conflitos

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PREVENÇÃO DE CONFLITOS “É quase universalmente reconhecido que mais vale prevenir do que remediar, e que as estratégias de prevenção devem atacar as raízes dos conflitos e não apenas os actos de violência que são os seus sintomas.” Kofi Annan, Relatório do Milénio Estatísticas Fundamentais No ano 2000, completar-se-ão 55 anos sem um conflito entre as maiores potências mundiais, o que representa o mais longo período desse tipo na história do sistema de Estados moderno. O ano 2000 representa também o final de uma década em que as guerras civis, a limpeza étnica e os actos de genocídio – alimentados por armas que estão ao alcance de todos no mercado mundial de armamentos – provocaram a morte de mais de 5 milhões de pessoas, em grande parte, ou na sua maioria, civis. Quase um terço de todos os países do mundo estiveram envolvidos em conflitos violentos, nos últimos dez anos. Na década de 1990, os conflitos mortais tiveram um custo, para a comunidade internacional, estimado em 200 mil milhões de dólares; este montante não inclui o custo incalculável para os países envolvidos, onde o desenvolvimento económico irá sofrer um atraso de décadas. Por nomeação do Secretário-Geral, mais de 40 diplomatas eminentes e funcionários superiores das Nações Unidas desempenham actualmente funções como representantes especiais, enviados pessoais ou conselheiros encarregados de chefiar missões de manutenção da paz ou de consolidação da paz ou de acompanhar a evolução das situações, de usar de bons ofícios e de agir como mediadores.

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PREVENÇÃO DE CONFLITOS

“É quase universalmente reconhecido que mais vale prevenir do que remediar, e que as estratégias de prevenção devem atacar as raízes dos conflitos e não apenas os actos de violência que são os seus sintomas.”

Kofi Annan, Relatório do Milénio

Estatísticas Fundamentais No ano 2000, completar-se-ão 55 anos sem um conflito entre as maiores potências

mundiais, o que representa o mais longo período desse tipo na história do sistema de Estados moderno.

O ano 2000 representa também o final de uma década em que as guerras civis, a limpeza étnica e os actos de genocídio – alimentados por armas que estão ao alcance de todos no mercado mundial de armamentos – provocaram a morte de mais de 5 milhões de pessoas, em grande parte, ou na sua maioria, civis.

Quase um terço de todos os países do mundo estiveram envolvidos em conflitos violentos, nos últimos dez anos.

Na década de 1990, os conflitos mortais tiveram um custo, para a comunidade internacional, estimado em 200 mil milhões de dólares; este montante não inclui o custo incalculável para os países envolvidos, onde o desenvolvimento económico irá sofrer um atraso de décadas.

Por nomeação do Secretário-Geral, mais de 40 diplomatas eminentes e funcionários superiores das Nações Unidas desempenham actualmente funções como representantes especiais, enviados pessoais ou conselheiros encarregados de chefiar missões de manutenção da paz ou de consolidação da paz ou de acompanhar a evolução das situações, de usar de bons ofícios e de agir como mediadores.

Mais vale prevenir…

De um modo geral, não se pensaria que controlar o comércio de diamantes ajudaria a evitar os conflitos armados. Geralmente, pensa-se nos diamantes como algo muito belo. Para muitas pessoas, são símbolos de amor e dedicação. Não costumamos perguntar donde vêm nem quem os extraiu e, em regra, não os associamos a guerras civis. Infelizmente, alguns diamantes – os chamados “diamantes sangrentos” – são extraídos ilegalmente e usados para comprar armas ligeiras.

Na Serra Leoa, uma luta brutal ceifou milhares de vidas e, violando o acordo de paz, os rebeldes prosseguem essa luta. Esses grupos controlam as zonas diamantíferas do país e usam os seus lucros ilegais para financiar a sua guerra. Em 5 de Julho de 2000, num esforço para controlar este tráfico ilícito, o Conselho de Segurança proibiu a importação de diamantes da Serra Leoa que não sejam provenientes do mercado lícito.

Esta proibição insere-se na crescente determinação do Conselho de Segurança em evitar a utilização ilícita dos recursos naturais para alimentar os conflitos armados. A indústria dos diamantes começou também a desempenhar o seu papel para garantir que se põe termo ao comércio dos “diamantes sangrentos”. A Associação Internacional de Industriais de Diamantes e a Federação Internacional de Bolsas de Diamantes anunciaram recentemente um sistema de certificados destinado a provar a origem dos diamantes.

