configuraÇÕes identitÁrias profissionais de … · ísse mais essa etapa. ... À minha avó...

Download CONFIGURAÇÕES IDENTITÁRIAS PROFISSIONAIS DE … · ísse mais essa etapa. ... À minha avó Conceição de Castro Cota pelo exemplo de mulher guerreira e por ter ... de canto,

If you can't read please download the document

Upload: duongkhue

Post on 16-Nov-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

    LUSA VOGT COTA

    CONFIGURAES IDENTITRIAS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES DE

    CANTO

    UBERLNDIA

    2015

  • 2

    LUSA VOGT COTA

    CONFIGURAES IDENTITRIAS PROFISSIONAIS DE PROFESSORES DE

    CANTO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Artes/Mestrado do Instituto de

    Artes, da Universidade Federal de Uberlndia,

    como requisito parcial para a obteno de ttu-

    lo de Mestre em Artes.

    Subria: Msica

    Linha de pesquisa: Prticas e Processos em

    Artes

    Orientadora: Prof. Dr. Snia Tereza da Silva

    Ribeiro

    Uberlndia

    2015

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

    C843c

    2015

    Cota, Lusa Vogt, 1989-

    Configuraes identitrias profissionais de professores de canto /

    Lusa Vogt Cota. - 2015.

    153 f. : il.

    Orientadora: Snia Tereza da Silva Ribeiro.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Uberlndia,

    Programa de Ps-Graduao em Artes.

    Inclui bibliografia.

    1. Msica - Teses. 2. Canto - Instruo e estudo - Teses. 3.

    Professores - Teses. I. Ribeiro, Snia Tereza da Silva. II. Universidade

    Federal de Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Artes. III.

    Ttulo.

    CDU: 78

  • 4

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Prof. Dr. Snia Ribeiro, pela orientao sensvel e dedicada. Seu amor pesquisa e

    o seu ser professora me inspiram a cada dia. Muito obrigada!

    Ao Programa de Ps-graduao em Artes Mestrado em Artes, em especial aos coor-

    denadores professores Dr. Narciso Teles e Dr. Marco Antnio Pasqualini Andrade e

    secretria Raquel Peppe.

    Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) por financi-

    ar esta pesquisa proporcionando uma dedicao maior ao trabalho.

    Aos professores participantes da pesquisa que generosamente concederam o seu tempo

    e me deram a oportunidade de saber mais sobre seus trabalhos e suas trajetrias.

    s professoras Dr. Cintia Thais Morato e Dr. Ana Lcia Louro Hettwer, membros da

    Banca Examinadora, pela acuidade na leitura do texto e contribuies a partir de seus

    olhares.

    professora Dr. Lilia Neves Gonalves pelas discusses e comentrios valiosos no

    perodo inicial de desenvolvimento da pesquisa.

    Aos colegas do grupo de pesquisa FEMusi (Formao em Educao Musical) pelas lei-

    turas e discusses sempre muito contundentes.

    Aos professores de canto da Universidade Federal de Uberlndia Dr. Flvio Carvalho e

    Ma. Poliana Alves por me ensinarem sempre e por proporcionarem tantas oportunidades

    de subir ao palco.

    Ao pianista Thiago de Freitas por ser um coorientador para as subidas ao palco e pelas

    dicas valiosas sobre as ferramentas escondidas no Microsoft Office Word no perodo de

    escrita deste trabalho.

    Aos alunos da Classe de Canto da UFU que foram meus companheiros na dupla jornada

    Mestrado/Bacharelado. Obrigada pelo apoio e incentivo.

    Aos colegas de mestrado em especial Katiane, Paulo, Gislaine, Lvia, Mrcia, Ceclia,

    Sarita, Ivy e Renato pelos momentos de discusso sobre as pesquisas, pelos desabafos e

    pelas companhias nas viagens congressos.

    Ao meu pai Ulisses Antnio Cota pelo amor e apoio incondicional para que eu conclu-

    sse mais essa etapa.

    minha me Ana Maria Vogt por me apresentar esse mundo da msica e por estar

    sempre ao meu lado.

  • 6

    Ao meu irmo Lucas Vogt Cota pelo carinho fraterno, por me ajudar e socorrer sempre

    que preciso.

    minha av Conceio de Castro Cota pelo exemplo de mulher guerreira e por ter

    sempre um remdio vindo da sabedoria popular para os momentos stress e um ditado

    sempre bem vindo para os momentos de angstia.

    Ao Renato Mendes Rosa por ser o maior e melhor companheiro nessa jornada musical,

    acadmica e da vida afora. Obrigada pelo amor e carinho! Obrigada por vibrar comigo!

    minha tia Maria Amlia de Castro Cotta, meu exemplo de pesquisadora, por estar

    sempre disposta a me ajudar indicando leituras e trazendo quilos de livros sobre as

    temticas que eu precisava.

    s minhas tias Maringela Vogt e Tnia Maria de Castro Cotta por serem sempre dedi-

    cadas presentes.

    Aos meus primos Marcela, Rafael, Natlia, Leandro, Csar Augusto e Eduardo por se-

    rem companheiros de infncia, adolescncia e juventude. Obrigada pelas conversas so-

    bre profisso, mestrado e atuao profissional.

    Marisa Meireles Machado (Mainha) por ser o meu anjo da guarda cuidando de mim

    no perodo de infncia e adolescncia nos momentos em que meus pais no podiam es-

    tar presentes.

    Camila Teresa Leal Ferreira pela amizade sincera e por estar comigo em todos os

    momentos.

    Helosa Rotelli Resende Vilela, minha primeira professora de msica, um exemplo de

    uma Educao Musical sensvel.

  • 7

    RESUMO

    Inserido no campo da formao de professores e das prticas profissionais do professor

    de canto, este trabalho tem como objetivo compreender como so configuradas as iden-

    tidades profissionais de professores de canto. Para este propsito, foi necessria a articu-

    lao de conceitos abertos de profisso bem como das identidades profissionais, tendo

    como referencial terico consideraes de Claude Dubar (1998,2005,2009). Nessa pes-

    quisa foram entrevistados quatro professores de canto que exercem a profisso na cida-

    de de Uberlndia MG. Esses professores tm uma prtica docente ampla que vo desde

    o ensino de canto no Conservatrio Estadual de Msica e escolas particulares especfi-

    cas de msica at projetos sociais com Canto Coral em associaes, ONGs e igrejas.

    Alm disso, h professores que ministram aulas particulares de canto na sua residncia e

    na residncia dos alunos e, ainda, cantam em casamentos e eventos com seus grupos

    musicais. O material emprico foi coletado por meio de entrevistas semiestruturadas as

    quais possuram um roteiro sob trs eixos: auto imagem, formao e experincia profis-

    sional. A anlise dos dados foi feita a partir da Anlise do Discurso. Os fios discursivos

    deram visibilidade s identidades profissionais configuradas por esses professores. Den-

    tre as principais concluses foi possvel destacar uma identidade ampla do professor de

    canto. Ao mesmo tempo em que ministram aulas de canto, outras disciplinas na rea da

    msica so ministradas e outras atividades so realizadas. H tambm o que denominei

    a partir dos conceitos de Dubar (2005) como identidades tpicas dos professores de can-

    to. Essas identidades tm como principais delineamentos quelas culturas profissionais

    especficas desse profissional. Dentre elas possvel destacar a particularidade do ins-

    trumento voz e a metodologia para se ministrar aulas de canto. Ao perceber que as iden-

    tidades profissionais do professor de canto so amplas, pode-se compreender que estas

    tambm so marcadas por dualidades que esto entre ser professor de canto e regen-

    te/preparador de coros, entre o repertrio erudito e popular, entre ser performer e ser

    professor, entre um modelo de ensino e o uso de tecnologias, dentre outras. Os resulta-

    dos contribuem para um entendimento mais aberto acerca das identidades profissionais

    do professor de canto bem como a atuao desse profissional.

    Palavras-chave: professores de canto, identidades profissionais, profisso professor.

  • 8

    ABSTRACT

    Within the scope of teacher education and professional singing teacher practices, this

    study aims to understand how the professional identities of singing teachers are config-

    ured. For this purpose, the articulation of concepts of profession as well as professional

    identities was necessary, using the consideration by Claude Dubar (1998; 2005) as the

    theoretical framework. For this research study, four singing teachers were interviewed

    in Uberlndia-MG. The teachers have a wide teaching practice ranging from singing

    teaching at the Conservatory of Music and specific private music schools to teaching in

    Choirs on social projects from associations, NGOs and churches. In addition, some

    professionals teach private singing lessons in their and their students' residences and

    also sing at weddings and other events with their musical groups. The empirical mate-

    rial was collected through semi-structured interviews whose script was subdivided in

    three areas: self-image, education, and professional experience. Data analysis was con-

    ducted through Discourse Analysis. The discursive strands gave visibility to the profes-

    sional identities configured by the teachers. Among the main findings, it was possible to

    highlight a broad identity of the singing teacher. Apart from singing lessons, they also

    teach other music disciplines and hold other activities. There is also what I called typi-

    cal identities of singing teachers based on concepts by Dubar (1998, 2005, 2009). Such

    identities are mainly outlined by the specific professional cultures of this professional.

    Among them, it is possible to highlight the particularities of the voice instrument to be

    worked and the methodology used in the singing teaching. By realizing that the profes-

    sional identities of singing teachers are broad, one can understand that they are also

    marked by the dualities of being a singing teacher and choir conductor/preparer; work-

    ing with classical and popular repertoires; being a performer and a teacher; following a

    teaching model and using technology, among others. The results contribute to a wider

    understanding of the professional identities of the singing teacher as well as of the work

    carried out by such professional.

    Key Words: singing teachers, professional identities, teaching profession.

