conflitos socioambientais: o caso de uma fábrica de cimento em aracaju

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CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de uma Fábrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000) Valéria Maria Santana Oliveira

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História ambiental da fábrica de cimento existente em Aracaju (Sergipe).

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  • CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS:O Caso de uma Fbrica deCimento em Aracaju/ SE

    (1967-2000)

    Valria Maria Santana Oliveira

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    REITOR Angelo Roberto Antoniolli

    VICE-REITORAndr Maurcio Conceio de Souza

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    COORDENADORA DO PROGRAMA EDITORIAL Messiluce da Rocha Hansen

    COORDENADOR GRFICO DA EDITORA UFSLus Amrico Silva Bonfi m

    CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFSAdriana Andrade CarvalhoAlbrico Nogueira de QueirozAriovaldo Antnio Tadeu LucasDilton Candido Santos MaynardEduardo Oliveira FreireJos Raimundo Galvo

    PROJETO GRFICO E EDITORAO ELETRNICA

    Leda Pires CorreaMaria Batista LimaMaria da Conceio V. GonalvesMaria Jos Nascimento SoaresPricles Morais de Andrade JniorVera Lcia Correia Feitosa

    Cidade Universitria Prof. Jos Alosio de CamposCEP 49.100-000 So Cristvo SE.Telefone: 2105 6922/6923. e-mail: [email protected] www.ufs.br/editora editoraufs.wordpress.com

    Este livro, ou parte dele, no pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizao escrita da Editora.Este livro segue as normas do Acordo Ortogrfi co da Lngua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.

    UFS

    [Dbora Santos Santana]

  • So CristvoSe 2014

    CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS:O Caso de uma Fbrica deCimento em Aracaju/ SE

    (1967-2000)

    Valria Maria Santana Oliveira

  • FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRALUNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    O48cOliveira, Valria Maria Santana Conflitos socioambientais : o caso de uma fbrica de cimento

    em Aracaju/SE, (1967-2000) / Valria Maria Santana Oliveira. So Cristvo : Editora UFS, 2014.

    142 p.

    ISBN 978-85-7822-420-2

    1. Poluentes Aspectos sociais. 2. Meio ambiente e desenvolvimento sustentvel. 3. Homem Efeito do meio ambiente. 4. Cimento Portland Indstria Aracaju (SE). I. Ttulo.

    CDU 504.5:666.942(813.7)

  • Para Joo Pedro, cujo nascimento bem no meio do mestrado trouxe minha vida

    muito mais luz e felicidade do que eu poderia imaginar. Cresceu dentro de mim ao mesmo

    tempo em que eu tambm crescia em conhe-cimento. Fora de mim, mas sempre por perto,

    continua a crescer, enquanto eu tambm creso atravs desse rduo, mas gratificante,

    mundo das letras e das ideias.

  • Agradecimentos

    Somente quando se conclui um trabalho como este que temos a exata noo das nossas limitaes e potencialida-des, sobretudo quando se trata de um tema to complexo como este a que nos propomos estudar. Logo, no tenho pretenses, aqui, de esgotar essa temtica no poderia ter dominado esse universo to amplo; encaro este traba-lho como uma modesta reflexo sobre o assunto, a qual no seria possvel sem a ajuda e o incentivo de muitas pessoas.

    Gostaria de em primeiro lugar agradecer a minha famlia, presente de Deus em minha vida, sem a qual seria imposs-vel concluir este trabalho. Jamais terei como retribuir todo suporte e incentivo que foram fundamentais para conse-guir mais este xito.

    Agradeo aos professores do Programa de psgraduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA UFS), que foram fundamentais para o meu amadurecimento so-bre o tema, em especial minha orientadora, Prof. Maria Benedita Lima Pardo, Prof. Rosemeire Melo e Souza e Prof. Maria Augusta Vargas.

  • Agradeo Prof. Eliane Freire, minha primeira incentivado-ra no mestrado.

    s amigas Rosemeire Guimares e Fernanda Cordeiro, com as quais pude compartilhar dvidas, angstias, mas tam-bm vitrias e alegrias.

    Ao professor Fernando S pelas orientaes sobre Histria Oral.

    Administrao Estadual do Meio Ambiente (ADEMA), pelo acesso documentao sobre a Fbrica de Cimento.

    Diretoria da Associao de Moradores e Amigos do Bairro Amrica, (AMABA) pelas valiosas informaes concedidas.

    A Vnia Carvalho, pela disponibilidade com que sempre me atendeu nos momentos de dvida.

    professora Ester Mambrine pelas dicas importantssimas para a transformao da minha dissertao neste livro.

    A todos os entrevistados, que gentilmente compartilharam suas memrias fornecendo preciosas colaboraes para a concretizao deste trabalho.

  • 9Prefcio

    Este livro, escrito a partir da pesquisa de mestrado da auto-ra, apresenta um personagem central inusitado: a Fbrica de Cimento Portland que funcionou no perodo de 1967 a 1984, no bairro Amrica em Aracaju. Trata-se de uma narra-tiva sobre as influncias desse personagem nas expectati-vas e na vida da populao do bairro que via possibilidades de progresso e melhoria financeira com sua implantao. Em torno do seu aparecimento, funcionamento e desativa-o giram todas as informaes, memrias e lembranas trazidas tona no decorrer da pesquisa. A Fbrica trouxe esperana e alguma recompensa financeira, mas seu fun-cionamento revelou-se ameaador para a sade das pesso-as e para a preservao de seu ambiente.

    Valria nos relata alguns dos principais fatos ocorridos nessa poca a partir de sua formao como historiadora. Inicialmente traa um panorama sobre a evoluo do con-ceito de desenvolvimento sustentvel, suas controvrsias e como a concepo desenvolvimentista justificou polticas de industrializao em nosso pas, que no previam com rigor o controle dos impactos sobre o meio ambiente. Enfa-

  • CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)10

    tiza como a poluio, em especial a poluio do ar, traz efei-tos danosos para o ser humano e o meio ambiente e como essa percepo pode levar organizao de movimentos que visam reconquistar o direito a condies de vida saud-veis. Mostra como esses movimentos em vrias partes do mundo influram na constituio de organismos que passa-ram a trabalhar por esta causa e a dar fora aos movimentos ambientalistas. Em Aracaju, na poca da fbrica, as pessoas se organizaram em Associao de Bairro e organizaram ma-nifestaes contra a poluio.

    Todas essas ocorrncias servem como pano de fundo para o relato da histria da Fbrica no bairro Amrica. Para tan-to Valria utiliza-se de duas fontes de dados fundamentais: documentos sobre a Fbrica e sobre fatos a ela relaciona-dos e o relato de pessoas que l trabalharam, que convi-veram no bairro poca de seu funcionamento, ou que se envolveram com o movimento em defesa da populao.

    A pesquisa documental foi realizada no Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe (IHGS), na Biblioteca Estadual Epif-neo Drea e no arquivo da Administrao Estadual do Meio Ambiente (ADEMA). Nessas instituies foram coletadas cerca de duas centenas de documentos entre notcias, ar-tigos, ofcios, relatrios e analisadas as informaes que se referiam Fbrica de Cimento ou a temas correlacionados como poluio ambiental. Alm disso, foi realizada pesqui-sa nos informativos da AMABA (Associao de Moradores e amigos do Bairro Amrica), pois a existncia dessa associa-o esteve intimamente ligada ao movimento dos morado-res contra o funcionamento da Fbrica.

    Os depoimentos orais foram coletados a partir de entrevis-tas semi-estruturadas de acordo com roteiros que estimula-vam a recuperao de eventos e vivncias que traassem a

  • 11

    PREFC

    IO

    histria da Fbrica do ponto de vista de diferentes persona-gens, tais como, ex-funcionrios, lideranas comunitrias, lder religioso que atuou no processo de mobilizao da populao local, administrador de rgo estadual do meio ambiente (ADEMA).

    Esses conjuntos de informaes foram analisados e entre-cruzados a partir dos temas oferecidos pela base conceitual e pelas questes dos roteiros de entrevistas, viabilizando uma viso rica e abrangente sobre os fatos percebidos so-bre a implantao, funcionamento e fechamento da Fbri-ca, influncias sobre o ambiente e a populao do bairro, descries sobre aes desenvolvidas pelo movimento que se formou e que culminou com o fechamento da mesma. Desse modo obteve-se uma interessante complementao de informaes que auxiliaram a desenhar um quadro mais completo sobre esse episdio histrico, contribuindo para evidenciar sua importncia para o bairro Amrica, a cidade de Aracaju e a histria dos movimentos sociais e de carter ambiental em nosso pas.

    Assim a leitura deste livro ser de grande valia para as pes-soas estudiosas do assunto ou apenas interessadas nas questes relacionadas ao meio ambiente, ao desenvolvi-mento com respeito natureza e qualidade de vida dos seres humanos.

    Aracaju, maro de 2011Profa. Dra. Maria Benedita Lima Pardo

    Docente do Departamento de Psicologia/UFSOrientadora credenciada no Prodema/UFS

  • SUMRIO

    15

    27

    69

    85

    119

    127

    137

    Introduo

    CAPTULO IDesenvolvimento Sustentvel e Conflitos

    Socioambientais

    CAPTULO IIA Historicidade das Relaes Homem Natureza

    CAPTULO IIIDa Esperana de Progresso Cimentite

    Concluso

    Referncias

    Anexos

  • 15Introduo

    Este livro originado da dissertao de mestrado da auto-ra, defendida apresentada ao Ncleo de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Fede-ral de Sergipe em fevereiro de 2008.

    O interesse pelo tema da Fbrica de Cimento surgiu na ocasio de elaborao da monografia de concluso do curso de Licen-ciatura em Histria, quando em contato com as fontes referen-tes histria do Bairro Amrica. Ao pesquisar, no arquivo do CESEP Centro Sergipano de Educao Popular , a documen-tao referente Associao de Amigos e Moradores do Bairro Amrica (AMABA), foi encontrada a cpia de um recorte do Jor-nal de Sergipe de 25 de maio de 1982. O ttulo, O p da morte fabricador de anjo, motivou a consulta ao artigo completo no acervo do Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe (IHGS), o que revelou a importncia dos fatos relatados no jornal.

    A carncia de estudos sobre a Fbrica de Cimento Portland de Sergipe e sua influncia sobre o Bairro Amrica e sobre a cidade de Aracaju constituiu-se num outro estmulo para esta pesquisa. Em consulta aos trabalhos que compem os acervos da Biblioteca Central da Universidade Federal de

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    Sergipe (UFS) e da Biblioteca do Programa de Ps-Gradu-ao em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UFS), como tambm em buscas na internet, no foram en-contradas pesquisas especficas sobre a referida Fbrica, embora esta seja citada em trabalhos como, por exemplo, numa dissertao apresentada a este mesmo programa de ps-graduao por Campello (2007).

