projeto design #362
DESCRIPTION
Brazilian Magazine Projeto Design #362 was published, and features a special about Brasilia and its anniversary, selecting 50 projects. All images are by Leonardo FinottiTRANSCRIPT
brasília 50 anos interiores
Do Catetinho à nova Assembleia Legislativa, do rapper ao ministro, 50 projetos e 50 depoimentos fazem um apanhado
das transformações na cinquentenária capital federal
Escritórios em SP, por PA3, Dante Della Manna, Roberto
Loeb e Moema Wertheimer
362
arqu
itetu
ra, “
desi
gn &
inte
rior
es”®
abri
l 10
R$
20,0
0
ww
w.a
rcow
eb.co
m.b
r
36
2ab
ril 1
0B
rasí
lia 5
0 an
osEs
critó
rios
em S
ão P
aulo
46 projetodesign abril 10
bras
ília
50 a
nos
47projetodesign abril 10
Brasília do rapper ao ministro
Para festejar o cinquentenário da inau-
guração de Brasília, brindamos o leitor
com uma seleção dos 50 projetos mais
significativos construídos na capital ao
longo dessas cinco décadas. Trata-se de
uma escolha que abrange desde o Cateti-
nho, o primeiro prédio erguido na cidade,
até a nova sede da Assembleia Legislativa
do Distrito Federal, que ainda não foi
inaugurada. Esse apanhado vai além das
obras de Oscar Niemeyer - que, como não
poderia deixar de ser, é o profissional com
mais trabalhos destacados, assinando 15
deles. Para a publicação, esse conjunto de
edifícios foi fotografado recentemente por
Leonardo Finotti, que já olha com intimi-
dade para a cidade, onde trabalhou mais
de 20 vezes nos últimos cinco anos. Uma
familiaridade que lhe permite descobrir
ângulos impensáveis.
E foram esses ângulos inusitados que
escolhemos para levar ao leitor as obras
clássicas - os principais prédios da cidade,
como o Congresso Nacional e a catedral.
São imagens diferentes daquelas cos-
tumeiramente publicadas. Ainda nesse
universo, alguns edifícios são mostrados
em detalhes expressivos, como a escada
do Itamaraty e a fachada lateral do Mi-
nistério da Justiça. No grupo há também
prédios menos famosos, mesmo entre os
arquitetos: quem conhece, por exemplo,
a Escola Francesa, desenhada por Nie-
meyer? Ou ainda o Estádio do Gama, de
Ruy Ohtake, e o Pavilhão Anísio Teixeira,
de Cláudio Queiroz?
Essas fotografias são acompanhadas
de depoimentos, colhidos, num esforço de
reportagem, por toda a equipe de redato-
res de PROJETO DESIGN. Com isso, fomos
em busca do lado humano - não neces-
sariamente arquitetônico - dessas obras,
facetas escondidas por trás dos espaços
e incomuns nos textos de análise teórica.
São memórias recuperadas em episódios
históricos, engraçados, emocionantes ou
reflexivos acerca dos 50 edifícios. Eles
surgem nas múltiplas vozes de arquitetos,
paisagistas, iluminadores, jornalistas, ar-
tistas plásticos, diplomatas, entre outros.
Enfim, há depoimentos que vão do rapper
ao ministro. Com isso, prestamos uma
homenagem aos habitantes da capital,
brasilienses ou não, e aos profissionais que
construíram e ainda constroem a cidade.
Afinal de contas, goste-se de Brasília ou
não, e independentemente dos escândalos
políticos (destes com certeza ninguém
gosta), a vida pulsa por trás daquelas
paredes. (Por Fernando Serapião)
bras
ília
50 a
nos
48 projetodesign abril 10
Catetinho (1956) Oscar Niemeyer
Brasília roubou uma parte da minha infância. Quando eu tinha cinco anos de idade,
meu pai, Roberto Magalhães Penna, partiu para a futura capital federal, onde participaria
da construção do Catetinho, do sistema viário e do aeroporto, entre muitas outras obras.
Ele era dono de uma empresa de engenharia, homem exuberante e aventureiro que não
hesitou em aceitar o convite de Juscelino Kubitschek para participar daquela empreitada.
Muitos anos depois, quando meu pai já não mais vivia com a família, ao organizar alguns
negativos descobri uma foto dele junto com Oscar Niemeyer e outras pessoas, um re-
gistro feito durante a construção do Catetinho. E então pensei que, como me privara do
convívio com meu pai, Brasília tinha uma dívida grande comigo.
Gustavo Penna, arquiteto
“
”
49projetodesign abril 10
Com 14 anos, em 1959, viajei de penetra para Brasília junto
com meu pai, Ícaro de Castro Mello, num grupo organizado pelo
IAB, reunindo alguns dos mais importantes arquitetos paulistas
da época. Fomos a bordo de um valente DC3 da Real Aerovias, e
ficamos hospedados no Brasília Palace Hotel, que era um verda-
deiro oásis em meio ao planalto. Fomos recebidos no Palácio da
Alvorada pelo próprio Juscelino Kubitschek, que fez questão de
acompanhar a visita toda, mostrando a construção em detalhes.
Ao final, ele se despediu e embarcou em um pequeno helicóptero.
Na decolagem, a hélice provocou uma ventania, e a terra verme-
lha de Brasília impregnou os elegantes ternos de linho branco do
meu pai, de João Cacciola, de João Clodomiro, de Eduardo Knee-
se de Mello e de muitos arquitetos paulistas.
Eduardo de Castro Mello, arquiteto
Palácio da Alvorada (1956) Oscar Niemeyer
“
”
bras
ília
50 a
nos
projetodesign abril 1050
Era o máximo de contraste que poderia haver em Brasília
naqueles anos pré-inauguração: de um lado, a cidade da
candangolice, pura terra batida; de outro, o Palace Hotel era
primoroso, sofisticado até. Tinha champanhe, rouparia de linho cor-
de-rosa, almoços e apresentação de cachorros do Country Club,
além de shows na boate da sala dos azulejos azuis, feitos pelo Athos
[Bulcão]. Boate era coisa para adultos; quando eu ainda não tinha
21 anos consegui entrar com a ajuda do meu marido e assisti à
apresentação de Caetano Veloso, em Sem lenço, nem documento.
Se é que tinha alta sociedade em Brasília, era lá que ela se reunia.
Ajudei a restaurar o hotel, contando como eram os móveis, as
paredes. As circunstâncias do incêndio? Foram sempre um mistério,
nunca explicaram direito o que aconteceu.
Betty Bettiol, artista plástica
Eu mostrava a um sobrinho de Brasília os croquis
ilustrativos da memória descritiva do Plano Piloto e
quando ele se deparou com o croqui em que aparece
a torre - exatamente como ela é - perguntou, entre
surpreso e curioso: ‘Mas esse desenho foi feito antes?!’.
