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UNISALESIANO
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e
Processual Civil
Tânia Regina Sanches Telles
CONFLITO ENTRE A LEI QUE REGULAMENTA OS
PLANOS DE SAÚDE E O CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
LINS – SP 2008
1
TÂNIA REGINA SANCHES TELLES
CONFLITO ENTRE A LEI QUE REGULAMENTA OS PLANOS DE SAÚDE E O
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Processual Civil sob a orientação das Professoras M.Sc. Regina Célia de Carvalho Martins Rocha e M.Sc Heloisa Helena Rovery da Silva.
Lins – SP
2008
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Telles, Tânia Regina Sanches
Conflito entre a lei que regulamenta os planos de saúde e o código de defesa do consumidor / Tânia Regina Sanches Telles. – – Lins, 2008.
40p. il. 31cm.
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UNISALESIANO, Lins, SP para Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e Processual Civil, 2008
Orientadores: Regina Célia de Carvalho Martins Rocha; Heloisa Helena Rovery da Silva
1. Medicina de Grupo. 2. Código de Defesa do Consumidor. 3. Regulamentação do Plano de Saúde. 4. Conflito. 5. Judiciário. I Título
CDU 34
T276c
3
TÂNIA REGINA SANCHES TELLES
CONFLITO ENTRE A LEI QUE REGULAMENTA OS PLANOS DE SAÚDE E O
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium,
para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Processual Civil.
Aprovada em: ______/______/______
Banca Examinadora:
Professora M.Sc.Regina Célia de Carvalho Martins Rocha
Mestre em Direito pela Universidade de Marília - UNIMAR
Professora M.Sc. Heloisa Helena Rovery da Silva
Mestre em Administração pela CNEC/FACECA - MG
Lins – SP
2008
4
Ao meu marido, Valdenir José Telles e aos
meus filhos Jeferson Fernando Telles e
Jonathan Daniel Telles, uma homenagem pelo
exemplo de pessoas que são e por terem me
apoiado sempre em minha trajetória
profissional.
5
Homenagem Especial
À Diretora Administrativa e Operacional da
empresa Assistência Médico Hospitalar São
Lucas S/A (SAÚDE SÃO LUCAS), Miriam
Ferreira Leme, que por seu intenso
conhecimento na área, tão habilmente me
conduziu e me fez trilhar pelos caminhos desse
novo ramo do Direito, que é o Direito da Saúde
Suplementar.
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RESUMO
Este trabalho visa demonstrar o conflito existente na aplicação do Código de Defesa do Consumidor em detrimento a legislação especial que rege os planos de saúde. Inicialmente, traça-se um perfil do início dos planos de saúde no Brasil até a sua regulamentação e criação de uma Agência Reguladora. É uma constatação de como a lei especial privilegia o consumidor, não podendo o Código de Defesa do Consumidor se sobrepor a ela, a não ser quando houver omissão em algum aspecto. O objetivo principal é tecer um paralelo focando as decisões emanadas pelo Poder Judiciário que fazem ouvidos moucos à legislação específica, dando ênfase apenas à legislação consumerista, em total desprestígio às Operadoras de Planos de Saúde, relegando o contrato, a lei, as resoluções, colocando em risco a atividade econômica dessas empresas, por receio muitas vezes de serem os causadores de um evento danoso ao consumidor, mas esquecendo-se de que a saúde em primeiro lugar, é um dever do Estado e que as operadoras não são obrigadas a dar coberturas não contratadas ou não asseguradas por lei. O Judiciário tenta através do Código de Defesa do Consumidor, justificar o injustificável e com isto assegurar ao consumidor, cobertura médico-hospitalar a que na maioria das vezes não tem direito. É um tema apaixonante que remete a um estudo aprofundado e quiçá possa trazer alguma contribuição àqueles que militam na área, aos operadores do Direito ou ainda oferecer a todos que necessitam contar com o apoio da saúde suplementar, uma visão da complexidade de se operar produtos de saúde e os níveis de controle a que está exposta uma operadora. O objetivo é de criar uma cumplicidade entre fornecedor e consumidor, que estará muito mais seguro e poderá confiar mais naquelas que cumprem fielmente os ditames do órgão regulador. Pela complexidade da matéria foi focado o assunto apenas na modalidade de medicina de grupo, mas ressalta-se que a legislação e o órgão regulador é o mesmo para autogestão, administradoras, seguro-saúde e operadoras exclusivas em odontologia de grupo, com algumas particularidades respectivas a cada tipo de atividade praticada.
Palavras-chave: Medicina de Grupo. Código de Defesa do Consumidor. Regulamentação do Plano de Saúde. Conflito. Judiciário.
ABSTRACT
This paper intends to demonstrate the existing conflict among Consumers Protection Code (“Código de Defesa do Consumidor”) application in detriment to special legislation ruling health insurance plans. First, it is delineated a profile about health insurance plans’ start on Brazil up to its regulation and creation of a Regulatory Agency. It is a confirmation about in which way a special law privileges consumers, not being possible through Consumers Protection Code to overlay it, except when an omission in some aspect exists. This paper’s main objective is to compose a parallel focusing decisions issued by Judiciary Power who turns a deaf ear to specific legislation, emphasizing only upon consumerist legislation, amid complete lack of prestige regarding Medical Insurance Companies, disdaing the contract, the law, the resolutions, risking those companies’ economical activity, several times by distrusting those enterprises being causal for some event resulting harmful to consumer, forgetting the fact that, in the first place, health care is a Government’s obligation and that Health Insurance Companies are not compelled to give coverage not contracted or not insured by law. Judiciary through Consumers Protection Code tries to justify something unjustifiable and with that, guarantees to consumers medical and hospital coverage, most of the time having not right to it. It is a passionate matter which sends us to a more deep study and perhaps may bring some contribution to those people working on that area, to Right workers or even will offer support to every people who needs supplementary health care, a vision about health products management complexity and the several controlling levels managing companies are exposed. The objective is to create complicity between supplier and client, who will be much safer and more confident on those who complies exactly Regulation Branch’s dictates. Considering this matters complexity, we focalize just on Group Medicine, but emphasizing that legislation and Regulation Branch is the same for self management, managing companies, health insurance and group odontology , with some particularities for each practiced activity Keywords: Consumers Protection Code. Regulation Branch. Health Insurance. Group Medicine. Judiciary.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................... 9
CAPÍTULO I - DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL .............................. 12
1 A EVOLUÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL ................. 12
1.1 A regulação da saúde suplementar – lei 9.656/98 ................................ 14
1.2 A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ............. 16
CAPÍTULO II - DA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA..................................... 22
2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CONTRATOS DE
ADESÃO.......................................................................................................... 22
2.1 Os contratos de planos privados de assistência à saúde...................... 24
2.2 O conflito na aplicação da lei geral sobre a lei especial ........................ 29
2.2.1 As antinomias........................................................................................ 29
2.2.2 Os critérios para a avaliação das leis .................................................... 30
CAPÍTULO III - DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL.......................... 34
3 COMENTÁRIOS SOBRE AS LIMINARES PROFERIDAS PELO
JUDICIÁRIO .................................................................................................... 34
3.1 Jurisprudência ....................................................................................... 35
CONCLUSÃO .................................................................................................. 38
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 39
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INTRODUÇÃO
Sabe-se que os custos médicos hospitalares aumentaram sensivelmente
ao longo do tempo e o Estado não foi capaz de suprir a saúde da população de
forma condigna, pois a falta de recursos públicos limitou o atendimento.
Com o surgimento do mundo moderno que trouxe novas doenças
degenerativas, exigindo cada vez mais um potencial expressivo financeiro para
o seu tratamento e o Governo limitando cada vez mais o atendimento que se
tornou ilimitado, houve a precariedade dos serviços prestados pelo Estado a
toda a sociedade, sendo que então a iniciativa privada passou a atuar de forma
complementar ou suplementar nesse setor, assumindo de diversas maneiras a
prestação desses serviços.
Surgiu ao longo do tempo, o oferecimento dos planos de saúde, nas
quais empresas assumem a obrigação de prestar atendimentos ambulatoriais,
laboratoriais, hospitalares ou odontológicos, mediante o pagamento de
importância mensal que garante a cobertura contratada, através de rede
própria ou credenciada, cobrindo eventos futuros e, a principio incertos, dentro
de conceitos de mutualismo e previdência.