  • 9

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1- Dados das entrevistas......................................................................................28

  • 10

    SUMRIO

    Captulo 1 - INTRODUO .................................................................................... 12

    1.1 Ser professor de canto ....................................................................................... 12

    1.2 Construindo o objeto de estudo............................................................................. 13

    1.3 Elaborando os objetivos e justificativa .................................................................. 17

    1.4 A estrutura da dissertao ..................................................................................... 18

    Captulo 2 - METODOLOGIA................................................................................. 20

    2.1 Tipo de pesquisa................................................................................................... 20

    2.2 Mtodo de pesquisa .............................................................................................. 21

    2.2.1 O estudo de caso como opo ..................................................................... 21

    2.2.2 Delimitando a unidade-caso ....................................................................... 22

    2.3 Coleta de dados .................................................................................................... 22

    2.3.1 A entrevista semiestruturada como procedimento de coleta de dados .......... 22

    2.3.2 Preparando as entrevistas............................................................................ 23

    2.3.3 Realizando as entrevistas ............................................................................ 24

    2.3.4 Transcrevendo as entrevistas ...................................................................... 26

    2.3.5 Apresentando os participantes da pesquisa ................................................. 27

    2.4 Anlise do discurso para interpretar discursividades das falas ............................... 35

    2.4.1 Categorizao do material emprico ............................................................ 37

    2.4.2 Textualizao dos dados ............................................................................. 37

    Captulo 3 - REVISO DA LITERATURA ............................................................ 38

    3.1 Profissionalizao docente: aspectos histricos..................................................... 38

    3.2 Socializao do profissional docente .................................................................... 40

    3.3 Ser professor de msica ........................................................................................ 42

    3.4 Alguns pressupostos sobre o ensino de canto ........................................................ 45

    3.5 Canto, individualidade, identidade ........................................................................ 49

    Captulo 4 - REFERENCIAL TERICO ............................................................... 52

    Captulo 5 CONFIGURAES IDENTITRIAS MARCADAS POR

    LUGARES DA PROFISSIONALIZAO ............................................................. 56

    5.1 Lugares da formao e experincias com a profisso ............................................ 57

    5.2 Lugares onde acontecem as aulas de canto ........................................................... 64

  • 11

    Captulo 6 - CONFIGURAES MARCADAS POR IDENTIDADES TPICAS

    DOS PROFESSORES DE CANTO.......................................................................... 69

    6.1 Particularidades da voz ......................................................................................... 69

    6.2 Conhecimentos especficos musicais e extra musicais dos professores de canto .... 73

    6.3 O ensino centrado no aluno: o corpo, a voz, o repertrio....................................... 75

    6.4 Metodologias do ensino de canto .......................................................................... 79

    Captulo 7 - CONFIGURAES IDENTITRIAS MARCADAS PELA

    DUALIDADE ............................................................................................................ 84

    7.1 Nuances de identidade para si e identidade para o outro: as imagens de professores

    de canto ...................................................................................................................... 84

    7.2 Aulas e mercado .................................................................................................... 87

    7.3 Repertrio erudito e popular ................................................................................. 89

    7.4 Aulas de canto e preparao de coros .................................................................... 94

    7.6 Texto e msica, interpretao e criao .............................................................. 102

    7.7 Modelo de ensino do canto e o uso de tecnologias .............................................. 105

    CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 110

    REFERNCIAS ...................................................................................................... 115

    APNDICE A ......................................................................................................... 121

    APNDICE B .......................................................................................................... 123

    ANEXOS ................................................................................................................. 124

  • 12

    Captulo 1 - INTRODUO

    1.1 Ser professor de canto

    O tema desta pesquisa se relaciona aos processos de configuraes de identida-

    des profissionais de professores de canto construdas ao longo da socializao. O inte-

    resse elucidar os processos de socializao profissional da carreira do professor de

    canto, bem como a relao desse professor com suas expectativas, desafios, frustraes

    diante da profisso.

    O estudo parte da considerao de que ser professor de canto est interligado a

    construo de identidades sociais e profissionais. Tem o entendimento continuado e

    inconcluso de uma construo implicada com os modos dos professores se identificarem

    no exerccio da profisso. Diz respeito a um processo histrico vivo de formao de

    configuraes identitrias que so valorizadas pelos sujeitos e legitimadas nos mundos

    onde vivem e atuam. Reconhece que identidades profissionais so construdas em per-

    cursos que incluem contextos de vida social, formao e trabalho desses sujeitos.

    A partir de um olhar do campo da Educao Musical esta investigao se dedi-

    cou a compreender construes de identidades profissionais de professores de canto que

    atuam em Uberlndia-MG. Para tanto, alguns estudos preliminares sobre a temtica

    relacionada ao ser professor de msica e sobre a construo de identidades desses

    professores so caminhos significativos para a delimitao do tema.

    Nesse aspecto, compreender como so construdas essas identificaes implicou

    em desvelar alguns processos de socializao vividos pelos professores de canto na fa-

    mlia, escola, trabalho. Com essa perspectiva, os fundamentos tericos esto ligados a

    algumas questes do processo de socializao de docentes que envolvem consideraes

    sobre ser professor de canto bem como o reconhecimento deles como profissional

    dessa rea.

    Os estudos de Dubar (1998, 2005, 2009) permitem observar e interpretar proces-

    sos de identificao nas falas dos professores como resultado de momentos de socializa-

    o que depende de suas trajetrias de vida. O autor, ao dialogar com a teoria do habitus

    proposta por Bourdieu, discute sobre a construo das identidades sociais e profissio-

    nais. Afirma que a identidade no se forma no nascimento do ser humano, ela constru-

    da na infncia e ao longo da vida. O autor entende a socializao como incorporao do

    habitus, como um processo interativo e formador de identidade. De modo geral, a soci-

  • 13

    alizao constitui uma incorporao dos modos de ser (de sentir, de pensar e de agir)

    de um grupo, da sua viso de mundo e da sua relao com o futuro, das suas posturas

    corporais, assim como das suas crenas ntimas [...] (DUBAR, 2005, p.79).

    1.2 Construindo o objeto de estudo

    No processo de ser professora de canto muitas reflexes, dvidas e inquieta-

    es so vividas. Deparo-me com situaes que me fazem experimentar prticas peda-

    ggicas vinculadas s vivencias como cantora, articular aspectos da minha individuali-

    dade com o social, negociar papis e formas de agir que constituem identificaes pro-

    fissionais da rea. Nesse sentido, a escolha em estudar a temtica sobre as configuraes

    identitrias de professores de canto tem a ver com essas identificaes profissionais

    advindas da minha formao e atuao.

    Minha trajetria se dialoga com as trajetrias dos professores participantes da

    pesquisa. Comecei a cantar desde muito criana nas aulas de msica na Educao Infan-

    til. Alm disso, a minha relao com a msica comeou de forma precoce no mbito

    familiar. Meu av era cantor e compositor na cidade em que morava, participou e apre-

    sentou programas da rdio local. Nas festas de famlia sempre havia um momento para a

    msica. Minha me e minha tia seguiram os passos do meu av. A primeira fez o curso

    tcnico em piano e a segunda, o curso tcnico em violo, mas optaram seguir profisses

    diferentes ao ingressar no curso superior. Ao viver em um ambiente onde a msica era

    to presente a vontade de estudar comeou ainda na infncia.

    A escola em que eu estudei montou um coral infantil e na poca eu era uma das

    crianas mais novas a ingressarem no coral, aos oito anos de idade. Naquele ano tam-

    bm iniciei os estudos de piano no Instituto Musical Uberabense. As oportunidades de

    cantar sempre apareciam. Embora eu fosse aluna de piano, minha professora sempre

    me colocava pra cantar nas apresentaes, porque segundo ela, eu era muito afinadi-

    nha. Assim, nas audies de piano, alm de tocar eu acabava cantando todas as vezes.

    Minha histria de infncia e adolescncia teve a presena do canto e do piano,

    mas as oportunidades de cantar sempre apareciam com mais frequncia. Ainda criana

    cantei alguns solos juntamente ao coral. Alm disso, como eu estudei em um colgio

    catlico eu sempre cantava nas missas e celebraes da escola.

  • 14

    Aos treze anos comecei a estudar canto. A partir de ento as oportunidades de

    cantar no pararam mais. Foram muitas apresentaes, musicais, recitais, casamentos

    etc. Ento eu permanecia ali: aulas de canto, aulas de piano e ensaios do coral. Lembro-

    me dos encontros de corais que participei e das oficinas que eram oferecidas nesses e-

    ventos. Quando completei quinze anos, o coral da escola fechou. Foi um motivo de mui-

    ta tristeza para mim e para muitos coralistas. Eu tinha um afeto por aquele coral. Ao

    entrar, eu era a criana mais nova e quando o coral acabou eu era uma das mais velhas.

    Alm disso, por ser estudante de piano eu tive oportunidades de ser uma monitora do

    coral. Eu ajudava a fazer os vocalizes ao piano e acompanhava algumas msicas.

    Com a entrada no Ensino Mdio eu precisava fazer opo de uma profisso.

    Pensava em vrias, mas a msica sempre permanecia dentro das minhas opes. Eu

    estudava piano e canto, s que nessa poca a minha paixo pelo canto falava muito mais

    alto. Primeiro porque tive mais oportunidades de cantar e segundo porque analisando a

    minha trajetria, acredito que as aulas de canto eram mais interessantes, mais incentiva-

    doras. Aprendi a tocar piano com professoras tradicionais e mtodos tradicionais. Livros

    e mais livros de tcnica pianstica e apenas uma pea por semestre para apresentar na

    audio. Com o passar do tempo achava aquilo at mesmo chato. Enquanto que nas au-

    las de canto eu tive oportunidade de cantar diferentes tipos de msica e, principalmente

    aquelas que eu mais gostava.

    Foi a partir disso que decidi abandonar as aulas de piano e focar nas aulas de

    canto. Fiz uma prova para ingressar no curso tcnico do conservatrio, j que eu possua

    uma iniciao musical. Comecei ento a estudar canto erudito e me preparar para in-

    gressar na universidade. Iniciei o curso de graduao em msica no segundo semestre

    de 2008 na Universidade Federal de Uberlndia (UFU). Mudei-me de Uberaba para

    Uberlndia para fazer a graduao.

    Ao iniciar a graduao veio a primeira dvida: eu iria cursar licenciatura ou ba-

    charelado? Lembro-me que na poca eu perguntava para muitos alunos sobre suas esco-

    lhas e havia uma disciplina para nos orientar a qual se chamava Formao do Profissio-

    nal da Msica. Com dezoito anos de idade eu tinha aquele anseio de cantar, de ser can-

    tora, mas foi ento que eu comecei a pensar nas garantias em me formar tambm pro-

    fessora.

    Na Universidade Federal de Uberlndia, o curso de Licenciatura em Msica pos-

    sui a habilitao em instrumento/canto. A partir desse currculo os alunos se formam

    no apenas para atuarem com as aulas de msica na educao bsica, mas principalmen-

  • 15

    te em escolas especficas de msica. Alm das disciplinas de estgios nas escolas e me-

    todologias de ensino, h tambm aulas de instrumento/canto durante todo o curso bem

    como as matrias pedaggicas decorrentes dos mesmos, como, por exemplo: metodolo-

    gia do ensino do instrumento/canto e literatura do instrumento/canto. Foi ento que op-

    tei por fazer a licenciatura, pois assim eu me formaria professora e cantora. No satisfei-

    ta, eu tambm fiz a opo pelo vnculo para o curso de bacharelado ao trmino da licen-

    ciatura.1

    Embora na poca eu tivesse incertezas para escolher sobre minha profisso, a-

    credito que fiz a escolha certa. No curso de licenciatura tive oportunidade de participar

    da iniciao cientfica e foi algo decisivo para a minha a formao. Lembro-me das au-

    las de estgio que muitos alunos que j atuavam como professores achavam chatas e

    como eu ainda no atuava, adorava. Levava material didtico, elaborava atividades. Ao

    apresentar minha pesquisa de iniciao cientfica em congressos eu sempre procurava

    novidades nas bancas de livros para levar para o estgio na escola.

