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brasília 50 anos interiores Do Catetinho à nova Assembleia Legislativa, do rapper ao ministro, 50 projetos e 50 depoimentos fazem um apanhado das transformações na cinquentenária capital federal Escritórios em SP, por PA3, Dante Della Manna, Roberto Loeb e Moema Wertheimer 362 arquitetura, “design & interiores”® abril 10 R$ 20,00 www.arcoweb.com.br 362 abril 10 Brasília 50 anos Escritórios em São Paulo

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Brazilian Magazine Projeto Design #362 was published, and features a special about Brasilia and its anniversary, selecting 50 projects. All images are by Leonardo Finotti

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brasília 50 anos interiores

Do Catetinho à nova Assembleia Legislativa, do rapper ao ministro, 50 projetos e 50 depoimentos fazem um apanhado

das transformações na cinquentenária capital federal

Escritórios em SP, por PA3, Dante Della Manna, Roberto

Loeb e Moema Wertheimer

362

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Brasília do rapper ao ministro

Para festejar o cinquentenário da inau-

guração de Brasília, brindamos o leitor

com uma seleção dos 50 projetos mais

significativos construídos na capital ao

longo dessas cinco décadas. Trata-se de

uma escolha que abrange desde o Cateti-

nho, o primeiro prédio erguido na cidade,

até a nova sede da Assembleia Legislativa

do Distrito Federal, que ainda não foi

inaugurada. Esse apanhado vai além das

obras de Oscar Niemeyer - que, como não

poderia deixar de ser, é o profissional com

mais trabalhos destacados, assinando 15

deles. Para a publicação, esse conjunto de

edifícios foi fotografado recentemente por

Leonardo Finotti, que já olha com intimi-

dade para a cidade, onde trabalhou mais

de 20 vezes nos últimos cinco anos. Uma

familiaridade que lhe permite descobrir

ângulos impensáveis.

E foram esses ângulos inusitados que

escolhemos para levar ao leitor as obras

clássicas - os principais prédios da cidade,

como o Congresso Nacional e a catedral.

São imagens diferentes daquelas cos-

tumeiramente publicadas. Ainda nesse

universo, alguns edifícios são mostrados

em detalhes expressivos, como a escada

do Itamaraty e a fachada lateral do Mi-

nistério da Justiça. No grupo há também

prédios menos famosos, mesmo entre os

arquitetos: quem conhece, por exemplo,

a Escola Francesa, desenhada por Nie-

meyer? Ou ainda o Estádio do Gama, de

Ruy Ohtake, e o Pavilhão Anísio Teixeira,

de Cláudio Queiroz?

Essas fotografias são acompanhadas

de depoimentos, colhidos, num esforço de

reportagem, por toda a equipe de redato-

res de PROJETO DESIGN. Com isso, fomos

em busca do lado humano - não neces-

sariamente arquitetônico - dessas obras,

facetas escondidas por trás dos espaços

e incomuns nos textos de análise teórica.

São memórias recuperadas em episódios

históricos, engraçados, emocionantes ou

reflexivos acerca dos 50 edifícios. Eles

surgem nas múltiplas vozes de arquitetos,

paisagistas, iluminadores, jornalistas, ar-

tistas plásticos, diplomatas, entre outros.

Enfim, há depoimentos que vão do rapper

ao ministro. Com isso, prestamos uma

homenagem aos habitantes da capital,

brasilienses ou não, e aos profissionais que

construíram e ainda constroem a cidade.

Afinal de contas, goste-se de Brasília ou

não, e independentemente dos escândalos

políticos (destes com certeza ninguém

gosta), a vida pulsa por trás daquelas

paredes. (Por Fernando Serapião)

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Catetinho (1956) Oscar Niemeyer

Brasília roubou uma parte da minha infância. Quando eu tinha cinco anos de idade,

meu pai, Roberto Magalhães Penna, partiu para a futura capital federal, onde participaria

da construção do Catetinho, do sistema viário e do aeroporto, entre muitas outras obras.

Ele era dono de uma empresa de engenharia, homem exuberante e aventureiro que não

hesitou em aceitar o convite de Juscelino Kubitschek para participar daquela empreitada.

Muitos anos depois, quando meu pai já não mais vivia com a família, ao organizar alguns

negativos descobri uma foto dele junto com Oscar Niemeyer e outras pessoas, um re-

gistro feito durante a construção do Catetinho. E então pensei que, como me privara do

convívio com meu pai, Brasília tinha uma dívida grande comigo.

Gustavo Penna, arquiteto

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Com 14 anos, em 1959, viajei de penetra para Brasília junto

com meu pai, Ícaro de Castro Mello, num grupo organizado pelo

IAB, reunindo alguns dos mais importantes arquitetos paulistas

da época. Fomos a bordo de um valente DC3 da Real Aerovias, e

ficamos hospedados no Brasília Palace Hotel, que era um verda-

deiro oásis em meio ao planalto. Fomos recebidos no Palácio da

Alvorada pelo próprio Juscelino Kubitschek, que fez questão de

acompanhar a visita toda, mostrando a construção em detalhes.

Ao final, ele se despediu e embarcou em um pequeno helicóptero.

Na decolagem, a hélice provocou uma ventania, e a terra verme-

lha de Brasília impregnou os elegantes ternos de linho branco do

meu pai, de João Cacciola, de João Clodomiro, de Eduardo Knee-

se de Mello e de muitos arquitetos paulistas.

Eduardo de Castro Mello, arquiteto

Palácio da Alvorada (1956) Oscar Niemeyer

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Era o máximo de contraste que poderia haver em Brasília

naqueles anos pré-inauguração: de um lado, a cidade da

candangolice, pura terra batida; de outro, o Palace Hotel era

primoroso, sofisticado até. Tinha champanhe, rouparia de linho cor-

de-rosa, almoços e apresentação de cachorros do Country Club,

além de shows na boate da sala dos azulejos azuis, feitos pelo Athos

[Bulcão]. Boate era coisa para adultos; quando eu ainda não tinha

21 anos consegui entrar com a ajuda do meu marido e assisti à

apresentação de Caetano Veloso, em Sem lenço, nem documento.

Se é que tinha alta sociedade em Brasília, era lá que ela se reunia.

Ajudei a restaurar o hotel, contando como eram os móveis, as

paredes. As circunstâncias do incêndio? Foram sempre um mistério,

nunca explicaram direito o que aconteceu.

Betty Bettiol, artista plástica

Eu mostrava a um sobrinho de Brasília os croquis

ilustrativos da memória descritiva do Plano Piloto e

quando ele se deparou com o croqui em que aparece

a torre - exatamente como ela é - perguntou, entre

surpreso e curioso: ‘Mas esse desenho foi feito antes?!’.