    Esta pesquisa justifica-se tambm por sua relevncia social, uma vez que, apesar de ter sido um fato realmente marcante na memria de muitos aracajuanos, a histria da Fbrica de Cimento Portland no obteve o merecido destaque na histo-riografia sergipana. Sendo assim, tambm buscamos contri-buir no s para o estudo dos conflitos socioambientais em Aracaju atravs do resgate da memria de um dos fatos de maior relevncia da histria do Bairro Amrica, mas tambm para os estudos na rea de Histria Ambiental em Sergipe.

    Os objetivos gerais traados para esta pesquisa foram: iden-tificar, historicamente, os conflitos socioambientais ocorri-dos entre os moradores do Bairro Amrica e a Companhia de Cimento Portland de Sergipe (CCPS), instalada nesse bairro; e analisar os resultados obtidos pelo movimento so-cial gerado a partir desses conflitos.

    Alm disso, levantar as influncias da implantao e do funcionamento da Fbrica de Cimento no ambiente do Bairro Amrica, os impactos ambientais e os conflitos socio-ambientais da resultantes; identificar os principais atores sociais envolvidos com a Fbrica e/ou com o movimento social que foi gerado a partir dos conflitos; analisar como as pessoas envolvidas com o movimento social se organi-zaram e quais suas estratgias de atuao, bem como, os resultados obtidos; e levantar e analisar possveis fatores relacionados desativao da Fbrica.

  • 17

    INTRODU

    O

    Optou-se pela pesquisa de carter qualitativo, buscando extrair dos dados um melhor entendimento dos processos, motivaes e significados que geraram os fatos. Como de-fine Richardson (1989: 38), A abordagem qualitativa de um problema, alm de ser uma opo do investigador, justifica--se, sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a natureza de um fenmeno social.

    A pesquisa foi baseada em duas fontes de dados: a docu-mental e de campo.

    A coleta de dados atravs da pesquisa documental forne-ceu informaes contextuais importantes para a compre-enso dos fatos em estudo. Esta fase foi fundamental para o entendimento do processo que fez do problema da polui-o causada pela Fbrica de Cimento uma questo de am-pla repercusso no Estado de Sergipe.

    A pesquisa documental foi realizada no Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe (IHGS), na Biblioteca Estadual Epif-neo Drea e no arquivo da Administrao Estadual do Meio Ambiente (ADEMA).

    No IHGS foram coletadas 91 (noventa e uma) matrias jor-nalsticas e 01 (uma) edio de revista. Selecionamos todos os materiais que continham informaes acerca dos con-flitos socioambientais causados pela poluio da Fbrica, como tambm sobre o Bairro Amrica poca dos fatos. Foram utilizados na pesquisa os jornais: Gazeta de Sergipe, Jornal de Sergipe, Jornal da Cidade e a Revista Alvorada.

    Le Goff (1992) faz uma anlise das mais ricas acerca da in-terveno do historiador na seleo dos documentos. En-fatiza que estes no so incuos, como tambm no des-provida de inteno a escolha do historiador que extrai os

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    documentos de um conjunto de dados do passado e lhe atribui o valor de testemunho. Segundo o autor:

    O documento monumento. Resulta do esforo das sociedades histricas para impor ao futuro voluntria ou involuntariamente determinada imagem de si prprias (LE GOFF, 1992: 548).

    Na Biblioteca Epifneo Dria foram encontrados 25 (vinte e cinco) exemplares da Revista do Sindicato Nacional da Indstria do Cimento, que abrangiam o perodo de 1969 a 1975. A partir dos exemplares analisados deste peridico, nos foi possvel apreender a situao da indstria de ci-mento no perodo pesquisado, situando naquele contexto o Grupo Votorantim. Mereceram nossa especial ateno os comentrios encontrados sobre os debates em voga acerca da problemtica da poluio, to discutida por ocasio da Conferncia de Estocolmo em 1972.

    No acervo da Administrao Estadual do Meio Ambiente (ADEMA) foram coletados 86 (oitenta e seis) documen-tos, tais como ofcios, cadastros, relatrios, cartas, soli-citaes, comunicados, telegramas, autos de infrao, pareceres, inquritos, memoriais descritivos, processos, atas de reunio e notificaes.

    Foram utilizados tambm documentos coletados em 2005 por ocasio da elaborao da monografia de concluso do curso de Histria1 uma vez que as referidas fontes ain-da no haviam sido submetidas anlise por conta da pr-pria natureza daquele trabalho que se tratou de uma coleta

    1 OLIVEIRA. Valria M. S. Entre altos e baixos: fontes para a Histria do Bair-ro Amrica (1915-2005). Monografia (Licenciatura em Histria DHI), UFS: So Cristvo, 2005.

  • 19

    INTRODU

    O

    e edio de fontes para a histria do Bairro Amrica. Para a presente dissertao, 11 (onze) documentos foram analisa-dos, entre cartas, textos de discursos, matrias jornalsticas e informativos da Associao de Moradores e Amigos do Bairro Amrica (AMABA). Uma vez que o episdio da F-brica de Cimento foi um marco na histria do bairro, esta temtica ganhou nfase em diversos documentos concer-nentes ao Bairro Amrica.

    O instrumento de coleta de dados da pesquisa documental foi uma ficha informando o local onde o documento est disponvel, a tipologia do mesmo e um resumo das princi-pais informaes contidas em cada um deles. Este procedi-mento foi de grande auxlio durante a anlise da documen-tao uma vez que facilitou a localizao e sistematizao das informaes obtidas.

    Em relao pesquisa em jornais, optamos pela consulta ao acervo do Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe (IHGS) pelo fato de esta instituio dispor atualmente de uma heme-roteca com um dos melhores acervos disponveis para pesquisa no Estado. As matrias de nosso interesse foram fotografadas e posteriormente transcritas. J os exemplares da Revista do Sin-dicato Nacional da Indstria do Cimento encontrados no acervo da Biblioteca Epifneo Dria puderam ser fotocopiados.

    Na Administrao Estadual do Meio Ambiente (ADEMA) obtivemos a informao inicial de que a documentao re-ferente s dcadas de 1960, 1970 e 1980 dificilmente seria encontrada, devido s condies de m conservao dos documentos mais antigos daquela instituio. Porm, ao in-sistirmos na relevncia destes para nossa pesquisa, foi rea-lizada uma busca, a partir da qual foram encontrados cerca de 90 (noventa) documentos. Aps apresentao de ofcio encaminhado pela Coordenao do Mestrado em Desen-

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    volvimento e Meio Ambiente tivemos acesso documenta-o e a autorizao necessria para fotocopi-la.

    Como mtodo de anlise dos dados coletados tanto na pesquisa documental quanto na de campo optou-se pela Anlise de Contedo.

    Segundo Bardin (1977), a Anlise de Contedo pode ser en-tendida como

    um conjunto de tcnicas de anlise das comu-nicaes visando obter, por procedimentos, sistemticos e objectivos de descrio do conte-do das mensagens, indicadores (quantitativos ou no) que permitam a inferncia de conhe-cimentos relativos s condies de produo/recepo (variveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977: 42).

    Trivios (1987) destaca o fato de que a Anlise de Contedo , na verdade, um conjunto de tcnicas. Esta peculiaridade te-rica precisa estar bastante clara para pesquisador, sob pena de este encontrar grandes dificuldades no processo de anlise.

    Para o desenvolvimento da anlise, foram seguidas as eta-pas descritas a seguir:

    Na pr-anlise, a documentao foi organizada com o objetivo de operacionalizar e sistemati-zar as ideias. Procedeu-se constituio de um corpus documental segundo a regra da repre-sentatividade: a anlise deu-se a partir de uma amostra de valor representativo, uma vez que nosso intuito era obter um fiel reflexo dos do-cumentos que integram o conjunto (RICHARD-SON, 1989: 186).

  • 21

    INTRODU

    O

    A amostragem dos documentos escritos foi obtida por meio de:

    Jornais: das 91 (noventa e uma) notcias jornalsti-cas encontradas e que continham informaes sobre a Fbrica de Cimento, foram selecionados 20 (vinte) exemplares para anlise. O critrio da seleo foi tanto a quantidade e quanto a qualidade das informaes;

    Revistas: dos 25 (vinte e cinco) exemplares encon-trados da Revista do Sindicato Nacional da Indstria de Cimento, foram selecionados 09 (nove) que ver-savam sobre Poluio Atmosfrica e 01 (um) exem-plar da Revista Alvorada que abordou o problema da poluio da Fbrica;

    Documentao da ADEMA: dos 86 (oitenta e seis) documentos referentes Fbrica de Cimento encon-trados na biblioteca da ADEMA, foram selecionados 30 (trinta). Nesse processo de seleo, procuramos analisar os documentos que fornecessem informa-es relevantes sobre a atuao deste rgo ambien-tal junto s questes relacionadas Fbrica.

    Aps a seleo dos documentos, realizada a partir da leitura dos mesmos, foram elaborados resumos de seus principais contedos, organizados de acordo com temas relacionados aos objetivos da pesquisa. So eles:

    1. Influncias ambientais ocasionadas pela implanta-o e funcionamento da Fbrica;

    2. O movimento social gerado a partir das influncias ambientais provocadas pelo funcionamento da Fbrica;

    3. Outros tipos de ao relacionados Fbrica.

  • 22 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)Valria Maria Santana Oliveira

    Alm da documentao escrita, utilizamos tambm depoi-mentos orais, por seus atributos nicos, cujas informaes os demais documentos no seriam capazes de transmitir. Samuel (1990: 230) explica melhor:

    H verdades que so gravadas nas memrias das pessoas mais velhas e em mais nenhum lugar; eventos do passado que s eles podem explicar--nos, vistas sumidas que s eles podem lembrar. Documentos no podem responder; nem, depois de um certo ponto, eles podem ser instigados a es-clarecer, em maiores detalhes, o que querem dizer, dar mais exemplos, levar em conta excees, ou explicar discrepncias aparentes na documenta-o que sobrevive.

    Samuel tambm destaca que o uso de entrevistas d iden-tidade a indivduos que normalmente permaneceriam an-nimos na histria e que provavelmente no deixariam ne-nhum relato escrito de suas vidas. neste sentido que na seleo dos possveis entrevistados optamos por indivdu-os que pudessem fornecer informaes sobre os fatos sob diversos ngulos, no apenas do ponto de vista de lideran-as e autoridades, embora estes tenham tambm contribu-do sobremaneira para nossa pesquisa. Esta prtica propicia leituras e releituras do passado que s tem a enriquecer a anlise dos fatos.

