conservadorismo, liberalismo e social-democracia

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    Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 183  

    Conservadorismo, liberalismo e social-democracia: um estudo de direito político

    FERNANDO BRAGA

    Fernando Braga é Advogado e Professor univer-sitário.

    SUMÁRIO

    1. Ideologia política (do conceito metafísico à

    história). 2. Totalitarismo. 3. A ideologia nos diasde hoje. 4. A trilogia das idéias. 5. Síntese interpre-tativa.

    1. Ideologia política (do conceitometafísico à história)

    Apesar das muitas variações que extremamo conceito de ideologias políticas, desde a

    negação à utopia, creio que este tratado dasidéias em abstrato (lato sensu) seja um conjuntode pensamentos e crenças a nos forçar a percepção necessária de uma exteriorizaçãouniversal, para que nela possamos operar comnossa formação sobre o ângulo político pretendido ( strictu sensu).

    É, ainda, esse sistema abstrato, para a socio-logia, um conjunto de idéias peculiar a deter-minado  status  social do grupo e de seusmembros, sendo que essa função raramentechega à luz da consciência dos que a professam.

    As idéias básicas sobre ideologia, contidasno Apelo Onipresente, são caracterizadas por Roy C. Macridis1 assim dispostas:

    1. Amplitude: contém, em seu todo global,a ideologia, particularizando sua lógica eestrutura internas;

    2. Difusão: Consiste na extensão de tempoem que uma ideologia se fixa e se corporifica

    num determinado meio, isto é, um processo queconvencionou o espaço operativo da ideologia,

    1  Professor de Cooperação Internacional naBrandéis University, autor de  French Politics inTransaction e Modern Political Systems : Europe.

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    econômica; 3) a ideologia como parte orgânicae necessária de todas as sociedades. Tendo,ainda, alguns críticos concebido a ideologiacomo um puro vazio, uma ilusão que ignoraseus próprios alicerces materiais, tendo a posição de Lukács 6 em História da Consciênciade Classe (1923) definido ideologia como falsa

    consciência, com apoio de Marcuse 7  eHabermas8, que a tratavam como uma“consciência totalizadora”, sendo que o“espírito absoluto” apregoado por Engels forasubstituído por um novo sujeito da história – o proletariado –, tendo a obra de Lukács merecidogrande aceitação pelos adeptos da escola deFrankfurt.

    2. TotalitarismoO totalitarismo é um tipo de organização

    social em que o Estado monopoliza nãosomente o poder político, mas todas as funçõesde controle distribuídas entre grupos e insti-tuições que integram a sociedade, tambémconhecida como a doutrina que preconiza o tipode organização política ditatorial.

    Para Roy C. Macridis, o totalitarismo, comoregime ideológico, é antidemocrático; recusaas liberdades individuais e de associação; usaa força como um instrumento de governo;apóia-se num único partido, excluindo todacompetição política contra partidos e grupos;as assembléias representativas são fantoches,aceitando unicamente os políticos formulados pela liderança, e as eleições são controladas peloaparelho do Estado e pelos funcionários do partido. Tendo ainda, como característicascomuns e semelhantes, os seguintes aspectos:1) a ideologia é total e absorve a sociedade; 2)

    toda sociedade é subordinada ao partido, aoEstado e ao líder; a economia, a vida social eartística (não há pluralidade cultural) são

    o seu declínio e a sua influência na gama socialmodelada por sua ação;

    3. Extensão: referente a um teste numérico,a um mapa ideológico, ou seja, quanto maior oespaço da percepção teórica populacional,maior também se torna a sua extensão;

    4. Intensidade: o grau de influência e forçade uma ideologia, implicando interessesamplamente compartilhados e comprometidos.

    O historicismo da ideologia apareceu no fimdo século XVIII, no tempo da RevoluçãoFrancesa, com Destutt de Tracy (1574-1836) eseu círculo de intelectuais ligados ao  Institut de France, portanto, liberais e filósofos queseguiam a corrente de uma tradição medidadesde Descartes2 com o seu Cogito, ergu sum( Je pense donc je suis), até ao Existencialismo

    de Sartre3. A Ideologie, como método específicoe universalmente aplicável, fora usada comociência das idéias no intuito de proporcionar overdadeiro fundamento para as demais ciências,com domínio próprio na história natural damente, devendo investigar e descrever a forma pela qual nossos pensamentos se constituem.