Olhando para o projeto de Brasília em termos, digamos,

musicais, este detalhe revela como a presença da torre

na ‘partitura’ da capital era importante para Lucio Costa:

o Eixo Monumental tem duas ‘técnicas’, o prédio alto do

Congresso Nacional no extremo leste e a torre de TV no

extremo oeste - entre ambos, o silêncio verde e contínuo

do canteiro central da Esplanada e a meio caminho a

presença vazada e leve da plataforma rodoviária, no

cruzamento dos dois eixos. Acredito que foi essa a razão

de Lucio ter assumido o projeto de arquitetura da torre -

deve ter temido que, se fosse adiado, havia o perigo de

não ser feito na escala devida. Assim, a base de concreto

foi erguida desde logo e aguardou algum tempo até

receber a estrutura metálica e começar a funcionar.

Maria Elisa Costa, arquiteta

” ”

Brasília Palace Hotel (1957)Oscar Niemeyer

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Torre de televisão (1957)Lucio Costa

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Eu invadi o Palácio do Planalto sem perceber. Era 1985, e

o presidente eleito Tancredo Neves agonizava num hospital em

São Paulo. Eu namorava com um jornalista do Estadão, e junto

com outros repórteres cercávamos o Palácio do Jaburu, residência

do vice-presidente. Foi então que chegou a notícia da morte de

Tancredo. Momentos depois, José Sarney e comitiva saíram de

carro em direção ao Palácio do Planalto. Foi um alvoroço, com

todos os jornalistas correndo atrás. Nem sei como nós saímos

na frente, chegamos antes ao Planalto e simplesmente fomos

entrando. A ditadura também agonizava e na Brasília de então

foi possível simplesmente entrar no gabinete da Presidência,

sem que ninguém nos impedisse. Não havia ninguém lá. Ainda

esperamos alguns minutos até que, seguido por uma legião de

repórteres, Sarney aparecesse para dar curso àquele período tão

dramático da história brasileira.

Sylvia Ficher, arquiteta

Palácio do Planalto (1958)Oscar Niemeyer

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Nunca contei este episódio para a imprensa. Durante o

processo de impeachment do presidente Fernando Collor de

Mello, eu estava presidindo uma sessão no STF que avaliava

um mandado de segurança da defesa. Argumentos expostos,

íamos passar aos debates quando o diretor geral do Supremo,

Sebastião Xavier, veio me comunicar que ligações anônimas para

os gabinetes de dois ministros avisavam sobre a existência de

uma bomba no plenário, que estava completamente tomado - até

minha mulher e minha filha, que nunca haviam comparecido

a uma sessão, nem mesmo quando trabalhei em São Paulo,

estavam ali. Fiquei extremamente apreensivo. Se adiasse a

sessão, poderia levantar a suspeita de estar colaborando com a

defesa; se prosseguisse, muitos poderiam ser vítimas do atentado.

Como estávamos no meio da tarde, a solução que encontrei foi

antecipar o horário do lanche dos ministros. Com isso, o plenário

se esvaziou e pedi ao Xavier que solicitasse à Polícia Federal uma

varredura no local. Felizmente, a bomba não existia. Em casa, à

noite, contei o ocorrido para minha família. ‘Pai!?!’, reagiu minha

filha, com perplexidade. Minha mulher, mais calma, não falou

nada. Mas me olhou como se eu fosse maluco.

Sydney Sanches, ex-presidente do STF

Supremo Tribunal Federal (1958)Oscar Niemeyer

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A catedral de Brasília parece feita de dedos uni-

dos em forma de prece e tem uma leveza arquitetônica

inacreditável. Eu acho que os edifícios de Niemeyer

em Brasília são em geral bem resolvidos, mas a ca-

tedral é de todos o mais leve, o mais emocionante.

Nela se entra como se déssemos um grande mergulho

no escuro. A transparência é a escala de sua leveza,

os vitrais deveriam funcionar como janelas que são,

anteparos por onde passa a luz. Não importam a cor

e o desenho dos vidros, deve haver luz dentro e fora

da igreja, senão os vitrais se transformam em pare-

des, ficam mudos. Fiz o teste de iluminação uma vez,

quase ninguém viu, e a catedral pareceu leve de novo.

Que trecho iluminei? Tanto faz, ela é redonda!

Peter Gasper, luminotécnico

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Catedral (1958)Oscar Niemeyer

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Athos Bulcão acreditava na existência do diabo, a quem

creditava boa parte das obras de mau gosto, estilo preguiça

pós‑moderna, que foram aparecendo em Brasília. ‘O diabo mora na

ignorância’, costumava me dizer, sempre sarcástico. Mas era um

católico dedicado, frequentava semanalmente a igrejinha de Oscar.

Os azulejos azuis que ele desenhou para lá são um espetáculo.

Repare como Athos nunca errou. Era, para os arquitetos, como o

compositor Nino Rota nos filmes de Fellini, ora silencioso, ora um

grande solista. A igrejinha é perfeita, tem a horizontalidade das

melhores obras de Oscar e o deslumbramento do trabalho de Athos.

Parecem ter nascido juntos.

Marcus de Lontra Costa, crítico de arte

Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958)Oscar Niemeyer

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No início da década de 1960, com 11 anos, vivi um tempo em Brasília com meu

avô Cândido Motta Filho, que era ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele morava na

307, em uma superquadra desenhada por Niemeyer - até os móveis eram projeto dele -,

num edifício com outros ministros do STF. Quase não havia prédios nas superquadras - a

Norte nem existia - e do apartamento podíamos ver o lago. A maioria das lojas ficava na

Cidade Livre, e lá íamos fazer compras com o Josué, o motorista de meu avô, que morava

numa superquadra pertinho de nós. Nessa época frequentei lugares especiais, como o

Alvorada. Nadei na piscina do palácio, e um detalhe de que me lembro até hoje é o friso

dourado no azulejo azul, próximo da borda. O presidente Jânio Quadros não gostava de

ficar sozinho e várias vezes nos convidava para assistir aos filmes do Gordo e o Magro no

cinema do Alvorada. Nunca mais voltei a Brasília. Tenho medo de me decepcionar.

Guilherme Motta, arquiteto

SQS 107/108 (1958)Oscar Niemeyer

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No aniversário de 40 anos do Masp, fui contratado pela editora Abril

para desenhar o espaço de uma exposição chamada Epopeia Editorial, que

rodou o país. Em Brasília, ela foi montada no Congresso Nacional. Certo

dia, antes da inauguração do evento, fui com a equipe almoçar no Piantella,

famoso restaurante brasiliense, e tomamos algumas garrafas de vinho. Antes

de voltar para o trabalho, passamos na catedral. O espaço é fascinante.

