conhecimento 2
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Texto de apoio para o ensino secundário (De acordo com manual "Pensar Azul")TRANSCRIPT
Jorge Barbosa, 2013
1. Descrição e Interpretação da Actividade Cognoscitiva
IV Conhecimento e Racionalidade Científica e Tecnológica
Adaptação do Manual: “Pensar Azul”
Sumário
Realidade versus aparência
Cérebro e mente
Elementos constitutivos do conhecimento
Que é o conhecimento
O conhecimento no Teeteto (Platão)
Da Vinci Estudo de Embriões
1.1 Estrutura do Acto de Conhecer
Problema
O que é conhecer?
Que conhecemos?
A experiência dos sentidos será apenas um sonho?
1A realidade será aquilo de que temos experiência sensível?2
É legítimo perguntar:
O que chamamos realidade não será apenas uma elaboração da nossa mente ou uma realidade virtual?
3
O processo de conhecer
Saber se o mundo exterior é real e qual a consciência e o conhecimento que temos dele é um dos problemas fundamentais acerca do processo de recolha e tratamento de informação a que chamamos conhecimento. Barnard 68, B68 (nuvem negra)
ESO (European Organisation for Astronomical Research in the Southern Hemisphere)
O processo de conhecer
Se, por exemplo, num dia quente nos colocarmos próximo de uma pedra, sabemos que somos capazes de sentir o calor e ter consciência do aumento de temperatura no nosso corpo; a pedra, embora também aqueça, não sabe que está a aquecer.
Os seres humanos, ao contrário das pedras, apercebem-‐se das suas experiências porque têm mente.
O cérebro e a mente
Temos uma mente; mas o que é a mente? Como é que a mente e o cérebro interagem?
O cérebro (melhor, o encéfalo) é um conjunto de neurónios interligados, um órgão biológico.
A mente é a faculdade que nos permite tomar consciência da realidade interior ou exterior, ter pensamentos, sentir felicidade, angústia, dor, prazer, tomar decisões…
O problema filosófico
Há uma profunda interdependência entre cérebro e mente (um comprimido para a dor de cabeça faz desaparecer a experiência chamada dor. Quando o meu corpo está desidratado, o cérebro recebe a informação, a mente toma consciência e induz uma resposta do corpo – beber).
Mas qual é a natureza da mente?
A mente reduz-‐se ao cérebro ou é algo mais?
Qual é a natureza da mente?
Há duas respostas para esta pergunta:
A mente é parte do mundo físico, e os pensamentos, sensações, emoções e experiências são processos bioquímicos que ocorrem no cérebro
A nossa mente é algo mais do que a actividade neurológica do cérebro. Os pensamentos, sensações, emoções e experiências ocorrem no cérebro, mas não resultam dos seus processos bioquímicos
hipótese
ahipótese
b
Qual é a natureza da mente?
Pensemos na seguinte situação:
Vamos tomar uma refeição, os alimentos têm odores agradáveis:
Um defensor da hipótese a. dirá:
«A passagem de micro-‐partículas pelo nosso aparelho olfactivo (nariz) gera um impulso eléctrico
que é transmitido ao cérebro, que o descodifica e identifica como "cheiro a...", devido às experiências que teve desde o nascimento.»
Um defensor da hipótese b. responderá:
«Alto lá! Eu concordo que quando tenho uma experiência algo se passa no meu cérebro.
Reconheço que a experiência neurológica ocorre no cérebro, mas daí não se conclui necessariamente que o cérebro seja a sua causa.»
Todos os processos mentais se resumem a um processo bioquímico ocorrido nos neurónios do cérebro.
Monismo e dualismo
Cada uma das respostas que vimos corresponde a uma perspectiva filosófica: monismo e dualismo.
Perspectiva a. Tudo é matéria (o materialismo filosófico, ou fisicalismo).
Há um só princípio de realidade (o monismo filosófico).
Perspectiva b.Há dois princípios de realidade (dualismo de substância): matéria e espírito.
Além da matéria, existe aquilo que tradicionalmente se chama «alma» (a concepção do dualismo corpo-‐alma, tão importante na história do pensamento filosófico e também nas doutrinas religiosas).
Consequência: se há um só princípio e tudo é matéria, a mente reduz-‐se às conexões e às redes neuronais do cérebro, dotadas de uma extraordinária complexidade de funcionamento.