Assim, antes de 1998, esses contratos de planos de saúde se
subordinavam à legislação comum e, ao Código de Defesa do Consumidor
(CDC), a partir de 1991.
Porém, com o crescimento do setor, pela má prestação de serviços
estatais e os litígios começarem a surgir, principalmente após o advento do
Código de Defesa do Consumidor, houve a necessidade da existência de uma
legislação específica que regulasse desde a criação das Operadoras de Planos
de Saúde, as coberturas oferecidas, os requisitos dos contratos, as
responsabilidades dos dirigentes, as garantias asseguradas e até os reajustes
das contraprestações pecuniárias.
A partir daí criou-se um mecanismo próprio, específico, nascendo uma
nova legislação e sua regulamentação, formando um novo microssistema legal,
com implicações contratuais, econômicas, administrativas, penais, atuariais,
securitárias e de relação de consumo.
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Houve sem dúvida, a adoção de uma legislação moderna, comparada as
da existente em outros Países, fazendo surgir uma legislação autônoma, um
ritual próprio e independente, mas que equaciona as duas faces da moeda: o
fornecedor e o consumidor dos serviços de saúde suplementar, fazendo surgir,
face à excessiva especificidade da matéria, face à complexidade das relações
jurídicas existentes, uma nova metodologia, ou seja, um novo ramo da ciência
jurídica, que passa a ser tratada de forma diferenciada da legislação comum.
O trabalho consiste em anotar que o Código de Defesa do Consumidor
tem um papel secundário face à legislação específica que trata do tema,
devendo ser aplicado, é claro, apenas quando houver lacuna na legislação
específica, que já prevê e contempla toda a sorte de temas favoráveis aos
consumidores de planos de saúde e já regula o setor de forma a equacionar as
duas faces da moeda. A metodologia utilizada foi a pesquisa literária, virtual e
jurisprudencial.
Será visto de forma clara e objetiva, como surgiu a Lei 9.656/98, que
regulamenta o setor da saúde suplementar e a criação do órgão de regulação,
normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a
assistência suplementar à saúde, e a partir daí como as operadoras podem
celebrar contratos, desde que compatibilizados com os parâmetros fixados em
lei. É o que se dá, no caso, à medida que tais contratos não podem mais se
limitar a cobrir os serviços a critério da operadora, para que não se repita o que
ocorria no passado e assim possibilitar a que todas as doenças possam ser
cobertas nas respectivas ofertas. Ficou de fora a opção que tinha o empresário
de excepcionar alguns tipos de doenças, que pelo seu tratamento importassem
dispêndios mais elevados.
Portanto, não há como tornar inválida, inquinar de inconstitucional ou de
qualquer forma, preterir uma lei especial em face de outra genérica (CDC), que
passou a impor a esse delicado setor social, estabelecendo limites de atuação.
Cabe ao Estado sim, legislar, dispor sobre o financiamento, fiscalização
e controle desses serviços, enquadrando, dessa forma, uma atividade que
operava sem definição precisa.
Daí a importância dessa legislação, Lei 9.656/98, que é soberana frente
ao setor de saúde suplementar e deve imperar sobre qualquer outra legislação,
que apenas deverá ser aplicada se houver omissão.
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O percurso em singelo histórico, é uma digressão pelos caminhos
tortuosos de como surgiu a saúde suplementar no Brasil, a regulação do setor,
a incidência do CDC nas relações da assistência privada à saúde, a Lei
9.656/98 e suas resoluções, comentários sobre as liminares do Poder
Judiciário e alguma jurisprudência relacionada ao assunto preterindo a Lei
9.656/98 e suas resoluções normativas; cumprindo assim uma importante
missão que é tentar demonstrar como se pode tornar mais equânime uma
questão social, aplicando em primeiro lugar a contratação havida entre as
partes, que é a base de tudo e posteriormente se esta contratação obedece a
lei especial, uma vez que alicerçada por leis reguladoras de setor e fiscalizada
por órgão de competência plena, que é a Agência Nacional de Saúde
Suplementar.
O método utilizado para a pesquisa foi de revisão bibliográfica com base
nos autores citados nas referências.
Durante a pesquisa, surgiu o questionamento: o código de defesa do
consumidor, se sobrepõe à lei especial? Existe conflito na sua aplicação?
Nesse sentido, o trabalho será apresentado em três capítulos:
O capítulo I trata da Saúde Suplementar no Brasil, abordando sua
evolução, com a regulação da Saúde Suplementar com o advento da Lei
9.656/98 e a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O capítulo II traz uma abordagem sobre a Regulamentação Jurídica
através do Código de Defesa do Consumidor e os Contratos de Adesão, com
análise dos contratos de plano de saúde já celebrados à luz do Código de
Defesa do Consumidor; bem como trata especificamente sobre o conflito na
apçiação da Lei Geral sobre a Lei Especial, as antinomias que são as lacunas
de conflito, bem como os critérios para avaliação das leis.
O capítulo III traz entendimento jurisprudencial dos Tribunais onde se
vislumbra que as decisões são pautadas quase que exclusivamente no Código
de Defesa do Consumidor, com breves comentários ressaltando que relegam a
legislação específica, que é a Lei 9.656/98 que regula os planos de saúde.
Para finalizar o trabalho, conclui-se que o conflito existe, sendo que o
assunto é polêmico, dividindo doutrinadores e aplicadores da lei.
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CAPÍTULO I
DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL
1 A EVOLUÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL
Consta que a origem do setor de assistência supletiva no Brasil remonta
aos anos 40 e 50, quando setores do setor público e privado implantaram
sistemas de assistência médico-hospitalar aos seus colaboradores.
Em 1944, foi criada a CASSI – Caixa de Assistência dos Funcionários
Públicos do Banco do Brasil e na década de 50 com a expansão da indústria
automobilística, a atenção médica passa a ser oferecida aos trabalhadores
como forma de selecionar mão-de-obra mais duradoura e propiciar um atrativo
ou benefício na concorrência pelo labor qualificado.
Acabou tornando-se uma prática utilizada nas grandes empresas do
setor industrial e manteve-se após a unificação da previdência em 1967, sendo
que ao longo de dez anos, tomou cerca de 10% (dez por cento) da população
previdenciária.
Todos estes dados constam do relatório da CPI (Comissão Parlamentar
de Inquérito) dos Planos de Saúde e faz parte do histórico dos seguintes
escritores, nos quais se fundamenta a elaboração desta proposta de trabalho:
José Luiz Toro da Silva (2005) e Maria Stella Gregori (2007).
Com a promulgação da Constituição em 1988, para assegurar o efetivo
exercício do direito à saúde, a Constituição Federal, especificamente em seus
artigos 196 a 200, define a saúde como direito público subjetivo oponível ao
Estado, determina as diretrizes e preceitos ao exercício desse direito e fixa
atribuições constitucionais do Sistema Único de Saúde.
O artigo 196 da Constituição Federal preceitua:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo 199 da Constituição Federal abre as portas do sistema de
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assistência à saúde no setor privado: “A assistência à saúde é livre à iniciativa
privada”.
No entanto, através do artigo 197 da Constituição Federal, nota-se que o
setor está sujeito à fiscalização do Estado:
São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Frise-se que essa iniciativa será sempre exercida de forma
complementar ao Sistema Único de Saúde.
Continuando, a década de 90 foi marcada pelo crescimento da
comercialização de planos individuais e familiares, o que ocorreu por conta do
crescente aumento do mercado informal de trabalho e também pela crise fiscal
e financeira do Estado brasileiro, em que houve a entrada de grandes
seguradoras para atuarem no ramo de saúde, algumas delas ligadas a bancos.
Sem uma normatização específica, a inexistência de um sistema de
coordenação e fiscalização dessa atividade, e, também, diante das dificuldades
de financiamento e organização do sistema público, assistiu-se a um
crescimento desordenado desse setor, dando margem a toda sorte de abusos
e ilegalidades contra os seus beneficiários, os consumidores.
Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, em 1991,
e a conseqüente atuação dos órgãos de defesa do consumidor , das entidades
civis de defesa do consumidor e do ministério público na área de defesa dos
consumidores, o setor de assistência privada a saúde passa a figurar como um
dos assuntos de maior destaque nas denúncias por parte dos consumidores,
crescendo o número de ações judiciais, inclusive coletivas e reclamações
nesses órgãos.