Quando estava saindo, bati a cabeça na parede, naquele trecho do túnel

escuro. Meu fim de tarde não foi no Congresso: acabei o dia no Hospital de

Base - aliás, também desenhado por Niemeyer. Saldo da história: levei oito

pontos. A arquitetura de Niemeyer, literalmente, abriu minha cabeça.

Márcio Mazza, arquiteto

Congresso Nacional (1959)Oscar Niemeyer

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Estava em Brasília por motivos pessoais e naquele sábado, à

noite, iríamos à apresentação do grupo Corpo, no Teatro Nacional.

À tarde, resolvi mostrar a minha filha adolescente o edifício, que

eu conhecia de um corte em uma revista. Como o teatro esta-

va na fase final de obra, entramos por um acesso secundário e

fomos nos embrenhando, subindo, subindo. Quando dei por mim,

estávamos perdidos num local com pouquíssima luz, desorienta-

dos, incapazes de encontrar o caminho de volta. Só restava conti-

nuar em frente, e acabamos achando uma saída, mas ela dava na

cobertura. Para não termos que encarar novamente a construção

por dentro, a solução foi descer pelo exterior da fachada, que

felizmente tinha uma inclinação possível de enfrentar. À noite,

recompostos, voltamos ao teatro para o espetáculo. Dessa vez,

porém, fomos pela entrada oficial.

Decio Tozzi, arquiteto

Teatro Nacional (1958)Oscar Niemeyer

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Participei do concurso de Brasília na equipe de Artigas, que, depois do resultado, me

apresentou para Oscar, para eu trabalhar na Novacap. Mas a burocracia era muito grande

e o meu contrato não saía. Minha mulher, que era primeira bailarina do Municipal do Rio,

foi se apresentar em Nova York e lá recebeu um convite para ser a primeira bailarina do

American Ballet Theatre. Ela me ligou e eu disse: ‘Aceite’. Eu estava na Cinelândia, fazen-

do hora para o meu voo, quando encontrei Oscar. ‘Seu contrato saiu’, ele me disse. Tarde

demais. Mais uma vez Brasília escapou das minhas mãos, e fui para Nova York. Na volta,

três anos depois, passamos em Caracas e voamos para Brasília. Um táxi nos levou até a

rodoviária e paramos para ver o Eixo Monumental. Naquele momento, comecei a chorar.

Pela primeira vez fiquei feliz por perder um concurso.

Ubyrajara Gilioli, arquiteto

Rodoviária (1957)Lucio Costa

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Darcy Ribeiro me levou para ver o

Auditório Dois Candangos, porque queria

instalar ali 250 poltronas dentro de três

semanas. Gesticulou no terreno livre, como se

houvesse alguma construção no lugar, e disse

que não queria nada pronto, de linha, não

era o caso de fazer compras em São Paulo.

Eu deveria desenhar e mandar produzir as

cadeiras. Fiquei apavorado, mas ele me

tranquilizou: ‘Isso aqui é Brasília. Quando

você voltar a construção estará pronta’. Voltei

numa Semana Santa, faltando três dias para

a inauguração. Foi emocionante. Precisei

mandar um caminhão - com a faixa ‘A UnB

precisa de você’ - trazer os estudantes para a

obra. Era feriado, eles vieram.

Sergio Rodrigues, designer

Dona Sarah encomendou esse projeto ao Oscar, mas na ocasião ele sofreu um

acidente no trajeto Rio-Brasília e me pediu que, como funcionário da Novacap, fizesse o

desenho. Fiquei honrado com o convite e me dediquei bastante - sempre ouvindo Oscar.

Ao ficar pronto, o prédio foi fotografado por Marcel Gautherot e quando o escultor Sérgio

Camargo viu as fotos me elogiou pelos volumes que criei. Após a entrada do médico

Aloysio Campos da Paz na direção do Sarah, já depois do governo JK, a instituição

começou nova fase. Ele me pediu para fazer alguns acertos, mas, por ser muito ligado ao

Lelé, chamou-o para diversas ampliações no conjunto, que hoje toma a quadra inteira.

Lelé trabalhou de maneira muito cuidadosa e envolveu meu prédio, hoje chamado de

‘Sarinha’, que, no final, com toda a quadra ocupada, ficou no meio de um pátio. Eu disse

ao Lelé que não estava chateado com o resultado. Primeiro, pelo carinho com que tratou

meu projeto; depois, porque este acabou como o Tempietto, de Bramante, em Roma,

uma das principais obras do Renascimento. Não pela importância histórica, claro, mas

porque ambos estão em um pátio, envoltos por outros edifícios.

Glauco Campello, arquiteto

”Faculdade de Educaçãoda UnB e AuditórioDois Candangos (1961)Alcides da Rocha Miranda e

Luís Humberto Pereira

Rede Sarah (1960)Glauco Campello

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Na fachada do prédio do Ministério da Justiça existem algumas cascatas que ajudam

a tornar o ambiente um pouco mais úmido, uma vez que a cidade possui clima muito

seco. Ainda assim, como na maioria dos edifícios em Brasília, ele possui aparelhos de ar

condicionado de janela. Não tenho ideia de quem ocupava o cargo de ministro quando

foi instalado um desses equipamentos junto ao gabinete. E ele era imenso, tão grande

que se interpunha entre o ministro da Justiça e o presidente da República: impedia que

do ministério avistássemos o Palácio do Planalto. Quando fui ministro [de julho de 1999

a abril de 2000], tomei conhecimento de que Niemeyer havia manifestado irritação com

essa interferência, mas nunca ninguém fizera caso dela. Decidi, então, em respeito ao

trabalho do autor, remover o ar-condicionado da janela e deixar o gabinete ao natural.

E sobrevivi ao calor da cidade.

José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça

Ministério da Justiça (1962)Oscar Niemeyer

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Há alguns anos tenho guiado colegas em incursões pela cidade. Numa delas,

próximo da posse de Luiz Inácio Lula da Silva para o primeiro mandato, acompanhei

Ricardo Legorreta. Um dos lugares que visitamos - eu, ele, sua acompanhante e Cecília

Souto, embaixadora do México no Brasil - foi o Itamaraty, uma das obras que mais

impressionam em Brasília. No terceiro pavimento do palácio, onde estão o jardim de

Burle Marx e esculturas de Victor Brecheret, Legorreta sentou-se e ficou observando

o horizonte da cidade, pensativo. Sua acompanhante voltou-se para ele e comentou:

‘Que responsabilidade a sua’. ‘É isso mesmo, uma grande responsabilidade’, devolveu

Legorreta, que naquela época projetava a Secretaria da Saúde em seu país. Ambos

se referiam ao peso que, depois de ter visitado o Palácio do Itamaraty, acabava de ser

depositado sobre seus ombros de autor.

