolo eventual quando o autor não se deixar dissuadir da realização do fato pela impossibilidade próxima da ocorrência do resultado e sua conduta justifique a assertiva de que, em razão do fim pretendido, ele se tenha conformado com o risco da produção do resultado ou até concordado com a sua ocorrência, ao invés de renunciar à prática da ação.

Porém, não seria nada fácil para a Justiça condenar um

indivíduo, partindo da idéia de Dolo Eventual com base no simples

consentimento do autor, pois, este nunca confessaria suas intenções.

Este é o entendimento de Damásio (2003, p. 292):

Não se exige fórmula psíquica ostensiva, como se o sujeito pensasse “consinto”, “conformo-me com a produção do resultado”. Nenhuma justiça conseguiria condenar alguém por dolo eventual se exigisse confissão cabal de que o sujeito psíquica e claramente consentiu na produção do evento; que, em determinado momento anterior à ação, deteve-se para meditar cuidadosamente sobre suas opções de comportamento, aderindo ao resultado. Jamais foi visto no bando dos réus alguém que confessasse ao juiz: “no momento da conduta eu pensei que a vítima poderia morrer, mas, mesmo assim, continuei a agir”.

Porém, se o agente mentaliza o evento, sendo-lhe

indiferente que ocorra um resultado lesivo, estar-se-á falando de Dolo Direto e

não de Dolo Eventual, pois, a previsão e o consentimento concreto, equivalem

ao querer direto.

Damásio ensina ainda (2003 p. 292-291):

Não se exige consentimento explícito, formal, sacramental, concreto e atual. Se o sujeito mentaliza o vento e pensa “para mim é indiferente que ocorra, tanto faz, dane-se a vítima, pouco me importa que morra”, não é necessário socorrer-se da forma eventual. Se essa atitude subjetiva passa pela mente do

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sujeito durante a realização da conduta, trata-se de dolo direto, uma vez que a previsão e o acrescido consentimento concreto, claro e atual, não se tratando de simples indiferença ao bem jurídico, equivalem ao querer direto.

2.1.6 DOLO NORMATIVO

Caracteriza-se pela vontade do agente, pois para o dolo

normativo, não basta que ele queira, o sujeito tem que desejar algo errado.

Capez preleciona (2001, p.177):

É o dolo da teoria clássica, ou seja, da teoria naturalista ou causal. Em vez de constituir elemento da conduta, é considerado requisito da culpabilidade e possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude. Por essa razão, para que haja dolo, nas basta que o agente queira realizar a conduta, sendo também necessário que tenha a consciência de que ela é ilícita, injusta, errada. Como se nota, acresceu-se um elemento normativo ao dolo, que depende de juízo de valor, ou seja, a consciência da ilicitude. Só há dolo quando, além da consciência e da vontade de praticar a conduta, o agente tenha consciência de que está cometendo algo censurável.

O dolo normativo, portanto, não é um simples desejar,

mas um desejar de algo, ilícito (dolus malus). Deixa de ser um elemento

puramente psicológico (um simples querer), para ser um fenômeno normativo,

que exige juízo de valoração (um querer algo errado) (Capez, 2001, p.177-

178).

Capez sintetiza (2006, p. 202):

Em suma, o dolo é formado apenas por consciência e vontade, sendo um fenômeno puramente psicológico, e pertence à conduta, devendo ser analisado desde logo, quando da aferição do fato típico. A consciência da ilicitude é algo distinto, que integra a culpabilidade como seu requisito e somente deve

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ser analisada em momento posterior. Em primeiro lugar, analisa-se se o agente quis praticar a conduta. Em caso positivo, há dolo. Constatada a existência de um fato típico doloso, mais adiante, quando da verificação de eventual culpabilidade, é que se examina se o agente tinha ou não consciência da ilicitude desse fato. Não é correto misturar tudo para uma análise a um só tempo.

2.1.7 DOLO ESPECÍFICO

O dolo específico ocorre quando a vontade do agente tem

uma finalidade determinada. É a vontade de realizar a conduta. Exige-se que

esteja presente a vontade e a finalidade especial.

Neste sentido, Capez ensina (2001, p.179-180):

Vontade de realizar conduta visando a um fim especial previsto no tipo. Nos tipos anormais, que são aqueles que contêm elementos subjetivos (finalidade especial do agente), o dolo, ou seja, a consciência e a vontade a respeito dos elementos objetivos, não basta, pois o tipo exige, além da vontade de praticar a conduta, uma finalidade especial do agente.

Capez completa (2006, p. 204):

Exemplo: no crime de extorsão mediante seqüestro, não basta a simples vontade de seqüestrar a vítima, sendo também necessária a sua finalidade especial de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate, porque esse fim específico é exigido pelo tipo do art. 159 do CP, de maneira que, ausente, não se torna possível proceder à adequação típica.

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2.1.8 DOLO GERAL (erro sucessivo)

É quando o agente depois de realizar uma conduta,

esperando já ter o resultado pretendido, empreende outra ação com finalidade

diversa.

Damásio assevera que (2003, p. 295):

Ocorre quando o agente, com a intenção de praticar determinando fato, realiza uma conduta capaz de produzir o efeito desejado, e, logo depois, na crença de que o evento já se produziu, empreende nova ação com finalidade diversa, ocorrendo que o segundo comportamento é que causa o resultado (o determinado “erro sucessivo”).

Capez discorre que (2006, p. 204):

Quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado, pratica o que entende ser um exaurimento e nesse momento atinge a consumação.

Capez exemplifica (2006, p. 204):

Exemplo: um perverso genro, logo após envenenar sua sogra, acreditando-a morta, joga-a o que supunha ser um cadáver, nas profundezas do mar. A vítima, no entanto, ainda se encontra viva, ao contrário do que imaginava o autor, vindo, por conseguinte, a morrer afogada. Operou-se um equívoco sobre o nexo causal, pois o autor pensava tê-la matado por envenenamento, mas na verdade acabou, acidentalmente, matando-a por afogamento.

2.1.9 DOLO GENÉRICO

Não necessita de uma finalidade especial. Basta a

vontade de realizar.

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Capez dispõe que (2001, p.179):

Vontade de realizar uma conduta sem um fim especial, ou seja, a mera vontade de praticar o núcleo da ação típica (o verbo do tipo), sem qualquer finalidade específica. Nos tipos que não têm elemento (erro sucessivo) não consta nenhuma exigência de finalidade especial (os que não têm expressões como “com o fim de”, “para”, etc.), é suficiente o dolo genérico.

O que difere dolo genérico de dolo específico é que o

primeiro é a vontade de realizar fato descrito na norma penal incriminadora;

enquanto o segundo é a vontade de praticar o fato e produzir um fim especial.

Julio Fabrini Mirabete (2005, p.130):

São elementos do dolo, portanto, a consciência (conhecimento do fato – que constitui a ação típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato).

A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo eles os dados essenciais dos elementos típicos futuros em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base a sua decisão em praticá-la.

Flavio Augusto Monteiro de Barros ensina (2006, p.150)

O conhecimento (elemento intelectual) e a vontade (elemento volutivo) são os dois elementos do dolo.

Deve o conhecimento abranger todos os elementos constitutivos do tipo. Não pense, porém, que o agente deva ter consciência dos fatos não mencionados no tipo penal. A consciência só precisa ir até as circunstâncias do fato previstos no tipo penal.