Olhando para o projeto de Brasília em termos, digamos,
musicais, este detalhe revela como a presença da torre
na ‘partitura’ da capital era importante para Lucio Costa:
o Eixo Monumental tem duas ‘técnicas’, o prédio alto do
Congresso Nacional no extremo leste e a torre de TV no
extremo oeste - entre ambos, o silêncio verde e contínuo
do canteiro central da Esplanada e a meio caminho a
presença vazada e leve da plataforma rodoviária, no
cruzamento dos dois eixos. Acredito que foi essa a razão
de Lucio ter assumido o projeto de arquitetura da torre -
deve ter temido que, se fosse adiado, havia o perigo de
não ser feito na escala devida. Assim, a base de concreto
foi erguida desde logo e aguardou algum tempo até
receber a estrutura metálica e começar a funcionar.
Maria Elisa Costa, arquiteta
“
“
” ”
Brasília Palace Hotel (1957)Oscar Niemeyer
51projetodesign abril 10
Torre de televisão (1957)Lucio Costa
projetodesign abril 1052
bras
ília
50 a
nos
bras
ília
50 a
nos
Eu invadi o Palácio do Planalto sem perceber. Era 1985, e
o presidente eleito Tancredo Neves agonizava num hospital em
São Paulo. Eu namorava com um jornalista do Estadão, e junto
com outros repórteres cercávamos o Palácio do Jaburu, residência
do vice-presidente. Foi então que chegou a notícia da morte de
Tancredo. Momentos depois, José Sarney e comitiva saíram de
carro em direção ao Palácio do Planalto. Foi um alvoroço, com
todos os jornalistas correndo atrás. Nem sei como nós saímos
na frente, chegamos antes ao Planalto e simplesmente fomos
entrando. A ditadura também agonizava e na Brasília de então
foi possível simplesmente entrar no gabinete da Presidência,
sem que ninguém nos impedisse. Não havia ninguém lá. Ainda
esperamos alguns minutos até que, seguido por uma legião de
repórteres, Sarney aparecesse para dar curso àquele período tão
dramático da história brasileira.
Sylvia Ficher, arquiteta
Palácio do Planalto (1958)Oscar Niemeyer
“
”
53projetodesign abril 10
Nunca contei este episódio para a imprensa. Durante o
processo de impeachment do presidente Fernando Collor de
Mello, eu estava presidindo uma sessão no STF que avaliava
um mandado de segurança da defesa. Argumentos expostos,
íamos passar aos debates quando o diretor geral do Supremo,
Sebastião Xavier, veio me comunicar que ligações anônimas para
os gabinetes de dois ministros avisavam sobre a existência de
uma bomba no plenário, que estava completamente tomado - até
minha mulher e minha filha, que nunca haviam comparecido
a uma sessão, nem mesmo quando trabalhei em São Paulo,
estavam ali. Fiquei extremamente apreensivo. Se adiasse a
sessão, poderia levantar a suspeita de estar colaborando com a
defesa; se prosseguisse, muitos poderiam ser vítimas do atentado.
Como estávamos no meio da tarde, a solução que encontrei foi
antecipar o horário do lanche dos ministros. Com isso, o plenário
se esvaziou e pedi ao Xavier que solicitasse à Polícia Federal uma
varredura no local. Felizmente, a bomba não existia. Em casa, à
noite, contei o ocorrido para minha família. ‘Pai!?!’, reagiu minha
filha, com perplexidade. Minha mulher, mais calma, não falou
nada. Mas me olhou como se eu fosse maluco.
Sydney Sanches, ex-presidente do STF
“
”
Supremo Tribunal Federal (1958)Oscar Niemeyer
bras
ília
50 a
nos
54 projetodesign abril 10
A catedral de Brasília parece feita de dedos uni-
dos em forma de prece e tem uma leveza arquitetônica
inacreditável. Eu acho que os edifícios de Niemeyer
em Brasília são em geral bem resolvidos, mas a ca-
tedral é de todos o mais leve, o mais emocionante.
Nela se entra como se déssemos um grande mergulho
no escuro. A transparência é a escala de sua leveza,
os vitrais deveriam funcionar como janelas que são,
anteparos por onde passa a luz. Não importam a cor
e o desenho dos vidros, deve haver luz dentro e fora
da igreja, senão os vitrais se transformam em pare-
des, ficam mudos. Fiz o teste de iluminação uma vez,
quase ninguém viu, e a catedral pareceu leve de novo.
Que trecho iluminei? Tanto faz, ela é redonda!
Peter Gasper, luminotécnico
“
”
55projetodesign abril 10
Catedral (1958)Oscar Niemeyer
projetodesign abril 1056
bras
ília
50 a
nos
Athos Bulcão acreditava na existência do diabo, a quem
creditava boa parte das obras de mau gosto, estilo preguiça
pós‑moderna, que foram aparecendo em Brasília. ‘O diabo mora na
ignorância’, costumava me dizer, sempre sarcástico. Mas era um
católico dedicado, frequentava semanalmente a igrejinha de Oscar.
Os azulejos azuis que ele desenhou para lá são um espetáculo.
Repare como Athos nunca errou. Era, para os arquitetos, como o
compositor Nino Rota nos filmes de Fellini, ora silencioso, ora um
grande solista. A igrejinha é perfeita, tem a horizontalidade das
melhores obras de Oscar e o deslumbramento do trabalho de Athos.
Parecem ter nascido juntos.
Marcus de Lontra Costa, crítico de arte
Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958)Oscar Niemeyer
“
”
57projetodesign abril 10
No início da década de 1960, com 11 anos, vivi um tempo em Brasília com meu
avô Cândido Motta Filho, que era ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele morava na
307, em uma superquadra desenhada por Niemeyer - até os móveis eram projeto dele -,
num edifício com outros ministros do STF. Quase não havia prédios nas superquadras - a
Norte nem existia - e do apartamento podíamos ver o lago. A maioria das lojas ficava na
Cidade Livre, e lá íamos fazer compras com o Josué, o motorista de meu avô, que morava
numa superquadra pertinho de nós. Nessa época frequentei lugares especiais, como o
Alvorada. Nadei na piscina do palácio, e um detalhe de que me lembro até hoje é o friso
dourado no azulejo azul, próximo da borda. O presidente Jânio Quadros não gostava de
ficar sozinho e várias vezes nos convidava para assistir aos filmes do Gordo e o Magro no
cinema do Alvorada. Nunca mais voltei a Brasília. Tenho medo de me decepcionar.
Guilherme Motta, arquiteto
SQS 107/108 (1958)Oscar Niemeyer
“
”
bras
ília
50 a
nos
projetodesign abril 1060
No aniversário de 40 anos do Masp, fui contratado pela editora Abril
para desenhar o espaço de uma exposição chamada Epopeia Editorial, que
rodou o país. Em Brasília, ela foi montada no Congresso Nacional. Certo
dia, antes da inauguração do evento, fui com a equipe almoçar no Piantella,
famoso restaurante brasiliense, e tomamos algumas garrafas de vinho. Antes
de voltar para o trabalho, passamos na catedral. O espaço é fascinante.