    Alm da minha formao pedaggica, considero minha formao musical tam-

    bm positiva e com muitas oportunidades e experincias. Foram muitos concertos, pro-

    jetos, festivais e trabalhos com msica de cmara, o que fez com que eu tivesse muitas

    oportunidades de cantar no perodo da graduao. Alm disso, tambm participei do

    Coral da UFU. Durante os trs anos em que participei do coral fui solista em duas pe-

    ras e tambm participei de outras peras e concertos.

    Pouco antes de me formar na Licenciatura em Msica, eu j tinha alunos particu-

    lares de canto e, assim que me formei nessa habilitao, atuei como professora substitu-

    ta de canto durante um tempo no conservatrio estadual da cidade de Araguari e come-

    cei a ministrar aulas em uma escola particular de msica em Uberlndia. Ao iniciar mi-

    nha prtica como professora de canto, eu queria saber sobre a realidade dessa prtica,

    sobre como meus colegas do curso de graduao que atuavam como professores de can-

    to trabalhavam e como eles se formavam professores nos diversos espaos. Alm disso,

    como eles pensavam a prtica de ensinar canto, como eles vivenciavam o ensino de can-

    to etc.

    1 Segundo o Projeto Pedaggico do Curso de Msica a opo por modalidade (Bacharelado ou Licencia-

    tura) feita ao final do primeiro semestre do curso com a possibilidade de uma mudana de modalidade

    ao final do segundo semestre do curso. (PROJETO PEDAGGICO DO CURSO DE MSICA, 2012, p.

    68). Assim, os alunos optam pela licenciatura, bacharelado ou os dois, Ao optar pelas duas modalidades

    necessrio fazer primeiro a licenciatura para a permanncia de vnculo para o bacharelado. O vnculo para

    a complementao do bacharelado tem durao mnima de trs semestres. Caso o aluno queira fazer o

    bacharelado e, posteriormente a licenciatura necessrio fazer outra prova de vestibular.

  • 16

    Muitos dos meus colegas eram professores nos conservatrios e buscavam

    formar-se na licenciatura em msica para regularizar as suas situaes como professores

    nessas instituies. O curso de msica da Universidade Federal de Uberlndia recebe

    alunos de outras cidades da regio como Uberaba, Araguari e Ituiutaba. Tanto nessas

    cidades quanto em Uberlndia, h conservatrios estaduais de msica. Com isso, o mer-

    cado de trabalho para professores de instrumento/canto amplo sendo comum os alu-

    nos, durante o perodo de estudos da graduao, atuarem como professores de instru-

    mento/canto no apenas nos conservatrios, mas com aulas particulares em escolas es-

    pecficas e/ou aulas particulares em casa ou na casa dos alunos.

    O trabalho de Morato (2009) elucida a realidade dos alunos de graduao da

    UFU de estudar msica e trabalhar com msica ao mesmo tempo. Os alunos no se

    formam para serem docentes ou trabalhadores na rea da msica, j ocupam esse papel

    na sociedade antes de se formarem no curso superior em msica. A autora explicita que

    a procura pela licenciatura acontece, principalmente, na busca por continuar como do-

    cente nos conservatrios estaduais, tendo em vista o fato de no ter ocorrido concursos

    para os cargos de professores nos ltimos anos. Assim, para ocupar o cargo de profes-

    sor, ser licenciado em msica critrio e classificao segundo a Resoluo n.826/2006

    da Secretaria Estadual de Educao de Minas Gerais (MORATO, 2009, p. 74). 2 Alm

    dos alunos da UFU atuarem como docentes, h tambm, segundo a pesquisa de Morato

    (2009), alunos que atuam como msicos da noite, free lancer, trabalham com gravaes

    em seus home Studio, dentre outros.

    No que se refere a formao de professores de msica no curso de graduao da

    UFU considero que ela contribui tanto com a construo de modos de identificao pro-

    fissional docente quanto com outras identificaes profissionais possveis no campo da

    msica (performer, compositor, profissional de estdio, entre outras). Tambm a prtica

    musical social vivida pelos alunos antes e durante o curso de graduao contributiva

    tendo em vista que saberes musicais advindos de diferentes espaos so articulados e

    incorporados na construo dessas identificaes. Para Kraemer (2000) o conhecimento

    pedaggico-musical no est exclusivamente nos institutos cientficos, diz respeito a

    mais pessoas do que geralmente se supe e surge em muitos lugares (KRAEMER,

    2000, p. 65).

    2 A secretaria de Estado de Planejamento e Gesto (SEPLAG) e a Secretaria de Estado de Educao de

    Minas Gerais (SEE) publicaram, em 24 de novembro de 2014, o edital de Concurso Pblico para provi-

    mento de cargos da carreira de professor da educao bsica para atuar em conservatrios de Minas Ge-

    rais.

  • 17

    Com isso posto, essa pesquisa construda sobre a seguinte pergunta norteadora:

    como so configuradas as de identidades profissionais de professores de canto? A inda-

    gao traz abordagem de pressupostos tericos da rea da Educao Musical como os

    de Souza (1994); Louro (2004); Glaser e Fonterrada (2007); Vieira (2009) entre outros.

    Esses autores tm considerado e problematizado a formao de professores ressaltando

    em alguns aspectos sobre questes que envolvem os papis e a profisso do educador

    musical, ser msico, professor de msica, professor de instrumento.

    Essas diferentes nfases e concepes sobre o ser professor da rea vm mos-

    trando a importncia de se compreender a construo das identidades profissionais des-

    ses professores. Louro postula que as identidades profissionais so processos compos-

    tos por uma complexidade de inter-relaes que se transformam ao longo da trajetria

    dos indivduos. (LOURO, 2004, p. 16). E Glaser e Fonterrada (2007, p.43) destacam

    que no caso do msico, geralmente interessado em tocar bem, est mais concentrado e

    ocupado com seu prprio processo de aprendizagem. Nessa direo ele tem dificuldades

    de perceber o conjunto de inter-relaes presentes na situao do ensino do instrumento

    musical e desenvolver uma proposta de pensar o ensino e a vida integrados exemplo

    de uma concepo sistmica.

    Aps leitura dessas referncias, tive o entendimento de que para compreender

    processos de construo de identidades profissionais de professores de canto seria preci-

    so articular processos de identidades dos professores com base em experincias vividas

    por eles nos diversos espaos: famlia, escola, universidade e outras atuaes valoriza-

    das por eles prprios.

    1.3 Elaborando os objetivos e justificativa

    Como objetivo geral, a pesquisa visa compreender como so configuradas as

    identidades profissionais de professores de canto. Tem como objetivos especficos estu-

    dar e compreender o conceito de formao do profissional docente da rea de canto;

    investigar alguns pressupostos sobre o ensino de canto, conhecer e refletir sobre os rela-

    tos das trajetrias desse profissional; apreender as discursividades relacionadas s con-

    figuraes de identidades profissionais dos professores de canto.

    A presente pesquisa justifica-se pelo fato de trabalhos relacionados professo-

    res de canto bem como a identidade desses profissionais ainda serem incipientes na rea

  • 18

    da Educao Musical. Essa pesquisa oferece visibilidade aos discursos sobre como se d

    a prtica pedaggica dos professores de canto e sobre como trabalham esses professo-

    res. Esse um valor significativo da investigao contribuindo com a constante atuali-

    zao da rea ao reconhecer algumas realidades vividas pelos docentes.

    Alm disso, a pesquisa tem como pesquisadora uma professora de canto. A in-

    vestigao no campo da formao de professores permite um dilogo com outros pro-

    fessores da rea. Dessa forma, possvel dialogar com os pressupostos de Ldke et al.

    (2001), os quais os autores revelam que as pesquisas realizadas pelos prprios profes-

    sores podem servir como ponto de partida para uma prtica reflexiva, cujos estmulos e

    desenvolvimentos obedecem a razes radicalmente contextuais [...] (LDKE et al.,

    2001, p. 42).

    1.4 A estrutura da dissertao

    Esta dissertao possui sete captulos. No primeiro captulo, elaborei uma intro-

    duo, a qual descreve os caminhos percorridos da pesquisa Esta parte buscou elucidar

    o processo de construo do objeto de pesquisa, a elaborao dos objetivos e justificati-

    va da mesma.

    No segundo captulo foi feito uma descrio das etapas metodolgicas da pes-

    quisa. No primeiro tpico do captulo elaborei uma descrio sobre a pesquisa qualitati-

    va buscando em alguns autores conceitos que elucidassem o tipo de pesquisa a ser reali-

    zada. Posteriormente, aponto o estudo de caso como opo metodolgica da presente

    pesquisa e o delineamento da unidade de caso. Ao usar as entrevistas para a coleta de

    dados apresento as entrevistas semiestruturadas como tcnica e, finalmente discorro

    sobre as etapas da coleta de dados. Ao descrever o processo de coleta de dados, procurei

    explicar como aconteceram as entrevistas, a preparao para as mesmas e assim, sigo

    com a apresentao dos quatro participantes da pesquisa. A partir desse contexto, bus-

    quei traar um pouco do perfil dos professores, fazer um panorama sobre quem so,

    como falam, de onde falam etc. Finalmente, debruo-me em mostrar como foi feita a

    anlise e categorizao dos dados. Assim, discorro sobre a anlise do discurso para a

    interpretao das discursividades das falas dos participantes.

    O terceiro captulo visa trazer pressupostos da literatura que se aproximam da

    temtica da pesquisa. Dessa forma, inicio a reviso bibliogrfica com aspectos histri-

  • 19

    cos sobre a docncia. Posteriormente descrevo sobre a socializao docente e a forma-

    o do professor. Em outro tpico trago autores da rea da Educao Musical que dis-

    correm sobre ser professor de msica, buscando assim, me aproximar ainda mais do

    meu objeto de pesquisa. Finalizo o captulo trazendo trabalhos que se tratam especifi-

    camente sobre os pressupostos do ensino de canto e as particularidades da voz.