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2.2 CULPA

O Código Penal, em seu artigo 18, inciso II, diz que o

crime é culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,

negligência ou imperícia.

Art. 18. Diz-se o crime:

Crime doloso

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Alguns doutrinadores entendem não existir um conceito

perfeito de culpa, conforme afirma Teles (2004, p.186):

Os doutrinadores ensinam que não existe um conceito de culpa, em sentido estrito, mas que, com base no enunciado no art.18, II, do Código Penal (diz-se o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado, por imprudência, negligência ou imperícia), se poderia dizer que culposa é a conduta voluntária que produz resultado ilícito, não desejado, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado.

Quando se afirma que a culpa é elemento do tipo, faz-se

referência à inobservância do dever de diligência. Explicando, Damásio (2003,

p. 297) esclarece que no convívio social, é determinada a obrigação de realizar

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condutas de forma a não produzir danos a terceiros. É o denominado cuidado

objetivo.

Complementando, Damásio discorre (2003, p.298):

Para saber se o sujeito deixou de observar o cuidado objetivo necessário é preciso comparar a sua conduta com o comportamento que teria “uma pessoa dotada de discernimento e de prudência colocada na mesma situação do agente”. O cuidado objetivo será a conduta que teria essa pessoa-modelo nas circunstâncias em que se viu o sujeito. Há, então, duas condutas comparadas: a conduta concreta do sujeito e a conduta que teria essa pessoa-modelo.

Bittencourt tratando a questão da culpabilidade, nos

crimes culposos ensina (2003, p.225):

A culpabilidade nos crimes culposos tem a mesma estrutura da culpabilidade nos crimes dolosos: imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de comportamento conforme ao direito. O questionamento sobre as condições pessoais do agente, para constatar se podia agir com a diligência necessária e se lhe era exigível, nas circunstâncias concretas, tal conduta, é objeto do juízo de culpabilidade.

É mister a análise das modalidades de culpa, ou seja, a

Imprudência, Negligência e Imperícia.

2.2.1 IMPRUDÊNCIA

Na imprudência, o agente tem um comportamento

positivo, age com descuido. Pode-se dizer que imprudência é falta de cautela,

de moderação.

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Capez conceitua Imprudência (2001, p.186):

É a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. Pode ser definida como a ação descuidada. Implica sempre um comportamento positivo. Como diz MAGALHÃES NORONHA: “A imprudência tem forma ativa. Trata-se de um agir sem a cautela necessária. É a forma militante e positiva da culpa, consistente no atuar o agente com precipitação, insensatez ou inconsideração, já por não atentar para a lição dos fatos ordinários, já por não perseverar no que a razão indica” (Direito penal, 30. ed., São Paulo, Saraiva. v.1, p.141)

Bittencourt preleciona (2003, p.231):

Imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. É a imprevisão ativa (culpa in faciendo ou in committendo). Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação.

Para muitos autores, a imprudência é um movimento

positivo, de movimentação de corpos, como já anteriormente citado.

Teles entende a imprudência da seguinte forma (2004, p.189):

A imprudência é a prática de um fato perigoso. A cautela impõe a inação, a abstenção de um movimento, o cuidado de não realizar uma ação, mas o sujeito, mesmo assim, age colocando um processo causal em movimento.

2.2.2 NEGLIGÊNCIA

A negligência é o desleixo, a displicência do agente.

Diferencia-se da imprudência por ser um comportamento negativo, já que esta

é um comportamento positivo. Porém, há semelhanças entre ambas.

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Damásio ensina (2003, p.302):

Enquanto na negligência o sujeito deixa de fazer alguma coisa que a prudência impõe, na imprudência ele realiza uma conduta que a cautela indica que não deve ser realizada. A doutrina ensina que a imprudência é positiva (o sujeito realiza uma conduta) e a negligência, negativa (o sujeito deixa de fazer algo imposto pela ordem jurídica). Nem sempre, porém, é fácil de fazer a distinção.

Bittencourt define negligência como (2003, p.231):

Negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É a imprevisão passiva, o desleixo, a inação (culpa in ommittendo). É não fazer o que deveria ser feito.

A negligência é a ausência de precaução, a omissão, a

não realização de um movimento que deveria ter sido colocado em marcha,

que a prudência mandava fazer e o agente não faz (Teles, 2004, p.189).

Complementando, Capez conceitua negligência da

seguinte forma (2001, p.186):

É a culpa na sua forma omissiva. Consiste em deixar alguém de tomar o cuidado devido antes de começar a agir. Ao contrário da imprudência, que ocorre durante a ação, a negligência dá-se sempre antes do início da conduta. Implica, pois, a abstenção de um comportamento que era devido. O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria.

2.2.3 IMPERÍCIA

A imperícia pode ser entendida como sendo a falta de

capacidade técnica no exercício de profissão. É inaptidão de conhecimento de

arte, profissão ou ofício:

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Imperícia é a falta de aptidão ou de destreza para o

exercício de determinada arte ou profissão, pressupondo, portanto, que o fato

seja praticado no exercício das artes ou profissões (Teles, 2004, p.189).

Dispõe Capez (2001, p. 186):

É a demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinado mister. Exemplos: médico vai curar ferida e amputa a perna, atirador de elite que mata a vítima, em vez acertar o criminoso, etc.

Entretanto, não se pode confundir negligência com erro

profissional, pois o erro profissional é um acidente e opera no campo do

imprevisto.

Assim preleciona Bittencourt (2003, p. 231):

Imperícia não se confunde com erro profissional. O erro profissional é um acidente escusável, justificável e, de regra, imprevisível, que não depende do uso correto e oportuno dos conhecimentos e regras da ciência.

Por meio desta diferenciação, entender-se que a

imprudência pode ser percebida através do comportamento positivo, ou seja,

uma ação descuidada. A negligência pode ser entendida por ser um

comportamento negativo, uma omissão; enquanto a imperícia é a

demonstração de inabilidade para exercício de arte, ofício ou profissão.

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2.2.4 MODALIDADES DE CULPA

Para uma melhor compreensão da culpa, acerca da culpa, aborda-

se-á os seus diferentes tipos.

2.2.4.1 CULPA CONSCIENTE

(CAPEZ, 2001, p.187) É aquela em que o agente prevê o

resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade

do resultado, mas ele o afasta de pronto, por entender que a evitará e que sua

habilidade impedirá o evento lesivo previsto.

Bittencourt conceitua (2003, p.232-233):

Há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, previsível, mas confia convictamente que ele não ocorra, quando o agente, embora prevendo a resultado, espera sinceramente que este não se verifique, estar-se-á diante de culpa consciente e não de dolo eventual.

Para Teles (2004 p. 192) vezes, o sujeito realiza a

previsão de resultado, mas confina sinceramente que poderá evitá-lo ou que

ele não ocorrerá, agindo com a convicção plena de que, apesar da

possibilidade de que o resultado ocorra, não acontecerá nenhum resultado

lesivo.

Damásio preleciona (2003, p.303):

Na culpa consciente o resultado é previsto pelo sujeito, que espera levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. É também chamada culpa com previsão. Vimos que a previsão é elemento do dolo, mas que, excepcionalmente, pode integrar a culpa.