Os principais problemas referiam-se a: dúvidas em relação
à forma de reajuste, reajuste abusivos, não cumprimento dos contratos,
negativa em fornecer guias para internações e exames, cláusulas de exclusões
de doenças crônicas, infecto-contagiosas e preexistentes.
Tudo isto relacionado, tornou-se alvo de preocupação geral no final da
década de 90, quando se percebeu a necessidade de intervenção estatal sobre
a atuação dessas entidades.
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Até o final da década de 90, com a entrada em vigor da Lei 9.565/98 e
das medidas provisórias que sucessivamente a alteraram, a normatização só
existia para o setor de seguro saúde, e mesmo assim apenas nos aspectos
econômicos financeiros dessa atividade.
1.1 A regulação da saúde suplementar – lei 9.656/98
Após sete anos de discussão no Congresso Nacional, foi promulgada a
Lei 9.656/98, em 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os Planos e Seguros
Privados de Assistência à Saúde, sendo certo que antes da sua
regulamentação, ocorreram algumas tentativas no sentido de disciplinar o
mencionado setor, sendo que inclusive leis estaduais foram editadas, bem
como Resoluções do Conselho Federal e Regionais de Medicina, porém todos
estes diplomas normativos tiveram os seus efeitos cassados pela Justiça, por
se tratarem de normas de juridicidade altamente discutível, principalmente, no
que tange a incompetência das autoridades que as editaram.
Conta o mestre José Luiz Toro da Silva (2005):
É importante esclarecer que, não obstante ter sido aprovada a Lei 9.656/98, houve um “acordo de cavalheiros”, entre a base governamentista da época e o relator do projeto no Senado Federal, senador Sebastião Rocha, a fim de se evitar eventual apresentação de emendas alterando o projeto oriundo da Câmara Federal, o que resultaria na reapreciação do projeto pela Câmara Baixa, em decorrência do princípio bicameral. (SILVA, 2005, p. 44)
Já no dia seguinte a promulgação da Lei 9.656/98, foi editada a Medida
Provisória nº. 1665, alterando dispositivos da lei, sendo que a essa Medida,
sucederam-se 43 outras.
Finalmente, com a reedição da MP 2.177-44 de 24/08/2001, o texto da
mesma foi recepcionado como lei e a Lei 9.656/98, encontra-se alterada por
essa Medida Provisória.
Referida legislação especial dispõe sobre as seguintes situações:
a) forma de obtenção e requisitos de autorização de funcionamento;
b) institui as coberturas assistenciais mínimas;
c) disciplina carência e Cobertura Parcial Temporária para os casos de
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lesões e doenças preexistentes;
d) impõe os tipos de coberturas para as segmentações contratadas: por
ex: ambulatorial, hospitalar ou obstétrica;
e) fixa períodos de carência;
f) concede garantias ao idosos, recém-nascidos, menores de dezoito
anos, gestantes;
g) proíbe a cobrança de taxas na renovação automática do contrato e
recontagem de carências;
h) proíbe discriminação ao plano em razão de idade ou portadores de
deficiência;
i) estipula reajuste por faixa etária e por ano contratual;
j) fixa as cláusulas contratuais setoriais e não setoriais, que devem
constar dos instrumentos jurídicos;
k) fiscaliza a rede credenciada ou contratada, principalmente a rede
hospitalar, exigindo substituição ou redimensionamento da mesma
em caso de redução;
l) impõe cláusulas contratuais que devem constar obrigatoriamente nos
contratos com os prestadores de serviços;
m) exige mensal ou trimestralmente que as operadoras enviem todas as
informações e estatísticas relativas as suas atividades, incluídas as
de natureza cadastral (SIB);
n) dispõe de agentes fiscalizadores;
o) proíbe as operadoras de realizar operações financeiras com seus
diretores ou membros, cônjuges ou parentes;
p) exige que as demonstrações financeiras sejam submetidas à
auditoria independente;
q) impõe regime de liquidação extrajudicial às operadoras, que não
podem requerer concordata e não estão sujeitas a falência;
r) tem poderes para determinar regime de direção fiscal às operadoras
que encontrarem-se irregulares e ou com insuficiência das garantias
do equilíbrio financeiro;
s) tem poder sancionador de impor advertência, multa pecuniária,
suspensão do exercício do cargo; inabilitação temporária ou
permanente para cargo; cancelamento da autorização de
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funcionamento e alienação da carteira da operadora;
t) tem poder de abrir processo administrativo, apurar infrações e
denúncias;
u) assegura direitos aos demitidos ou aposentados;
v) impõe ressarcimento ao SUS por parte das operadoras, quando este
presta serviços aos consumidores de planos de saúde;
w) dispõe sobre coberturas em casos de urgência e emergência;
x) dispõe sobre os contratos anteriores a essa lei;
y) dispõe sobre a aplicação subsidiária da Lei 8.078/90 aos contratos
que tratam dessa lei;
z) outras disposições.
Assim, não se pode olvidar de que referida lei é plena, garantindo ao
consumidor todo tipo de proteção, mas ao mesmo tempo assegurando às
operadoras de planos, um mínimo de equilíbrio contratual, sem o que, não
seria possível a prestação continuada dos serviços de saúde a que se
propõem.
No entanto, diante de uma legislação específica, houve a necessidade
de um órgão fiscalizador de seu cumprimento e foi criada a Agencia Nacional
de Saúde Suplementar, como veremos a seguir.
1.2 A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
No final de 1999, com a necessidade de se criar uma Agência
Reguladora específica para regular e fiscalizar todo o segmento de saúde
suplementar, surgiu a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, órgão
vinculado ao Ministério da Saúde.
A criação da ANS foi um marco importante para o mercado de saúde
suplementar, à medida que tais atividades deveriam ser desenvolvidas de
acordo com decisões e regulamentações editadas por um órgão estatal
responsável por autorizar, regulamentar e fiscalizar o exercício dessas
atividades, de modo a permitir que a competição se desse de forma saudável e
em benefício da sociedade como um todo.
Segundo consta da obra de Maria Stella Gregori (2007):
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O surgimento, no ordenamento brasileiro, das Agências Reguladoras tem guarida constitucional. A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre a ordem econômica, fixou o papel do Estado como agente normativo e regulador e como executor subsidiário de atividades econômicas. Dispôs, ainda, sobre a possibilidade de transferência à iniciativa privada da prestação de alguns serviços. Tal previsão se evidencia, principalmente, a partir das emendas constitucionais ocorridas após 1995, pelas quais o mercado de serviços públicos foi aberto à execução pela iniciativa privada. Para Leila Cuéllar as Agencias Reguladoras são ‘pessoas jurídicas de direito público, com estrutura formal autárquica e competência para regulamentar, contratar, fiscalizar, aplicar sanções e atender aos reclamos dos usuários/consumidores de determinado serviço público ou atividade econômica’. (GREGORI, 2007, p. 55)
No modelo brasileiro, as Agências Reguladoras são autarquias, de
natureza especial, criadas por lei, dirigidas por um órgão colegiado, com a
missão de regulamentar e fiscalizar a prestação de certos bens e serviços
considerados de relevância pública.
Estes entes reguladores são dotados de independência decisória,
autonomia financeira, administrativa e gerencial. Os diretores são nomeados
pelo Presidente da República, previamente aprovados pelo Senado Federal,
para exercer mandatos fixos e não coincidentes, protegidos de exoneração
pois somente poderão perder o mandato em caso de renúncia, de condenação
judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar.
A função principal das Agências reguladoras, em síntese é a de
executar as políticas do Estado de orientação e planejamento da economia,
com vistas à eficiência do mercado, por meio de intervenção direta nas
decisões dos setores econômicos, tais como a formação de preços,
competição, entrada e saída do mercado, garantias de operação, etc.
Propõe ações de regulamentação da atividade econômica das
empresas de monitoramento e acompanhamento do mercado e de fiscalização
e controle do cumprimento das normas erigidas para o setor, sob as premissas
da defesa da concorrência e da proteção do consumidor, princípios que se
inscrevem como vetores da ordem econômica brasileira, bem como a
observância a aspectos relacionados à obtenção ou preservação de valores
sociais e políticos considerados relevantes na atividade regulada.