Sérgio Parada, arquiteto

Palácio do Itamaraty (1962)Oscar Niemeyer

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Fiz esse prédio a pedido de Fernando Gasparian, que era o

presidente da CNI. Eu era muito jovem e convidei o Paulinho para o

projeto. A projeção máxima permitida naquela quadra era de 16 por

48 metros. Respeitamos a largura com 16, mas com os brises, de um

metro e meio de cada lado, o prédio ficava com 19 metros. O pessoal

da Novacap não queria concordar. ‘Só se o dr. Oscar aprovar’,

disseram. Marcamos um encontro com Niemeyer. Ele viu o desenho e

falou: ‘Eu também queria colocar brises nos ministérios. Pode fazer’.

Anos depois trocaram os brises, pois os primeiros não prestavam!

Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto

Em 1964, dirigindo meu Karmann Ghia, eu e minha namorada -

hoje minha mulher - fomos de Belo Horizonte até Brasília. Era minha

segunda visita. Passamos uma semana hospedados no apartamento

de um amigo, William Abdalla, professor da UnB. Ele morava no

Colina. Com quatro pavimentos e pilotis, a obra, toda pré-fabricada,

me impressionou. Eu já conhecia o escritório do Ceplan, da primeira

ida à capital. Um pouco por causa dessas visitas, a industrialização da

construção influenciou muito meu trabalho em São Paulo. Na ocasião,

William me apresentou Lelé, que também dava aula na faculdade de

arquitetura. Fomos até uma agência de automóveis em construção, a

Desbrave, que ele estava projetando. Lelé ainda não era famoso e não

tinha escritório: desenhava no próprio canteiro de obras.

Sidonio Porto, arquiteto

“”

”Colina (1963)João Filgueiras Lima (Lelé)

Edifício-sede da CNI (1963)Pedro Paulo de Melo Saraiva e Paulo Mendes da Rocha

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Em toda a minha vida, fui à capital federal apenas

uma vez, para receber a última parcela referente ao

projeto de um anexo que fiz para o Banco de Brasília.

Tentei voltar no mesmo dia, mas não consegui, tive

que ficar na cidade e me hospedei na casa de Athos

Bulcão. Desenvolvi o projeto do anexo a distância, no

Rio de Janeiro. E a sede do banco é o único projeto do

escritório MMM Roberto em Brasília. Eu, no entanto,

não gosto da cidade. Ainda garoto, sem saber no que

estava trabalhando, no escritório do meu pai, Maurício,

e dos meus tios Milton e Marcelo, fiz vários desenhos

que eles usaram para participar do concurso da nova

capital brasileira. Mas a competição, soube depois, es-

tava com cartas marcadas.

Márcio Roberto, arquiteto

Banco de Brasília (1965)MMM Roberto

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Quando foi necessário construir o estacionamento sul do

Minhocão [nome pelo qual é conhecido o Instituto Central de

Ciências - ICC, da Universidade de Brasília], encontramos no

terreno o protótipo de um projeto de Oscar Niemeyer destinado

à moradia dos estudantes. Ficamos em dúvida sobre o que

fazer. Se o retirássemos, poderíamos ser acusados de estar

desrespeitando um trabalho do autor; se o deixássemos lá,

também seríamos alvos de críticas. No fim, resolvemos manter

a construção, que fica entre 1,20 metro e 1,5 metro elevada do

solo. Mais tarde, a habitação que Niemeyer desenhou para os

estudantes, e que nós decidimos preservar como um testemunho

da época, transformou-se, com autorização da reitoria, em

barbearia do ICC, sendo também usada como central de cópias.

Paulo Zimbres, arquiteto

Instituto Central de Ciências (1963)Oscar Niemeyer

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José Galbinski me contou uma história engraçada sobre o projeto dele

para o restaurante universitário da UnB. Era final da década de 1970 e ele

ficou surpreso ao saber que os participantes de um congresso de portadores

de necessidades especiais estavam elogiando muito o projeto. O que se

comentava é que o restaurante era o único lugar do campus que permitia aos

cadeirantes se locomover livremente. Galbinski ficou com a imagem de um

arquiteto engajado naquela causa. Só que ele me confessou que essa imagem

era totalmente desconectada da motivação: em nenhum momento ele havia

pensado nos cadeirantes quando projetou aquelas rampas. Isso mostra que a

arquitetura tem um potencial que vai além das intenções do arquiteto.

Emília Stenzel, arquiteta

Restaurante dos estudantes da UnB (1969)José Galbinski e Antônio Carlos Moraes de Castro

Aeroporto de Brasília (1965)Sérgio Parada

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Um colega me contou que teve a oportunidade

de conhecer Brasília quando a cidade ainda estava

em construção. Chegando à capital, ele foi gentil-

mente recebido pelo próprio Oscar Niemeyer, que,

apesar de toda a correria, permitiu que um aluno

de arquitetura o acompanhasse em suas visitas aos

canteiros. A cada obra que Niemeyer mostrava,

meu colega questionava: ‘Mas por que isso é assim?

Não seria melhor de outro jeito? E se você tivesse

feito assim?’. No final do segundo dia, Niemeyer, já

sem paciência, abriu a planta do Plano Piloto e pediu

ao jovem que nomeasse cada um dos edifícios que

apontava. Meu colega foi respondendo tudo certi-

nho. Por fim, Niemeyer perguntou: ‘E você sabe o

que é aqui?’. ‘Sei sim, é o aeroporto’, respondeu o

estudante na ponta da língua. ‘Então, se você sabe

onde fica o aeroporto, não faça cerimônia. Tem um

avião saindo a cada duas horas’, disse Niemeyer,

colocando um ponto final à visita.

Sérgio Teperman, arquiteto

Para receber no Palácio do Buriti o general Alfredo

Stroessner, então presidente do Paraguai, o cerimonial de Brasília

contratou o melhor serviço de buffet da cidade. O cerimonial

era comandado por Aimé Alcebíades Silveira Lamaison e

minha mulher fazia parte de sua equipe. Assim como todos os

ingredientes do banquete, os graúdos camarões que faziam parte

do menu estavam no segundo andar do palácio, onde ocorreria

a recepção, quando o gás acabou, antes que eles estivessem

completamente fritos. Para desespero do cerimonial, o elevador

por onde viria o botijão substituto quebrou e não houve jeito de

conseguir abri-lo. Resultado: os camarões foram servidos meio

crus, al dente. Ninguém pareceu ter notado. Talvez tenham

pensado tratar-se de uma nova receita.