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Capez diferencia a culpa consciente de dolo eventual

(2001, p.187):

A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir”). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá”). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.

Complementando, Damásio ainda afirma (2003, p. 303):

A culpa consciente se diferencia do dolo eventual, neste, o agente tolera a produção do resultado, o evento lhe é indiferente, tanto faz que ocorra ou não. Ele assume o risco de produzí-lo. Na culpa consciente, ao contrário, o agente não quer o resultado, não assume o risco nem ele lhe é tolerável ou indiferente. O evento lhe é representando (previsto), mas confia em sua não-produção.

Para Teles, (2004, p. 192), o dolo eventual é muito

próximo da culpa consciente o agente prevê o resultado, não o deseja, mas o

aceita, se ele eventualmente acontecer enquanto que neste ele prevê o

resultado, não o deseja e não o aceita, em nenhuma hipótese, se ele vier a

acontecer.

Bittencourt também diferencia culpa consciente de dolo

eventual: (2003, p.234)

Os limites fronteiriços entre dolo eventual e culpa consciente constituem um dos problemas mais tormentosos da Teoria do Delito. Há entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar à ação, na culpa consciente,

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ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá.

E continua Bittencourt (2003, p. 234-235):

Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que atribui à prática da ação. Por isso, entre desistir da ação ou praticá-la, mesmo correndo o risco da produção do resultado, opta pela segunda alternativa. Já na culpa consciente, o valor negativo do resultado possível é, para o agente, mais forte do que o valor positivo que atribui à prática da ação. Por isso, se estivesse convencido de que o resultado poderia ocorrer, sem dúvida, desistiria da ação. Não estando convencido dessa possibilidade, calcula mal e age.

O autor (2003, p.235) ainda explicou que Haverá culpa

consciente se, ao contrário, desistisse da ação, estando convencido da

probabilidade do resultado, no entanto, não estando convencido, calcula mal e

age, produzindo o resultado.

2.2.5 CULPA INCONSCIENTE

Ocorre quando um resultado é claramente previsível,

porém o agente não o previne por desleixo, falta de zelo ou ate por não

interessar-se. Com isso, estará presente a culpa inconsciente, já que a

previsibilidade do resultado é essencial para identificar as espécies de culpa.

Para Bittencourt (2007, p. 287):

A previsibilidade do resultado é o elemento identificador das duas espécies de culpa. A imprevisibilidade desloca o resultado para o caso fortuito ou de força maior. Na culpa inconsciente, no entanto, apesar da presença da previsibilidade, não há previsão por descuido, desatenção ou simples desinteresse. A

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culpa inconsciente caracteriza-se pela ausência absoluta de nexo psicológico entre o autor e o resultado de sua ação.

Jesus (2006, p. 303) discorre que na culpa inconsciente o

resultado não é previsto pelo agente, embora previsível. É a culpa comum, que

se manifesta pela imprudência, negligência ou imperícia.

Mirabete destaca (2006, p. 141):

A culpa inconsciente existe quando o agente não prevê o resultado que é previsível. Não há no agente o conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurídico alheio.

Culpa inconsciente, caracteriza-se quando o fato era

plenamente previsível, mas o agente deixa de prevê-lo por decorrência da

imprudência, da negligência ou da imperícia.

Em vista de todos os elementos abordados em linhas

pretéritas, fez-se necessário para, assim, adentrar em discussão o contexto a

ser tratado no último capítulo deste presente trabalho.

No capítulo seguinte concluir-se-á a pesquisa abordando

o delito de embriaguez ao volante, analisando cada espécie de embriaguez e

tratando ainda sobre a Lei 11.275/06, que acresceu o inciso V ao artigo 302 do

Código de Trânsito Brasileiro, prevendo uma agravante de pena pela prática de

homicídio estando o condutor sob influência de álcool ou substância de efeito

análogo, além da embriaguez como infração administrativa ou penal e as

inovações trazidas pela Lei 11.705/08, finalizando com uma breve discussão

acerca da falta de previsão legal na CTB para o crime de homicídio doloso

decorrente de dolo eventual..

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CAPÍTULO 3

Análise Acerca da Configuração do Dolo Eventual nos

Homicídios de Trânsito Decorrentes da Embriaguez ao Volante

3.1 INTRODUÇÃO

A Luta Pelo Direito nos tempos modernos tem sido sede

de grande celeuma na doutrina e, principalmente, nos tribunais a discussão no

que tange à possibilidade da existência de dolo eventual ou de culpa

consciente nos acidentes de trânsito, mormente ocasionados pelo excesso de

velocidade e embriaguez ao volante. Saber se o agente foi impulsionado pelo

dolo ou pela culpa no momento da ação praticada em desacordo com os

preceitos legais requer do jurista uma exegese mais detalhada, pois, com

efeito, qual seja o resultado alcançado, isto é, interpretado à luz do caso

concreto, será o agente reprimido com maior ou menor intensidade por parte

do Estado, através do seu Jus Puniendi, consoante e apresenta um ou outro

elemento (Rizzardo, 2009, p. 248).

A Constituição Federal reconhece, no art. 5º, XXXVIII, a

instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a plenitude

de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência

para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Tratar-se-á neste capítulo, sobre a Lei 11.275/06, que

acresceu o inciso V ao artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, onde prevê

um aumento especial de pena nos casos de homicídio (culposo) cometido na

direção de veículo, estando sob influência de álcool ou substância análoga.

Também serão analisadas questões sobre a embriaguez ao volante no que

tange ao agente, ou seja, sua intenção, e a finalidade delituosa, além dos

conceitos de embriaguez não acidental (voluntária ou culposa), embriaguez

completa ou incompleta, embriaguez acidental (caso fortuito ou de força maior),

embriaguez preordenada, embriaguez habitual, o dolo eventual, na direção de

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veículo automotor. A embriaguez como infração administrativa e a embriaguez

como infração penal, além de citações jurisprudenciais sobre o assunto.

3.2 A Lei 11.275/06

O Código de Trânsito estabelece em seu artigo 302, a

prática homicídio culposo na direção de veículo automotor, com algumas

causas de aumento, dentre as quais quando o agente estiver sob a influência

de álcool, ou, substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. Esta

previsão somente foi incluída com ao advento da Lei 11.275 de 7 de Fevereiro

de 2006.

Prevê o art. 302 do CTB “in verbis”:

Art.302 – Praticar homicídio culposo na direção de veiculo automotor:

Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:

I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II – prática-lo em faixa de pedestre ou na calçada;

III – deixar de prestar socorro, quando possível faze-lo sem risco pessoal, á vítima do acidente;

III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, á vítima do acidente;

IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

V – estiver sob a influencia de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos.

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Anteriormente, esta matéria ficava sem previsão, pois, o

referido artigo era omisso em relação ao homicídio culposo praticado sob a

influência de álcool ou de substâncias tóxica ou entorpecente de efeitos

análogos

A previsão de dirigir sob influência de álcool ou outra

substância análoga era prevista apenas no artigo 306 do referido Código,

porém, este artigo também é omisso em relação a homicídio culposo.

Ou seja, existia a previsão de homicídio culposo,

decorrente de acidente de trânsito, mas sem a previsão da influência de álcool;

ou substância análoga.