A ANS, criada pela Lei 9.961, de 28.01.2000, tem como objetivo
principal, a regulação, a normatização, o controle e a fiscalização das
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atividades que garantam a manutenção e qualidade dos serviços privados de
atenção médico-hospitalar ou odontológica prestados por intermédio da
operação de planos de saúde. Além disso, também lhe compete a defesa do
interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras
setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores,
contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
Continua a abalizada opinião de Maria Stella Gregori (2007):
Assim como as demais Agências, a ANS goza de autonomia administrativa e financeira e tem orçamento próprio composto, como principal fonte de receita, pela Taxa de Saúde Suplementar – TSS, além de multas (administrativas e de mora). Sua Diretoria é composta por cinco Diretores, sendo um Diretor-Presidente, com mandatos de três anos. (GREGORI, 2007, p. 61)
Registre-se, no entanto, que há os que sustentam a tese de que, muito
embora não estejam explicitamente previstas no art. 105 do CDC, as Agências
compõem, de forma indireta, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
No âmbito econômico-financeiro, estabeleceu a segmentação das
operadoras, classificando-as segundo suas peculiaridades, e fixou a exigência
de apresentação de planos de contas padrão, de envio de informações
periódicas, de publicação de balanços e de constituição de garantias
financeiras, além de disciplinar os regimes especiais de Direção Fiscal e
Técnica e de Liquidação Extrajudicial.
No âmbito da assistência, foram regulamentados temas estratégicos
para a garantia de qualidade e atenção à saúde, como, entre outros, a
atualização do rol de procedimentos de alta complexidade para a aplicação de
cobertura parcial temporária; e a exigência de designação do coordenador
médico responsável pelo fluxo de informações relativas à assistência médica
prestada aos consumidores, visando proteger o sigilo médico.
Foi também instituído o Sistema de Informações de Produtos – SIP,
pelo qual as operadoras estão obrigadas a fornecer dados sobre consultas,
exames, internações, partos, média de despesa por usuário, entre outras
informações que permitem o monitoramento de seu desempenho gerencial e
assistencial.
Quanto a regulação de preços, foram fixadas normas para reajustes
das contraprestações pecuniárias, definindo os percentuais de aumento para
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os planos individuais/familiares e impondo mecanismos de acompanhamento
da variação dos preços que não dependem de autorização da ANS, com vistas
a subsidiar a formulação de uma política efetiva de controle, na busca da
sustentabilidade do mercado.
Também foi regulamentado e implantado o sistema de ressarcimento
ao SUS. O SUS deve ser ressarcido pelos procedimentos com cobertura
contratual prestados aos consumidores de planos privados de assistência à
saúde, com base na Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos
– Tunep.
A ANS está implementando um programa de qualificação da saúde
suplementar, pelo qual se pretende fazer um processo continuo de introdução
da qualificação nas dimensões assistencial, econômico-financeira, estrutural e
de satisfação do consumidor, para que o mercado opere de forma equilibrada,
ágil, com informações consistentes e serviços adequados. O processo de
avaliação se dá por monitoramento de indicadores e marcadores gerais e
específicos que expressem efetivamente os serviços prestados aos
consumidores de planos de saúde. Optou-se por dar ênfase à dimensão da
qualidade da atenção à saúde, pelo que, além da regulação econômico-
financeira, busca-se investir na implementação de uma regulação também de
cunho assistencial que, entre outros mecanismos, trabalhe na perspectiva de
um monitoramento contínuo da qualidade da atenção prestada por operadoras
e prestadores.
Esse controle pode contribuir para o estabelecimento de novos
processos e praticas que permitirão a reversão da atual lógica de organização
e funcionamento do modelo assistencial na saúde suplementar e,
principalmente, na saúde dos consumidores.
Foi criado, também, o TISS – Troca de Informações em Saúde
Suplementar, projeto que tem por objetivo estabelecer um padrão essencial
obrigatório para as informações trocadas entre operadoras e prestadores de
serviços sobre o atendimento prestado aos seus consumidores, com vistas à
melhoria do atendimento dos consumidores de planos privados de assistência
à saúde e para a racionalização dos procedimentos administrativos e
operacionais de operadoras e prestadores. O estabelecimento de informações
é a medida necessária para o aprimoramento da qualidade da assistência.
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Além disso, a sistematização de informações constitui elemento
fundamental para a construção de indicadores que permitam avaliar o estado
de saúde, subsidiar o planejamento, acompanhamento e avaliação dos
serviços prestados, e fornecer aos atores informações em saúde que permitam
efetuar comparações e apoiar as políticas nacionais de saúde.
A ANS conta também com dois importantes instrumentos para a garantia
do cumprimento da legislação: o Termo de Compromisso de Ajuste de
Conduta, pacto celebrado com as operadoras, pelo qual elas se comprometem
a cessar irregularidades e rever seus efeitos; e o Termo de Compromisso,
voltado à implementação de práticas que consistem em vantagens para os
consumidores.
A fiscalização é a ação central da ANS e se desenvolve de duas formas:
a fiscalização direta, pela verificação do cumprimento da legislação reitora por
agentes especialmente designados e investidos no poder de polícia para esse
fim, e a fiscalização indireta, realizada por meio de ações de monitoramento e
acompanhamento do mercado.
A aplicação de multas contra a operadora busca inibir a repetição da
infração, no entanto, a ANS não tem atribuição e competência para garantir a
conciliação ou até a reparação do dano individual.
A pretensão individual deve ser buscada nos Procons ou no Poder
Judiciário.
A fiscalização indireta é exercida por intermédio do acompanhamento e
do monitoramento das operadoras, com base nos dados fornecidos aos
sistemas de informações periódicas (assistenciais, econômico-financeiras e
cadastrais) e no cruzamento sistemático das informações disponíveis, inclusive
a incidência de reclamações e as multas aplicadas.
Os instrumentos e indicadores da fiscalização indireta são: os planos de
recuperação, os regimes especiais (direção fiscal, direção técnica e liquidação
extrajudicial), e a alienação compulsória de carteira e leilão.
Os planos de recuperação podem ser exigidos pela ANS quando a
operadora apresentar problemas econômico-financeiros que necessitem de
reequilíbrio. Os planos são submetidos à Agência para análise, aprovação e
acompanhamento.
A direção fiscal pode ser determinada quando a ANS constata, nas
21
operadoras, graves anormalidades econômico-financeiras. A direção técnica
pode ser determinada quando for verificado que a operadora coloca em risco a
continuidade ou qualidade do atendimento ao consumidor. Já a liquidação
extrajudicial é decretada quando a operadora não consegue se recuperar.
A alienação compulsória da carteira pode ser determinada pela ANS
para garantir a continuidade de atendimento aos consumidores, quando a
operadora não demonstra capacidade de recuperação. Não se efetivando a
alienação compulsória, a Agência determina o leilão da carteira, buscando
operadoras que tenham condições de absorver os consumidores.
A ANS é sem sombra de dúvida também, um instrumento de proteção
ao consumidor, e, ainda, conta com a disponibilização de canais de acesso
para que o consumidor faça suas consultas ou reclamações sobre o setor de
saúde suplementar.
Toda a regulamentação dos comandos legais é composta por
Resoluções do Conselho de Saúde Suplementar – Consu; Resoluções da
Diretoria Colegiada – RDC; Resoluções Normativas – RN; Resoluções
Operacionais – RO; Resoluções da Diretoria – RE; Instruções Normativas-IN e
Súmulas Normativas, editadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar –
ANS.
22
CAPÍTULO II
DA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA
2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CONTRATOS DE
ADESÃO
Primeiramente, convém anotar que a Constituição Federal, que, em seu
art. 48, das Disposições Transitórias, determinou que o Congresso Nacional
elaborasse o Código de Defesa do Consumidor.
Em 1990, finalmente o Código de Defesa do Consumidor foi aprovado e
sancionado com vetos parciais, tornando-se a Lei 8.078, de 11.09.1990, que
dispõe sobre a proteção do consumidor, representando a síntese de um
esforço coletivo. Entrou em vigência, seis meses depois, em 11.03.1991.
Com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, o movimento de
defesa dos consumidores se fortaleceu e levou ao crescimento das entidades
civis e dos órgãos públicos de proteção e defesa do consumidor.