    A palavra adquiriu uma conotação maisfrontal quando Napoleão4  e os liberais do Institut  se indispuseram politicamente, sendo

    os pensadores caracterizados de ideólogos,tendo a palavra, segundo Anthony de Crespigny5,se perdido num nevoeiro de idéias abstratas,na busca vã dos primeiros princípios.

    A ideologia continuava sendo empregadacomo termo de acusação, codificando ossistemas de crenças e de grupos sociais que vãodos Manuscritos (1844) até a Ideologia Alemã(1845), formando o significado da palavra maisreal, mas com algumas variantes de interpre-

    tação, contidas nos textos de Marx e Engels,como: 1) a ideologia como falsa consciência;2) a ideologia como reflexo da infra-estrutura

    2 René Descartes, célebre filósofo e matemáticofrancês (1596-1650). Autor de O Discurso do

     Método, Princípios da Filosofia, Meditações Metafísicas, dentre outras.

    3  Jean-Paul Sartre (1905-1981). O criador do Existencialismo. Autor de A Idade da Razão e outrasgrandes obras.

    4  Napoleão Bonaparte (1876-1821), um dosmaiores soldados e guerreiros da história humana,e infeliz prisioneiro na Batalha de Waterloo, mortosolitário e sem louros, no exílio da ilha de SantaHelena.

    5 Professor na Universidade de Cape Town.

    6  György Lukác (1885). Filósofo e Políticohúngaro. Foi Professor de Estética na Universidadede Budapeste.

    7  Herbert Marcuse, filósofo alemão, formado pela Universidade de Berlim e Friburgo, Professor de Ciência Política na Universidade da Califórnia.Autor, dentre outras obras, de A Ideologia da Soci-

    edade Industrial, Reason and Revolution, Soviet  Marxism e Eros e Civilização.8  Jürgen Habermas (1929). Filósofo alemão.

    Representante da Escola de Frankfurt. Autor de Entre a Filosofia e a Ciência- O Marxismo comoCrítica, 1960.

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    sincronizadas ao regime; 3) o partido únicogoverna e controla o Estado; 4) não há compe-tição política; 5) a intimidação e coerção sãoinstitucionalizadas pela política; 6) o comandoe a execução, bem como a autoridade e o poder do líder, são absolutos; 7) existe uma tendênciaexpansionista: exaltação à nação e um

    “forçado” nacionalismo, não como um credo político, mas como uma crença doutrinária numsistema fechado.

    São exemplos:1. Fascismo: Ideologia e organização polí-

    tica introduzida na Itália por Benito Mussolini(1833-1945) e seus adeptos, em 1922, tendocomo conteúdo a ditadura baseada num partidoúnico, influenciado por idéias sindicalistas e por impulsos nacionalistas, como aconteceu no

    Brasil com o Integralismo, de Plínio Salgado.O Estado fascista reagiu contra o liberalismo eo individualismo, tentando instituir, na Itália,um regime corporativo, em que o sistema polí-tico-social constitui a base do Estado, e oshomens vivem naturalmente enquadrados emgrupos sociais (família, profissão, município),harmonizando as relações entre capital etrabalho, produção e consumo.

    Mussolini, um ex-revolucionário socialista,

    rompera com o partido por causa da participaçãoda Itália na Primeira Guerra, tornando-se líder categorizado de um grande contingente deveteranos com mentalidade nacionalista (por revolta), e de outros grupos de combate, como o fasci di combatimento. Mussolini empenhou-secontra uma série de movimentos marxistas,sendo ele – o Duce – designado Primeiro-Mi-nistro à frente de um gabinete de coalizão,usando a força e se fazendo chefe de um Estadototalitário, no qual o apregoar da liberdade de

     pensamento “foi o mais doloroso desastre, porque, em substituição às verdades clássicas,não nos deu nenhuma certeza e só soube criar  princípios”, como escreveu Keyserling 9.