Então, somente com a alteração trazida pela Lei

11.275/06, é que foi incluído o inciso V ao artigo 302, estabelecendo a prática

de homicídio culposo quando cometido sob influência das substâncias já

mencionadas.

Gonçalvez comenta sobre a embriaguez ao volante

prevista na regulamentação da lei (2007, p.206):

Se o agente estiver sob influência do álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. Esse dispositivo foi introduzido pela Lei 11.275/2006, e tornou mais justa a punição. Com efeito, o crime de embriaguez ao volante, previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, por ser crime de perigo, deixa de existir como delito autônomo quando o condutor efetivamente causa um acidente do qual decorre morte ou lesão corporal, já que esses delitos causam efetivo dano ao bem jurídico. Com isso, a embriaguez era desconsiderada e o agente respondia apenas pelo crime culposo em sua modalidade simples, o que não mais ocorre, já que, com a alteração legislativa, a pena passou a sofrer acréscimo em decorrência da embriaguez.

Para o crime de embriaguez, alguns doutrinadores, como

Gonçalves, entendem que a transação penal não é cabível, porém, acreditam

que pode ser aceita a suspensão condicional do processo, caso estejam

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presentes alguns requisitos legais. Caso não estejam presentes estes

requisitos deve ser obedecido o rito dos crimes comuns, inclusive com

instauração de inquérito policial.

Gonçalves ensina (2007, p.189):

Assim, á exceção da possibilidade de transação, o crime de embriaguez ao volante segue as regras dos crimes comuns, com a instauração de inquérito policial e adoção do rito sumário (arts. 538 e s. do CPP). Por outro lado, como a sua pena mínima não excede uma ano, é cabível o instituto da suspensão condicional do processo(art. 89 da Lei n. 9.099/95), desde que presentes os demais requisitos legais.

Contudo, para o crime de homicídio culposo praticado na

direção de veículo automotor, não existe a previsão dos benefícios da

transação penal e nem o da suspensão condicional do processo, haja vista que

a pena cominada não os autoriza.

Gonçalves preleciona (2007, p.189):

Por fim, para o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302), que possui pena de detenção de dois a quatro anos, deve também ser instaurado inquérito e adotado o rito sumário, vedada, entretanto, a transação penal e a suspensão condicional do processo.

A aplicação da pena privativa de liberdade pode ser

obedecida nos crimes de homicídio culposo e lesões corporais, assim como

também nos casos de embriaguez ao volante ,além da pena de multa.

É o que descreve Gonçalves (2007, p.191):

Nos crimes de homicídio culposo e lesões corporais culposas praticados na condução de veículo automotor, direção em estado de embriaguez, violação de suspensão ou proibição, e

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participação em disputa não autorizada (racha), a lei prevê de forma expressa a aplicação dessas penas, conjuntamente com a pena privativa de liberdade e, em alguns casos, concomitantemente também com a pena de multa.

Muito se fala em homicídio culposo nos delitos de trânsito,

mesmo que por dirigir sob influência de álcool ou outra substância análoga,

pois, a previsão da modalidade dolosa para esse tipo de crime, foi ignorada

pela legislação especial.

A embriaguez nos crimes de trânsito é real e diária, cada

vez mais freqüente a ocorrência destes crimes. Uma explicação pode ser a

pena branda prevista para este tipo de crime é aplicada. Na maioria dos casos,

os agentes causadores do dano pagam valores irrisórios para instituições de

caridade, embora a doutrina oriente que esse tipo de benefício não poderia ser

aplicado a este crime, conforme explanado.

A sensação que a população em geral têm é a da

impunidade do agente, pois a pena é branda, deixando a impressão de que a

Justiça não reinou.

3.3 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ PREVISTO NO ART. 306 DO CTB

Infelizmente, a bebida é considerada pelos jovens como

sinônimo de poder. O jovem que consome bebida alcoólica é visto pelo seu

grupo social como mais másculo. Além do mais, a bebida está associada à vida

noturna, ao divertimento e entusiasmo, pois não se fala em divertimento sem

ingestão de álcool e/ou substância entorpecente, capaz de determinar

dependência.

Bittencourt (2007, p. 361-362) conceitua: “A embriaguez

pode ser definida como a intoxicação aguda e transitória provocada pela

ingestão de álcool ou de substância de efeitos análogos.”

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Sabe-se que o álcool e as drogas têm sido um

combustível para ocorrência de acidentes de trânsito, seja com ou sem vitimas,

e que esses infortúnios poderiam ser, em grande parte, evitados.

Noronha (2003, p. 119) assevera, com muita propriedade,

que “o álcool é um dos flagelos da humanidade. O pior é que é nas classes

menos favorecida que produz seus maiores danos. Sem aludir a outros

fatores”.

Toda a sociedade civil deveria se conscientizar de que

bebida alcoólica e direção não combinam.

Versando sobre o tema Leal(2004, p. 216) nos revela:

“No entanto, parece-nos um paradoxo e uma verdadeira insensatez pregar a prevenção e a repressão da embriaguez ao volante, quando se verifica que virou moda a juventude reunir-se nos postos de gasolina, não para encher o tanque do veículo, mas para encher a cuca de bebida alcoólica. Não há duvidas, portanto, de que é preciso prevenir e reprimir o uso de álcool por aqueles que irão conduzir veículo automotor, a fim de acabar com a tamanha violência no trânsito noticiada todos os dias nos telejornais.” Um controle mais eficaz deveria ser adotado,

principalmente com relação à fiscalização de trânsito, para efetivamente

demonstrar ao condutor que dirigir embriagado e/ou sob efeito de substância

psicoativa é uma conduta perigosa e irresponsável, que pode trazer

conseqüências graves. É preciso alarmar a todos para o fato de que atitudes

como essas estão ceifando a vida de milhares de pessoas, e mutilando tantas

outras.

Na sequência aborda-se-a acerca dos tipos de

embriaguez.

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3.3.1 Embriaguez não-acidental (voluntária ou culpo sa)

Para um melhor entendimento da embriaguez não-

acidental, esta pode ser compreendida como voluntária (intencional) ou culposa

(imprudente). Neste tipo de embriaguez, deve ser analisada a actio libera in

causa, que significa a ação livre na causa (do crime).

Bonfim e Capez definem este tipo de embriaguez

voluntária (2004, p.562):

O agente ingere a substância alcoólica ou de efeitos análogos com a intenção de embriagar-se. Há, portanto, o desejo de ingressar em um estado de alteração psíquica, daí falar-se em embriaguez dolosa. Representa-se essa intenção pela linguagem dos dependentes químicos, que, em específico jargão, referem-se freqüentemente ao desejo de “fazerem uma viagem”, ou, ainda, igualmente usual, a intenção expressa no desejo de “tomar um porre”.

Já na modalidade culposa, o indivíduo ingere altas doses

da substância, certo de que não ficará embriagado, porém, devido a altas

quantidades, acaba por embriagar-se.

Para Bonfim e Capez, a embriaguez culposa pressupõe

que (2004, p.562):

O agente quer ingerir a substância sem a intenção de embriagar-se, contudo isso vem a acontecer em virtude da imprudência de consumir doses excessivas. A alteração psíquica não decorre de um comportamento doloso, intencional, de quem quer “tomar um porre” ou “fazer uma viagem”, mas de descuido, de uma conduta culposa, imprudente, excessiva.