    A Histria Oral pode ser dividida em trs gneros distintos: tradio oral, histria de vida e histria temtica (FREITAS, 2002; MEIHY, 2002). Este ltimo tipo o que se enquadra nes-ta pesquisa, uma vez que as entrevistas tiveram carter te-mtico, ou seja, elas tiveram em vista um assunto especfico.

    Foram elaborados trs roteiros de entrevistas: para serem aplicadas com morador do bairro ou lder do movimento,

  • 23

    INTRODU

    O

    com representante de rgo ambiental e com ex-funcionrio da Fbrica de Cimento. Os roteiros so semelhantes, apresen-tando pequenas variaes que possibilitassem adequar as perguntas situao de envolvimento do entrevistado com os fatos em estudo.

    As questes abordadas nos roteiros de entrevistas foram derivadas da anlise dos trs principais conceitos nos quais a pesquisa baseou-se, ou seja, impactos ambientais, confli-tos sociais e movimento social, buscando-se abordar dife-rentes aspectos dos mesmos no contexto do funcionamen-to e desativao da Fbrica de Cimento.

    As entrevistas foram aplicadas em locais e horrios previa-mente agendados com os depoentes. As mesmas foram realizadas em Aracaju, com exceo da entrevista com o ex--diretor da Fbrica de Cimento, que aconteceu em Recife, cidade onde o mesmo reside atualmente. Todas foram gra-vadas e posteriormente transcritas.

    A tcnica de entrevistas semiestruturadas com registro de gravao , segundo Trivios (1987: 146), um dos principais meios para se realizar a coleta de dados em pesquisa quali-tativa, porque,

    Ao mesmo tempo que valoriza a presena do investigador, oferece todas as perspectivas possveis para que o informante alcance a liber-dade e a espontaneidade necessrias, enrique-cendo a investigao.

    Inicialmente, procedeu-se transcrio dos depoimen-tos dos participantes; procurando-se fidelidade grava-o, apenas introduziu-se pontuao, respeitando a fala e pausa dos entrevistados.

  • 24 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)Valria Maria Santana Oliveira

    Os temas contidos nas questes propostas aos participan-tes constituram-se na unidade de anlise escolhida para a classificao das respostas. Segundo Bardin (1977: 106), o tema frequentemente utilizado como unidade de anli-se do contedo de questes abertas de entrevistas, como tambm no estudo das motivaes de opinies, de atitu-des, de valores, de crenas, de tendncias, etc.

    Os temas encontrados foram:

    Mudanas ocorridas no bairro e para os moradores em funo da Fbrica;

    Influncias da Fbrica no meio ambiente do bairro;

    Identificao dos lderes da comunidade e como atuaram em relao s influncias da Fbrica;

    Processo de fechamento da Fbrica;

    Lembranas aps o fechamento da Fbrica.

    Franco (2003: 37) destaca a relevncia dessa modalidade de unidade afirmando que o tema considerado como a mais til unidade de registro em anlise de contedo. A autora sustenta, ainda, a necessidade de se fazerem referncias ao contexto para uma melhor compreenso das mensagens. Bardin (1977) acrescenta que a unidade de contexto numa anlise temtica pode ser o pargrafo para o tema.

    Assim sendo, elaboramos quadros temticos, desmembran-do as mensagens contidas nas respostas das entrevistas e nos contedos dos demais documentos, destacando frases ou pa-rgrafos que correspondiam a cada tema, e, por fim, seleciona-mos exemplos relevantes para ilustrar os resultados obtidos.

  • 25

    INTRODU

    O

    A amostragem final dos depoimentos orais contou com 10 (dez) participantes entre moradores do Bairro Amrica da poca do funcionamento da Fbrica, ex-funcionrios da mesma, lideranas comunitrias e o lder religioso que atuou no processo de mobilizao da populao local. Tam-bm foi entrevistado o ento secretrio executivo da Admi-nistrao Estadual do Meio Ambiente (ADEMA).

    Outro aspecto importante o fato de que todos os depoen-tes autorizaram o uso de seus nomes, mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, apesar de lhes ter sido dada a opo de manter suas identidades em sigilo. A opo dos participantes por no ocultar suas iden-tidades nos proporcionou registrar a contribuio destes na construo de um captulo to relevante na histria do Bair-ro Amrica. Segundo Samuel (1990: 233):

    Entrevistas e reminiscncias podem tambm ca-pacitar o historiador e dar identidade e carter s pessoas que, normalmente, permaneceriam como meros nomes numa lista de rua ou regis-tro paroquial, e restaurar algo da importncia original daqueles que no deixaram nenhum relato escrito de suas vidas.

    Thompson (2002: 44) acrescenta:

    A histria oral uma histria construda em torno de pessoas. Ela lana vida para dentro da prpria histria e isso alarga seu campo de ao. Admite vrios heris vindos no s dentre os lderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. [...] Traz a histria para dentro da comunidade e extrai a histria de dentro da comunidade.

    O recorte temporal compreende o perodo de 1967 a 2000, ou seja, procuramos abranger desde a inaugurao

  • 26 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)Valria Maria Santana Oliveira

    da Fbrica de Cimento at sua demolio, uma vez que t-nhamos em vista construir a histria de suas influncias no ambiente do Bairro Amrica.

    No primeiro captulo, Desenvolvimento Sustentvel e Confli-tos Socioambientais, fazemos uma breve reviso das literatu-ras que abordam o conceito de Desenvolvimento Sustentvel e apresentamos algumas crticas a este termo; contextualiza-mos o processo de industrializao no Brasil e em Sergipe a partir da poltica desenvolvimentista do Regime Militar, fato que acabou gerando impactos ambientais, notadamente a poluio atmosfrica. Discorremos sobre os diversos conceitos de Movimentos Sociais, como tambm os chamados novos movimentos sociais; trazendo a anlise de alguns autores acer-ca do discurso da Igreja Catlica durante o Estado de Seguran-a Nacional e, em seguida, discutimos sobre os diversos con-ceitos de Conflitos Socioambientais que possam nos auxiliar no entendimento do caso em estudo.

    No segundo captulo, A Historicidade das Relaes Ho-mem-Natureza, tratamos da evoluo da conscincia eco-lgica a partir de alguns marcos histricos e discutimos a influncia dos diversos conceitos de natureza nas relaes entre o homem e o meio natural; ainda nesse captulo, fala-mos sobre o conceito, os nveis de abordagem e os campos de atuao da histria ambiental.

    No terceiro captulo, Da Esperana de Progresso Cimen-tite, apresentamos os resultados obtidos atravs da pes-quisa documental e de campo, ao tempo que resgatamos aspectos histricos da implantao, funcionamento e desa-tivao da Fbrica de Cimento.

  • 27CAPTULO I

    Desenvolvimento Sustentvel eConflitos Socioambientais

    Novos paradigmas, novos modelos holsticos e holo-trpicos de ver e de pensar, associados a novas formas de criar conhecimento e fazer cincia, so as inevitveis novas atitudes

    pessoais para com o prprio eu, para com o meu outro, para com a vida e o mundo, apontam para uma nova compreenso

    de que, de um modo ou de outro, todas as pessoas esto con-vidadas a se transformarem e so convocadas a participarem

    de redes e de teias de transformaes para alm de si-mesmas.(BRANDO, 2005: 140)

    Para a compreenso das influncias produzidas pela Fbrica de Cimento no ambiente do Bairro Amrica e seus possveis impactos, procuramos realizar inicialmente uma anlise do conceito de Desenvolvimento Sustentvel, levantando as definies de diversos autores e suas respectivas crticas ao

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    mesmo. Em seguida, contextualizamos o processo de in-dustrializao no Brasil e em Sergipe tendo como pano de fundo o desenvolvimentismo vigente na Ditadura Militar; depois, fazemos uma exposio dos principais impactos ambientais decorrentes da industrializao, especialmente a poluio atmosfrica.

    1.1 O Discurso do Desenvolvimento Sustentvel

    O conceito tradicional de Sustentabilidade originrio das Cincias Biolgicas, sendo aplicado aos recursos naturais enquanto necessidade de manejo destes, de modo a pre-servar suas bases iniciais, evitando assim que os mesmos sejam exauridos (BARBIERI, 2005). No entanto, com a am-pliao dos debates mundiais acerca das questes relacio-nadas ao meio ambiente, tornou-se necessrio, segundo Sachs (1993), considerar outras dimenses de sustentabili-dade. So elas: sustentabilidade social, econmica, ecolgi-ca, espacial e cultural.

    Assim sendo, pensar o Desenvolvimento Sustentvel requer uma ampliao do conceito de Sustentabilidade que no se limite viso tradicional de estoques e fluxos de recursos naturais e de capitais. (BARBIERI, 2005: 45). Porm, muitas so as crticas ao conceito de Desenvolvimento Sustentvel, do conceito aplicao, diversos autores tecem coment-rios acerca deste termo to difundido atualmente.

    Ana Luiza Camargo (2003) analisa as duas palavras que compem o termo Desenvolvimento Sustentvel. Em re-lao ao termo desenvolvimento, a autora entende como sendo mais aceito o significado referente ao crescimento dos meios de produo e ideia de progresso. J a pala-vra sustentvel associada ideia de capacidade de su-

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    porte, remontando capacidade de autoperpetuao dos ecossistemas. Em conjunto, os dois termos abrigam em si, segundo a autora, uma dimenso de carter tcnico e na-turalista insuficiente para tratar das complexas relaes en-tre o homem e a natureza. Desenvolvimento Sustentvel , portanto, um termo ambguo que tenta unir duas palavras que no se entrosam. Esta crtica ainda ratificada por Bar-bieri (2005), que confirma o problema conceitual desta ex-presso afirmando que a mesma, alm de ser contraditria, composta de duas palavras ambguas.

    Apesar de apresentar falhas em sua definio e do fato de no haver consenso em torno do termo, o mesmo desen-volvimento sustentvel amplamente difundido. Conside-rado por alguns autores complexo, controvertido, ou at mesmo sem sentido, este conceito tomado por outros como relevante, no sentido de que representa uma tenta-tiva de conciliar o crescimento econmico com a necessi-dade da preservao do meio ambiente. Camargo (2003) discute ento a diversidade de concepes relacionadas ao termo, sinalizando a tendncia de todas elas a direcionar as responsabilidades para o coletivo.