    Mussolini foi destroçado pela estratégia dosaliados e esmagado pelo rolo compressor doeixo de que era uma das molas mestras, caindocomo se fora o próprio protagonista dos versosde Júlio César, feitos quando a Terra devia passar pela cauda do Cometa de Halley, comosinônimo de desgraça:

    “Quando os pobres morrem não sevêem cometas, abraseiam os céusquando falecem príncipes.”

    2. Nazismo: Foi um movimento ideológicoe político organizado, em 1919, por Adolf Hitler (1889-1945), com o nome de Partido Nacio-nal-Socialista Alemão dos Trabalhadores( Nationalsozialismus). Enquadrou-se nas idéiasda supremacia da raça ariana sobre as demaise do Estado sobre o indivíduo. O autoritarismo

    de Hitler, que se julgava “todo-poderoso”,consistitu numa desgraçada interpretação, na prática, da genialidade de Nietzsche10, o soli-tário que pensava habitar mais próximo do raio,que monologava com sua própria sombra, comoum anticristo a arquitetar as misérias da vidanuma  genealogia da moral , e que imaginou,com o seu niilismo aristocrático, uma raçasuperior com a criação do super-homem, base-ado no conceito metafísico da “vontade de poder”, numa transmutação de valores, servindo,

    infelizmente, de modelo para que Hitler, por umato supremo e inexplicável de energia criativa,como afirma Frederich M. Watkins11  e IsaacKraminich12, tentasse reverter o curso da históriae fizesse reviver uma raça superior, tendo essamiserável experiência abalado as estruturas domundo, na Segunda Guerra, de um mododemoníaco e aterrorizante 13.

    O tresloucado Ministro do III Reich eGeneral da SS, apoderado de uma bestialidadeapocalíptica, fora fulminado pela lástima e pelas misérias que aterraram em cinzas o seu projeto ( Mein Kampf , 1927-9), tendo o Führer ,desgraçadamente, nos subterrâneos daChancelaria, silenciado para sempre e neces-sariamente com as lágrimas de pólvora doscanhões de agosto.

    3.   Comunismo: Conjunto de doutrinassocial-filosóficas que atribuiu um papelhistórico à luta de classes e, particularmente,ao proletariado que revolucionou as sociedades

    organizadas em moldes capitalistas, substi-tuindo a economia capitalista por uma organi-zação comunista e as sociedades divididas emclasses por outras sem classes. Esse regime preconizava uma corrente de ação revolucio-

    9  Hermann Keyserling (1880-1946). Autor de Das Reisetagebuch eines Philosophen, 1919.

    10 Friedrich Nietzsche (1844-1900). “O super-homem é produto desse gênio de cujos infinitos so-frimentos a natureza um dia teve piedade dando-lhea loucura”, diz um seu biógrafo. Autor, dentre gran-des livros, de Assim FalouZaratustra, 1891.

    11 Cientista político.12 Professor da Cornell University.13  Uma das idéias básicas do nazismo, pouco

    divulgada, era a quebra do padrão-ouro, como prin-cípio harmônico na economia do País, causa gera-dora de efeitos dolorosos.

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    nária do proletariado e a instituição de umaorganização totalitária, estatocrática, baseadana ditadura do proletariado.

    “Do ponto de vista da Rússia, omarxismo era uma doutrina particular-mente desencorajadora. Suas esperanças

    futuras eram todas baseadas em condiçõesque, supostamente, surgiriam nosestágios avançados de industrialização,o que não se aplicava à Rússia de antesda Primeira Guerra Mundial. A perspec-tiva era, desse modo, sombria para os quesonhavam com uma sociedade semclasses”.

    Seguindo essa linha de pensamento, Lênin 14

    tornou-se original na arte da política pelo fatode haver reconhecido que a causa revolucionáriaseria inevitável.