Quando estava saindo, bati a cabeça na parede, naquele trecho do túnel
escuro. Meu fim de tarde não foi no Congresso: acabei o dia no Hospital de
Base - aliás, também desenhado por Niemeyer. Saldo da história: levei oito
pontos. A arquitetura de Niemeyer, literalmente, abriu minha cabeça.
Márcio Mazza, arquiteto
“
”
Congresso Nacional (1959)Oscar Niemeyer
61projetodesign abril 10
Estava em Brasília por motivos pessoais e naquele sábado, à
noite, iríamos à apresentação do grupo Corpo, no Teatro Nacional.
À tarde, resolvi mostrar a minha filha adolescente o edifício, que
eu conhecia de um corte em uma revista. Como o teatro esta-
va na fase final de obra, entramos por um acesso secundário e
fomos nos embrenhando, subindo, subindo. Quando dei por mim,
estávamos perdidos num local com pouquíssima luz, desorienta-
dos, incapazes de encontrar o caminho de volta. Só restava conti-
nuar em frente, e acabamos achando uma saída, mas ela dava na
cobertura. Para não termos que encarar novamente a construção
por dentro, a solução foi descer pelo exterior da fachada, que
felizmente tinha uma inclinação possível de enfrentar. À noite,
recompostos, voltamos ao teatro para o espetáculo. Dessa vez,
porém, fomos pela entrada oficial.
Decio Tozzi, arquiteto
Teatro Nacional (1958)Oscar Niemeyer
“
”
projetodesign abril 1062
bras
ília
50 a
nos
Participei do concurso de Brasília na equipe de Artigas, que, depois do resultado, me
apresentou para Oscar, para eu trabalhar na Novacap. Mas a burocracia era muito grande
e o meu contrato não saía. Minha mulher, que era primeira bailarina do Municipal do Rio,
foi se apresentar em Nova York e lá recebeu um convite para ser a primeira bailarina do
American Ballet Theatre. Ela me ligou e eu disse: ‘Aceite’. Eu estava na Cinelândia, fazen-
do hora para o meu voo, quando encontrei Oscar. ‘Seu contrato saiu’, ele me disse. Tarde
demais. Mais uma vez Brasília escapou das minhas mãos, e fui para Nova York. Na volta,
três anos depois, passamos em Caracas e voamos para Brasília. Um táxi nos levou até a
rodoviária e paramos para ver o Eixo Monumental. Naquele momento, comecei a chorar.
Pela primeira vez fiquei feliz por perder um concurso.
Ubyrajara Gilioli, arquiteto
“
”
Rodoviária (1957)Lucio Costa
63projetodesign abril 10
Darcy Ribeiro me levou para ver o
Auditório Dois Candangos, porque queria
instalar ali 250 poltronas dentro de três
semanas. Gesticulou no terreno livre, como se
houvesse alguma construção no lugar, e disse
que não queria nada pronto, de linha, não
era o caso de fazer compras em São Paulo.
Eu deveria desenhar e mandar produzir as
cadeiras. Fiquei apavorado, mas ele me
tranquilizou: ‘Isso aqui é Brasília. Quando
você voltar a construção estará pronta’. Voltei
numa Semana Santa, faltando três dias para
a inauguração. Foi emocionante. Precisei
mandar um caminhão - com a faixa ‘A UnB
precisa de você’ - trazer os estudantes para a
obra. Era feriado, eles vieram.
Sergio Rodrigues, designer
Dona Sarah encomendou esse projeto ao Oscar, mas na ocasião ele sofreu um
acidente no trajeto Rio-Brasília e me pediu que, como funcionário da Novacap, fizesse o
desenho. Fiquei honrado com o convite e me dediquei bastante - sempre ouvindo Oscar.
Ao ficar pronto, o prédio foi fotografado por Marcel Gautherot e quando o escultor Sérgio
Camargo viu as fotos me elogiou pelos volumes que criei. Após a entrada do médico
Aloysio Campos da Paz na direção do Sarah, já depois do governo JK, a instituição
começou nova fase. Ele me pediu para fazer alguns acertos, mas, por ser muito ligado ao
Lelé, chamou-o para diversas ampliações no conjunto, que hoje toma a quadra inteira.
Lelé trabalhou de maneira muito cuidadosa e envolveu meu prédio, hoje chamado de
‘Sarinha’, que, no final, com toda a quadra ocupada, ficou no meio de um pátio. Eu disse
ao Lelé que não estava chateado com o resultado. Primeiro, pelo carinho com que tratou
meu projeto; depois, porque este acabou como o Tempietto, de Bramante, em Roma,
uma das principais obras do Renascimento. Não pela importância histórica, claro, mas
porque ambos estão em um pátio, envoltos por outros edifícios.
Glauco Campello, arquiteto
“
“
”
”Faculdade de Educaçãoda UnB e AuditórioDois Candangos (1961)Alcides da Rocha Miranda e
Luís Humberto Pereira
Rede Sarah (1960)Glauco Campello
bras
ília
50 a
nos
projetodesign abril 1064
Na fachada do prédio do Ministério da Justiça existem algumas cascatas que ajudam
a tornar o ambiente um pouco mais úmido, uma vez que a cidade possui clima muito
seco. Ainda assim, como na maioria dos edifícios em Brasília, ele possui aparelhos de ar
condicionado de janela. Não tenho ideia de quem ocupava o cargo de ministro quando
foi instalado um desses equipamentos junto ao gabinete. E ele era imenso, tão grande
que se interpunha entre o ministro da Justiça e o presidente da República: impedia que
do ministério avistássemos o Palácio do Planalto. Quando fui ministro [de julho de 1999
a abril de 2000], tomei conhecimento de que Niemeyer havia manifestado irritação com
essa interferência, mas nunca ninguém fizera caso dela. Decidi, então, em respeito ao
trabalho do autor, remover o ar-condicionado da janela e deixar o gabinete ao natural.
E sobrevivi ao calor da cidade.
José Carlos Dias, advogado e ex-ministro da Justiça
“
”
Ministério da Justiça (1962)Oscar Niemeyer
65projetodesign abril 10
Há alguns anos tenho guiado colegas em incursões pela cidade. Numa delas,
próximo da posse de Luiz Inácio Lula da Silva para o primeiro mandato, acompanhei
Ricardo Legorreta. Um dos lugares que visitamos - eu, ele, sua acompanhante e Cecília
Souto, embaixadora do México no Brasil - foi o Itamaraty, uma das obras que mais
impressionam em Brasília. No terceiro pavimento do palácio, onde estão o jardim de
Burle Marx e esculturas de Victor Brecheret, Legorreta sentou-se e ficou observando
o horizonte da cidade, pensativo. Sua acompanhante voltou-se para ele e comentou:
‘Que responsabilidade a sua’. ‘É isso mesmo, uma grande responsabilidade’, devolveu
Legorreta, que naquela época projetava a Secretaria da Saúde em seu país. Ambos
se referiam ao peso que, depois de ter visitado o Palácio do Itamaraty, acabava de ser
depositado sobre seus ombros de autor.