… do que remediar

Os conflitos surgem de uma forma normal e contínua na sociedade humana. Nem sempre são violentos e podem nem sequer constituir um problema. São um meio pelo qual expressamos a nossa diversidade ou provocamos uma mudança. Quando o conflito existente no seio de uma sociedade é gerido e transformado adequadamente, pode inclusive provocar o crescimento. Por outro lado, quando os grupos em confronto não têm capacidade de manter o conflito controlado, e quando outros factores – como a injustiça, a desigualdade ou as aspirações não satisfeitas – se encontram presentes, os conflitos podem tornar-se violentos e prolongar-se no tempo.

Os conflitos armados podem ter consequências terríveis e alguns suportam directamente essas consequências. Perdem um membro da família ou têm de abandonar o seu lar. Vivem com um braço ou uma perna mutilados. Outros assistem ao sofrimento dos amigos ou conhecidos que sofrem essas perdas. Outros ainda sabem destas tragédias pelos jornais ou pela televisão.

As estatísticas contam-nos uma história sinistra. Durante o último século, as guerras entre países ceifaram a vida a cerca de 100 milhões de pessoas, e a violência política levou à perda de mais 170 milhões de vidas. Hoje em dia, o número de conflitos inter-Estados parece estar a diminuir. No nosso tempo, as pessoas morrem sobretudo em virtude de guerras dentro das nações – provocadas por insurreições, limpeza étnica e cobiça. Nos últimos dez anos, cinco milhões de pessoas morreram em conflitos armados dentro de fronteiras nacionais. Muitas dessas vítimas, em alguns casos até 90%, foram civis. As guerras actuais produziram cerca de 20 milhões de refugiados e mais 24 milhões de pessoas deslocadas.

Estes conflitos destroem as vidas das suas vítimas e a qualidade de vida dos sobreviventes. O seu legado são a ruína social e anarquia generalizadas. Atrasam durante décadas o desenvolvimento económico. E quem pode calcular o custo, em termos sociais, da perda de médicos, professores e outros profissionais, quando as escolas e as infra-estruturas são destruídas? Como se mede, num país, o impacte da perda de uma geração dos seus filhos?

Combater as causas básicas

As catástrofes naturais podem ser explicadas cientificamente, mas é muito mais difícil perceber as causas da guerra. O comportamento social não está subordinado a leis físicas, como acontece com os ciclones ou os terramotos. As pessoas fazem a sua própria história, por vezes violentamente e outras de modo inexplicável. As forças em acção podem ser muito complexas e, no entanto, se quisermos ser bem sucedidos na prevenção de conflitos letais, temos de ter uma compreensão clara daquilo que os provoca.

É possível identificar algumas situações que aumentam a probabilidade de guerra.

Pobreza. Nos últimos anos, por exemplo, foi mais provável os países mais pobres envolverem-se em conflitos armados do que os países ricos. Os países pobres têm menos recursos políticos e económicos para gerir os conflitos. No entanto, a pobreza em si mesma não parece ser o factor decisivo, e a maior parte dos países pobres vive em paz durante a maior parte do tempo.

Desigualdade . Os países atingidos pela guerra apresentam, frequentemente, desigualdades entre os seus grupos sociais. Esta desigualdade pode basear-se em factores étnicos, religião, identidade nacional ou classe económica e social. O seu efeito é impedir o acesso ao poder político em condições de igualdade e bloquear o caminho para uma mudança pacífica. Por vezes, os conflitos violentos surgem em consequência da mobilização deliberada dos ressentimentos. A “política da identidade” – a promoção de mitos étnicos, religiosos ou nacionalistas e de

ideologias desumanizantes – proporciona aos demagogos políticos oportunidades fáceis de mobilizarem o apoio a causas chauvinistas. Isso é especialmente verdade em virtude de menos de 20% de todos os Estados serem homogéneos etnicamente.

Regressão económica . Em virtude da sua própria natureza, as políticas de uma economia em retracção são mais propensas a conflitos do que as do crescimento económico. Além disso, quando as reformas económicas e os ajustamentos estruturais não são acompanhados de políticas sociais que os compensem, a estabilidade pode ser minada. Ademais, um Governo fraco tem pouca capacidade de deter a deflagração e o alastramento da violência.

Cobiça . Embora a guerra tenha custos elevados para a sociedade, pode, no entanto, ser rendível para alguns. Nestes casos, a luta gira em torno do controlo de recursos naturais, tais como os diamantes, a madeira ou outras mercadorias. Muitas vezes, as drogas também estão envolvidas. Estes conflitos são muitas vezes mantidos vivos por indivíduos ou interesses oportunistas em Estados vizinhos. Os interesses comerciais internacionais também podem estar envolvidos na compra de frutos ilícitos, na ajuda ao branqueamento de capitais e na manutenção de um fluxo regular de armas para a zona do conflito.