Alfredo Gastal, arquiteto

” ”Palácio do Buriti (1969)

Nauro Esteves

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Quando fui reitor da UnB, entre 1985 e 1989, os alunos

me proporcionaram momentos divertidos. Certa vez, durante

uma reunião do conselho universitário, no prédio da reitoria, um

estudante apareceu de camiseta regata. Eu o chamei para dizer

que aquela não era uma roupa adequada e ele me respondeu:

‘Pô, Cristovam, tá ficando careta?’. Em outra ocasião, percebi

que alguns estudantes estavam se aproximando, fazendo um

panelaço para reclamar da comida do bandejão. Antes que eles

chegassem até minha sala, chamei o garçom e pedi que ele me

trouxesse umas panelas também. O grupo chegou pensando

que ia me surpreender, mas eu é que os surpreendi e os recebi

também batendo panela.

Cristovam Buarque, senador

Em uma viagem a Cristalina, região próxima de

Brasília, Roberto se impressionou com a forma dos

enormes cristais. Estávamos iniciando o projeto da praça e

ele decidiu usar a ideia desses elementos, me incumbindo

de fazer a maquete a partir de um croqui. Os cristais foram

executados em concreto aparente. Também é interessante

na praça o uso de espécies da região de Brasília e o fato

de ela ter um local para manifestações cívicas, por ficar

diante do quartel. No ano passado, a praça foi restaurada

pelo Exército, com muito empenho de um coronel, que

nos procurou para tirar algumas dúvidas. Os cristais

também foram recuperados, porque o concreto estava

comprometido. Só que eles não deveriam ter sido pintados,

deveriam ter ficado na cor natural do concreto. Mas é só

esperar um pouco que a tinta se desgasta novamente e

fica como Roberto gostaria.

Haruyoshi Onu, paisagista

Praça dos Cristais (1970)Roberto Burle Marx

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Nosso desenho do ginásio utiliza no partido estrutural um

símbolo esportivo: uma cesta de basquete. O vão da cobertura,

feita de alumínio, era um dos maiores do país, com 50 metros,

se não me engano. O projeto foi desenvolvido por Hans Eger,

o mesmo que calculou o Anhembi. Uma das características do

ginásio é um fosso entre o público e os atletas, que utilizávamos

nos estádios mas não era comum em ginásios, dividindo o uso

sem ser muito acintoso. A inauguração foi bem representativa

do Brasil de então: na quadra, uma apresentação de Garibaldo,

Ana, Gugu, toda a turma de Vila Sésamo, que estava no auge;

na plateia, num camarote, estava o presidente Medici.

Cláudio Cianciarullo, arquiteto

Reitoria da UnB (1972)Paulo Zimbres

Ginásio Nilson Nelson (1973)Ícaro de Castro Mello e Cláudio Cianciarullo

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Não sei por que, mas essa é a única quadra de Brasília que as pessoas

conhecem pelo nome: Conjunto São Miguel. São quatro prédios, com paisagismo

de Fernando Chacel, que deveriam ter sido executados em pré-moldados, mas

foram construídos com concreto moldado in loco. Por isso, algumas pessoas dizem

que Sérgio e Mayumi consideravam o conjunto um filho bastardo. A torre maior é a

mais descaracterizada, pois foi detalhada por Hélio Ferreira Pinto. Há pouco tempo,

o concreto dessa torre foi pintado. Tentei recorrer ao patrimônio, porque acho que

descaracterizou o conjunto, mas em Brasília não existe tombamento provisório: as

obras só são protegidas após o processo.

Danilo Matoso, arquiteto

”Quando me formei, tive a oportunidade de estagiar com Pedro Paulo,

que estava participando da concorrência fechada do prédio da escola

fazendária. Ele foi corajoso e chamou um bando de meninos não formados

para trabalhar. Na equipe estávamos Henrique Cambiaghi, Sidney Meleiros

Rodrigues, Sérgio Ficher e eu. Fiquei muito orgulhoso com a incumbência

de desenhar as perspectivas. Logo depois fui fazer mestrado em Harvard, e

os outros continuaram com o professor. Era a época do milagre econômico.

E eu perdi justamente essa fase em que os arquitetos recusavam trabalho

porque não davam conta da demanda. Quando voltei ao Brasil já era início

dos anos 1980, a chamada década perdida.

Bruno Padovano, arquiteto

SQN 64 (1963)Sérgio Souza Lima e Mayumi Souza Lima

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Quando estávamos pesquisando para o livro A invenção da superquadra, em

coautoria com Marcílio Mendes Ferreira, fiz uma entrevista com Milton Ramos. Ele

falou sobre os projetos das quadras 400 e sobre pré-fabricação. Comentou também

sobre o bloco C da SQS 203, no qual usou viga T para formar a laje. A solução

permitia vencer o vão de fachada a fachada e estava associada ao isolamento

entre pavimentos, a fim de promover ventilação cruzada. O projeto original tinha

até um elemento de ventilação no teto para a saída da fumaça de cigarro, detalhe

abandonado pela construtora. Depois é que Milton foi desenvolver os prédios de dois

andares, feitos para os funcionários de baixo poder aquisitivo dos ministérios.

Matheus Gorovitz, arquiteto

”Escola fazendária (1973)Pedro Paulo de Melo Saraiva

SQS 203 (1972)Milton Ramos

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O projeto do prédio do DNER [atual DNIT] foi elaborado na Hidroservice, uma

empresa de porte, que venceu a concorrência para desenvolver esse trabalho. Naquela

situação não se falava em um autor, mas em equipes de criação compostas por

arquitetos e engenheiros que trabalhavam juntos, um respeitando o ponto de vista do

outro. Rodrigo Lefèvre era o líder da equipe de arquitetos. Uma marca fundamental de

sua participação no projeto está nos quebra-sóis, que dão o ritmo de luz e sombra e

conferem a característica formal mais importante do edifício. Lefèvre tinha convicções

políticas contrárias ao regime e havia sido preso pelos militares. Quando saiu da prisão,

em 1973, recebeu convite de João Rodolfo Stroeter para trabalhar na Hidroservice, onde

foi calorosamente acolhido. A Hidroservice tinha grandes contratos com o governo militar

e um cliente estatal começou a criar obstáculos à entrada de Lefèvre. Henry Maksoud,

o dono da construtora, teve um gesto de coragem e rejeitou as pressões: ‘Na minha

empresa mando eu’, respondeu. Foi assim que Lefèvre entrou para a Hidroservice, onde

trabalhou até sua morte, em 1984.

