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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ECONOMIA CONDIÇÕES ECONÔMICAS E INSTITUCIONAIS PARA A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NA AMÉRICA DO SUL JAIME ALFONSO ORJUELA VÉLEZ Matrícula No. 103002785 Orientador: Prof. HELDER QUEIROZ PINTO JUNIOR. SETEMBRO DE 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ECONOMIA

CONDIÇÕES ECONÔMICAS E INSTITUCIONAIS PARA A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NA AMÉRICA DO SUL

JAIME ALFONSO ORJUELA VÉLEZ Matrícula No. 103002785

Orientador: Prof. HELDER QUEIROZ PINTO JUNIOR. SETEMBRO DE 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ECONOMIA

CONDIÇÕES ECONÔMICAS E INSTITUCIONAIS PARA A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NA AMÉRICA DO SUL

_________________________________ JAIME ALFONSO ORJUELA VÉLEZ

Matrícula No. 103002785

Orientador: Prof. HELDER QUEIROZ PINTO JUNIOR. SETEMBRO DE 2005

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CONDIÇÕES ECONÔMICAS E INSTITUCIONAIS PARA A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NA AMÉRICA DO SUL

Jaime Alfonso Orjuela Vélez

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências Econômicas.

Banca Examinadora: ______________________________________ Prof. Helder Queiroz Pinto Junior (Orientador) IE-UFRJ ______________________________________ Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida IE-UFRJ ______________________________________ Prof. Luiz Augusto Horta Nogueira Universidade Federal do Itajubá Instituto de Recursos Naturais

Rio de Janeiro 2005

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As opiniões expressas e possíveis erros remanescentes neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor.

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À Maria Camila, Bruna e o Jack, novas gerações e ilusão da grande família latino-americana.

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Agradecimentos Agradeço imensamente ao governo do Japão e ao pessoal do IADB-Japan Scholarship Program pelo apoio financeiro e a gentil colaboração prestada, sem os quais este trabalho e experiência não teriam sido possíveis. O programa é uma valiosa janela aberta ao progresso e à fraternidade. Ao meu orientador e mestre Helder Queiroz Pinto Junior, pela sua dedicação e paciência ao longo de todo o processo. Sua orientação e incentivo foram definitivos no desenvolvimento e culminação desta importante etapa de aprendizagem. Aos professores, colegas e pessoal administrativo e de serviços do Instituto de Economia, do Grupo de Economia da Energia e do CCJE, quem acompanharam e enriqueceram meus passos fazendo prazerosos e frutíferos estes mais de dois anos de percurso. À inesquecível profª. Carmen Alveal (q.d.e.p) e ao prof. Antonio L. Licha, gracias por esa primera mano. Finalmente, agradeço e declaro toda minha afeição à família Pereira Barbosa, à família Miller Trebat e aos meus amigos (as) e parceiros que me rodearam de alegria e calor humano de povo brasileiro. À cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro, saudades infindáveis.

Aos meus amores e desamores.

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Resumo A partir da revisão e analise da experiência européia de integração energética, esta dissertação tem por objetivo estudar e interrogar acerca das condições necessárias para a integração energética na América do Sul com relação a duas dimensões de maior relevância: a econômica e institucional, no contexto das mudanças da indústria elétrica iniciadas nos anos 80; verificando em que medida os requisitos básicos inerentes a cada uma destas dimensões estão sendo atendidos, visando alcançar um maior grau de integração energética na região. Pela natureza dos processos de integração econômica e energética, resulta difícil determinar quais as condições suficientes para esquematizar uma integração energética regional bem sucedida. No entanto, as características técnico-econômicas dos sistemas elétricos e as características e implicações contratuais dos modelos de organização industrial no contexto recente de desregulamentação e reestruturação industrial impõem, na óptica do enfoque Neo-Institucionalista aqui abordado, condições econômicas e institucionais mínimas, necessárias para esses sistemas e modelos operarem e funcionarem. As análises e discussões aqui elaboradas com base na informação e evidência levantada mostram que, na dimensão econômica, alguns dos aspectos técnico-econômicos e estruturais da indústria representam oportunidades e um potencial importante para o comércio e transações intra-regionais de energia, restringidos porém, pelo carente grau de desenvolvimento da infra-estrutura de integração e interconexão física, e limitados em parte, pelas barreiras geográfico-espaciais que caracterizam o subcontinente sul-americano e as capacidades e condições para esse tipo de investimentos. Na dimensão institucional, ainda que exista, em tese, o conjunto de condições institucionais comerciais e jurídicas básicas necessárias para a regulação, realização e coordenação das transações e operações comerciais, não estão reunidas as condições institucionais regionais de coordenação técnica e jurídico-administrativas necessárias para a promoção e sustentação da eficiência econômica num esquema de integração energética regional. Prevê-se finalmente, que entanto não sejam sensivelmente melhoradas e ampliadas as condições favoráveis de financiamento para a integração física, e não haja organizações e instituições técnicas e jurídico-administrativas com competências e faculdades regionais efetivas, não haverá progressos significativos no desenvolvimento do processo de integração energética regional sul-americano.

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Abstract From the revision and analysis of the European experience of energetic integration, this dissertation has the purpose to study and inquiry about the necessary conditions to the energetic integration in South America in relation with two dimensions of great relevance: the economic and institutional, in the electricity industry change context from the 80s; verifying in which way the inherent basic requirements of each of these dimensions are being overcome, looking for reaching a great level of energetic integration in the region. Because the nature of economic and energetic integration processes, it’s difficult to establish which are enough conditions to draw a successful regional energetic integration. However, the technical and economical characteristics of the electric systems and the contractual implications and characteristics of the industrial organization model in the recent context of industrial deregulation and re structuration impose from the Neo-institutional optic, here approached, minimum economical and institutional conditions, necessary for the operation and function of these systems and models. The analysis and discussions prepared on the scored information and evidence show that in the economic dimension some of the techno-economic and structural aspects of the industry represent opportunities and important potential for the business and transactions of intraregional energy, although it is restricted because the development lack of the infrastructure and physical integration and interconnection and limited in part by the geographic-space barriers that characterized south America subcontinent and the abilities and conditions of this kind of investments. In the institutional dimension, although, it exits, in thesis, the group of basic institutional commercial and law conditions necessary to regulate, make and coordinate the transactions and commercial operations, aren’t gathered the regional institutional conditions of technical coordination and law-administrative necessary to promote and sustain the economic efficiency in a regional energetic integration scheme. Finally, it will anticipate that while the favorable fund conditions won’t be sensibly improved and extended for the physic integration and there won’t be technical and law-administrative organization and institutions with competences and effective regional faculties, there won’t be meaningful progress in the development process of regional energetic integration in South America.

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Índice INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 5

I. A EXPERIÊNCIA EUROPÉIA DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA.......................... 9

1.1. EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO. ............................................. 10

1.1.1. Primeiro período (anos 50 - 60): Primeiros esquemas de pós-guerra e conformação da CE....................................................................................................... 11

1.1.2. Segundo período (anos 70): Crises e mudança do cenário econômico internacional. ................................................................................................................. 15

1.1.3. Terceiro período (anos 80): Introdução das reformas e reestruturação das indústrias de energia. ............................................................................................ 16

1.1.4. Quarto período (anos 90): Tratado de Maastricht e formulação dos Mercados Internos de Energia. ................................................................................... 19

1.2. ANÁLISE DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NA EUROPA. .......................................................................................................................... 21

1.2.1. Primeiro período (anos 50 - 60)......................................................................... 21

1.2.2. Segundo período (anos 70). ............................................................................... 23

1.2.3. Terceiro período (anos 80). ................................................................................ 23

1.2.4. Quarto período (anos 90). .................................................................................. 26

1.3. SINOPSE FINAL....................................................................................................... 31

II. A (S) DIMENSÃO (ÕES) ECONÔMICA (S) DA ENERGIA NA AMÉRICA DO SUL ............................................................................................................................... 35

2.1. ASPECTOS TÉCNICO-ECONÔMICOS DA INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA. ................................................................................................................. 41

2.1.1. Estrutura de oferta e demanda de energia. ..................................................... 41

2.1.2. Complementaridade e interconexão dos sistemas energéticos.................... 45

2.2. ASPECTOS CONTRATUAIS DAS REFORMAS À INDÚSTRIA ELÉTRICA......................................................................................................................... 48

2.2.1. A abordagem de Newbery: a evidência empírica das reformas. ................. 50

2.2.2. O enfoque de Joskow e Schmalensee: a Nova Economia Institucional (NEI) aplicada às reformas na indústria elétrica. ..................................................... 54

4

2.3. ESTRUTURA DA INDÚSTRIA ELÉTRICA NA AMÉRICA DO SUL. ............. 64

2.4. IMPACTOS DAS REFORMAS ESTRUTURAIS E INSTITUCIONAIS SOBRE A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA.................................................................... 66

2.4.1. Considerações metodológicas e analíticas. ..................................................... 67

2.4.2. Condições para a integração energética. ......................................................... 68

2.4.3 Extensão das reformas na América do Sul e considerações adicionais para a integração energética........................................................................................ 71

2.4.4. Organização empresarial da indústria elétrica............................................... 74

III. A DIMENSÃO INSTITUCIONAL DA INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NA AMÉRICA DO SUL........................................................................................................... 79

3.1. AS INSTITUIÇÕES DO SETOR ELÉTRICO NUM CONTEXTO DE REGULAÇÃO-DESREGULAMENTAÇÃO: A ANÁLISE NEO - INSTITUCIONALISTA................................................................................................... 79

3.1.1. A análise Neo-Institucionalista da NEI e o caso sul-americano................... 81

3.2. INSTITUIÇÕES E ORGANIZAÇÕES DE CARÁTER TÉCNICO: acesso e coordenação física e planejamento. ............................................................................... 85

3.2.1. Lições da experiência européia. ....................................................................... 88

3.3. INSTITUIÇÕES E ORGANIZAÇÕES DE CARÁTER COMERCIAL: acesso e coordenação comercial................................................................................... 102

3.4. INSTITUIÇÕES E ORGANIZAÇÕES DE CARÁTER LEGAL, JURÍDICO E ADMINISTRATIVO: suporte jurídico-legal e regulação e defesa da concorrência.................................................................................................................... 107

3.4.1. Sistemas judiciários e indústria elétrica na América do Sul. ...................... 110

3.4.2. Regulação e defesa da concorrência na indústria elétrica sul-americana. .................................................................................................................... 114

CONCLUSÕES................................................................................................................. 123

Referências Bibliográficas............................................................................................... 126

Lista de convenções, siglas e unidades......................................................................... 140

Introdução ________________________________________________________________________________________

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INTRODUÇÃO

Em paralelo ao desenvolvimento dos processos de integração na Europa dos períodos pós-guerras, têm também se realizado, na América Latina, avanços orientados a criar e constituir espaços comuns de integração econômica. Nesse processo, podem ser identificados vários períodos: um primeiro se inicia nos anos 50 com a iniciativa do Mercado Comum Latino-Americano (MCLA) liderada pelo argentino R. Prebisch, primeiro diretor da recém criada Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), formalizada no Tratado de Montevidéu de 1960 que deu criação à Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC); o segundo período compreende os anos 70 e 80, no qual é instaurado o Pacto Andino (futura Comunidade Andina de Nações, CAN), primeiro esquema sub-regional de integração, e é substituído o declinante esquema ALALC através da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) definida no Tratado de Montevidéu de 1980; um terceiro período inicia nos anos 90 com a conformação do segundo esquema e bloco sub-regional de integração, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL); e finalmente, um quarto período, inaugurado no século atual no transcurso das três primeiras cúpulas presidenciais sul-americanas, no qual, por meio de duas iniciativas atualmente em desenvolvimento, a Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e a Comunidade Sul-americana de Nações (CSAN), procura-se a convergência física de todos os países sul-americanos, incluindo às Guianas e o Suriname, e a fusão dos dois blocos comerciais regionais, a CAN e o MERCOSUL. Porém, a despeito dessa evolução institucional de mais de meio século, a diferença do processo europeu, os resultados econômicos do processo de integração latino e sul-americano têm sido magros. Por exemplo, enquanto que o comércio intra-regional europeu nos anos 80 atingiu na media um valor de 62%, o comércio regional latino-americano, nesse mesmo período, não superou o 24%;1 evidenciando-se -lato senso- alguns dos obstáculos antecipados pelo próprio R. Prebisch desde a época das iniciativas do MCLA.2 No âmbito energético os resultados não têm sido mais alentadores. Apesar dos avanços institucionais realizados no primeiro e segundo período com a instituição da Comissão de Integração Energética Regional (CIER) e a Organização Latino-

1 Com base em informação da UNCTAD. 2 Ver Prebisch (1966).

Introdução ________________________________________________________________________________________

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Americana de Energia (OLADE), além de estudos técnicos e alguns acordos assinados entre os países, não se observam avanços concretos significativos orientados à integração energética sul-americana. Em comparação com os países centrais da Europa continental ocidental que já nos alvores do primeiro período tinham interligado e integrado suas redes e indústrias de eletricidade (Padgett, 1992), nesse período, nos países do cone sul da América, os recursos energéticos eram motivo de disputa e confronto regional (Moniz, 2003), exacerbando assim as dificuldades já manifestas no marco das negociações da ALALC (CEPAL, 1983); e para finais do século XX, a América do Sul totalizava só quatro linhas de transmissão transnacional de alta tensão e três usinas binacionais de geração elétrica em operação (OLADE, 1999). Não obstante do anterior, diferentes instituições e organizações como a CIER e a OLADE, entre outras, têm identificado e assinalado o importante potencial de integração energética existente na região, prestes a ser aproveitado pelos países sul-americanos. É nesse sentido que se orientam as iniciativas mais recentes de integração física e comercial como a IIRSA e a CSAN. O objetivo aqui não é porém avaliar e analisar os fracassos passados ou a viabilidade futura da integração energética, por exemplo no marco destas iniciativas de integração mais recentes. Esta dissertação analisa um aspecto mais fundamental: as condições necessárias para a integração energética na América do Sul com relação a duas dimensões de maior relevância, a econômica e a institucional, no contexto das mudanças da indústria elétrica iniciadas nos anos 80. Em dezembro de 2004, com motivo dos 40 anos de criação e existência da CIER, a organização, com apoio e participação das demais instituições e organizações da região com competência no tema, realizou na cidade do Rio de Janeiro o congresso internacional “Integração Energética Regional: Utopia ou Realidade?“. É claro que não é possível fornecer uma resposta definitiva nem absoluta à pergunta formulada nesses termos, no entanto, através das análises e discussões a serem desenvolvidas neste trabalho, procura se dar uma aproximação analítica a essa questão, interrogando acerca das condições econômicas e institucionais necessárias para a integração energética na América do Sul. A dissertação esta estruturada em três capítulos, adicionais a esta introdução e conclusões finais apresentadas no capítulo final, nos quais se analisa como referência a evidência das experiências de integração em outras regiões, descreve-se o contexto recente da indústria energética na América do Sul, e se analisa e discutem diferentes aspectos e fatores das aqui denominadas, dimensão econômica e dimensão institucional. O objetivo é verificar em que medida os requisitos básicos inerentes a cada uma destas dimensões estão sendo superados, visando alcançar um maior grau de integração energética na América do Sul.

Introdução ________________________________________________________________________________________

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“A Experiência Européia de Integração Energética”, examinada no capítulo I, pela sua dimensão, complexidade e heterogeneidade estrutural, é tomada como referência para a análise do caso sul-americano. Na primeira parte do capítulo se faz uma descrição cronológica desde os anos 50 até os 90 da evolução institucional, das políticas e do contexto macroeconômico do processo de integração na Europa ocidental, a qual é analisada periodicamente na segunda parte do capítulo. A principal contribuição do capítulo é a discussão e análise normativa e positiva das condições econômicas e institucionais do processo de integração energética europeu, das quais são identificados aspectos e fatores gerais a serem analisados, discutidos e comparados nos capítulos posteriores, com relação ao caso sul-americano. O capítulo II, que analisa e discute “A (s) dimensão (ões) Econômica (s) da Energia na América do Sul”, é dividido em três partes. Na primeira, à guisa de introdução, são descritas as mudanças e transição econômica e institucional iniciadas na América Latina a partir dos anos 80 e 90. Na segunda, realiza-se uma revisão de aspectos técnico-econômicos que dão informação acerca da potencialidade e disponibilidade físico-estrutural para a integração energética na América do Sul e apresenta-se o enfoque analítico e marco teórico implementado para a análise das reformas ao setor e indústria elétrica, com base no qual se analisa, na parte final, a estrutura industrial e organização empresarial do setor e indústria elétrica na América do Sul, a fim de discutir as condições econômicas para a integração e suas implicações e impactos institucionais. O capítulo III, “A Dimensão Institucional da Integração Energética na América do Sul”, ocupa-se da discussão dos aspectos institucionais da integração energética regional, os quais são analisados em três grupos identificados do enfoque analítico e discussões do capítulo anterior: as instituições e organizações de caráter técnico, as instituições e organizações de caráter comercial e as instituições e organizações de caráter legal, jurídico e administrativo. Como visto nesta introdução e apresentação da estrutura geral do trabalho, a análise das reformas ao setor e indústria elétrica é o tema subjacente e transversal a toda a discussão aqui elaborada, por tanto, para finalizar, cabe fazer algumas observações e apreciações ao respeito da semântica empregada. Em geral, observa-se na literatura certo grau de turbação e arbitrariedade ao respeito da acepção e uso da palavra regulação. Em menção dos processos recentes de reforma econômica, é comum por exemplo fazer referência a eles como processos de desregulamentação, quando na realidade, a regulação não é nem pode ser suprimida ou substituída da atividade econômica, toda vez que esta diz respeito à relação ou forma de interação entre o Estado e os agentes econômicos e o processo e atividade econômica em geral. Ou seja, sempre que os agentes

Introdução ________________________________________________________________________________________

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econômicos estejam circunscritos e suas atividades se desenvolverem nas fronteiras políticas dos Estados, como acontece há séculos, a regulação será o mecanismo natural de organização e coordenação econômica. Assim sendo, o que se dá com as reformas iniciadas nos anos 80 (descritas nos capítulos I e II) não é uma diminuição ou supressão da regulação. Em termos exatos, o que se deu na verdade foi uma mudança na forma de intervenção e controle dos Estados nas e das atividades econômicas, neste caso, uma mudança na regulação econômica da indústria energética, efetivada através de mudanças e inovações institucionais que visam dar maior papel ao mercado como mecanismo de organização e coordenação econômica, especialmente no segmento da geração, e transferir o controle e supervisão do setor e da indústria para entidades administrativas estatais, autônomas e independentes dos governos de turno. Nesse sentido, os termos abertura, liberalização, desregulamentação,3 reestruturação e ou reforma, em geral fazem referência a esse processo de mudança e inovação institucional, de forma que, nesse novo contexto da indústria, a análise desta dissertação trata em essência das condições econômicas e mudanças e inovações institucionais necessárias para a conformação de uma indústria energética sul-americana ampliada e integrada.

3 Em inglês deregulation.

Capítulo I A Experiência Européia de Integração Energética ________________________________________________________________________________________

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I. A EXPERIÊNCIA EUROPÉIA DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA

As primeiras referências de propostas e tentativas de aproximação entre países europeus datam do século XIV, realizadas com fins políticos de paz regional e de defesa contra as ameaças que naquela época provinham do meio oriente. No século XX, são esses mesmos fins que demandam novamente esquemas intra-europeus de coordenação, cooperação e edificação institucional, desta vez em resposta aos esforços necessários para a reconstrução das infra-estruturas afetadas pelas guerras e a ameaça à seguridade e integridade européia que representou no seu momento o (s) estado (s) alemão e o comunismo soviético. A trajetória de integração que nesse contexto de pós-guerra se iniciou na Europa4 e que desembocou na formação do que hoje conhecemos como União Européia (UE), sobre a qual foram formulados os mercados internos de energia, esta determinada, como será visto, pelas circunstâncias específicas dos países e as conjunturas políticas da região dentro de contextos macroeconômicos específicos, marcando e inserindo-se à vez em momentos diferentes, através do quais se da o processo de evolução institucional, política e estrutural que caracteriza a experiência européia de integração energética. Nas seções seguintes estuda-se a evolução desse processo de integração, iniciando desde os primeiros esquemas da década de 50 até a formulação na década de 90 dos mercados internos de energia. Para isso, será útil distinguir e definir quatro períodos sobre os quais estará estruturado o presente capitulo: o primeiro é o dos primeiros esquemas intra-europeus de integração que se iniciam no período do fim da segunda guerra e que culmina na década de 60 com a conformação da Comunidade Européia (CE); o segundo é o período de crises dos anos 70 sobre o qual só faremos breves comentários; o terceiro é o período de introdução das reformas e reestruturação das indústrias de energia que inicia nos anos 80; e o quarto período começa com a assinatura em 1992 do Tratado de Maastricht que da criação à UE e que se prolonga até a formulação dos mercados internos de energia e continuação das reformas e reestruturações das indústrias de energia na Europa. Inicia-se a análise fazendo uma descrição cronológica da evolução institucional, das políticas, e do contexto econômico de cada período (seção 1.1), para logo fazer

4 A menos de citações explicitadas, em geral, faz referência à Europa ocidental.

Capítulo I A Experiência Européia de Integração Energética ________________________________________________________________________________________

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uma análise conjunta (seção 1.2) e apresentar finalmente uma sinopse do processo descrito (seção 1.3). 1.1. EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO. Dando introdução à presente seção, apresenta-se comparativamente na Tabela 1.1, dados das principais variáveis macroeconômicas e de comércio na Europa ocidental nos períodos referidos, que serão citados nas subseções a seguir.

Tabela 1.1. Contexto macroeconômico e comércio na Europa ocidental na segunda metade do século XX.

Elaborada pelo autor a partir dos dados da fonte. (Ver fonte, abreviaturas e notas na página seguinte)

2˚ Período 3˚ Período 4˚ Período1951 - 1960 1961 - 1970 1971 - 1980 1981 - 1990 1991 - 1998

PIB 3,0% 2,8% 2,0% 2,6% 2,0%Inflação - 4,1% 13,7% 6,6% 3,2%Comércio 27,8% 35,1% 45,0% 54,2% 53,0%PIB 3,1% 4,5% 2,2% 2,0% 2,7%Inflação - 5,9% 9,8% 5,9% 2,0%Comércio 72,6% 68,0% 66,2% 65,3% 67,3%PIB 4,9% 4,8% 3,4% 3,1% 1,5%Inflação - 5,0% 11,2% 6,7% 1,8%Comércio 53,9% 62,0% 57,6% 54,2% 58,4%PIB 3,8% 4,2% 4,7% 2,4% 3,7%Inflação - 4,5% 8,4% 7,6% 2,2%Comércio 69,1% 71,1% 71,3% 75,6% 74,5%PIB 3,2% 4,6% 2,0% 2,0% 1,1%Inflação - 4,0% 9,2% 7,6% 2,7%Comércio 60,6% 62,6% 59,9% 57,3% 59,4%PIB 7,7% 4,2% 2,7% 1,4% 1,8%Inflação - 2,6% 5,1% 2,6% 2,5%Comércio 48,8% 56,0% 58,1% 59,4% 57,2%PIB 4,6% 5,6% 3,2% 2,3% 1,4%Inflação - 4,0% 9,6% 6,3% 1,9%Comércio 35,8% 52,9% 57,3% 58,0% 61,6%PIB 6,1% 5,8% 3,6% 2,2% 1,3%Inflação - 3,9% 13,9% 9,6% 4,1%Comércio 40,2% 49,7% 52,9% 55,2% 59,4%PIB 3,0% 4,9% 3,4% 1,9% 1,8%Inflação - 3,0% 7,4% 4,5% 2,1%Comércio 58,1% 70,3% 74,2% 74,0% 75,1%PIB 4,6% 5,1% 2,9% 2,2% 2,6%Inflação - 4,2% 7,3% 2,4% 2,5%Comércio 59,1% 69,5% 69,9% 70,9% 70,4%

França

Italia

Bélgica**

Holanda

País Série

Reino Unido

1˚ Período

Alemanha*

Dinamarca

Finlândia

Noruega

Suécia

Capítulo I A Experiência Européia de Integração Energética ________________________________________________________________________________________

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Fonte: Série PIB: Maddison (2001, p. 267-290). Série Inflação: World Bank (2001). Série Comércio: UNCTAD, UNCTAD Handbook of Statistics On-line. Abreviaturas e Notas: (-) Dados não disponíveis. (*) Para todas as séries, os dados da Alemanha correspondem aos da República Federal da Alemanha antes de 1990 e da Alemanha unificada após essa data. (**) Com exceção da Série PIB, os dados da Bélgica incluem parcialmente os dados de Luxemburgo. No 4˚ Período da Série Comércio, por incompletude dos dados a média corresponde ao período 1991 - 1996. A Série PIB foi calculada como média de crescimento uniforme do período, com base nos dados de PIB em milhões de dólares internacionais Geary-Khamis de 1990 da fonte citada. A Série Inflação foi calculada como média de aumento uniforme no período do nível anual de preços ao consumidor da fonte citada. A Série Comércio expressa a média aritmética no período do comércio anual de cada país com o resto dos 14 países membros da EU em 2000, calculada como percentagem da relação entre o comércio total do país com a UE e o comércio total do país com o mundo, isto é, %[(M + X)ue / (M + X)mundo], com base nos dados de importações e exportações em milhões de dólares correntes da fonte citada. 1.1.1. Primeiro período (anos 50 - 60): Primeiros esquemas de pós-guerra e conformação da CE. Primeiras instituições de cooperação e integração. Benelux e Nordek Após das guerras, os primeiros movimentos no sentido a uma integração, sejam no aspecto econômico ou político, foram dados pelos países do denominado Benelux, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, que estabeleceram uma união alfandegária a qual foi depois ampliada na forma de uma união econômica. Os nórdicos, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia, tradicionalmente neutros na política exterior (com exceção da Finlândia que tinha relações dependentes com a URSS), e próximos da órbita de influência do Reino Unido (RU), reuniram-se em torno do Conselho Nórdico fundado em 1952, o qual, porém, não conseguiu promover uma efetiva integração econômica exclusiva entre esses países apesar do esforço feito anos após no âmbito do Nordek. OCEE e OCED Ao tempo dos avanços dos países do Benelux e dos nórdicos, com o advento do Plano Marshall em 1947, as maiores nações da Europa ocidental, Alemanha, Francia, Itália e RU, em um ato de coadjuvação, foram induzidas a estabelecer uma coordenação estreita para fazer a administração e planejamento dos recursos e as atividades de reconstrução, realizando-as inicialmente por meio do Comitê de Cooperação Econômica Européia (CCEE) que veio logo se estabelecer como Organização para a Cooperação Econômica Européia (OCEE), e finalmente, em 1961, como Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCED), tendo como membro pleno aos Estados Unidos de América (EUA).