    Para o quarto captulo trago o referencial terico da pesquisa com conjecturas de

    Claude Dubar (1998, 2005, 2009). possvel estabelecer um dilogo com os conceitos

    e reflexes do autor no que se refere a formao identitria do indivduo no processo da

    socializao. Dubar (2005) explicita a formao de identidade do indivduo no interior

    de suas trajetrias pessoais e profissionais sendo assim, importante para compreender

    como so configuradas as identidades dos professores de canto.

    A partir do quinto captulo, trago as discusses dos dados e os resultados da pes-

    quisa. Assim, o quinto captulo abarca a discusso sobre as configuraes identitrias

    marcadas por lugares da profissionalizao. Esses lugares podem ser entendidos como

    lugares da formao e atuao profissional. O sexto captulo traz as configuraes mar-

    cadas por identidades tpicas dos professores de canto. Neste so discutidas questes

    como as particularidades da voz, conhecimentos especficos musicais e extra musicais

    dos professores de canto, o ensino focado no aluno bem como as metodologias para o

    ensino de canto. O stimo captulo se caracteriza pelas configuraes marcadas pelas

    dualidades. Dualidades estas marcadas na trajetria da formao e da atuao profis-

    sional.

    O ltimo captulo tem como finalidade as consideraes e concluses acerca da

    pesquisa. Abordo nessas consideraes um resumo das categorias criadas buscando um

    fechamento da discusso. Alm disso, busco delinear concluses em relao s catego-

    rias construdas fazendo, dessa forma, reflexes em relao pesquisa.

  • 20

    Captulo 2 - METODOLOGIA

    2.1 Tipo de pesquisa

    Esta investigao se insere no campo da pesquisa qualitativa. Para Stake (2011,

    p. 24-25) o estudo qualitativo interpretativo, experiencial e um exerccio em que os

    pesquisadores se sentem confortveis com significados mltiplos respeitando a intui-

    o. um estudo em que os contextos so descritos em detalhes reconhecendo que as

    descobertas e os relatrios so frutos de interaes entre o pesquisador e os sujeitos.

    Santos (2010) aborda a pesquisa qualitativa sob um paradigma emergente. Esse

    paradigma se confronta com o paradigma dominante existente principalmente nas pes-

    quisas em cincias naturais e exatas. O paradigma emergente busca compreender as

    relaes humanas, os estudos da sociologia. Para o autor a medida que as cincias na-

    turais se aproximam das cincias sociais estas aproximam-se das humanidades (SAN-

    TOS, 2010, p.69). Alm disso, o autor explicita que os obstculos ao conhecimento

    cientfico da sociedade e da cultura so de facto condies do conhecimento em geral,

    tanto cientfico-social como cientfico natural (SANTOS, 2010, p.70).

    Bresler (2000) acredita que no paradigma subjacente investigao qualitativa,

    o pesquisador no visto separadamente do seu objeto de pesquisa. Na medida em que

    o pesquisador se adentra realidade investigada, e sendo este de uma mesma natureza

    de seu objeto de pesquisa, a neutralidade torna-se impossvel, fazendo com que o in-

    vestigador tenha a incorporao e a dominao de sua prpria subjetividade, tomando

    conscincia dos seus preconceitos e parcialidades, problematizando-os atravs dos

    processos de coleta e anlise dos dados (BRESLER, 2000, p.6)

    Para o estudo qualitativo importante estudar as opes estratgicas, a literatura

    relevante e mostrar a realidade onde se trabalhou e desenvolveu o estudo. Flick (2009)

    afirma que os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consistem na escolha adequada

    de mtodos e teorias convenientes; no reconhecimento e na anlise de diferentes pers-

    pectivas; nas reflexes dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do

    processo de produo de conhecimentos; e na variedade de abordagens e mtodos.

    (FLICK, 2009 p. 23)

  • 21

    2.2 Mtodo de pesquisa

    2.2.1 O estudo de caso como opo

    A opo metodolgica da pesquisa o estudo de caso. Esta abordagem visa en-

    tender fenmenos individuais, sociais, organizacionais, polticos e de grupos, ou seja,

    nos estudos de caso, surge o desejo de entender fenmenos sociais complexos bem co-

    mo o objetivo de reunir dados relevantes sobre o objeto de estudo e, desse modo, al-

    canar um conhecimento mais amplo sobre esse objeto. (CHIZZOTTI, 2008, p. 135).

    Yin (2005), ao discutir sobre o estudo de caso, elucida que este a estratgia escolhida

    ao se examinarem acontecimentos contemporneos, mas que no se pode manipular

    comportamentos relevantes (YIN, 2005, p.26). Alm disso, os estudos de caso forne-

    cem pouca base para fazer uma generalizao cientfica (ibid, p.29).

    A abordagem metodolgica do estudo de caso prev o tempo presente, mas um

    presente nico, individual. Alm disso, o estudo de caso enfrenta uma situao tecni-

    camente nica em que haver muito mais variveis de interesse do que pontos de dados

    (ibid, p. 33). Em um estudo de caso tambm aparecem dados quantitativos e qualitati-

    vos. Desta maneira a pesquisa pode ser conduzida nessas duas modalidades. Para tanto,

    a unidade caso deve ser bem delimitada.

    O caso pode ser nico ou singular, pode ter uma unidade, ou seja, possui um fo-

    co individual, singular ou pode abranger uma coleo de casos, sendo esse mltiplo, o

    qual vrios estudos so conduzidos simultaneamente. Ademais, o estudo de caso pode

    ser classificado como intrnseco ou particular quando se busca compreender melhor

    um caso em si, em seus aspectos intrnsecos, porque em singularidade ordinria e es-

    pecfica torna interessante esse caso mesmo que no seja representativo ou ilustrativo de

    outros casos (CHIZZOTTI, 2008, p. 137). Alm disso, o objetivo da pesquisa no

    construir teorias ou elaborar construes abstratas, mas compreender os aspectos intrn-

    secos de um caso em particular (ibid.)

    O caso pode ser tambm instrumental, ou seja, poder facilitar a compreenso de

    algo mais amplo, esclarecer uma questo ou refinar uma teoria. O caso em si tem im-

    portncia subsidiria; serve somente como um apoio ou pano de fundo para se fazer

    pesquisas posteriores (ibid). Assim, a inteno de um estudo de caso instrumental

    auxiliar o pesquisador a compreender melhor outra questo, orientar estudos subsequen-

    tes. Finalmente, h o estudo de caso coletivo, o qual estende o estudo a outros casos

  • 22

    instrumentais conexos com o objetivo de ampliar a compreenso sobre um conjunto

    maior de casos.

    Embora o estudo de caso no preveja generalizaes e aponte as especificidades,

    um caso pode revelar realidades universais, porque guardadas as peculiaridades, ne-

    nhum caso um fato isolado, independentemente das relaes sociais onde ocorre

    (CHIZZOTTI, 2008, p. 138). Nessa pesquisa, tem-se a unidade caso, individual e parti-

    cular. configurada como um estudo de caso intrnseco uma vez que tem como objeto

    de estudo as configuraes identitrias profissionais de professores de canto. O caso se

    relaciona a um grupo especfico e busca compreender algo em especfico.

    2.2.2 Delimitando a unidade-caso

    Nesta investigao, o caso se relaciona a um grupo de professores de canto uma

    vez que me debruo em compreender como so configuradas as identidades profissio-

    nais de professores de canto que atuam em Uberlndia. A delimitao da unidade-caso

    exigiu a observao de alguns critrios e a realizao de uma busca de professores da

    rea que pudessem me oferecer informaes pertinentes aos objetivos da pesquisa.

    O primeiro critrio foi que os professores tivessem a profisso docente em canto

    como atividade principal e se reconhecessem professores da rea. Com esse critrio

    obtive uma lista de oito professores. O segundo critrio foi o de que esses professores

    estivessem em diferentes momentos da profisso. O contato com os entrevistados foram

    feitos um a um, ou seja, eu buscava o contato, marcava a entrevista e logo fazia a trans-

    crio da entrevista. Dessa forma, ao obter dados suficientes e ao relacion-los com as

    leituras sobre profisso esse nmero se fechou em quatro professores.

    2.3 Coleta de dados

    2.3.1 A entrevista semiestruturada como procedimento de coleta de dados

    A tcnica de coleta de dados escolhida a das entrevistas semiestruturadas. A

    partir da estrutura de um roteiro, os professores eram indagados sobre alguns temas.

    Esse roteiro foi elaborado a partir de trs eixos temticos: autoimagem, formao e ex-

    perincia profissional. As questes seguiram uma formulao flexvel e a sequncia e as

  • 23

    mincias ficaram por conta dos discursos dos sujeitos e da dinmica que aconteceu na-

    turalmente.

    As questes foram formuladas de maneira a permitir com que os professores

    verbalizassem seus pensamentos, tendncias e reflexes sobre os temas apresentados.

    Rosa e Arnoldi (2008) pontuam que a entrevista semiestruturada propicia o questiona-

    mento mais aprofundado e, tambm mais subjetivo. Frequentemente, o formato de en-

    trevistas semiestruturadas dizem respeito a uma avaliao de crenas, sentimentos,

    valores, atitudes, razes e motivos acompanhados de fatos e comportamentos (ROSA e

    ARNOLDI, 2008, p. 31).

    As autoras consideram que durante as entrevistas, o entrevistado tem a oportuni-

    dade de avaliar o entrevistador, no caso, o pesquisador, como algum realmente interes-

    sado em sua existncia podendo transform-lo em um confidente. Alm disso, a orga-

    nizao das experincias para um entrevistador realmente interessado em ouvi-las, e que

    vai se tornando ntimo apesar da alteridade sempre presente, induz o falante a recuperar

    aspectos de sua biografia poucas vezes comentada (ROSA e ARNOLDI, 2008, p. 22).

    Dubar (1998) prope um caminho metodolgico relacionado a uma investigao

    emprica visando realizar o tratamento das identidades como trajetrias subjetivas, lgi-

    cas de mobilidade e formas identitrias. O autor chama de trajetria subjetiva o enredo

    em palavras pela entrevista biogrfica. A partir da anlise semntica se busca a disposi-

    o particular do discurso com as categorias estruturantes do relato e um resumo da ar-

    gumentao extrado da anlise desse relato. possvel a descoberta de um ou mais

    enredos e dos motivos pelos quais o sujeito est em uma situao em que ele mesmo se

    define aps acontecimentos passados e abertos para um determinado campo. Desta for-

    ma, a partir dessa anlise, h como identificar as marcas das configuraes indentitrias

    profissionais dos professores de canto da pesquisa.