O CDC trata das relações jurídicas de consumo, concentrando em si a
regulação de aspectos civis, penais, administrativos e processuais relativos à
matéria, além de assegurar direitos individuais, o Código teve por objetivo
precípuo assegurar os direitos coletivos.
A matéria regulada pelo Código de Defesa do Consumidor é a relação
de consumo, assim entendida a relação jurídica existente entre dois sujeitos: o
Consumidor e o Fornecedor, tendo por objetivo a aquisição de produtos ou a
utilização de serviços.
O Código de Defesa do Consumidor foi a primeira lei brasileira que
regulou o contrato de adesão, que, pelos termos do seu art. 54, e aquele cujas
cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem que o
consumidor possa discuti-las ou modificá-las.
No que tange à forma dos instrumentos contratuais, o CDC impôs que
os contratos sejam regidos de forma clara, com caracteres ostensivos e
legíveis, com vistas a facilitar a compreensão do consumidor sobre seu
conteúdo e alcance. Essa determinação, presente nos arts. 31, 46 e 54, § 3º, é
23
decorrente dos princípios da transparência e informação reitores da relação de
consumo, com a finalidade de proteger o consumidor da possibilidade de o
fornecedor fazer uso de sua supremacia técnica ou econômica para induzir o
consumidor a erro, assumindo obrigações ou aceitando condições que, se
tivesse a nítida compreensão dos termos contratuais, não o teria feito.
Assim, as relações de consumo se pautam nos princípios da boa-fé
objetiva, da eqüidade e do equilíbrio do contrato. O CDC adotou implicitamente
a cláusula geral de boa-fé, determinando ser nula de pleno direito, cláusula que
com ela seja incompatível. Tais cláusulas são meramente exemplificativas, pois
o caput do art. 51 utilizou a expressão são nulas de pleno direito “entre outras”.
Somente o Juiz é quem pode declarar nula determinada cláusula contratual e
pode fazê-lo ex officio, em qualquer fase do processo. A nulidade de uma
cláusula contratual não invalida o contrato.
As cláusulas consideradas abusivas estão enumeradas nos incisos do
art. 51 do CDC. Como não é taxativo o elenco previsto na Lei, o Dec.
2.181/1997, que regulamentou ou CDC, em seu art. 56, determina que a
Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, divulgue anualmente,
elenco complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas, com o
objetivo de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Segundo o art. 6º, V do CDC, também constitui um direito básico do
consumidor a possibilidade de modificação das cláusulas contratuais que
estabelecem prestações desproporcionais, bem como sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Nesses casos,
o CDC autorizou a modificação de cláusula contratual ou a revisão do contrato,
reduzindo a força do princípio da liberdade contratual em benefício do
consumidor.
Não se partilha da idéia de vários autores quando dizem que o CDC é
lei principiológica; que não é analítica, mas sintética; que nem seria de boa
técnica legislativa aprovar-se lei de relações de consumo que regulamentasse
cada divisão do setor produtivo (automóveis, cosméticos, eletroeletrônicos,
vestuários etc.). Entendem, que optou-se por aprovar a lei que contivesse
preceitos gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de
consumo. Assim definem o significado de uma lei principiológica.
Entendem que o princípio de que a lei especial derroga a geral, não se
24
aplica ao caso em análise, porquanto o CDC não é apenas lei geral das
relações de consumo, mas, sim, lei principiológica das relações de consumo.
Ousa-se simplesmente discordar dos grandes doutrinadores, pelo
simples fato de que uma lei especial é voltada para uma determinada atividade-
fim, onde tem o poder de regular, normatizar, controlar e fiscalizar aquele Setor
da Atividade Econômica do País, como é o caso da ANATEL-Agência Nacional
de Telecomunicações, ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica, ANVISA-
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANS-Agência Nacional de Saúde
Suplementar, etc.
Entende-se que nos casos das legislações especiais, o Código de
Defesa do Consumidor tem aplicação subsidiária, devendo ser aplicado apenas
quando existir lacuna na lei especial, porque lei especial tem o poder
discricionário, sancionador, além de interferir na atividade econômica
propriamente dita.
2.1 Os contratos de planos privados de assistência à saúde
Os contratos oferecidos pelos planos de assistência privada à saúde são
atípicos, mistos, de prestação de serviços, de adesão e caráter aleatório,
sinalagmático, onerosos, formais e de execução diferida por prazo
indeterminado.
Uma vez que se trata de um contrato de consumo, verifica-se que a
prestação de serviços de assistência à saúde é oferecida, no mercado, aos
consumidores, por meio de um contrato de adesão, padronizado, em que todas
as cláusulas são preestabelecidas pelo fornecedor.
Essa contratação sinalagmática gera obrigações recíprocas, em que o
consumidor assume o compromisso de pagar periodicamente as prestações
pecuniárias correspondentes aos serviços oferecidos pelo fornecedor, ao passo
que a este cabe prestar o serviço de cobertura dos procedimentos médicos,
hospitalares ou odontológicos, quando o consumidor deles necessitar.
É assim definido pela Lei 9.656/98:
art. 1º. Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à
25
saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: I – Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.
O plano de saúde é um contrato que vigora por um período inicial de 12
meses e prorroga-se por tempo indeterminado e com execução continuada.
Além disso, esses contratos são aleatórios, porque dependente de um
evento futuro e incerto.
O consumidor paga para ter a cobertura contratada, se precisar utilizar,
existindo a possibilidade de nem mesmo precisar utilizar. É uma obrigação de
resultado, porque espera do prestador é uma prestação de serviços precisa,
com a qualidade que se espera.
O contrato de adesão é a forma utilizada pelos contratos de massa para
consolidar os instrumentos jurídicos pré-redigidos, regulado pelo artigo 54 do
CDC, que visa atingir um número indeterminado de futuras relações
contratuais.
A Lei 9.656/98, trata de conceder ao consumidor, garantias para se
constituir uma operadora, garantias de que o serviços serão prestados, haja
vista as garantias financeiras exigidas; garantias de contar com instrumentos
jurídicos adequados, dentre outros já vistos.
O que mais pode esperar o consumidor, se ele tem uma lei que
específica que lhe dá ampla proteção, impõe cláusulas contratuais, já
afastando as abusivas, estabelece o equilíbrio contratual num contrato de
adesão na forma exigida no CDC, enfim, dispõe para este consumidor,
garantias que nem mesmo o próprio CDC pode lhe dar.
Existem os contratos anteriores à Lei 9.656/98 e os celebrados sob a
égide desta, sendo que os anteriores subordinam-se às cláusulas e regras
vigentes à época da contratação, que são o Código Civil e o CDC.
26
Mas, aborda-se nesta oportunidade apenas os contratos celebrados sob
a égide da Lei 9656/98.
Para que o instrumento jurídico tenha validade perante o órgão
regulador, a ANS, é necessário que o mesmo siga além da própria lei, uma
Instrução Normativa, atualmente de nº. 15, da Diretoria de Normas e
Habilitação dos Produtos da ANS, que delimita todos os temas que deverão
constar dos contratos. São praticamente 32 temas, dentre eles os seguintes:
a) qualificação das partes;
b) objeto do contrato;
c) natureza do contrato;
d) nome e número do registro do plano na ANS;
e) área de abrangência geográfica;
f) padrão de acomodação;
g) condições de admissão;
h) coberturas e procedimentos garantidos;
i) exclusão de cobertura;
j) condições de renovação automática;
k) vigência;
l) períodos de carência;
m) doenças e lesões preexistentes;
n) urgência e emergência;
o) remoção;
p) mecanismo de regulação;
q) formação do preço;
r) pagamento de mensalidade;
s) reajustes;
t) bônus;
u) regras para planos coletivos;
v) condições da perda da qualidade de beneficiário;
w) rescisão/suspensão;
x) serviços e coberturas adicionais;
y) disposições gerais
z) eleição de Foro
Além do que, todas as características gerais dos planos devem estar
27
registrados e adequados nos aplicativos enviados à ANS pelas Operadoras,
sob pena de não obterem seus registros definitivos dos produtos, o que
significa fiscalização e controle geral, a fim de que não haja prejuízo dos
consumidores.