    Em seu livro Que Fazer?  (1902), Lêninevoca um partido elitista e disciplinado, com afunção de infiltrar-se e tomar posições de lide-rança em organizações populares, o quechamou de “correias de transmissão” para oexercício do poder, tendo, por isso, o partidocomunista da Rússia se tornado o primeiroexemplo de uma agremiação revolucionáriamoderna. Com a fórmula clássica de Yossef 

    Vissarianoovich Stálin (1879-1953), o leninismoé o marxismo de nossa época, calcado no princípio básico do socialismo científico, comomodelo exemplar do materialismo dialético, paradigma de crenças na inevitabilidade de umarevolução política e no surgimento de umasociedade sem classes, estruturada na preexis-tência de uma economia capitalista plenamentedesenvolvida.

    Desde 1945, houve três dissidências impor-tantes no movimento comunista: a Iugoslávia,

    em 1948, era acusada por líderes soviéticos de práticas alheias ao regime, chamados de “pecadosideológicos”; a China de Mao-Tsé-Tung, em1960, culpava Nikita Kruchtchov de “degene-rar” o comunismo, pregando o capitalismo naRússia e Estados-satélites. A Albânia, tambémem 1960, aliava-se à China, por terem sido res-tabelecidas as relações da URSS com a Iugoslá-via, sua vizinha e rival. Essa dissidência, toda-via, continua, ainda hoje, com a China, que nãoteve por base, em sua revolução, apenas aquelefenômeno maniqueísta das cartilhas ideológicas – a luta do povo contra os opressores –, mas

    variados fatores de ordem externa e interna,fazendo do comunismo um regime sui generis,com elementos de barbárie camponesa aliadosà sofisticação da análise marxista.

    Em continuação a essa derrocada, conta-rei, ainda, aos meus filhos como se deu a que-da do Muro de Berlim, a unificação das duas

    Alemanhas, a desintegração da URSS, a voltada Rússia ao mapa da Europa e a independênciados países do leste europeu, integrantes da velhae extinta Cortina de Ferro.

    3. A ideologia nos dias de hojeAs influências da tradição européia podem

    ser apontadas nas concepções modernas deideologia, dimensionadas com a Sociologia do

    Conhecimento, desenvolvida por Mannheim15

    ao defender que os modos de pensar não podemser compreendidos fora do seu contexto social, preconizada a atual inteligentzia  no mundomoderno, em que a camada média nãocomprometida, desagregada e relativamentesem classes está apta para a conscientizaçãoda verdade, porque, como asseverou Goethe16

    “o homem de ação é sempre inconscientee ninguém tem consciência afora oexpectador (...) porque nada se deve

     procurar atrás dos fenômenos porque elesmesmos são a teoria (...) e a humanidade progride, mas o homem continua omesmo”.

    O cientista William T. Bluhm sugere umadistinção entre ideologias retóricas e ideologiaslatentes. As primeiras são sistemas de palavraselaboradas e autoconscientes, formuladas emníveis bastante abstratos, que constituem alinguagem de debate político em tempos de pressão; e as segundas são o conjunto implícitode termos políticos expressos em atitudes ecomportamentos durante épocas mais tranqüilas.

    Já o pensador Plamentz faz a distinção entreideologia sofisticada e não-sofisticada, namesma variedade de Bluhm, enquanto oProfessor Althusse diferencia ideologia(simplesmente) de ideologia teórica, dizendoser esta última a formulação trabalhada econsciente de atitudes ideológicas inconscientes.

    14  Vladimir Ilitch Ulianov (1870-1924). Seu pseudônimo foi inspirado em Lena, nome de um rioda Sibéria, onde estivera exilado.

    15

     Karl Mannheim. Filósofo e sociólogo húnga-ro (1893-1947). Professor da Universidade de Frank-furt e da Universidade de Londres.

    16 Joahann Wolfgang von Goethe (1749-1832).Autor, dentre outras grandes obras, de O Fausto,discurso ao povo alemão.

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    neoconservadores. Essa mudança deu-se coma depressão econômica de 1929, conhecida por Crash, no governo de Hoover, estendendo-seaté o New Deal , de Franklin Roosevelt, comouma nova orientação política e um novo tratoao modelo existente.

    Os neoliberais, com a assimilação dosnegros na década de 50-60, nesta última,quando era Presidente Jonh F. Kennedy, e como assassinato de Martin Luther King, líder domovimento de libertação  I am, apresentaramuma nova plataforma de governo disposta aassegurar as minorias étnicas (para detrimentode muitos), responsabilizando-se pela ampliaçãodas oportunidades políticas e sociais: assistência,controle econômico e igualdade como símbolode justiça social.