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Conselho da Europa Em paralelo à OCEE foi estabelecido o Conselho da Europa, o qual, a partir da sua assembléia e seu conselho (nos quais participaram inicialmente o RU, os países do Benelux, alguns dos países nórdicos e as maiores nações ocidentais, incluindo a Alemanha a partir de 1950), constitui-se no principal fórum intergovernamental europeu durante as décadas de 50 e 60. Seus principais logros foram em matéria de democracia e direitos humanos, porém, sua legitimidade também serviu para facilitar e promover a cooperação e a integração na área econômica, como foi de fato realizado em diferentes setores de infra-estrutura física por meio da Autoridade Européia de Transporte, da Conferencia dos Ministros de Transporte Europeus, da convenção para a cooperação e coordenação das redes ferroviárias e outras instâncias no setor das comunicações (Urwin, 1991, p. 58-59; Harrop, 1992, p. 15); 5 vinculadas todas elas às suas instituições e tarefas. Primeiras instituições de integração energética. No início da década de 50, após da experiência dos países do Benelux, deu-se uma segunda integração efetiva na área econômica entre países da Europa ocidental, no sentido de liberalização de mercados, redução de barreiras ao comércio e integração setorial, e que poderia se considerar como a primeira integração energética européia em função dos setores comprometidos. Dita integração foi instaurada a partir de duas iniciativas setoriais. A primeira e mais importante foi a proposta francesa (Plano Schuman) de criar um mercado unificado para os setores de carvão e aço, o qual fosse regulado por uma instituição de caráter supranacional. E a segunda, de maior caráter técnico do que econômico, estabelecida no seio da OCEE e orientada ao setor de eletricidade, foi inicialmente denominada como União para a Coordenação da Produção e Transmissão de Eletricidade (UCPTE), criada como parte das atividades de reconstrução com o fim de facilitar a coordenação e otimização dos recursos e fluxos das redes intra-européias de eletricidade, interligando e integrando com sucesso já em 1951 as redes dos seus 12 países membros (Padgett, 1992, p. 61 e 62). CECA Apesar do sucesso da UCPTE, das duas iniciativas, a de maior relevância para esse período, pela sua abrangência setorial, estrutura institucional e desdobramentos posteriores, foi a da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA); formada 5 Durante a década de 1950, o Conselho da Europa, a OCEE, e a Organização do Tratado de Atlântico Norte (OTAN), estiveram articulados na União Européia Ocidental (UEO), uma nova organização que substituiu às enfraquecidas Comunidade Defensiva Européia (CDE) e Comunidade Política (Urwin, 1991, p. 68-71).

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com uma vigência prevista de 50 anos pelos países do Benelux e as maiores nações européias continentais do ocidente, Alemanha Ocidental, França e Itália, assinantes do Tratado de Paris de 1951. Esta iniciativa, mais além do seu caráter econômico, obedeceu fundamentalmente a uma simbiose do interesse político-econômico alemão e francês (Urwin, 1991, p. 44-47). Para a Alemanha ocidental, sujeita às restrições e imposições ao seu desenvolvimento industrial da International Ruhr Authority (IRA), estabelecida pelos aliados após sua derrota na segunda guerra, a CECA ofereceu a oportunidade de escapar às disciplinas da IRA, e à França, a possibilidade de exercer controle sobre o potencial econômico e militar desta outra nação graças à estrutura e caráter supranacional das instituições da comunidade. A CECA foi estabelecida de acordo com três objetivos principais: um primeiro de caráter sócio-econômico, expansão econômica, crescimento do emprego e melhoramento do padrão de vida; um segundo de caráter econômico-político, conformação de um mercado comum e unidade política; e o terceiro de caráter institucional para o estabelecimento de uma autoridade supranacional, a denominada High Authority (HA). Junto com a HA foram criadas outras quatro instituições: o Conselho Especial de Ministros que funcionou como um órgão executivo paralelo à HA, o Comitê Consultivo, a Corte de Justiça, e a Assembléia Comum eleita diretamente pelos estados por meio de voto democrático; todas as quais conformaram a estrutura institucional da CECA sobre a qual se suportou sua legitimidade e se garantiu a democratização das suas decisões e o contrabalanço dos seus poderes. Com base nessa estrutura institucional a CECA foi avançando em busca dos seus objetivos, porém, cedo foram se revelando inconvenientes na operação, relacionados com a limitação dos seus instrumentos inerentemente setoriais, os quais não foram suficientes para lidar com praticas discriminatórias praticadas em outros setores. O anterior dificultou a consolidação e maior liberalização desses mercados, e em conseqüência, após as primeiras crises dos primeiros anos de funcionamento, a HA já manifestava a necessidade de uma mais efetiva coordenação das políticas econômicas, assim como uma integração mais ampla que ultrapassasse o âmbito unisetorial (Lister, 1960, p. 409-411). Foi assim como durante esta primeira década, marcada pelo início de um excepcional período de elevado e sustentado crescimento,6 estabilidade, e expansão econômica, que se prolongou até inícios dos anos 70 (ver Tabela 1.1) no contexto do padrão ouro-dólar do acordo de Bretton Woods do fim da segunda

6 “Since 1950 all the European countries have grown faster than in the two earlier periods cited, and in most cases growth has been faster than over any previous period of equal length.” (Maddison, 1964, p. 28).

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guerra;7 foram constituídas a OCEE, o Conselho da Europa e a CECA, que conformam a estrutura institucional alicerce dos desenvolvimentos posteriores da integração européia. Tratado de Roma e conformação da CE. Nesse contexto econômico e sobre essa base institucional favorável é assinado o Tratado de Roma de 1957,8 sobre o qual foram estabelecidas a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom), as quais junto com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço conformariam depois a Comunidade Européia; novamente, como no caso da CECA, produto de um tipo de simbiose entre os interesses das duas maiores nações do ocidente europeu continental, a Alemanha Ocidental e a França. Para a primeira, a CEE facilitaria a continuidade do seu crescimento, expansão e preponderância econômica, enquanto para a segunda, a Euratom permitiria avançar nas suas pretensões de soberania e independência militar. A assim gestante CE formada de início pelos mesmos seis países da sua primeira comunidade, foi instituída com base num complexo arranjo institucional (de caráter sui generis pelo seu conceito de co-decisão9 que se distancia do conceito clássico de separação de podres; D’arcy, 2002, p. 50), reflexo daquele que governava e regulava à CECA.10 Tal arranjo se fundamentou em três entes institucionais: primeiro, o Conselho Europeu, principal centro de poder da inicialmente CE; segundo, o chamado Triangulo Institucional que é formado pelo Conselho,11 a Comissão Européia e o Parlamento Europeu; e terceiro, o Tribunal de Justiça. Inicialmente tendo uma comissão e um conselho particular para cada comunidade, mas que logo depois vieram a se unificarem em 1967 através do tratado de Bruxelas que se fez efetivo dois anos após de sua assinatura (Ubertazzi, 2004; Harrop, 1992, p. 27), culminando-se dessa forma a conformação da CE. 7 Ver Medeiros e Serrano (2000). 8 “Taken together, all these factors allowed a greater breathing space for a consideration of Europe, especially as the democracies had entered a period of unprecedented economic prosperity, something which tended to demote the urgency of protection for specific national interest.” (Urwin, 1991, p. 72). All these factors faz referência especialmente aos motivos que levaram a um afrouxamento dos confrontos da guerra fria e à nova etapa que se iniciou em favor da integração após os fracassos e insucessos da UEO, da CDE, e da Comunidade Política Européia (CPE). “One important lesson about facilitating multilateral free trade is that long periods of macroeconomic stability provide and environmental conducive for the adoption of liberal trade policies. That is based on the 19th-century and postwar experiences, …” (Irwin, 1993, p. 113). 9 Particularmente dentro do Triângulo Institucional que é descrito após, no mesmo parágrafo. 10 “From the organizational point of view, the institutions of the EC and the ECSC were identical. ... on July 23, 2002, only the ECSC Treaty extinguished itself [a CECA foi criada em 1951 com um horizonte de 50 anos], not the community organization that the Treaty established, which, instead, ‘survived’ in the EC, into the apparatus of the EU.” (Ubertazzi, 2004). 11 Com o Tratado de Maastricht de 1992 passou a se denominar formalmente Conselho da União Européia.

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Dos objetivos de unidade econômica e unidade política, o primeiro foi o mais bem sucedido da CE. Tendo como prazo inicial um período de 12 anos para a completa eliminação das barreiras ao comércio, tão só quatro anos depois da sua criação, as barreiras tarifárias internas e outras restrições tinham sido consideravelmente reduzidas,12 e um Comitê Monetário tinha sido estabelecido com fins de coordenação monetária, do qual surgiu nos anos 70, o Sistema Monetário Europeu (SME). RU e a AELC. Início da integração energética nos países nórdicos. Ao respeito da participação e relevância do RU e dos países nórdicos nesses esquemas de integração, após uma década de oposição em razão do caráter supranacional de algumas das instituições da CECA e da CE, principais esquemas então vigentes, o RU liderou a formação da Associação Européia de Livre Comércio (AELC), oficializada em 1960, e que contou além dos nórdicos com a participação dos paises ibéricos e alpinos (estes últimos, ao igual que os nórdicos, tradicionalmente neutros nos assuntos de política exterior). A AELC, porém, foi gradativamente se reduzindo com sucessivas adesões dos seus associados à CE, da qual o RU, após varias tentativas que foram vetadas pela França de De Gaulle, também passou a ser membro em 1973. No âmbito energético, os países nórdicos iniciaram em 1962 um processo de integração setorial das suas indústrias de eletricidade, baseado em atividades de cooperação e comércio, a partir do sistema Nordel criado para esse fim, desde o qual, como será visto nos períodos seguintes, virão se dar desdobramentos importantes para a integração energética desse grupo de países. 1.1.2. Segundo período (anos 70): Crises e mudança do cenário econômico internacional. Como descrito por Medeiros e Serrano (2000, p. 136), os anos 70 foram caracterizados pelo crescimento da inflação internacional, pelo desmonte do regime de taxas de câmbio fixas do sistema Bretton Woods que prevaleceu durante o período anterior, e pela redução do crescimento nos países centrais (ver Tabela 1.1) 13 e posterior mudança do compromisso keynesiano do pleno emprego, o qual foi durante os anos do pós-guerra um dos sustentos e justificativa teórica para a intervenção do Estado nas economias nacionais.

12 Uma interessante análise, na qual isto é debatido, é plantada por André Sapir em Winters (1993). 13 Com relação à resposta alemã ao fim do padrão ouro-dólar e suas conseqüências na Europa, Medeiros e Serrano (2000, p. 137) anotam: “A resposta alemã conduz a uma nítida contração no crescimento econômico na Europa. O principal fator aqui é a crescente dependência da Europa em relação à expansão da demanda efetiva na Alemanha, que age como o centro cíclico da região.”.

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De acordo a argumentações como as apresentadas por Schulmeister (2000), como desdobramento das mudanças mencionadas que davam início nesse novo cenário, ocorrem os choques do petróleo (e posteriormente os dos juros), cujos efeitos imediatos na economia mundial recolocam prioritariamente a questão energética na agenda mundial, tendo assim, como expressão institucional dessa nova agenda, a fundação em 1974 da Agência Internacional da Energia (AIE) pela OCED. Todos esses fatores são determinantes das mudanças que tomam lugar nos períodos posteriores, e que no caso das indústrias de infra-estrutura e serviços públicos, originaram os processos de abertura, liberalização, reforma e reestruturação. 1.1.3. Terceiro período (anos 80): Introdução das reformas e reestruturação das indústrias de energia. O aspecto relevante deste segundo período é a introdução das reformas econômicas empreendidas pelo RU após as crises da década de 70,14 as quais encerraram a excepcional virtuosidade que caracterizou o período do padrão ouro-dólar e marcam o início do padrão dólar-flexível. 15 A estagflação que caracterizou o contexto macroeconômico do presente período (ver Tabela 1.1), junto com a retomada relevância da questão energética como conseqüência dos efeitos e desdobramentos da crise energética do período anterior, em paralelo com o processo de liberalização e reestruturação industrial e institucional que se iniciou, abrem espaço para uma nova etapa na integração energética na Europa. Na qual, o caráter predominantemente vertical e centralizado que predominou no período anterior, como no caso da CECA e a UCPTE, é superado com a diminuição do papel do Estado como agente principal no processo de desenvolvimento nacional, dando maior importância e providência ao mercado, aos mecanismos de concorrência e à participação privada, marcando o que Majone (1997) chamou de transition from positive to the regulatory State. Essa maior participação do mercado e dos mecanismos de concorrência no processo de integração deu-se a partir dos princípios e políticas de concorrência que foram introduzidos nos tratados da CECA e da CE,16 e aprofundados e

14 “The UK was the first West European country to introduce competition legislation at the end of the Second World War.” (Cini, 2003, p. 5). 15 Ver Medeiros e Serrano (2000). 16 Tais políticas, apesar de não substituírem as políticas nacionais, têm exercido grande influência a partir das jurisprudências e diretrizes da Comissão Européia, a qual, apoiada no Tribunal de Justiça, tem atuado em ocasiões com caráter de autoridade reguladora (D’arcy, 2002, p. 113). A Comissão, porém, durante as primeiras décadas têm feito pouco uso dos poderes básicos outorgados pelos respectivos tratados (Hancher, 1990, p. 238).

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ampliados mais tarde nos tratados da UE. Dado que tais políticas fazem parte essencial da política e integração energética européia recente, cabe fazer uma descrição de sua evolução desde o primeiro período até o atual. Políticas de mercado e concorrência. CECA No caso da CECA, dentro dos seus vários fins desde sua constituição nos anos 50, fixaram-se objetivos específicos de eficiência econômica (distribuição racional da produção e aumento da produtividade) a partir da liberalização dos mercados e a promoção da livre concorrência com participação privada, para o qual, em apoio da já descrita estrutura institucional da comunidade, outorgaram-se à HA faculdades e instrumentos legais, excepcionais no marco jurídico antitruste europeu do pós-guerra, para prevenir a formação de futuras estruturas não competitivas (Lister, 1960). Tratado de Roma e CE No âmbito da CEE e da CE, já no Tratado de Roma, constitutivo dessas duas comunidades, incluíam-se propostas de mercado comum para os setores de energia, de forma que, apesar de que a CEE foi orientada durante os anos 50 e início dos 60 para os setores mais ou menos competitivos, também tentou abranger setores de estruturas menos competitivas como as de gás e eletricidade, chegando-se a iniciar negociações para criar uma política e coordenação energética comum. Como resultado dessas negociações, em 1968, um ano após a unificação das três comunidades do Tratado de Roma, é definido um primeiro documento proposital, 17 no qual assentam-se entre outros objetivos (planejamento das estratégias de investimento e garantia da segurança no fornecimento a baixo custo), a criação de um mercado energético comum que incluísse a introdução de medidas e pressões competitivas (McGowan, 1989). Porém, dois fatos segundo McGowan (1989, p. 548): a mistura entre oposição e inércia dos estados membros e as contradições entre os diferentes objetivos, particularmente, entre procura de baixos custos de energia e garantia da segurança no fornecimento, são as causas do depoimento, pelo menos até inícios da década de 70, da proposta do mercado energético comum. Na metade dos 70, após o primeiro choque do petróleo e estando já conformada a CE, e em operação a recém criada AIE; em razão das crises dessa década, na agenda energética européia a questão da garantia da segurança no fornecimento é

17 First Guidelines towards a Community Energy Policy.

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colocada em primeiro lugar, estabelecendo a partir da Comissão Européia, como Objetivos de Política Energética da Comunidade para 1985, a redução das importações de petróleo, o desenvolvimento de capacidades domésticas de energia e o uso racional da energia. Marcando dessa forma, como anota McGowan (1989, p. 551), uma diferença entre a política energética das primeiras décadas de pós-guerra e a dos anos 70 e primeiros anos dos 80: “From 1951 to 1973, energy policy efforts tried to balance the goal of a common competitive energy market with the need to maintain security of supply. For the next 10 years, the security goal predominated.”. Finalmente, já nos anos 80 do período presente, após os desdobramentos iniciais e mudanças induzidas pelas crises dos 70, os objetivos de eficiência econômica e concorrência privada no marco do mercado energético comum, são retomados. A partir do White Paper de 1985, a Comissão Européia, além da harmonização de aspectos legais e fiscais, retoma o objetivo de abertura dos setores energéticos mediante a ampliação da concorrência como estratégia para a racionalização dos preços da energia. Um ano após do citado White Paper, junto com a promulgação do Ato Único que modificou o tratado da CE para permitir a realização do mercado interno europeu, a Comissão Européia acordou o que se denominou como os objetivos de política energética para 1995. Predominantemente relacionados a aspectos de segurança no fornecimento (aumentos de eficiência produtiva, reduções do déficit no balanço energético, diversificação e substituição de fontes de energia, considerações ambientais e desenvolvimento de tecnologia e P&D), aliás, incluindo e reconhecendo dentro desses vários objetivos, a importância da realização do mercado interno de energia; o qual, finalmente em 1988, três anos após da publicação do White Paper, veio ser concretizado pela Comissão Européia com a publicação do documento intitulado The Internal Energy Market, no qual se define a estratégia pela qual se pretende eliminar os obstáculos identificados no mesmo documento para a consecução do mercado interno de energia em 1992 (Guibal, 1989, p. 518 e 519).18 Modelo inglês de reforma e reestruturação da indústria energética. Neste período, em paralelo às iniciativas européias de abertura em prol do mercado, da introdução da concorrência e da participação privada; o RU (inicialmente Inglaterra e Gales), pioneiro europeu da segunda metade do século XX neste tipo de reformas à indústria energética, inicia em 1983 a procura das reformas para a introdução da concorrência e reestruturação de sua industria

18 Dentro dos diferentes planos de ação contemplados no The Internal Energy Market, inclui-se o tema ambiental de que trata a Single European Act (SEA).

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elétrica, as quais deram início legal em 1989 com a promulgação da New Electricity Act, e que começam já nos finais de 1990 a mudar radicalmente a dinâmica da indústria energética desse país com a privatização da sua indústria elétrica, a reestruturação do setor e o estabelecimento do Electricity Pool Trading Arrangements (EPTA) (Glachant, 2000, p. 74-76). 1.1.4. Quarto período (anos 90): Tratado de Maastricht e formulação dos Mercados Internos de Energia. No contexto macroeconômico recessivo dos anos 90, inédito na segunda metade do século, no qual, paradoxalmente, são atingidas as maiores transações de comercio intra-europeu dos quatro períodos analisados (ver Tabela 1.1), o processo de integração energética que se iniciou na década de 1950 com o estabelecimento da UCPTE,19 da CECA e da Euratom, continuou sendo promovido pelas já formadas instituições européias com base nos elementos de política e diretrizes que foram introduzidas nos tratados da CECA e de Roma, logo aprofundados e ampliados no Tratado de Maastricht. A unificação do mercado interno europeu, um dos pilares do Tratado de Roma, veio-se concretizar por meio do Ato Único de 1986, através das modificações que permitiram definir prazos e instrumentos específicos para sua realização em 1992. Porém, só chegou ter os instrumentos e marcos legais pertinentes em 1992 – 1993 a partir do tratado de Maastricht que deu criação à UE,20 permitindo transferir à união a responsabilidade do controle do mercado para a criação do mercado interno baseado no princípio de livre concorrência; evidenciando-se assim no período, uma aproximação entre os direitos nacionais e o direito europeu da concorrência. Ao mesmo tempo, além da unificação do mercado interno europeu, a integração econômica européia foi consumada através do tratado, com a realização da unidade econômica, a qual instituiu a união econômica e monetária na Europa ocidental, dando criação, entre outras instituições, ao Banco Central Europeu (BCE) encarregado de coordenar o estabelecido Sistema de Bancos Centrais (SBC) e de emitir a nova moeda (o Euro) dentro da denominada Zona Euro.

19 A partir de 1999 passou a se chamar, União para a Coordenação da Transmissão de Eletricidade (UCTE). 20 Além disso, “O Tratado de Maastricht entregou novas competências à CE neste domínio (título XV, artigos 154 a 156), estabelecendo que: ‘A Comunidade contribuirá para a criação e o desenvolvimento de redes transeuropéias nos setores das infra-estruturas dos transportes, das telecomunicações e da energia.’” (D’arcy, 2002, p. 142-143).

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Dessa forma, no contexto dos anos pós década (crises) dos 70, a pressão em prol da liberalização dos serviços públicos,21 incluídos os correlatos às indústrias de energia, faz-se evidente em função da importância desses serviços para a comum consecução e realização do mercado interno europeu e a união econômica e monetária. Especificamente, no caso das indústrias de eletricidade e gás, duas diretivas foram adotadas em 1996 e 1998 para formular as regras comuns dos denominados mercados internos respectivos, que deveriam ter implementação em 1999 e 2000, com pleno acesso a todos os tipos de usuários em 2004 e 2007, e de cuja harmonização foram encarregados os recém criados, Fórum de Florência e Fórum de Madri. Adicionalmente, para os mesmos fins, no âmbito institucional, a Comissão Européia deu criação jurídica em 2003 ao Grupo Regulador Europeu para Eletricidade e Gás (GREG). Em quanto às reformas e reestruturação das indústrias de eletricidade nos outros países, após as reformas empreendidas pelo RU, são os países nórdicos em segundo lugar, e os países da Europa continental em terceiro, os que dão início à agenda de reformas das suas indústrias, tendo, no entanto, diferenças fundamentais ao respeito dos objetivos e do modelo que predominou no caso inglês. A segunda série de reformas são as praticadas pelos nórdicos, Noruega, Finlândia, e Suécia, em 1991, 1995 e 1996, respectivamente; e que constituem o que poderia se chamar como o modelo nórdico. O qual se diferença radicalmente do modelo inglês, já que no caso dos nórdicos, apesar de terem introduzido diversos elementos de concorrência, as privatizações não são o objetivo das reformas. Na segunda metade do período, após de iniciadas as reformas, este grupo de países dão um avanço importante no seu processo de integração energética conformando a partir do sistema Nordel o mercado nórdico de energia, o qual, baseado na Nordic Bourse, que leva por nome Norpool, ampliou e aprofundou a cooperação e as operações comerciais que vinham sendo praticadas desde 1962 no marco do Nordel (Glachant, 2000, p. 21-90; Midttun, 1997a).22 A terceira série de reformas é a que teve lugar como transposição da diretiva européia de 1996 para o estabelecimento do mercado interno de eletricidade. Nesse 21 Denominados pela Comissão Européia a partir de 1996 como Serviços de Interesse Geral, procurando uma conciliação entre a concepção francesa tradicional do serviço público e outras concepções mais flexíveis da Europa (D’arcy, 2002, p. 130-136). 22 A New electricity market reform, aprovada em 1990 pelo parlamento Norueguês, entrou em vigência em 1991. A Finlândia em 1988 já tinha reformado as bases legais e a organização de seu sistema de competição. A Suécia iniciou seu processo de abertura e reforma em 1992, reformando sua legislação de competição em 1993, de acordo às diretrizes da EU, e aplicando em 1996 a New law on electricity. Só esses três países, pelo menos até 1997, fazem parte do Norpool, apesar da Dinamarca também ter sido parte do Nordel.

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terceiro grupo se incluem a Alemanha, a Bélgica, a Holanda e a Itália, que deram início formal a tais reformas entre 1997 e 1999, com a característica comum de terem implementado um nível intermediário de abertura e liberalização nas suas indústrias e setores de energia; aproximando-se ao modelo inglês e nórdico no caso da Alemanha e a Holanda, e ao modelo francês no caso da Bélgica e a Itália (Glachant, 2002a; Glachant, 2000, p. 21-90; Midttun, 1997a). Ao quarto grupo pertence a França, quem desde a lei de nacionalização de 1946 que deu criação a Electricité de France (EDF) -com exceção de algumas corporações municipais-, mantêm sua indústria elétrica baixo um esquema de monopólio publico centralizado, cuja continuidade a futuro é, porém, a partir da normativa e estrutura legal do tratado de Maastricht e das diretivas dos MIE, tema de debate no âmbito europeu,23 e enfrenta pressões por parte da Comissão Européia em prol da sua abertura e reestruturação como parte do objetivo de unificação do mercado interno (Midttun, 1997b; Poppe e Cauret, 1997). 1.2. ANÁLISE DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NA EUROPA. A partir da descrição anterior, e com base na distinção periódica empregada, a análise começa por identificar os aspectos mais relevantes da evolução institucional, das políticas e do contexto econômico de cada período, à luz da literatura disponível concernente, para logo discutir acerca das condições econômicas e institucionais presentes no processo de integração energética na Europa. Finalmente, apresenta-se na seção 1.3 um quadro sinóptico que resume os pontos principais da evolução cronológica e da análise apresentadas neste capitulo. 1.2.1. Primeiro período (anos 50 - 60). O fato mais relevante do período é a formação institucional e industrial que teve lugar nessas primeiras duas décadas do pós-guerra em resposta da conjuntura política e o contexto econômico, e que foi definitiva no desenvolvimento inicial e posterior da integração econômica e energética na Europa. Nesse aspecto, em primeiro lugar, há de identificar um tipo de continuidade lógica que se observa na evolução, ou chame-se, edificação institucional dos diferentes esquemas de integração, em função das políticas ou objetivos preeminentes. A UCPTE, uma das duas primeiras instituições de integração energética, foi instituída no seio da previamente estabelecida OCEE (futura OCED) em função

23 O debate no início dos 90 centrou-se no modelo francês de Single buyer Model (SBM) proposto no Mandil report (Reform of the electric and gas system) de 1993 pelo Ministério da Indústria da França, em alternativa ao modelo europeu de Third Party Access (TPA) que promove a Comissão Européia. Ver Midttun (1997b) e Poppe e Cauret (1997). A discussão acerca dos dois modelos se amplia no capítulo III.

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dos objetivos de reconstrução das infra-estruturas promovidos com o Plano Marshall. E no caso do Tratado de Roma e da CE, a estrutura institucional e legal das três comunidades do tratado, antes e depois de sua unificação em 1967, obedece a uma prolongação das instituições que governam e regulam a CECA desde 1951 em resposta aos requerimentos institucionais para o cumprimento dos objetivos de bem-estar e unidade econômica e política, fixados pelos estados membros desde o Tratado de Paris. Assim, com base nessa estrutura institucional, voltada para as políticas de reconstrução e recuperação econômica, de restabelecimento do estado de bem-estar (no qual inclui-se o compromisso keynesiano do pleno emprego) e de aproximação e união européia, tendo ao Estado como principal agente executor e interventor; com raras exceções, a formação industrial européia do primeiro período se configurou em função do Estado e do seu papel central na execução de tais políticas. Isto é, a partir de monopólios públicos estatais centralizados e verticais, como foi no caso de indústrias relacionadas aos serviços de caráter publico como as de eletricidade e gás. Em segundo lugar, como ilustrado e documentado por D’arcy (2002), Urwin (1991), Bollinger (1969), e no caso especifico da CECA, por Lister (1960), há que destacar a inseparabilidade e insolubilidade do vinculo político e econômico nesse processo lógico de formação institucional. No caso do Plano Marshall, a partir e por meio do qual foram promovidas e financiadas as primeiras instituições de cooperação e integração mencionadas (dentre elas a OCEE, da qual surgiu como visto a UCPTE e a futura OCED), sua formulação foi resultado de motivações políticas e econômicas por parte dos EUA, relacionadas com seus interesses geopolíticos na Europa no contexto da guerra fria e a preponderância do mercado europeu no seu balanço comercial; e no caso do Tratado de Paris e do Tratado de Roma, fundadores da CECA e das comunidades da CE, sua realização foi conseqüência de uma conjuntural conjunção de interesses políticos e econômicos da Alemanha e da França, favorecida em ambos os casos pelo contexto econômico expansivo do período. Finalmente, em vista da formação dos blocos regionais, é importante delimitar os três processos que conformam a experiência européia de integração e identificar os seus principais atores-estado, os quais são os que têm determinado a dinâmica desses processos. O primeiro é a experiência nórdica dos países da península escandinava, liderados e influenciados pelo RU; e os dois restantes, a experiência dos países do denominado Benelux, e a experiência das restantes e maiores nações da Europa continental, que incluem à Alemanha e à França, e que gravitam em torno dessas mesmas duas nações.