É de vital interesse demonstrar o tamanho da imposição a que são
submetidas as operadoras de planos de saúde, que se agirem ao arrepio das
normatizações impostas pela ANS, estão sujeitas a multas altíssimas, de
milhões de reais, por tipo de infração que cometer, para que se possa aquilatar
que o consumidor está muito bem protegido, que normas e cláusulas
contratuais específicas, feitas para que possa haver solução de continuidade
num setor tão importante da sociedade, que é a prestação de serviços de
saúde.
Portanto, com todas as limitações impostas pelo órgão regulador, com
as Operadoras sendo obrigadas a manter uma elevada garantia para suportar
eventos imprevisíveis em relação a sua margem de solvência; em razão de
serem obrigadas a manter ativos garantidores vinculados à ANS, para
continuidade de suas operações, como pode dizer que não há proteção ao
consumidor?
Porque a lei do consumidor é tida por muitos juristas e pela maioria dos
magistrados como lei de ordem pública e que tem o poder de interferir
sobejamente sobre a lei especial, em qualquer circunstância e também quando
se trata de saúde suplementar?
Porque o CDC não é aplicado somente quando essa legislação especial
for omissa?
Certamente porque todos desconhecem a forma como é exercido o
controle, a fiscalização e a normatização pela ANS, pois se conhecessem,
possivelmente teriam visão completamente diferente e a lei especial haveria de
imperar, de ser soberana, como merece ser.
São indagações que têm respostas certas e merecem este estudo,
principalmente em razão da falta de sincronia entre os interesses do
consumidor e também do fornecedor dos serviços de saúde, neste caso
específico, tratando aqui das operadoras de planos. É óbvio que o CDC deve
ser aplicado como regra geral a outros setores da atividade e a contratos que
não têm regra própria, onde realmente há abuso; há lesão ao consumidor, mas
28
onde há fiscalização e controle, onde há normatização inclusive do conteúdo
que deve ter um instrumento jurídico para que seja registrado no órgão setorial,
não se pode seguramente ser tratado da mesma forma que as demais
atividades e demais contratos existentes por aí.
Onde ficam os direitos e interesses das operadoras, que são dia-a-dia
sufragados por decisões apenas a favor dos consumidores, preterindo a lei
especial, o contrato celebrado entre as partes, tudo com base na maioria das
vezes apenas na dignidade da pessoa humana, na falta de boa fé objetiva ou
em cláusulas abusivas?
Como pode ser contemplado os direitos da dignidade da pessoa
humana, se em primeiro lugar ela não tiver o direito em tese? O direito
substancial, o direito objetivo, o direito positivo?
Se o consumidor tem a proteção de um órgão regulador, como acreditar
que há cláusula abusiva? Se houvesse, certamente já teria sido declarada
como tal.
Que não se pode fazer incidir o artigo 47 do CDC, em que cláusulas
dúbias são interpretadas sempre a favor do consumidor, pois as cláusulas dos
instrumentos jurídicos das operadoras de planos de saúde como
demonstramos acima, são cláusulas pré-aprovadas pelo órgão regulador e
totalmente favorável ao consumidor, com algumas dando o equilíbrio
necessário para que as operadoras possam se manter no setor e praticando
aquela atividade econômica.
Poder-se-ia no passado sim, imaginar que não havia qualquer proteção
ao consumidor ao assinar um contrato de massa e no caso das instituições
financeiras, por exemplo, ainda não há um órgão de regulamente, que
normatize, que fiscalize e os atos praticados pelos bancos, mas no caso dos
planos de saúde, tem-se que realmente, os consumidores encontram-se
abarcados por uma legislação moderna, que cuida de seus interesses
específicos , mas que não deixa também de ver os direitos das operadoras,
pois um desequilíbrio contratual, pode levar à morte ou desestruturar
totalmente uma empresa de pequeno/médio porte, que já está lutando para
sobreviver frente a tantas garantias que é obrigada a dar à ANS, no sentido de
garantir a operacionalidade da sua condição de operadora de plano de saúde.
Assim, constata-se o porque existe o conflito de normas e porque uma
29
lei especial deve prevalecer sobre uma lei geral, cuja fundamentação jurídica,
além da fundamentação fática já explanada, encontra-se no bloco seguinte.
2.2 O conflito na aplicação da lei geral sobre a lei especial
2.2.1 As antinomias
As antinomias são também denominadas lacunas de conflito. O
ordenamento jurídico é um sistema aberto, em que há lacunas. Dessa forma, a
antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de
autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação
em determinado caso concreto.
Cumpre analisar primeiramente o Código de Introdução ao Código Civil,
que em seu artigo 2º menciona:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Neste caso, as normas que representam antinomia são o Código de
Defesa do Consumidor e a Lei que regula os Planos e Seguros à Saúde (Lei
8.078/91 e 9.656/98).
A primeira é uma lei geral que se aplica de forma indireta a todas as
relações de consumo; a segunda é uma lei especial, hierarquicamente superior
a primeira aqui tratada, sendo que não revogou nenhuma lei anterior, pelo
contrário, constou um dispositivo em que o Código do Consumidor se aplica
subsidiariamente a ela.
Vejam bem: a Lei 9.656/98 é uma lei nova e portanto posterior a lei
anterior; é uma lei especial e já foi aprovada baseada no equilíbrio contratual
entre fornecedor de serviço de saúde e o consumidor.
30
Como aplicar então à relação de consumo existente nos planos de
saúde, o Código do Consumidor, denominado de norma geral?
Apenas quando a lei especial não tiver definição ou não dispor sobre
determinado assunto de interesse do consumidor.
Não se pode olvidar, que se a segunda foi aprovada e a primeira já
existia, foi promulgada já nos moldes exigidos pela primeira e não poderá ser
invalidada qualquer de suas cláusulas sem a prova concreta de que há lacuna
ou omissão.
Assim, se houver na lei especial, disposição expressa sobre
determinado assunto, deverá sim prevalecer sobre a lei geral, pena de ofensa
ao principio constitucional da isonomia de direitos, pois o fornecedor dos
serviços também tem seus direitos.
2.2.2 Os critérios para a avaliação das leis
No presente estudo, utilizaremos parte das regras muito bem expostas
na obra Conflito de Normas, de Maria Helena Diniz (2003):
Na análise das antinomias, três critérios devem ser levados em conta para a solução dos conflitos: a) critério cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior; b) critério da especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral; c) critério hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior.
Dos três critérios acima, o cronológico, constante do art. 2º da LICC, é o
mais fraco de todos, sucumbindo frente aos demais. O critério da especialidade
é o intermediário e o da hierarquia o mais forte de todos, tendo em vista a
importância do Texto Constitucional, em ambos os casos. Superada essa
análise, interessante visualizar a classificação das antinomias, quanto aos
critérios que envolvem, conforme esquema a seguir:
a) no caso de conflito entre norma posterior e norma anterior, valerá a
primeira, pelo critério cronológico (art. 2º da LICC), caso de antinomia
de primeiro grau aparente;
b) norma especial deverá prevalecer sobre norma geral, emergencial
31
que é o critério da especialidade, outra situação de antinomia de
primeiro grau aparente;
c) havendo conflito entre norma superior e norma inferior, prevalecerá a
primeira, pelo critério hierárquico, também situação de antinomia de
primeiro grau aparente;
d) em um primeiro caso de antinomia de segundo grau aparente,
quando se tem um conflito de uma norma especial anterior e outra
geral posterior, prevalecerá o critério da especialidade, valendo a
primeira norma;
e) havendo conflito entre norma superior anterior e outra inferior
posterior, prevalece também a primeira (critério hierárquico), outro
caso de antinomia de segundo grau aparente;
f) finalizando, quando se tem conflito entre uma norma geral superior e
outra norma, especial e inferior, qual deve prevalecer?