    Os adeptos do New Deal  eram os neoliberaisou liberais welfaristas, ou ainda liberaiscoletivistas, e os liberais ditos autênticos queos rejeitaram tornaram-se conhecidos por conservadores ou neoconservadores.

    O “estatismo” da era rooseveltiana mudouo significado do liberalismo – onde os neocon-servadores passaram a refletir o pensamentodos liberais do século passado, favoráveis àintervenção dos controles estatais na economia,

    apoiando as medidas de um bem-estar (welfare) –, havendo, em 1932 até o advento da SegundaGuerra Mundial, a aceitação do New Deal  por republicanos e democratas. Os trabalhistasforam os primeiros a aderirem a um grau de poder, pela legislação e com o crescimento dossindicatos, vindo, em seguida, as minoriasétnicas e religiosas das mais variadas formas ematizes.

    Os neoconservadores dos Estados Unidos,continua Roy Macridis, destacam o núcleo

    econômico do liberalismo e permanecem atadosaos núcleos moral e político com forças provindas do desencanto da classe média,contrária aos controles estatais, gastos públicos,altas taxas e centralização decisória por meiode uma crescente burocracia, mas que, emcontrapartida, prejudicam a iniciativa moral das pessoas e afetam frontalmente seus incentivos,debilitando a produtividade e o crescimentoeconômico.

    Destacou-se como precursor, nesse movi-mento, Edmund Burke (1729-1797), expoenteda ideologia conservadora britânica queaparentava ser um liberal argüindo não somentecontra as prerrogativas da Coroa em favor doParlamento, como também da autonomia das

    Faz-se necessário dizer que a ideologia noconhecimento e a ideologia na política são asmais evidentes. No primeiro caso, a ideologiaé composta da verdade (relativa) e, no segundo,a verdade não existe, dando evasão apenas aofuncional da ideologia.

    A ideologia – como definida por muitos – sempre existirá para o discernimento do homemtragediado e engajado na constante fenomeno-logia como indicador de inevitável mutabi-lidade sócio-política? Não se saberá porque“cada época, cada geração, cada vida tem sua própria realização”, como entende o cientistaAlexander Herzen, porque a vontade caracte-riza o homem moderno, como ao antigo carac-terizava a razão, visto que não existe nenhumfinal feliz nos capítulos que fazem a história

    da humanidade, como Um Credo, segundo o pensamento de Leszek Kolakiwiski, em  A Presença do Mito (editado pela Universidadede Brasília), ou como nas perguntas quetripartiam a grande dúvida de Dostoiévski 17

    “Por quê?- De onde? - Para onde?”

    4. A trilogia das idéias1. Conservadorismo: É a doutrina ou atitude

    favorável à perpetuação dos padrões existentes,e oposta, portanto, à mudança, exercendo umafunção básica em qualquer sociedade.

    Para o cientista Michel Oakshott 18, segundosuas várias interpretações,  ser conservador   éestar disposto a pensar e comportar-se de certaforma; é preferir certos tipos de conduta e certascondições de circunstância humana a outra.

    Informa Roy C. Macridis que, nos últimosvinte anos, o termo “conservador” ganhourespeitabilidade, e essa ideologia, muitos

    seguidores. Nos Estados Unidos, eles sãoliberais e adotam essa doutrina nos moldesverificados no século XIX, acreditando noindividualismo econômico, na competição, nosistema de livre empresa, e são contra aintervenção do Estado, sendo que, até 1932,eram liberais, e hoje se caracterizam como

    17  Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881). Um dos maiores e mais sofridos escritoresrussos. Autor, dentre célebres livros, de Humilhados

    e Ofendidos (1861), Os Irmãos Karamázovi (1880)e Recordações da Casa dos Mortos (1862).18  Professor de Economia Política da London

    School of Economics and Political Science. Autor do livro  Política e Racionalismo, publicado pelaEditora da UnB.

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    colônias da América do Norte, expressas nasteses Thoughts on the causes of Present  Discontents, publicadas em 1770.