    Leff (2001: 21) chama a ateno para o fato de que este con-ceito no definiu um sentido terico e prtico capaz de unifi-car as vias de transio para a sustentabilidade. Tal problema causou dissenses e contradies no uso do termo desen-volvimento sustentvel, por consequncia da oposio de interesses no que diz respeito apropriao da natureza.

    Gomes (1995) afirma que a preocupao com a sustentabilida-de no deve se restringir esfera ambiental. Argumenta que a noo mais tradicional de desenvolvimento concilia o cresci-mento econmico com a ideia de equidade, ou seja, a difuso justa dos benefcios do crescimento entre a populao.

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    De acordo com Almeida e Guerra (2001), o desenvolvi-mento sustentvel mais do que um compromisso entre crescimento econmico e ambiente fsico. Aderir o de-senvolvimento sustentvel exige reconhecer, na relao homem-natureza, os processos histricos geradores das transformaes do meio ambiente. Os autores afirmam ain-da que a sustentabilidade seria conseqncia da associao entre movimentos sociais e mudana social, o que levaria possibilidade de polticas mais efetivas.

    Porto-Gonalves (2004) vai mais alm, com a sua crtica ideia de desenvolvimento. O autor afirma ser este um instrumen-to de dominao da natureza, consequente da noo de que desenvolver afastar-se da natureza e embrenhar-se no que considerado civilizao (a cidade, a indstria). Esta questo con-figura-se num problema ainda mais srio na medida em que a dominao da natureza passa pela dominao dos homens.

    Neste sentido, des-envolver torna-se sinnimo de separar, distanciar. privar do envolvimento, tirar a autonomia e promover o individualismo. des-envolver homens e mu-lheres de suas relaes originais com o meio e envolv-los na sociedade capitalista. Para o autor, faz-se necessrio humanidade buscar alternativas ao e no de desenvolvi-mento, tendo em vista as conseqncias trazidas ao longo da experincia desenvolvimentista.

    Percebe-se que a globalizao atinge at mesmo o ide-al de desenvolvimento, na medida em que se estabelece um padro (Europa, EUA) de soluo para os problemas globais a ser seguido.

    O mesmo autor faz duras crticas a muitos ambientalistas, que, segundo ele, abandonaram seus ideais e passaram a dialogar com a ideia de ecodesenvolvimento ou de desenvol-

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    vimento sustentvel. Esta ideia de desenvolvimento ques-tionada enquanto instrumento de dominao da natureza que separa homens e mulheres entre si e do meio ambien-te, numa relao de poder exercida atravs do conhecimen-to cientfico. Des-envolver passa a significar a falta de envol-vimento, de autonomia. dividir para melhor dominar. Essa dupla dominao torna-se a principal caracterstica do uso da tcnica na sociedade capitalista.

    Esta crtica noo de Desenvolvimento Sustentvel apro-fundada por Oliveira e Herrmann ao afirmarem que este serve aos interesses do capitalismo financeiro global, justificando a privatizao dos estoques de riquezas naturais e para desre-gulamentar os mercados financeiros nacionais, alienando o Estado-Nao de seu papel auto-regulador (2001: 150).

    Brunacci e Philippi (2005: 264) sintetizam a problemtica conceitual e prtica da expresso em questo com a se-guinte afirmao:

    Sinttica e genrica de um lado e, de outro, re-petida exausto sem submeter a outras an-lises mais profundas, a expresso desenvolvi-mento sustentvel, a exemplo de determinadas expresses, acabou ingressando nas fileiras de um processo de repetio irracional. Virou um discurso com a fora de uma retrica oficial sem, todavia, clarear exatamente o que quer dizer, dando margem s mais diversas interpretaes, muitas vezes motivadas pelos interesses ou pe-las ideologias de cada um.

    A origem do discurso do desenvolvimento sustentvel en-contra-se na crise das condies de produo, convertendo--se em um campo de luta ideolgica e poltica de crescente importncia, e seu uso tem sido apropriado de diferentes formas. Segundo OConnor (2003: 28), Esto quiere decir

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    que la sostenibilidad es una cuestin ideolgica y poltica, antes que un problema ecolgico y econmico.

    A dificuldade da sociedade atual de enxergar alm de sua prpria existncia revela-se um dos principais entraves para o que Camargo (2003) chama de desenvolvimento susten-tvel global. Apesar dos inmeros debates, o modelo de de-senvolvimento sobre o qual est firmada nossa sociedade baseia-se na crena de que os recursos naturais, por serem abundantes, so igualmente infinitos. A autora conclui fazen-do uma crtica: pouco se sabe sobre como promover o de-senvolvimento sustentvel e como torn-lo parte dos plane-jamentos nacionais, regionais e locais (CAMARGO, 2003: 76).

    neste sentido que a Comisso Mundial sobre Meio Am-biente e Desenvolvimento da ONU, conhecida tambm como Comisso Brundtland, explicitou em seu relatrio Nosso Futuro Comum (1988) as principais aes necess-rias para se alcanar uma economia mundial sustentvel.

    Neste documento, Desenvolvimento Sustentvel definido como [...] aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das geraes futuras de atende-rem as suas prprias necessidades (BARBIERI, 2005: 23).

    De acordo com Barbieri, as polticas que tm por base o conceito de desenvolvimento apontado pelo relatrio de-vem ter os seguintes objetivos principais:

    Retomar o crescimento como condio necess-ria para erradicar a pobreza; mudar a qualidade do crescimento para torn-lo mais justo, equi-tativo e menos intensivo em matrias-primas e energia; atender s necessidades humanas essenciais de emprego, alimentao, energia, gua e saneamento; manter um nvel popula-

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    cional sustentvel; conservar e melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e adminis-trar os riscos; e incluir o meio ambiente e a eco-nomia no processo decisrio (Ibidem: 25).

    A contribuio do Relatrio Brundtland foi significativa ao mos-trar que, para alcanarmos a sustentabilidade, faz-se necessria a luta contra as desigualdades sociais. No entanto, ainda falta na atualidade a disposio por parte de diversos setores para bus-car aes efetivas rumo ao desenvolvimento sustentvel. Vinte anos depois da divulgao deste relatrio, as aes j assumidas pelas sociedades ainda no do conta de reverter o nvel de de-gradao ambiental a que ns chegamos.

    As sociedades contemporneas encontram-se diante de uma realidade nunca antes imaginada: a de que existem limites ao crescimento e, assim sendo, ou repensamos o atual modelo de desenvolvimento, ou no teremos como assegurar qualidade de vida para as geraes futuras. Na medida em que aprendermos a lidar com os desafios da contemporaneidade de forma a colocarmos a vida acima do capital, teremos ento uma via de entendimento para a soluo de nossos problemas globais.

    necessrio, portanto, um novo pacto entre sociedade e natureza, cujo desafio encontrar caminhos que conciliem as expectativas e necessidades humanas com a preserva-o dos recursos naturais.

    1.2 Sob o Signo do Desenvolvimentismo:a Industrializao no Brasil e em Sergipe

    Com o crescente aumento das taxas de urbanizao e in-dustrializao na Amrica Latina as cidades sofreram a um s tempo, os problemas dos pases desenvolvidos e dos

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    subdesenvolvidos: industrializao dispersa, poluio do ar, da gua, agravamento dos problemas de sade das po-pulaes relacionados ao saneamento bsico. O Brasil no uma exceo nesse contexto. O debate internacional foi trazido para a perspectiva regional ao serem apontadas as peculiaridades e dificuldades de compatibilizao das pol-ticas ambientais e dos programas de desenvolvimento em pases de Terceiro Mundo (FERREIRA, 2003).

    Vejamos, portanto, como se deu o processo de industrializa-o brasileira e quais foram seus reflexos no Estado de Sergipe.

    A dcada de 1950 no Brasil marcada por uma poltica de industrializao em nome do desenvolvimento. O Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (1956 1961) implementou o maior volume de investimentos at ento registrados na economia brasileira, tomando por base o trip capital na-cional, capital estrangeiro e Estado. Com isso, a taxa de cres-cimento industrial alcanou patamares notveis, permitin-do a expanso acelerada dos setores de bens de consumo.

    A palavra-chave de todo o processo era industrializao. Com o slogan 50 anos em 5, o governo juscelinista im-plantou sua poltica econmica baseada no desenvolvi-mentismo e na modernizao, em estreita associao com o capital estrangeiro. A execuo do Plano de Metas foi res-ponsvel pelo modelo de desenvolvimento industrial que o Brasil passou a adotar, tendo como uma de suas carac-tersticas a penetrao e consolidao das empresas multi-nacionais. Esta abertura ao capital estrangeiro gerou o que Alves (1984: 20) chama de desenvolvimento dependente. A autora explica este contexto econmico:

    No caso mais extremo, a economia dependente est restrita ao papel de fornecedora de matrias-

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    -primas s economias industriais avanadas. E mesmo quando ela no est totalmente limitada a esta funo, o mercado internacional restringe drasticamente suas possibilidades de desenvol-ver a capacidade tecnolgica, industrial e finan-ceira necessria ao crescimento autogerado.

    De fato, esta estratgia do governo JK acentuou a nossa depen-dncia tecnolgica do estrangeiro e, por consequncia, a de-pendncia econmica. Por sua vez, a dependncia econmica gerou a dependncia poltica, tendo em vista que o capital es-trangeiro passou a influenciar nas decises da poltica interna.

    O governo de JK, atravs do Plano de Metas, investiu no se-tor pblico (construo de estradas, construo de Braslia etc.) e na indstria de base (siderrgicas, ampliao da Pe-trobrs, novas usinas hidreltricas etc.). A partir de ento, com a consolidao das empresas multinacionais no Brasil, os setores fundamentais da indstria foram passando para o controle estrangeiro.

    Este modelo de desenvolvimento econmico foi retomado com a instalao do Regime Militar. Catani analisa a econo-mia daquele momento afirmando que o perodo do chama-do milagre econmico (1968-1973)

    caracterizou-se por uma forma de desenvolvimen-to capitalista que beneficiou o capital monopolista e que exclui as massas populares da esfera dos direi-tos polticos e econmicos (CATANI,1980: 102-103).

    O pas foi tomado pela euforia desenvolvimentista, um clima de otimismo invadiu a nao, comparada a um canteiro de obras:

    Martelavam-se os slogans otimistas, animando, encorajando, em mensagens positivas e ufanis-tas: Pra frente Brasil; Ningum mais segura este

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    pas; Brasil, terra de oportunidades; Brasil, potn-cia emergente. Para os que discordavam, a porta de sada: Brasil, ame-o ou deixe-o (REIS, 2000: 56).