Nelson Andrade, arquiteto

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Sede do DNER (1974)Rodrigo Lefèvre e equipe

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Lelé me cumprimentou por ter

escrito o livro sobre Athos, disse estar

emocionado porque finalmente o amigo

recebia o crédito devido. Ele também

me falou sobre as dificuldades que

teve na primeira unidade do Sarah em

Brasília; ele pediu ajuda para resolver

a volumetria de uma escada sem graça

e, em resposta, Athos transformou o

espaço com o uso da cor. Daí em diante

ele fez mais e mais nos hospitais, criou

até elementos arquitetônicos. Athos é

o desconhecido íntimo de Brasília, as

pessoas nem têm ideia de tudo o que

fez na cidade. A nouvelle vague foi uma

de suas influências: grafismos, como o

da parede atrás dos enormes pilares do

Congresso, por vezes simulavam o tremido

da câmara na mão ou a visão dinâmica,

em movimento.

Agnaldo Farias, crítico de arte

É uma casa hospitaleira, lugar do bom convívio. Uma embaixada informal

mesmo, como costumava dizer a Betty. Há 20 anos ou mais, sempre que

havia uma exposição em Brasília era lá que nos reuníamos, aproveitando a

generosidade do projeto de Zanine. Eu me lembro das conversas agradáveis com

Tomie Ohtake e Aldemir Martins, por exemplo, na época de uma mostra sobre os

artistas paulistas, ainda durante o governo Sarney. Zanine fez uma casa aberta,

com conceito agregador e uma relação muito adequada com o meio ambiente.

Tinha até um tucano que convivia livremente com a família e os amigos.

Marcante ver, naquele contexto, o voo livre do pássaro ícone da brasilidade.

Gilberto Salvador, artista plástico

A maior parte das reuniões de que participei para encaminhar o

desenvolvimento do projeto do Liceu Francês François Mitterrand (leia

PROJETO DESIGN 356, outubro de 2009), que será implantado em Brasília,

foi realizada na atual sede da escola. Nela há um painel de Athos Bulcão, que

vamos remontar nas futuras instalações. E mesmo assim nunca me ocorreu

que a Escola Francesa pudesse ter sido projetada por Niemeyer, ainda mais

quase na década de 1980. São formas que pouco ou quase nada têm a ver

com seus outros trabalhos na cidade. O desenho do edifício tem um quê de

escola paulista.

José Tabith, arquiteto

Escola Francesa (1978)Oscar Niemeyer

Hospital Sarah Kubitschek (1976)João Filgueiras Lima (Lelé)

Residência Bettiol (1976)Zanine Caldas

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Projetamos em Brasília o Colégio Pré-Universitário, obra executada pela construtora

Eldorado, do engenheiro Francisco Aguiar Carneiro. A partir desse trabalho, ele pediu

que nosso escritório - chamado Equipe 58, número do imóvel que ocupávamos na

avenida Getúlio Vargas, em Belo Horizonte - estudasse o projeto do edifício Eldorado.

Como havíamos feito com a obra do colégio, revezávamo-nos na viagem semanal

à cidade, às quintas-feiras, num Caravelle, num voo de cerca de 50 minutos, para

acompanhar o desenvolvimento da construção. Para conseguir levar o projeto adiante,

tivemos que embarcar com a maquete do conjunto no Rio de Janeiro, com destino ao

escritório do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que na ocasião era presidente do

Conselho Administrativo do Banco Denasa. Kubitschek chamou o doutor Lucio Costa

para aprovar nossa solução e manter o brise na posição que prevíamos, com o prédio

abrindo vistas na direção do lago e do Eixo Monumental.

Alvimar Marchesotti Machado, arquiteto

Cobri, como jornalista, a primeira visita que o ex-presidente

Jânio Quadros fez ao Memorial JK. Ele veio de avião até a cidade e ao

desembarcar era visível que já havia bebido um pouco. Quando chegou

ao memorial, Jânio achou que o busto de Juscelino estava no meio do

espelho d’água e eu tive de segurá-lo para ele não cair lá dentro. Jânio

e Juscelino foram adversários políticos. Dona Sarah me dissera que JK

havia avisado: se durante a passagem da faixa presidencial seu sucessor

fizesse alguma brincadeira, ia levar um soco na cara. E veja só: apesar das

divergências, no dia da visita ao memorial, quando entramos na sala onde

está o túmulo de Juscelino, Jânio exclamou: ‘Éramos tão amigos!’.

Alexandre Garcia, jornalista

Memorial Juscelino Kubitschek (1980)Oscar Niemeyer

Edifício Eldorado (1969)Éolo Maia e Alvimar Marchesotti Machado

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Embaixada da Itália (1977)Pier Luigi Nervi

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Eu acho que a Embaixada da Itália é uma resposta de Nervi ao

Itamaraty: os dois têm plantas quadradas, ênfase estrutural e escala

monumental. Em relação a este último aspecto, o embaixador italiano

na época da construção, que era casado com uma brasileira, foi

contra, achava o prédio grandioso demais. Mas creio que o projeto,

diferentemente da maioria das outras embaixadas em Brasília, é um

grande acerto. A minha preferida é a do México, mas é a Embaixada

da Itália a que melhor aproveita a vista, com a casa do embaixador no

último andar e os escritórios no penúltimo. Mas reconheço que os salões

de recepção são um pouco acanhados.

André Corrêa do Lago, diplomata e crítico de arquitetura

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Me chamar para a inauguração de um posto de gasolina!

Isso é convite que se faça a alguém que você conheceu no

sábado anterior, numa festa? Mas o que a gente não faz por

amor... Matheus não é muito alto mas é lindo, e na festa havia me

impressionado. Por isso, escolhi um sapato baixo e lá fui eu tomar

parte na inauguração do posto da Petrobrás no campus da UnB.

Curiosa com meu interesse por aquele que viria a ser meu marido,

minha mãe quis ir junto. Eu disse: ‘Mãe, não fica em cima’. Ela foi,

mas ficou de longe, na surdina, tentando decifrar quem era aquele

sujeito. O posto era realmente impressionante e fiquei ainda mais

encantada com o autor. Foi o primeiro trabalho de Matheus que

eu vi e o posto abasteceu nossa relação, tanto que estamos juntos

desde 1998. Cada vez que passo por ali, eu suspiro.