    2. Liberalismo: Doutrina econômica queaconselha a competição inteiramente livre, julgando chegar, dessa maneira, ao máximo de

     bem-estar (welfare) individual e coletivo, natentativa de organizar a sociedade ocidental nostermos do liberalismo e permanecer constan-temente com as classes médias e burguesias,tendo o cunho de uma ideologia de classes privilegiadas.

    O liberalismo, comenta Friedric August vonHayek 19, é a concepção de uma ordem políticadesejável que foi inicialmente desenvolvida naInglaterra desde a época dos antigos liberais(Old Whigs), na parte final do século XVII. Foi

    essa concepção de liberdade individual queinspirou os movimentos liberais no continenteeuropeu e se tornou a base política norte-ame-ricana.

    Há uma diferença entre o liberalismooriginariamente pertencente à tradição conti-nental européia, que, embora começando atentativa de irritar a tradição inicial, foi inter- pretada no espír ito de um racional ismoconstrutivista, prevalecendo na França, detendoo ideal dos poderes ilimitados da maioria,tendo, ainda, o utilitarismo assimilado grande parte dessa tradição continental, e o partidoliberal britânico do século XIX, que se voltouaos whigs liberais e aos radicais utilitaristas.

    O liberalismo e a democracia, emboracompatíveis, não podem ser confundidos; o primeiro se preocupa com a extensão do poder governamental e a segunda, com quem detémesse poder, sendo que o reverso da democraciaé o autoritarismo. Mas há a possibilidade de

    um governo democrático ser totalitário e de umgoverno autoritário ter princípios liberais.O primeiro tipo do liberalismo (não-teórico)

    nasceu na extensão em generalizar os efeitos benéficos que seguiram as limitações impostasaos poderes de governo, por ímpetos dedesconfiança dos governados aos governantes,derivando de uma ordem espontânea nosassuntos sociais, o que fez Adam Smith e seus

    seguidores desenvolverem os princípios básicos(teóricos ) para sua aplicação.

    O liberalismo recebeu o legado das teoriasdo direito comum e das teorias (pré-racionalistas)do direito natural, pressupondo uma concepçãode justiça, permitindo a distinção entre as

    regras de conduta individual justa, discipli-nadas em lei, e as necessidades de umaordem espontânea.

     No liberalismo, o filósofo inglês John Lock (1632-1704) destacou-se por suas teoriasdesenvolvidas em seus Dois Trabalhos sobre oGoverno: a teoria do contrato do Estado, deacordo com a qual o Estado é o guardião dodireito natural, e com o consentimento dosgovernados, em que o Estado protege o direitoà vida, à liberdade e à propriedade.

    3. Social-Democracia: Essa doutrina, em1848, representou a linha divisória do libera-lismo europeu. Os povos, em particular ostrabalhadores e os camponeses que deixavamo campo – num êxodo rural –, interpretando agênesis bíblica (XII), uniam-se para tomar o poder das classes proprietárias em nome dademocracia e do socialismo radicais.

    As classes médias estavam indefinidas. Unsficavam ao lados dos democratas radicais, e ossocialistas juntavam-se a estes. Outrosapoiavam grupos conservadores, como anobreza, o clero e os proprietários rurais quetambém resistiam ao liberalismo.

    Os democratas radicais aceitavam o núcleomoral do liberalismo e seus direitos civis,liberdades individuais, liberdades de imprensa,religião e associação.

    Os liberais aceitavam a lógica plena dademocracia. O direito de voto tinha sidoampliado de modo a abranger todos os

    cidadãos, homens e mulheres, sendo eliminadaa qualificação de voto baseada no grau dealfabetização, idade, residência, renda, etc.

    Considerou-se necessária a intervenção doEstado para apoiar as atividades econômicas,na forma de controles de preços e por meiosdiretos e indiretos para estimular a atividadeeconômica. O envolvimento direto do Estadona proteção de assistência aos desempregadose a ação direta e indireta do Estado na obtençãode empregos foram, e são, fatos indiscutíveisna maioria das democracias.