    Industrializao era sinnimo de desenvolvimento, sem que houvesse, entretanto, espao para se pensar nos ine-rentes impactos sobre o meio ambiente. Foi em meio a este contexto que foi realizada, em 1972, a Conferncia de Esto-colmo, na Sucia. Neste importante evento mundial, num clima de discusses acerca da preservao ambiental a de-legao brasileira, tomando uma posio que ganhou re-percusso mundial, defendeu a tese do desenvolvimento econmico a qualquer preo, sem nenhuma restrio, mes-mo que fossem restries de natureza ambiental (BRUNAC-CI; PHILIPPI, 2005: 258).

    Esta mentalidade tambm estava bastante enraizada no se-tor industrial. Exemplo disto consta na Revista do Sindicato Nacional da Indstria do Cimento (SNIC), da qual extramos algumas consideraes acerca da temtica de poluio em voga por ocasio da Conferncia de Estocolmo, em 1972:

    A campanha contra a indstria, contra a tecno-logia, contra o progresso, em favor de um possi-velmente potico movimento em favor da natu-reza, surge assim de um fundo eminentemente reacionrio que precisa ser conhecido. E um pas, como o Brasil que avana em tecnologia, que vence em tempo recorde etapas de desen-volvimento industrial, no pode ficar preso a um falso movimento em defesa da natureza. Porque a verdade que, na hora da necessidade (do frio, da fome, do desabrigo) a tecnologia que vem em defesa do homem natural (PREVENO de acidentes..., 1972: 200).

    O contexto histrico daquele posicionamento no pode ser desconsiderado, uma vez que o Regime Militar impusera

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    uma posio produtivista que estava implcita na Doutri-na de Segurana Nacional e Desenvolvimento. Alves (1984) explica que este modelo econmico baseava-se na ideia de que um pas subdesenvolvido precisa criar condies para investimento principalmente o estrangeiro para acumu-lao de capital suficiente para a arrancada do desenvolvi-mento econmico. Segundo esta autora:

    O desenvolvimento no visa a imediata melho-ria dos padres de vida da maioria da populao, nem objetiva o atendimento de suas necessida-des bsicas. Na realidade, como j foi observa-do, a doutrina da ESG1 aceita expressamente a necessidade de sacrificar a gerao presente e mesmo sucessivas geraes como preo da r-pida acumulao de capital (ALVES, 1984: 147).

    Vemos, a partir desses fatos, que a posio do governo brasileiro durante o perodo ditatorial, notadamente no chamado milagre econmico, foi reflexo da poltica de-senvolvimentista implementada pelo Regime Militar. Este desenvolvimento a qualquer preo criou a falsa impres-so de progresso, agravando os problemas sociais, urba-nos e ambientais e dilapidando os recursos naturais que deveriam estar a servio do bem-estar da coletividade (LAGO e PDUA, 1985).

    1 Os preceitos do Manual Bsico da Escola Superior de Guerra (ESG) tiveram influncia decisiva na consolidao da Doutrina de Segurana Nacional e De-senvolvimento. A doutrina da escola evoluiu de uma definio de segurana interna e externa para uma viso mais abrangente da segurana nacional in-tegrada ao desenvolvimento econmico. (Cf. ALVES, Maria Helena M. Estado e Oposio no Brasil (1964 1984). 2 ed. Petrpolis: Vozes, 1984, p. 34-35).

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    Estas discrepncias so analisadas por Prado Jr. (1988: 331):

    O progresso se faz assim paradoxalmente em meio de grandes perturbaes que afetam considerveis setores da populao; e ele no acompanhado de uma prosperidade ge-ral que constituiria importante circunstncia para um desenvolvimento econmico harm-nico e bem fundamentado, que asseguraria prpria indstria uma base mais segura e es-tvel que aquela de que hoje dispe.

    Para incrementar o crescimento industrial desejado, o mi-nistro Delfim Netto estabeleceu um amplo sistema de in-centivos fiscais para beneficiar o investimento em reas cruciais para o plano de desenvolvimento do governo, prin-cipalmente na regio amaznica, plancies centrais e Nor-deste (ALVES, 1984).

    Sergipe parece no ter sido suficientemente beneficiado pela poltica de industrializao do Nordeste, ao menos ini-cialmente. Segundo Almeida (1991: 61):

    Dos 642 projetos industriais aprovados pela SUDENE no perodo de 1960 a 1968, num to-tal de investimento global aproximado de Cr$ 3.424.866.320,00, Sergipe foi beneficiado com 14 projetos apenas, num montante de Cr$ 50.714.000,00, ou seja, pouco mais de 1%.

    No entanto, Sergipe j possua uma poltica de incentivos fiscais visando o desenvolvimento industrial. No mbito estadual, a Lei n 43 de 10 de junho de 1948, regulamen-tada pelo Decreto n 61 de 6 de dezembro de 1948 esta-belecia prazos de iseno de impostos para novas inds-trias a serem instaladas no Estado. O governo da capital

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    tambm isenta de impostos municipais novas indstrias instaladas em Aracaju, atravs da Lei Municipal n 56 de 30 de novembro de 1955 (INSTITUTO, 1986). No final da dcada de 1960, o governo de Sergipe criou rgos de assessoramento e planejamento industrial, com vistas modernizao e ao reaquecimento das atividades co-merciais e industriais no Estado.

    Como consequncia destas aes, o parque industrial sergipano passa a ser gradativamente ampliado, espe-cialmente com a implantao do Distrito Industrial de Aracaju (DIA). Data deste perodo 1967 a instalao da Companhia de Cimento Portland de Sergipe S.A. (CCPS), certamente beneficiada pela poltica de iseno de im-postos, especialmente por se tratar de uma indstria sem similar no Estado naquele momento.

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    Fonte: VARGAS, 2002.

    Figura 1: Expanso urbana de Aracaju (1960 1990)

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    J contando com o apoio da Superintendncia de Desen-volvimento do Nordeste (SUDENE), temos, a partir da dca-da de 1970, a intensificao da industrializao no Estado, notadamente na rea cimenteira. Britto (1992: 91) explica que O Estado de Sergipe dispondo de grandes reservas de calcrio favorvel a implantao de projetos na rea cimen-teira, atraiu o interesse de grupos industriais privados que para eles se voltaram.

    No entanto, apesar do desenvolvimento decorrente do processo de industrializao, ocorre em Sergipe o reflexo do que se deu no cenrio nacional, ou seja, o crescimen-to econmico no trouxe equidade de benefcios para a sociedade. Segundo anlise do professor Ibar Dantas,

    O modelo de desenvolvimento pelo alto, ou seja, atravs do Estado, revelou-se incapaz de distri-buir melhor os seus benefcios. Numa sociedade sob o controle poltico mais acentuado, coinci-dentemente ou no, o fenmeno se manifestava com maior nitidez (DANTAS, 2004: 206-207).

    Sendo assim, percebemos que o desenvolvimento indus-trial no Brasil, notadamente a partir da dcada de 1950, foi fortemente marcado pelo modelo econmico desenvolvi-mentista. A ideia de progresso to enraizada no governo militar trouxe consequncias que perduram at os dias atuais, a exemplo da degradao ambiental decorrente das atividades industriais.

    Segundo Sanches (2003), a poeira proveniente das chami-ns das Fbricas de cimento gerou diversos casos notrios de poluio industrial. Um episdio emblemtico foi o da Fbrica de Perus, So Paulo, na dcada de 1980. Aps di-versos protestos da populao, a Fbrica passou a operar parcialmente, limitando-se a moer e ensacar o cimento.

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    Em Contagem, Minas Gerais, a Companhia de Cimento Ita foi alvo de uma tentativa de desativao por parte das auto-ridades locais. A iniciativa foi sustada pelo governo federal, que julgou a Fbrica como de interesse segurana nacio-nal. Tempo depois, a empresa, j obsoleta, acabou sendo realmente foi desativada.

    Em Sobradinho, no Distrito Federal, a Fbrica de ci-mento CIPLAN tem sido frequentemente alvo de de-nncias da populao devido aos problemas de sa-de causados pelo p do cimento lanado no ar. Em Alagoas, no municpio de So Miguel dos Campos, os moradores da regio queixam-se dos impactos causa-dos pela Fbrica de cimento CIMPOR, antiga Compa-nhia de Cimento Atol. As reclamaes acontecem em decorrncia dos problemas respiratrios e do barulho causado pelas detonaes das pedras.

    Apesar deste quadro, os debates mundiais acerca do meio ambiente tm obtido repercusses positivas no comrcio e na indstria nas ltimas dcadas. A Agenda 21 aborda, no captulo 30, o papel do comrcio e da indstria no desen-volvimento econmico e social. Este documento prope o fortalecimento destes setores com vistas ao desenvolvi-mento sustentvel:

    O aperfeioamento dos sistemas de produ-o por meio de tecnologias e processos que utilizem os recursos de modo mais eficiente e, ao mesmo tempo, produzam menos resduos, conseguindo, portanto, mais produo com menos recursos, constitui um caminho impor-tante para a sustentabilidade do comrcio e da indstria. Os governos, o comrcio e a indstria devem fortalecer as parcerias para implementar

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    os princpios e os critrios do desenvolvimento sustentvel (BARBIERI, 2005: 138-139).

    Atualmente, est em voga a noo de ecoeficincia enquan-to filosofia de gesto empresarial que incorpora a gesto ambiental. As empresas que esto na vanguarda das prti-cas sustentveis adotam a governana participativa como conjunto de instrumentos pelo qual as empresas estaro pondo em prtica o conceito de sustentabilidade. Ser eco-eficiente significa combinar desempenho econmico com desempenho ambiental, procurando reduzir os impactos sobre a natureza (ALMEIDA, 2002).

    1.3 As Consequncias do Progresso: os ImpactosAmbientais

    As ideias associadas ao atual modelo de desenvolvimento so a da modernizao e progresso, valorizando os interesses eco-nmicos em detrimento dos bens coletivos, gerando fortes impactos socioambientais. A qualidade de vida associada capacidade de consumo, trazendo como consequncia a ex-plorao cada vez maior dos recursos naturais. Para atender s atuais demandas das sociedades contemporneas temos o avano da industrializao que, assim como toda atividade hu-mana, gera alteraes no meio ambiente, em maior ou menor escala. No caso das indstrias cimenteiras, o potencial polui-dor ainda mais significativo (REIMBERG, 2006).