Argumentos a favor do monismo e do dualismo
A favor do monismo As experiências realizadas por neurologistas, e a ausência de provas irrefutáveis a favor da existência da alma. Muitos neurocientistas defendem esta perspectiva, como António Damásio no livro O Erro de Descartes, por exemplo.
A favor do dualismoOs relatos de dois tipos de experiência:
dos «membros fantasma»
Pessoas sujeitas à amputação de uma perna, por exemplo, queixam-‐se de dores nos dedos do pé. Como explicar que o paciente sinta dor, quando o pé já não existe?
da «quase-‐morte»
Relatos de pacientes que estiveram em estado de coma profundo descrevendo situações ocorridas nas proximidades e mesmo a uma certa distância das suas camas.
Que conhecemos?
A simulação tecnológica de situações reais reforça as dúvidas sobre a existência do mundo exterior.
Nos jogos digitais ou em instrução num simulador de voo, os cenários, os heróis e vilões são virtuais (não têm existência fora do software instalado e da mente do jogador – um erro numa manobra de pilotagem não causa desastres) e, no entanto, parecem-‐nos reais.
O mundo em que vivemos poderá ser também uma criação gerada pela nossa mente.
O cérebro e a mente – como interagem?
Hipótese a.
A mente é parte do mundo físico. As nossas experiências são processos bioquímicos que ocorrem algures no nosso cérebro,numa espécie de sobreposição mente-‐cérebro.
Perspectiva filosófica
Há só um princípio da realidade (posição monista); tudo é matéria (materialismo filosófico).
Segundo esta hipótese, a mente reduz-‐se às conexões neuronais e às redes que se estabelecem no cérebro.
O cérebro e a mente – como interagem?
Hipótese b.A nossa mente é algo mais do que a actividade neurológica do cérebro. As nossas experiências, embora ocorram no cérebro, não resultamdos processos bioquímicos: são qualquer coisa que se lhes acrescenta.
Perspectiva filosófica Dualismo de substância, admitindo a existência do que tradicionalmente se chama «alma».
Segundo esta hipótese, há um dualismo corpo-‐alma.
Argumentos a favor: a sua permanência ao longo da história do pensamento filosófico e nas doutrinas religiosas; a experiência dos «membros fantasma» e da «quase-‐morte».
Conhecimento, sujeito e objecto
No debate acerca do conhecimento, a argumentação gira em torno de dois eixos principais:
a existência de algo (real, ou virtual) que pode ser investigado
o sujeitoo objectoe a existência de alguém que quer conhecer
Objecto
A palavra objecto pode designar:
o objecto externo,
que existe fora da mente – uma pedra, um processo natural ou social, etc. o objecto percebido
ou construído pela mente, isto é, aquilo (coisa, acção, evento, processo interno ou externo ao corpo) que, sendo percepcionado pelo sujeito, pode ser investigado e explicado (ou seja, pode constituir o objecto de conhecimento ou objecto de estudo)
Sujeito e conhecimento
Sujeito é a entidade humana que, dotada de capacidades receptivas e cognitivas, percepciona a realidade e que se empenha na investigação da parcela da realidade que designa por objecto. Aquilo a que chamamos conhecimento pressupõe uma relação entre o objecto e o sujeito: o sujeito tem o papel activo de recolha e interpretação da informação acerca do objecto.
Interpretações / crenças e conhecimento
Há interpretações do mundo que não são muito fiáveis (crenças em sentido amplo) e outras que merecem a nossa confiança, porque estão justificadas. Por exemplo, não acreditamos que o nosso cérebro esteja fora do nosso corpo, mas há quem acredite que o Sol se move em volta da Terra.
Podemos chamar conhecimento às interpretações não justificadas?
Perspectiva Analítica
Epistemologia
É preciso distinguir crença e conhecimento; mas o nosso problema não é discutir se acreditamos ou não, mas como é que justificamos a nossa crença. No domínio da Ciência e da Filosofia não basta acreditar (crer), é preciso justificar as crenças.
É por isso que se pode dizer que a epistemologia é o estudo do conhecimento e a justificação da crença.
Perspectiva Analítica
As perguntas da epistemologia
«As perguntas centrais [da epistemologia] incluem: quais as crenças que são justificadas e quais não o são? O que podemos conhecer? (...) Qual a diferença entre conhecer e ter uma verdadeira crença? (...) São estes os problemas que condicionam a reflexão epistemológica – o problema da justificação do conhecimento, da sua possibilidade, da sua estrutura e da sua relação com a experiência.»