    2.3.2 Preparando as entrevistas

    Para a realizao das entrevistas foi elaborado um roteiro3. O roteiro foi revisado

    de forma que as minhas intervenes tivessem uma sequncia para que a temtica per-

    manecesse em discusso. Sempre que a entrevista comeava, eu falava e explicava so-

    3 Disponvel no Apndice A deste trabalho

  • 24

    bre roteiro ao participante procurando proporcionar um dilogo e para que ele mesmo

    comeasse trazer as histrias nos seus relatos.

    Os participantes da pesquisa tambm receberam um Termo de Consentimento e

    Livre Esclarecimento, sendo, posteriormente assinado por eles e por mim. Esse termo

    enfatiza os procedimentos ticos em relao s etapas da pesquisa, os procedimentos em

    relao participao bem como o ato de preservar a identidade de cada um dos partici-

    pantes.

    2.3.3 Realizando as entrevistas

    As entrevistas foram marcadas nos lugares de preferncia dos participantes, bus-

    cando uma brecha no tempo de cada um. Houve entrevista no local de trabalho, no

    local de estudo, na casa do participante e tambm em minha casa.

    Inicialmente, eu tinha o receio de acontecer algum problema em relao ao gra-

    vador de voz. Por isso, na primeira entrevista eu levei pilhas sobressalentes, um outro

    aparelho MP4 para gravar e tambm um computador. Para mim, eram oportunidades

    nicas, eu no poderia perder nada, nenhum discurso. Depois da primeira entrevista

    percebi que era exagero da minha parte levar tantos aparelhos. Ao ouvir os udios con-

    clui que o do gravador de voz era o que possua melhor qualidade. Assim, nas demais

    entrevistas eu usava apenas o gravador de voz. Anteriormente s entrevistas, eu tinha a

    preocupao de verificar se o gravador estava funcionando, se esse teria memria e car-

    ga o suficiente para perdurar toda a entrevista.

    Como um certo critrio para a realizao da entrevista, decidi que pelo fato de eu

    me sentir insegura para manusear o aparelho e ter que estar sempre atenta a todo o mo-

    mento, a primeira entrevista seria feita com uma pessoa que eu tivesse mais intimidade.

    Dessa forma, algumas barreiras e formalidades seriam mais fceis de serem quebradas.

    Alm disso, eu sempre pensava que por ser a primeira entrevista e que se algo no ocor-

    resse como imaginado eu teria liberdade de refaz-la.

    A primeira entrevista foi com uma participante a qual tenho liberdade, fomos

    contemporneas durante o curso de graduao. Foi sugesto dela que a entrevista fosse

    em minha casa. Isso fez com que eu estivesse ainda mais a vontade. Ao iniciar esta en-

    trevista, percebi que a participante, embora ela mesma j tivesse tido a experincia de

    fazer pesquisa com gravao, estava preocupada e at mesmo pouco a vontade. No co-

  • 25

    meo, ela tinha o cuidado de falar pausadamente e pronunciar as palavras com boa en-

    tonao e dico. Eu tambm tinha essa preocupao, no queria, principalmente, que o

    meu mineirs ficasse to escancarado (j que eu sabia que teria que me ouvir para

    fazer a transcrio). No decorrer da entrevista ns duas fomos ficando a vontade e esta

    aconteceu como uma conversa, um bate-papo agradvel sobre a nossa profisso, sobre a

    vida.

    A segunda entrevista foi com um participante que ainda no se formou na gradu-

    ao, est na fase final do curso. Em funo dos seus horrios muito conturbados, ele

    sugeriu que a entrevista fosse aps uma aula na UFU e que ela fosse dentro da Univer-

    sidade. Ao me propor esse local, lembrei-me da dificuldade de conseguir uma sala no

    bloco da msica. O dia sugerido por ele era cheio de aulas e salas lotadas. Foi ento que

    me lembrei da sala do diretrio acadmico que fica restrita para uso dos alunos que per-

    tencem ao diretrio e a mesma no muito disputada. Pedi autorizao aluna presi-

    dente do D.A que me concedeu a sala prontamente. A ideia de realizarmos a entrevista

    nesse local deu muito certo, pois no fomos interrompidos em nenhum momento e nin-

    gum precisou da sala naquele espao de tempo. Ao iniciar a entrevista o participante se

    mostrava aberto s minhas perguntas e tinha a preocupao de detalhar as suas respos-

    tas.

    A terceira entrevista foi marcada em data e local sugeridos pelo participante. Por

    ele trabalhar em diversos lugares e possuir poucas janelas acabamos marcando no ms

    de frias do ano letivo das escolas. Mesmo marcando no perodo de frias, ele me pediu

    para que eu realizasse a entrevista em um dos seus locais de trabalho. Esse colaborador

    trabalha com a organizao da agenda de msica ao vivo na praa de alimentao de um

    shopping da cidade. Assim, ele solicitou que a entrevista fosse na praa de alimentao.

    principio pensei que no daria certo. Como realizar uma entrevista em meio aos ru-

    dos de uma praa de alimentao e ainda, com msica ao vivo? Mesmo assim eu topei.

    Por sorte, na praa de alimentao existe uma rea externa que bem mais silenciosa do

    que a interna. O participante convidou-me para que fossemos para l. Mesmo sendo

    mais silenciosa, havia sons de pratos, algumas pessoas que passavam conversando e

    fomos interrompidos para que ele resolvesse um contratempo em relao ao som. Inici-

    almente conversamos sobre a pesquisa. Expliquei sobre a entrevista e fomos conversan-

    do. Senti que ele estava muito aberto a responder todas as perguntas. Dava exemplos de

    situaes vivenciadas em sala de aula e sobre suas posturas em relao aos alunos. A

  • 26

    conversa foi muito agradvel. Ao terminar a entrevista ainda ficamos conversando sobre

    o mestrado, sobre o conservatrio e sobre cursos de canto.

    A quarta entrevista foi realizada na casa da participante. Ela mesma convidou-

    me para que eu fosse at l. No incio eu estava muito sem graa, pois embora a conhe-

    cesse, eu no tinha intimidade com ela e nunca tinha ido at a sua casa. Ao chegar l,

    ela me recebeu e me convidou para tomar caf. Ao adentrar a cozinha, a mesa estava

    posta. Tomamos um caf e conversamos sobre o mestrado. Ela me perguntou sobre a

    minha pesquisa, sobre orientador e contou-me sobre suas experincias com a pesquisa,

    j que ela tambm fez o mestrado na UFU. No decorrer da conversa fui ficando mais a

    vontade. Ao terminarmos de tomar caf, fomos at uma sala para iniciarmos a entrevis-

    ta. Inicialmente senti que a participante estava receosa para responder minhas perguntas.

    Durante a entrevista, s vezes ela me perguntava se realmente eu precisava saber daqui-

    lo. Mesmo assim, ela fez questo de responder todas elas. s vezes, ao ser questionada

    eu ficava sem graa. Mesmo assim, eu explicava a pergunta, mas no me sentia em uma

    posio confortvel. No decorrer da mesma, percebi que a participante foi se cansando.

    Interrompemos para tomar gua. Alm disso, a colaboradora possui um cachorro que ao

    ouvir a voz dela ficava chorando na janela. Durante a entrevista, muitas vezes ela cha-

    mava a ateno do cachorro. A entrevista foi concluda com todas as perguntas respon-

    didas.

    2.3.4 Transcrevendo as entrevistas

    As entrevistas foram gravadas por meio de um gravador de voz digital. Antes da

    gravao eu pedia permisso aos participantes para gravar. Cada entrevista gerou um

    arquivo no formato MP3. Aps a realizao das entrevistas, cada uma delas foi transcri-

    ta para que o trabalho com a anlise comeasse. Ao transcrev-las gerei os textos en-

    quanto objeto terico constitudo de material discursivo possvel a interpretaes. Optei

    por considerar a transcrio das entrevistas de professores como discursos em textos por

    compreender que o texto oral em que no se podem suprimir as reformulaes, deixa,

    mecanicamente, no fio do discurso, os traos do processo de produo (AUTHIER-

    REVUS, 1998, p. 97). Transcrevi todas as entrevistas. Estas foram organizadas em qua-

    tro cadernos. Cada caderno teve uma paginao individualizada.

  • 27

    Aps o processo de transcrio foi feito o processo de textualizao nos trechos

    utilizados no corpo da dissertao. Alguns cacoetes e vcios de linguagem foram retira-

    dos ou corrigidos para que a leitura se tornasse mais fluida. Mesmo com algumas corre-

    es, busquei deixar com que os discursos dos entrevistados continuassem originais, ou

    seja, sem muitas correes.

    2.3.5 Apresentando os participantes da pesquisa

    Os participantes da pesquisa so quatro professores de canto que atuam na cida-

    de de Uberlndia. O contato com os participantes se deu em meio a conversas via email,

    rede social e telefone. Eu j conhecia todos eles, alguns mais, outros menos, mas sem-

    pre nos encontrvamos em concertos, palestras e eventos. A priori seriam oito partici-

    pantes, mas no decorrer das conversas e na medida em que as entrevistas iam gerando

    os dados necessrios esse nmero se fechou em quatro.

    Na tabela abaixo explicito as datas das entrevistas, durao e os nomes fictcios

    dos participantes da pesquisa:

    Tabela 1- Dados das entrevistas

    Nome Data da entrevista Durao da entrevista

    Suzanna 11/10/2013 1h34min39s

    Giovani 03/12/2013 1h24min19s

    Otvio 21/01/2014 1h19min04s

    Violeta 07/04/2014 1h32min01s

    Suzanna: a liberdade professor/aluno

    Suzanna tem trinta e um anos de idade, formou-se no curso de licenciatura em

    msica - habilitao em canto em maio de dois mil e treze. Ao entrar no ensino superior,

    Suzanna comeou a graduao em filosofia na Universidade Federal de Uberlndia. Foi

    a partir de um convite de uma amiga para entrar no Coral da UFU que a possibilidade

    de fazer a graduao em msica comeou. A professora me contou: "me apaixonei tan-

    to por aquele mundo que eu desisti da filosofia e eu prestei o vestibular e a partir de

    ento eu no parei mais". (Entrevista Suzanna, p. 2).