Ora, em casos tais, como bem expõe Maria Helena Diniz não há uma
meta-regra geral de solução do conflito sendo caso da presença de antinomia
real. São suas palavras:
No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo uma norma superior-geral e outra norma inferior especial, não será possível estabelecer uma meta-regra geral, preferindo o critério hierárquico ao da especialidade ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito. Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, qualquer prevalência. Todavia, segundo Bobbio, dever-se-á optar, teoricamente, pelo hierárquico; uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas, na prática, a exigência de se adotarem as normas gerais de uma Constituição a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do critério da especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: suum cuique tribuere, baseado na interpretação de que ‘o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente’. Esse princípio serviria numa certa medida para solucionar antinomia, tratando igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e valorativamente. (DINIZ, 2003, p. 50)
Prossegue a eminente e consagrada jurista:
32
Na realidade, o critério da especialidade é de suma importância, pois também está previsto na Constituição Federal de 1988. O art. 5 º do Texto Maior consagra o princípio da isonomia ou igualdade lato sensu, reconhecido como cláusula pétrea, pelo qual a lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os desiguais. Na parte destacada está o princípio da especialidade, que deverá sempre prevalecer sobre o cronológico, estando justificado esse domínio. Mesmo quanto ao critério da hierarquia, discute-se se o critério da especialidade deve mesmo sucumbir. Desse modo, havendo essa antinomia real, dois caminhos de solução podem ser percorridos, um pela via do Poder Legislativo e outro pelo Poder Judiciário. Pelo Poder Legislativo, cabe a edição de uma terceira norma, dizendo qual das duas normas em conflito deve ser aplicada. Mas, para o âmbito jurídico, o que mais interessa é a solução do Judiciário. (DINIZ, 2003, p. 50)
Assim, o caminho é a adoção do princípio máximo de justiça, podendo
o magistrado, o juiz da causa, de acordo com a sua convicção e aplicando os
arts. 4º e 5º da LICC, adotar uma das duas normas, para solucionar o
problema.
Só que no caso sub in examine, a Lei que rege os planos de saúde, é
cronologicamente superior ao CDC; é especial e hierarquicamente superior ao
CDC, abarcando os três critérios acima que tiramos da lição de Maria Helena
Diniz.
Vale a pena mencionar que também a saúde suplementar emergiu de
disposições constitucionais, a exemplo do CDC, sendo que a saúde é a parte
essencial mais afetada e portanto mereceu uma legislação específica.
De modo que, a contrário senso, não concordar inteiramente com a
professora Maria Helena Diniz quando conclui que o Juiz deve de acordo com
sua convicção adotar uma das duas normas para solucionar o problema, uma
vez que restou pacificamente comprovado que aquela norma especial deve
prevalecer, haja vista que regula o setor, fiscaliza, normatiza, impõe regras
seguras, interfere na economia, enfim, é uma lei Especial que funciona, pois é
sancionadora.
Imaginar que o Poder Judiciário possa escolher a seu bel prazer,
qualquer das normas, que a Justiça dê interpretação de cláusulas favoráveis ao
consumidor, forjando uma situação com base no CDC, está sobremaneira,
atravessando os critérios acima estabelecidos, esvaziando os princípios da
hierarquia, da cronologia e da especialidade e o que é pior, ferindo o principio
33
constitucional da isonomia, que é a base de tudo, ferindo o equilíbrio
econômico/financeiro que é a base do negócio realizado.
A Lei Especial in casu é tão superior que é capaz de interferir na
atividade econômica de uma Operadora de plano de saúde a ponto de causar
seu desequilíbrio enconômico-financeiro, a ponto de colocá-la em estafa que
culminará com sua derrota total.
Não se pode dizer com isto que o Código de Defesa do Consumidor não
tenha aplicação a outros tipos de atividade que não são regulados como os
planos de saúde e merecem sim terem a peja do mesmo, mas neste caso,
onde há regras claras e precisas, com bases próprias, específicas, ditadas
especialmente por um setor essencial da vida humana, não poderá sobrepor-
se, pena de, diga-se novamente, causar o estrangulamento do setor
suplementar que está sendo muito utilizado pela população, desafogando o
governo de parte de seu dever que é propiciar a todos os cidadãos, o direito à
saúde, o que não conseguiu realizar a contento, necessitando da iniciativa
privada.
Assim, não há a menor necessidade de se analisar as cláusulas do
CDC, pois têm aplicação subsidiária à Lei 9.656/98 e, portanto, em havendo
lacuna na lei especial ou omissão, deverá ser aplicado para garantia dos
direitos do consumidor, não havendo o porque do conflito entre normas, uma
vez que a lei especial que regula os planos de saúde já garante inteiramente os
direitos do consumidor e tem o objetivo de equilibrar o contrato celebrado entre
as partes.
34
CAPÍTULO III
DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
3 COMENTÁRIOS SOBRE AS LIMINARES PROFERIDAS PELO
JUDICIÁRIO
Face ao panorama acima traçado, conclui-se que a realidade é bem
diferente da ideal e, ao ser analisado um pedido de liminar, os juizes pudessem
se ater, mais profundamente no conteúdo do que fora abordado neste trabalho,
cuja tese é contrária à maioria dos entendimentos doutrinários, que estão todos
do lado do consumidor, como se existisse apenas uma face da moeda.
Pode-se sentir em cada decisão proferida, sem oitiva da parte contrária,
que é muito mais cômodo utilizar certas cláusulas genéricas do CDC e aplicá-
las a todos os casos se quiserem, não precisando sequer saber do contrato,
das condições que fora celebrado o negócio jurídico, bastando apenas
contemplar os direitos do consumidor. É o que a maioria faz, salvo alguns
poucos que têm ouvido a parte contrária pelo menos, antes de proferir uma
decisão liminar.
É difícil ser a parte hipossuficiente e salvo raras exceções no mundo,
todos podemos ser considerados assim frente a algumas ou a maioria das
situações, até mesmo o Bill Gates, que também é um consumidor, seja de
energia elétrica ou qualquer outra coisa.
Assim, as liminares obtidas no Judiciário pelos consumidores de planos
de saúde são em sua grande maioria derivadas de julgamentos tidos como
cláusula abusiva e que devem ser interpretadas mais favoráveis ao
consumidor, fazendo ouvidos moucos à lei especial, ao que foi contratado que
também faz lei entre as partes.
O que se vê são decisões alicerçadas em dispositivos do CDC, que são
genéricos, que não estão delimitados por lei especial e que deveriam sim ser
aplicados mas a outros setores da sociedade, que não a saúde suplementar,
tão bem regulada.