    Considerando que um dos objetivos desta pesquisa analisar as influncias da instalao e funcionamento da Fbrica de Cimento na ambiente do Bairro Amrica, torna-se relevante, portanto, analisar o conceito de Im-pacto Ambiental.

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    A primeira definio de Impacto Ambiental aqui elencada aquela estabelecida pela legislao brasileira atravs da Resoluo CONAMA 001/86, em seu artigo 1:

    Considera-se impacto ambiental qualquer alte-rao das propriedades fsicas, qumicas e biol-gicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matria ou energia resultante das ati-vidades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a sade, a segurana e o bem-estar da populao; as atividades sociais e econmicas; a biota; as condies estticas e sanitrias do meio ambiente; a qualidade de vida.

    Custdio (1995) analisa o termo impacto (do latim impactus, do verbo impingere) cujo significado remete a atirar, lanar, quebrar. A autora explica:

    tanto em seu sentido prprio como no figurado, [impacto] significa choque de um corpo contra outro corpo, algo que se quebra violentamente em decorrncia de uma coliso, com efeitos evi-dentemente danosos (CUSTDIO, 1995: 26).

    Podemos, portanto, observar que o termo impacto, a come-ar pela prpria definio, recebe comumente uma conota-o negativa. No entanto, Munn (1979 apud SANTOS, 2004: 110) formulou uma conceituao de Impactos Ambientais que complementa, por assim dizer, a anterior. Impacto Am-biental seria, portanto:

    Mudana (positiva ou negativa) na sade e bem--estar humanos (inclusive a sade dos ecossiste-mas dos quais depende a sobrevivncia do ho-mem), que resulta de um efeito ambiental e est ligada diferena na qualidade do meio ambien-te com e sem a ao humana em questo..

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    luz das definies citadas, Impacto Ambiental entendido nesta pesquisa como processo de mudanas sociais e ecol-gicas causado por uma nova ocupao, construo de uma usina, uma estrada ou uma indstria no ambiente. Mudanas essas que podem ser negativas ou positiva, ou, ainda, ambos os casos, sendo consequncia da mesma situao.

    Impacto Ambiental , portanto, processo em movimento permanente, inscrito no tempo e incidindo de formas di-ferenciadas, modificando as estruturas das classes sociais e reestruturando o espao (COELHO, 2001).

    Um dos tipos de impacto ambiental de maior visibilidade atualmente a poluio. A Lei n 6.938/81, em seu artigo 3, incisos II e III, da Poltica Nacional de Meio Ambiente, esta-belece os conceitos de degradao da qualidade ambiental e de poluio (ARAJO, 2001: 351):

    II degradao da qualidade ambiental, a alterao adversa das caractersticas do meio ambiente;

    III poluio, a degradao da qualidade ambiental resultante da atividade que direta ou indiretamente:

    a)prejudique a sade, a segurana e o bem-estar da populao;b)crie condies adversas s atividades sociais e econmicas;c)afete desfavoravelmente a biota;d)afete as condies estticas ou sanitrias do meio ambiente;e)lance matrias ou energia em desacordo com os padres ambientais estabelecidos.

  • 46 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)Valria Maria Santana Oliveira

    Poluio, portanto, pode ser definida como:

    A presena de substncias ou efeitos fsicos estranhos a um determinado ambiente, em quantidade tal que afete o seu equilbrio, degra-dando a estrutura de sua composio e do seu funcionamento (LAGO & PDUA, 1985: 78).

    Atualmente, a poluio do ar configura-se num problema mundial, tendo como agravante o fato de estar ultrapassan-do o limite de autodepurao da atmosfera. Esta capacida-de de assimilar as emisses de poluentes varia conforme fa-tores diversos como poca do ano, condies atmosfricas, localizao dos despejos e natureza das fontes de emisses (BRANDO, 2001: 72).

    O constante aumento da poluio do ar deve-se, em gran-de parte, s modificaes dos padres de consumo, decor-rentes da Revoluo Industrial, ocorrida em meados do s-culo XVIII. A utilizao em grande escala de combustveis, os processos industriais, o uso de automveis, e o prprio crescimento demogrfico, configuram-se entre os fatores que, ao longo da histria, contriburam para uma emisso crescente de poluentes nocivos na atmosfera.

    Os efeitos da poluio do ar podem manifestar-se na sade, no bem-estar da populao, na fauna e flora. Seus efeitos podem ser reduo de visibilidade, chuva cida, efeito estu-fa, entre outros (ASSUNO; MALHEIROS, 2005: 139).

    Atualmente, os veculos so a principal fonte de emisso de poluentes na atmosfera de origem antrpica, ou seja, pela ao do homem. Dentre estas, de origem antrpica, desta-ca-se tambm a emisso de poluentes oriundas das ativida-des industriais. Diversos so os casos no Brasil de impactos

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    ambientais, com graves danos sade de populaes resi-dentes em regies de grandes indstrias.

    Alguns exemplos significativos so citados por Barbosa (1995): a cidade operria de Perus, So Paulo; Cubato, nes-te mesmo estado e o Plo Petroqumico de Camaari, Bahia. Em Sergipe, os casos mais emblemticos ficam por conta das duas Fbricas de cimento implantadas no Estado: a ex-tinta Companhia de Cimento Portland de Sergipe e a atual CIMESA, em Laranjeiras.

    De forma geral, as consequncias relacionadas sade, de-correntes da poluio atmosfrica podem ser: desconfor-to, aumento da taxa de morbidade (doenas), aumento da procura ao sistema de sade, maior nmero de absentes-mo no trabalho, irritao nos olhos e nas vias respiratrias, reduo da capacidade pulmonar, doenas do aparelho respiratrio (asma, bronquite, enfisema, edema pulmonar, pneumoconioses) e, conforme estudos mais recentes, mor-talidade intra-uterina (ASSUNO; MALHEIROS, 2005: 140).

    Os efeitos da poluio do ar sobre a sade so vastamente estudados na atualidade. A tabela a seguir destaca os efei-tos de alguns poluentes sobre a sade humana.

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    Quadro 1.1: Efeitos da Poluio do Ar na Sade:

    POLUENTES PRINCIPAISFONTES EFEITOS NA SADE

    Dixido de Enxo-fre (SO2)

    Indstrias e veculos a diesel

    Provoca coriza e danos irreversveis aos pulmes.

    Em doses altas pode ser fatal.

    Tambm afeta plantas e espcies mais sensveis, e contribui para a destruio do patrimnio histrico, acidificao do solo e corpos dgua.

    Material parti-culado (fumaa, poeira, fuligem)

    Veculos movidos a diesel, indstrias, desgastes dos pneus e freios de veculos em geral. Ressus-penso de poeiras assentadas.

    Agrava quadros alrgicos, de asma e bronquite.

    Pode ser carcinog-nica.

    As poeiras mais grossas ficam retidas no nariz e na garganta, causando irritao e fa-cilitando a propagao de infeces gripais.

    As poeiras mais finas (partculas inalveis) chegam aos pulmes, agravando casos de doenas respiratrias ou do corao.

    Continua...

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    POLUENTES PRINCIPAISFONTES EFEITOS NA SADE

    Hidrocarbonetos (HC)

    Queima incompleta e evaporao dos combustveis (lco-ol, gasolina e diesel) e outros produtos volteis.

    Responsvel pelo aumento da incidncia de cncer no pulmo.

    Provocam irritao nos olhos, nariz, pele e aparelho respiratrio.

    Fonte: Adaptado de MACEDO, 2001: 325.

    Barbosa (1995) aponta para a necessidade de serem anali-sados outros aspectos que tambm repercutem na relao sade/ambiente. Alguns fatores podem atuar isoladamente ou em conjunto com outros, de forma que as condies so-cioeconmicas, o posicionamento geogrfico e as variveis climticas podem resultar numa maior ou menor exposio aos poluentes, pois o meio fsico propiciador de nume-rosos fatores que, em certas situaes podem favorecer ou estimular a doena (NATAL, 2004: 356).

    No entanto, Barbosa (1995: 195) ressalta que, em regies industriais, observam-se mudanas qualitativas no padro de morbimortalidade. Nessas regies, doenas parasitrias e infecciosas deram lugar aos mais variados tipos de cncer, doenas cardiovasculares etc. Alguns autores constataram essas mudanas em diversas regies.

    Na preveno e controle da poluio do ar, medidas tec-nolgicas so importantes, porm, dois outros aspectos devem ser seriamente levados em considerao: o plane-jamento do assentamento de ncleos urbanos e industriais

    Continuao...

  • 50 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)Valria Maria Santana Oliveira

    e a ao sobre a fonte de emisso. O planejamento criterio-so do zoneamento urbano deve disciplinar a ocupao do solo. Isto evitaria incompatibilidades, como os diversos ca-sos de indstrias instaladas em regies que, posteriormen-te, apresentaram crescimento populacional no seu entorno (ARAJO, 2001: 391).

    Dando suporte ao controle da poluio nos anos 1980, so criadas no Brasil as leis para a regulamentao da ativida-de industrial quanto poluio. Exemplo disto foi a Lei n 6.938 de 31 de agosto de 1981, a Lei da Poltica Nacional de Meio Ambiente, cujas caractersticas principais eram o carter descentralizado e o reconhecimento e estmulo participao da sociedade.

    A dcada de 80 registra o surgimento de um grande nmero de associaes e de conselhos de mbito municipal, dando ao movimento ambientalista a capilaridade necessria para influenciar de fato as polticas pblicas de meio ambiente (URBAN, 2001: 44).

    Alm da Poltica Nacional de Meio Ambiente, entre as prin-cipais polticas pblicas relacionadas ao meio ambiente, destacam-se a Poltica Nacional de Recursos Hdricos (Lei n. 9.433/97, alterada pela Lei n. 9.984/00), a Poltica Nacional de Educao Ambiental (Lei n. 9.795/99) e a Poltica Nacio-nal de Desenvolvimento Urbano (Lei n. 10.257/01).

    Mesmo com todos estes dispositivos legais, fundamental a conscientizao por parte dos responsveis pelas fontes poluidoras, como tambm, da populao, pois, como afir-mam Assuno e Malheiros (2005: 165):

    A educao ambiental da populao e dos em-presrios de grande relevncia para que a ao

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    de controle funcione. No adianta ter boas leis se a populao no estiver engajada no proces-so e se os meios empresariais no estiverem mo-tivados para essa ao..

    Comparativamente a outros pases, a legislao brasileira avanada, porm, os comportamentos individuais esto muito aqum do discurso. a diferena entre a realidade e a retrica: possumos polticas pblicas que contribuem para a proteo ambiental, mas, por outro lado, o poder pblico incapaz de fazer cumprir a legislao ambiental (FERREI-RA, 2003). Cabe aos cidados cobrar dos rgos competen-tes medidas eficazes que assegurem qualidade de vida para todos atravs de um ambiente saudvel.