Dora Gorovitz, bibliotecária

Posto de gasolina (1997)Matheus Gorovitz

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89projetodesign abril 10

Quando assumi a reitoria da UnB, coloquei em prática um

plano de reinstalação da universidade, que até então estava

quase toda concentrada no Instituto Central de Ciências. Também

restauramos o Ceplan, que fizera parte da criação da escola e fora

praticamente desativado. O edifício projetado por Cláudio Queiroz

integrava esse plano de expansão, que também levou a UnB até

as cidades-satélites. O prédio é muito simples e foi praticamente

todo construído com recursos da instituição. O nome Pavilhão

Anísio Teixeira foi uma homenagem ao educador baiano, um dos

idealizadores da UnB. Eu ficara triste quando o reitor anterior, ao

dar ao campus o nome de Darcy Ribeiro, esqueceu que Teixeira

tinha sido um de seus principais mentores. Também propus - e foi

aceito - a concessão a Anísio Teixeira do título de professor emérito,

um dos poucos concedidos pela universidade a pessoas mortas.

Lauro Morhy, engenheiro químico, ex-reitor da UnB

”Pavilhão Anísio Teixeira (2001)

Cláudio Queiroz

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90 projetodesign abril 10

Lelé é um homem de decisão. Já fiz várias visitas ao Sarah Lago Norte e, nos

espaços internos, o mais impressionante é a forma como ele pensa a arquitetura. Não

faz distinção entre o Palácio do Planalto e a Ceilândia, o custo da construção nunca é um

limitador em seus projetos. Projeta para o homem, pensa até no acompanhante daquelas

crianças que fazem tratamento na água. Acho impressionante a quantidade de piscinas

do hospital. Que privilégio para nós, arquitetos moradores de Brasília, acompanhar essa

grande e dinâmica biblioteca que é o conjunto dos edifícios do Sarah.

Gilson Paranhos, arquiteto

Rede Sarah Lago Norte (2000)João Filgueiras Lima (Lelé)

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91projetodesign abril 10

Minha mãe, dona Sebastiana, é fã do Lenine, e foi por causa dela que usei parte de uma música dele em

um rep (ritmo e poesia). Em vez de me processar, Lenine me convidou para participar do seu Acústico MTV.

Juntei falas dele, das músicas ‘Jack sou brasileiro’ e ‘A ponte’, com o meu rep sobre a ponte JK. Se chama

‘Eu e Lenine (A ponte)’. O rep é um dos elementos do hip hop, trabalhamos com questões políticas, sociais, e

na época em que fazia um disco a construção da ponte estava em evidência. Também a questão das escolas

de lata, e eu, que tenho uma abordagem contemporânea, fiz o contraponto entre elas. Minha mãe ficou feliz,

Lenine gostou, teve repercussão. Sensacional. A música, que falou por si, foi também uma ponte.

GOG, rapper

Ponte JK (2002)Alexandre Chan

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Casa na península dos Ministros (2002)Isay Weinfeld

Conheci o projeto dessa casa numa bienal de arquitetura, aqui em Brasília.

Quando soube que a obra começava fui ao escritório de Isay, em São Paulo, pedir

permissão para acompanhar informalmente a construção. Era um projeto muito diferente

do que costumávamos ver na cidade: apesar da localização icônica, era extremamente

simples, com linguagem de volumes contrapostos. Isso rendeu críticas negativas na

época da exposição. Na obra, percebi como é absurdo o grau de detalhamento de Isay.

Havia a mesma quantidade de desenhos do Hotel Blue Tree Park, de cuja obra participei.

Foi surpreendente acompanhar a construção dessa casa feita artesanalmente, com

componentes de primeiríssima qualidade.

Daniel Mangabeira, arquiteto

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93projetodesign abril 10

De casamento marcado, eu queria ter minha casa, mas

a situação financeira não me permitia sonhar alto. Gilson

[Paranhos], um de meus irmãos arquitetos, sugeriu que eu

negociasse um lote de madeira com uma tia, que era sócia de

meu pai numa fazenda onde esse material estava guardado.

Ele faria o projeto a partir desse material. Fui conversar com

minha tia e acabei ganhando a madeira como presente de

casamento. Gilson tem uma arquitetura mais moderna, mas eu

queria algo tradicional, e a casa foi construída aos poucos, o que

me transformou temporariamente em mestre de obras. Anos

depois vendi a casa, e, por coincidência, quem a comprou foi

uma filha de Matheus Gorovitz, que tinha sido professor de Gilson

e de Paulo Henrique [Paranhos] na UnB.

Luís Augusto Paranhos de Paula e Silva, advogado

Casa LF (2003)Gilson Paranhos

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Quando recebemos a encomenda,

ficamos assustados: nosso primeiro projeto

em Brasília, e ainda por cima na W3.

Nós nos formamos tendo como ideário

toda a carga moderna do urbanismo da

cidade, que aos poucos foi se vulgarizando

com as construções novas. O projeto

acompanha a regularidade externa dos

prédios de Brasília, mas internamente

ele traz uma surpresa, inspirada nas

curvas de Niemeyer para o pavilhão da

Bienal. O curioso é que essas curvas

foram criadas antes da definição do

sistema estrutural, e, como a construtora

optou pela pré-fabricação, há uma certa

contradição entre a liberdade do desenho

e a precisão da estrutura. Assim como a

utopia da cidade, o desenho é uma coisa

e a realização, outra. Por isso as fotos da

obra são mais significativas do que as do

edifício pronto.

Francisco Fanucci, arquiteto

Com peculiar arranjo interno, esse edifício de lojas ligadas à decoração se tornou

palco para um número de mágica. Certa vez, enquanto aguardava o contato de um

fornecedor no bistrô interno, vi um colega atender três clientes sem que nenhuma delas

percebesse que estava dividindo o profissional com as outras. Ele aparecia e desaparecia,

ia de uma loja a outra: escolheu o revestimento com uma e foi ao bistrô tomar um café;

correu para a outra loja, examinou luminárias e retornou ao toalete, junto ao bistrô; em

seguida foi até a terceira loja verificar se a bancada sugerida estava de acordo com o

projeto, e ganhou um beijo da cliente (seria sua mulher?) antes de pedir licença para ir ao

banheiro. Em vez disso, foi verificar o orçamento das luminárias, tomou um café no bistrô

salvador e foi terminar a escolha dos revestimentos - e esta cliente também se despediu

com um beijo caloroso (quem seria ela então?). Graças à ausência do mall tradicional

e os dois acessos de lojas, articuladas nos fundos pelo bistrô e na frente pela praça

externa, ele conseguiu, por motivos profissionais ou pessoais, desdobrar-se em três,

como janelas do Windows abertas na tela do computador.