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1.2.2. Segundo período (anos 70). Os anos 70 se caracterizam, como descrito na seção anterior, por crises que desencadearam rupturas nas tendências observadas durante o período anterior, as quais apesar de terem se dado numa dimensão global, originaram desdobramentos específicos no aspecto institucional, político e econômico na Europa, determinando dessa forma, uma nova orientação e configuração nos processos europeus de integração energética de pós-guerra que se faz explicita nos períodos subseqüentes. 1.2.3. Terceiro período (anos 80). À primeira vista, o aspecto mais relevante deste período é a introdução das reformas e o início da reestruturação das indústrias de energia, porém, tais iniciativas estão inseridas no marco das políticas européias em matéria de energia, concorrência, mercado e meio ambiente, as quais apresentam relações particulares no contexto desse período. Durante os 20 anos do primeiro período, a política energética européia orientou-se em função de dois principais objetivos: a realização do mercado comum para os setores de energia e a questão da segurança no fornecimento energético; com base na estrutura industrial monopólica de caráter estatal prevalecente nesse período e procurando a criação de uma política energética comum, a qual, contudo, não foi mais além do comércio da CECA, das atividades de coordenação efetuadas por meio da UCPTE e das iniciativas de realização de um planejamento energético de caráter indicativo assentadas no final do período. Com as crises dos anos 70 (e seus desdobramentos subseqüentes), as políticas européias reorientaram-se prioritariamente para três frentes: primeiro, garantir de forma eficiente o fornecimento e a suficiência energética, como resposta à dependência e vulnerabilidade energética exterior evidenciada com os efeitos dos choques do petróleo; segundo, dados os elevados níveis de preços dos energéticos e a vórtice inflacionaria dos anos 70, abrir e introduzir medidas competitivas e de eficiência econômica nas indústrias de energia como estratégia para a racionalização dos preços finais da energia e a diminuição do papel do Estado na economia, reduzindo assim seus mecanismos de intervenção no nível geral de preços e as possíveis pressões inflacionarias; e terceiro, incorporar o aspecto ambiental dentro das políticas européias, especialmente nas do âmbito energético, dada a estreita relação entre energia e meio ambiente. As políticas dos anos 80 plasmam a reorientação e prioridades européias nesses três frentes; tanto nos Objetivos de Política Energética para 1985 e 1995, quanto no White Paper e no The Internal Energy Market. O aspecto ambiental, também incluído nos anteriores, é tratado particularmente na Single European Act.

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Tal heterogeneidade de políticas, em ausência ainda nos anos 80 de uma política energética coerente comum, aparece na literatura desse período como a causa principal da ambivalência e contradição entre os objetivos de política energética. Definida por McGowan (1989) como uma persistente tensão (desde meados dos 50) entre duas metas ou agendas: a de ter um mercado de energia competitivo e a de garantir fontes estáveis de fornecimento de energia, ou seja, entre obter eficiência econômica e segurança energética, a qual, conseqüentemente, têm dificultado, pelo menos durante os três primeiros períodos, o sucesso das políticas e os tratados europeus em matéria de integração energética.24 Os aspectos ambientais, inseridos nas políticas de eficiência e conservação de energia, são analisados por Surrey (1990), apontando novas tensões entres os objetivos de política energética. Por uma parte, a eficiência econômica obtida por meio de medidas competitivas de mercado, poderia promover a eficiência energética como resultado da racionalização dos investimentos e a redução de sobre capacidades e desperdiço de energia, mas, por outra, poderia ser contrária às medidas ambientais, já que políticas de eficiência e conservação efetivas (ao igual que políticas de segurança energética) requerem de forte intervenção governamental-estatal por via de incentivos e punições fiscais e legais para induzir as mudanças tecnológicas e estruturais necessárias. Particularmente, nos anos 80 o insucesso da política energética européia, incluindo o da realização do mercado comum de energia, pode ser explicado a partir da análise de três tipos de aspectos: políticos, legais e estruturais; indicados por Padgett (1992) como condicionantes da política energética européia e da implementação do mercado de energia. Na sua análise, Padgett (1992) aprofunda nos fatores de tipo político - institucionais, relacionados com os obstáculos políticos que se prevêem em cada um dos cenários nos que se desenvolve o processo burocrático, político e de barganha para o estabelecimento do mercado de energia. O primeiro cenário é o institucional da CE, especificamente ao interior da Comissão Européia; o segundo é o intracomunidade, entre as instituições da CE e os estados membros; o terceiro é o intergovernamental, entre os diferentes governos dos estados membros; e o quarto é o intersetorial, ao nível nacional e transnacional. Desses quatro cenários, são os últimos dois os de maior destaque na análise, dos quais se evidência a relevância que tem tido as relações cooperativas intergovernamentais e intersetoriais nos assuntos de política energética comum

24 Sintetizado nas palavras de Padgett (1992, p. 55): “There is general agreement that energy policy must be ranked as one of the Community’s failures.”.

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européia; principalmente entre os governos e setores industriais da Alemanha e a França,25 que estariam prolongando os vínculos políticos e econômicos iniciados no primeiro período de pós-guerra, mas desta vez (anos 80) como resposta estratégica às pressões e políticas das instituições e diretivas da CE em prol da abertura e liberalização das suas estruturas industriais de energia (particularmente, o monopólio público francês de eletricidade e a indústria subsidiada de carvão da Alemanha) no objetivo de realização do mercado interno. Confirmando assim, a determinação dessas duas nações na dinâmica da integração na Europa e a importância dos aspectos políticos e estruturais no processo de integração. Os aspectos de tipo legal são estudados por Hancher (1990); definidos pelo autor como parte do âmbito legal da política energética da comunidade (CE), o qual, pela sua complexidade institucional e seu inusitado esquema de co-decisão (pela sua particular construção legal -em termos do autor),26 carece dos instrumentos legais adequados para a aplicação das normas e diretivas da comunidade para a realização do mercado interno. Um primeiro grupo de deficiências nesse âmbito legal se relaciona com as exceções legais discriminatórias às normas e diretivas da comunidade em matéria de livre comércio e concorrência, aplicáveis pelas nações por razões de ‘segurança pública’ ou circunstâncias especiais, apelando em muitos casos às definições e interpretações dadas aos conceitos de monopólio e serviço publico em nome de interesses ou prioridades nacionais. O segundo grupo se relaciona com a ingerência e competência de funções e poderes das instituições da CE, especialmente da Comissão Européia, a Corte de Justiça e as cortes nacionais, discutida também por Padgett (1992) como dimensão intracomunidade, mas vista neste caso desde o ponto de vista legal e jurídico. E finalmente, num terceiro grupo se colocam as deficiências de tipo estrutural, do mesmo tipo das assinaladas por Padgett (1992), e tratadas também nos trabalhos de Surrey (1990) e McGowan (1989), relacionadas com as características anticompetitivas das estruturas industriais resultantes da formação industrial do primeiro período, mas que serão discutidas com maior amplitude na análise do quarto período.

25 “Germany and France have been the main participants in intergovernmental activity surrounding the realization of the Internal Energy Market. … The Commission believes that intergovernmental agreements on these lines have a positive contribution to make to the completion of the Internal Market. However, although it has the undoubted advantage of obviating the need to invoke Community legislation, intergovernmental activity also serves to limit the scope and retard the pace of realization. … In the last three years, significant developments have taken place in Franco-Germany energy co-operation at the corporate level.” (Padgett, 1992, p. 67, 69 e 71). 26 Ver D’arcy (2002) e Constantinesco (1989).

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1.2.4. Quarto período (anos 90). Nos anos 90, a unificação do mercado interno europeu e a realização da unidade econômica, por meio do Ato Único e o Tratado de Maastricht, assentaram as bases e condições, e ao mesmo a necessidade de abertura e liberalização das indústrias de energia nos países da nova UE. As diretivas de 1996 e 1998 formulam e viabilizam as reformas para a realização dos MIE, dando início ao processo de reestruturação dos setores e indústrias de energia na Europa continental para a realização dos MIE, sobre o qual, ficam e surgem questões fundamentais acerca do desenvolvimento presente e futuro desse processo, relacionadas com a possível persistência de obstáculos e deficiências que dificultaram no passado a realização do mercado interno de energia, e a factível convergência ou divergência dos diferentes modelos de abertura e liberalização. A primeira questão que deve ser levantada, é se há efetivamente nos anos 90 uma política energética comum na Europa, ou seja, se sob as modificações e novos pilares introduzidos à CE pelo Tratado de Maastricht de 1992, deu-se formulação a uma política energética européia. Num sentido lato, poderia se dizer que, juntos: a unificação do mercado interno, o princípio de livre concorrência sobre o que se baseiam as diretivas dos MIE, as instruções para o desenvolvimento das Redes Trans-Européias de Energia (RTEE), e as medidas de política energética exterior e ambientais do European Energy Chapter Treaty (EECT) de 1994, do European Environmental Bureau (EEB) e da Single European Act; contornam a política energética européia. Mas, serão esses quatro pilares, base para uma política eficaz e coerente em matéria energética para a Europa? A eficácia de tal política só poderá ser avaliada a partir dos seus resultados, os quais, a priori, se desconhecem. Entretanto, a coerência pode ser analisada em razão da compatibilidade e consistência dos elementos e objetivos sobre os que se formula essa política, no caso presente, a partir dos quatro pilares anteriormente mencionados. Fells et al. (1995) realizam um exame das falhas de mercado e de política comprometidas quando aplicadas às estruturas, indústrias e setores de energia, procurando identificar os principais elementos e objetivos que deveriam ser incorporados na definição da política energética necessária para a Europa. Os quatro objetivos identificados pelos autores, security of supply, access and standards of quality, service and safety, environmental aims e supply of energy at least cost, estão, em principio, representados nos quatro pilares da política energética dos anos 90 (mercado interno, MIE, RTEE e EECT-EEB-SEA). Sua coerência, porém, é questionável quando consideradas as falhas de mercado examinadas pelos autores na estratégia dessa política para resolver aspectos como os da segurança do fornecimento e os ambientais por via exclusiva e estrita das medidas

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de mercado e da livre concorrência, ou seja, por meio da unificação do mercado interno e a livre concorrência nos MIE. Esse aspecto nos retorna à acima citada persistente ‘tensão’ entre as metas de eficiência econômica e segurança energética (adicionando também a questão ambiental), colocada nos termos de Fells et al. (1995, p. 699) como “...appears evident that the public supply principle conflicts with the obligation under the Treaties to create a free market in energy – this is a direct conflict and one not easily capable of resolution”. No enfoque de market and policy failures explorado por Fells et al., dita tensão ou conflito se explica nas falhas de mercado, pelas quais, o mercado via sinais de preço, apesar de introduzir eficiência econômica não consegui suprir satisfatoriamente objetivos estratégicos como os da segurança energética e meio ambiente. Cabendo à política energética,27 por meio da intervenção do Estado e de maneira integrada e em coordenação com os outros objetivos, induzir as mudanças tecnológicas e estruturais (algumas de longo prazo) necessárias para a realização desses objetivos estratégicos: “The underlying philosophy here is to let the market have full rein where it works and to introduce energy policy where it does not or where a greater interest needs addressing.” (Fells et al., 1995). Agora, considerando o âmbito legal da política energética da comunidade (CE),28 neste caso da UE, o qual, no fundamental só modifica a CE adicionando três novos pilares (a união econômica - monetária no aspecto de integração econômica, e a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Cooperação policial e judiciária no aspecto de integração política; D’arcy, 2002, p. 26); os mecanismos de intervenção da política energética teriam como suporte a mesma estrutura institucional da CE, a qual, de acordo às análises de Padgett (1992) e Hancher (1990), apresenta deficiências do tipo político-institucional e legal que,29 no presente enfoque, obstaculizaria a correção das falhas de mercado para a realização dos objetivos estratégicos mencionados. A persistência dessas deficiências assinaladas é novamente reivindicada num trabalho mais recente por Hancher (1997), no qual compara o âmbito legal da política energética da UE com o dos EUA, anotando que “There is no European equivalent of the Federal Energy Regulatory Commission (FERC). The European

27 “… even if there is no energy policy in place, a de facto energy policy is likely to emerge by default and it could be one that leads to consequences detrimental to the public interest.” (Fells et al., 1995, p. 694). 28 Como definido por Hancher (1990). 29 Possivelmente, partes dessas deficiências têm sido discutidas, e medidas de correção têm sido adotadas, nas reformas dos Tratados de Amsterdã (1997 – 1999) e de Nice (2001). “…the creation of truly independent regulatory agencies at European level presents legal problems which only a revision of the treaties could resolve satisfactorily.” (Majone, 1997, p. 165).

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executive agency -the EC Commission- lacks both the necessary legal powers and the requisite political legitimacy to inflict far-reaching liberalization measures on intransigent Member States.” Adicionalmente, há que destacar um novo aspecto de tipo político-institucional (transversal aos quatro cenários identificados por Padgett) que como desdobramento de dois acontecimentos globais paralelos e contemporâneos, o crescimento do regulatory State por meio de um novo modelo e estrutura estatal de governança (agências e comissões reguladoras; Majone, 1997) e a ‘globalização’ ou transnacionalização dos mercados e do capital privado, surge nos anos 90: a concorrência internacional entre regimes regulatórios. Inicialmente, essa concorrência atingiu dimensões internacionais nos setores financeiro e de telecomunicações, em função das estratégias das nações e os grupos de interesse, perfiles de produção, instituições e idéias (Vogel, 1997); em outras palavras, em função de um complexo ‘jogo’ de objetivos estratégicos perseguidos com a abertura, liberalização e ‘desregulamentação’ desses setores. Sucessivamente, após a gradual abertura e liberalização das indústrias de eletricidade e gás, a concorrência internacional regulatória estendeu-se ao setor energético, adquirindo, aliás, uma complexidade maior dado o caráter de serviço público, isto é, estratégico, que compromete às indústrias de energia. Na Europa, essa complexidade é ademais amplificada por dois aspectos correlatos: o papel e posição central da regulação na política da união, e o impacto das políticas da união na regulação dos Estados membros, ou seja, pela interdependência das políticas (regulação) domésticas e supranacionais (Majone, 1997, p. 144 e 145). Em vista do anterior, as iniciativas do presente período para a realização da integração energética européia, isto é, as diretivas de 1996 e 1998 que dão formulação aos MIE, resultam de um processo condicionado por quatro aspectos: primeiro, as iniciativas dos MIE fazem parte do conjunto de pilares nos que se baseia a política energética européia dos quais não esta clara sua complementaridade e consistência; segundo, tal política se suporta na estrutura institucional da UE na qual estão ainda presentes deficiências de caráter legal e político; terceiro, nos cenários intergovernamental e intersetorial ao interior da EU, onde se desenvolve grande parte do processo burocrático, político e de barganha para a formulação das políticas e diretivas, são privilegiadas as relações cooperativas e contratuais de longo prazo na procura dos interesses nacionais estratégicos; e quarto, no contexto internacional de concorrência entre regimes regulatórios, no caso europeu, os atores têm se orientado mais para um mutuo

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reconhecimento dos regimes regulatórios nacionais do que para uma completa harmonização (Vogel, 1997).30 Como produto desse processo condicionado, mais do que uma regulação ou legislação precisa para a abertura, liberalização e reestruturação das indústrias de energia e gás com o objeto de conformar respectivos mercados internos; as diretivas dos MIE, apesar de exercerem pressão, instigar e orientar em direção da abertura e liberalização, são (como anotam Hancher (1997) e Midttun (1997b) para o caso da diretiva do mercado interno de eletricidade) uma oferta indicativa de modelos, esquemas de negociação e possibilidades legais com base nas quais os países membro deveriam introduzir mais concorrência nos seus mercados de energia incorporando uma nova arquitetura regulatória e industrial. E alem disso, analisadas comparativamente com outros processos bem sucedidos de liberalização (como o dos EUA), as diretivas apresentam aspectos insatisfatórios de formulação e implementação relacionados novamente com aspectos de tipo institucionais e legais, e aspectos técnicos, comerciais e contratuais (Newbery, 2002, 2001). Tendo presentes as anteriores considerações, não deveria surpreender o fato de que as reformas aos setores e indústrias de eletricidade empreendidas na Europa a partir da promulgação da diretiva de 1996, dessem como resultado uma variedade de modelos e variantes nacionais (descritos em forma geral na seção 1.1.4), que evidentemente distam de serem convergentes no curto prazo: “In fact, five years after adoption of directive 96/92, the European ‘internal market’ for electricity is neither unified nor uniform. Even within the EU, each country appears to be cultivating its own preferred variant on the ‘Single Market,’ and no one can accurately predict when and how the variety of national reform regimes may vanish into the rising tide of pan-European harmonisations and convergences.” (Glachant, 2002a). Especificamente, mais além da questão da convergência ou divergência dos modelos na Europa,31 do qual poderia se dar uma resposta mais concreta só num período mais de mediano prazo do que de curto, o assunto substancial radica em identificar quais os principais aspectos e fatores determinantes da dinâmica desse

30 “Ultimately, national governments’ willingness to surrender regulatory responsibilities to international organizations will depend on the strategic dynamics of regulatory competition. Governments that accept the logic of competitive deregulation may see no need for regulatory harmonization, because they will feel that regulatory competition is healthy. Governments biased towards competition in regulatory subsidy may also resist so long as they feel that they can create advantage for their own firms by rigging regulations differently of other countries. …And because different governments perceive the game differently, there is reason to expect that many countries will think they can benefit from playing the game.” (Vogel, 1997, p. 190-191). 31 Glachant (2002a) analisa os preços finais de energia como indicador da não convergência Européia. A mais sobressalente exceção é a da Noruega e a Suécia (Norpool), nos que se observa uma freqüente convergência nos preços finais de energia para a maioria de setores a inícios de 2000 e 2001.

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processo de reforma (abertura, liberalização e reestruturação), orientado à conformação de um mercado interno de energia europeu. Glachant (2002a), com base num estudo comparativo detalhado dos diferentes modelos de reforma na Europa e sua trajetória recente, fornece uma análise conclusiva sobre o assunto, revelando o que ele denomina como os três aspectos sobre os quais toma lugar o processo interativo não linear que determina a performance das reforma numa determinada nação ou região da Europa: O primeiro aspecto é aquele que envolve os fatores legais e institucionais que definem e estabelecem as regras gerais do ‘jogo’ e as estruturas de governança para a reforma competitiva da indústria elétrica. Do mesmo tipo dos fatores colocados por Padgett (1992) no cenário institucional e intracomunidade da CE, definidos por Hancher (1990, 1997) como parte do âmbito legal da política energética, e discutidos também por Newbery (2002). O segundo aspecto se relaciona com o desenvolvimento da infra-estrutura técnica e comercial que cria os recursos e mecanismos para a operação dos mercados e as condições ótimas de acesso físico e comercial. Discutidos por Newbery (2002), e tratados por Surrey (1990) como aspectos para o melhoramento da eficiência do mercado, relacionados com o livre acesso às redes e a eliminação do suporte estatal (common carriage, price transparency e open procurement); e por McGowan (1989) como eliminação de obstáculos estruturais de tipo comercial (different taxation and financial regimes to restrictive measures, indirect taxation, restrictive practices) para a realização do mercado interno de energia. E o terceiro aspecto trata da adaptabilidade das estruturas industriais e financeiras, isto é, das atividades relacionadas com: reestruturação de monopólios públicos, operações de F&A, diversificação, internacionalização, ativação de mercados de capitais, alianças de capitais, pactos de cooperação, joint ventures, etc; as quais estão intimamente ligadas às relações cooperativas e contratuais de longo prazo na procura dos interesses nacionais estratégicos identificadas por Padgett (1992) nos cenários intergovernamental e intersetorial, e ao contexto internacional de concorrência regulatória e financeira estratégica descrito por Majone (1997) e Vogel (1997). Dessa forma, com a promulgação da diretiva de 1996 -a qual apresenta, como descrito, vícios de não pouca monta-, e a partir do desenvolvimento e interação desses três aspectos em cada nação e região, o sistema energético europeu físico e comercial se configura em vários subsistemas de acordo ao item em consideração. Segundo Glachant (2002a); fisicamente -grau e capacidade de interconexão-, o bloco continental amplamente interligado, que inclui à Alemanha, França, Itália, Benelux e os países alpinos, esta separado do resto de países membros, os quais à

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sua vez constituem cinco subsistemas autônomos: Irlanda, RU, Escandinávia, Península Ibérica e Grécia; comercialmente -abertura e acesso-, o Norpool conformado pela Noruega, Suécia e Finlândia,32 e o New Electricity Trading Arrangements (NETA) inglês,33 são os únicos mercados formais de energia estabelecidos, contrário do resto de paises continentais que efetuam suas transações energéticas predominantemente por meio de esquemas contratuais bilatérias. Adicionalmente, se considerarmos o grau e amplitude de verticalidade e horizontalidade -size and scope- das operadoras de eletricidade na Europa, observa-se o início de uma onda de operações estratégias transversais de diversificação, fusão, internacionalização (Codognet et al., 2002; Green, 2005); respeito às quais Glachant (2002a) conclui: “...while European domestic markets have not yet fused into a harmonised, great, internal market, the formation and deployment of the great pan-European operators has just begun. Thus, the European convergence has not yet been played out - and will not be within a horizon that is visible today.”. De qualquer forma, apesar de ter sido argumentada a não convergência européia dos modelos de abertura e liberalização durante os anos 90,34 é claro que há de fato uma decidida e evidente reorientação em matéria de política energética na Europa -chamada por alguns autores como mudança de paradigma de política energética-, precedente ao Tratado de Maastricht, em sentido a reformar e reestruturar as indústrias de energia, dando transito às vias de livre mercado e concorrência no funcionamento e dinâmica desses setores e as economias em seu conjunto. Esse complexo processo de mudança é também conhecido na literatura como Europeanization of policy, sobre o qual tem se efetuado trabalhos significativos de interpretação e teorização,35 principalmente interpretações Neo-Institucionalistas de caráter sociológica e econômica, como as elaboradas por Andersen (2000, 1999) e Perez (2002a), respectivamente. 1.3. SINOPSE FINAL. Para discutir acerca das condições econômicas e institucionais do processo de integração energética na Europa, antes, é necessário fazer quatro precisões, apresentadas à guisa de conclusão:

32 Até 1996, a Finlândia, em quanto a número de atores, só participava marginalmente no Norpool (Midttun 1997a, p. 111-113). 33 Resultado de uma segunda reforma iniciada em 2000 a partir da Utilities Act 2000. 34 A mais recente regulação ao respeito da aplicação das diretivas dos MIE é conhecida como Regulation on Cross-border Trade (2001-2003). Para uma análise detalhada de suas disposições ver Boucher e Smeers (2003). 35 Uma critica a tais teorias é fornecida por Schmidt (1996).

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O processo de integração energética na Europa, não é, como em qualquer outro processo de integração de dimensões e complexidades semelhantes, um acontecimento separado, desmembrado, dos contextos e processos de integração econômicos e políticos. Nem pode ser compreendido quando reduzido, na sua dimensão cronológica, na sua temporalidade, a períodos miúdos, descontínuos e inconexos.

Na segunda metade do século XX, observam-se dois principais modos ou

modelos de integração energética na Europa: o primeiro foi predominante durante o primeiro período em toda a Europa, e ainda que decrescente, também nos dois últimos períodos na Europa continental, constituído a partir da ação e coordenação dos Estados e baseado em estruturas monopólicas públicas centralizadas e verticais; o segundo teve lugar nos países extracontinentais da Europa a partir do terceiro período, funcional às leis de mercado, regulado a partir de organizações autônomas independentes, e baseado em maior ou menor grau em estruturas descentralizadas, fragmentadas e abertas ao capital privado e à concorrência.

Os resultados e eficácia da integração energética européia, baseada no segundo

modelo (iniciado no terceiro e quarto períodos), vão depender do bom sucesso do processo de transito do primeiro para o segundo modelo. O que implica transformações estruturais nas dimensões econômica e institucional, condicionadas por tanto, ao desenvolvimento e interação dos fatores implicados nos aspectos envoltos nesse processo de transformação, a saber: políticos e legais, técnicos, e comerciais e financeiros (contratuais).

Enquanto que para governos, agências reguladoras e instituições

supranacionais, a abertura, liberalização e reforma das indústrias e setores energéticos é tratada como uma questão de eficiência econômica, de conveniência imediata para o consumidor geral; para os Estados e indústrias de energia e serviços públicos é uma questão de estratégia, de relevância no longo prazo. Entre estes dois enfoques tal vez radica, no fundo, a verdadeira ‘tensão’ e conflito entre as diferentes metas, agendas e objetivos de política em matéria energética.

A resposta à questão inicialmente formulada decorre das quatro observações anteriores. Condições econômicas e institucionais ‘ótimas’ para a integração energética, correspondem, no fundamental, a estruturas econômicas e institucionais correlacionadas e funcionais à integração, de acordo ao modo ou modelo de integração. Essa correlação e funcionalidade, mais além de estar condicionada aos numerosos aspectos e fatores implicados nas duas dimensões mencionadas, depende de encontrar o consenso ou equilíbrio adequado entre os interesses imediatos e de longo prazo dos principais atores envoltos no processo.

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No caso do primeiro modelo (no primeiro período), o sucesso da UCPTE se explica na correlação e funcionalidade entre as instituições de coordenação e cooperação interestatal (OCEE, OCED e Conselho da Europa) e as estruturas econômicas nacionais baseadas em monopólios públicos, verticalizados e centralizados em função do Estado. Pelo contrário, as dificuldades iniciais da CECA, evidenciadas em parte nas limitações da sua estrutura institucional, refletem conflitos entre seus interesses e objetivos de mercado (curto prazo) e bem-estar (longo prazo). No caso do segundo modelo (no terceiro e quarto período), a integração energética da Europa continental é um processo inacabado, em via de desenvolvimento, condicionado aos aspectos já mencionados, do qual, seus resultados, isto é, sua definitiva convergência ou divergência, só será determinável no mediano prazo. Por sua parte, o mercado inglês constitui uma experiência de êxito parcial dado que, apesar de ter conseguido efetuar boa parte das transformações estruturais, tanto econômicas quanto institucionais, aparentemente não foram nem completas nem suficientemente bem sucedidas, resultando numa -não esperada- acentuada elevação dos preços finais de energia, de forma que teve de se dar início a uma segunda reforma (em 2000), da qual surgiu o NETA, que substituiu o EPTA. Em conseqüência, a experiência dos países escandinavos parece ser o único caso bem sucedido de integração energética na Europa que segue o segundo modelo. Da literatura disponível podem se extrair vários aspectos e fatores como explicativos desse sucesso.36 Os políticos: a tradição de neutralidade nos assuntos de política exterior que têm-nos invocado a não se juntar nem depender de modo muito estreito das grandes potências, a sua tradição cooperativista e a sua versão nórdica de estado de bem-estar e de social-democracia; os técnicos: a sua proximidade e distribuição espacial, a dotação e complementaridade dos seus recursos e a homogeneidade, estrutura e intensidade dos seus complexos industriais e setores produtivos; e finalmente, os legais e comerciais: a funcionalidade do seu novo ordenamento legal e reestruturação e reorganização institucional e comercial após das reformas.

36 Ver por exemplo, Froschauer et al. (2004).

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Quadro 1.1. Sinopse da evolução cronológica dos principais aspectos da experiência européia.

Elaborada pelo autor. Abreviaturas e Notas: (PE) Política energética. (a) O ingresso dos países nórdicos na CE e UE tem sido progressivo. Na atualidade só a Noruega não é membro. Em outras das instituições do Bloco Continental a participação tem sido marginal, especialmente a dos nórdicos. (b) Para o avanço do processo de integração energética de acordo às políticas vigentes. (*) No caso do RU. Embora dos nórdicos representarem um caso bem sucedido, é claro que houve e persistem dificuldades, porém, por serem especialmente de caráter técnico não são aqui especificadas; uma referência ao respeito é Doorman et al. (2004).

Período 1˚ Período 2˚ Período 3˚ Período 4˚ Período

Plano Marshall.

Ato Único.Tratado de Maastricht. UE.

Reconstrução.

Nordek, CCEE, OCEE e AELC.

Norpool.

Plano Marshall.

Ato Único.Tratado de Maastricht. UE.

Reconstrução.

Benelux, UEO, CPE, CCEE e OCEE.

BCE e SBC. - Ausência de uma PE comum. - Incoerências da PE. - Fracasso da unidade política.

- Persistência das dificulades dos dois períodos anteriores, junto com deficiências técnicas e comerciais. - Complexidade do contexto de concorrência regulatória.

- Diferenças e conflito entre interesses de curto e longo prazo.

- Fraqueza da unidade política.

- Inadequabilidade das estruturas econômicas e institucionais.

Dificuldades (b)

- Início de conjuntura econômica desfavorável.

- Incompletude e insuficiência nas transformações econômicas e institucionais necessárias.*

Dificuldades (b) - -

Instituições principais

- Início de conjuntura econômica desfavorável. - Obstaculos e deficiências de

caráter político e legal.

Políticas centrais Desenvolvimento, cooperação e integração econômica e política.Segurança energética e meio ambiente.