Sérgio Parada, arquiteto
“
”
Palácio do Itamaraty (1962)Oscar Niemeyer
bras
ília
50 a
nos
66 projetodesign abril 10
Fiz esse prédio a pedido de Fernando Gasparian, que era o
presidente da CNI. Eu era muito jovem e convidei o Paulinho para o
projeto. A projeção máxima permitida naquela quadra era de 16 por
48 metros. Respeitamos a largura com 16, mas com os brises, de um
metro e meio de cada lado, o prédio ficava com 19 metros. O pessoal
da Novacap não queria concordar. ‘Só se o dr. Oscar aprovar’,
disseram. Marcamos um encontro com Niemeyer. Ele viu o desenho e
falou: ‘Eu também queria colocar brises nos ministérios. Pode fazer’.
Anos depois trocaram os brises, pois os primeiros não prestavam!
Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto
Em 1964, dirigindo meu Karmann Ghia, eu e minha namorada -
hoje minha mulher - fomos de Belo Horizonte até Brasília. Era minha
segunda visita. Passamos uma semana hospedados no apartamento
de um amigo, William Abdalla, professor da UnB. Ele morava no
Colina. Com quatro pavimentos e pilotis, a obra, toda pré-fabricada,
me impressionou. Eu já conhecia o escritório do Ceplan, da primeira
ida à capital. Um pouco por causa dessas visitas, a industrialização da
construção influenciou muito meu trabalho em São Paulo. Na ocasião,
William me apresentou Lelé, que também dava aula na faculdade de
arquitetura. Fomos até uma agência de automóveis em construção, a
Desbrave, que ele estava projetando. Lelé ainda não era famoso e não
tinha escritório: desenhava no próprio canteiro de obras.
Sidonio Porto, arquiteto
“
“”
”Colina (1963)João Filgueiras Lima (Lelé)
Edifício-sede da CNI (1963)Pedro Paulo de Melo Saraiva e Paulo Mendes da Rocha
67projetodesign abril 10
Em toda a minha vida, fui à capital federal apenas
uma vez, para receber a última parcela referente ao
projeto de um anexo que fiz para o Banco de Brasília.
Tentei voltar no mesmo dia, mas não consegui, tive
que ficar na cidade e me hospedei na casa de Athos
Bulcão. Desenvolvi o projeto do anexo a distância, no
Rio de Janeiro. E a sede do banco é o único projeto do
escritório MMM Roberto em Brasília. Eu, no entanto,
não gosto da cidade. Ainda garoto, sem saber no que
estava trabalhando, no escritório do meu pai, Maurício,
e dos meus tios Milton e Marcelo, fiz vários desenhos
que eles usaram para participar do concurso da nova
capital brasileira. Mas a competição, soube depois, es-
tava com cartas marcadas.
Márcio Roberto, arquiteto
Banco de Brasília (1965)MMM Roberto
”
“
bras
ília
50 a
nos
68 projetodesign abril 10
69projetodesign abril 10
Quando foi necessário construir o estacionamento sul do
Minhocão [nome pelo qual é conhecido o Instituto Central de
Ciências - ICC, da Universidade de Brasília], encontramos no
terreno o protótipo de um projeto de Oscar Niemeyer destinado
à moradia dos estudantes. Ficamos em dúvida sobre o que
fazer. Se o retirássemos, poderíamos ser acusados de estar
desrespeitando um trabalho do autor; se o deixássemos lá,
também seríamos alvos de críticas. No fim, resolvemos manter
a construção, que fica entre 1,20 metro e 1,5 metro elevada do
solo. Mais tarde, a habitação que Niemeyer desenhou para os
estudantes, e que nós decidimos preservar como um testemunho
da época, transformou-se, com autorização da reitoria, em
barbearia do ICC, sendo também usada como central de cópias.
Paulo Zimbres, arquiteto
Instituto Central de Ciências (1963)Oscar Niemeyer
“
”
projetodesign abril 1072
bras
ília
50 a
nos
José Galbinski me contou uma história engraçada sobre o projeto dele
para o restaurante universitário da UnB. Era final da década de 1970 e ele
ficou surpreso ao saber que os participantes de um congresso de portadores
de necessidades especiais estavam elogiando muito o projeto. O que se
comentava é que o restaurante era o único lugar do campus que permitia aos
cadeirantes se locomover livremente. Galbinski ficou com a imagem de um
arquiteto engajado naquela causa. Só que ele me confessou que essa imagem
era totalmente desconectada da motivação: em nenhum momento ele havia
pensado nos cadeirantes quando projetou aquelas rampas. Isso mostra que a
arquitetura tem um potencial que vai além das intenções do arquiteto.
Emília Stenzel, arquiteta
Restaurante dos estudantes da UnB (1969)José Galbinski e Antônio Carlos Moraes de Castro
“
”
Aeroporto de Brasília (1965)Sérgio Parada
73projetodesign abril 10
Um colega me contou que teve a oportunidade
de conhecer Brasília quando a cidade ainda estava
em construção. Chegando à capital, ele foi gentil-
mente recebido pelo próprio Oscar Niemeyer, que,
apesar de toda a correria, permitiu que um aluno
de arquitetura o acompanhasse em suas visitas aos
canteiros. A cada obra que Niemeyer mostrava,
meu colega questionava: ‘Mas por que isso é assim?
Não seria melhor de outro jeito? E se você tivesse
feito assim?’. No final do segundo dia, Niemeyer, já
sem paciência, abriu a planta do Plano Piloto e pediu
ao jovem que nomeasse cada um dos edifícios que
apontava. Meu colega foi respondendo tudo certi-
nho. Por fim, Niemeyer perguntou: ‘E você sabe o
que é aqui?’. ‘Sei sim, é o aeroporto’, respondeu o
estudante na ponta da língua. ‘Então, se você sabe
onde fica o aeroporto, não faça cerimônia. Tem um
avião saindo a cada duas horas’, disse Niemeyer,
colocando um ponto final à visita.
Sérgio Teperman, arquiteto
Para receber no Palácio do Buriti o general Alfredo
Stroessner, então presidente do Paraguai, o cerimonial de Brasília
contratou o melhor serviço de buffet da cidade. O cerimonial
era comandado por Aimé Alcebíades Silveira Lamaison e
minha mulher fazia parte de sua equipe. Assim como todos os
ingredientes do banquete, os graúdos camarões que faziam parte
do menu estavam no segundo andar do palácio, onde ocorreria
a recepção, quando o gás acabou, antes que eles estivessem
completamente fritos. Para desespero do cerimonial, o elevador
por onde viria o botijão substituto quebrou e não houve jeito de
conseguir abri-lo. Resultado: os camarões foram servidos meio
crus, al dente. Ninguém pareceu ter notado. Talvez tenham
pensado tratar-se de uma nova receita.