Prevenir é bom, mas…

Muitas organizações e indivíduos estão a trabalhar para evitar a eclosão de conflitos armados, ou para evitar que alastrem, quando surgem, ou para garantir que não voltarão a eclodir. A própria ONU foi fundada com o objectivo de “salvar a gerações vindouras do flagelo da guerra”.

No entanto, este reconhecimento generalizado de que é bom prevenir não se traduz necessariamente em apoio prático a medidas preventivas. Os Estados nem sempre estão de acordo quanto ao grau de “interferência externa” que permitirão nas suas lutas internas nem quanto a saber se será benéfico para os seus interesses evitar um conflito noutra parte do mundo. Ademais, é mais fácil reagir, quando acontece alguma coisa, do que agir para que algo não aconteça. Por esta razão, os dirigentes políticos podem achar que é difícil convencer a opinião pública dos seus países de que as políticas de prevenção no estrangeiro são algo em que se deve investir. Estas políticas podem ter custos elevados, e os benefícios – um acontecimento trágico que não se concretiza – são um conceito vago, quando comparados com os custos. Por esta razão, o Secretário-Geral Kofi Annan afirmou que “a prevenção é, antes de mais e acima de tudo, um desafio à liderança política”.

Instrumentos úteis

“Para as Nações Unidas, não existe um objectivo mais elevado, um empenhamento mais excitante, uma aspiração mais profunda do que a prevenção dos conflitos armados. Garantir a segurança da humanidade, no seu sentido mais amplo, é a missão fundamental das Nações Unidas. Os meios para realizar essa missão encontram-se na prevenção verdadeira e duradoura. A democratização, o estabelecimento do primado da lei e o respeito pelos direitos humanos são ingredientes vitais”.

Secretário-Geral Kofi Annan

A Carta das Nações Unidas fez da prevenção, bem como da eliminação das ameaças à paz e segurança mundiais, uma das prioridades das Nações Unidas e uma responsabilidade comum da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança, do Secretário-Geral, do Tribunal Internacional de Justiça e até do Conselho Económico e Social. De facto, o Conselho de Segurança realizou recentemente uma série de reuniões dedicadas especificamente à prevenção dos conflitos e reafirmou o seu papel ao tomar medidas que visam evitar conflitos armados.

Entre os instrumentos que se encontram à disposição destes órgãos contam-se a negociação, o pedido de informações, a mediação, a conciliação, a arbitragem e a resolução judicial. Em termos de acção preventiva, as Nações Unidas podem recorrer a:

Diplomacia preventiva

De um modo geral, não ouvimos falar muito de diplomacia preventiva, enquanto esta está a ser levada a cabo. Muitas vezes, trata-se de uma série de encontros de bastidores a alto nível. Pode também assumir a forma de mediação ou negociação e é melhor sucedida quando aplicada numa fase inicial. No final, é por vezes difícil os observadores saberem se a diplomacia preventiva evitou realmente a deterioração de uma situação ou se foi esta que, pura e simplesmente, se resolveu por si. Pelo contrário, é fácil ver quando a diplomacia preventiva falha.

Sobre o Conselho de Segurança recai a responsabilidade primordial pela diplomacia preventiva. O Conselho pode levar a cabo indagações e observações, pode impor sanções ou pode enviar uma missão de manutenção de paz. O Secretário-Geral também se dedica à diplomacia preventiva, muitas vezes directamente, por meio dos seus “bons ofícios”, e, por vezes, através de Representantes Especiais ou Enviados Especiais. Estas personalidades experientes e respeitadas funcionam como chefes de missões de manutenção de paz ou de consolidação da paz; representam o Secretário-Geral em processos de negociação morosos; desempenham missões especiais ou ajudam a acompanhar situações em evolução.

Os particulares e as organizações da sociedade civil também podem desempenhar um papel na prevenção, gestão e resolução de conflitos através daquilo a que se chama a “diplomacia dos cidadãos”. No processo de paz no Médio Oriente, por exemplo, foi um pequeno instituto de pesquisa norueguês que desempenhou o papel inicial importantíssimo de preparar o caminho para o Acordo de Oslo, de 1993.

Colocação preventiva de forças no terreno

A colocação preventiva de forças no terreno destina-se a criar uma “fina linha azul” para ajudar a reforçar a confiança em zonas de tensão ou entre comunidades altamente polarizadas. Até agora, houve apenas um caso de colocação preventiva de forças no terreno. Em 1992, a ex-República Jugoslava da Macedónia solicitou a colocação no terreno de observadores militares das Nações Unidas para evitar o possível alastramento para o seu território de uma guerra regional. Ao tomar esta iniciativa, o país mostrou que estava mais preocupado com a paz e a estabilidade do que com uma possível ideia de interferência estrangeira. (Ver Estudos de Casos, a seguir.)