Principais acordos e tratados

Reformas econômicas de apertura, liberalização e concorrência.

Instituições principais

OCED, Conselho da Europa, Conselho Nórdico e Nordel.

Estagflação RecessãoCrescimento

CEE e AIE.

Contexto macroeconômico Inflação

Bloco Extracontinental (RU e Escandinávia) (a)

Tratado de Paris e Tratado de Roma. CE.

OCED, Conselho da Europa, UCPTE, CECA, EURATOM e CEE.

Segurança energética e meio ambiente.

AIE.

Bloco Continental (Alemanha, França, Italia e Benelux)

Tratado de Paris e Tratado de Roma. CE.

Desenvolvimento e unidade econômica e política.

Introdução de medidas de concorrência e eficiência econômica.

Políticas centrais

Principais acordos e tratados

Capítulo II A (s) Dimensão (ões) Econômica (s) da Energia na América do Sul ________________________________________________________________________________________

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II. A (S) DIMENSÃO (ÕES) ECONÔMICA (S) DA ENERGIA NA

AMÉRICA DO SUL

As mudanças e transições das estruturas produtivas e de governança, incluídas as da indústria da energia, que fazem parte do contexto marcante dos anos 80 e 90 em toda a América Latina, têm suas raízes nas estruturas, sucessos e conjunturas internas e externas das primeiras três quartas partes do século XX que são descritas após, fazendo referência da mesa periodização empregada no capítulo anterior. Nos inícios do século passado, o modelo de desenvolvimento e de inserção internacional dos países e economias latino-americanas foi o primário-exportador, “voltado para fora”, como definido por Tavares (1982); marcado pelo denominado dualismo estrutural -ainda característico nesses países até hoje- existente entre os setores exportador-manufatureiros capitalistas relativamente modernos e desenvolvidos, localizados principalmente nas regiões urbanas, e os setores de subsistência pré-capitalistas subdesenvolvidos das zonas rurais (Furtado, 2003, cap. 4). Dado que dito modelo é estreitamente dependente da demanda e condições externas para a geração de crescimento; a contração econômica exterior causada pela grande depressão de 30 e as duas grandes guerras, induziram os países latino-americanos a adotar um outro modelo de desenvolvimento, “voltado para dentro”, e defensivo dos efeitos das crises nos mercados internacionais (Tavares, 1982); conhecido na literatura como processo ou estratégia de ‘substituição de importações’, o qual predominou -com especificidades e trajetórias particulares (Balassa et al., 1986, cap. 1)- em quase toda a América Latina a partir dos anos 30 até mais ou menos a década de 70. Na consecução desse modelo, o Estado nos diferentes países desempenhou papel preponderante ao assumir funções de planejador, regulador e empresário direto, ao tempo que de investidor-devedor de última instância.37 Liderando, -em suas funções de investidor e empresário- no caso dos setores de energia (como em tantos outros), os empreendimentos para a exploração dos recursos naturais como

37 “…the rouge data available suggest that, in several of the largest Latin American economies, government enterprises at the end of the 1970s accounted for a larger proportion of investment than in some of the advanced industrial countries, such as France, Sweden, and the United Kingdom…” (Balassa et al., 1986, cap. 4: ‘The Role of the State and State Enterprise’).

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a hidroeletricidade e os hidrocarbonetos, e à sua vez, abrangendo as atividades de prestação e fornecimento dos serviços associados a esses recursos a partir de estruturas monopólicas públicas (Balassa et al., 1986, cap. 4). Centralizando e verticalizando desse modo, a organização e estrutura industrial desses setores. Nesse processo, os diferentes países defrontaram-se com diversos obstáculos de caráter interno e externo. Durante o primeiro período do pós-guerra (anos 50 e 60), os obstáculos corresponderam principalmente a fatores internos, por uma parte, relacionados com as características e condicionantes inerentes ao modelo de desenvolvimento vigente, e por outra, ao que Tavares (1982, p. 53) identifica como “falta de medidas adequadas de política econômica”, definido em outras palavras por Balassa et al. (1986) como “import substitution at any cost”, relacionadas em tudo caso com falhas de planejamento e regulação que redundaram em abruptas e nocivas variações cambiais e pressões inflacionarias. No segundo período (anos 70), os obstáculos foram de caráter externo, originados nas crises e mudanças descritas na seção 1.1.2 do capítulo anterior, cujos efeitos globais acirraram as dificuldades macroeconômicas que já afetavam às nações latino-americanas desde o primeiro período. Os fatos anteriores deflagraram a estagflação generalizada que caracterizou os anos 80; período em que, com base nos antecedentes dos dois primeiros períodos, e dados os desacertos dos Estados nas funções de investidor-devedor de última instância, ficou evidente a fragilidade e vulnerabilidade interna e externa da América Latina e do seu modelo de desenvolvimento, quando comparados com outras regiões em via de desenvolvimento como a Ásia (Medeiros, 1997). Apesar de, como se disse, a inflação e estagflação ter sido comum na maioria de regiões e países no segundo e terceiro período, respectivamente, esse contexto macroeconômico resultou particularmente adverso para a América Latina nessas duas décadas (Tabela 2.1). No transcurso dos dez anos do segundo período, na média, o valor da dívida externa total na América Latina aumentou mais de oito vezes, tendo casos como os do Brasil, o Equador e a Venezuela, em que esse aumento foi de mais de mil e duzentos por cento. O incremento na média do nível anual de preços entre o segundo e terceiro período foi de oito vezes nos países da América Latina, entanto que na Europa, a média da inflação do terceiro período nem triplicou a do segundo período. E, em quanto ao comércio intra-regional (de acordo a cálculos do autor que são descritos nas notas das Tabelas 1.1 e 2.1) no terceiro período na Europa atingiu, na média, um valor de 62%, o comércio intralatino-americano no período não superou o 24%.38

38 Com base nos dados da amostra de países das Tabelas 1.1 e 2.1.

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O quadro anterior representa o contexto econômico sobre, e no qual, foram justificadas as reformas políticas nas que se fundamentou a mudança do papel do Estado na economia, que passou, da promoção e fomento industrial, presentes nos períodos da política-modelo de ‘substituição de importações’, para, como resume o próprio J. Williamson (1992, p. 45),39 a prudência macroeconômica, a liberalização microeconômica e a orientação externa.40 O conjunto de reformas empreendidas a partir desse novo modelo foi abrangente, concentrando-se em sete principais áreas: comercial, financeira, tributária, conta de capital, privatização, previdenciária e mercado de trabalho. No primeiro qüinqüênio dos anos 90, quase todos os países latino-americanos haviam já iniciado algum tipo de reforma, especialmente nas cinco primeiras áreas (Bandeira, 2002); tendo na de privatização, os setores de infra-estrutura, particularmente, telecomunicações e energia, a liderança do processo. No caso do setor de energia, especificamente do setor elétrico, a implementação das reformas, isto é, sua abertura e liberalização, obedeceram internamente a problemas de financiamento das empresas (predominantemente) estatais responsáveis pelo setor durante os dois primeiros períodos. Dado que, pelo modelo de desenvolvimento então vigente nos países latino-americanos (anos 50, 60 e 70) “a política de investimentos setoriais fica atrelada à evolução das finanças públicas” (Pinto Junior, 1996, p. 31), a adversa situação macroeconômica dessas economias no segundo e terceiro período, agravada após a crise da dívida externa dos anos 80 (Tabela 2.1), conduziu a uma súbita redução, e subseqüente esgotamento, das três fontes identificadas por Pinto Junior (1996) como as componentes da estrutura e modelo de financiamento das empresas do setor: o autofinanciamento, o financiamento interno e o financiamento externo; comprometendo seriamente a expansão necessária de infra-estrutura elétrica e, conseqüentemente, o crescimento econômico futuro.

39 Quem cunhou o termo “Consenso de Washington” que representa as chamadas idéias e políticas ‘neoliberais’. 40 A partir dos anos 70 em alguns países do cone sul, especialmente no Chile, e mais generalizadamente em toda a região a partir dos 80 e 90.

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Tabela 2.1. Contexto macroeconômico e comércio na América Latina na segunda metade do século XX.

Elaborada pelo autor a partir dos dados da fonte. (Ver fonte, abreviaturas e notas na página seguinte)

2˚ Período 3˚ Período 4˚ Período1951 - 1960 1961 - 1970 1971 - 1980 1981 - 1990 1991 - 1998

PIB 6,1% 6,5% 6,6% 1,8% 3,0%Inflação - 2,7% 16,6% 65,1% 19,7%Divida - $6.969 $57.378 $104.442 $159.778 Comércio 2,2% 4,4% 8,2% 6,1% 4,1%PIB 0,4% 5,5% 4,0% 0,3% 3,6%Inflação - 5,5% 18,8% 222,7% 10,5%Divida - $588 $2.702 $4.275 $6.460Comércio 14,6% 9,9% 28,7% 47,8% 39,8%PIB 4,8% 5,2% 5,5% 3,4% 3,2%Inflação - 11,2% 21,1% 23,6% 23,0%Divida - $2.236 $6.940 $17.222 $33.264Comércio 6,4% 9,2% 16,8% 20,2% 25,9%PIB 4,9% 5,3% 6,8% 2,1% 3,1%Inflação - 4,5% 12,6% 36,3% 35,7%Divida - $364 $5.997 $12.108 $15.140Comércio 8,9% 9,8% 22,5% 17,2% 25,5%PIB 5,7% 5,3% 3,8% -1,1% 5,0%Inflação - 9,3% 30,2% 332,1% 48,3%Divida - $3.211 $9.386 $20.064 $32.175Comércio 13,6% 10,8% 16,6% 18,3% 27,1%PIB 6,9% 4,6% 2,7% 0,7% 3,1%Inflação - 1,1% 8,4% 23,2% 49,9%Divida - $1.422 $29.344 $33.170 $37.004Comércio 27,0% 23,8% 21,3% 15,5% 21,5%PIB 3,0% 4,3% 2,9% -0,9% 5,8%Inflação - 21,2% 119,4% 437,6% 19,3%Divida - $5.810 $27.157 $62.232 $141.549Comércio 21,7% 19,2% 24,9% 26,3% 36,8%PIB 6,5% 5,7% 8,1% 1,5% 2,8%Inflação - - - 336,3% 289,0%Divida - $5.734 $71.520 $119.877 $244.833Comércio 15,5% 13,7% 11,7% 13,6% 22,1%PIB 2,4% 4,6% 8,6% 2,8% 2,3%Inflação - 3,2% 13,1% 21,7% 14,9%Divida - $112 $921 $2.105 $2.289Comércio 35,0% 30,3% 37,4% 46,8% 50,4%PIB 2,1% 1,5% 2,8% 0,5% 3,9%Inflação - 44,0% 62,7% 60,6% 43,9%Divida - $363 $1.660 $4.415 $7.598Comércio 20,5% 20,2% 31,7% 37,9% 51,2%PIB 3,5% 4,2% 2,5% 2,8% 7,0%Inflação - 26,6% 130,3% 20,3% 10,9%Divida - $2.977 $12.081 $19.226 $36.321Comércio 15,2% 15,9% 25,0% 20,0% 22,1%

País Série1˚ Período

Uruguai

Peru

Mexico

Bolívia

Colômbia

Equador*

Chile

Venezuela*

Argentina*

Brasil

Paraguai*

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Fonte: série PIB, Maddison (2001, p. 267-290); séries Inflação e Dívida, World Bank (2001) e série Comércio, UNCTAD (UNCTAD Handbook of Statistics On-line). Abreviaturas e Notas: (-) Dados não disponíveis. (*) Na série comércio os dados dos anos seguintes não estavam disponíveis e por tanto não entram na estatística do período e país correspondente: Equador 1958-1959, Venezuela 1971, Argentina 1951 e Paraguai 1951-1956. A Série PIB foi calculada como média de crescimento uniforme do período, com base nos dados de PIB em milhões de dólares internacionais Geary-Khamis de 1990 da fonte citada. A Série Inflação foi calculada como média de aumento uniforme no período do nível anual de preços ao consumidor da fonte citada. A Série Dívida corresponde ao valor total da dívida externa no final do período expressada em milhões de dólares americanos correntes. A Série Comércio expressa a média aritmética no período do comércio anual de cada país com o resto dos países em via de desenvolvimento da América (pvda), calculada pelo autor como percentagem da relação entre o comércio total do país com os pvda e o comércio total do país com o mundo, isto é, %[(M + X)pvda / (M + X)mundo], com base nos dados de importações e exportações em milhões de dólares correntes da fonte citada. Dada essa profunda insolvência do Estado e suas empresas, e por tanto, da incapacidade destas para garantir a expansão futura do setor, são acometidas as mencionadas reformas.41 As primeiras delas, as privatizações, efetuadas inicialmente pelo Chile e a Argentina, posteriormente pelo Peru, a Bolívia, o Brasil, a Colômbia e o Equador, e depois e em menor grau, pelo resto de países sul-americanos;42 deram ao capital e empreendimento privado a possibilidade e, posterior responsabilidade, de participar lucrativamente das atividades produtivas e empresariais nos diferentes segmentos da cadeia de fornecimento de energia (de início, principalmente na geração e distribuição), antes efetuadas inteiramente por empresas estatais. Dessa forma, induziu-se, com a participação do novo agente privado, uma iminente transformação no setor e indústria elétrica desses países. Em primeiro lugar, houve uma mudança institucional a partir da introdução da nova legislação, e o estabelecimento da nova estrutura institucional baseada em agências de regulação e supervisão independentes, as quais redefiniram o papel do Estado no setor, e as relações deste com os agentes dos emergentes mercados. E em segundo lugar, deu-se uma reestruturação comercial e contratual com a fragmentação (desverticalização) da cadeia de energia, conformando segmentos separados para a geração, a transmissão, a distribuição e a comercialização, os quais constituem o grande mercado ou pool de energia, que deverá ser funcional às leis de mercado (sinais de preço) e à livre concorrência.

41 “La crisis de la deuda externa, la estrechez de recursos financieros, y las presiones ejercidas por los organismos multilaterales como el Fondo Monetario Internacional y el Banco Mundial, impusieron la reforma sectorial.” (Bielschowsky e Moguillansky, 2000, p. 130). 42 Com exceção das Guianas e o Suriname, os quais não fazem parte das análises desta dissertação.

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A integração energética sul-americana, iniciada nas primeiras três décadas da segunda metade do século XX a partir dos vários projetos de aproveitamento e exploração dos recursos energéticos fronteiriços, desenvolvidos binacionalmente pelos Estados à ‘maré’ da particular conjuntura geopolítica e (geo) econômica pela que atravessava a região (Moniz, 2003);43 passa então, a partir do novo modelo implementado com as reformas e privatizações quase completadas nos anos 90,44 a estar inserida na dinâmica agora determinada pela participação do capital privado, pelo novo papel regulador do Estado e pelas disciplinas de livre mercado. Num restituído ambiente democrático regional, e no marco do desenvolvimento dos dois principais processos de integração econômica regional, CAN e MERCOSUL, instaurados após o definitivo fracasso da ALALC (Prado, 1985; CEPAL, 1983). Adicionalmente, como produto da recente evolução e transformação econômica e tecnológica mundial, dois novos fatores evidenciados por Almeida e Machado (2001), conformam, junto com os anteriormente descritos, o contexto recente da energia na América do Sul. O primeiro, o surgimento de global players após a abertura e liberalização mundial das economias e as indústrias de energia; e o segundo, a convergência nos negócios de gás e eletricidade, como resultado conjunto da renovada importância do gás natural a partir dos anos 70, do aumento das restrições ambientais para a geração elétrica com base em outros recursos e do desenvolvimento das turbinas a gás em ciclo combinado (TGCC). Como visto, a partir dos anos 80 e 90, a maior parte dos países sul-americanos iniciaram paulatinamente a abertura, liberalização e reforma de suas economias, incluindo a dos setores e indústrias de energia. Dessa forma, têm iniciado um processo de transito que vai, de um modelo de prestação desses serviços, baseado em monopólios públicos verticais e centralizados, predominante durante as décadas passadas, para um outro modelo que é funcional às leis do mercado e baseado em estruturas descentralizadas, fragmentadas e abertas ao capital privado e à concorrência. Por conseguinte, e do que se desprende da evolução e da análise da experiência européia (capítulo I), a integração energética na América do Sul vai estar em boa parte determinada nos próximos lustros pelo desenvolvimento das transformações

43 O processo integracionista iniciado nos anos 50 e formalizado nos anos 60 com o primeiro Tratado de Montevideo (que deu origem à ALALC), caracterizado no entorno internacional dos três decênios consecutivos pelo alinhamento e desenvolvimento entorno ao confronto bipolar, favoreceu inicialmente (anos 60), e num entorno político majoritariamente democrático e plural, a liquidez financeira e ao mesmo tempo a expansão econômica, a qual precisou nessas condições da integração para abrir maiores espaços de expansão; logo (anos 70), o confronto bipolar estimulou a instauração de regimes autoritários - nacionalistas que, apesar da ainda existente liquidez e crescimento, defrontaram-se com interesses hegemônicos contrapostos, freando a integração necessária para abrir novos espaços à ainda existente expansão econômica. 44 No período de 1990 a 1994 o investimento estrangeiro direto (IED) na maioria dos países latino-americanos aumentou consideravelmente com respeito ao IED das duas décadas precedentes (Moguillansky, 1996).

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41

das estruturas econômicas e institucionais que cursam na região. Principalmente, nas nações protagonistas dos processos de integração econômica. O capitulo presente se ocupa das transformações e aspectos de caráter econômico. Especificamente com relação aos aspectos (subdimensões) que podem ser identificados do primeiro capitulo como os envoltos no processo de integração energética: os técnico-econômicos e os contratuais. Com relação aos técnico-econômicos (seção 2.1),45 realiza-se uma revisão de distintos aspectos físicos, técnicos e tecnológicos, que dão informação acerca da potencialidade e disponibilidade físico-estrutural para a integração energética na América do Sul; na subdimensão contratual (seção 2.2) examinam-se os aspectos contratuais das reformas à indústria elétrica, a fim de definir o enfoque e abordagem analítica das reformas à indústria, para analisar finalmente nas seções 2.3 e 2.4, os impactos das reformas estruturais e institucionais sobre a integração energética sul-americana. 2.1. ASPECTOS TÉCNICO-ECONÔMICOS DA INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA. Apesar de alguns dos aspectos técnico-econômicos referentes à América do Sul incluídos nesta seção ter sido já analisados e divulgados em anteriores documentos (alguns dos principais nesta seção usados e citados como fonte), sua revisão se faz pertinente para, em primeiro lugar, verificar sua atualidade e ilustrar e complementar as análises das seções posteriores, e segundo, para, junto com os aspectos da subdimensão contratual, analisar a (s) dimensão (ões) econômica (s) da energia e integração energética na América do Sul em maior amplitude. 2.1.1. Estrutura de oferta e demanda de energia. Analisando o conjunto de estruturas de oferta de energia dos países da América do Sul, observa-se um fato fundamental e proeminente, a sua heterogeneidade, como indicador positivo da potencialidade da integração energética pelo lado da oferta; tanto nas estruturas de oferta dos países andinos que conformam a CAN (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), quanto nas dos países do cone sul, membros (nas dos permanentes e associados como o Chile e a Bolívia) do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai).

45 Convenciona-se a palavra ‘técnica’ por representar um amplo conjunto de aspetos e fatores físicos e tecnológicos.

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Figura 2.1. Matriz de recursos energéticos primários na América do Sul em 2003.

Elaborada pelo autor a partir dos dados da fonte. Fonte e Notas: OLADE (2004) para os dados de Petróleo, Gás Natural e Carvão, e World Energy Council (2001) para os de Hidroeletricidade. Estes últimos correspondem à gross theoretical capability a finais de 1999. Os dados do Brasil não incluem as reservas estimadas de gás da Petrobrás descobertas na Bacia de Santos em 2004, as quais, se incluídas, dobrariam aproximadamente o valor de reservas totais de gás. Tal potencialidade é marcadamente importante quando comparada à diversidade de recursos que compõem as matrizes de oferta de países como a Colômbia e o Peru, com as do resto de países andinos, dotados principalmente de tão só dois, ou um só recurso, como o Equador (Figura 2.1). E no caso do cone sul, o maior potencial se apresenta entre a Argentina e o Brasil, dada a importante heterogeneidade das suas matrizes, e destes à sua vez, com o Paraguai e o Uruguai, os quais dependem quase absolutamente da hidroeletricidade. O potencial desses últimos quatro países que conformam o bloco do MERCOSUL, com o Chile, radica nas mutuas diferenças na escala de composição das suas matrizes de oferta de energia.

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Petróleo Gas Natural Carvão Hidroeletricidade

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Figura 2.2. Matriz de capacidade de geração de eletricidade por tipo de recurso na América do Sul em 2003.

Elaborada pelo autor a partir dos dados da fonte. Fonte: OLADE (2004). Comparando-a respeito à estrutura de oferta de recursos energéticos, a heterogeneidade da estrutura de capacidade de geração elétrica por tipo de recurso dos diferentes países estudados, e por tanto, da potencialidade da integração energética por oferta de capacidade elétrica, é menos marcada, porém, não menos significativa (Figura 2.2); especialmente no caso dos países do MERCOSUL, entre os quais, os diferenciais absolutos entre as participações das capacidades térmicas e hídricas nas matrizes, chegam oscilar entre um 68% e 8%, enquanto que entre os países da CAN, os diferenciais se reduzem a um intervalo de entre 30% e 2%.

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Hidro Termo Nuclear Outros

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Figura 2.3. Consumo de energia na América do Sul em 2003.

Elaborada pelo autor a partir dos dados da fonte. Fonte: OLADE (2004). Abreviaturas e Notas: (bep) Barril Equivalente de Petróleo. O consumo de eletricidade é o final. O consumo de hidrocarbonetos é o total, isto é, consumo final mais consumo em centros de transformação e consumo próprio. Pelo lado da demanda, a estrutura, e em particular as escalas de consumo comparadas com a dotação de recursos energéticos primários, isto é, a relação das reservas sobre o consumo anual de energia (r/c) (dos dados das Figuras 2.1 e 2.3) 46 dos países sul-americanos, dão maior informação acerca do potencial da integração energética regional ao tempo que assinala quais os países majoritariamente detentores desse potencial, seja na posição de ofertantes ou demandantes de energia. Entre os países do cone sul é onde se dá o maior potencial, considerando o elevado consumo de energia do Brasil -o maior da região- que representa, em função das suas reservas, uma r/c, ao igual que a do Chile, menor de 15 anos; em tanto que a

46 Os valores calculados para as relações r/c são grossamente aproximados, dado que, apesar de considerar os valores majoritários de consumo e demanda de energia, omitem-se valores de perdidas de energia, eficiências, substituições de recursos, recursos e consumos marginais, e outros fatores e aspectos técnicos que deveriam ser considerados num calculo mais preciso e detalhado.

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10^6 bep Hidrocarbonetos Eletricidade

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45

da Argentina dobra aproximadamente a do Brasil, e a da Bolívia supera os 200 anos. No caso dos países andinos o potencial de integração é menor em comparação com o dos vizinhos do extremo sul, dado que, a diferença dos segundos, nos primeiros, devido ao seu nível de desenvolvimento econômico, tamanho populacional e comercial dos seus mercados, as escalas de consumo são significativamente menores, tendo assim reservas maiores de 25 anos em todos os casos; com a particularidade da Venezuela que, apesar de ter um consumo de energia importante, próximo ao da Argentina, possui uma auto-suficiência energética de ao redor de 400 anos. 2.1.2. Complementaridade e interconexão dos sistemas energéticos. As estruturas de oferta e demanda de energia, acima analisadas, assinalam o importante potencial de integração energética existente entre os países sul-americanos, superior no caso dos países do cone sul, em comparação com os andinos. Porém, acima dos aspectos estruturais, o potencial efetivo da integração depende da relação destes últimos com aspectos climáticos, espaciais, sazonais, temporais, de custos, de infra-estrutura, e em fim, de aspectos técnico-econômicos que fazem parte da dimensão econômica, os quais determinam a existência de complementaridades e grau de interconexão entre os sistemas energéticos dos países da região. Na América do Sul, a CIER é a organização que tem empreendido desde mediados dos anos 90 a mais abrangente pesquisa a fim de determinar a existência de tais complementaridades na região; da qual, parte das principais conclusões e resultados, de dois dos principais projetos já finalizados, são resumidos no Quadro 2.1. Em essência, tais pesquisas confirmam, com solidez científica, a existência de complementaridades energéticas na América do Sul e identifica múltiplos benefícios, produto da sua integração energética; as quais são condições técnico-econômicas imprescindíveis para a integração dos sistemas e mercados energéticos regionais. Entretanto, o aproveitamento do potencial efetivo de integração, determinado pela existência dessas complementaridades, depende, na dimensão econômica, em primeiro lugar, da disponibilidade da infra-estrutura de interconexão física necessária para a irrestrita realização dos intercâmbios e fluxos energéticos, e em segundo lugar, da adequabilidade das estruturas comerciais e empresariais (subdimensão contratual) para a funcionalidade do mercado e da concorrência.

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Quadro 2.1. Conclusões principais da CIER acerca das complementaridades dos sistemas energéticos sul-americanos.

Elaborada pelo autor a partir dos dados da fonte. Fonte e Notas: Machado et al. (1995), CIER e CAF (1999), CIER e CE (2000). (*) Tradução -pelo autor- do texto original em espanhol (CIER e CE, 2000, p. 16) ao português. No projeto CIER 02 são também discutidos alguns dos aspectos institucionais, legais e de regulação; aqui, porém, só incluem-se os relacionais com a subdimensão técnico-econômica, analisada nesta seção. Além de o potencial efetivo de integração energética ser maior no cone sul, ainda, há entre esses países uma maior disponibilidade de infra-estrutura de interconexão energética, tanto elétrica -incluindo as interconexões de alta tensão por meio das subestações das usinas binacionais- quanto para o transporte de gás, entanto que entre os países andinos, para a interconexão elétrica só dispõem de três linhas de interconexão em alta tensão, as quais só interligam três dessas cinco nações, ao tempo que infra-estrutura transnacional para o transporte de gás é, pelo menos até finais do século XX, inexistente (Quadro 2.2).

Projeto Alcance e metodologia Conclusões principais

- O comércio de eletricidade na região é muito restrito em comparação com as oportunidades disponíveis. As grandes distâncias envoltas, a falta de conformação de redes nacionais suficientemente malhadas, assim como razões estratégicas, impediram até agora uma maior integração elétrica dos países sul-americanos.*

- Confirmam-se os resultados e conclusões dos projetos CIER 01 e CIER 02 - Fase I. - Adicionalmente, identificam-se oportunidades de investimento e benefícios para as empresas de transporte.

CIER 02 - Fase II (2000)

Analise dos aspectos da Fase I, adicionando sensibilidades de demanda, para estudar as oportunidades e obstáculos para a integração dos mercados eléctricos dos países sul-americanos.

- Existem altos graus de complementaridades hidrológicas anuais que favorecem a interconexão de diferentes sistemas elétricos regionais.

Identificação de complementaridades causadas por fenômenos de teleconexões meteorológicas tais como El Niño , por meio de análises estatísticas sobre dados de séries hidrológicas de dez importantes bacias sul-americanas.

CIER 01 (1995)

Analise da integração dos sistemas energéticos regionais até o longo prazo, com base em informação das estruturas de oferta, demanda e custos de energia, e dos aspectos geográficos e temporais; a partir de um enfoque econômico razoavelmente completo com respeito à modelagem dos equipamentos e dos aspectos hidrológicos.

CIER 02 - Fase I (1999)

- Confirmam-se as complementaridades identificadas em CIER 01. - Identifica-se um importante corredor energético entre os países da CAN e do Mercosul. - Com a interconexão energética regional, prevêem-se: economias de potência, redução de custos operativos e oportunidades para o uso mais razoável dos recursos não renováveis.

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Quadro 2.2. Número e capacidade das interconexões energéticas em operação e construção na América do Sul em 1999.