35
3.1 Jurisprudência
Segue a título de exemplificação com decisões recentes emanadas de
nossos Tribunais, quão tem sido a base de seus julgados ao proferirem as
liminares. São todas com base no CDC, relegando automaticamente a Lei
9.656/98 e suas resoluções normativas:
Ementa: Plano de saúde - Implantação de STENT - Alegação da seguradora de que se trata de uma prótese, devendo incidir a cláusula contratual que prevê a exclusão de cobertura - Inadmissibilidade - Dever de custeio por parte da em presa-ré - Sentença mantida - Não provimento. (TJSP – Apelação 4581864800 – 4ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Enio Zuliani – julgado em 10.04.2008) Ementa: Plano de saúde - Quimioterapia - Período de carência - Autor que possuía contrato anterior cuja interpretação é de que já havia cobertura de tratamento quimioterápico - Durante o tratamento, há adaptação do contrato para cumprimento dos termos da Lei 9656/1998, de forma que não pode ser exigido do autor o cumprimento de carência para dar continuidade no tratamento através da quimioterapia. (TJSP – Apelação 4607824800 – 4ª Câmara de Direito Privado - Relator Desembargador Enio Zuliani – julgado em 15.05.2008) Ementa: Plano de saúde. Restrição à cobertura de exames de investigação diagnostica. Internação de urgência em hospital freqüentado pela paciente. Cláusula abusiva. Nulidade. Sentença de improcedência reformada. Recurso provido. (TJSP – Apelação com Revisão 5596594300 – 8ª Câmara de Direito Provado – Relator Desembargador Caetano Lagrasta – julgamento em 12.05.2008) Ementa: VOTO 04-2008 Plano de Saúde? Tratamento quimioterápico - Prescrição médica de medicamento importado necessário ao tratamento - Recusa de cobertura por parte da operadora do plano de saúde – Cláusula abusiva- Inaplicabilidade, na espécie, do art. 10, V, da Lei n. 9.656/98, vez que a medicação prescrita é inerente ao tratamento quimioterápico coberto pelo contrato (TJSP – Recurso Inominado 31087 – 1ª Turma Cível – Relator Desembargador Jorge Costa – julgamento em 15.01.2008) Ementa: "PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO- HOSPITALARES - AÇÃO DE COBRANÇA - COBERTURA NEGADA PELO PLANO DE SAÚDE - ALEGAÇÃO DE PROCEDIMENTO EXCLUÍDO DA COBERTURA – CLÁUSULA ABUSIVA- ADITIVO CONTRATUAL - INEFICÁCIA - AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE - RECURSO PROVIDO. (TJSP – Apelação com Revisão 939672005 – 26ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Renato Sartorelli – julgamento em 14.04.2008) Ementa: Plano de saúde - Colocação de prótese e navegador - Objetos necessários e ligados à intervenção cirúrgica - Afastamento de cláusulas Umiliativas, abusivase iníquas - Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da lei
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9656/98 - Honorários fixados em 10% do valor da condenação - Recurso da requerida improvido e do autor, provido. (TJSP – Apelação 5274204400 – 9ª Câmara de Direito Privado – julgamento em 08.04.2008) Ementa: Plano de saúde - Pouco importa se os stents são ou não considerados próteses - Fazendo parte do procedimento cirúrgico., é abusiva a cláusula que exclui os stents, as órteses e as próteses da cobertura do plano de saúde - Se a finalidade do plano de saúde é promover a cura do segurado, a cláusulacontratual que limita o total restabelecimento do paciente é abusiva. (TJSP – Agravo de Instrumento 5285764200 – 9ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador José Luiz Gavião de Almeida – julgamento em 11.04.2008) Ementa: [...] - PRELIMINAR AFASTADA. PLANO DE SAÚDE- Tratamento psiquiátrico decorrente de dependência química - Situação de emergência - Internação em clínica não credenciada, por iniciativa de médico não cooperado - Limite temporal para internação - Impossibilidade - Negativa de cobertura baseada em cláusula do ajuste e a teor da Resolução CONSU n° 11/98 – Impossibilidade. (TJSP – Apelação com Revisão 5443574000 – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Elcio Trujillo – julgamento em 26.03.2008) Ementa: ... de Processo Civil - PRELIMINAR AFASTADA. PLANO DE SAÚDE - Negativa de cobertura de tratamento de doença congênita - Alegação de ser doença preexistente - Exclusão contratual - Inadmissibilidade - Configurada situação de urgência/emergência - Incidência do art. 35-C da Lei 9.656/98 - Carência de 24 horas cumprida - Infringência ao Código de Defesa do Consumidor. (TJSP – Apelação com Revisão 5231804900 – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Elcio Trujillo – julgamento em 26.03.2008) Ementa: ... de tratamento de doenças preexistentes. Aplicação do disposto no artigo 12, inciso V, letra "c", da Lei 9.656/98 e do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. Ofensa, ainda, ao princípio da boa-fé que deve nortear os contratos consumeristas. Atenuação e redução do princípio do pacta sunt servanda. Incidência do disposto no artigo 421 do Código Civil. (TJSP – Apelação com Revisão 4958214800 – 3ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Donegá Morandini – julgamento em 29.04.2008) Ementa: ... pouco importando a não adaptação do contrato à Lei 9.656/98. Aplicação do disposto no artigo 51, inciso IV, do Código de Processo Civil. Inexistência, ademais, de afronta ao binômio custo- benefício. Custos da cobertura diluídos na receita obtida dos demais usuários que pouco utilizam o plano de saúde. Custo inserido na atividade desenvolvida pela recorrida. (TJSP – Apelação com Revisão 4977414700 – 3ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Donegá Morandini – julgamento em 29.04.2008) CONTRATO - Plano de saúde - Exclusão contratual - Inocorrência - Peça destinada a propiciar uma cirurgia eficaz - Órtese ou prótese - Não caracterização - Interpretação da ré torna a cláusula iníqua e abusiva - Não adaptação do contrato
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à Lei n° 9.656/98 - Irrelevância - Recurso não provido. (TJSP – Apelação Cível 5399024700 – 1ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Sousa Lima – julgamento em 15.04.2008)
Enfim, são poucas as jurisprudências favoráveis às Operadoras, sendo
muito difícil compilá-las e os dispositivos do CDC abordados nas decisões são
sempre os mesmos: Cláusula iníqua e abusiva, ofensa ao principio da boa-fé,
todos estes completamente genéricos que podem ser sustentados pelos
magistrados, por puro comodismo, sem a necessidade de se analisar a Lei
especial e suas regulamentações normativas, como se não fossem nada, se
não valessem para nada, atropelando o critério de interpretação das leis, à seu
bel prazer, tudo em favor do consumidor, preterindo totalmente o direito das
operadoras.
Para que a Justiça fosse feita, haveria necessidade de se analisar os
dois lados, o contrato, a lei Especial. Se para aderir ao plano, há um regra,
como pode o Poder Judiciário quebrar estas regras?
Que tais constatações abordadas neste humilde trabalho não são frutos
de elucubrações cerebrinas, mas são constatações fáticas, vividas no dia-a-dia
que fazem ver que a praxe é esta, ou seja, preterir lei especial em detrimento
da lei geral. Só existe uma face da moeda, onde a outra foi totalmente
desprezada e não adianta utilizar os melhores argumentos que serão
imbatíveis pelo querer-Poder, mas certamente a tendência no futuro é de
mudar o que não é imutável, corroborando que a moeda possui duas faces!
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CONCLUSÃO
O conflito existe. De um lado o interesse do consumidor em preservar
sua vida, saúde, a integridade física e psíquica; de outro lado a operação
econômica cujo equilíbrio deve ser garantido a fim de poder continuar
garantindo a eficiência do objeto contratado.
Para garantir o direito do consumidor, temos o CDC. Para garantir o
equilíbrio entre esses valores, foi elaborada a Lei 9.656/98 que adotou a lei
consumerista como subsidiária.
Demonstrou-se que em havendo a lei Especial, a lei de caráter geral não
pode imperar, a não ser quando existe lacuna ou omissão na lei especial,
devendo aquela ser obedecida e ser acatada, já que é cronológica e
hierarquicamente superior, além de ser Especial, como o próprio nome diz,
sendo que não estará divorciada da aplicação do CDC, mesmo no caso de
planos de saúde, pois nem todas as operadoras cumprem corretamente a lei
especial. Mas, uma vez demonstrado o seu cumprimento, não há porque
renegá-la em detrimento de outra, de caráter geral, inferior àquela, nos casos
dos planos de saúde, diga-se novamente, não se olvidando que tenha
aplicação mais direta em outros setores da atividade econômica que não são
regulamentadas.
O presente trabalho ainda está muito aquém do que gostaria e do que
poderia ser, mas não se encontram muitas idéias que comunguem com a
mesma desta modesta estudiosa do ramo do Direito da Saúde Suplementar,
cuja pesquisa não possui um campo vasto, mas que certamente ganharão
muitos adeptos, necessário para que se modifique a cultura jurídica que ora se
instala e que acaba dominando os Tribunais, embora seja injusta a tese de que
lei geral prevalece sobre lei especial.
VIVA O CONFLITO QUE MOVE OS ESTUDIOSOS A DESCOBRIREM
NOVAS TESES!
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REFERÊNCIAS
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Brasília. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/portalv4/site/home/default.asp>. Acesso em: 08 fev. 2008. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de out. 1988. ______. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. Institui a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 09 de set. 1942. ______. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 de set. 1990 – Retificado no Diário Oficial da União de 10 de jan. de 2007. ______. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 04 de jun. 1998. ______. Lei nº 9.961, de 22 de julho de 1998. Altera a Tabela de Valores da Taxa de Fiscalização da Instalação por Estação, objeto do ANEXO III da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e o funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional no 8, de 1995. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 de jul. 1998. DINIZ, M. H. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 2003. GREGORI, M. S. Planos de saúde: a ótica da proteção ao consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. NUNES JUNIOR, V. S.; SERRANO, Y. A. P. Código de defesa do consumidor interpretado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. RIZZATTO NUNES, L. A. Comentários à lei de plano privado de assistência à saúde. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
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______. O código de defesa do consumidor e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. SCHAEFER, F. Responsabilidade civil dos planos e seguros de saúde. Curitiba: Juruá, 2005. SILVA, J. A. Q. de C. Código de defesa do consumidor anotado e legislação complementar. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. SILVA, J. L. T. Manual de direito da saúde suplementar: a iniciativa privada e os planos de saúde. São Paulo: M.A Pontes Editora, 2005. TARTUCE, F. Surge um novo direito civil. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 10 mar. 2008. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 05 fev. 2008.