Desarmamento preventivo

O desarmamento preventivo procura reduzir o número de armas ligeiras em regiões propensas a conflitos. Na Eslavónia Oriental, por exemplo, a missão de manutenção de paz das Nações Unidas levou a cabo um programa de “compras” entre os civis. Na Albânia, uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, chamado “Armas em troca de Desenvolvimento” deu apoio a projectos de desenvolvimento da comunidade em troca de armas pessoais e munições. Em El Salvador, Moçambique e noutros locais, as Nações Unidas ajudaram a desarmar forças de combate e a recolher e destruir as suas armas, como parte da implementação de um acordo de paz global. Outros esforços das Nações Unidas estão a ser dirigidos para a redução do tráfico de armas pessoais e armas ligeiras, as únicas armas que são utilizadas na maior parte dos conflitos dos nossos dias. Embora estas armas não provoquem a guerra, fornecem os meios para a realizar.

Consolidação de paz preventiva

Depois de os combates terminarem, é necessário agir para evitar que recomecem. Nos últimos anos, as Nações Unidas adoptaram uma abordagem mais ampla no que se refere à criação das condições necessárias para uma paz sustentável. Este processo pode incluir a manutenção de paz tradicional, a assistência eleitoral ou a criação de um gabinete de apoio à consolidação da paz para ajudar a estabelecer a boa governação ou restabelecer o respeito pelos direitos humanos e pelo primado da lei. Pode envolver não só as Nações Unidas mas também diversos organismos da ONU e outros participantes.

Na Guiné-Bissau, por exemplo, o Gabinete das Nações Unidas para Apoio à Consolidação da Paz está a trabalhar para coordenar uma resposta integrada aos desafios da consolidação da paz. (Ver Estudos de Casos, a seguir.) Na Libéria, a ONU está a apoiar a reconciliação nacional. Na Guatemala, leva a cabo uma série de actividades de consolidação da paz após conflito, para além de verificar os acordos de paz, proporcionar bons ofícios e realizar actividades de assessoria e informação pública. No Camboja, as Nações Unidas estão a auxiliar o Governo nos seus esforços de reconstrução nacional, incluindo o reforço das instituições democráticas e assistência na promoção e protecção dos direitos humanos.

Outras estratégias incluem a acção humanitária preventiva e actividades de desenvolvimento preventivas.

As sanções podem ser “discriminatórias”?

“… permitam-me que afirme que não basta, apenas, que tornemos as sanções ‘discriminatórias’. O desafio é atingirmos um consenso quanto aos objectivos precisos e específicos das sanções, adequarmos os instrumentos de acordo com eles e, em seguida, fornecermos os meios necessários. Isto exige, por parte do Conselho de Segurança e dos Estados Membros, uma vontade de resolver não só as questões técnicas operacionais, mas também as questões políticas mais vastas de como garantir melhor a subordinação plena e mais ampla à vontade da comunidade internacional por parte dos Estados recalcitrantes”.

Secretário-Geral Kofi Annan

As sanções fornecem ao Conselho de Segurança um instrumento importante para fazer cumprir as suas decisões. Mostram que o Conselho pretende ser levado a sério sem recorrer à força armada. As sanções podem incluir um embargo à venda ou comércio de armas e restrições financeiras. Podem implicar a suspensão das ligações aéreas ou o encerramento de missões no estrangeiro. De um modo geral, o Conselho impõe sanções para tentar alterar o comportamento de um governo ou regime que constitui uma ameaça para a paz e segurança internacionais. Numa situação de conflito, as sanções destinam-se a abreviar a luta mediante a interrupção do acesso a armas ou combustível. As sanções podem também ser ferramentas eficazes para evitar os conflitos armados ou limitar o seu alastramento.

Embora as sanções se destinem a provocar um resultado positivo, podem causar sofrimento a um grande número de pessoas que não são o seu alvo primordial e isso acontece efectivamente. No caso do Iraque, por exemplo, um regime de sanções que teve um êxito considerável na sua missão de desarmamento foi acusado também de piorar a crise humanitária. Noutros casos, aqueles que se encontram no poder transferem o custo das sanções para os menos privilegiados e beneficiam efectivamente com as sanções, ao controlarem a distribuição de recursos limitados e lucrarem com as actividades de mercado negro. A existência de sanções pode transformar uma sociedade para pior, à medida que os que furam as sanções, contrabandistas e similares ascendem ao topo da escala económica. Deste modo, os civis inocentes podem tornar-se vítimas não só do seu próprio governo, mas também dos actos da comunidade internacional.