Elaborada pelo autor a partir de informação da fonte. Fonte: OLADE (1999). Convenções e Notas: Linhas de transmissão de tensão superior a 220kV. Linhas de transmissão de tensão inferior a 150kV. Usinas elétricas binacionais. Gasodutos. A primeira cifra (esquerda) indica o número total de infra-estruturas, e o segundo valor (direita), é a somatória das capacidades dos equipamentos, em MW para linhas de transmissão e usinas, e Mmcd para gasodutos. [ ] Infra-estruturas em construção. (-) Dado indisponível. (a) Ramal do primeiro gasoduto S. Cruz – São. Paulo. (b) Dois interfronteiriços.

País[1] [-] 2 5001 30 3 55

[1] [-]1 30

2 500 [1] [200]3 55

2 9,5 1 [1a] 30 [7,5][1] [1000] 1 80 1 -1 50 2 40 1 50

1 3000 1 18902 9,5 [1] [12] 1 [1] 0,7 [5] 3 [4b] 30,5 [21,6]

[1] [200] [1] [1000] [1] [-]1 50 3 76 1 3,5

1 126001 [1a] 30 [7,5] [1] [12]

1 802 40 3 761 3000 1 12600

[1] [-]1 50 1 3,51 1890

1 [5] 0,7 [5]1 -

3 [4b] 30,5 [21,6]

Equador Peru Venezuela Bolívia ChileArgentina Brasil Paraguai Uruguai

Paraguai

Uruguai

Chile

Colômbia

Equador

Peru

Venezuela

Colômbia

Bolívia

Argentina

Brasil

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No MERCOSUL, incluindo a Bolívia, a infra-estrutura disponível permite aproveitar -em proporção da sua capacidade- o potencial de integração existente, especialmente entre a Argentina, o Brasil e o Chile, quem agrupam o maior consumo de energia (Figura 2.3). Dando lugar importante a oportunidades para a convergência dos negócios de gás e eletricidade a partir do considerável número e capacidade das infra-estruturas transnacionais para o transporte de gás, a qual supera em número as de transmissão elétrica em alta tensão. Porém, tanto o aproveitamento do potencial efetivo como as oportunidades de convergência restringem-se pela capacidade e número de interconexões elétricas disponíveis, reduzidas quando comparadas com a infra-estrutura de interconexão elétrica que compõe o sistema elétrico da UCTE na Europa continental ocidental. A diferença dos países do MERCOSUL (e mais ainda dos da CAN), interligados eletricamente em 1999 por tão só quatro linhas de transmissão e cinco pontos de geração em alta tensão, o núcleo central de países da UCTE (Alemanha, países alpinos, Benelux, França e Itália) interligam-se por meio de uma verdadeira malha elétrica, de ao redor de 126.000 km, composta por mais de cinqüenta linhas de transmissão em alta tensão (UCTE, 2000, p. 146-158). Além, sem se chegar a avaliar os sistemas de transmissão de cada país, dos quais depende o grau de interconexão interior entre os diferentes e diversos componentes de demanda e oferta de energia, e exterior com os componentes e sistemas dos outros países, ou seja, em termos econômicos, dos que depende o grau de unificação dos mercados nacionais e transnacionais de energia; pode-se prever que nos países de menor nível relativo de desenvolvimento, como no caso da Bolívia, o Equador, o Paraguai e o Peru, o grau de interligação elétrica é baixo, fragmentado, e ou, de baixa qualidade, o que limita ainda mais a integração dos mercados de energia, tanto entre os países da CAN, quanto (dada a posição geográfica da Bolívia e o Peru) destes como seus vizinhos do cone sul. 2.2. ASPECTOS CONTRATUAIS DAS REFORMAS À INDÚSTRIA ELÉTRICA. De acordo com Gross (1986, p. 9), um sistema elétrico de potência de corrente alternada47 pode ser definido como “...a network of interconnected components designed to convert nonelectrical energy continuously into the electrical form; transport the electrical energy over potentially great distances; transform the electrical energy into a specific form subject to close tolerances; and convert the electrical energy into a usable nonelectrical form.”; e dividido, na pratica, em três subsistemas ou segmentos específicos: geração (infra-estrutura de oferta), transmissão (infra-estrutura de interconexão física) e uso final (demanda).

47 No restante do texto se faz referência só como sistema elétrico ou indústria elétrica.

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A maioria dos recursos primários de energia (água, carvão, petróleo, gás) são estocáveis, mas uma vez que convertidos pelos componentes de geração em energia elétrica, -por ser tecnicamente nada mais do que um simples fenômeno de excitação de elétrons- esta é transmitida e consumida instantaneamente no uso final, efetuando-se de tal modo, um preciso, sensível e constante balanço de energia elétrica total entre a oferta e a demanda, que deve ser efetuado de forma segura, confiável e econômica. Das anteriores definições e apreciações, desprendem-se seis características técnico-econômicas e institucionais fundamentais da indústria elétrica que se querem ressaltar, as quais serão referidas com freqüência nas próximas seções: i. A interconexão pela qual se configuram os sistemas elétricos, e que caracteriza

às denominadas indústrias de rede, define relações de interdependência técnica, pecuniária, tecnológica e de demanda entre as diferentes componentes do sistema, que explicam a existência de externalidades respectivas de cada tipo no sistema; ao tempo que reforça a possibilidade de realizar economias de escala e escopo na totalidade do sistema.

ii. Na transmissão (e também na distribuição), além de se apresentarem

economias de escala importantes devido aos elevados custos fixos iniciais (principalmente pelas distâncias e complexidades geográficas), a possibilidade de subaditividade de custos, ou, no sentido oposto, o ‘risco’ de configurar ineficiências na rede por causa de duplicidade de infra-estruturas, é particularmente relevante. O que acomoda a este segmento dentro da definição geral de monopólio natural, que, considerando também, a existência dos diferentes tipos de externalidades de rede, justifica, de acordo à acepção tradicional da definição, a regulação ou intervenção estatal nesse segmento.48

iii. Pela sua dimensão e complexidade técnica e tecnológica, os investimentos em

infra-estrutura de oferta (usinas) para a geração de energia elétrica se caracterizam por compreender elevados custos fixos iniciais, dando lugar a importantes economias de escala nesse segmento. Entretanto, a diferença da transmissão, cuja função básica no sistema é prover passivamente o serviço de interconexão entre os diferentes componentes do sistema, a geração, ou mais especificamente, os componentes (usinas) de geração, são quem produzem e colocam a commodity, neste caso a energia elétrica, no sistema; de forma que, é na oferta onde se da, de fato, a possibilidade de introduzir concorrência.

48 Para uma discussão mais ampla acerca das definições de monopólio natural em utilities, e suas implicações na pratica, ver Demsetz (1968).

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iv. A diferença da maioria de commodities -incluindo outros energéticos como os hidrocarbonetos-, a energia elétrica é um bem homogêneo (elétrons), não estocável; cujo fluxo, dado que é restritamente determinado segundo leis inerentes às propriedades dos sistemas elétricos (leis de Kirchhoff’s. Gross, 1986), apesar de mensurável, não pode obedecer a determinações ou relações mercantis. Sua demanda agrupada, de baixa elasticidade e complexa previsibilidade vária horária e sazonalmente de acordo a uma diversidade de fatores técnicos e econômicos. Este é o parâmetro principal que determina a operação e dinâmica diária do sistema, que por sua vez, é um determinante central dos custos de produção e preços finais.

v. No curto prazo, garantir o balanço instantâneo de energia elétrica no sistema de

forma segura, confiável e econômica, ou seja, satisfazer continuamente, com qualidade e eficiência econômica o fornecimento de demanda de energia elétrica, requer de um alto grau de coordenação técnica e comercial entre os diferentes componentes e seus agentes proprietários, o qual só poderia ser efetivamente realizado através de um agente de organização central.

vi. No longo prazo, garantir a adequada e suficiente disponibilidade de

capacidade e infra-estrutura para suprir os requerimentos futuros de energia elétrica, a partir de investimentos de mínimo custo, isto é, explorando ao máximo possível as externalidades e economias disponíveis, supõe a realização antecipada de um planejamento técnico e econômico coordenado.

2.2.1. A abordagem de Newbery: a evidência empírica das reformas. A análise de Newbery (1999) das reformas às indústrias de infra-estrutura, incluídas as de gás e eletricidade, parte da tese de que a concorrência é mais efetiva do que a regulação para promover eficiência econômica na indústria e no sistema econômico,49 interpretando a eficiência no sentido de Pareto, isto é, por meio de mecanismos competitivos que propiciem preços alocativos de mercado, próximos aos custos marginais de produção. A partir das características e implicações técnico-econômicas descritas,50 as quais são as bases da sua análise, Newbery analisa de forma detalhada a evidência das experiências das reformas às indústrias de infra-estrutura empreendidas em 49 Interpretando a regulação no sentido convencional de intervenção do Estado na economia. Para uma discussão mais ampla, ver: Newbery (1999, cap. 4), e os enfoques críticos de Gordon (1994) e Fiani (1998), quem chegam a conclusões opostas ao respeito do papel e importância da regulação na economia. 50 Com exceção da iv, e relativamente da v e vi, grosso modo, as características e implicações técnico-econômicas e institucionais fundamentais da indústria elétrica descritas, aplicam para as outras duas indústrias que são examinadas por Newbery: gás e telecomunicações. De forma que, as relações aqui feitas da análise geral de Newbery para os diferentes tipos de indústria com as características e implicações descritas são –reiterando, grosso modo- validas.

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diferentes países da América, da Oceania e da Europa -dando especial atenção à experiência do RU-, procurando responder questões básicas acerca das estruturas e organização de mercado apropriada para atingir o estágio de eficiência da sua tese, assim como das condições e implicações econômicas e institucionais dos processos de reforma necessários para configurar tais estruturas. Custos e benefícios da liberalização e modos básicos de organização industrial. A priori, a observação central que faz Newbery é que o desenho e realização de reformas estruturais têm um impacto considerável tanto nos custos quanto nos benefícios da liberalização, cuja relação e proporção justificam sua realização: “Structural reforms to introduce competition are likely to have far reaching effects on the distribution of rents, the distribution of risks, the rate and direction of technical progress, the choice of investment, and the forms of regulation required. The costs of restructuring are considerable; restructuring will only be worth undertaking if the gains are larger.” (p. 174.) Porém, de que dependem esses custos e benefícios? Seguindo a análise de Newbery, cada modo, estrutura ou modelo de organização industrial, representa custos e benefícios, que se relacionam com as características técnico-econômicas descritas, de acordo com as implicações de cada um no aproveitamento das economias possíveis (principalmente economias de escala e escopo) e exploração de externalidades, as quais, à sua vez, dependem das formas de coordenação e administração de riscos, inerentes a cada modelo. Os dois modos básicos gerais de organização são examinados pelo autor. No primeiro, monopólio integrado verticalmente, a coordenação e planejamento necessários para a exploração de economias e externalidades são praticadas de maneira simples ao interior da empresa monopolista e centralizada, de forma que, além, a demanda, neste caso cativa, é facilmente previsível. Por outra parte, provêm riscos, associados neste caso a ineficiências (mark_up prices, investimentos ou recursos humanos ociosos, baixa produtividade) refletidas nos preços, que, dessa forma, seriam transferidas aos usuários, causados em todo caso por factíveis excessos no uso do poder ou posição monopólica que ostentaria a empresa nesse modo de organização. No segundo, mercado competitivo, os benefícios proviriam de ganhos de eficiência -preços de mercado eficientes- por efeito da concorrência, mas, em contraposição ao caso de integração vertical, por efeito da desverticalização (fragmentação) surgem riscos associados a dificuldades de coordenação e planejamento de longo prazo, e incertezas de demanda e de mercado, que levariam a incrementos de custos, e por tanto, a possíveis perdas de eficiência.

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Tipo de propriedade Em ambos os casos, além da estrutura, há uma segunda variante que agrega maior complexidade à análise: o tipo de propriedade, a qual pode ser, alternativamente, pública, privada ou mista. No caso do monopólio integrado (de propriedade tradicionalmente pública antes dos anos 80, quando iniciadas as reformas. Ver capítulo I e introdução do presente), a diferença das causas específicas das possíveis ineficiências, as quais poderiam variar de acordo ao tipo de propriedade; os custos e os benefícios identificados acima são os mesmos. Assim, o caso de maior interesse, analisado por Newbery, é o dos diferentes tipos de propriedade que são factíveis num mercado competitivo. Haveria, de acordo com Newbery (1999, cap. 5), duas formas básicas de substituir a coordenação e planejamento central -dos monopólios integrados- para dar via ao mercado e introduzir concorrência no fornecimento de serviços na indústria: a desverticalização e fragmentação das atividades ou a liberalização do acesso na indústria verticalmente integrada. Com a primeira forma, procura-se, por meio da reestruturação, constituir um mercado competitivo na oferta, separado dos demais segmentos, onde o capital privado entraria a ter papel primordial no investimento, operação e concorrência pelo fornecimento de serviços dentro da indústria, como foi no caso da reforma à indústria elétrica no RU (ver seção 1.1.3). E a segunda forma, semelhante às reformas e organização do setor elétrico na Escandinávia (ver seção 1.1.4), procura, ao introduzir medidas de concorrência na oferta e abrir espaço ao agente privado, promover a eficiência, mantendo, porém, a estrutura vertical e propriedade pública do setor, isto é, mantendo os benefícios característicos da integração vertical. Compatibilidade e sustentabilidade da propriedade mista. Neste ponto, surge a questão, levantada pelo autor, de se é a concorrência compatível com a propriedade pública. E, se compatível, se é essa estrutura competitiva de propriedade mista, sustentável no longo prazo. A evidência empírica estudada por Newbery responde afirmativamente à primeira questão, no entanto, sugere que, no caso de se quiser mantiver essa forma de organização, “it requires aggressive regulation to prevent abusive entry deterrence by vertically integrated incumbents” (p. 180). Na resposta acerca da sustentação dessa estrutura no longo prazo, a análise do autor é ampla e menos simples, porém, conclusiva. Segundo o autor, em caso de se mantiver uma estrutura competitiva de propriedade mista, as condições diferenciais de financiamento para as empresas publicas e os incentivos à expansão, terminariam (por razão de, entre outras, a

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possibilidade de endividamento irrestrito, sobre investimentos, e outras ineficiências) por persuadir os governos de que a única solução é dar o passo final à privatização; de tal forma que, após da abertura da indústria, no longo prazo, a tendência seria para a completa privatização da indústria, com algumas exceções especiais,51 como por exemplo, (por considerações de escala) em casos de municipalidades proprietárias de ativos, responsáveis pelo fornecimento do serviço. Condições necessárias para a promoção de eficiência econômica. Da análise e argumentos anteriores, é possível extrair a principal conclusão em resposta às questões básicas que motivam a pesquisa de Newbery. Independentemente do modo, estrutura ou modelo de organização industrial, o aspecto chave para promover eficiência econômica na indústria com base na concorrência é garantir o livre acesso à indústria ou contestabilidade52 do mercado; seja através da reestruturação da indústria e, ou por meio de arranjos institucionais: “For competition to be effective, new firms must be able to offer the utility’s customers some service, and if their cost are lower than those of the incumbent utility, it must be possible for them to be able to undercut the incumbent and secure access to those customers.” (p. 187); “Liberalization, if successful, puts pressure on the incumbent utility and, if unsuccessful, creates pressure for regulatory reform.” (p. 197). Observando, no entanto, que a potencialidade da concorrência efetiva dependerá do numero viável de empresas competitivas que podem ser sustentáveis no mercado, e que, no caso na indústria elétrica, depende, em primeira instância, do tamanho da demanda total de energia com respeito ao tamanho (capacidade) das usinas que compõem a oferta (p. 191), o qual, à sua vez, depende da tecnologia, e em segundo lugar, do arranjo institucional adequado para administrar apropriadamente os riscos e incentivos inerentes e necessários (respectivamente) a cada modo ou estrutura industrial (p. 280 e 281). E ficando, ainda, aberta a questão de se serão os possíveis benefícios da concorrência suficientes para compensar quaisquer perdas de economias produto da desverticalização e fragmentação da indústria.

51 “To summarize, it seems difficult to accept the logic of maintaining state ownership of enterprises that can operate effectively in a competitive market, except as a transitional state in which the regulatory institutions are established and developed, interest group overcome, the best industrial structure evolved without the pain of stranded assets, and the assets properly priced in a market that has increasing confidence in the commitment of the government to the new structure and ownership patterns.” (Newbery, 1999, p. 184). 52 Como adaptação ao termo em inglês (contestability).

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2.2.2. O enfoque de Joskow e Schmalensee: a Nova Economia Institucional (NEI) aplicada às reformas na indústria elétrica. Ao igual que Newbery, o trabalho de Joskow e Schmalensee (1983) parte de discutir as características técnicas, econômicas e institucionais descritas, para analisar, especificamente, as reformas à indústria e setor elétrico. Implementando e aplicando (porém de forma distinta a de Newbery) um marco analítico mais claro e preciso (o da NEI), apoiando-se na evidência da experiência das reformas à indústria elétrica nos EUA, a qual é tomada como referência empírica principal. 53 Fatores e fontes de eficiência e ineficiência Os autores iniciam a discussão analítica, identificando os fatores e as fontes da eficiência econômica (e conseqüentemente, as fontes e razões de ineficiência que devem ser superadas com relação às alternativas de reforma: “..., one must have some idea of the problems they are designed to solve.”, p. 79), que é, de acordo aos autores, o principal objetivo da realização das reformas na indústria. O primeiro fator identificado é o dos custos de produção de energia elétrica, e o segundo, o dos preços de eletricidade sobre os quais são tarifados os usuários finais; ambos os quais, segundo os autores, devem ser considerados (e diferenciados) nas distintas temporalidades: o curto e o longo prazo. Com relação ao primeiro fator, os principais aspectos a considerar segundo os autores, são: no curto prazo, a disponibilidade das infra-estruturas de oferta e transmissão, e os custos e estoques dos recursos primários de energia, com base nos quais são tomadas as decisões da operação, a partir das quais se procura garantir o balanço instantâneo de energia elétrica que se descreve na v característica acima; e no longo prazo, tanto os aspectos operativos do curto prazo quanto as decisões de investimento, e os aspectos tecnológicos, para garantir o suprimento futuro de energia elétrica segundo critérios descritos na vi característica ao início da seção. Em decorrência, as razões de ineficiência -a superar- com relação ao primeiro fator, principalmente surgem: no curto prazo, por deficiências de coordenação ou regulação, que poderiam significar falhas técnicas ou despachos energéticos economicamente não meritórios, respectivamente; e no longo prazo, por ausência de um planejamento adequado ou distorções de regulação, que poderiam provocar desabastecimentos de energia elétrica, como efeito de indisponibilidade de infra-estruturas ou, no sentido oposto, perdas de economias como produto de capacidades e investimentos ociosos (não ótimos).

53 Tomando aqui também como referência o trabalho de Joskow de 1997.

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E acerca dos aspectos tecnológicos, anotam os autores: “The optimization of technical progress in this industry appears to us to be enhanced by efforts to improve the financial incentives utilities have to minimize costs in the short run and the long run and to make electricity rates more efficient. To the extent that prevailing institutional arrangements do not provide such incentives, both process and product innovation will be retarded, and we will likely suffer large efficiency losses in the long run.” (p. 88). O segundo fator tange aos preços finais de energia elétrica, no qual, de acordo aos autores, o aspecto chave a considerar, no curto e no longo prazo, é o principio econômico de custo marginal. 54 No curto prazo, devido às complexidades técnicas próprias da demanda (característica iv, acima) e a que os estoques e capacidades dos componentes da infra-estrutura são fixos, apesar de serem possíveis ganhos de eficiência quando refletidos custos marginais nos preços finais, “... the gain associated with moving from an inefficient set of prices to an efficient set of prices that appropriately reflect marginal costs may be relatively small.” (p. 81). Entretanto, no longo prazo, dado que, a diferença do anterior, os componentes da infra-estrutura (e por tanto, estoques, capacidades e alocações) e os aspectos da demanda são adaptáveis por meio de um planejamento antecipado (característica vi, acima), é possível obter importantes ganhos de eficiência, tomando vantagem de novas estruturas tarifarias e níveis de preços baseados em custos marginais (p. 82). As razões das ineficiências -a superar- com relação ao segundo fator, que decorrem do anterior, são discutidas pelos autores (p. 88-90), porém, são amplamente melhor analisadas num trabalho anterior do primeiro autor (Joskow, 1976). No mencionado trabalho de 1976, Joskow explora três diferentes abordagens teóricas da theory of marginal cost pricing (a americana, a britânica e a francesa); discutindo as controvérsias teóricas respectivas, e identificando os problemas relacionados com a aplicação real dessas teorias, de onde se explicam as razões de ineficiências que os autores tentam precisar. Resumindo, do trabalho anterior de Joskow (1976), a controvérsia teórica radica em como alocar e distribuir, ‘justa e eficientemente’, os diferentes custos do sistema: custos operativos de curto prazo (custo marginal de operação e custo marginal de 54 “A fundamental principle of modern economics is that prices provide the correct signals to buyers if and only if they are equal to marginal cost. That is, only if buyers pay the costs imposed on sellers by their decisions to increase or decrease demand can purchase decisions be made in a socially efficient manner. Thus an ideal pricing system for electricity would set prices equal to the short-run marginal cost of providing electricity at different voltage levels.” (Joskow e Schmalensee, 1983, p. 80). O que significa que, pelo menos em principio, Joskow e Schmalensee interpretam a eficiência econômica no mesmo sentido ‘Paretiano’ de Newbery.

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capacidade), custos de longo prazo (custo marginal de longo prazo), e custos associados às diferentes externalidades (característica i) inerentes da indústria (custos de racionamento, custos administrativos, etc); entre os diferentes e diversos tipos de usuários e agentes que compõem a demanda agregada, nas complexas condições técnicas que a caracteriza (não estocável, periodização horária e sazonal, difícil previsibilidade; característica iv). Isto explica que, dadas as condições de complexidade técnica, incerteza e imprevisibilidade que caracterizam a demanda de energia elétrica, as ineficiências com relação ao segundo fator proveriam primordialmente de duas fontes: a primeira, da dificuldade de obter a informação necessária e suficiente para realizar as previsões, medições, mensurações e avaliações certas de todos os custos, e para as alocações tarifárias correspondentes; e a segunda, da dificuldade para desenhar e estabelecer as instituições e regulações que determinem as regras e mecanismos ‘justos e eficientes’ para a alocação e distribuição dos custos, e das distorções das, deste modo, factíveis deficiências institucionais e de regulação. O contexto imediatamente acima descrito: especificidades técnicas, incerteza, informação incompleta e desenho institucional; representa o marco analítico básico da teoria ou economia dos custos de transação sobre a qual descansa a NEI,55 de cuja aplicação ao caso da indústria e setor elétrico, Joskow e Schmalensee complementam e aprofundam a análise das reformas. A economia dos custos de transação (ECT). As alternativas de reforma para a abertura e liberalização, para substituir ou reestruturar a tradicional integração vertical, com a finalidade de promover eficiência econômica na indústria, são representadas pelos autores em quatro cenários alternativos chamados de deregulation (cap. 8); os quais, apesar de apresentarem diferenças básicas, ainda que em diferentes níveis e com base em distintos modos de organização, em comum, apelam ao mercado como mecanismo básico para a organização e realização das transações comerciais de energia, principalmente na oferta (com exceção do primeiro cenário), que é onde se dá efetivamente a possibilidade de introduzir concorrência (característica iii). De tal modo que, substituem-se as tradicionais transações ao interior da firma e por meio de joint ventures e acordos de cooperação entre firmas potencialmente

55 A teoria dos custos de transação inicia com o trabalho seminal de Coase (1937). A definição básica do custo de transação e algumas das suas implicações teóricas e praticas podem ser extraídas do seguinte parágrafo da parte II. do texto de Coase: “The main reason why it is profitable to establish a firm would seem to be that there is a cost of using the price mechanism. The most obvious cost of ‘organizing’ production through the price mechanism is that of discovering what relevant prices are. This cost may be reduced but it will not be eliminated by the emergence of specialists who will sell this information. The cost of negotiating and concluding a separate contract for each exchange transaction which takes place on a market must also be taken into account.” [2-no. Os sublinhados são do autor desta dissertação].

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competitivas, para dar passo a novas relações transacionais e contratuais de mercado, num contexto de deregulation e fragmentação industrial e comercial (p. 109). Nesse novo contexto, além das características técnico-econômicas da indústria elétrica, um elemento fundamental, a estudar e incorporar na análise dos autores, é a transação contratual, a partir dos elementos analíticos e teoria desenvolvida e denominada por Oliver Williamson -no marco de pesquisa da NEI- como Economia dos Custos de Transação (ECT).56 Da qual, uma síntese dos elementos analíticos básicos, e principais implicações teóricas e praticas, apresentam-se no trabalho de O. Williamson de 1993. Explica o autor no referido trabalho: “Transaction cost economics adopts a comparative contractual approach to the study of economic organization in which the transaction is made the basic unit of analysis and the details of governance structures and human actors are brought under review.” (O. Williamson, 1993, p. 91). O qual é feito com um enfoque micro-analítico por meio do qual se estudam os três aspectos básicos que conformam o corpo analítico central da ECT de O. Williamson: as suposições comportamentais, os atributos das transações, e as process futures ou transformação fundamental.57 As suposições comportamentais da ECT são de dois tipos, uma fraca e uma forte, a do primeiro tipo consiste em assumir que os agentes humanos detêm racionalidade limitada (bounded rationality), o que significa que -de fato, a informação acerca das transações é incompleta, e por tanto, que a incerteza é condição dominante no desenvolvimento das transações; e a do segundo tipo estabelece que, o oportunismo, isto é, a procura pelo interesse próprio, orientará e conduzirá aos agentes humanos na realização das transações. Levado o anterior ao campo das transações contratuais do mundo real,58 estas duas suposições implicam que os contratos deverão ser desenhados para lidar com a incerteza, limitar o oportunismo e proteger aos agentes dessas possíveis ações oportunistas: “Given bounded rationality and opportunism... The following imperative is therefore proposed: organize economic activity so as to economize on bounded rationality while simultaneously safeguarding the transactions in question against the hazards of opportunism.” (O. Williamson, 1993, p. 93).

56 No amplo campo de pesquisa da NEI, uma das correntes principais é a da ECT. Duas referências acerca das correntes e variantes de pesquisa da NEI e da ECT, são: Brousseau e Glachant (2002, cap. 1) e Furubotn e Richter (1998, cap. 4). 57 Uma descrição mais ampla e detalhada desses três aspectos básicos é apresentada em Williamson (1989, cap. 2). 58 A carência de ‘realismo’ é uma das críticas da NEI às abordagens teóricas tradicionais da micro-economia ortodoxa, ver ao respeito Winter (1993).