Alfredo Gastal, arquiteto
“
“
” ”Palácio do Buriti (1969)
Nauro Esteves
projetodesign abril 1074
bras
ília
50 a
nos
Quando fui reitor da UnB, entre 1985 e 1989, os alunos
me proporcionaram momentos divertidos. Certa vez, durante
uma reunião do conselho universitário, no prédio da reitoria, um
estudante apareceu de camiseta regata. Eu o chamei para dizer
que aquela não era uma roupa adequada e ele me respondeu:
‘Pô, Cristovam, tá ficando careta?’. Em outra ocasião, percebi
que alguns estudantes estavam se aproximando, fazendo um
panelaço para reclamar da comida do bandejão. Antes que eles
chegassem até minha sala, chamei o garçom e pedi que ele me
trouxesse umas panelas também. O grupo chegou pensando
que ia me surpreender, mas eu é que os surpreendi e os recebi
também batendo panela.
Cristovam Buarque, senador
Em uma viagem a Cristalina, região próxima de
Brasília, Roberto se impressionou com a forma dos
enormes cristais. Estávamos iniciando o projeto da praça e
ele decidiu usar a ideia desses elementos, me incumbindo
de fazer a maquete a partir de um croqui. Os cristais foram
executados em concreto aparente. Também é interessante
na praça o uso de espécies da região de Brasília e o fato
de ela ter um local para manifestações cívicas, por ficar
diante do quartel. No ano passado, a praça foi restaurada
pelo Exército, com muito empenho de um coronel, que
nos procurou para tirar algumas dúvidas. Os cristais
também foram recuperados, porque o concreto estava
comprometido. Só que eles não deveriam ter sido pintados,
deveriam ter ficado na cor natural do concreto. Mas é só
esperar um pouco que a tinta se desgasta novamente e
fica como Roberto gostaria.
Haruyoshi Onu, paisagista
“
“
”
”
Praça dos Cristais (1970)Roberto Burle Marx
75projetodesign abril 10
Nosso desenho do ginásio utiliza no partido estrutural um
símbolo esportivo: uma cesta de basquete. O vão da cobertura,
feita de alumínio, era um dos maiores do país, com 50 metros,
se não me engano. O projeto foi desenvolvido por Hans Eger,
o mesmo que calculou o Anhembi. Uma das características do
ginásio é um fosso entre o público e os atletas, que utilizávamos
nos estádios mas não era comum em ginásios, dividindo o uso
sem ser muito acintoso. A inauguração foi bem representativa
do Brasil de então: na quadra, uma apresentação de Garibaldo,
Ana, Gugu, toda a turma de Vila Sésamo, que estava no auge;
na plateia, num camarote, estava o presidente Medici.
Cláudio Cianciarullo, arquiteto
“
”
Reitoria da UnB (1972)Paulo Zimbres
Ginásio Nilson Nelson (1973)Ícaro de Castro Mello e Cláudio Cianciarullo
bras
ília
50 a
nos
projetodesign abril 1076
Não sei por que, mas essa é a única quadra de Brasília que as pessoas
conhecem pelo nome: Conjunto São Miguel. São quatro prédios, com paisagismo
de Fernando Chacel, que deveriam ter sido executados em pré-moldados, mas
foram construídos com concreto moldado in loco. Por isso, algumas pessoas dizem
que Sérgio e Mayumi consideravam o conjunto um filho bastardo. A torre maior é a
mais descaracterizada, pois foi detalhada por Hélio Ferreira Pinto. Há pouco tempo,
o concreto dessa torre foi pintado. Tentei recorrer ao patrimônio, porque acho que
descaracterizou o conjunto, mas em Brasília não existe tombamento provisório: as
obras só são protegidas após o processo.
Danilo Matoso, arquiteto
“
”Quando me formei, tive a oportunidade de estagiar com Pedro Paulo,
que estava participando da concorrência fechada do prédio da escola
fazendária. Ele foi corajoso e chamou um bando de meninos não formados
para trabalhar. Na equipe estávamos Henrique Cambiaghi, Sidney Meleiros
Rodrigues, Sérgio Ficher e eu. Fiquei muito orgulhoso com a incumbência
de desenhar as perspectivas. Logo depois fui fazer mestrado em Harvard, e
os outros continuaram com o professor. Era a época do milagre econômico.
E eu perdi justamente essa fase em que os arquitetos recusavam trabalho
porque não davam conta da demanda. Quando voltei ao Brasil já era início
dos anos 1980, a chamada década perdida.
Bruno Padovano, arquiteto
“
SQN 64 (1963)Sérgio Souza Lima e Mayumi Souza Lima
”
77projetodesign abril 10
Quando estávamos pesquisando para o livro A invenção da superquadra, em
coautoria com Marcílio Mendes Ferreira, fiz uma entrevista com Milton Ramos. Ele
falou sobre os projetos das quadras 400 e sobre pré-fabricação. Comentou também
sobre o bloco C da SQS 203, no qual usou viga T para formar a laje. A solução
permitia vencer o vão de fachada a fachada e estava associada ao isolamento
entre pavimentos, a fim de promover ventilação cruzada. O projeto original tinha
até um elemento de ventilação no teto para a saída da fumaça de cigarro, detalhe
abandonado pela construtora. Depois é que Milton foi desenvolver os prédios de dois
andares, feitos para os funcionários de baixo poder aquisitivo dos ministérios.
Matheus Gorovitz, arquiteto
“
”Escola fazendária (1973)Pedro Paulo de Melo Saraiva
SQS 203 (1972)Milton Ramos
bras
ília
50 a
nos
78 projetodesign abril 10
O projeto do prédio do DNER [atual DNIT] foi elaborado na Hidroservice, uma
empresa de porte, que venceu a concorrência para desenvolver esse trabalho. Naquela
situação não se falava em um autor, mas em equipes de criação compostas por
arquitetos e engenheiros que trabalhavam juntos, um respeitando o ponto de vista do
outro. Rodrigo Lefèvre era o líder da equipe de arquitetos. Uma marca fundamental de
sua participação no projeto está nos quebra-sóis, que dão o ritmo de luz e sombra e
conferem a característica formal mais importante do edifício. Lefèvre tinha convicções
políticas contrárias ao regime e havia sido preso pelos militares. Quando saiu da prisão,
em 1973, recebeu convite de João Rodolfo Stroeter para trabalhar na Hidroservice, onde
foi calorosamente acolhido. A Hidroservice tinha grandes contratos com o governo militar
e um cliente estatal começou a criar obstáculos à entrada de Lefèvre. Henry Maksoud,
o dono da construtora, teve um gesto de coragem e rejeitou as pressões: ‘Na minha
empresa mando eu’, respondeu. Foi assim que Lefèvre entrou para a Hidroservice, onde
trabalhou até sua morte, em 1984.