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Como referido anteriormente, nesse tipo de embriaguez

(não-acidental) deve ser observada a actio libera in causa.

Bittencourt assinala (2007, p. 364):

A actio libera in causa, como já referimos, fundamenta a punibilidade de ações praticadas em estado de embriaguez não-acidental. No entanto, a actio libera in causa não abrange aquelas situações em que o agente quer ou imprudentemente se embriaga sem prever ou poder prever a ocorrência de um fato delituoso. Nelas, o que é livre na causa não é a ação criminosa, mas somente a embriaguez. Poderá o agente praticar um ilícito penal em estado de embriaguez, que era absolutamente imprevisível, no momento ou antes da embriaguez.

Para Bonfim e Capez a embriaguez (2004, p.563):

A embriaguez não acidental jamais exclui a imputabilidade do agente, seja voluntária, culposa, completa ou incompleta. Isso porque ele, no momento em que ingeria a substância, era livre para decidir se devia ou não fazer. A conduta, mesmo quando praticada em estado de embriaguez completa, originou-se de um ato de livre-arbítrio do sujeito, que optou por ingerir a substância quando tinha possibilidade de não o fazer. A ação foi livre em sua causa, devendo o agente, por essa razão, ser responsabilizado.

Na embriaguez voluntária, o indivíduo ingere a substância

com intenção. Como a própria definição já diz, é voluntária, intencional.

3.3.2 Embriaguez completa e incompleta

Outro ponto relevante é sobre a embriaguez completa e

incompleta. Este, porém, ao contrário da actio libera in causa, é observado na

maioria dos tipos de embriaguez.

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Tem-se a embriaguez completa quando o agente perde a

capacidade total de entendimento.

Bonfim e Capez acentuam (2004, p. 563):

A embriaguez voluntária e a culposa podem ter como conseqüência a retirada total da incapacidade de entendimento e vontade do agente, que perde integralmente a noção sobre o que está acontecendo.

Na embriaguez incompleta, o agente perde a capacidade

parcial de entendimento e vontade.

Bonfim e Capez elucidam (2004, p. 563):

Ocorre quando a embriaguez voluntária ou a culposa retiram apenas parcialmente a capacidade de entendimento e autodeterminação do agente, que ainda consegue manter um resíduo de compreensão e vontade.

3.3.3 Embriaguez acidental (caso fortuito ou de for ça maior)

A embriaguez acidental pode ser dividida em caso fortuito

e por força maior.

Bittencourt esclarece (2007, p. 364-365):

Embriaguez acidental é a proveniente de caso fortuito ou de força maior. Caso fortuito ocorre quando o agente ignora a natureza tóxica do que está ingerindo, ou não tem condições de prever que determinada substância, na quantidade ingerida, ou nas circunstâncias em que o faz, poderá provocar a embriaguez. Força maior é algo que independe do controle ou da vontade do agente. Ele sabe o que está acontecendo, mas não consegue impedir. Exemplo de força maior seria a coação, onde o sujeito é forçado a ingerir uma substância tóxica de qualquer natureza.

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Para Bonfim e Capez, entende-se como Caso fortuito

(2004, p.564-565):

É toda ocorrência episódica, ocasional, rara, de difícil verificação, como o clássico exemplo, fornecido pela doutrina, de alguém que tropeça e cai de cabeça em um tonel de vinho embriagando-se. É também o caso de alguém que ingere bebida na ignorância de que tem conteúdo alcoólico ou dos efeitos psicotrópicos que provoca. É também o caso do agente que, após tomar antibiótico para tratamento de uma gripe, consome álcool sem saber que isso o fará perder completamente o poder de compreensão. Nessas hipóteses, o sujeito não se embriagou porque quis, nem porque agiu com culpa.

Quanto à Força maior, ensinam os autores supracitados

(2004, p.565):

Deriva de uma força externa do agente, que o obriga a consumir a droga. É o caso do sujeito obrigado a ingerir álcool por coação física ou moral irresistível, perdendo, em seguida, o controle sobre suas ações. Frederico Marques também adota tal distinção, afirmando que, “na embriaguez fortuita, a alcoolização decorre de fatores imprevistos, enquanto que na derivada de força maior a intoxicação provém de força externa que opera contra a vontade de uma pessoa, compelindo-a a ingerir a bebida”. Pode ser completa ou incompleta, conforme retire, total ou parcialmente, a capacidade de entender e querer.

Conforme já mencionado, nesse tipo de embriaguez

(acidental) não se pode falar na actio libera in causa, pois o agente não teve o

livre-arbítrio para a ingestão da substância.

Deve-se então, optar pela isenção da pena, como observa

Reale Júnior (2006, p.215):

Na embriaguez voluntária ou culposa, é reconhecida, como se analisou uma imputabilidade ficta. Todavia, se a embriaguez for completa e redundar de força maior ou caso fortuito, sendo que ao tempo da ação, em virtude desde estado, não era o agente capaz de entender o caráter criminoso do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento, não se opera a ficção legal e há a isenção de pena.

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3.3.4 Embriaguez preordenada

A embriaguez preordenada é aquela cuja vontade do

sujeito é a de embriagar-se com o intuito de cometer o crime. Ingere substância

alcoólica ou de efeitos análogos e comete a conduta delituosa. Para melhor

entender, é imprescindível que se tenha em mente a finalidade delituosa por

parte do agente.

Neste sentido, Bonfim e Capez esclarecem (2004, p.566):

O agente embriaga-se já com a finalidade de vir a delinqüir nesse estado. Não se confunde com a embriaguez voluntária, em que o agente quer embriagar-se, mas não tem a intenção de cometer crimes nesse estado. Na preordenada, a conduta de ingerir a bebida alcoólica já constitui ato inicial do comportamento típico, já se vislumbrando desenhado o objetivo delituoso que almeja atingir, ou que assume o risco de conseguir. É o caso de pessoas que ingerem álcool para liberar instintos baixos e cometer crimes de violência sexual ou de assaltantes que consomem substâncias estimulantes para operações ousadas. Além de não excluir a imputabilidade, constitui causa agravante genérica (art. 61, II, l, do CP).

Bitencourt preceitua (2007, p.365):

Embriaguez preordenada é aquela em que o agente deliberadamente se embriaga para praticar a conduta delituosa, liberando seus freios inibitórios e fortalecendo sua coragem. Nessa forma de embriaguez apresenta-se a hipótese de actio libera in causa por excelência. O sujeito tem a intenção não apenas de embriagar-se, mas esta é movida pelo propósito criminoso; a embriaguez constitui apenas um meio facilitador da execução de um ilícito desejado.

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3.3.5 Embriaguez habitual

Por fim, a hipótese de embriaguez patológica, ou habitual,

como alguns doutrinadores como Bonfim e Capez também a chamam, é

entendida através da vontade invencível de consumir a substância.