As sanções também se podem revelar ineficazes ou difíceis de fazer cumprir, convidando a uma evasão generalizada. Ou podem não ter alvos suficientemente delimitados. No caso da guerra na Bósnia, o embargo às armas foi visto por muitos Estados como algo que favorecia o agressor e que, efectivamente, negava a um Estado Membro o seu direito, previsto na Carta, de autodefesa. Em alguns casos, os países vizinhos, que podem ter prejuízos significativos por acatarem o embargo, não são indemnizados.

Soberania e intervenção humanitária

“Somos confrontados com um dilema real. Poucos discordariam de que tanto a defesa da humanidade como a defesa da soberania são princípios que têm de ser apoiados. Infelizmente, isso não nos diz qual o princípio que deveria prevalecer, quando ambos estão em conflito”.

Do Relatório do Milénio

Em Setembro de 1999, o Secretário-Geral exortou os Estados Membros a analisarem de uma forma nova os meios, nomeadamente a intervenção, que as Nações Unidas utilizam para responder a crises políticas, de direitos humanos e humanitárias. “Da Serra Leoa ao Sudão”, afirmou o Secretário-Geral, “de Angola aos Balcãs e ao Camboja e ao Afeganistão, existe um grande número de povos que precisa de mais do que palavras de comiseração por parte da comunidade internacional. Precisam de um empenhamento real e duradouro que ajude a pôr fim aos seus ciclos de violência.”

O Secretário-Geral sugeriu que o conceito de intervenção deveria ser definido amplamente. Deveria incluir uma gama de actos que vai desde os que são sobretudo simbólicos até aos que se destinam a impor o resultado desejado. Deveria também ir a par com o empenhamento em aplicar os critérios de intervenção, com justiça e de uma maneira coerente, independentemente da região ou nação.

Em algumas crises, não se age porque os Estados não querem qualquer interferência externa ou porque agir não está de acordo com os seus interesses nacionais. O Secretário-Geral sugeriu que, no novo século, um novo conceito de interesse nacional poderia “levar os Estados a encontrarem uma unidade muito maior na consecução de valores básicos da Carta, tais como democracia, pluralismo, direitos humanos e o primado da lei”. Somos todos seres humanos e, na defesa da humanidade comum, os Estados Membros das Nações Unidas deveriam ser capazes de encontrar um terreno comum na defesa dos princípios da Carta.

O debate não concluído quanto à intervenção está directamente relacionado com a questão não resolvida de saber como e quando intervir para evitar conflitos armados. Todos os Estados apoiam a prevenção de conflitos, em princípio, mas, na prática, esse apoio é muitas vezes alterado por restrições, por vezes por motivos financeiros, noutras por razões relacionadas com a manutenção da soberania. Alguns Estados exprimem o seu apoio a uma Conselho de Segurança que age ante facto e está orientado para a prevenção. Fazem notar que a resistência à intervenção pode, por si só, ter como consequência uma redução da soberania caso ecluda um conflito armado. Outros Estados sublinham que qualquer acção por parte do Conselho para instituir uma “cultura de prevenção” deverá ser examinada cuidadosamente. Segundo o seu ponto de vista, a intervenção não deve infringir a integridade territorial dos Estados. No caso de conflito interno, os Estados podem não querer “internacionalizar” a situação ou aceitar que existem outras soluções para além da opção militar.

Estudo de casos

Diplomacia preventiva e manutenção de paz: Tajiquistão

Em 1992, o Tajiquistão enfrentava uma crise social e económica aguda, na sequência do desmembramento da União Soviética. A sua estabilidade foi perturbada ainda mais por tensões entre clãs, regionais e políticas e pelos diferendos entre secularistas e tradicionalistas pró-islâmicos. Em Maio de 1992, a oposição tajique apoderou-se do poder de facto, mas, derrotada por forças do governo, oito meses mais tarde, fugiu para o Afeganistão e prosseguiu uma esporádica insurreição armada a partir do outro lado da fronteira. Em meados de 1993, calculava-se que cerca de 50 000 pessoas, na sua maioria civis, haviam sido mortas, cerca de 600 000 tinham sido deslocadas internamente e muitos milhares haviam fugido para outros países.

Em Setembro de 1992, o Presidente do Usbequistão pediu ao Secretário-Geral das Nações Unidas que enviasse uma missão de averiguação dos factos para a zona. A esta missão seguiram-se, sucessivamente, uma missão de “bons ofícios”, primeiro, e depois um pequeno grupo de funcionários políticos, militares e humanitários. Em Abril de 1993, o grupo alertou para um possível agravamento do conflito. Agindo com carácter de urgência, o Secretário-Geral nomeou, a 26 de Abril, um Enviado Especial para o Tajiquistão para ajudar a obter um acordo de cessar-fogo e, entre outras coisas, disponibilizar os bons ofícios para ajudar a pôr em acção um processo de negociação.