Dancy, J., Epistemologia contemporânea. Lisboa, Edições 70
Perspectiva Analítica
Que é o conhecimento?
objectos a conhecer1
sensações que apreendam os objectos captados pelos nossos sentidos
2
Conhecimento (ou cognição) é um processo que engloba um conjunto de actividades através das quais o sujeito organiza e procura significação para a informação obtida. O processo cognitivo pressupõe:
percepção, isto é, descodificação, classificação e organização dos dados
3
cognição, isto é, interpretação lógico-‐-‐racional da informação
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Perspectiva Analítica
Dois tipos de conhecimento
Há dois tipos distintos de conhecimento:
o conhecimento
práticoo conhecimento
teóricoo saber fazer, ou o saber como (resulta da experiência quotidiana)
o saber que (resulta da actividade científica e filosófica)
Perspectiva Analítica
descreve, explica e prediz uma realidadea
analisa o que ocorre e explica porque ocorre, permitindo antecipar ocorrências futuras
b
Características do conhecimento teórico:
conjunto das informações que descrevem e explicam o mundo natural e social que nos rodeia
c
Dois tipos de conhecimento
Perspectiva Analítica
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Há quem defenda que a epistemologia começou com Platão – muitas das suas obras debatem a interligação entre as perguntas sobre a realidade e sobre o conhecimento.
Platão apresentou a sua filosofia sob a forma de «diálogos», como se os dialogantes estivessem a conversar. É o caso do diálogo Teeteto, onde Sócrates conduz um debate com o objectivo de definir o conceito de conhecimento (episteme).
Perspectiva Analítica
Metodologia usada
Sócrates pratica a maiêutica
Sócrates (porta-‐voz de Platão) apresenta-‐se como alguém que ajuda os outros a descobrir (maiêutica) o conhecimento; propõe, com carácter provisório, uma definição, examina-‐a e tenta refutá-‐la.
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Perspectiva Analítica
Tema: o que é o conhecimento?
Sócrates pratica a maiêutica
Platão pergunta «O que é o conhecimento (episteme)?» e procura
debater a diferença entre crença, ou opinião (doxa), e conhecimento,
definindo crença como um determinado ponto de vista subjectivo
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Perspectiva Analítica
Três definições provisórias
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
O conhecimento é sensação.1
O conhecimento é opinião verdadeira.2
O conhecimento é a opinião verdadeira acompanhada de razão (logos).
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Perspectiva Analítica
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Argumento de Protágoras
o «ser humano é a medida de todas as coisas», sendo, então,
«cada coisa para mim do modo como a mim me parece; (...) e para ti do modo como a ti te parece».
1. O conhecimento é sensação
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Refutação de Sócrates (Porta-‐voz de Platão)
Premissas:
se cada ser humano só acede às suas próprias percepções
se a realidade que percepcionamos (e da qual fazemos parte) está sempre em movimento e nenhuma percepção se repete
então, a realidade (e nós próprios) é reduzida à percepção que temos dela e não a podemos conhecer nem afirmar a sua existência.
1. O conhecimento é sensação
Perspectiva Analítica
1. O conhecimento é sensação
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Refutação de Sócrates
Se a realidade é reduzida à percepção que temos dela, então:
cada indivíduo tem a sua versão da realidade (subjectivismo)
o próprio sujeito que conhece é apenas o conjunto das sucessivas percepções sempre diferentes que vai tendo de si próprio, não havendo uma entidade humana que permaneça continuamente
Por estas razões:
o argumento de Protágoras nega-‐se a si mesmo por conduzir a um subjectivismo extremo
a sensação não pode ser tomada como conhecimento
Perspectiva Analítica
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Argumentação
Se a sensação (ou percepção) não podem ser consideradas conhecimento, então o saber deve ser buscado, «naquilo em que a alma (...) se ocupa das coisas que são» e «a isso se chama opinar».
A opinião é falsa «sempre que alguém opina o que não é».
A opinião é verdadeira sempre que alguém diz «o que é».
2. O conhecimento é opinião verdadeira
Perspectiva Analítica
2. O conhecimento é opinião verdadeira
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Argumentação
Mas opinião verdadeira ainda não é conhecimento, pois podemos dizer «o que é» sem saber justificar. Por exemplo, no domínio forense, se alguém persuadir um juiz acerca de uma ocorrência, o juiz fica com uma opinião verdadeira. Mas, só a testemunha presencial tem justificação para a sua opinião (verdadeira), portanto, só ela tem conhecimento.