Para esclarecer tal hipótese, Bonfim e Capez

exemplificam (2004, p.565):

É o caso dos alcoólatras e dos dependentes, que se colocam em estado de embriaguez em virtude de uma vontade invencível de continuar a consumir a droga. Trata-se de verdadeira doença mental, recebendo, por conseguinte, o mesmo tratamento desta. Basileu Garcia não considera justa essa solução, pois, “no mecanismo do Código, o indivíduo que cometa um crime por estar completamente embriagado, embora tenha bebido pela primeira vez na vida, será responsabilizado penalmente, desde que a embriaguez não seja fortuita, mas voluntária ou culposa. Esse mesmo indivíduo, porém, vem a delinqüir em conseqüência de perturbações mentais ocasionadas por contínuas libações alcoólicas...e será considerado irresponsável”.

Caracteriza-se esse tipo de embriaguez pelo fato do

agente ser um dependente alcoólico, encontrando-se comumente embriagado.

3.4 EMBRIAGUEZ COMO INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA E AS IN OVAÇÕES

TRAZIDAS PELA LEI 11.705/08

É pertinente ao estudo proposto verificar as modificações

do Código de Trânsito trazidas recentemente pela Lei 11.705, de 19 de junho

de 2008.

Há uma diferenciação básica que precisa ser feita desde

o princípio, que concerne à embriaguez como infração administrativa e à

embriaguez como infração penal de trânsito.

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Conduzir veículo automotor sob a influência de álcool ou

de qualquer substância entorpecente caracteriza, conforme dispõe o artigo 165

do Código de Trânsito Brasileiro, uma infração administrativa, considerada

gravíssima, cuja penalidade, antes do advento da Lei 11.705/2008 era de multa

(cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir, sendo acrescentado pela nova

lei que a suspensão deve durar 12 (doze) meses. Ademais, o dispositivo prevê

como medida administrativa, nesses casos, a retenção do veículo até a

apresentação de um condutor habilitado, bem como o recolhimento do

documento de habilitação do agente.

Importante destacar, a fim de comparação com a

alteração advinda da Lei 11.705/08, com relação ao art. 276 do CTB que

passou a dispor que: “Qualquer concentração de álcool por litro de sangue

sujeita o condutor às penalidades no art 165 deste código”. Foi a chamada

“Tolerância Zero”, como foi conhecida esta alteração ao Código de Trânsito.

O art. 277 do CTB, por sua vez, passou a vigorar com as

seguintes alterações, bastante significantes:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ao ser alvo de fiscalização, sob suspeita de dirigir sob influencia de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. §1º Medida correspondente aplica-se ao caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. §2º A infração prevista no art.165 deste código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, apresentados pelo condutor. §3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

O legislador, ao realizar essas modificações no CTB, não

fez menção a qualquer percentual de álcool por litro de sangue para que haja a

configuração da embriaguez, como infração administrativa. Portanto, o

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condutor de veículo automotor, de forma intolerável, está proibido de dirigir

após ingerir qualquer quantidade de bebida alcoólica. Caso contrário, está

sujeito a responder pela infração administrativa cometida, com a penalidade já

especificada.

No entanto, percebe-se que o legislador foi inovador,

principalmente quando proibiu que as pessoas conduzissem veículos após

ingerir qualquer quantidade de álcool ou substâncias psicoativas. O objetivo da

nova lei, obviamente, é evitar que mortes desnecessárias aconteçam. Com

efeito, as penalidades para aqueles que dirigem embriagados, com a alteração

do CTB, foram agravadas, pois tanto a multa cominada administrativamente,

quanto o tempo previsto para a suspensão do direito de dirigir foram elevados.

3.5 A EMBRIAGUEZ COMO INFRAÇÃO PENAL NO CTB E A NOV A

REDAÇÃO TRAZIDA PELA LEI 11.705/08

A embriaguez no trânsito como crime está prevista no

artigo 306 do CTB, que antes das alterações trazidas pela Lei 11.705/2008,

dispunha:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substâncias de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veiculo automotor.

Devido à presença da expressão “expondo a dano

potencial” no mencionado dispositivo, entendia-se que não bastava que o

agente estivesse embriagado para caracterizar o crime de embriaguez ao

volante, sendo preciso, também, que a conduta consistisse em conduzir veiculo

automotor de forma anormal, de modo a expor a segurança alheia a

indeterminado perigo de dano.

Com o advento da lei 11.705/2008, não é mais pertinente

essa discussão, haja vista que o artigo 306 do CTB sofreu modificações na sua

redação, passando a prever:

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Art. 306 Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis), decigramas, ou sob a influência de qualquer outra sustância psicoativa que determine dependência: Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Da leitura deste dispositivo, percebe-se que houve uma

preocupação do legislador em sanar a controvérsia doutrinária com relação à

exposição a dano potencial da incolumidade de outrem. Com a referida

alteração, o crime de embriaguez consuma-se quando o agente conduz o

veículo automotor, sob concentração igual ou superior a seis decigramas de

álcool por litro de sangue, ou sob influência de outra substância psicoativa.

Nesse sentido, se posicionou Capez, (Disponível em:

www.cartaforense.com.br. Acesso em: 15 set. 2010.)

“A nova lei é mais gravosa, porque haverá a configuração do crime previsto no art. 306 do CTB, independentemente do agente colocar em risco a coletividade, bastando conduzir veículo automotor, com a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas. Antes, somente haveria crime na condução de veículo automotor sob o efeito de álcool quando dessa conduta, resultasse algum perigo para outras pessoas. Ao não mais exigir a criação de perigo para a coletividade, e contentar-se com a mera conduta, a inovação é claramente mais gravosa. Tendo em vista essa intolerância da nova legislação, aliás, a Lei 11.705/2008 passou a ser chamada de ‘Lei Seca`”. Sobre o tema, recentemente o desembargador Solon

D’Eça Neves, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, teve a

oportunidade de se manifestar (Tribunal de justiça do Estado de Santa Catarina

TJ/SC. Recurso criminal nº 00.002552-6, Rel. Sólon d’ Eça Neves , Itajaí , J.

31.10.2000. TJ/SC. Disponível em: www.tj.sc.gov.br . Acesso em: 20 maio

2010.)

RECURSO CRIMINAL - HOMICÍDIO E LESÕES CORPORAIS – PRONÚNCIA - DOLO EVENTUAL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO

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PROSOCIETATE - AGENTE EMBRIAGADO - EXECESSO DE VELOCIDADE EM TRECHO COM LOMBADAS - FATO PREVISÍVEL - RECURSO PROVIDO. Age com dolo eventual o motorista embriagado que imprime velocidade excessiva ao veículo em trecho com lombadas, perdendo o controle do automóvel e chocando- se contra um poste de iluminação, porquanto, conscientemente assumiu o risco pelos danos pessoais a terceiros.

Assim, na esteira da jurisprudência mencionada, ao

conduzir veículo automotor, após o consumo de álcool, o agente age de forma

consciente, assumindo o risco de produzir um resultado danoso, razão pela

qual, caso se envolva em um acidente com vítima, a ele poderá ser imputada

uma conduta dolosa (dolo eventual).

Capez (Disponível em: www.cartaforense.com.br. Acesso

em: 15 set. 2010.), a respeito do tema, considera apropriado o rigor

preceituado pela doutrina e pela jurisprudência, ao reconhecer como dolo

eventual a conduta daqueles que associam álcool e direção, aduzindo que:

“não poderá ocorrer mais uma vez a tão nefasta e perniciosa impunidade,

desta vez, de ébrios assassinos que, ao volante, manifestam seu desprezo

pela vida alheia e própria”.