Estes esforços começaram a dar frutos com a realização de uma série de conversações entre tajiques e a assinatura, em Setembro de 1994, de um cessar-fogo temporário, a criação de um mecanismo de vigilância e um pedido de envio de observadores militares das Nações Unidas. O Secretário-Geral agregou um pequeno número de observadores ao grupo das Nações Unidas, enquanto aguardava a decisão do Conselho de Segurança de criar uma missão de observação. Essa decisão surgiu em Dezembro de 1994, quando o Conselho de Segurança criou a Missão de Observadores das Nações Unidas no Tajiquistão (UNMOT). A UNMOT prestou assistência ao Tajiquistão até 15 de Maio de 2000.

Reflectindo sobre estes esforços e sobre o resultado global positivo do processo de paz, o Secretário-Geral salientou o envolvimento precoce das Nações Unidas, o apoio político continuado do Conselho de Segurança e dos Estados da região, a cooperação com outras organizações, uma gestão eficaz da crise e, acima de tudo, a vontade clara do povo tajique de pôr fim à guerra e encontrar uma solução política.

Acção preventiva: Ex-República Jugoslava da Macedónia

Em meados de 1991, a desintegração da Jugoslávia teve como consequência os conflitos armados entre e dentro das suas diversas partes. Embora os combates não tivessem alastrado à ex-República Jugoslava da Macedónia, o presidente dessa república solicitou a presença de observadores das Nações Unidas. O seu mandato seria essencialmente preventivo, vigiariam e comunicariam quaisquer acontecimentos que pudessem minar a estabilidade da república e ameaçar o seu território. Nesse sentido, foram colocados soldados, observadores e fiscalizadores da polícia civil ao longo das zonas de fronteira, os quais tiveram êxito na redução de tensões, na facilitação da gestão de zonas fronteiriças e na neutralização de incidentes fronteiriços.

Em 1994, reconheceu-se que, entre as fontes prováveis de instabilidade, figuravam factores internos. A situação política no país era extremamente complexa, em parte devido à sua mistura étnica. As tensões eram elevadas entre o Governo e elementos da população de etnia albanesa, que exigiam a melhoria da sua situação política, económica, social, cultural e educativa. Havia também tensões entre o Governo e elementos nacionalistas no seio da maioria de etnia macedónia. Ademais, a economia estava em declínio e o desemprego era elevado. Neste contexto, o Conselho de Segurança exortou o Representante Especial do

Secretário-Geral a usar dos seus bons ofícios para contribuir para a manutenção da paz e estabilidade. Nesse sentido, a missão das Nações Unidas começou a acompanhar os acontecimentos no país, incluindo as possíveis zonas de conflito, tendo em vista promover a reconciliação entre os diversos grupos. A missão proporcionou também serviços comunitários ad hoc e auxílio humanitário. Mais tarde, o Conselho de Segurança alargou as tarefas da missão de modo a incluírem a vigilância e a elaboração de relatórios sobre fluxos ilícitos de armas e outras actividades proibidas.

No seu apogeu, a missão incluía cerca de 1050 soldados, 35 observadores, 26 fiscalizadores de polícia e outros civis de 50 países. Em Fevereiro de 1999, o mandato da Força de Colocação Preventiva no Terreno, das Nações Unidas, chegou ao fim, quando os membros permanentes do Conselho de Segurança não conseguiram chegar a uma decisão unânime quanto à manutenção da missão.

A UNPREDEP foi um modelo amplo de acção preventiva. Para além dos deveres descritos acima, a UNPREDEP esteve envolvida também numa ampla gama de programas relacionados com a boa governação e o primado da lei, o reforço da capacidade e das infra-estruturas nacionais, o reforço das instituições e o desenvolvimento de recursos humanos nos sectores governamental e civil. A missão trabalhou com muitos grupos sociais para os incentivar a contribuírem para o desenvolvimento do país e a actuarem como agentes de prevenção de conflitos e promotores da democracia e dos direitos humanos. Ajudou a obter a ajuda de peritos internacionais mediante programas a longo prazo e actividades destinadas a melhorar a paz e estabilidade sociais. Trabalhou também em estreita colaboração com diversas organizações internacionais.

Desarmamento preventivo: Albânia

Na Albânia, mais de meio milhão de armas, na sua maioria espingardas semiautomáticas, e vários milhões de granadas de mão e minas terrestres estavam em circulação entre a população civil. Em 1999, as Nações Unidas lançaram a sua campanha de Troca de Armas por Desenvolvimento. Ao fim de poucos meses, mais de 5770 armas e mais de 100 toneladas de munições foram recolhidas, só no distrito de Gramsh. Em contrapartida, cerca de 100 aldeias do distrito foram ligadas por telefone, permitindo que os aldeões tivessem acesso ao auxílio da polícia e do sistema de cuidados de saúde. Em consequência do programa, foi instalada também a iluminação pública na cidade de Gramsh.