  • 28

    As participaes das montagens de peras e apresentaes do coral fizeram Su-

    zanna se dedicar ao canto. Comeou o curso no segundo semestre do ano de dois mil e

    sete. A primeira experincia como professora foi em um projeto social no ano de dois

    mil e nove. Nesse projeto era trabalhado o canto coral com crianas. O trabalho come-

    ou anteriormente aos estgios da licenciatura e, Suzanna me contou que havia uma

    coordenadora que ajudava os professores com tudo, desde planos de aula at reunies

    semanais para acompanhar o desempenho do trabalho. Ela relata as dificuldades em

    aprender a prtica docente:

    nesse trabalho que eu fiz [...], eu no tinha nada. Eu tinha o que?! Um

    DVD pra passar um CD se eu quisesse, uma televiso s vezes dispo-

    nvel e a eu tive que aprender a tocar um pouquinho de flauta doce

    pra pegar os tons das canes e foi muito bom pra mim no sentido de trabalhar os intervalos porque eu tive que aprender na marra, eu estava

    no comeo do curso. [...] Eu acho que esse caminho que eu trilhei, es-

    ses lugares que eu fui foi o que me ajudou na formao. (Entrevista Suzanna p. 5)

    Depois desse trabalho, outras propostas como professora de canto em escolas

    particulares de msica apareceram, Suzanna trabalhou em duas escolas particulares

    como professora de canto. Atualmente ela ministra aulas de canto em sua residncia e

    em uma escola particular especfica de msica. Cada aluno tem uma hora/aula por se-

    mana.

    Por fim, ao falar sobre a sua prtica pedaggica, avaliar a si mesma como pro-

    fessora de canto, Suzanna coloca a relao de liberdade entre professor e aluno como

    algo importante para as aulas e para o desempenho do trabalho.

    Eu acho que essa liberdade, ela tem que existir e no voc querer fazer

    do aluno um objeto de desejo seu. O desejo do aluno gostar do que

    voc gosta ou um desejo de o aluno aprender de acordo com o que vo-c acha que ele tem que aprender. s vezes voc vislumbra no aluno

    um foco e voc pensa: nossa esse aluno, ele tem futuro, esse aluno, ele

    pode seguir, mas s vezes no isso que o aluno procura. Ento eu acho assim, que eu Suzanna enquanto professora, eu procuro ser livre

    e dar essa liberdade para o aluno. (Entrevista Suzanna, p. 1)

  • 29

    Giovani: um olhar "psicologizante "

    Giovani comeou a estudar msica aos quatorze anos de idade. A msica, na

    verdade era uma forma de trabalhar a timidez, de desenvolver habilidades sociais. [...]

    quando eu entrei na msica eu achei uma possibilidade tima de comear a dar voz, eu

    era inclusive aquela pessoa que assim, o tempo inteiro na escola eu no falava, aquele

    menino que era considerado "ah, o menino mais inteligente da turma". S que eu era

    calado. Hoje eu vejo essa caracterstica como super negativa. (Entrevista Giovani, p 2-

    3).

    Ao iniciar o curso superior, Giovani escolheu a psicologia: fiz o curso. Inteiri-

    nho. Sou teimoso, nem vou dizer que persistente. Fui at o final, me formei. S que

    paralelo msica eu sempre estava (Entrevista Giovani, p. 3). Durante o curso de psi-

    cologia, um colega pediu Giovani que o ensinasse a cantar, queria fazer aulas de can-

    to. Por no ser formado em msica e nem ter experincia, Giovani comeou a ministrar

    aulas de canto para esse colega e, ao considerar a sua falta de formao, cobrava oito

    reais a aula. Eu inclusive ficava num dilema tico, pensava que a quantidade que eu

    estudava se eu poderia cobrar. E a acabava que eu cobrava esse meu deslocamento por-

    que eu ia na casa dele ento os oito reais era mais para pagar o passe. (Entrevista Gio-

    vani, p.7). A partir desse aluno particular no ano de dois mil e quatro, Giovani passou a

    se interessar pela prtica docente.

    Paralelamente graduao em psicologia, Giovani fez o curso tcnico em canto

    no Conservatrio Estadual de Msica de Uberlndia, participava de apresentaes etc.

    Ao terminar o curso tcnico no conservatrio, uma professora convenceu Giovani a

    fazer o vestibular para canto. Ao comear a graduao em canto, a msica comeou a

    ser vista como uma profisso em primeiro plano. Giovani revela que no se v mais na

    rea da psicologia, trabalhando como um psiclogo. No entanto, relatou que j passou

    por crises de ter um diploma e no exercer a profisso at ento.

    At pouco tempo atrs isso era motivo de grande sofrimento pra mim

    porque, entre aspas, eu j era um profissional formado e quando eu entrei na msica eu era simplesmente um menino que veio comear do

    zero. Ento a mesma pessoa tinha as duas identidades, eu chegava a-

    qui eu queria ser aquele que j estava formado, com diploma na mo,

    mas aquilo eu era simplesmente o menor dos aprendizes (Entrevista Giovani, p. 22).

  • 30

    Giovani est terminando a graduao em msica, mas j ministrava aulas de

    canto anteriormente e no incio do curso trabalhou como professor de canto coral em um

    projeto social. Atualmente ministra aulas particulares de canto. Durante a semana o pro-

    fessor vai at o domiclio dos alunos para dar as aulas. Tambm ministra aulas de canto

    na Superintendncia de Sade para um grupo de seis funcionrios. Aos finais de semana

    trabalha com o coral da igreja catlica a qual ele pertence. Com este trabalho do coral, o

    professor convida seus alunos particulares de canto para tambm ensaiarem, pertence-

    rem ao coral.

    Finalmente, ao falar sobre si mesmo e sobre as suas aulas, Giovani se reconhece

    como romntico. Ele explica: qualquer um capaz de cantar, cada um com seus limi-

    tes, cada um do seu jeito, mas o professor tem que ser um instrumento e eu me sinto

    esse instrumento motivador para que as pessoas cantem (Entrevista Giovani, p. 1).

    Otvio: linguagem simples para ensinar canto

    A msica entrou na vida de Otvio como um hobby, como algo que gostava, que

    era apaixonado. Seu contato com a msica foi atravs da igreja a qual o professor faz

    parte. Otvio comeou a graduao em msica com mais de trinta anos. Anteriormente

    graduao, fez o curso tcnico em administrao e trabalhou nessa rea por treze anos.

    Mas a vantagem de ser administrador que a empresa que eu trabalhava era bem inte-

    ressante: ela me liberava pra eu fazer conservatrio. E quando eu prestei vestibular, eu

    conversei com o meu chefe, ele me liberou pra eu fazer faculdade. (Entrevista Otvio,

    p. 3).

    Durante a graduao, a carreira de administrador foi sendo deixada de lado e

    Otvio passou a atuar como professor. Como docente, atua h nove anos. professor de

    canto do Conservatrio Estadual de Msica de Uberlndia, j lecionou disciplinas como

    canto coral e dico. Alm do conservatrio, Otvio ministra aulas de canto e canto co-

    ral no Centro de Convivncia do Idoso e na Associao de Reumticos de Uberlndia e

    Regio4 e o coro da Cmara Municipal de Uberlndia. Alm desses trabalhos, Otvio

    4 O Centro de Convivncia do Idoso um projeto da prefeitura municipal de Uberlndia, o qual h vrias atividades voltadas para terceira idade dentre elas, o esporte e a msica.

    A associao dos Reumticos de Uberlndia e regio uma entidade filantrpica que oferece atividades

    como canto, dana, violo, pilates, apoio psicolgico, dentre outros. Informaes via site da associao:

    http://www.arur.org.br/index.php?option=com_content&view=category&id=62&Itemid=339 (Acesso em

    6 de maio de 2014).

    http://www.arur.org.br/index.php?option=com_content&view=category&id=62&Itemid=339

  • 31

    organiza a agenda de apresentaes musicais na praa de alimentao de um shopping

    da cidade.

    O entrevistado fala sobre ministrar aulas em trs instituies, trabalhar com di-

    versos pblicos e ento coloca: eu acho que se quer ser professor, ento vira professor

    mesmo e vai ensinar. Vai trabalhar muito, n?! Otvio narra as dificuldades em ser

    professor, principalmente em relao remunerao: muito difcil! Ento por isso

    que acaba saindo, voc acaba pegando outras coisas tambm. Porque foi a profisso que

    eu escolhi, a profisso que eu amo, o que amo fazer. (Entrevista Otvio, p. 14).

    Ao relatar sobre as suas aulas de canto, Otvio diz que ser professor de canto

    tranquilo, tem que ser fcil para que o aluno entenda como cantar, ser fcil conhecer o

    seu instrumento. Ao comear a ministrar aulas de canto, o professor compara o seu pro-

    cesso de aprendizagem, as suas aulas como aluno com as suas aulas como professor. A

    reflexo de inverso de papis foi uma forma de entender melhor como ensina e como

    aprende. O professor narra:

    [...] porque a forma como a minha professora do conservatrio me

    passava era tudo muito difcil: imposta a voz, a respirao isso e aquilo. Ento era tudo muito tcnico pra mim. Muito complicado a

    forma como ela falava pra mim. Quando eu tive que fazer estgio no

    conservatrio, eu falava: poxa, a respirao diafragmtica s a-prender a respirar com a barriga. Ento pra mim, a forma de entender

    isso era uma coisa muito natural. Quando eu fui ensinar para os alunos

    no estgio ainda, eu usava a linguagem mesmo: respira com a barri-ga, abre a boca, joga a voz para o cu da boca. Uma linguagem bem

    simples. (Entrevista Otvio, p.1)

    Otvio relata sobre a sua trajetria, sobre suas aulas e seus alunos em diferentes

    tempos e espaos. Fala sobre os gostos musicais dos alunos, suas preferncias, suas

    vontades: [...] acho que cada aluno muito individual [...] Vai depender do perfil dele.

    Ento muito complicado, cada aluno, como se diz: uma tese de mestrado! (risos).

    (Entrevista Otvio p. 9-10). Alm de falar sobre as especificidades de cada aluno, Ot-

    vio fala sobre habilidades que so inerentes docncia:

    eu no consigo lembrar o nome do pesquisador, mas ele falava assim

    que o professor ele acaba tendo que ser um pouquinho de psiclogo, um pouquinho de administrador. Ento assim, at a minha parte de

    administrao que eu trabalhei, ela me favorvel. E realmente eu es-

    tou aprendendo! Eu acho que cada aluno uma escola. Ento eu acho

    que cada aula, cada aluno novo que vem, s vezes at um aluno que j est h tanto tempo, s vezes a gente descobre uma coisa que nem a

  • 32

    gente sabia. Realmente um aprendizado mesmo, uma caixinha de

    surpresa, eu diria. A gente tem que estar sempre aprendendo e eu

    sempre tenho procurado aprender. (Entrevista Otvio, p. 11)

    Durante a entrevista, Otvio se remetia aos seus alunos, dava exemplos, falava

    sobre um ou outro aluno em especfico. Falava de si mesmo como aprendiz em uma

    trajetria de ensinar que talvez no h um final: eu vejo uma estrada e eu olho pra trs

    e falo: nossa! onde eu j estou! A eu olho para a frente e no consigo ver o fim. (En-

    trevista Otvio, p. 11).