    A social-democracia é considerada parte dodesenvolvimento do socialismo, cujos adeptos,na Europa, são chamados social-democratas.A social-democracia começou, entre as décadas

    19  Professor da Universidade de Friburgo,

    nascido na Áustria (1899). Prêmio Nobel deEconomia (1974), juntamente com o sueco Gunnar Karl Myrdal (1898), com o trabalho precursor nateoria das flutuações monetárias e econômicas eanálise da interdependência do fenômeno econômico,social e industrial.

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    de 50-60, a desenvolver características noâmbito da Internacional Socialista.

    Em 1945, o Partido Trabalhista Inglêsconvocou a primeira reunião, em Londres, dossocialistas europeus, com o intuito otimista deum agrupamento com os socialistas do Leste.

    As dificuldades começaram a surgir, e, em1946, o SPD (Sozial-Demokratische Partei Deuthschland ) não fora aceito como membroda Internacional Socialista, incorporando-se,somente em 1947, na Conferência de Zurich, oque viria a fortificar o socialismo europeu.

    O Cominform, criado em 1947, por Stalin,representou uma oposição hostil aos partidossocialistas democráticos da Europa Ocidental,aliados à Internacional Socialista, já com aincorporação do SPD alemão.

    Em 1948, os socialistas europeus preocu- pavam-se com o que os diferençava dos comu-nistas daquele continente. Foi na Conferênciada Internacional Socialista que começou, então,a se definir a expressão democracia política, decujo manifesto se faz necessária a transcrição :

    “Os partidos representados nestaconferência se opõem ao Estado de partido único e a todos os sistemas degoverno nele baseados. São de opinião

    de que deve estar implícito o reconheci-mento da preeminência do indivíduo, quedeve ser garantido pelas seguintes liber-dades: de pensamento, de opinião e deexpressão; segurança com base na lei e proteção contra a interferência de outrosindivíduos; igualdade perante a lei e proteção contra falsificações políticas baseadas na máquina da justiça; liber-dade total e garantia de direitos naseleições; direito de fazer oposição;

    igualdade política e legal de todos oscidadãos, sem restrições de classe, raçaou sexo.”

    A Internacional Socialista, na Declaraçãode Frankfurt, assim se expressava:

    “O socialismo objetiva liberar os povos da dependência de uma minoriaque possui ou controla os meios de produção. Objetiva colocar o poder econômico nas mãos do povo como umtodo e criar uma comunidade na qualhomens livres trabalhem juntos, comoiguais. Sem liberdade, não pode haver socialismo. O socialismo somente podeser alcançado através da democracia, e a

    democracia só pode ser caracterizadaatravés do socialismo.”

    Bernstein20 esquematizou um gráfico comouma pirâmide de degraus feita de muitascamadas intermediárias, contrária à opinião deMarx, que representou a sociedade como uma

     pirâmide de lados lisos e com a classe capita-lista no topo.Em seqüência a esse comentário, como

     padrão da democracia social, o SPD alemãotornou-se o que denominaram de Partido doPovo (Volkspartei), e, por volta de 1966, faziauma coalizão, chegando ao poder em 1969 comWilly Brand, que se tornou Chanceler na lide-rança de uma união com os liberais do FDP,com um programa de abertura eleitoral, aden-trando-se à classe trabalhadora católica, aos

    eleitores rurais e com o apoio do voto feminino.Processos semelhantes são verificados com

    o Partido Trabalhista Holandês (PVDA), quehavia substituído o antigo Partido dos Traba-lhadores Social-Democratas (SDAP), seguindodesse rompimento uma dissidência, com umnovo partido, o dos Socialistas Democratas,formando, assim, uma liderança com oPrimeiro-Ministro Socialista, à frente de uma política mais radical que as defendidas pelo

    governo trabalhista britânico. Com essa divisão,entre esquerda e direita, dentro do PartidoTrabalhista, a expressão socialista democrático,como reconciliação gradual entre os defensoresdo liberalismo e os democratas radicais, sob aforma de democracia política, não mais seconfunde com a expressão social-democrata.