Consolidação da paz: Guiné-Bissau

A 7 de Junho de 1998, eclodiram combates entre as forças leais ao Presidente e as leais ao ex-Chefe de Estado-Maior. O Presidente demitira o Chefe de Estado-Maior, acusando-o de contrabando de armas para os rebeldes separatistas de um país vizinho. Durante os meses subsequentes, as duas facções negociaram uma série de acordos destinados a resolver o conflito. O Conselho de Segurança das Nações Unidas saudou os acordos e pediu ao Secretário-Geral que estudasse formas de as Nações Unidas auxiliarem a Guiné-Bissau no processo de reconciliação nacional.

Em Abril de 1999, o Secretário-Geral nomeou um Representante que encarregou de chefiar um Escritório de Apoio à Consolidação da Paz na Guiné-Bissau. O escritório tornou-se operacional pouco depois e incluía funcionários políticos e de direitos humanos, um funcionário eleitoral e um conselheiro militar. Uma das suas primeiras tarefas foi trabalhar para a criação das circunstâncias adequadas para a realização de eleições legislativas e presidenciais ordeiras e pacíficas.

Desde a época da sua criação até ao presente, o Secretário-Geral aperfeiçoou o mandato do escritório à medida que os acontecimentos foram introduzindo alterações no ritmo e natureza do processo de paz. Com a aprovação do Conselho de Segurança, o escritório irá manter-se na Guiné-Bissau durante uma boa parte de 2001. Os seus deveres actuais são os seguintes:

Apoiar os esforços nacionais de consolidação e manutenção da paz, democracia e do primado da lei, incluindo o reforço das instituições democráticas;

Apoiar os esforços nacionais, incluindo os da sociedade civil, tendo em vista a reconciliação, a tolerância e a gestão pacífica da diferença;

Incentivar iniciativas destinadas a reforçar a confiança e a manter relações amigáveis entre a Guiné-Bissau e os seus vizinhos e os seus parceiros internacionais;

Procurar obter o empenhamento do Governo e dos outros partidos para a adopção de um programa de recolha, eliminação e destruição voluntária de armas;

Proporcionar um enquadramento e liderança políticos para harmonizar e integrar as actividades do sistema das Nações Unidas no país;

Em estreita colaboração com o sistema das Nações Unidas, incluindo as instituições de Bretton Woods, facilitar a mobilização de apoio político e recursos internacionais para as prioridades de recuperação, reconstrução e desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Sugestões de actividades para alunos

1) Escolha uma zona onde tenham eclodido conflitos mortais durante a década de 1990: Haiti, Chechénia, Afeganistão, Serra Leoa, Ruanda, Burundi, Zaire, Libéria, Sudão, Iraque, Bósnia. Pesquise para descobrir: Quem esteve envolvido no conflito? Que questões alimentaram os combates? Em que categoria/as de causas de base as incluiria? Que esforços foram feitos para pôr fim aos combates, ou para negociar um acordo? Quem esteve envolvido nesses esforços? Que factores estão a impedir/apoiar os progressos em direcção a uma resolução?

2) Pesquise o processo de sanções. Pode querer começar pela análise das sanções utilizadas no caso da África do Sul. Durante quanto tempo estiveram em vigor estas sanções? Que tipo de sanções foi imposto? Quem cooperou com elas? Qual foi o resultado das sanções? Em quantas outras situações foram utilizadas sanções? Por quem? Porquê? Qual foi o efeito? O cumprimento das sanções teve efeitos negativos sobre partes não envolvidas directamente no conflito? Qual foi o resultado?

3) O seu país esteve envolvido num conflito ou na intervenção num conflito noutro país? Quais são/foram as questões que definiram esse conflito? Que acções foram tomadas pelo seu país? Quem iniciou a intervenção? Qual era a opinião pública em relação a essa questão? Quem foram os proponentes/opositores à intervenção? Que argumentos foram utilizados por cada lado? Partilhe os resultados do estudo com a sua turma e faça uma sondagem dos sentimentos dos seus colegas quanto à intervenção. Qual é a situação actual?

4) Escolha um conflito que esteja a ser negociado presentemente no Conselho de Segurança. Pondo diversos membros da turma a assumir o papel de membros do Conselho de Segurança, pesquise e apresente uma simulação de uma reunião do Conselho de Segurança, na aula. As Missões dos Membros das Nações Unidas são muito úteis ao fornecerem os seus pontos de vista para essas simulações. Pode aceder a elas através do website das Nações Unidas: www.un.org. Procure Estados Membros (Member States) e, em seguida, as homepages das Missões Permanentes junto das Nações Unidas.