Nelson Andrade, arquiteto
“
”
79projetodesign abril 10
Sede do DNER (1974)Rodrigo Lefèvre e equipe
bras
ília
50 a
nos
80 projetodesign abril 10
Lelé me cumprimentou por ter
escrito o livro sobre Athos, disse estar
emocionado porque finalmente o amigo
recebia o crédito devido. Ele também
me falou sobre as dificuldades que
teve na primeira unidade do Sarah em
Brasília; ele pediu ajuda para resolver
a volumetria de uma escada sem graça
e, em resposta, Athos transformou o
espaço com o uso da cor. Daí em diante
ele fez mais e mais nos hospitais, criou
até elementos arquitetônicos. Athos é
o desconhecido íntimo de Brasília, as
pessoas nem têm ideia de tudo o que
fez na cidade. A nouvelle vague foi uma
de suas influências: grafismos, como o
da parede atrás dos enormes pilares do
Congresso, por vezes simulavam o tremido
da câmara na mão ou a visão dinâmica,
em movimento.
Agnaldo Farias, crítico de arte
“
”
É uma casa hospitaleira, lugar do bom convívio. Uma embaixada informal
mesmo, como costumava dizer a Betty. Há 20 anos ou mais, sempre que
havia uma exposição em Brasília era lá que nos reuníamos, aproveitando a
generosidade do projeto de Zanine. Eu me lembro das conversas agradáveis com
Tomie Ohtake e Aldemir Martins, por exemplo, na época de uma mostra sobre os
artistas paulistas, ainda durante o governo Sarney. Zanine fez uma casa aberta,
com conceito agregador e uma relação muito adequada com o meio ambiente.
Tinha até um tucano que convivia livremente com a família e os amigos.
Marcante ver, naquele contexto, o voo livre do pássaro ícone da brasilidade.
Gilberto Salvador, artista plástico
A maior parte das reuniões de que participei para encaminhar o
desenvolvimento do projeto do Liceu Francês François Mitterrand (leia
PROJETO DESIGN 356, outubro de 2009), que será implantado em Brasília,
foi realizada na atual sede da escola. Nela há um painel de Athos Bulcão, que
vamos remontar nas futuras instalações. E mesmo assim nunca me ocorreu
que a Escola Francesa pudesse ter sido projetada por Niemeyer, ainda mais
quase na década de 1980. São formas que pouco ou quase nada têm a ver
com seus outros trabalhos na cidade. O desenho do edifício tem um quê de
escola paulista.
José Tabith, arquiteto
“
“
”
”
Escola Francesa (1978)Oscar Niemeyer
Hospital Sarah Kubitschek (1976)João Filgueiras Lima (Lelé)
Residência Bettiol (1976)Zanine Caldas
81projetodesign abril 10
projetodesign abril 1084
bras
ília
50 a
nos
Projetamos em Brasília o Colégio Pré-Universitário, obra executada pela construtora
Eldorado, do engenheiro Francisco Aguiar Carneiro. A partir desse trabalho, ele pediu
que nosso escritório - chamado Equipe 58, número do imóvel que ocupávamos na
avenida Getúlio Vargas, em Belo Horizonte - estudasse o projeto do edifício Eldorado.
Como havíamos feito com a obra do colégio, revezávamo-nos na viagem semanal
à cidade, às quintas-feiras, num Caravelle, num voo de cerca de 50 minutos, para
acompanhar o desenvolvimento da construção. Para conseguir levar o projeto adiante,
tivemos que embarcar com a maquete do conjunto no Rio de Janeiro, com destino ao
escritório do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que na ocasião era presidente do
Conselho Administrativo do Banco Denasa. Kubitschek chamou o doutor Lucio Costa
para aprovar nossa solução e manter o brise na posição que prevíamos, com o prédio
abrindo vistas na direção do lago e do Eixo Monumental.
Alvimar Marchesotti Machado, arquiteto
Cobri, como jornalista, a primeira visita que o ex-presidente
Jânio Quadros fez ao Memorial JK. Ele veio de avião até a cidade e ao
desembarcar era visível que já havia bebido um pouco. Quando chegou
ao memorial, Jânio achou que o busto de Juscelino estava no meio do
espelho d’água e eu tive de segurá-lo para ele não cair lá dentro. Jânio
e Juscelino foram adversários políticos. Dona Sarah me dissera que JK
havia avisado: se durante a passagem da faixa presidencial seu sucessor
fizesse alguma brincadeira, ia levar um soco na cara. E veja só: apesar das
divergências, no dia da visita ao memorial, quando entramos na sala onde
está o túmulo de Juscelino, Jânio exclamou: ‘Éramos tão amigos!’.
Alexandre Garcia, jornalista
“
“
”
”
Memorial Juscelino Kubitschek (1980)Oscar Niemeyer
Edifício Eldorado (1969)Éolo Maia e Alvimar Marchesotti Machado
85projetodesign abril 10
bras
ília
50 a
nos
86 projetodesign abril 10
Embaixada da Itália (1977)Pier Luigi Nervi
87projetodesign abril 10
Eu acho que a Embaixada da Itália é uma resposta de Nervi ao
Itamaraty: os dois têm plantas quadradas, ênfase estrutural e escala
monumental. Em relação a este último aspecto, o embaixador italiano
na época da construção, que era casado com uma brasileira, foi
contra, achava o prédio grandioso demais. Mas creio que o projeto,
diferentemente da maioria das outras embaixadas em Brasília, é um
grande acerto. A minha preferida é a do México, mas é a Embaixada
da Itália a que melhor aproveita a vista, com a casa do embaixador no
último andar e os escritórios no penúltimo. Mas reconheço que os salões
de recepção são um pouco acanhados.
André Corrêa do Lago, diplomata e crítico de arquitetura
“
”
projetodesign abril 1088
bras
ília
50 a
nos
Me chamar para a inauguração de um posto de gasolina!
Isso é convite que se faça a alguém que você conheceu no
sábado anterior, numa festa? Mas o que a gente não faz por
amor... Matheus não é muito alto mas é lindo, e na festa havia me
impressionado. Por isso, escolhi um sapato baixo e lá fui eu tomar
parte na inauguração do posto da Petrobrás no campus da UnB.
Curiosa com meu interesse por aquele que viria a ser meu marido,
minha mãe quis ir junto. Eu disse: ‘Mãe, não fica em cima’. Ela foi,
mas ficou de longe, na surdina, tentando decifrar quem era aquele
sujeito. O posto era realmente impressionante e fiquei ainda mais
encantada com o autor. Foi o primeiro trabalho de Matheus que
eu vi e o posto abasteceu nossa relação, tanto que estamos juntos
desde 1998. Cada vez que passo por ali, eu suspiro.