    Como a política é a arte do possível, é providencial justificarem-se, por tais razões efatos, condições oscilantes que arrevesaram oquadro da social democracia, principalmente

    onde esse sistema era adaptado e ajustado comrígida disciplina. Na Alemanha, acabou por cair o governo

    social-democrata de Helmuth Schmidt, depoisde muitos anos no poder, com a casual rupturado pequeno, mas decisivo, Partido DemocrataLivre, com o forte e bem estruturado SPD,levando ao Gabinete o conservador HelmuthKohl. Razões semelhantes se processaram na

    20 Eduard Bernstein (1850-1932). Fundador do

    Revisionismo, rejeitou a idéia da ditadura do prole-tariado, tornando-se advogado da reforma no lugar da revolução e defensor de mudanças graduais den-tro de um contexto democrático. Suas teses sobreSocialismo e sobre Mudanças Sociais tornaram-sea base da democracia social  de nossos dias.

  • 8/20/2019 Conservadorismo, Liberalismo e Social-Democracia

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    Suécia, tendo o líder social-democrata Olaff Palmer 21, depois de alguns anos de ausência,retornado ao Governo.

    Sobre essas mudanças na política européia,o inglês David Fleischer, Professor de CiênciaPolítica na Universidade de Brasília, defensor 

    de que o mundo já não é o mesmo, postula comseriedade a tese dessa assertiva, dizendo que o“pêndulo político da Europa estávoltando de sua guinada conservadora,mas essa volta não se dá exatamente pelocaminho inverso, prevalecendo, paraisso, uma forte dose de nacionalismoeconômico e político, temperado commuita cautela”.

    5. Síntese interpretativa Neste trabalho, torna-se lógico dizer que,

    mesmo atribuídos mortos, por alguns, osconhecimentos da razão pura, e sendo o homemo principal objeto de qualquer pensamentofilosófico, segundo o entendimento do pensador marxista Lucien Goldemann, a ideologia, nãocomo “falsa consciência”, mas como “determi-nação social” e como símbolo de mudançascriativas em que a esperança é a busca maior,

    apenas sobreviverá como fato histórico. E pergunta-se: Existiu? Existe? Ou sempre foiutopia?

    Encerrando este trabalho, aproveito parainserir no texto o pensamento luminar sobre aconcepção das idéias que mestre Rui Barbosaassim sentenciou:

    “Politicamente, eu me envergonhariaantes de pertencer à turba dos indivíduosque não conhecem, na sua vida inteira,senão uma só idéia com a qual nunca se

     puseram em contradição.”

    21 Olaff Palmer fora assassinado por integrantesde grupos terroristas na noite de 28 de fevereiro de1986.

    Bibliografia

    As novas Atitudes “excerto da série “School-Briets”,da revista inglesa The Economist .

    Bell, Daniel. O fim da ideologia. Tradução de SérgioBath. Brasília : Universidade de Brasília, 1980.

    334p. (Pensamento político, 11).CRESPINGNY, Anthony de. Liberdade para o progresso. Jornal de Brasília, Brasília, 20 nov.1992. Unidade 2.

    CRESPINGNY, Anthony de, CRONIN, Jeremy,  A palavra e a história.

    DEUTSH, Karl. Geografia das idéias.FRANCO, Afonso Arinos de Melo.  Ideologia

     jurídica.

    HAYEK, Friedrich August. Liberalismo.

    MACRIDIS, Roy C. O apelo onipresente. ___________ . A grande síntese. ___________ . A nova esquerda. ___________ .  Democracia   : muitas raízes e

    famílias.

     ___________ . Os neoconservadores.  Jornal de Brasília, Brasília, 4 dez. 1982. Unidade 4.

     ___________ . Social democracia. ___________ . Totalitarismo.OASKSHOTT, Michael. Ser conservador .

    Os vários tipos de comunismo. Jornal de Brasília,Brasília, 27 nov. 1982. Unidade 2. Artigo

     publicado na Revista The Economist .OWEN, David. A social democracia.STOPPIN, Mário. Significado fraco/forte.Um Credo (extraído do livro Kolakowiski, a ser 

     publicado pela Editora Universidade de Brasília).

    WATKINS, Frederick M., KRAMNICK, Isaac. Fascismo, nazismo e comunismo.

     ___________ . Idade da ideologia.  Jornal de

     Brasília, Brasília, 13 nov. 1982.