3.6 DOLO EVENTUAL NOS DELITOS DE TRÂNSITO

Discorridos os conceitos acerca do dolo e da culpa no

capitulo anterior, passa-se à análise da incidência dessas modalidades, mas

principalmente do dolo eventual, nos delitos de trânsito.

Como se sabe, o dolo do homicídio comum, previsto no

artigo 121 do Código Penal, não é igual ao homicídio decorrente de acidente de

trânsito, previsto no art 302 do CTB. Em casos de acidente de trânsito, pode

configurar a figura do dolo eventual, quando o agente assume o risco de

produzir o resultado fim, que é a morte. Pode-se citar, por exemplo, a figura do

condutor de veículo automotor que dirige em alta velocidade, que avança o

semáforo vermelho, ou ainda que dirija embriagado. Certamente, esse

indivíduo não quer obter o resultado morte, mas, sem dúvida, assumiu o risco

de produzi-lo.

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Por outro lado, o indivíduo que se utiliza intencionalmente

de um veículo automotor para matar ou ferir alguém não está infringindo a

norma contida no CTB, pois o automóvel, nesses casos, é apenas uma arma

ou instrumento utilizado para a prática criminosa. A função essencial do

veículo, que é a de transportar, estará modificada. Sendo assim, o agente

responderá por homicídio doloso (dolo direito), de acordo com as normas

contidas no Código Penal.

Outro exemplo prático de reconhecimento do dolo

eventual no trânsito pelos tribunais é quando o condutor do veículo, ao dirigir

embriagado, causa um acidente com vítimas.

Sobre o tema, já se posicionou o Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul - TJ/RS. (TJ/RS- RSE 70003230588-3º câmara criminal.

Relator Des. Danúbio Edon Franco - data da decisão 18/04/2002):

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO- HOMICÍDIO- TRÂNSITO- EMBRIAGUEZ- DOLO EVENTUAL- PRONÚNCIA. O motorista que dirige veículo automotor embriagado causando a morte de outrem, assume o risco de produzir o resultado danoso, restando caracterizado o dolo eventual. Em delitos dessa natureza, neste momento processual impõe-se a pronúncia, cabendo ao tribunal do júri julgar a causa.

A condução de veículo automotor em estado de

embriaguez denota o descaso do condutor do veículo com os semelhantes, daí

porque a jurisprudência costuma considerar que há, nessa hipótese, dolo

eventual, pois o motorista se arrisca a produzir um resultado lesivo. Pela

caracterização do dolo eventual, também já decidiu o Supremo Tribunal de

Justiça - STJ, em um caso em que o condutor do veículo automotor transitava

embriagado (HC 58826 / RS; Habeas Corpus 2006/0099967-9; Rel. Min. Maria

Thereza de Assis Moura; Sexta Turma; 29/06/2009)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. HOMICÍDIO. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ. DOLO EVENTUAL. AFERIÇÃO AUTOMÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. 2. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em delitos de trânsito, não é possível a conclusão automática de ocorrência de dolo eventual apenas com base em embriaguez do agente. Sendo os crimes de trânsito em regra culposos, impõe-se a indicação de elementos concretos dos autos que indiquem o oposto, demonstrando que o agente tenha assumido o risco do advento

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do dano, em flagrante indiferença ao bem jurídico tutelado. 2. Ordem concedida para, reformando o acórdão impugnado, manter a decisão do magistrado de origem, que desclassificou o delito para homicídio culposo e determinou a remessa dos autos para o juízo comum.

Cumpre citar, outrossim, um julgado do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul - TJ/RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul- TJ/RS RSE 70003504610-3º C. Crimin. Rela. Dese. Elba Aparecida Nicolli

Bastos, data da decisão 14/03/2002.):

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DELITO DE TRÂNSITO – DOLO – EVENTUAL - CIRCUSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS – PRONÚNCIA - JUIZO ACUSATÓRIAS – ADMISSIBILIDADE. Delito causado por veículos nas vias públicas, em regra são culposos, não se excluindo o dolo eventual quando as circunstâncias indicarem conduta de risco que extrapola os limites da inobservância das normas de segurança no trânsito. Admissível o dolo eventual quando o condutor, em completo estado de embriaguez (27 dg, álcool por litro de sangue), dirige caminhão que transporta toras de eucalipto e, ciente de defeito nos freios, imprime velocidade inadequada, realiza ultrapassagem arriscada invadindo a pista contrária e colhe o coletivo, causando a morte de 14 pessoas. Pronúncia e juízo de admissibilidade da acusação, só se afasta a classificação pelo dolo eventual se os elementos probatórios forem sólidos e contundentes no sentido de que, embora previsível o resultado, o agente acreditou que poderia evitá-lo.

Fukassawa dispõe sobre como seria a identificação da

culpa consciente ou do dolo eventual (1998, p. 101):

A resposta é óbvia, ao menos teoricamente, pela distinção

antes formulada e que se aplica à generalidade dos casos

delituosos. Em ambos o resultado é previsto pelo agente,

que com sua conduta, termina por causá-lo; na culpa

consciente o autor age por leviandade e no dolo eventual

por egoísmo.

Não é demais lembrar, que teoricamente a distinção entre

dolo eventual e culpa consciente parece tranqüila. Ao examinar casos

concretos, porém, o operador do Direito esbarra em dificuldades.

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Marques (1997, p. 130), discorrendo sobre a problemática

do reconhecimento do dolo eventual nos delitos de trânsito, esclarece: Em

muitos acidentes chega a registrar-se o dolo eventual, que só se não atribui ao

autor do evento lesivo, em face da dificuldade da prova. E é por funcionar o “in

dubio pro reo” (na dúvida para o réu), que em muitos delitos dolosos de

trânsito, a acusação se copia apenas na responsabilidade penal a título de

culpa.

3.7 DISCUSSÃO ACERCA DA FALTA DE PREVISÃO LEGAL NO CTB

PARA O CRIME DE HOMICÍDIO DOLOSO DECORRENTE DE DOLO

EVENTUAL

Como já anteriormente citado, a falta de previsão legal

pela prática de homicídio doloso, por dolo eventual é uma crítica necessária.

Poderia o legislador ter incluído tal previsão em nosso ordenamento jurídico.

Nogueira (1999, p. 97-98) observa:

Poderia ter o legislador cuidado, ainda, no capítulo dos crimes dolosos contra a vida, do delito de homicídio doloso, no trânsito, no caso de dolo eventual, em que o agente não quer o resultado, mas assume o risco de produzi-lo, sendo tolerante e aquiescendo a sua ocorrência (art. 18, I, segunda parte, do Código Penal – Diz o crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo), pondo fim a uma grande celeuma doutrinária e jurisprudencial, com a previsão de uma figura típica que poderia ter, então, a seguinte redação: Matar alguém, na direção de veículo automotor, assumindo o risco de produzir o resultado.

Continua Nogueira (1999, p. 98):

Se a lei admitisse expressamente o cabimento do dolo eventual no homicídio cometido ao volante de veículo automotor, por certo grandes discussões acerca do cabimento do dolo eventual em fato havido no trânsito e da distinção entre dolo eventual e culpa consciente perderiam sua razão de ser,

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principalmente na fase do art. 406 do Código de Processo Penal (em que as partes discutem as provas depois de encerrada a instrução nos processos por crimes dolosos contra a vida que, em seguida, o juiz pronuncie, impronuncie, absolva sumariamente ou desclassifique a infração para outra, da competência do juiz singular) ou no plenário do Tribunal do Júri, nos casos em que tiver havido decisão de pronúncia.