    Violeta: ser professora em diferentes pocas

    Violeta tem cinquenta anos de idade e se aposentou no incio do ano de 2014.

    Foi professora de msica do Conservatrio Estadual de Msica de Uberlndia por vinte

    e sete anos. Por sete anos ministrou aulas de musicalizao e percepo e por vinte anos

    ministrou aulas de canto. Ao falar sobre sua trajetria, Violeta contou que sua primeira

    graduao foi em piano, formou-se em piano e, ao participar das disciplinas de canto

    coral e, por incentivo do professor da disciplina, a possibilidade de se graduar tambm

    em canto comeou. Ela conta:

    o meu curso primeiro no foi o curso de canto. Eu comecei a estudar

    msica atravs do piano. Eu tinha dez anos de idade quando eu come-

    cei a estudar piano. As minhas aspiraes primeiras no eram no sen-

    tido de cantar, eu nem sabia... eu at cantava, a gente tinha um grupi-nho de canto dentro da minha religio. Tinham os meninos que canta-

    vam, as meninas que cantavam, mas eu queria ser pianista. (Entrevista

    Violeta, p. 2)

    Depois de se formar na licenciatura em piano, Violeta passou em um concurso e

    comeou a ministrar aulas de musicalizao e percepo no conservatrio. Ao se ver

    apenas dando aulas, a professora resolveu voltar Universidade Federal de Uberlndia

    para estudar canto. Segundo ela, foi mais fcil porque como ela j tinha a licenciatura

    em piano, teve de fazer as aulas de canto e as disciplinas decorrentes dele: a dico,

    literatura e metodologia do instrumento, dentre outras. Alm disso, nessa mesma poca,

    Violeta comeou a participar do Coral da UFU.

    Ao me contar sobre as apresentaes do coral da UFU, a professora explicitou

    ser uma poca em que o canto erudito ainda estava comeando a ocupar um espao na

  • 33

    cidade. As pessoas de Uberlndia tinham como assistir a peras atravs das rcitas do

    coral da UFU. Havia poucos alunos de canto na universidade nessa poca, o acesso aos

    materiais e partituras era menor, no existia tanta tecnologia e tampouco a internet. O

    que eu tenho de material, de livro, muita coisa eu comprei fora. No conseguia achar.

    Hoje voc baixa tudo pela internet. Voc acha, voc encomenda. s vezes, quando voc

    encomendava que vinha de navio, tinha que esperar dois meses pra chegar, era muito

    difcil! (Entrevista Violeta, p. 3)

    Violeta, durante a entrevista, falou da rea de canto relativamente nova no Bra-

    sil. Discursou sobre a falta de materiais, deles ainda serem escassos: as coisas que a

    gente acha so populares, popularescas [...]. Claro voc tem os estudos do Mrio de

    Andrade, muita gente a para trs que discursou sobre o canto, mas especificamente,

    agora que est sendo feito. (Entrevista Violeta, p. 4).

    Ao falar sobre a sua trajetria como docente, Violeta relatou sobre seus alunos

    em diferentes pocas. Contou que comeou a ministrar aulas de canto muito nova e que

    havia certa resistncia em relao ao seu trabalho por parte das outras professorass de

    canto que na poca eram bem mais velhas que ela. Quando eu era mais jovem, vamos

    dizer, com vinte e poucos anos, as pessoas que gostavam do canto erudito eram pessoas

    mais velhas, acima de cinquenta, sessenta anos e com a mentalidade assim de quem

    pode dar aula de canto uma pessoa da idade delas e com voz grandiosa (Entrevista

    Violeta, p. 9).

    Os primeiros alunos de canto da professora, eram senhoras, senhoras bem mais

    velhas, algumas aposentadas, que gostavam de pera, de ouvir Maria Callas. Depois

    comearam a aparecer adultos que gostavam de cantores da poca como, por exemplo,

    Os Trs Tenores e, mais recentemente os jovens que querem aprender a msica do mo-

    mento, a msica da mdia.

    Para que os alunos aprendessem a se apresentar, tivessem experincia de palco,

    Violeta sempre fazia projetos dentro do conservatrio que envolvessem seus alunos e

    demais alunos e professores da escola. Montou musicais, peras, cenas lricas, dentre

    outros projetos. Com esses projetos fazia parcerias com profissionais de outras reas

    como o teatro, a figurao, e at mesmo professores de idioma. Ao falar sobre os proje-

    tos, a professora revela as dificuldades em realiz-los, sobre lidar com grupos diversos:

    primeiro, a gente precisava de um coro, nesse coro as pessoas canta-

    vam e faziam a louvao a Iris e Osris. Algumas pessoas, muitas pes-

  • 34

    soas do coro eram evanglicas. No queriam cantar. No a gente no

    pode cantar isso. [...] bom, ento como que a gente faz? Ento esse

    trecho voc no canta!. So situaes que voc vai aprendendo e vo-c vai crescendo, voc tem que lidar com aquilo. Teve tambm a ques-

    to de figurino. No tem dinheiro para fazer! Ento o que que faz?

    Bom, ento a gente faz o mais simples possvel. A o mais simples possvel s vezes no agrada uma pessoa. Ento voc faz o seu figu-

    rino. Ah ta![...] Dentro do figurino: olha, no tem condio, isso

    no ficou bom! Isso aqui no assim, isso aqui no da poca. A

    voc vai conversar com a figurinista, ou com a pessoa que tem experi-ncia com figurino, a mais um crescimento. Cenrio. No temos

    espao para colocar o cenrio, qual a ideia? Ah ento vamos sen-

    tar com o Fulano! A gente faz os painis, a gente est fazendo s um pedao, a gente no consegue fazer uma pera inteira, no conse-

    gue![...] faz alguns trechos de fala e consegue fazer as principais par-

    tes da pera. Ah ento como que faz o cenrio? Ento a gente faz um cenrio que a floresta, outro cenrio que o templo e outro cen-

    rio que ... mas como trs cenrios? Faz um painel, o cenrio fixo,

    o painel vira e vira outro cenrio. Ah! Quem vai virar o cenrio? As

    pessoas do coro! Porque no tem o contrarregra (risos) (Entrevista Vi-oleta, p. 15).

    Violeta se mostra, fala sobre si mesma como uma professora incentivadora de

    seus alunos. Ela explica: eu me vejo mais como uma pessoa que incentiva o cantor. Eu

    me vejo muito mais como uma pessoa que est do lado, que incentiva, que apoia, inde-

    pendentemente das condies do aluno, condies que eu falo assim, de facilidade de

    cantar. (Entrevista Violeta, p. 2). Ao ministrar aulas de canto, a entrevistada fala sobre

    a importncia de captar, de retirar do seu aluno o melhor que ele pode dar dentro das

    condies dele. Alm disso, ao falar sobre suas aulas, Violeta enfatiza a importncia de

    conversar e conhecer o seu aluno:

    ento antes de ensinar voc tem que aprender o que o seu aluno.

    Mesmo que voc tenha conhecimentos tcnicos, tericos, prticos da fisiologia, da histria da msica depois que voc conhece o seu alu-

    no que voc vai aprender a dar aula para ele Cada um um... um a-

    prendizado seu. Voc consegue aprender a lidar com situaes diver-

    sas (Entrevista Violeta, p. 17).

    Atualmente, a professora ministra aulas de canto em uma escola particular de

    msica. So poucas aulas, apenas uma tarde na semana. Violeta colocou que talvez seja

    a hora de parar, falou sobre a msica da mdia e, principalmente a msica sertaneja co-

    mo uma dificuldade de ensinar. A professora explicou: [...] eu acho que a gente tem

    que buscar e acima de tudo a si atualizar, como as coisas esto hoje e ver, chegar num

  • 35

    ponto que: eu realmente quero continuar aprendendo? Violeta reflete sobre a sua tra-

    jetria e conclui: eu acho que eu estou nesse ponto. Porque assim, eu sempre aprendi

    muita coisa, mas eu ainda no tenho certeza se as coisas que eu aprendi so passveis de

    serem ensinadas para os alunos que esto chegando. (Entrevista Violeta, p. 17).

    2.4 Anlise do discurso para interpretar discursividades das falas

    Para Orlandi (2011b) alguns pressupostos tericos da anlise do discurso de fun-

    damentao francesa concebida pelos estudos de Michel Pcheux prope interrogar os

    processos de construo de referncia discursiva visando compreender os discursos ci-

    entficos, polticos, pedaggicos, estticos, tcnicos. Segundo os estudos da autora, nes-

    sa fundamentao, os textos so materiais de reflexo em que os escritos, os ditos, as

    imagens, tecnologias mostram processos de significao dos sujeitos. possvel com-

    preender que as entrevistas textualizadas foram dando visibilidade aos fios discursivos

    tendo em vista que a linguagem dos professores de canto revelava variados olhares so-

    bre si e o outro em relao s prticas pedaggicas, musical e social.

    Para Chizzotti (2008), o discurso no tem significado nico. Em pesquisas, o

    discurso tem como anlise um conjunto de ideias, um modo de pensar ou um corpo de

    conhecimentos expressos em uma comunicao textual ou verbal, que o pesquisador

    pode identificar quando analisa um texto ou fala (CHIZZOTTI, 2008, p. 120). Em re-

    lao a discursividade, Orlandi (2001) afirma que possvel dizer que a evidncia do

    sujeito, ou melhor, sua identidade (o fato que eu sou eu) apaga o fato de que ela resulta

    em uma identificao: o sujeito se constitui por uma interpelao que se d ideologica-

    mente pela sua inscrio em uma formao discursiva. (ORLANDI, 2001, p. 45)

    Desta forma, possvel concordar com Orlandi (2011a) ao dizer que interrogar

    uma leitura e no caso dessa pesquisa a base terica de interpretao dos discursos pre-

    sente nas falas do sujeito professor de canto, significa pensar como se l um autor ho-

    je. Para ela, essa interrogao leva em conta o modo de ler e de reconhecer referncias

    que fundamentam preferncias sobre o desejo de compreender os sujeitos, o sentido, o

    poltico, a ideologia. (ORLANDI, 2011a, p. 20).