Dora Gorovitz, bibliotecária
“
”
Posto de gasolina (1997)Matheus Gorovitz
89projetodesign abril 10
Quando assumi a reitoria da UnB, coloquei em prática um
plano de reinstalação da universidade, que até então estava
quase toda concentrada no Instituto Central de Ciências. Também
restauramos o Ceplan, que fizera parte da criação da escola e fora
praticamente desativado. O edifício projetado por Cláudio Queiroz
integrava esse plano de expansão, que também levou a UnB até
as cidades-satélites. O prédio é muito simples e foi praticamente
todo construído com recursos da instituição. O nome Pavilhão
Anísio Teixeira foi uma homenagem ao educador baiano, um dos
idealizadores da UnB. Eu ficara triste quando o reitor anterior, ao
dar ao campus o nome de Darcy Ribeiro, esqueceu que Teixeira
tinha sido um de seus principais mentores. Também propus - e foi
aceito - a concessão a Anísio Teixeira do título de professor emérito,
um dos poucos concedidos pela universidade a pessoas mortas.
Lauro Morhy, engenheiro químico, ex-reitor da UnB
“
”Pavilhão Anísio Teixeira (2001)
Cláudio Queiroz
bras
ília
50 a
nos
90 projetodesign abril 10
Lelé é um homem de decisão. Já fiz várias visitas ao Sarah Lago Norte e, nos
espaços internos, o mais impressionante é a forma como ele pensa a arquitetura. Não
faz distinção entre o Palácio do Planalto e a Ceilândia, o custo da construção nunca é um
limitador em seus projetos. Projeta para o homem, pensa até no acompanhante daquelas
crianças que fazem tratamento na água. Acho impressionante a quantidade de piscinas
do hospital. Que privilégio para nós, arquitetos moradores de Brasília, acompanhar essa
grande e dinâmica biblioteca que é o conjunto dos edifícios do Sarah.
Gilson Paranhos, arquiteto
“
”
Rede Sarah Lago Norte (2000)João Filgueiras Lima (Lelé)
91projetodesign abril 10
Minha mãe, dona Sebastiana, é fã do Lenine, e foi por causa dela que usei parte de uma música dele em
um rep (ritmo e poesia). Em vez de me processar, Lenine me convidou para participar do seu Acústico MTV.
Juntei falas dele, das músicas ‘Jack sou brasileiro’ e ‘A ponte’, com o meu rep sobre a ponte JK. Se chama
‘Eu e Lenine (A ponte)’. O rep é um dos elementos do hip hop, trabalhamos com questões políticas, sociais, e
na época em que fazia um disco a construção da ponte estava em evidência. Também a questão das escolas
de lata, e eu, que tenho uma abordagem contemporânea, fiz o contraponto entre elas. Minha mãe ficou feliz,
Lenine gostou, teve repercussão. Sensacional. A música, que falou por si, foi também uma ponte.
GOG, rapper
“
”
Ponte JK (2002)Alexandre Chan
bras
ília
50 a
nos
92 projetodesign abril 10
Casa na península dos Ministros (2002)Isay Weinfeld
Conheci o projeto dessa casa numa bienal de arquitetura, aqui em Brasília.
Quando soube que a obra começava fui ao escritório de Isay, em São Paulo, pedir
permissão para acompanhar informalmente a construção. Era um projeto muito diferente
do que costumávamos ver na cidade: apesar da localização icônica, era extremamente
simples, com linguagem de volumes contrapostos. Isso rendeu críticas negativas na
época da exposição. Na obra, percebi como é absurdo o grau de detalhamento de Isay.
Havia a mesma quantidade de desenhos do Hotel Blue Tree Park, de cuja obra participei.
Foi surpreendente acompanhar a construção dessa casa feita artesanalmente, com
componentes de primeiríssima qualidade.
Daniel Mangabeira, arquiteto
“
”
93projetodesign abril 10
De casamento marcado, eu queria ter minha casa, mas
a situação financeira não me permitia sonhar alto. Gilson
[Paranhos], um de meus irmãos arquitetos, sugeriu que eu
negociasse um lote de madeira com uma tia, que era sócia de
meu pai numa fazenda onde esse material estava guardado.
Ele faria o projeto a partir desse material. Fui conversar com
minha tia e acabei ganhando a madeira como presente de
casamento. Gilson tem uma arquitetura mais moderna, mas eu
queria algo tradicional, e a casa foi construída aos poucos, o que
me transformou temporariamente em mestre de obras. Anos
depois vendi a casa, e, por coincidência, quem a comprou foi
uma filha de Matheus Gorovitz, que tinha sido professor de Gilson
e de Paulo Henrique [Paranhos] na UnB.
Luís Augusto Paranhos de Paula e Silva, advogado
Casa LF (2003)Gilson Paranhos
“
”
bras
ília
50 a
nos
projetodesign abril 1096
Quando recebemos a encomenda,
ficamos assustados: nosso primeiro projeto
em Brasília, e ainda por cima na W3.
Nós nos formamos tendo como ideário
toda a carga moderna do urbanismo da
cidade, que aos poucos foi se vulgarizando
com as construções novas. O projeto
acompanha a regularidade externa dos
prédios de Brasília, mas internamente
ele traz uma surpresa, inspirada nas
curvas de Niemeyer para o pavilhão da
Bienal. O curioso é que essas curvas
foram criadas antes da definição do
sistema estrutural, e, como a construtora
optou pela pré-fabricação, há uma certa
contradição entre a liberdade do desenho
e a precisão da estrutura. Assim como a
utopia da cidade, o desenho é uma coisa
e a realização, outra. Por isso as fotos da
obra são mais significativas do que as do
edifício pronto.
Francisco Fanucci, arquiteto
Com peculiar arranjo interno, esse edifício de lojas ligadas à decoração se tornou
palco para um número de mágica. Certa vez, enquanto aguardava o contato de um
fornecedor no bistrô interno, vi um colega atender três clientes sem que nenhuma delas
percebesse que estava dividindo o profissional com as outras. Ele aparecia e desaparecia,
ia de uma loja a outra: escolheu o revestimento com uma e foi ao bistrô tomar um café;
correu para a outra loja, examinou luminárias e retornou ao toalete, junto ao bistrô; em
seguida foi até a terceira loja verificar se a bancada sugerida estava de acordo com o
projeto, e ganhou um beijo da cliente (seria sua mulher?) antes de pedir licença para ir ao
banheiro. Em vez disso, foi verificar o orçamento das luminárias, tomou um café no bistrô
salvador e foi terminar a escolha dos revestimentos - e esta cliente também se despediu
com um beijo caloroso (quem seria ela então?). Graças à ausência do mall tradicional
e os dois acessos de lojas, articuladas nos fundos pelo bistrô e na frente pela praça
externa, ele conseguiu, por motivos profissionais ou pessoais, desdobrar-se em três,
como janelas do Windows abertas na tela do computador.