Leonardo Oliveira, arquiteto

“”

Edifício Antac (2004)Brasil Arquitetura

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Mercado Design (2006)Paulo Henrique Paranhos

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Conheci o trabalho de Marcio Kogan através de uma revista.

Sou funcionário do ONU e quase sempre estou fora do Brasil. Quando

eu estava indo para o Timor Leste, em 2002, aproveitei uma passagem

por São Paulo para marcar uma reunião com ele. Conversamos durante

três horas e dois meses depois ele me mandou três desenhos com a

ideia do projeto. Não havia planta, só um esquema de o que ficava onde.

O projeto e a construção foram se desenvolvendo enquanto eu viajava.

Começamos quando eu estava no Timor, depois fui para o Haiti, para

o Sudão e agora estou de volta ao Haiti. Mas tudo correu muito bem.

No Timor, como eu cuidava da construção de escolas, fui ajudado por

uma equipe de arquitetos que tinham CAD. Por outro lado, a obra foi

muito fácil: o engenheiro era bom e os desenhos de Marcio são bastante

detalhados e completos.

Francisco Osler, oficial de assuntos civis da ONU

Casa Osler (2002)Marcio Kogan

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Por natureza, engenheiros são indivíduos mais

quadrados que arquitetos. Eu, engenheiro mecânico

que trabalha com automação predial, tenho dois

irmãos arquitetos, o Gilson e o Paulo Henrique, que

chamamos de PH. Quando pedi ao PH que fizesse o

projeto da minha casa, fui bem claro: ‘Quero uma casa

com jeito de casa, onde pelo menos eu veja o telhado’.

Por isso ele teve que se desdobrar para projetar a

única residência com telhado no pequeno condomínio

onde estão outras três, também desenhadas por PH.

Uma delas é do próprio PH, outra de minha irmã e a

terceira de uma pessoa que não tem parentesco com a

família. Depois que o conjunto ficou pronto eu comecei

a brincar com o PH, dizendo que a casa dele seria a

biblioteca, a do João Ferreira o memorial, a de minha

irmã, Maria Fernanda, o salão de festas. E a minha era

casa mesmo.

Marcos Alexandre Paranhos de Paula e Silva,

engenheiro mecânico

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Condomínio residencial (2006)Paulo Henrique Paranhos

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Vencedor da competição organizada pela Fundação

Habitacional do Exército para a construção da sua sede, Danilo

havia especificado vidro estrutural em determinada parte do

edifício. No andamento da obra, o fabricante do material não quis

assumir o risco do cálculo e foi preciso desenhar um montante

para manter a solução. A convite de Danilo, fui, em outubro

de 2009, conhecer o prédio. Tudo me parecia em ordem, mas

percebi que a expressão dele se alterava completamente ao ver

a solução executada. Obcecado por detalhes - como a maioria

dos arquitetos quando se trata do próprio projeto -, ele parecia se

perguntar ‘O que fizeram com isso?’, ao notar que o encontro em

quina que ele havia previsto no montante estava diferente, algo

que ninguém percebia. A distância entre desenho e execução

são situações que enfrentamos; mas elas podem assumir ares de

tragédia quando somos personagens.

Humberto Hermeto, arquiteto

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Fundação Habitacional do Exército (2005)Danilo Matoso, Élcio Gomes, Fabiano Sobreira,

Newton Godoy, Filipe Montserrat e Daniel Lacerda

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Estádio do Gama (2008)Ruy Ohtake

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Eu já joguei algumas vezes no Bezerrão [nome pelo

qual é conhecido o Estádio do Gama] e lá sempre tem a

torcida pegando no meu pé. Sempre é aquela brincadeira:

‘Cadê o Túlio? Cadê o Túlio?’. E quando eu faço o gol a

torcida do contra fica quieta. No meu jogo de estreia pelo

Botafogo‑DF foi a mesma coisa. Eu entrei em campo com a

camisa número 900, porque poderia fazer meu 900° gol, e

foi aquela pressão. Eu fiz dois gols no jogo e quando saí do

campo fui para o vestiário tomar banho. De repente apareceu

uma repórter ali, querendo uma entrevista. Foi uma situação

meio constrangedora, porque ela me flagrou quando eu já

tinha tirado quase toda a roupa. Não perdemos tempo e dei a

entrevista daquele jeito mesmo. Em compensação, ela acabou

ficando com a camisa 900 que usei naquele dia.

Túlio Maravilha, jogador do Botafogo-DF

Eu havia feito um painel abstrato para a estação de metrô da

Ceilândia e sugeri ao secretário de Cultura de Brasília, Silvestre

Gorgulho, a criação de outro para a estação da SQS 108, que foi

inaugurada em 2008. Eu já estava pensando no cinquentenário

de Brasília e propus retratar algumas das obras de Oscar

Niemeyer. Ele aceitou a ideia e sugeriu que eu também incluísse

no painel a antena digital, trabalho recente do próprio Niemeyer

ainda não concluído. O painel é uma pintura acrílica sobre tela,

de 7,5 x 2 metros, dividido em cinco painéis menores. Fico feliz

por vê‑lo na estação, ele se relaciona bem com a arquitetura do

entorno e ainda funciona como uma passarela para pedestres.

Marcos Decat França, arquiteto e artista plástico

Estações de metrô 102, 108 e 112 Sul (2007)Departamento de Arquitetura TCBR/Metrô-DF

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Eurico Ramos Francisco, Fábio Mariz Gonçalves, Lívia Maria Leite França, Luís Mauro Freire, Maria

do Carmo Vilariño e Zeuler Rocha Mello de Almeida Lima eram arquitetos com fraldas quando venceram o

concurso para a Assembleia Legislativa de Brasília. Eurico, Fábio e Maria do Carmo trabalhavam no escritório

Rino Levi, do qual eu era um dos associados - eles tinham entrado como estagiários. Luís trabalhava no

mesmo prédio - o edifício Jardim Paulista, na 9 de Julho -, no escritório de Joaquim Guedes. Eu sabia

que eles estavam participando da competição e quando me mostraram pela primeira vez o desenho tive

certeza de que iam ganhar. Era a arquitetura brasileira feita para Brasília, com um frescor de interpretação

extraordinário, uma obra magnífica. Eles eram muito jovens e nós os assistimos com minutas de contrato,

negociações com o cliente, advogados, enfim, na montagem de uma equipe realmente profissional, pois ali

estavam arquitetos de muito talento.

Paulo Bruna, arquiteto

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Assembleia Legislativa (1990)Projeto Paulista