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Os atributos das transações surgem das diferenças existentes entre as diversas transações e os atributos que as caracterizam. Distinguem-se três atributos fundamentais nas transações: a freqüência com que elas acontecem, o grau e tipo de incerteza à qual estão submetidas ou são objeto, e a especificidade dos ativos das transações. Dos quais, o último é o de maior relevância, tanto para a ECT quanto para a análise da indústria elétrica, toda vez que a especificidade faz referência à facilidade ou viabilidade com que um ativo pode ser reempregado em usos alternativos ou por usuários alternativos sem detrimento ou sacrifício do seu valor produtivo; de tal forma que guarda estreita relação com a noção de custos fixos (O. Williamson, 1989, p. 94), que como se viu nas características ii e iii acima, são consideravelmente elevados nos investimentos em infra-estrutura elétrica. A implicação principal da especificidade de ativos, é o efeito de dependência que gera entre os agentes submetidos a transações com esse atributo em condições de incerteza:59 “…, the identity of parties to a transaction that is supported by nontrivial investments in durable, transaction-specific assets is critical. In effect, parties of the latter kind are bilaterally dependent. The intertemporal governance of contractual relations is greatly complicated as a consequence of this condition.” (O. Williamson, 1993, p. 94). Finalmente, a transformação fundamental faz referência à importância das considerações ex ante e ex pos das transações contratuais na análise da concorrência e da organização econômica. Explicitamente, diz respeito ao caso geral em que uma condição inicial de efetiva ou potencial concorrência, se transforma ou evolui, após, principalmente em casos de especificidade de ativos, pelas implicações acima assinaladas, para uma condição de contratação ou transação bilateral: “..., the argument is that it does not suffice to demonstrate that a condition of large numbers competition obtains at the outset. It is also necessary to examine whether this continues or if, by reason of transactions specific investments and incomplete contracting, a condition of bilateral trading evolves thereafter. The governance of contractual relations … is massively influenced wherever ex post bilateral monopoly predictably obtains.” (O. Williamson, 1993, p. 94). À luz das anteriores contribuições da ECT, os elevados custos fixos, próprios dos investimentos específicos das infra-estruturas e componentes dos sistemas elétricos (características ii e iii, acima), junto com a inexorável condição de incerteza da

59 “Siempre que los activos son específicos en grado no trivial, el incremento del grado de incertidumbre hace más imperativo que las partes elaboren un sistema para ‘resolver las cosas’, ya que las brechas contractuales serán mayores y las ocasiones de adaptaciones secuénciales aumentarán en número e importancia a medida que se eleve el grado de incertidumbre. También surgen ahora, como sería de esperarse, las preocupaciones por las incertidumbres conductistas…” (O. Williamson, 1989, p. 69).

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demanda agregada de eletricidade (característica iv), principalmente; explicam a tradicional organização verticalmente integrada da indústria elétrica: 60 “…dada la necesidad de afrontar la racionalidad limitada y el oportunismo, es inevitable que se hagan algunas evaluaciones institucionales comparadas de los atributos adaptables de estructuras de gobernación alternativas.” (O. Williamson, 1989, p. 66); “..., a medida que los activos humanos y físicos se vuelven más especializados para un uso singular, y por lo tanto menos transferibles a otros usos, las economías de escala pueden realizarse tan plenamente por el comprador como por un proveedor externo. La elección del modo de organización dependerá entonces por entero del modo que tenga superiores propiedades de adaptación. …, las transacciones muy idiosincrásicas se caracterizan por la constancia de la identidad en la interrelación aunada a una adaptación extensa del precio y de la cantidad. La contratación del mercado deja su lugar a la contratación bilateral, la que a su vez se ve sustituida por la contratación unificada (organización interna), a medida que se profundiza progresivamente la especificidad de activos.” (O. Williamson, 1989, p. 86. [1-no]); “It seems to us that generation investments or generation-transmission investments that become part of an integrated power pool have important transaction-specific idiosyncratic characteristics. The conditions are ripe for very costly opportunistic behavior, especially after a plan is built. The sizes of the investments implies that the costs of opportunistic behavior could be substantial.” (Joskow e Schmalensee, 1983, p. 123). Por conseguinte, quando se decide desfragmentar a estrutura vertical e organização interna da indústria, para, por meio do mercado realizar as distintas transações, estas serão provavelmente governadas por meio de complexos contratos de longo prazo (Joskow e Schmalensee, 1983, p. 120), como de fato é evidenciado por Joskow (1993, p. 130) no caso particular da indústria elétrica: “When vertical integration is not chosen, unusually long detailed contracts are used to support exchange. These contracts usually involve thirty-five-year commitments by the buyer and seller to the terms of the future trade.”. As características e implicações práticas dessas relações e transações contratuais na indústria elétrica, nos diferentes cenários e contextos de deregulation, constituem um dos principais e mais relevantes aportes do trabalho de Joskow e Schmalensee à análise das reformas à indústria e setor elétrico.

60 Evidência e suporte empírico acerca da relação entre especificidade de ativos e organização vertical na economia, incluindo evidência no caso da organização da indústria elétrica, é apresentada e discutida por Joskow (1993): “The development of more specific theories of the firm and contractual relationships between firm is now being followed by more and more empirical work. This work generally provides strong empirical support for the importance of transactions cost considerations, especially the importance of asset specificity, in explaining variations in vertical relationships.“ (p. 133).

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Características e implicações das relações e transações contratuais na indústria elétrica num contexto de desregulamentação. Diversas relações e transações contratuais surgem, em distintos níveis, de acordo aos blocos ou segmentos entre os quais se estabelece a relação contratual, o qual depende da forma em que é reestruturada e desfragmentada a indústria, ou nos termos de Joskow e Schmalensee, de acordo ao cenário de deregulation (cap. 8). No entanto, em comum, distinguem-se na análise dos autores, três níveis básicos nos que se realizam as relações e transações contratuais: no financiamento de novos investimentos em infra-estrutura de oferta para geração elétrica, entre as empresas de distribuição e os power pools, e entre o pool e os blocos de oferta de geração. No primeiro nível, agregam os autores, é impossível definir com precisão os termos contratuais para o financiamento de infra-estrutura de oferta em determinado cenário de deregulation, mas sim assinalar as características e termos das transações, e os problemas de oportunismo que terão de se lidar, pelo menos nas primeiras etapas do desenvolvimento do mercado (p. 134-138). Um primeiro aspecto diz respeito aos termos necessários para financiar esse tipo de investimentos (específicos, de elevados custos fixos iniciais, importantes economias de escala) num ambiente de mercado aberto (unregulated market) onde o comportamento oportunista é um problema serio. Isto implicaria estabelecer contratos de longo prazo, promessas de compra-venda por quantidades mínimas de capacidade e ou energia, e formulas complexas de administração e distribuição de riscos de custos. O segundo aspecto trata da necessidade de promover e assegurar, conjuntamente, a integração física dos componentes de geração no sistema e sua ‘subordinação’ técnica (controle técnico, coordenação de programas de mantimento, parâmetros de operação) ao pool central, garantindo o não comportamento oportunista por parte do pool. E o terceiro aspecto são os termos ou formulas para, ao mesmo tempo, evitar possíveis deficiências técnicas e econômicas (promover a segurança, confiabilidade qualidade do serviço e o despacho economicamente meritório)61 dos investimentos e proteger ou compensar dos seus efeitos aos usuários e demais agentes.

61 “The contract might provide that payments be made under the formulas specified previously or payments will equal the sum of a pool spot transaction price (system lambda) times the quantities supplied, integrated over each period power is supplied or promised, whichever is higher. This provision has attractive efficiency properties.” (Joskow e Schmalensee, 1983, p. 136).

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No entanto, acerca dos contratos que surgiriam em vista de considerar os anteriores três aspectos, para financiar esse tipo de investimentos, os autores advertem: “The efficiency properties of these kinds of contracts are far from being ideal, but there are no obvious alternatives that are superior replacements for vertical integration given all of the relevant characteristics of power supply transactions. These transactions often do not lend themselves to simple or ideal market contractual relationships.” (p. 137). No segundo nível, o aspecto crucial que entra na arena da discussão, é o do papel intermediário e central (em ambos tipos de transações, físicas e comerciais) da transmissão, a qual, pelo potencial risco oportunista, em razão da sua posição (“The transmission-pooling entity plays a critical integrating role here in getting an efficient system built and operated. …, it must serve this integrating function by negotiating appropriate contractual relationships with both distribution companies and generating companies.”, p. 139; “The transmission-pooling entity is both a monopoly supplier to the distribution companies and a monopsony buyer from existing or potential generating companies.”, p. 140), numa estrutura desfragmentada, deverá funcionar e operar como entidade independente. Dadas essas funções, inerentes à sua posição no contexto da deregulation; a transmissão, como entidade independente (TCEI), haverá de coordenar e intermediar nas relações de caráter físico (nas suas funções operativas: integrating, getting an efficient system built and operated), e de caráter financeiro (nas suas funções comerciais e contratuais: negotiating appropriate contractual relationships), que se estabelecerão com, e entre os segmentos complementares da cadeia industrial: oferta e distribuição; tendo, ao mesmo tempo, a função-objetivo de procurar e promover a eficiência econômica em ambas os fatores e temporalidades no início assinalados, isto é, nos custos de produção e preços finais de energia elétrica, de curto e longo prazo. O anterior significa que a TCEI terá de conciliar a centralização física, imprescindível nas suas funções operativas, com a descentralização financeira requerida para a realização de todas as relações comerciais e contratuais que terão de surgir entre todos os diferentes blocos e segmentos da cadeia industrial (“Indeed allowing and even encouraging distribution companies to make financial arrangements with generating companies with which they have no direct physical relationship is essential to ensure that a truly competitive bulk power supply market emerges. By providing the option to distribution companies to contract separately for power, we create the threat of potential entry that represents a real competitive threat to the pool...”, p. 141). Lidando, além, com os sérios problemas de informação que implicam essas tarefas, e tendo de se garantir o comportamento não oportunista da TCEI.

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No terceiro nível, as considerações dos autores (p. 146 e 147) referem-se a aspectos descritos nas características v e vi acima, considerados também nos outros dois níveis, e que condensam, à sua vez, as características das relações contratuais e comerciais físicas e financeiras nos três níveis básicos, isto é, num contexto de deregulation e reestruturação industrial caracterizado por (1) condições de oportunismo dos agentes, risco do mercado, incerteza da demanda e incompletude de informação; por meio de complexas relações contratuais de curto e longo prazo, além do financiamento dos investimentos, deve se assegurar, por uma parte, (2) a centralização necessária para a integração física dos componentes, a operação segura, confiável e com qualidade do sistema, e o despacho economicamente meritório; e por outra, promover a (3) descentralização financeira suficiente para a realização de todas as relações comerciais e contratuais, necessárias para comportar, no curto e longo prazo, preços finais de energia elétrica baseados ou articulados em custos marginais de produção. Evidentemente, o anterior representa todo um desafio para os policy makers encarregados de desenhar e desenvolver tais reformas, para quem, a primeira questão a resolver seria: em função dos objetivos perseguidos, quais as implicações desse universo contratual que surge num contexto de deregulation e reestruturação? Dado que o objetivo é o de comportar preços finais de energia elétrica baseados ou articulados em custos marginais de produção, a resposta à questão levantada se relaciona com a superação das fontes e razões de ineficiência nos fatores e temporalidades descritos no início da presente seção. O qual implica desenhar -em termos de D. North- instituições e organizações apropriadas para lidar com as fontes e razões de tais ineficiências. Estas instituições e organizações podem se reunir em três grupos. 62 Um primeiro grupo de instituições e organizações é de caráter técnico. Essas instituições deverão assegurar a centralização necessária para a integração física e operação ‘ótima’ do sistema. Por tanto, implica a organização de uma hierarquia técnica central que, em vista da posição intermediária e central da transmissão, deveria ser desenhada a partir desta última, em condição de entidade independente (TCEI): “..., the absence of a transmission-pooling entity as a created in scenario 4 appears to complicate the structure and operation of an efficient power pooling system. ... Absent a separate transmission-coordination company as in scenario 4, cooperation between competing wholesale power companies seems essential for this system to work.” (p. 150). Adicionalmente, dado que esta organização, pela sua hierarquia central e suas funções de coordenação e intermediação na maioria de relações físicas, financeiras

62 O aprofundamento e discussão dos aspectos institucionais é o objeto do capítulo III.

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e contratuais teria a maior e melhor disponibilidade e acesso de informação, assim como a suficiente capacidade técnica, haveria também de realizar e coordenar, em alinhamento com regras e incentivos de regulação apropriados,63 o planejamento técnico e econômico de longo prazo necessário para explorar ao máximo possível as externalidades e economias disponíveis, garantindo assim, investimentos e alocações eficientes e oportunas de mínimo custo. O segundo grupo de instituições e organizações são as de caráter comercial e financeiro. Para promover a suficiente descentralização financeira, além da TCEI, requerida para a coordenação e intermediação nas relações (físicas e) financeiras e contratuais, requer-se desenvolver mecanismos e mercados, comerciais, financeiros e de capitais que facilitem e permitam a realização de todas as transações e oportunidades de negócio: “The fundamental issue here is whether a complete set of contracts can be written that specify physical commitments and financial arrangements that allow the power system to be operated efficiently. .... All we need is a perfect capital markets, point-to-point and minute-to-minute spot pricing based on social marginal cost, a futures market for generating capacity, a futures market for makeup power, a market for unit commitments and spinning reserves, a market for transmission services that yields efficient prices, and a host of other perfectly competitive markets.“ (p. 148). O terceiro grupo de instituições e organizações são as de caráter político, legal, jurídico e administrativo. Tais instituições deverão se ocupar das condições adversas, próprias da indústria elétrica (oportunismo, risco, incerteza, informação incompleta), as quais, como visto, se tornam mais severas num contexto de deregulation e reestruturação, o qual implica desenhar e estabelecer organizações de regulação, apelação e vigilância, que definam e fixem as regras, incentivos, mecanismos de compensação, punições e termos e instrumentos de negociação e arbitragem, que deverão ser considerados e incorporados nas relações e marcos contratuais, a fim de limitar o oportunismo dos agentes, diminuir os riscos do mercado, reduzir as incertezas e corrigir as assimetrias de informação. Destas implicações institucionais, deriva-se a primeira grande conclusão do trabalho de Joskow e Schmalensee. O sucesso das reformas requer de uma complexa e difícil combinação de concorrência e regulação, acompanhada de um cuidadoso desenho das estruturas industriais e instituições (e organizações) reguladoras, onde, estruturas e instituições, são estreitamente interdependentes (p. 212 e 213).

63 “…if regulation does not provide appropriate incentives, either too much or too little or generally inefficient transmission investments may be made. ….In addition regulatory incentives will have strong effects on whether the pool builds too little capacity (if allowed rate of returns is too low) or too much capacity (if the allowed rate of return is too high).” (Joskow e Schmalensee, 1983, p. 136. [1-no]).

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As demais conclusões da análise de Joskow e Schmalensee não conduzem a respostas simples ou absolutas, com relação à conveniência, eficácia ou modelo apropriado de reforma. Pelo contrário, explicam a visão conservadora e moderada dos autores ao respeito da deregulation e reestruturação como médio para introduzir eficiência econômica na indústria e setor elétrico: “There are numerous opportunities to remove or significantly relax regulatory constrains on wholesale power transactions without making fundamental changes in the structure of the industry.” (p. 220); “There are no simple solutions to the problems that plague the electric power industry. The problems are complex and the range of possible solutions wide. …. If deregulation is to play a role in helping to improve the efficiency with which electricity is produced and used, it must be introduced as part of a long-term process that also encompasses regulatory and structural reform.” (p. 221). Tais conclusões derivam-se de agregar às complexidades técnicas e econômicas, próprias da indústria e sistemas elétricos, as complexidades, incertezas, riscos, problemas de transição e tensões (por exemplo, “There is a profound tension between the competitiveness of an unregulated wholesale power market and the efficiency with which such a market supplies electric power in both the short run and the long run.”, p. 214) que, à luz das contribuições da ECT e das análises dos autores, caracterizam o universo contratual que surge no imprevisível processo e contexto de deregulation e reestruturação; como alternativa de substituição do que anteriormente feito central e verticalmente ao interior de uma mesma estrutura e organização industrial-empresarial. 2.3. ESTRUTURA DA INDÚSTRIA ELÉTRICA NA AMÉRICA DO SUL. O Quadro 2.3 resume os aspectos centrais que caracterizam as estruturas industriais dos países sul-americanos, dos quais, a maioria, com exceção do Paraguai e a Venezuela, têm iniciado e realizado algum tipo de reforma durante as duas décadas passadas. À primeira vista, distinguem-se dois modos básicos de organização industrial na região. O primeiro modo, monopólio público regulado integrado verticalmente, tradicional em todos os países sul-americanos durante boa parte do século passado, persiste de forma geral na Venezuela, no Brasil, e nas duas menores economias do cone sul, o Paraguai e o Uruguai; nas quais, a reduzida escala e tamanho do mercado, justificariam em primeira instância, a não abertura e reforma dessas indústrias. O segundo modo, mercado competitivo, que prevalece nas restantes seis nações estudadas, implicou o desenho e realização nesses países, de profundas reformas para abrir e reestruturar as indústrias, as quais, com exceção do Chile que iniciou as reformas à indústria nos 80, têm sido desenvolvidas com maior intensidade durante a década dos anos 90.

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Quadro 2.3. Aspectos gerais das estruturas industriais dos sistemas e mercados

elétricos sul-americanos 1999 – 2003.

Elaborada pelo autor a partir de informação da fonte. Fontes: Areiza et al. (2001), BID (The Power Sector in LAC Countries, On-line), Bielschowsky e Moguillansky (2000), CIER (2001), EIA (Country Analysis Briefs, On-line) e CEPAL (2004). Abreviaturas e Convenções: Segmento integrado vertical e, ou horizontalmente. Segmento reestruturado ou comercialmente separado. (m) Maior empresa no país, seja por capacidade, geração, ou participação no mercado. (N.D) Não definido. (pu) Públicas. (pr) Privadas. Notas: (*) Com exceção das nucleares e algumas hidráulicas que permanecem em mãos estatais. (**) Na atualidade, no Brasil esta se implementando um novo modelo setorial. Para mais detalhe ver Lock (2005) e Pinto Junior (2004). (***) A informação das fontes é contraditória, porém, infere-se que são três grandes grupos empresariais os que dominam a oferta de geração no Sistema Interconectado Central (SIC). A informação corresponde ao maior ou principal sistema interligado nacional de cada país (SIC, no caso do Chile). Na Colômbia e no Chile, apesar de terem uma estrutura industrial fragmentada, ainda existem integrações verticais regionais. A definição de Concorrência ou Oligopólio nos segmentos de geração reestruturados apóia-se nas análises das fontes e no critério do autor, porém, uma análise mais apurada poderia conduzir a definições diferentes. Entres os países do primeiro grupo que ainda ostentam monopólios públicos na organização de suas indústrias elétricas, com relativa exceção do Brasil, que tem iniciado a abertura e liberalização dos segmentos de geração e distribuição, as diferenças nas estruturas e modos de organização não são demasiado relevantes.

ConsumoFinal (Gwh)

per cap. (kwh)3665412

365188198366627

20206744

624772445

800262084

3297711860431572959701752

418952656

Organização - Propriedade# Empresas - % Participação Funções adicionais do ONT Contratação direta? - # UNRs

Organização - Propriedade

3 Total*** - (m) 60%Monopólio reg. - PrivadaMonopólio reg. - PrivadaOligopólio - Privada

Chile 1982 - 1986

Monopólio reg. - MistaMonopólio reg. - PúblicaOligopólio - Pública

Monopólio reg. - PúblicaNão

Uruguai

Sim - 220 (1998)-

1997 - N.D.

Sim - 1900 (2001)-40 Total - (m) 9%

Monopólio reg. - Pública

1993 - 1995

Sim - 0 (2001)

1989 - 1992

1 - 100%

PlanejamentoParaguai N.D.

Monopólio reg. - MistaMonopólio reg. - PrivadaConcorrência - Privada*

Sim - 376 (2004)Planejamento80% pu/20% pr Brasil**

Argentina

Monopólio reg. - PúblicaMonopólio reg. - PúblicaOligopólio reg. - PúblicaNãoPlanejamento5 pu/8 pr - 86%/14%

Venezuela 1999 - N.D.

Peru 1991 - 1994Sim - 226 (1999)-3 pu/5 pr - 49%/51%

Monopólio reg. - MistaMonopólio reg. - PúblicaConcorrência - Mista

Equador 1996 - 1999Sim - 5 (2001)-8 pu/4 pr - (m) 40%/(m) 10%

Monopólio reg. - PúblicaMonopólio reg. - PúblicaOligopólio - Pública

Colômbia 1994 - 1995Sim - 3000 (2001)Oper. Sist. e Coord. Mercado13 pu/23 pr - 41%/59%

Monopólio reg. - MistaMonopólio reg. - MistaConcorrência - Mista

Distribuição

Bolívia 1994 - 1995Sim - 4 (2000)-9 Total - (m) 34%

Monopólio reg. - PrivadaMonopólio reg. - Privada

Início de Reforma -

PrivatizaçõesConcorrência - Privada

Organização - Propriedade

Planejamento

País

Monopólio reg. - Pública

Monopólio reg. - Pública

Monopólio reg. - Pública

Monopólio reg. - Pública1 - 100%

Geração Transmissão

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Entretanto, no segundo grupo de países ‘reformistas’, as diferenças cobram maior importância. Um primeiro tipo de diferenças nesse segundo grupo é de caráter metodológico ou formal, as quais compreendem, por exemplo, diferenças nos tempos e períodos de licença e concessão para a administração e operação de ativos nos distintos segmentos; diferenças de metodologia e estrutura tarifária, ou diferenças nos umbrais de capacidade ou consumo para qualificar como usuário não regulado (UNR), ou seja, no limite (s) para poder contratar diretamente com os agentes geradores ou comerciais os serviços e fornecimentos de energia elétrica. Tais aspectos ‘formais’ são importantes, e em alguns casos determinantes, na performance do novo modelo (por exemplo, a estrutura tarifária tem impactos significativos nos incentivos ou barreiras para a realização de novos investimentos), porém, um segundo tipo de diferenças, de caráter estrutural, como a escala dos mercados e os arranjos e capacidades institucionais, são condicionantes e determinantes da organização industrial e configuração dos mercados. Essas diferenças explicariam -ceteris paribus- a priori, por exemplo, que no segmento de geração da Argentina, a diferença do Chile e o Equador, pelo menos desde o ponto de vista do número de agentes, tenha se conformado um mercado competitivo (ver Quadro 2.3); e que no segmento da demanda, a diferença da Argentina e da Colômbia onde o número de UNRs é alto (ver Quadro 2.3), na Bolívia, no Equador e no Uruguai, conjuntamente, esse número não seja superior à dezena. 2.4. IMPACTOS DAS REFORMAS ESTRUTURAIS E INSTITUCIONAIS SOBRE A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA. O objetivo neste trabalho, porém, não é interpretar a complexa dinâmica interativa de aspectos e fatores que determina tais diferenças estruturais num contexto de desregulamentação e reestruturação, o que precisaria de uma ampla e profunda análise, macro e micro dimensional, como a proposta por Pinto Junior (1999), a qual iria mais além do alcance desta dissertação. O objetivo desta seção se reduz em determinar, com base nos elementos analíticos da seção 2.2, quais as implicações da atual estrutura industrial sul-americana para uma futura integração energética regional. Especificamente, as questões que se tentam resolver são: primeiro, se é possível integrar as indústrias e sistemas elétricos regionais a partir das estruturas atuais, promovendo eficiência econômica em tais indústrias e sistemas; e segundo, em função da resposta à questão anterior, quais seriam as considerações, condições e implicações, para realizar uma integração energética regional que, pelo menos em teoria, conduza à eficiência econômica.

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2.4.1. Considerações metodológicas e analíticas. A análise a empreender, para dar resposta a essas questões, precisa antepor uma suposição básica que se relaciona com o discutido na seção 2.1 do presente capítulo. Além da complementaridade dos sistemas energéticos sul-americanos, existente de fato (seção 2.1.2), precisa-se supor que existe a suficiente disponibilidade de infra-estrutura de interconexão física entre os países da região (a qual é atualmente insuficiente segundo foi documentado), necessária para a irrestrita realização dos intercâmbios e fluxos energéticos possíveis entre eles; isto implicaria, à sua vez, supor que algumas barreiras geográfico-espaciais que caracterizam o subcontinente sul-americano têm sido superadas, 64 e finalmente, que a questão do financiamento e investimento conjunto em infra-estrutura energética tem sido resolvida. Das caracterizações da seção 2.2, e das contribuições empíricas e teóricas de Newbery, Joskow e Schamalensee, e da NEI-ECT, exploradas nas seções 2.2.1 e 2.2.2, extraem-se cinco conclusões e observações elementares, que sustentam a resposta da primeira questão e nos conduzem à resposta da segunda: i. Pelas características técnico-econômicas descritas, é no segmento da geração

onde se da efetivamente a possibilidade de introduzir concorrência, como alternativa para organizar eficientemente a produção de energia elétrica; isto é, com base em custos marginais de produção.

ii. Considerando que a existência de um nutrido número de agentes no mercado é

condição necessária para a criação de um estado de concorrência econômica, o potencial de concorrência na indústria elétrica depende, em primeiro lugar, do tamanho do mercado, ou seja, da escala e características da demanda agrupada de energia elétrica; e em segundo lugar, dos aspectos técnicos e tecnológicos que determinam a escala dos componentes de geração (usinas), e em decorrência, o numero potencial de agentes necessários para suprir essa demanda.

iii. Tendo se criado uma estrutura competitiva no segmento da geração de energia

elétrica, a sustentação do estado de concorrência econômica entre os agentes

64 Em comparação com a Europa continental ocidental, que tem uma dimensão muito menor, e por tanto, uma concentração urbana maior; as dimensões e distâncias internacionais na América do Sul são especialmente relevantes. Além, a região apresenta sistemas naturais particulares, como por exemplo a cordilheira dos Andes e a Amazônia, e as principais e maiores metrópoles sul-americanas estão, com algumas exceções, diametralmente alocadas sobre a extensão litoral do continente. O anterior assinala a importância de considerar e estudar as relações dos aspectos geográfico-espaciais com os aspectos econômicos e do desenvolvimento regional, para a discussão e análise da integração econômica regional. Duas referências no tema, especificamente sobre o caso do MERCOSUL, são Calfat e Flôres Jr. (2001) e Egler (2001). Um marco mais analítico e geral ao respeito é desenvolvido por Krugman (1991a e 1991b) e Martin e Rogers (1995).

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(produção eficiente) participantes precisa de duas condições básicas: garantir a conexão física e participação comercial dos agentes já instalados, e garantir o ingresso (ameaça) ao mercado de qualquer agente potencial que possa produzir ou fornecer o serviço de maneira eficiente (contestabilidade do mercado); o que implica, em termos exatos, garantir o livre e não excludente acesso, físico e comercial (ou financeiro), sobre e ao longo de toda a cadeia industrial. Por extensão, o livre acesso permite que os agentes finais (UNRs) possam estabelecer relações comerciais e contratuais diretas com os agentes geradores, instalados ou potenciais, em procura das melhores opções e oportunidades de custos e preços, criando-se dessa forma um mercado e comércio multilateral de energia.

iv. A desregulamentação e reestruturação da indústria elétrica representam custos

e benefícios que se relacionam, por uma parte, com as características próprias da indústria e sistemas elétricos, e por outra, com as características das relações e transações contratuais que governam a indústria e o mercado energético nesse novo contexto.

v. Além dos aspectos estruturais, a magnitude dos custos e benefícios, produto da

desregulamentação e reestruturação, variará de acordo com o desenho, disponibilidade e efetividade das instituições e organizações necessárias.

Se relaxarmos a suposição da disponibilidade de infra-estrutura de interconexão física, aproximando-nos da situação real intra-regional, teríamos para o caso energético, um cenário semelhante ao comercial, isto é, um bloco energético andino e um bloco energético do cone sul ou bloco MERCOSUL. 2.4.2. Condições para a integração energética. Nesse cenário, tendo como absoluta e irrestrita condição, o livre acesso, e em razão das complementaridades energéticas existentes, haveria em cada bloco um mercado potencial ou emergente para o comercio e transação de energia elétrica. No bloco andino, por exemplo, em determinados períodos ou horários, UNRs colombianos, de forma autônoma ou representados por agentes comerciais e de acordo às opções e oportunidades de custos e preços, teriam o incentivo econômico e a possibilidade física e comercial de contratar diretamente parte dos seus suprimentos de energia elétrica com agentes geradores, públicos ou privados, do Equador, do Peru, ou por meio dos mercados competitivos de geração desses países ou com o sistema público venezuelano. Da mesma forma, no bloco MERCOSUL, por exemplo, UNRs argentinos, teriam incentivos e possibilidades para contratar seus requerimentos energéticos com agentes geradores, e mercados ou sistemas vizinhos.