Perspectiva Analítica
3. O conhecimento é a opinião verdadeira acompanhada de razão (logos)
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Argumentação (resumo)
Sócrates recusou o conhecimento perceptivo e a opinião (crença) verdadeira não justificada, admitindo a hipótese de que o conhecimento é discurso verdadeiro, pois diz o que «as coisas são», e justificado, porque «é capaz de dar e receber uma explicação».
Perspectiva Analítica
3. O conhecimento é a opinião verdadeira acompanhada de razão (logos)
Conhecimento como crença verdadeira e justificada
Conclusão na perspectiva analítica (provisória para Platão): só é conhecimento a opinião verdadeira acompanhada de razão (logos), isto é, a opinião justificada.
«Quando alguém chega à opinião verdadeira sobre alguma coisa, sem explicação, a sua alma encontra-‐se na verdade, [possui a verdade] a respeito disso, mas não a conhece. (...) Aquele que não for capaz de dar e receber uma explicação sobre algo ignora-‐o. [Mas] se chegou a uma explicação, (...) tem completamente o saber.»
Platão, Teeteto. Lisboa, Fund. Calouste Gulbenkian, 2005
Perspectiva Analítica
Glossário
Realidade virtual
Simulação de um mundo real, ou imaginário, gerada por computador.
Mente
Faculdade que nos permite tomar consciência da realidade, quer interior (pensar e sentir) quer exterior (mundo dos objectos), explicá-‐la racionalmente, solucionar problemas e prever acontecimentos futuros.
Monismo filosófico
Concepção segundo a qual existe um só princípio de realidade, que pode ser quer a matéria (tudo é matéria) quer o espírito (tudo é espírito). Opõe-‐se ao dualismo, que aceita a existência de dois princípios: matéria e espírito.
Dualismo filosófico
Concepção segundo a qual existem dois princípios de realidade, matéria e espírito. Opõe-‐se ao monismo, que apenas aceita a existência de um princípio, matéria ou espírito.
Materialismo filosófico (ou fisicalismo)
Concepção acerca da natureza da realidade, segundo a qual há um só princípio de realidade, reduzindo-‐o às conexões e às redes neuronais do cérebro, sempre em movimento e em transformação, o que origina uma extraordinária complexidade de funcionamento.
Dualismo de substância
Concepção acerca da natureza da realidade, segundo a qual há dois princípios de realidade. Exemplo: o dualismo corpo-‐-‐alma, defendido por René Descartes.
Objecto
(sentido geral) Designa o que se contrapõe ao sujeito, quer seja uma coisa do mundo físico, um acontecimento já passado ou até uma característica do próprio sujeito (objecto externo). Designa o mundo ou as coisas tal como julgamos que são. A representação (do objecto externo) que temos na nossa mente constitui o que chamamos objecto percebido.
Objecto de estudo
(de uma ciência) Área da realidade que pretendemos estudar e conhecer, ou que uma determinada ciência investiga, utilizando, para isso, um determinado método. A relação do sujeito com o objecto externo é feita através do objecto percebido.
Sujeito
Designa o que serve de suporte às representações formadas na mente do indivíduo humano. Traduz uma idealização dos indivíduos humanos capazes de conhecer e de ser. No quadro do modelo cognitivo da consciência, o termo designa o suporte para a faculdade que conhece (mente ou consciência), que recebe, organiza e configura os dados dos sentidos e constrói uma representação mental do objecto que foi captado sensorialmente.
Epistemologia
(episteme, «ciência» + logia, «estudo») Palavra de origem grega que, a partir do século XVIII, veio substituir a palavra gnosiologia para referir o ramo da filosofia que se dedica ao estudo dos problemas do conhecimento científico.
Maiêutica
Arte de parteira(o), que ajuda as mulheres a dar à luz. Sócrates dizia que não ensinava nada, apenas ajudava os outros a descobrir (dar à luz, metaforicamente) o conhecimento que cada um já tinha dentro de si.
Subjectivismo
Perspectiva que reduz o conhecimento às experiências individuais de cada pessoa.
Percepção
Uma das etapas do processo cognitivo: construção de uma representação mental (o objecto percebido, ou percepcionado) a partir da descodificação, classificação e organização dos dados dos sentidos.
Logos
Designa o elemento racional da comunicação orador / auditório que é próprio do discurso.
Logos
Designa o elemento racional da comunicação orador / auditório que é próprio do discurso.
Atenção aos Exercícios no Moodle