5) Considere os seguintes objectivos de uma política externa para uma nação ou para um grupo que prossegue interesses de política externa: factores sociopsicológicos (desejo de poder ou restauração do orgulho nacional); garantir as matérias-primas necessárias; garantir os mercados; difundir uma ideologia; proteger a segurança nacional de ameaças externas; satisfazer a necessidade de território adicional para a superpopulação; fazer

progredir o etnocentrismo; obter coesão interna; prosseguir a autodeterminação; e apoiar esforços humanitários. Partilhe as suas conclusões com a turma. Escolha uma das áreas da Actividade 1), apresentada acima. Ponha por ordem os objectivos que pensa que estão em acção naquele conflito particular. Compare as conclusões. Considere as acções do seu país em relação a esse conflito. Quais parecem ser os objectivos em acção? Concorda ou discorda?

6) Considere os instrumentos de política externa que estão à disposição de uma nação no que se refere às suas acções em relação a outra nação: propaganda; diplomacia; relações comerciais; auxílio externo; formação/manutenção de alianças; esforços através de uma organização internacional como as Nações Unidas; boicotes, sanções e outros incentivos; uso de força militar (lista retirada de Educational Resources for Preventing Deadly Conflict, elaborados pela Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflicts). Encontre exemplos de utilização de cada um desses instrumentos. Use exemplos retirados das experiências do seu país, sempre que possível. Que instrumentos pensa que foram especialmente eficazes? Porquê? Como é que esses instrumentos se comparam com os que estão à disposição das Nações Unidas e que foram enumerados neste documento? Como é que gostaria de ver aplicado o dinheiro dos seus impostos quando se trata de actos do seu governo no domínio da política externa? Porquê?

7) Considere uma zona actual de conflito letal. Que reacção emocional tem perante esta situação? Como se sentiria se fosse uma pessoa directamente envolvida? Considere os pontos de vista de cada pessoa directamente afectada. Como é que esta situação poderia influenciá-lo a si, à sua família, amigos, comunidade, ao seu país e ao mundo? Tem a responsabilidade de fazer alguma coisa quanto a esta situação? Porquê? Porque não? Quem tem? Que aconteceria se toda a gente pensasse como você? Se quisesse fazer alguma coisa, quais seriam algumas das acções que realizaria? Como é que essas acções se adequariam às necessidades? Quais são alguns dos resultados imprevistos de cada um desses actos? Quais as opções que parecem mais promissoras? Porquê? Que passos daria para pôr em execução a sua opção? Dê-os!

8) Os esforços seguintes podem ajudar a resolver as causas básicas da violência. Como trabalho de turma, pesquise para encontrar esforços locais que estejam a ser levados a cabo e escreva uma carta de felicitações aos indivíduos ou grupos que estão a realizá-los. Convide-os a estarem presentes na aula e aprenda formas de apoiar esses esforços:

Controlar, reduzir e, futuramente, eliminar as armas de destruição maciça: nucleares, químicas e biológicas

Controlar o comércio de armas convencionais Promover a criação de governos estáveis e democráticos Incentivar o primado da lei e um poder judicial honesto e eficaz Promover a tolerância e a coexistência pacífica das minorias Prestar assistência ao desenvolvimento económico Promover a criação de estratégias de resolução de conflitos Trabalhar para melhorar os padrões e práticas de saúde Aumentar a alfabetização Gerir recursos e tecnologias para promover o desenvolvimento de uma grande

classe média

(lista retirada de Educational Resources for Preventing Deadly Conflict, elaborados pela Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflicts)

Alguns recursosNa World Wide Web

www.un.org/peace

www.un.org/news

www.sipri.org

Publicações

Preventing War and Disaster: A Growing Global Challenge. Kofi A. Annan

http://www.un.org/Docs/SG/Report99/toc.htm

Promoting social integration in post-conflict situations: Report of the Secretary-General. (documento A/AC.253/23, 24 de Fevereiro de 2000)

Strengthening the United Nations system capacity for conflict prevention. Unidade Comum de Inspecção. (documento A/50/853, 22 de Dezembro de 1995)

Preventing Deadly Conflict: Final Report. Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflict, Carnegie Corporation of New York, 1999.

http://www.ccpdc.org/pubs/rept97/finfr.htm

The Causes of conflict and the promotion of durable peace and sustainable development in Africa: Report of the Secretary-General. (documento A/52/871-S/1998/318)

http://www.un.org/ecosocdev/geninfo/afrec/sgreport/index.html

Progress report of the Secretary-General on the implementation of the recommendations contained in the report on the causes of conflict and the promotion of durable peace and sustainable development in Africa. (documento S/1999/1008)