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A presença de incentivos econômicos (pelas complementaridades energéticas existentes) para realizar transações internacionais de energia, e a possibilidade física e comercial de realizá-las (garantida pelo livre acesso), indicam que, em tais condições e a partir das estruturas industriais atualmente existentes, é possível promover eficiência econômica nas indústrias e sistemas elétricos sul-americanos por meio de esquemas regionais de integração energética. O anterior responde afirmativamente à primeira questão levantada. Porém, a profundidade da integração e o grau de eficiência econômica, isto é, o sucesso da integração, depende de aspectos adicionais que precisam maior discussão. A profundidade ou intensidade da integração depende da escala e escopo das transações energéticas, ou seja, do tamanho, em numero de agentes e volume das transações, dos mercados potenciais ou emergentes a integrar. Do lado da oferta, isto depende, tal como mencionado na observação ii acima, da escala e das características da demanda agrupada de energia elétrica, e de aspectos técnicos e tecnológicos que à sua vez dependem, como visto na seção 2.2.2, dos incentivos do arranjo institucional prevalecente; e do lado da demanda, além da escala da demanda agrupada de energia elétrica, do grau de abertura e liberalização no segmento do uso final. No bloco andino, a Colômbia, quem ocupa a segunda maior demanda de energia elétrica, representa o maior número de agentes (39 agentes de geração e ao redor de 3000 UNRs), e o Peru, com a terceira maior demanda de energia do bloco, um numero consideravelmente menor (8 agentes de geração e 226 UNRs); entre tanto, os países de menor demanda, Bolívia e Equador (o Equador apresenta um oligopólio público na geração), ainda que representem um número significativo de agentes geradores (21), conjuntamente colocam um número muito reduzido de UNRs (não mais de dez em total). E a indústria elétrica da Venezuela, em razão da sua demanda (a maior do bloco), a que tem o potencial de representar o maior número de agentes participantes, permanece baixo regulação e integração vertical e horizontal. No bloco MERCOSUL, ao igual que no bloco andino, quem aporta o maior número de agentes é quem ocupa o segundo lugar de demanda de energia elétrica, neste caso, a Argentina (40 agentes geradores e 1900 UNRs); e no país da maior demanda, o Brasil, o grau de abertura e liberalização é parcial, por tanto, o número de agentes é bastante menor do potencial (oligopólio público na geração e 376 UNRs). No caso do Chile, apesar de representar uma demanda importante (a terceira do bloco) e ser pioneiro na abertura, liberalização e reforma do setor, aporta um número reduzido de agentes tanto na geração (3, oligopólio privado) quanto na demanda (220 UNRs). E finalmente, nos de menor demanda, Paraguai e Uruguai, a organização do setor é feita a partir de uma só empresa pública

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verticalmente integrada, e embora no Uruguai esteja permitida a contratação direta, até 2001 não existia ainda nenhum UNR. O grau de eficiência econômica refere ao nível de benefícios produto da reforma, isto é, do resultado dos custos e benefícios do qual se faz referência na observação iv acima. Como concluem Joskow e Schamalensee, esses custos e benefícios não são determináveis com antecedência (“... The problems are complex and the range of solutions wide...”), porém, como precisado na observação v, a magnitude desses custos e benefícios variará de acordo com o desenho, disponibilidade e efetividade das instituições e organizações necessárias (o que será discutido no capítulo III). De acordo com a análise de Joskow e Schamalensee, os dois fatores de eficiência (custos de produção e preços finais) devem ser considerados nas distintas temporalidades, o curto e o longo prazo. No curto prazo, devido a que as estruturas e infra-estruturas estão dadas, os possíveis ganhos de eficiência são reduzidos (mas não depreciáveis); entretanto, no longo prazo, sempre que por meio de um planejamento adequado e antecipado, a maioria de componentes e fatores são adaptáveis: da racionalidade dos investimentos em infra-estrutura depende a melhor exploração das externalidades e economias disponíveis (seção 2.2), por tanto, no longo prazo, por meio do planejamento dos investimentos, as possibilidades de ganhos de eficiência são maiores. Isto significa que a existência de instituições e organizações de coordenação e planejamento apropriadas é condição mínima necessária para a promoção da eficiência econômica. A experiência nórdica (como visto no capítulo I, o único caso bem sucedido de integração energética na Europa pela via do mercado) recente apóia o anterior. Nos anos 2002 e 2003, pelos incrementos acumulados da demanda, o mercado nórdico de energia tem visto esgotar sua oferta, tendo que encarar, pelos mecanismos de mercado e de acordo às sinais de preço, uma nova face de investimento em infra-estrutura de geração; necessária para suprir a satisfação sua demanda de energia elétrica. Segundo descrevem Finon et al. (2004), tais mecanismos de mercado e sinais de preço revelaram-se insuficientes e sócio-politicamente inviáveis (“It has been recognized that the Norwegian electricity market development was coming dangerously close to the social equity limits, ...“, p. 1356) para incentivar novos investimentos, de forma que o ‘mercado’ tem tido de encontrar soluções ou políticas alternativas, ao que os autores referidos denominam, challenges when electricity markets face de investment phase. Tais políticas alternativas, de acordo à descrição dos autores, podem se catalogar em dois grupos, um primeiro grupo corresponde a políticas de oferta, e o segundo corresponde a políticas de demanda. As do primeiro grupo se baseiam em mecanismos tradicionais centralizados de coordenação, integração, planejamento ou intervenção na oferta de geração; e as do segundo grupo, em alternativas descentralizadas de gestão ou auto-suficiência de

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demanda, que estão intimamente relacionadas com aspectos tecnológicos de produção limpa e políticas ambientais de desenvolvimento sustentável.65 No entanto, embora as alternativas do segundo grupo estejam ocupando posição de destaque nas políticas energéticas em diferentes nações e regiões, especialmente na política energética Européia (ver seções 1.2.3 e 1.2.4), e sejam complementares às políticas do primeiro grupo; suas soluções, por enquanto, são limitadas, dados a configuração centralizada dos sistemas elétricos e o papel primordial da energia no sistema econômico; de tal forma que, o mecanismo e instrumento básico para lidar com os desafios dos investimentos em infra-estrutura, num contexto de desregulamentação e integração de mercados, continua sendo o planejamento coordenado da oferta: “...in the context of an integrated market, such investments would have to be coordinated by all, unless one country alone should be willing to carry the burden of total system investment costs.” (Finon et al., 2004, p. 1361). A discussão ampla e detalhada, acerca das instituições e organizações de planejamento e coordenação (primeiro grupo), e das instituições e organizações do segundo e terceiro grupo (seção 2.2.2), é o tema do capítulo III. Aqui, entretanto, cabe responder a uma questão adicional com relação aos aspectos estruturais. Dado que incrementar a profundidade e intensidade da integração energética supõe-se desejável, e isto em boa parte depende do número de agentes nos mercados a integrar; não seria propício promover a reforma das indústrias elétricas mais reguladas e integradas como as do Paraguai, o Uruguai, a Venezuela e o Brasil? Nesse sentido, quais seriam os aspectos a considerar? 2.4.3 Extensão das reformas na América do Sul e considerações adicionais para a integração energética. Para dar resposta às anteriores questões é preciso fazer uma aclaração e distinção básica, que ainda que latente no precedente do texto e já desenvolvida na análise da seção 2.2.1, aqui resulta indispensável retomar. Tal como descreve Newbery, há duas formas básicas de substituir a coordenação, integração e planejamento central, para dar via ao mercado e introduzir eficiência no fornecimento de serviços na indústria: a desverticalização e fragmentação das atividades ou a abertura e liberalização do acesso na indústria verticalmente integrada. A primeira forma implica a reestruturação e fragmentação comercial da cadeia industrial antes verticalmente integrada (como no caso da Bolívia, a Colômbia, o Equador, o Peru, a Argentina e o Chile, na América do Sul, e do RU na Europa), ou seja, a realização de uma profunda reforma estrutural na indústria. A segunda

65 Na América Latina existem oportunidades, e um potencial importante, para o desenvolvimento de tecnologias limpas, no marco das políticas regionais e mundiais para o desenvolvimento sustentável. Das quais, muitas delas se relacionam com alternativas descentralizadas de gestão e auto-suficiência de demanda de energia elétrica. Ver ao respeito, Orjuela (2003).

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forma só requer de abrir e garantir o livre acesso ao sistema, mas não implica o fim ou reestruturação da organização verticalmente integrada da indústria (como no caso do Brasil e o Uruguai na América do Sul, e dos países nórdicos na Escandinávia). Pela primeira forma, procura-se constituir um mercado competitivo na oferta, de tal forma que, de acordo à observação ii acima, sua aplicação e sucesso esta condicionado, em primeira instância, pelos aspectos estruturais (escala e características) da demanda de energia elétrica. Em câmbio, dado que pela segunda forma só se procura introduzir pressões competitivas na indústria para promover a eficiência econômica ao interior do sistema, sem renunciar aos benefícios da integração (coordenação e economias); independentemente da escala da demanda, a única condição para sua efetiva aplicação é garantir o acesso físico e comercial (ou financeiro) de qualquer agente externo ou potencial que possa fornecer o serviço de maneira eficiente. Os casos do Paraguai e o Uruguai são representativos da segunda forma. O Paraguai, pela sua participação na usina binacional Itaipu (a de maior capacidade do mundo), além de ter uma demanda pequena, tem excedentes consideráveis de oferta de energia elétrica, e o Uruguai representa uma demanda agregada bastante reduzida. De forma que, por razões de escala (e de excesso de oferta no caso do Paraguai), a integração vertical é a mais eficiente forma de organização industrial para tirar proveito das economias de escala disponíveis (“A power system with a maximum demand of 2.5 GW may not be a viable market for more than one seller... In a small system and in a sector not located in a labor market replete with such skills, this may prove difficult if not impossible to implement. It also means abandoning the scale economics associated with a single entity…”, Pabon-Agudelo et al., 2004, p. 23; “Integration is a matter of degree rather than a binary choice between zero and 100 percent.”, Michaels, 2004, p. 21),66 e o livre acesso a melhor opção para promover a eficiência econômica nessas indústrias.67 O caso venezuelano e brasileiro é diferente. Evidentemente, pela escala dos seus consumos de energia elétrica (dos maiores da América do Sul. Ver Quadro 2.3), o 66 Michaels (2004) faz, além, uma ampla revisão de pesquisas (11 estudos publicados) que analisam e quantificam os custos de produção e economias associadas à integração vertical na indústria elétrica. A amostra de utilities analisadas na literatura explorada pelo autor, compreende um total 800 utilities norte-americanas e japonesas entre os anos 1970 e 1997. Apesar de aspectos metodológicos que podem ser questionáveis, e de que as conclusões poderiam parecer em princípio triviais, a evidência empírica aportada acerca dos benefícios da integração vertical é importante: “With only one questionable exception, all of the studies find that vertical integration reduces costs. Among the others, only one author finds no statistically significant cost complementarities between generation, transmission, and distribution.” [2-no]. 67 As assimetrias econômicas e de escala, e os aspectos geográficos (Krugman, 1991a, 1991b) diferenciais dos países pequenos, devem ser considerados na análise da integração econômica (e energética) regional. Duas referências específicas que analisam o caso do Paraguai e o Uruguai dentro do MERCOSUL, são: Bittencourt e Masi (2001), e Abreu (2000).

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potencial para a introdução de concorrência nas indústrias elétricas desses países é indiscutível. Nesse caso, de se realizar a desregulamentação e reestruturação dessas indústrias, constituindo mercados competitivos na oferta e mercados abertos na demanda (opção de contratação direta para UNRs); pelo incremento no número de agentes e a ampliação em escala e escopo das transações energéticas, a integração energética regional veria se favorecida tanto em profundidade quanto em grau de eficiência econômica. Porém, contrário à tecnocracia sugerida e desejada por acadêmicos, pesquisadores e policymakers, as decisões nacionais ao respeito das reformas, sejam da primeira ou segunda forma, são tomadas no âmbito das instituições e processos democráticos, ou seja, continua sendo uma decisão de caráter político, sujeita ao jogo partidário e burocrático; como foi no caso das reformas e privatizações (incluída a da indústria elétrica) empreendidas na América Latina a partir dos anos 80 (Manzetti, 1994). Nesse processo político de reforma, entretanto, além dos atores e instituições nacionais; como descrito no início do capítulo, participam e interagem também as instituições internacionais e multilaterais (como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial; Bielschowsky e Moguillansky, 2000, p. 130). Após das guerras, dada a importância da energia -especificamente da energia elétrica- nas concepções vigentes do desenvolvimento econômico e as relações que de fato existem entres esses dois conceitos (energia e desenvolvimento),68 e pelas especificidades e custos dos investimentos, o Banco Mundial desempenhou um papel preponderante no financiamento da expansão da indústria elétrica na América Latina. No novo contexto após os anos 70, o partir dos novos critérios e ainda que em escala mais reduzida, o Banco Mundial junto com o BID, além de exclusivamente financiar investimentos em infra-estrutura energética, orientam e concentram suas estratégias na reorganização estrutural do setor, isto é, na realização de reformas profundas (reestruturação industrial, fragmentação comercial, e introdução interna de concorrência) com base nos argumentos conhecidos de eficiência econômica e produtividade (Pinto Junior, 1994; BID, 2000). Porém, acima de tudo, além dos aspectos e argumentos técnicos e microeconômicos (como os argumentos ‘economicistas’ de promoção e benefícios em termos de eficiência econômica e produtividade, esperados com as reformas), as decisões dependerão -de fato, é o lógico- de considerações mais amplas, relacionadas com: os impactos fiscais das privatizações (Castelar Pinheiro e Schneider, 1994), a economia política (Cano, 2000) e os aspectos sociais e políticos das reformas (“It is quite clear that our ability to make radical change depends on the way in which beliefs have evolved in society, and the degree to which sets of

68 Ver Orjuela (2004).

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beliefs are amenable to the kinds of changes that we think are essential”, North, 1999, cap. 9: ‘Privatization as an Example’; “Optimal ‘deregulation’ can therefore vary widely across countries, and at the same time may require broad political or social reforms.”, Brousseau e Glachant, 2002, cap. 1, p. 23; “... conception of the difficulties involved –the scale and scope of needed changes and the implication of reforming the ‘ground reality’ of the physical, social, legal, commercial, and political constrains.”, Pabon-Agudelo, 2004, p. 21), os equilíbrios e impactos políticos, distributivos e eqüitativos da regulação e desregulamentação (Peltzman, 2004); e em fim, com o impacto das reformas no -e nas estratégias de- desenvolvimento econômico e social das nações (as mudanças estruturais e reguladoras, produto das reformas, têm impactos potencias no crescimento econômico, no bem-estar, na distribuição do ingresso, no meio ambiente, nas atividades de P&D e na difusão de tecnologias; Joskow, 1998), o qual, a priori, não é possível prever nem determinar. Por tanto, dada a complexidade do processo decisório e a multiplicidade de atores, interesses e objetivos comprometidos, é difícil antecipar o futuro das reformas nos países hoje em dia mais regulados e integrados, e incluso, não é descabelado pensar ou prever possíveis regressões no curso das reformas em alguns países da região. Como por exemplo no caso da Bolívia e o Equador, onde, além da intricada conjuntura política, social e institucional recente, e o descontento popular com as privatizações das suas indústrias de infra-estrutura e de energia;69 a reduzida escala dos seus mercados e demandas de energia elétrica (a da Bolívia é a menor de toda a América do Sul) não explica o porquê da realização de reformas estruturais tão profundas (ver Quadro 2.3). Assim, finalmente, dado que a condição mínima necessária para a integração energética regional a partir das estruturas industriais atuais, é o livre acesso; a discussão se transfere a determinar qual a organização institucional mais adequada para, num cenário de integração dos sistemas e mercados regionais, garantir o livre acesso entre sistemas industriais de escalas diferentes e com níveis diversos de abertura e reestruturação. O qual será tratado no capitulo III junto com a discussão e implicações que se desprendem das observações iv e v anotadas nesta seção. 2.4.4. Organização empresarial da indústria elétrica.* Se, como de acordo ao anterior, diferenças de caráter estrutural como a escala dos mercados e os arranjos e capacidades institucionais, são condicionantes e

69 Ao respeito, ver por exemplo Gall (2004), Benavides (2004) e La Torre (2004). * Nesta seção se apresenta a evidência da organização empresarial recente na América do Sul e uma análise preliminar. Dado que essa nova organização empresarial do setor tem principalmente implicações institucionais, relacionadas com as políticas de regulação e de defesa da concorrência, a discussão e análise das suas causas, razões e efeitos, posterga-se para o capítulo III.

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determinantes da organização industrial e configuração dos mercados mesmos; as reformas econômicas e políticas empreendidas na América Latina a partir dos anos 80, e, especificamente, as reformas ao setor e indústria elétrica sul-americana, devem também ter produzido impactos e gerado mudanças na organização empresarial do setor, particularmente no concernente a mudanças patrimoniais, isto é, à presença do capital privado estrangeiro na conformação empresarial do setor, que têm conseqüências para a integração energética regional. Em efeito, como descreve Pinto Junior (1999), o novo cenário econômico internacional (mudanças nas dimensões macro institucional e micro organizacional) após as reformas (ver também as seções 1.1.2 e 1.1.3), tem obrigado às empresas do setor do mundo inteiro, especialmente às empresas mais globais, a mudar suas decisões e estratégias para se adaptarem com sucesso a esse novo contexto. A América Latina, após os programas de abertura e privatização iniciados a partir dos anos 80 (Quadro 2.3), tem sido foco de tais adaptações, particularmente de estratégias de diversificação e internacionalização de empresas de energia Norte Americanas e Européias. Na etapa recente de mudança, das duas décadas anteriores, as empresas transnacionais de energia têm iniciado dito processo de adaptação de forma muito dinâmica, se orientado principalmente em dois sentidos: a conglomeração empresarial do setor por meio de operações de F&A, e a expansão, deslocamento e diversificação das atividades produtivas e de serviços para outros mercados (internacionalização). Em ambos os sentidos, o processo tem sido intenso. Entre 1980 e 1999, o valor das F&A desenvolvidas mundialmente (operações domésticas e de cross border) cresceu a uma taxa anual de 42%; nas quais, os setores de eletricidade, petróleo e gás, movimentaram mais de US$ 320 bilhões em transações de vendas de empresas domésticas para empresas estrangeiras.70 Em quanto à presença estrangeira no setor, antes de 1985, o capital estrangeiro participava só marginalmente nas indústrias e setores elétricos latino-americanos. Em 2003, a participação estrangeira na oferta de geração superava o 80% no Chile, e o 50% na Argentina, com relação à capacidade instalada em cada país; e na distribuição de energia elétrica, nesse ano, empresas estrangeiras efetuaram mais do 50% das vendas de eletricidade da Argentina, e ao redor do 35% das vendas no sistema brasileiro (CEPAL, 2004, p. 165).

70 Informação da UNCTAD citada por Iootty e Pinto Junior (2004).

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Quadro 2.4. Investimento e presença estrangeira na indústria energética sul-americana 1999 – 2003.

Elaborada pelo autor a partir de informação da fonte. Fontes: Bielschowsky e Moguillansky (2000), CEPAL (2004), EIA (1996) e Pinto Junior (1999). Abreviaturas e Convenções: A natureza legal ou comercial desses investimentos pode ter mudado recentemente como resultado de operações de F&A’s. (A.L.) América Latina. (Ge) Geração de eletricidade. (De) Distribuição de eletricidade. (Gn). Indústria de gás natural. Notas: (*) Empresas cujo núcleo empresarial é na área dos hidrocarbonetos. (**) Tais empresas apresentam diferenças de nomeação e siglação entre as diferentes fontes empregadas. (a) As empresas inicialmente chilenas Enersis e Endesa Chile, são na atualidade subsidiárias de Endesa. (b) A antigamente empresa estatal Argentina YPF, foi adquirida por Repsol. O nome completo das empresas sigladas pode ser consultado na lista geral de Siglas. Como resultado desse processo, nas últimas décadas tem se presenciado o surgimento de mercados de energia de verdadeira escala global, onde a concorrência não só se da entre empresas transnacionais, mas também entre as hoje em dia empresas transregionais (Electric Power Globalization and the Genesis of the Multinational Power Company; EIA, 1996, cap. 5), os Estados, grupos de interesse e instituições (Vogel, 1997); em função de um complexo jogo de objetivos estratégicos que toma lugar na escala hemisférica dos novos mercados. Por tanto, o Quadro 2.4 representa simplesmente informação factual, e mapeia só parcialmente a participação e organização empresarial estrangeira na indústria de

Ge De Gn Ge De Gn Ge De Gn Ge De Gn Ge De Gn Ge De Gn Ge De GnBrasil Petrobras*

ChilquintaGener

Canadá Hidro OntarioAES corp.CEICMSCXEI**DEI**Energy corp.Enron Int.HIESouthern Elec.

Bélgica TractebelEndesa (a)IberdrolaRepsol-YPF*(b)

França EDFPortugal EDP

Fran. - Bél. Total*

Investidor Países Andinos (CAN) Países Cone Sul (Mercosul)Colômbia Chile

País hospedeiro e Indústria-Segmento do(s) investimento(s)

BrasilEquador Peru Argentina

Espanha

Euro

pa

EUA

Chile

Região - País - EmpresaBolívia

A.L

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gás e eletricidade regional. Uma representação e mapeamento completo, implicariam desvelar toda a complexidade patrimonial e transversalidade setorial (as empresas de energia participam também em outros segmentos industriais, tais como equipamentos, desenvolvimento tecnológico, telecomunicações e saneamento básico como água, entre outros) transacional e transregional que, além, se desenvolve e muda dia a dia, produto das operações de F&A e da internacionalização dos mercados. Entretanto, apesar da parcialidade e incompletude da informação apresentada (Quadro 2.4), é possível fazer algumas observações básicas, preliminares ao capítulo III, e assinalar certos fatos estilizados acerca da presença estrangeira na indústria e a nova conformação empresarial do setor na América do Sul. As primeiras observações têm relação com os aspectos discutidos nas seções anteriores. A evidência empírica apresentada, confirma que o aspecto primeiramente determinante do potencial de concorrência na indústria é o tamanho do mercado ou escala da demanda agrupada de energia elétrica. Embora haja outros aspectos importantes a considerar, como a tecnologia e o arranjo institucional, os maiores hospedeiros de investimentos estrangeiros na indústria elétrica são os países de maior demanda agrupada que apresentem algum grau de abertura e liberalização industrial. Em ordem descendente, entre 1999 e 2003, a Argentina (segunda maior demanda regional, e com a indústria elétrica mais aberta e reestruturada) teve presença de ao redor de 14 grandes empresas estrangeiras, o Brasil (maior demanda e com uma indústria elétrica parcialmente aberta) 11, e o Chile (depois da Venezuela, quarta maior demanda e com a indústria elétrica aberta e reestruturada) 9 empresas. Em contraposição, nos países andinos, de menor demanda regional (com exceção da Venezuela), e ainda que com indústrias bastante abertas e reestruturadas, a presença das grandes empresas estrangeiras foi bastante menor (5 empresas na Bolívia, 3 empresas na Colômbia, 1 no Equador, e 7 no Peru). E como era de esperar, nos países com indústrias mais reguladas e integradas, como a Venezuela, o Uruguai e o Paraguai, independentemente do tamanho da demanda (a Venezuela tem a terceira maior demanda regional), os investimentos estrangeiros foram quase totalmente inexistentes. Com relação à origem das empresas investidoras, os países com maior presença na indústria elétrica sul-americana são os Estados Unidos e a Espanha, os quais têm a maior ‘proximidade e influência’ política, econômica e cultural com os países da região. E ao interior da região, as de maior projeção regional são as empresas -majoritariamente estatais- do setor, dos países de maior peso econômico (por PIB)

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de cada bloco: a brasileira Petrobras e a colombiana Interconexión Eléctrica S.A. (ISA).71 E finalmente, ao respeito das implicações da recente dinâmica empresarial da indústria energética mundial e da nova conformação empresarial na região, é importante observar que, da mesma forma como as empresas e os mercados têm adaptado suas estratégias ao novo cenário econômico internacional, fortalecendo suas operações e atividades empresariais e ultrapassando as fronteiras nacionais e regionais, as organizações e instituições regionais de regulação e defesa da concorrência para serem efetivas e competentes nesse novo contexto, deverão também adaptar suas políticas e instrumentos, e transcender as fronteiras e competências nacionais e regionais.

71 No Quadro 2.3 não se registrou a transmissão dado que é o segmento mais passivo dos mercados energéticos em ambientes desregulados. No entanto, na atualidade, ISA, além de ser a proprietária majoritária da rede de transmissão em alta tensão da Colômbia, e operar e administrar o sistema e mercado elétrico nesse país, é proprietária e operadora de ativos de transmissão no Equador e no Peru, e projeta se expandir aos demais países da região (ISA, 2005).

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III. A DIMENSÃO INSTITUCIONAL DA INTEGRAÇÃO

ENERGÉTICA NA AMÉRICA DO SUL

Como se mencionou na introdução do capítulo anterior e como se conclui das análises e discussões dos capítulos anteriores, a integração energética na América do Sul vai estar em boa parte determinada, nos próximos lustros, pelo desenvolvimento das transformações das estruturas econômicas e institucionais que cursam na região. Evidentemente, este capítulo se ocupa da discussão e análise das transformações e aspectos institucionais, especificamente, indaga acerca das condições institucionais necessárias para a integração energética regional na América do Sul. Falar de condições institucionais abre, não obstante, um panorama amplíssimo de possibilidades e aspectos a considerar, isto é, uma matriz considerável de instituições e organizações que de uma maneira ou outra intervêm na dinâmica da indústria elétrica, e mais ainda, quando o objeto de análise envolve várias nações num cenário de integração. Assim, a fim de delimitar e especificar o escopo da análise, apresenta-se na seguinte seção (3.1) uma discussão preliminar, a maneira de continuação desta introdução, na qual, com base nas observações e conclusões principais dos capítulos anteriores, examinam-se algumas apreciações e definições básicas e discutem-se criticamente as abordagens e aproximações da NEI como aplicação ao caso da indústria elétrica na América do Sul, para finalmente, definir o objeto das análises das seções ulteriores. 3.1. AS INSTITUIÇÕES DO SETOR ELÉTRICO NUM CONTEXTO DE REGULAÇÃO-DESREGULAMENTAÇÃO: A ANÁLISE NEO - INSTITUCIONALISTA. A pesquisa histórico-econômica de D. North (1990, 1999) sustenta que o processo de desenvolvimento econômico esta determinado dinamicamente pela estrutura institucional das sociedades, isto é, pela inter-relação e evolução das normas, regras, leis (instituições formais), percepções, crenças, condutas (instituições informais), e as organizações (entidades políticas, econômicas, sociais, etc) que dessa dinâmica institucional resultam. Como explica Coase (1991), a estrutura institucional afeta os custos de transação de uma economia e os direitos de propriedade que a regulam, e por tanto, de acordo com os elementos analíticos e

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desenvolvimentos da ECT de O. Williamson, esta -a estrutura institucional- é determinante da organização e performance econômica. A experiência européia, valida em boa parte, as conclusões da pesquisa de D. Noth. Como descrito no capítulo I, as então constituídas instituições e organizações européias de pós-guerra desempenharam um papel fundamental e preponderante na reconstrução das estruturas e infra-estruturas econômicas nacionais, no sucesso do desenvolvimento e crescimento econômico do primeiro período (anos 50 e 60), e nos desenvolvimentos posteriores da integração européia. E ao mesmo tempo, contrariamente, em quanto à integração energética européia; no terceiro e quarto períodos (anos 80 e 90), obstáculos e deficiências institucionais de caráter político e legal, entre outros aspectos, dificultaram seu progresso e consolidação. O caso específico da indústria elétrica reafirma as conclusões de D. North e ilustra bem a aplicação da teoria de R. Coase e da ECT de O. Williamson. Pelas características próprias da indústria elétrica (seção 2.2), particulares em comparação com outras indústrias; independentemente do modelo ou modo de organização, a elétrica precisa de instituições e organizações especiais para garantir seu funcionamento e operação de forma segura, confiável e econômica. Quando se decide ou opta-se por reformar a indústria (abertura, liberalização, reestruturação, introdução de concorrência) para substituir a tradicional integração vertical com a finalidade de promover eficiência econômica, substituem-se à vez as tradicionais transações ao interior da firma, para dar passo a novas relações transacionais e contratuais de mercado (seção 2.2.2). A procura, realização e sustentação de tais relações no novo contexto de desregulamentação e reestruturação, representam custos, custos de transação, diferentes de quando realizadas (as relações) ao interior de uma mesma firma (monopólio vertical centralizado no caso da indústria elétrica). A reestruturação, isto é, a fragmentação comercial, implica uma mudança e redefinição dos direitos de propriedade dos diferentes segmentos da indústria e entre os diversos e novos agentes participantes. Por tanto, haverá de se prover as instituições e organizações necessárias para, em termos de R. Coase, lidar com, e minimizar tais custos de transação (relacionados com as condições de oportunismo dos agentes, os riscos do mercado, a incerteza da demanda, e a incompletude de informação. Ver seção 2.2.2) e regular e garantir os novos direitos de propriedade da indústria consagrados nos contratos. Observou-se também, na seção 2.2, que o sucesso, tanto das reformas à indústria elétrica (magnitude dos custos e benefícios) quanto de uma eventual integração energética regional (profundidade e grau de eficiência econômica), além dos aspectos estruturais da dimensão econômica, dependerá do desenho, disponibilidade e efetividade de instituições e organizações adicionais.