A embriaguez do condutor, seja por álcool ou qualquer

outra substância inebriante, é mais um fator conformador do dolo eventual.

A seguir uma ementa de julgado onde o elemento

embriaguez foi decisivo para o reconhecimento do dolo eventual (TJRS – RSE

70003230588 – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Danúbio Edon Franco – J. 18.04.2002).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO – TRÂNSITO – EMBRIAGUEZ – DOLO EVENTUAL – PRONÚNCIA – O motorista que dirige veículo automotor embriagado causando a morte de outrem assume o risco de produzir o resultado danoso, restando caracterizado o dolo eventual. Em delitos desta natureza, neste momento processual impõe-se a pronúncia, cabendo ao tribunal do júri julgar a causa.

A assunção de veículo nestas condições denota descaso

com os semelhantes e é indício da configuração do dolo eventual.

Nogueira (1999, p. 98):

Não temos dúvida, assim, de que seria perfeitamente viável a inclusão, no corpo do tipo penal do homicídio doloso, no Código Penal, de hipótese expressa quanto à punição a título de dolo eventual na conduta daquele que, na direção de veículo automotor, extrapola todos os limites da culpa, ingressa no dolo eventual, assume o risco de produzir o resultado e causa morte.

Já foi anteriormente citado que inexiste a modalidade

dolosa em nossa legislação para a prática do homicídio na direção de veículo

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automotor. Este é um estudo que deveria ser retomado, devido a grande

ocorrência desses crimes.

Apenas uma pequena quantidade de condutores

infratores, responsáveis pelos delitos, têm uma pena severa, digna e justa

pelos crimes que cometeram.

Uma revisão no Código de Trânsito, incluindo a previsão

de homicídio doloso, ainda que eventual, é hoje uma questão de urgência, para

que se comece a fazer justiça, como a justiça deve ser.

Todos conhecem os efeitos deletérios que o álcool ou

outras substâncias análogas causam na mente do ser humano. Em relação à

atividade de dirigir, tais conseqüências são ainda mais significativas. Pinheiro

(1967, p. 257) enumera vários efeitos que o álcool causa sobre o cérebro

humano, entre os quais podemos destacar a perda do autocontrole,

autoconfiança crescente, diminuição da capacidade de julgar, diminuição de

atenção, transtornos da visão estereoscópica (de apreciação de distâncias,

reconhecimento de formas etc), apatia, tremor, entorpecimento, alterações do

equilíbrio. Discorrendo sobre o assunto, acrescenta o autor

O álcool influencia negativamente a sensação de equilíbrio e a capacidade de coordenação, e esse fato exerce um efeito perigoso nos ciclistas e motoristas, assim como nos condutores de triciclos, a uma velocidade relativamente baixa. (...) As perturbações visuais ocasionadas pela ingestão de bebidas alcoólicas compreendem a diplopia de origem alcoólica, diminuição da acuidade visual, e diminuição da capacidade de distinção de duas impressões luminosas. O álcool possui sobre a vista do condutor um efeito comparável ao que se obtém olhando por vidros fumados ou óculos de sol colocados ao crepúsculo. Não se pode alegar que o embriagado não tinha

consciência de sua incapacidade de dirigir ao assumir o controle de um veículo.

As campanhas educativas que mostram a incompatibilidade entre álcool e

direção são constantes. Ou o sujeito ativo estava desacordado e em total

inconsciência, ou encontrava-se ainda acordado, restando-lhe um mínimo de

consciência de seu estado de embriaguez.

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Aquele que, fora de casa, consome bebidas alcoólicas,

ciente que terá de retornar conduzindo veículo, anui, de antemão, à ocorrência

de atentado à incolumidade física de outrem.

A possibilidade de o agente, mesmo embriagado, estar

ciente de sua incapacidade de dirigir, é corroborada por Greco Filho (1993, p.

106) ao lecionar:

No plano da culpa e sua reprovabilidade, igualmente, o agravamento é adequado, porque aquele que dirige embriagado, além de causar, pela própria conduta, um perigo social maior, merece a acentuação da pena tendo em vista que sabe que não estaria em condições físicas de dirigir. Deste modo, a embriaguez do condutor, seja por álcool ou

qualquer outra substância inebriante, é mais um fator conformador do dolo

eventual.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz

da legislação, da doutrina e da jurisprudência a respeito do crime de homicídio

doloso decorrente de acidente de trânsito, ante a comprovação do crime de

embriaguez ao volante, conforme o disposto nos capítulos.

O interesse pelo tema abordado deu-se em razão da sua

atualidade, bem como o destaque do referido assunto na mídia e pela vivência

do autor, uma vez que este convive diariamente com esta realidade por

trabalhar com assuntos voltados ao trânsito.

Por fim, retoma-se a única hipótese da presente pesquisa:

a) Nos crimes de homicídio decorrente de acidente de

trânsito, comprovado também o crime de embriaguez ao volante, será

reconhecido o dolo eventual, podendo o agente ser condenado pelo homicídio

doloso.

Tal assertiva restou parcialmente confirmada, pois de com

base nos estudos realizados verificou-se que tanto a doutrina, bem como a

própria jurisprudência apresentam entendimentos diversos quanto ao tema ora

analisado.

Contudo , a atualização legislativa quanto a seu aspecto

criminal, em especial ao preconizado no artigo 306 do Código de Trânsito

Brasileiro, tornou o tipo que define o crime em comento de aplicação e eficácia

restringida, visto que só surtirá efeito contra aqueles que concordarem em

efetuar os exames aptos a produzir o meio probatório suficiente à

demonstração do parâmetro objetivo definido no tipo legal, ou seja, só será

aplicável para o indivíduo que se sujeitar a coleta de sangue para constatação

da alcoolemia ou presença de substância psicoativa ou efetuar o teste com

utilização do etilômetro, caso contrário, temos uma norma ineficaz, impossível

de produzir seus efeitos.

Assim, transferiu-se ao suspeito ou acusado o poder de

tornar a aplicação do tipo em análise efetiva ou não, dando azo à perpetração

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da impunidade, contrastando com a idéia de punir rigorosa e efetivamente

aqueles que expõem a perigo demais usuários do sistema viário nacional,

conseqüência da ingestão de álcool em quantidade excessiva, ou substância

psicoativa capaz de gerar dependência.

Portanto, na atualidade, não bastará a mera constatação

da “influência de álcool”, nem mesmo da embriaguez do condutor por outros

meios de prova ou até mesmo pelo exame pericial médico – legal clínico. Isso

porque em nenhum desses procedimentos é possível aferir o grau de

concentração de álcool no sangue, imprescindível para a caracterização da

infração em destaque na atual conformação legal.

É interessante notar que o discurso de rigor do legislador,

embora bem aplicado na seara administrativa, não seguiu a mesma senda no

âmbito criminal. Afinal de contas, a partir da alteração legal, na verdade, por

direção sob efeito de álcool, só é preso em flagrante e, principalmente,

condenado, quem quiser!

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ANEXOS