Leonardo Oliveira, arquiteto
“
“”
”
Edifício Antac (2004)Brasil Arquitetura
97projetodesign abril 10
Mercado Design (2006)Paulo Henrique Paranhos
bras
ília
50 a
nos
98 projetodesign abril 10
Conheci o trabalho de Marcio Kogan através de uma revista.
Sou funcionário do ONU e quase sempre estou fora do Brasil. Quando
eu estava indo para o Timor Leste, em 2002, aproveitei uma passagem
por São Paulo para marcar uma reunião com ele. Conversamos durante
três horas e dois meses depois ele me mandou três desenhos com a
ideia do projeto. Não havia planta, só um esquema de o que ficava onde.
O projeto e a construção foram se desenvolvendo enquanto eu viajava.
Começamos quando eu estava no Timor, depois fui para o Haiti, para
o Sudão e agora estou de volta ao Haiti. Mas tudo correu muito bem.
No Timor, como eu cuidava da construção de escolas, fui ajudado por
uma equipe de arquitetos que tinham CAD. Por outro lado, a obra foi
muito fácil: o engenheiro era bom e os desenhos de Marcio são bastante
detalhados e completos.
Francisco Osler, oficial de assuntos civis da ONU
“
”
Casa Osler (2002)Marcio Kogan
Por natureza, engenheiros são indivíduos mais
quadrados que arquitetos. Eu, engenheiro mecânico
que trabalha com automação predial, tenho dois
irmãos arquitetos, o Gilson e o Paulo Henrique, que
chamamos de PH. Quando pedi ao PH que fizesse o
projeto da minha casa, fui bem claro: ‘Quero uma casa
com jeito de casa, onde pelo menos eu veja o telhado’.
Por isso ele teve que se desdobrar para projetar a
única residência com telhado no pequeno condomínio
onde estão outras três, também desenhadas por PH.
Uma delas é do próprio PH, outra de minha irmã e a
terceira de uma pessoa que não tem parentesco com a
família. Depois que o conjunto ficou pronto eu comecei
a brincar com o PH, dizendo que a casa dele seria a
biblioteca, a do João Ferreira o memorial, a de minha
irmã, Maria Fernanda, o salão de festas. E a minha era
casa mesmo.
Marcos Alexandre Paranhos de Paula e Silva,
engenheiro mecânico
99projetodesign abril 10
”
“
Condomínio residencial (2006)Paulo Henrique Paranhos
bras
ília
50 a
nos
projetodesign abril 10100
Vencedor da competição organizada pela Fundação
Habitacional do Exército para a construção da sua sede, Danilo
havia especificado vidro estrutural em determinada parte do
edifício. No andamento da obra, o fabricante do material não quis
assumir o risco do cálculo e foi preciso desenhar um montante
para manter a solução. A convite de Danilo, fui, em outubro
de 2009, conhecer o prédio. Tudo me parecia em ordem, mas
percebi que a expressão dele se alterava completamente ao ver
a solução executada. Obcecado por detalhes - como a maioria
dos arquitetos quando se trata do próprio projeto -, ele parecia se
perguntar ‘O que fizeram com isso?’, ao notar que o encontro em
quina que ele havia previsto no montante estava diferente, algo
que ninguém percebia. A distância entre desenho e execução
são situações que enfrentamos; mas elas podem assumir ares de
tragédia quando somos personagens.
Humberto Hermeto, arquiteto
“
”
101projetodesign abril 10
Fundação Habitacional do Exército (2005)Danilo Matoso, Élcio Gomes, Fabiano Sobreira,
Newton Godoy, Filipe Montserrat e Daniel Lacerda
bras
ília
50 a
nos
102 projetodesign abril 10
Estádio do Gama (2008)Ruy Ohtake
103projetodesign abril 10
Eu já joguei algumas vezes no Bezerrão [nome pelo
qual é conhecido o Estádio do Gama] e lá sempre tem a
torcida pegando no meu pé. Sempre é aquela brincadeira:
‘Cadê o Túlio? Cadê o Túlio?’. E quando eu faço o gol a
torcida do contra fica quieta. No meu jogo de estreia pelo
Botafogo‑DF foi a mesma coisa. Eu entrei em campo com a
camisa número 900, porque poderia fazer meu 900° gol, e
foi aquela pressão. Eu fiz dois gols no jogo e quando saí do
campo fui para o vestiário tomar banho. De repente apareceu
uma repórter ali, querendo uma entrevista. Foi uma situação
meio constrangedora, porque ela me flagrou quando eu já
tinha tirado quase toda a roupa. Não perdemos tempo e dei a
entrevista daquele jeito mesmo. Em compensação, ela acabou
ficando com a camisa 900 que usei naquele dia.
Túlio Maravilha, jogador do Botafogo-DF
Eu havia feito um painel abstrato para a estação de metrô da
Ceilândia e sugeri ao secretário de Cultura de Brasília, Silvestre
Gorgulho, a criação de outro para a estação da SQS 108, que foi
inaugurada em 2008. Eu já estava pensando no cinquentenário
de Brasília e propus retratar algumas das obras de Oscar
Niemeyer. Ele aceitou a ideia e sugeriu que eu também incluísse
no painel a antena digital, trabalho recente do próprio Niemeyer
ainda não concluído. O painel é uma pintura acrílica sobre tela,
de 7,5 x 2 metros, dividido em cinco painéis menores. Fico feliz
por vê‑lo na estação, ele se relaciona bem com a arquitetura do
entorno e ainda funciona como uma passarela para pedestres.
Marcos Decat França, arquiteto e artista plástico
“
“
”
”
Estações de metrô 102, 108 e 112 Sul (2007)Departamento de Arquitetura TCBR/Metrô-DF
bras
ília
50 a
nos
104 projetodesign abril 10
Eurico Ramos Francisco, Fábio Mariz Gonçalves, Lívia Maria Leite França, Luís Mauro Freire, Maria
do Carmo Vilariño e Zeuler Rocha Mello de Almeida Lima eram arquitetos com fraldas quando venceram o
concurso para a Assembleia Legislativa de Brasília. Eurico, Fábio e Maria do Carmo trabalhavam no escritório
Rino Levi, do qual eu era um dos associados - eles tinham entrado como estagiários. Luís trabalhava no
mesmo prédio - o edifício Jardim Paulista, na 9 de Julho -, no escritório de Joaquim Guedes. Eu sabia
que eles estavam participando da competição e quando me mostraram pela primeira vez o desenho tive
certeza de que iam ganhar. Era a arquitetura brasileira feita para Brasília, com um frescor de interpretação
extraordinário, uma obra magnífica. Eles eram muito jovens e nós os assistimos com minutas de contrato,
negociações com o cliente, advogados, enfim, na montagem de uma equipe realmente profissional, pois ali
estavam arquitetos de muito talento.
Paulo Bruna, arquiteto
“
”
105projetodesign abril 10
Assembleia Legislativa (1990)Projeto Paulista