    1.4 Movimentos Sociais e Conflitos Socioambientais

    Para a anlise da definio de Movimentos Sociais proposta neste captulo, tomamos por base o conceito elaborado por Gohn (2004: 51):

    Movimentos sociais so aes sociopolti-cas construdas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenrios da conjuntura socioeconmica e poltica de um pas, criando um campo poltico de fora so-cial na sociedade civil.

    Para a sociloga, os movimentos sociais tm sempre um carter poltico inserindo as demandas socioeco-nmicas, polticas e culturais na esfera pblica. Neste processo, atores individuais atuam como representan-tes e veculos que transmitem as mensagens e ideolo-gias dos movimentos.

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    Esta identificao de sujeitos coletivos em torno de valores, ob-jetivos e projetos em comum denominada de Rede de Movi-mentos Sociais. Conforme define Sherer-Warren (2006: 113):

    A ideia de rede de movimento social , portanto, um conceito de referncia que busca apreender o porvir ou o rumo das aes de movimento, trans-cendendo as experincias empricas, concretas, datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos.

    Na atualidade, para que um movimento social ganhe visibi-lidade, cada vez mais necessrio que este se articule com outros grupos cuja identidade social seja a mesma.

    O movimento social, segundo Sherer-Warren (loc. cit.), Se constituiu em torno de uma identidade ou identificao, da definio de adversrios ou opositores de um projeto ou utopia, num contnuo processo em construo.

    Peter Burke (2002) distingue dois tipos de movimentos so-ciais: os que do origem a um processo de mudana e os que reagem s mudanas j em curso. O historiador afirma que o segundo tipo reativo o mais comum, principal-mente aqueles que protestam contra mudanas sociais ou econmicas que se configurem numa ameaa sua forma tradicional de vida.

    J Ammam considera ambgua e imprecisa a noo de mo-vimentos sociais, j que, embora eles existam h muitos s-culos, s se tornaram objeto de estudo das cincias sociais recentemente. Diante desta realidade, a autora formula seu prprio conceito; para ela movimento social uma ao coletiva de carter contestador, no mbito das relaes so-ciais, objetivando a transformao ou a preservao da or-dem estabelecida na sociedade (AMMAM, 1991: 22).

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    No entanto, Castells (1985 apud GOHN, 2004) afirma que os movimentos sociais no so agentes de transformao da sociedade por possurem limites polticos e tcnicos. So, po-rm, essenciais para uma gesto democrtica. Sem eles no h reformas urbanas, pois estas no ocorrem sem presso.

    De fato, ao observarmos a dinmica da sociedade moderna, podemos constatar que as presses exercidas pela popu-lao organizada funcionam como um termmetro da real situao da sociedade, seus anseios e necessidades.

    Gohn (2004: 266) define o que seriam as fases de um movi-mento social:

    1. Situao de carncia ou ideias e conjunto de metas e valores a atingir;

    2. Formulao das demandas por um pequeno n-mero de pessoas (lideranas e assessorias);

    3. Aglutinao de pessoas (futuras bases do movi-mento) em torno das demandas;

    4. Transformao das demandas em reivindicaes;

    5. Organizao elementar do movimento;

    6. Formulao de estratgias;

    7. Prticas de difuso (jornais, conferncias, repre-sentaes teatrais etc.) e/ou execuo de certos projetos (estabelecimento de uma comunidade re-ligiosa, por exemplo);

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    8. Negociao com os opositores ou intermedirios por meio dos interlocutores;

    9. Consolidao e/ou institucionalizao do movimento.

    Estas fases, no entanto, no so necessariamente sequen-ciais, nem se baseiam numa viso evolutiva da realidade. So, porm, fundamentais para o entendimento da dinmi-ca de um movimento social, suas principais caractersticas e objetivos. Estas fases podem estar presentes sem que ne-cessariamente ocorram nesta ordem

    1.5 Novos Movimentos Sociais

    A partir dos anos 70 do sculo passado, o paradigma em voga nas Cincias Sociais passa a ser o dos Novos Movi-mentos Sociais, elaborado a partir da crtica abordagem clssica marxista, defendida por tericos como: Claus Offe, Alberto Melucci, Laclau, Mouffe e Alain Touraine. As prin-cipais caractersticas desse paradigma so: a construo de um modelo terico baseado na cultura; a negao do marxismo como campo terico capaz de explicar a ao coletiva da sociedade contempornea; entendimento dos participantes das aes coletivas como atores sociais; cen-tralidade da poltica, passando a ser uma dimenso da vida social, abarcando todas as prticas sociais; e, finalmente, a anlise dos atores sociais sob os aspectos de suas aes co-letivas e da identidade coletiva criada no processo.

    Porm, a prpria categoria do novo que nomeia o paradig-ma ainda uma questo aberta. Na verdade, o que h de novo uma nova forma de fazer poltica e a politizao de novos temas. Gohn (2004: 268-271), por sua vez, rejeita a di-viso entre novos e velhos movimentos sociais, preferindo

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    agrup-los em categorias independentes da contempora-neidade, a saber:

    1 categoria: movimentos construdos a partir da origem social da instituio que apia ou obriga seus demandatrios;

    2 categoria: movimentos sociais construdos a partir das caractersticas da natureza humana: sexo, idade, raa e cor;

    3 categoria: movimentos sociais construdos a par-tir de determinados problemas sociais;

    4 categoria: movimentos sociais construdos em funo de questes da conjuntura das polticas de uma nao (socioeconmica, cultural etc.); 5 categoria: movimentos sociais construdos a par-tir de ideologias..

    Na terceira categoria, elencada, encontram-se os movi-mentos pela preservao do meio ambiente tais como: movimentos ecolgicos; movimentos pacifistas; de pre-servao do patrimnio histrico; em defesa dos animais e plantas em geral.

    Em nvel mundial, a exploso do movimento ambientalista deu-se na dcada de 1960. Alguns fatores foram decisivos naquele momento, tais como: a conscincia acerca dos efei-tos do ps-guerra e dos testes atmicos; as denncias de de-sastres e contaminaes ambientais no livro Primavera Silen-ciosa (Silent Spring), publicado por Rachel Carson em 1962; o avano no conhecimento cientfico relacionado temtica ambiental; a publicao de estudos antropolgicos sobre os

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    valores e estilo de vida dos povos tradicionais e a influncia de outros movimentos sociais (PELICIONI, 2004).

    No Brasil, o ambientalismo passa a ter maior expresso a partir da dcada de 1970, sob a influncia da Conferncia de Estocolmo (1972) e do incio do processo de liberaliza-o poltica. As aes iniciais estavam voltadas para a de-nncia e a conscientizao sobre a degradao ambiental. Foi marcante naquele momento a influncia dos movimen-tos ecolgicos estrangeiros (Europa e Estados Unidos), por conta do retorno ao Brasil de ativistas polticos anistiados.

    Na transio para a dcada de 1980, o discurso ambientalista no obteve grande relevo entre os temais mais debatidos. Tal fato ocorreu devido tentativa de legitimao do desenvol-vimentismo por parte do Regime Militar. Em consequncia das desigualdades sociais acentuadas pelo crescimento eco-nmico, os movimentos sociais, naquele momento, tinham seus discursos voltados mais para o problema da pobreza do que para a preservao do meio ambiente. A sociedade ainda estava despertando para a problemtica ambiental. Apesar disto, houve iniciativas para o aprimoramento dos instrumentos legais de gesto ambiental, com a insero de alguns ambientalistas no campo poltico e profissionalizao das ONGs ambientalistas (JACOBI, 2003).

    Na segunda metade desta mesma dcada, a temtica am-biental assume um papel relevante. Tendo conseguido des-taque na Constituio de 1988, a legislao ambiental bra-sileira tornou-se uma das mais modernas do mundo.

    Para alm das denncias, as entidades ambientalistas pas-saram formulao de alternativas viveis para a preserva-o do meio ambiente. Com o agravamento da crise eco-nmica no Brasil e a divulgao do Relatrio Nosso Futuro

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    Comum, o tema do desenvolvimento econmico foi final-mente incorporado ao discurso ambientalista.

    As reflexes e prticas voltadas para o Desenvolvimento Sus-tentvel ganharam maior visibilidade com a realizao da Rio-92. A partir deste evento, o movimento ambientalista brasilei-ro passou a situar-se num espao multissetorial, interagindo melhor internamente e com entidades internacionais. Jacobi (2003: 526) afirma que uma das caractersticas mais importan-tes do ambientalismo a diversidade de atores e prticas que lhe confere este carter de multissetorializao.

    O socioambientalismo se torna parte constitu-tiva de um universo cada vez mais amplo de or-ganizaes no-governamentais e movimentos sociais. Isto ocorre na medida em que os grupos ambientalistas influenciam diversos movimen-tos sociais que, embora no tenham como seu eixo central a problemtica ambiental, incor-poram gradativamente a proteo ambiental como uma dimenso relevante do seu trabalho.

    Viola (1991) denomina scioambientalismo os movimentos sociais influenciados pelo ambientalismo. O autor inclui os seguintes grupos nesta categoria:

    1. o movimento dos atingidos por barragens;

    2. o movimento dos seringueiros;

    3. os movimentos indgenas;

    4. alguns setores dos movimentos dos trabalhadores rurais sem terra;

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    5. os setores do movimento de mulheres;

    6. os setores dos movimentos de bairros;

    7. o movimento pacifista;

    8. os movimentos em defesa do consumidor;

    9. os movimentos pela sade ocupacional;

    10. um setor reduzido do movimento estudantil e

    11. os grupos para o desenvolvimento do poten-cial humano.

    Fica evidenciada nos grupos citados a integrao do discur-so ecologista com outros movimentos sociais. Para Vargas (1999: 63), o ambientalismo evoluiu para o social, incorpo-rando como prioridade a defesa da cidadania. Para a auto-ra, o ambientalismo no se encontra ultrapassado, ao con-trrio, evoluiu:

    A evoluo e a mudana so claramente visua-lizadas na adjetivao. No h mais sentido em firmar-se como movimento ecolgico ou mo-vimento ambientalista. fundamental que se posicione como movimento social e evidente que esta evoluo deu-se pela prtica dos movi-mentos ambientalistas (VARGAS, 1999: 63).