    Para o mbito das entrevistas, Pcheux mostra a necessidade de refletir sobre o

    estatuto social da memria como condio de seu funcionamento discursivo. (OR-

    LANDI, 2011b, p. 18). Sob a perspectiva da memria Pcheux traz a considerao de

  • 36

    ser ela um conjunto complexo [...] constitudo por serie de tecidos de ndices legveis

    constituindo um corpus scio-histrico de traos. (PCHEUX, 2011, p. 142, destaque

    do autor). Segundo o autor:

    a memria considerada como corpo/corpus de traos inscritos neste

    espao, sob formas extremamente variveis, remete, assim, noo de

    memria coletiva tal qual foi desenvolvida em particular pelos histori-adores das mentalidades; os corpos coletivos (cidades, regies, institu-

    ies, associaes, naes, Estados etc) so corpos de traos. (PE-

    CHEUX, 2011, p. 142, destaque do autor.)

    Santos (2004) prope a anlise do discurso sob uma viso mais ampla. O traba-

    lho com o discurso no pode existir sem uma abordagem da natureza de significaes

    dos sentidos. Essas significaes e sentidos no poderiam se instaurar se no fosse a

    ao dos sujeitos na constituio dos processos enunciativos (SANTOS, 2004, p. 109).

    Assim, o autor postula que na interao sujeitos sentidos que emergem as manifesta-

    es discursivas e suas cincunscries socioideolgicas (ibid).

    O autor traz a anlise do discurso com uma reflexo metodolgica. A partir de

    Foucault, Santos (2004) explicita a ordem como uma ao determinada pelo analista do

    discurso. Assim, a ordem passa a ser o lugar de causalidade em que o analista vai

    interpelar a possibilidade de significao dos discursos, seguindo o percurso de constru-

    o/atribuio/deslocamento dos sentidos. (ibid. p. 112). A ordem busca a natureza

    sujeitudinal e sentidural como possibilidades de lugares discursivos. A ordem posta

    pelo analista tomaria por referncia variveis que interpelam a organizao interna, o

    comportamento das significaes e os processos de transformaes ocorridos nos senti-

    dos a partir de sua insero nos discursos e de seu funcionamento nos processos enunci-

    ativos. (ibid).

    Ao fazer referncia a Foucault, Chizzotti (2008) mostra que os discursos so

    uma maneira de produzir e organizar o significado no contexto social. Assim, o discurso

    est relacionado com o processo scio-histrico e considera-se que pode ser compreen-

    dido ao ser relacionado com o processo cultural, socioeconmico e poltico nos quais o

    discurso acontece, crivado pelas relaes ideolgicas e de poder (Chizzotti, 2008, p.

    121)

    Dessa maneira, Santos (2004) postula que o discurso tem caracterstica de mo-

    vncia, opacidade e alteridade o que torna arriscada a ideia de sugerir um percurso

    metodolgico para sua anlise. Ao fazer uma interpretao sentidural, necessrio iden-

  • 37

    tificar as variveis, ou seja, um elemento aglutinador designativo de traos de agrupa-

    mentos de sequncias. Essas variveis podem contemplar, por exemplo, um enfoque

    terico (intertextos, interdiscursos, formaes ideolgicas, formaes discursivas, hete-

    rogeneidade, polifonia, dentre outros) ou mesmo um enfoque metadiscursivo (vozes,

    sentidos e enunciados) (ibid. p. 114-115).

    Com isso posto, o ponto de partida do analista do discurso diante de uma mani-

    festao discursiva seria situar os lugares discursivos para a construo da anlise. Des-

    sa maneira, ocorre o desdobramento de que a interpretao no ser nem uma s e nem

    mesmo finita. Segundo Mussalin (2004, p. 124-125) o sujeito discursivo no possui

    uma linguagem transparente e homognea, mas com diferentes sentidos.

    2.4.1 Categorizao do material emprico

    No processo de categorizao, busquei organizar os dados das entrevistas a par-

    tir de uma leitura aprofundada de todo o material. Os discursos (interdiscursos e intra-

    discursos) dos participantes permitiram elucidar alguns modos de como eles pensam,

    ensinam, aprendem, acreditam e se reconhecem professores. Organizei os assuntos e

    situaes vividas na profisso que esto sendo comuns entre eles e diferentes tambm.

    Com isso, reuni as falas e interpretei as discursividades com base no roteiro, objetivos

    da pesquisa, bibliografia e minhas experincias com a rea. Percebi tambm que outros

    temas entraram no exerccio da categorizao tendo em vista que surgiram no decorrer

    da entrevista. O processo de categorizao se desenvolveu em um ir e vir aos textos de

    cada um e de todos.

    2.4.2 Textualizao dos dados

    Ao trmino da transcrio e leitura das entrevistas, passei categorizao dos

    dados e anlise das discursividades presentes nas falas. Textualizei alguns trechos do

    material emprico e os utilizei no corpo dessa dissertao. Procurei manter a caracteri-

    zao das falas e suas expressividades e ao mesmo tempo me preocupei em deixar o

    texto mais fluente.

  • 38

    Captulo 3 - REVISO DA LITERATURA

    3.1 Profissionalizao docente: aspectos histricos

    Nvoa (1999) ao discutir sobre a profisso docente problematiza que a afirma-

    o profissional dos professores um percurso repleto de lutas e conflitos, de hesitaes

    e de recuos (NVOA, 1999 p. 21). Ao realizar um panorama histrico da profisso, o

    autor portugus coloca a gnese da profisso docente dentro da igreja de forma subsidi-

    ria e no especializada. Assim, a profisso ao se iniciar em congregaes religiosas, se

    forma como congregaes docentes. Essas congregaes docentes configuram um corpo

    de saberes e de tcnicas e um conjunto de normas e valores especficos da profisso.

    No sculo XVIII, a interveno do Estado fez com que ocorresse uma homoge-

    neizao dessas congregaes docentes, bem como uma unificao e uma hierarquiza-

    o escola nacional de todos estes grupos: o enquadramento estatal que institui os

    professores como corpo profissional e no uma concepo coorporativa do ofcio

    (NVOA, 1995 p. 17). Desta forma o Estado, passou a fazer nomeaes dos professo-

    res o que fez com que a profisso ficasse no meio do caminho entre o funcionalismo e a

    profisso liberal.

    No final do sculo XVIII no era permitido lecionar sem uma licena ou autori-

    zao do Estado a qual era concedida atravs de um exame que procurava acurar habili-

    taes, comportamento moral etc. Esse documento passou a ser um fator regulador da

    profisso docente o que facilitava um perfil de competncias tcnicas. J no sculo XIX,

    houve uma expanso escolar, uma procura social mais forte j que a instruo passa a

    ser sinnimo de superioridade. O trabalho docente passou a ter ento mais alta relevn-

    cia social. Assim, a formao docente comeou a ser mais especializada e mais longa.

    Na segunda metade do sculo XIX, a profisso docente passou a ter uma ambi-

    guidade em seu estatuto: os professores no eram burgueses e tambm no eram do po-

    vo, no eram valorizados como intelectuais, mas deveriam possuir um acervo de conhe-

    cimentos. No eram notveis locais, mas tinham importncia na comunidade, no exer-

    ciam um trabalho independente, mas usufruam de certa autonomia. Nvoa (1999) no-

    meia esta imagem do professorado como uma imagem intermediria (p.18). Essa pro-

    blemtica acentuou a feminilizao do professorado, um fenmeno visvel na virada do

    sculo e que introduz o dilema entre profisses masculinas e femininas.

  • 39

    Durante os anos mil novecentos e vinte. o Movimento da Educao Nova ilus-

    trou a conjugao de projetos culturais, cientficos e profissionais. Nesta perspectiva, o

    movimento foi a consequncia de uma lenta evoluo cultural que imps socialmente a

    ideia de escola e o produto da afirmao das novas cincias sociais e humanas (nome-

    adamente das cincias da educao), mas representou tambm um forte contributo para

    a configurao do modelo do professor profissional. (NVOA, 1999, p. 19).

    Costa (1995) ao estudar a problemtica do trabalho docente, mostra que o ideal

    do trabalho do professor e o da escola comearam a ser abalados aps a Segunda Guerra

    Mundial. A escola, ao contrrio do que possa parecer, em vez de eliminar diferenas

    sociais passou a reproduzir as desigualdades sociais necessrias manuteno da ordem

    econmica capitalista. Assim, o Estado exercia no apenas o controle tcnico, adminis-

    trativo e legal da escola, mas tambm o controle ideolgico, ou seja, os professores e-

    ram executores de um projeto que compete ao aparato escolar nas sociedades capitalis-

    tas.

    A partir disso, um dos questionamentos da autora o professor/profissional. Po-

    deria o professor ser considerado um profissional? O docente e a escola so vinculados

    aos processos e prticas sociais que produzem indivduos partcipes das trajetrias his-

    trico-culturais das sociedades em que vivem (COSTA, 1995, p.85). Mesmo com uma

    importante participao na formao de indivduos, a profisso do professor algo

    complexo de compreenso. O termo profisso tal como conhecemos hoje surgiu no s-

    culo passado e se remete, principalmente, s profisses fabris, industriais. As profisses

    liberais so a da medicina, da advocacia, engenheiros e arquitetos que trabalham no seio

    de grandes organizaes.

    A construo da profissionalizao docente no Brasil marcada por avanos e

    recuos. Assim como na Europa, a educao comeou dentro da igreja catlica. A partir

    da Repblica essa passou a ser de responsabilidade do Estado. A profisso docente, a

    qual era exercida como atividade principal, marca um momento em que a funo docen-

    te deixa de ser acessria e passa a se constituir um campo de atividades e de investi-

    mento de um grupo ao mesmo tempo em que passa a se tornar mais controlada pelo

    estado e hierarquizada. (BRITO, 2009, p.85). Nos anos mil novecentos e vinte, a hist-

    ria da profissionalizao docente teve uma peculiaridade: diferente dos outros pases, no

    Brasil j existia um controle do Estado sobre o corpo docente, no formato de recruta-

    mento e de superviso por parte de inspetores escolares. Os inspetores escolares eram

  • 40

    responsveis pela aplicao de avaliaes personalistas o que representou cerca de 50%

    dos professores admitidos. (BRITO, 2009, p. 85)

    Assim, a profisso no era uma ocupao, mas um meio de controlar a ocupa-

    o. A profisso do professor se desenvolveu em instituies burocrticas e hierarquiza-

    das estando sujeita a variadas formas de controle, por isso, existiam limites entre a au-

    tonomia e o autocontrole, ou seja, os professores eram atingidos pelos efeitos da media-

    o do estado, pois, na condio de funcionrios e de assalariados, ocupam posies

    subalternas e sofrem diversas formas de controle (COSTA, 1995, p.92). No incio do

    sculo XX houve um sa