    O movimento ecolgico difundiu-se e cresceu, deixando para trs a imagem de movimento extico. Adquiriu reco-nhecimento de sua importncia como ator no cenrio de luta e crtica ao regime autoritrio (MENEZES, 1996: 43) que prevaleceu no Brasil at meados da dcada de 1980. Este foi tambm um perodo em que os pases do Terceiro Mun-

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    do tornaram-se uma nova fonte de estudos sobre os Movi-mentos Sociais ao entrarem em cena novos personagens, novas problemticas e novos cenrios sociopolticos. Com o surgimento de movimentos operrios e populares de cunho contestador ordem estabelecida emergiram novos sujeitos coletivos: [...] eram os novos movimentos de bair-ro, que se constituram num processo de auto-organizao, reivindicando direitos e no trocando favores como os do passado (SADER, 1988: 35-36).

    Estes movimentos de bairro surgiram num perodo de ex-panso da industrializao, numa poca de constantes mi-graes das reas rurais para as reas urbanas. Com efeito, suas reivindicaes sofreram influncia direta das demandas da classe trabalhadora, concentrada nas periferias urbanas.

    Durante o perodo ditatorial no Brasil, as associaes de moradores desempenharam papel fundamental na organi-zao dos pobres, mobilizando as comunidades em busca de melhorias para seus bairros. Com a revogao do Ato Institucional n. 5, abriram-se novas possibilidades para a organizao das bases. Neste contexto, os movimentos po-pulares desempenharam um papel decisivo no processo poltico (ALVES, 1984). Ao reivindicarem melhores condi-es de vida, expuseram as contradies de um Estado que tende historicamente a favorecer os interesses do grande capital (MENEZES, 1996: 42).

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    A partir do perodo de liberalizao nos governos Geisel e Fi-gueiredo houve a rpida multiplicao dos movimentos de bairro. Lopes lembra que:

    A experincia dos movimentos sociais brasilei-ros surgidos no processo de redemocratizao e de luta contra o regime autoritrio propiciou a busca por polticas pblicas favorecendo uma maior participao popular (LOPES, 2004: 28).

    Herkenhoff (1995: 45) sintetiza a relevncia da atuao das associaes de bairro:

    Apesar de ter a histria do Brasil sido condu-zida por uma estrutura de poder contrria igualdade e construo de costumes e de valores compatveis com a participao co-letiva e o exerccio da cidadania, possvel

    Fonte: Acervo da AMABA

    Figura 3: Manifestao contra a poluio realizada na Praa Fausto Cardoso em Aracaju (1986)

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    vislumbrar uma cultura poltica mais direcio-nada s democracias contemporneas, princi-palmente atravs de experincias associativas imbudas de um ideal de autonomia, de liber-dade de organizao, da construo coletiva de um conjunto de direitos, etc.

    ainda neste contexto que tambm emergiram novas mo-dalidades de elaborao das condies de vida das classes populares e de expresso social (SADER, 1988: 311). Neste sentido, o autor analisa os discursos de diversos atores so-ciais, partindo do pressuposto de que os sujeitos envolvidos em lutas sociais, para a elaborao de suas representaes sobre os acontecimentos e sobre si mesmo, recorriam a ma-trizes discursivas constitudas. Estas so entendidas como modos de abordagem da realidade que implicam diversas atribuies de significado (Ibidem: 143).

    Foram identificados ento trs centros de elaborao de dis-cursos e suas respectivas matrizes discursivas: a Igreja Catlica, com a Teologia da Libertao; grupos de esquerda desarticula-dos, trabalhando com a matriz marxista; e o novo sindicalismo, com a matriz sindicalista. Cada uma dessas matrizes foi adap-tada, mesclada e modificada pelos movimentos sociais a cada situao. Em situaes de crise tais grupos passaram a abrir espao para reelaboraes dos seus discursos.

    Assim sendo, a seguir, analisaremos o discurso da Igreja Catlica devido ao papel relevante que a mesma desempe-nhou no movimento social abordado nesta pesquisa.

    1.6 Matrizes Discursivas: o Discurso da Igreja Catlica (1970-1980)

    A partir dos anos 1950, a Igreja Catlica comea a tomar conscincia da perda de sua influncia sobre a populao

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    mais pobre devido expanso do pentecostalismo e um-banda e ao afastamento de fiis. Na dcada de 60, com a instalao da Ditadura Militar no Brasil, setores da Igreja opunham-se ordem estabelecida por este regime poltico, estimulados pelo Conclio Vaticano II que encorajava a par-ticipao ativa de grupos comunitrios. Esta tendncia foi reforada na Conferncia dos Bispos Latino-Americanos em Medelln, em 1968. Com o objetivo de aplicar as diretrizes do Vaticano II, a Declarao de Medelln teve como carac-terstica principal o apelo a uma participao da Igreja na transformao da Amrica Latina e a denncia das estrutu-ras sociais que geram profundas desigualdades, explorao e misria (SADER, 1988).

    No entanto, apesar de a Teologia da Libertao ter contri-budo para reafirmar a Igreja Catlica, seus adeptos foram alvo de reaes polticas e at mesmo religiosas. emble-mtica a frase do bispo Dom Hlder Cmara: Quando dou de comer aos pobres, dizem que sou um santo; quando denuncio as causas da pobreza, dizem que sou comunista (HOUTART, 2002: 68).

    A matriz discursiva crist da Teologia da Libertao am-pliou a noo de opresso do paradigma marxista e substituiu o conceito de classe dominada pelo de povo oprimido. Esta caminhada da libertao, segundo She-rer-Warren (2002: 169) tinha como objetivo a mudana social: Busca-se uma transformao tica (crist) nos in-divduos, baseada nos princpios de solidariedade, esp-rito comunitrio e de capacidade crtica dos oprimidos com vista a construo de uma sociedade livre de todas as formas de opresso (Reino de Deus).

    Nas dcadas de 1970 a 1980, acontece a expanso das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), cujo tema central dos dis-

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    cursos era a libertao em oposio opresso. Sader (1998) compara a noo de libertao presente nas falas pastorais com a noo de revoluo dos discursos socia-listas e comunistas, ocupando, segundo ele, o mesmo lugar nas matrizes discursivas.

    Esta postura da Igreja Catlica de voz dos que no tm voz foi demonstrada no perodo de represso. Durante o chamado Estado de Segurana Nacional, a Igreja Catlica atuou decisivamente na defesa de vtimas de perseguio e na denncia s violncias do Estado. Segundo Alves:

    A hierarquia catlica brasileira evoluiu de uma posio conservadora ou neutra, no passado, para a firme defesa dos direitos humanos e a oposio s diretrizes sociais, polticas e econ-micas do Estado (ALVES,1984: 203).

    A importncia da compreenso do discurso da Igreja Cat-lica no perodo em questo relaciona-se diretamente com a anlise dos fatos que compem esta pesquisa, por auxi-liarem no entendimento dos conflitos ocorridos no Bairro Amrica. Como explica Gohn (2004: 251), as condies para um movimento ter maior ou menor fora social depen-de do lugar do conflito social em questo no cenrio da luta social mais geral.

    Amman (1991) afirma que o ponto de clivagem dos movi-mentos sociais a contestao, o protesto. Aqui, acrescen-tamos mais um ponto: o conflito.

  • 64 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)Valria Maria Santana Oliveira

    1.7 Conflitos Socioambientais: em Busca de uma Definio

    Para a compreenso de fatos relacionados Fbrica de Cimento, buscamos identificar os conceitos de conflitos. A anlise deste termo tem como objetivo importante via-bilizar o enquadramento dos embates ocorridos no Bairro Amrica em uma tipologia.

    Os conflitos esto presentes ao longo de toda a histria humana. Na atualidade, os conflitos socioambientais so frequentes, em especial, devido ao modelo de desenvolvi-mento econmico vigente. De acordo com George Simmel (apud NASCIMENTO), conflitos

    [...] so meios pelos quais os atores sociais dirimem suas divergncias, interesses antagnicos ou pon-tos de vista conflitantes, possibilitando que a so-ciedade alcance uma certa unidade. Os conflitos so fatores de coeso social, e no de distrbio (SIMMEL apud NASCIMENTO, 2001: 94).

    Os conflitos so elementos integrantes da sociedade mo-derna e para analis-los, portanto, devem ser levados em considerao os seguintes aspectos: a natureza do conflito, os atores sociais envolvidos, o campo especfico, o objeto em disputa, a lgica ou dinmica de evoluo, os mediado-res e a tipologia.

    Com o objetivo de realizar um estudo mais especfico, bus-camos o conceito de conflitos ambientais. Acselrad (2004a: 26) assim os define:

    Os conflitos ambientais so, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferen-ciados de apropriao, uso e significao do terri-trio, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de

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    apropriao do meio que desenvolvem ameaa-da por impactos indesejveis transmitidos pelo solo, gua, ar ou sistemas vivos decorrentes do exerccio das prticas de outros grupos.

    Esta definio bastante completa no sentido de que inse-re no campo de disputa, de um lado, aqueles que de algu-ma forma so os causadores dos problemas geradores de conflitos e, de outro, os que, por se sentirem prejudicados, partem para o enfrentamento.

    Ainda segundo Acselrad:

    Os conflitos ambientais eclodem quando impac-tos indesejveis, transmitidos pelo ar, pela gua ou pelo solo, comprometem a coexistncia locali-zada entre distintas prticas sociais de uso do ter-ritrio e de seus recursos (ACSELRAD,2004b: 9).

    Buscando um termo que se apresente ainda mais ade-quado aos objetivos deste trabalho, incorporamos a noo de Conflito Socioambiental que vem reforar as conceituaes expostas anteriormente. Este pode ser definido como disputas entre grupos sociais consequen-tes das distintas formas de uso do meio natural (LITTLE, 2001; ALEXANDRE, 2003).

    Pois, segundo:

    O conceito socioambiental engloba trs dimen-ses bsicas: o mundo biofsico e seus mltiplos ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento dinmico e interdepen-dente entre esses dois mundos (Little, 2001: 107).

    Little (2001) apresenta uma tipologia dos conflitos socioam-bientais, a saber: conflitos em torno do controle dos recur-sos naturais; conflitos em torno dos impactos gerados pela

  • 66 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O Caso de Uma Fbrica de Cimento em Aracaju/ SE (1967-2000)Valria Maria Santana Oliveira

    ao humana e natural; e, finalmente, conflitos em torno do uso dos conhecimentos ambientais. Em relao ao caso em estudo nesta pesquisa, o enquadramos no segundo tipo de conflito por se tratar de uma situao em que a interveno humana no meio natural resultou em impactos tanto para o meio a