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3.1.1. A análise Neo-Institucionalista da NEI e o caso sul-americano. Os anteriores aspectos conformam o corpo analítico do que se conhece como a análise ou abordagem Neo-Institucionalista. No caso da indústria elétrica, especificamente, da análise das reformas à indústria na Europa após os anos 80 (seção 1.1.3) e após a formulação dos MIE (seção 1.1.4); interpretações Neo-Institucionalistas têm sido desenvolvidas para explicar comparativamente a capacidade e desempenho das diferentes estruturas institucionais nacionais na implementação (feasibility) das reformas à indústria (Glachant, 2001; Perez, 2002a, cap. 3; Perez, 2002b). A estrutura e tipo de propriedade da indústria elétrica antes das reformas e o regime e instituições e organizações políticas do país (instituições formais), são os dois aspectos analisados em tais interpretações. Da sua análise conjunta e comparativa os autores conseguem explicar com sucesso as diferenças existentes entre os diferentes modos ou modelos de organização na indústria elétrica européia na última década; por exemplo, o resultado de um modelo amplamente aberto e reestruturado no RU, de um modelo intermediário na Escandinávia, e de um modelo mais integrado e regulado como no caso da Alemanha e a Bélgica (seção 1.1.4). No nosso caso de interesse: a integração energética na América do Sul, uma análise Neo-Institucionalista semelhante deveria indagar por exemplo, acerca da feasibility da integração energética regional, dadas as estruturas industriais (Quadro 2.3, seção 2.3) e institucionais nacionais existentes. Porém, para isso, haveria antes que precisar vários aspectos, como por exemplo, que tipo de integração, e quais os aspectos particulares a considerar no caso sul-americano. A priori, não parece muito útil definir com antecedência um tipo ou esquema específico de integração energética, desejado ou procurado, para o caso sul-americano. O que se determinou da análise e discussão do capitulo anterior foi que, no suposto da suficiente disponibilidade de infra-estrutura de interconexão física e pela presença de incentivos econômicos (pelas complementaridades energéticas existentes. Seção 2.1.2) para realizar transações internacionais de energia, em condições de livre acesso, é possível promover eficiência econômica nas indústrias e sistemas elétricos sul-americanos atuais por meio de esquemas regionais de integração energética; e que dois aspectos desejáveis e determinantes do sucesso da integração, sem se precisar ou pretender definir um tipo ou esquemas específico, são, a profundidade e grau de eficiência da integração, os quais, além dos aspectos estruturais analisados da dimensão econômica (capítulo II), dependem dos arranjos, arcabouços e condições institucionais.

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A profundidade ou intensidade da integração depende da escala e escopo das transações energéticas, ou seja, do tamanho, em numero de agentes e volume das transações, dos mercados potenciais ou emergentes a integrar. Nesse sentido, seria propício promover a reforma das industrias elétricas mais reguladas e integradas como as do Paraguai, o Uruguai, a Venezuela e o Brasil (ver Quadro 2.3), a fim de incrementar o número de agentes nesses mercados. No entanto, como se discutiu na seção 2.4.3, no caso do Paraguai e o Uruguai, por razões de escala, a integração vertical é a mais eficiente forma de organização industrial (e o livre acesso, a melhor opção para promover a eficiência econômica nessas indústrias). E nos casos da Venezuela e o Brasil, de se realizar a desregulamentação e reestruturação dessas indústrias, em razão do tamanho dos mercados e o número potencial de agentes, em efeito, a integração energética regional veria se favorecida tanto em profundidade quanto em grau de eficiência econômica. Assim, um aspecto a indagar enquanto à profundidade da integração seria acerca da feasibility das reformas à indústria elétrica em ambos países, a Venezuela e o Brasil; o qual poderia ser feito através de uma análise Neo-Institucionalista como a realizada por Glachant (2001) e Perez (2002a, 2002b) para o caso europeu. Porém, além da complexidade do processo decisório e a multiplicidade de atores, interesses e objetivos que haveria que considerar na análise (ver seção 2.4.3), há aspectos particulares no caso latino e sul-americano que limitam a aplicabilidade de uma análise desse tipo. A diferença da Europa, onde após das guerras -em geral- persiste uma maturidade, estabilidade e continuidade democrática e institucional, na última metade do século passado e ainda hoje em dia, a América Latina tem se caracterizado pela instabilidade e fraqueza democrática e institucional.72 O que significa e revela que, além das instituições formais que são, é claro, importantes e imprescindíveis na América Latina, as denominadas por D. North instituições informais, têm um papel relevante nas decisões e organização econômica e política da região. Por exemplo, uma observação comum dos três trabalhos dos dois autores para o caso europeu, é que em nações com estruturas institucionais ‘fracas’, haveria grande dificuldade ou inviabilidade para o acometimento e realização de reformas na indústria. No caso sul-americano, porém, apesar da instabilidade e fraqueza democrática e institucional, foram empreendidas rapidamente reformas profundas na indústria elétrica (e também em outras áreas econômicas. Ver introdução do capítulo II) em várias das nações da região. A explicação desse fenômeno obedece à natureza da tradição política latino-americana. Como descrevem e analisam Cardoso e Faletto (2004, cap. 5), Aggio

72 Ver Gall (2004) e PNUD (2004).

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(2003), e Lodola (2004); populismo, dependência, clientelismo, e o recentemente chamado neopopulismo, são características marcantes da forma e estilo de ação e organização política latino-americana. Ainda que com diferenças e singularidades em cada caso, estas características têm estado presentes na região, tanto na etapa de substituição de importações do primeiro e segundo período (anos 50, 60 e 70. Ver introdução do capítulo II), quanto nas décadas de 80 e 90, quando iniciadas as reformas econômicas, incluída a da indústria elétrica. Dois dos cinco atributos definidores dessa tradição política, citados por Lodola (2004, p. 20), ilustram o que tenta se ressaltar desta discussão: “3. uma forma de mobilização política vertical (isto é, de ‘cima para baixo’) que submete ou subordina mecanismos convencionais de mediação política.... 5. um uso sistemático e amplo de métodos redistributivos e clientelistas como instrumento político para obter apoio dos setores populares.”. Desse modo, a lógica e mecânica que caracteriza as relações políticas na Europa (segundo os cânones constitucionais e de acordo aos canais institucionais regulares), nas que se baseiam as análises Neo-Institucionalistas citadas, não aplica nem pode ser diretamente transposta para uma análise desse tipo no caso latino-americano, onde, além das organizações e instituições formais, as instituições informais particulares do populismo e o clientelismo tradicionalmente fazem parte do agir e decidir econômico e político. 73 Ainda que vários dos elementos analíticos e teóricos da NEI são incorporados na análise, por questões metodológicas como a acima discutida, além da inviabilidade de incluir no escopo desta dissertação toda a informação (instituições formais, informais e organizações) requerida para esse tipo de análise no caso sul-americano, uma abordagem de tipo Neo-Institucionalista desse tipo não será implementada na análise e discussão do presente capítulo. O objetivo não será o de indagar acerca da feasibility ou capacidade e desempenho das diferentes estruturas institucionais nacionais para implementar um esquema de integração energética, ou para realizar reformas tendentes ao aprofundamento ou incremento do grau de eficiência econômica da integração. O objetivo deste capítulo se centra em determinar quais as condições institucionais e organizações mínimas necessárias para promover a eficiência econômica num cenário de integração energética regional, a partir das condições e estruturas econômicas existentes. Em alguns aspectos a análise se assemelha a um exercício hipotético lógico-progressivo de construção e desenho institucional e organizacional. Não obstante, em outros aspectos, a análise se limita em plantar a discussão e questões 73 Aqui está se discutindo uma generalidade, que como é lógico, apresenta exceções e particularidades de acordo ao caso. Em efeito, tais tradições políticas não são homogêneas nem constantes historicamente ao longo do continente.

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básicas, sentar alguns lineamentos teórico-práticos e fazer algumas comparações analíticas úteis com respeito à experiência européia de integração energética. Da discussão inicial desta seção e das análises da seção 2.2 no capítulo anterior, observou-se que a (1) condição primeiramente necessária para a realização da integração energética e promoção da eficiência econômica, independentemente da organização ou estrutura industrial de cada país, é garantir o livre e não excludente acesso (físico e comercial) ao longo de toda a cadeia industrial e em toda a extensão do (s) sistema (s) e mercado (s) integrado (s). O acesso e coordenação física implicam definir regras operativas e parâmetros técnicos de acesso (instituições formais), e estabelecer organizações de caráter técnico e operativo, que com base nessas regras, coordenem o acesso físico e operação do sistema, cuidando à vez da segurança e confiabilidade do mesmo (instituições e organizações do primeiro grupo da seção 2.2.2). O acesso e coordenação comercial precisam de normas (instituições formais) e mecanismos e organizações através das quais se realize e coordene abertamente as transações, intermediações e compensações comerciais e financeiras do mercado, produto das transações e intercâmbios físicos de energia no sistema (instituições e organizações do segundo grupo da seção 2.2.2). A (2) segunda condição institucional surge da discussão acerca das condições para a promoção e grau de eficiência econômica da integração energética (seção 2.4.2). Dado que é no longo prazo onde se da a maior possibilidade de exploração das externalidades e economias disponíveis, isto exige a existência de instituições e organizações (critérios técnicos de planejamento, mecanismos e instrumentos de coordenação e de enforcement de informação) de planejamento apropriadas (instituições e organizações do primeiro grupo da seção 2.2.2). Ambos os grupos de instituições requerem ademais de um (3) suporte legal, jurídico e administrativo que permita definir os termos, instrumentos e mecanismos de apelação, negociação, punição, arbitragem e vigilância, que deverão existir perante possíveis contingências relacionadas com comportamentos oportunistas dos agentes e infração ou violação de normas, regras e termos dos contratos (instituições e organizações do terceiro grupo da seção 2.2.2). E finalmente, a partir do surgimento dos mercados de energia de escala global (Electric Power Globalization and the Genesis of the Multinational Power Company; EIA, 1996, cap. 5) e a nova organização e formação empresarial do setor elétrico sul-americano, no qual as empresas de capital estrangeiro têm importante e crescente participação (seção 2.4.4); a sustentação do estado de concorrência econômica entre os agentes na oferta (segmento da geração onde se da efetivamente a possibilidade de introduzir concorrência), (4) além de instituições e

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organizações de regulação e vigilância que definam as regras, incentivos e mecanismos de participação, controle e de defesa da concorrência, precisa-se de uma readaptação destas instituições e organizações (instituições e organizações do terceiro grupo da seção 2.2.2) a o novo cenário econômico internacional de globalização e adaptação estratégica (conglomeração e internacionalização) das empresas. São então esses quatro aspectos, os que de acordo às análises e discussões dos capítulos anteriores consideram-se como as condições institucionais minimamente necessárias para promover a eficiência econômica num cenário de integração energética regional, a partir das condições e estruturas econômicas existentes. As seções posteriores analisam e discutem esses quatro aspectos. Na primeira seção (3.2) as instituições e organizações de caráter técnico do primeiro grupo: acesso e coordenação física e planejamento de longo prazo; na segunda seção (3.3) as instituições e organizações de caráter comercial do segundo grupo: acesso e coordenação comercial; e na terceira seção (3.4), as instituições e organizações de caráter legal, jurídico e administrativo do terceiro grupo: suporte legal e jurídico, e a regulação, vigilância e defesa da concorrência. 3.2. INSTITUIÇÕES E ORGANIZAÇÕES DE CARÁTER TÉCNICO: acesso e coordenação física e planejamento. Como foi descrito na seção 2.2 do capítulo anterior, garantir o balanço instantâneo de energia elétrica no sistema no curto prazo de forma segura, confiável e econômica, isto é, assegurar a centralização necessária para a integração física (acesso) e operação técnica (coordenação) ‘ótima’ do sistema, requerem de um alto grau de coordenação técnica (e comercial) entre os diferentes componentes e seus agentes proprietários, o qual só poderia ser efetivamente realizado hierarquicamente através de uma organização de coordenação técnica, no nosso caso, uma organização regional de coordenação técnica (ORCT). O que tenta se determinar na presente seção é quais os aspectos a considerar na instituição dessa ORCT, a qual faça as funções técnicas de integração física (acesso) e operação (coordenação) num hipotético sistema energético integrado sul-americano. O primeiro aspecto a considerar é o técnico, ou seja, os aspectos técnicos envoltos nessas funções de integração e operação e as implicações econômicas; em segundo lugar, examinar como na Europa e em outras regiões, nos esquemas de integração energética, têm se organizado e realizado essas funções; e finalmente, a partir do anterior, quais as considerações para o caso sul-americano. Mesmo se mantendo a suposição, ainda que relaxada, da disponibilidade de infra-estrutura de interconexão física da seção 2.4.1, que se aproxima da situação real

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intra-regional (um bloco energético andino e um bloco energético do cone sul ou bloco MERCOSUL), haveria limitações de caráter técnico, características das indústrias e sistemas elétricos (que por serem mais detalhadas não foram mencionadas na seção 2.2), as quais representam o principal e primeiro desafio de uma ORCT num esquema de integração energética. Como é o lógico, as infra-estruturas de oferta (usinas) e interconexão (linhas de transmissão) que compõem os sistemas elétricos têm limitações físicas, técnicas e tecnológicas, que restringem o grau de flexibilidade e a operação dos sistemas elétricos, e dificultam e complicam a realização do balanço instantâneo de energia elétrica de forma segura, confiável e econômica. É numerosa a lista de limitações e considerações técnicas,74 no entanto, são pelo menos cinco as que devem ser mencionadas: Os componentes de geração (usinas) e uso final são ativos imóveis que estão

distribuídos e localizados especificamente numa amplitude geográfica de escala geralmente considerável. Por tanto, as linhas de interconexão que integram o sistema, interligando a oferta e demanda dos diferentes subsistemas regionais, cobrem geralmente longas distâncias.

A demanda agrupada de energia elétrica que determina a operação do sistema,

resulta da agregação de cada componente de demanda, os quais variam horária e sazonalmente em função de uma diversidade de fatores. De acordo à escala geográfica e distribuição urbana, comumente a demanda agrupada nacional se compõe de distintas e diversas demandas regionais subgrupadas.

As usinas de geração têm limites estritos de operação adicionais à sua

capacidade de geração (inflexibilidades), associados à tecnologia, ao tipo de combustível ou energia primária e a fatores geográficos e climáticos, entre outros. Por exemplo, a operação e disponibilidade de uma usina hidroelétrica num momento específico, e durante um tempo determinado, depende da ocupação da represa, ou seja, da pluviometria recente, da capacidade de barragem e do sistema hidrográfico próximo. E no caso de uma usina térmica, sua operação (ligação, geração, e desconexão) esta sujeita a um processo progressivo escalonado de aquecimento e preparação de caldeiras, turbinas, dutos e outros equipamentos, o qual chega a tardar horas.

As linhas de transmissão são desenhadas para operar (em condições normais)

numa capacidade específica chamada comumente de nominal. Porém, na operação, por condições estáticas (perdas) e dinâmicas (estabilidade), em

74 Ver Gross (1986).

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proporção direta com as distâncias, estas devem operar numa capacidade inferior à nominal (restrições).

Além dos eventos de indisponibilidade programados (manutenção de

equipamentos, etc), pela complexidade técnica e a dimensão geográfica, os sistemas elétricos estão sujeitos a eventos fortuitos (falhas técnicas e sistêmicas) que afetam a flexibilidade e operação do sistema, e que podem, incluso, chegar a comprometer a continuidade e qualidade do serviço.75

De tal forma que, um sistema energético integrado, ainda que interligado, é na realidade um sistema (e mercado) regionalizado e fracionado pelas limitações de operação e de transferência física de energia elétrica (congestions) impostas pelas dimensões geográficas, inflexibilidades, restrições76 e eventos dos sistemas elétricos. 77 O custo econômico -e em certos casos extremos, social- de possíveis racionamentos (descontinuidade do serviço) por causa da disfunção ou disjunção do sistema, é elevadíssimo. Por tanto, a prioridade da ORCT será a de garantir, ‘seja como for’, a continuidade e integridade do sistema (seguridade e confiabilidade); para o qual, dadas as limitações e considerações técnicas mencionadas, esta (a ORCT) terá de aplicar regras operativas (normas, prioridades operativas, medidas de contingência), e em muitos casos, arbitrar na aplicação das mesmas. No caso de uma indústria ou sistema integrado (em propriedade do Estado como antes dos anos 80 na Europa e na América Latina), o mesmo agente, por exemplo o Estado, é quem define e aplica para sim mesmo tais regras; de forma que, além do risco de falhas ou deficiências na sua definição ou aplicação e os custos econômicos associados, não há maiores riscos nesse caso. Porém, no caso de um esquema de integração energética entre indústrias verticais e (abertas e) segmentadas, como seria no caso sul-americano, onde participariam

75 “Modern society, because of its pattern of social and working habits, has come to expect the supply to be continuously available on demand. This is not physically possible in reality due to random system failures which are generally outside the control of power systems engineers.” (Allan e Billinton, 1984, p. 1). 76 Uma analogia com o sistema econômico poder ser feita a partir da noção de custo de transação de Coase. Da mesma forma como num sistema econômico sem custos de transação, as transações poderiam ser feitas livre e eficazmente por meio do mercado (sinais de preço) sem se precisar de mecanismos de coordenação especiais; num sistema elétrico sem inflexibilidades nem restrições, as transações energéticas poderiam se efetuar livre e eficazmente sem necessidade de mecanismos ou organismos de coordenação especiais. 77 Nas indústrias e sistemas elétricos, sejam regulados ou desregulados, dispõe-se de serviços complementares (ancillary services) para superar ou lidar com tais eventualidades. Num esquema de integração energética, tais serviços ajudariam a reduzir os riscos por efeito das inflexibilidades, restrições e eventos. Porém, em tudo caso, tais serviços só representam medidas complementares e auxiliares aos problemas derivados das limitações dos sistemas elétricos. Para mais informação ao respeito desses serviços em ambientes desregulados, ver Papalexopoulos e Singh (2001) e Outhred (2001).

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diferentes agentes, tanto privados quanto estatais, entra em jogo um novo agente, produto da reestruturação industrial, que ocupa um papel e posição central nas funções de integração física e operação técnica a nível nacional: os operadores nacionais da transmissão (ONTs). Além do risco de falhas ou deficiências em que poderia incorrer a ORCT, e os custos associados a estas, há um risco ou ameaça importante de os ONTs restringirem o acesso físico, restringindo à sua vez a livre concorrência, atuando com oportunismo (ver seção 2.2.2) para sim mesma ou para um terceiro agente na aplicação e arbitragem das regras e normas operativas. O problema da instituição da ORCT num esquema de integração, num contexto de regulação-desregulamentação, radica então em como eliminar ou minimizar esses riscos; o que implica analisar adicionalmente, o como regular suas funções de integração física (acesso) e operação técnica (coordenação) e como organizar os ONTs. Para dar resposta a estas questões será nos útil pesquisar e examinar como tem se lidado na Europa com esse problema específico. 3.2.1. Lições da experiência européia. Como antecipação à discussão, as análises precedentes do presente e anteriores capítulos e a experiência internacional examinada nesta seção, mostram que a questão do acesso físico depende de três aspectos interdependentes e inter-relacionados: a instituição da ORCT, o (s) modelo (s) de organização industrial, e a organização e regulação dos ONTs. Alguns aspectos pontuais de outras experiências de integração, e esses três últimos aspectos, são os analisados nesta seção. Instituição da ORCT. Desde os anos 50 do século passado, os países centrais do continente ocidental europeu instituíram com sucesso uma ORCT (criada em função das políticas de reconstrução das infra-estruturas promovidas com o Plano Marshall. Ver seções 1.1.1 e 1.2.1), denominada inicialmente como UCPTE, para coordenar e otimizar os recursos e fluxos das redes intra-européias de eletricidade. O sucesso da organização durante os dois primeiros períodos de pós-guerra (anos 50 - 70), explica-se na correlação e funcionalidade entre as instituições e organizações de coordenação e cooperação interestatal (OCEE, OCED e Conselho da Europa) e as estruturas econômicas nacionais baseadas em monopólios públicos verticalizados e centralizados em função do Estado, de acordo às políticas e modelo econômico vigente (ver seção 1.3).

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A partir do terceiro período (anos 80), com a mudança do cenário econômico internacional e modelo econômico das indústrias de infra-estrutura e serviços públicos (desregulamentação, abertura, reestruturação, concorrência), junto com a mudança do nome da organização (a partir de 1999 denomina-se UCTE), muda também o modelo de integração energética: a mera integração física entre monopólios públicos verticais evolui para uma integração comercial que envolve sistemas físicos, industrias verticais e fragmentadas, mercados e agentes públicos e privados. Nesse contexto aparecem os riscos mencionados parágrafos atrás (seção 2.2), de forma que, surge a questão de se são as instituições e organizações européias de coordenação técnica, adequadas e suficientes para lidar com esses riscos no novo modelo de integração. Essa questão é encarada por Glachant e Pignon (2003). Nesse trabalho não se faz referência nem se discute acerca da ORCT européia, nesse caso, a atual UCTE, presumindo-se então que essa organização cumpre adequadamente, quando menos, com as funções de operação técnica (coordenação). No entanto, pode se extrair da análise dos autores que a existência da organização, ou seja, a disponibilidade de uma ORCT (neste caso a UCTE), não é condição suficiente para lidar com os riscos assinalados, os quais dificultam a integração e livre acesso físico. Esta insuficiência se origina nos aspectos técnicos mencionados na seção anterior (inflexibilidades, restrições e eventos: congestions), que se manifestam e revelam criticamente no novo modelo de integração energética européia por razões de inadequabilidade e diversidade das estruturas e modelos industriais, e se agrava pelo que poderia se chamar de ‘fraqueza institucional’ da regulação européia: “By declaring or not ‘congestions’ at their borders, they are the TSOs [ONTs] who delimitate the actual size of the European integrated electricity market. …. European countries relying on a ‘Light Handed Regulation’ of transmission operation make a TSOs opportunistic behaviour more likely.” (p. 4). Por tanto, a questão da integração física (acesso) e operação (coordenação) ‘ótima’ do sistema, além da instituição da ORCT, relaciona-se com as estruturas e modelos industriais nacionais e a organização e regulação dos ONTs. Modelos nacionais de organização industrial. A partir da formulação dos MIE a mediados dos anos 90 (seção 1.1.4), a questão do acesso físico e sua organização, coordenação e regulação, tem sido um dos principais assuntos de debate e discussão dentro da agenda política energética da UE na última década. Dada a diversidade de modelos e modos de organização industrial que têm surgido e persistido na Europa a partir dos anos 80 (seções 1.1.3 e 1.1.4), evidentemente, o principal desafio das instituições européias na realização

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e efetivação dos MIE é o de ‘forçar’ a abertura e liberalização das indústrias mais integradas (principalmente o monopólio público francês, e em menor grau as indústrias elétricas da Bélgica e da Itália) para garantir dessa forma o livre e pleno acesso no mercado interno europeu de energia. O debate e discussão mencionados têm correspondido na realidade a um processo reiterado de proposta-contraproposta e negociação no âmbito das instituições do Triangulo Institucional da UE, sujeito às pressões, e em ocasiões, às ameaças de veto dos países potencialmente afetados (principalmente, a França) pelas decisões institucionais. A proposta inicial, da Comissão Européia, foi a do TPA; o qual implicaria a plena abertura, liberalização e fragmentação comercial-empresarial das industrias elétricas dos países membros, permitindo-se assim a realização direta e irrestrita de relações comerciais entre todos os agentes (aptos) do mercado e sistema unificado. Após o mencionado processo de iteração e negociação com as outras duas instituições, o Conselho e o Parlamento, a proposta inicial do TPA foi não obstante flexibilizada, até o ponto de considerar em 1995 a negociação dos TPA segundo o princípio de subsidiarity,78 e considerando também a possibilidade alternativa do SBM proposta pela França (Midttun, 1997b, p. 266-270).79 Finalmente, como se anotou na seção 1.2.4, a diretiva de 1996 para o mercado interno de eletricidade apesar de exercer pressão, instigar e orientar em direção à abertura e liberalização, resultou numa oferta indicativa de modelos (como o TPA e o SBM), esquemas de negociação e possibilidades legais, com base nas quais os países membro deveriam introduzir mais concorrência nos seus mercados de energia, incorporando uma nova arquitetura reguladora e industrial dentro dos prazos indicados. Porém, pelo menos até 2001, a França não havia introduzido ainda reformas significativas no seu monopólio público de eletricidade (EDF),80 e

78 “the principle that decisions should be made at the lowest possible level of a government or an organization, rather than always being made at a high level.” (© Macmillan English Dictionary). 79 “… applicable to large industrial customers: this was an agreement on competition between electricity suppliers for these large customers, but with the public utility maintaining the central control role of buyer for foreign power (administrative allowance).” (Poppe e Cauret, 1997, p. 220); “In the single-buyer model, the vertically integrated incumbent publishes transmission tariffs and must be prepared to buy from a buyer and sell to its contracted costumer, charging only the published tariff. In addition the transmission business must be informally separated (by ‘Chinese walls’) from other parts of the business (…) and must keep separated accounts (p. 179).….; it [o single-buyer] may then invite periodic tenders [geradores] …and the SB can then select the least cost bid [baixo esquemas de PPA] (p. 412).” (Newbery, 1999). O SBM é denominado pela Comissão Européia como ‘an import monopoly by another name’, segundo cita Midttun (1997b, p. 268). 80 Ao tempo que a França mantem sua reticência à abertura e liberalização comercial de EDF, esta se consolida como a maior empresa, tanto em escala quanto em escopo, da indústria energética européia (Glachant, 2002a, p. 32-38). Como resultado da sua estratégia de diversificação e internacionalização, antecipando-se segundo Poppe e Cauret (1997, p. 227) à possível modificação da sua posição monopolista no mercado interno de eletricidade; EDF tem intensificado desde 1998 a compra de ativos e investimentos (F&A) em empresas

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junto com a Alemanha (ainda que esta última mostra preferência pelo TPA negociado e opõe-se principalmente ao requerimento de uma organização reguladora independente), opõe-se às propostas e diretivas das instituições européias (Newbery, 2001, p. 92). Explicações à oposição e inércia às reformas em casos como o da França, a Alemanha, e da Bélgica e a Itália, passam pela análise dos aspectos institucionais, por meio de enfoques Neo-Institucionalistas como os descritos na seção anterior, e pela revisão da conceptual dimension (“... the debate’s deeper cognitive roots in national values and traditions”, p. 271) explorada por Midttun (1997b). Entretanto, o aspecto de maior importância e interesse com relação ao caso que nos compete, é o da aplicabilidade e implicações de um ou outro modelo (TPA - SBM) em esquemas de integração com escalas e estruturas industriais diversas, como é no caso sul-americano. Num esquema de livre concorrência entre agentes, o TPA é o modelo ideal toda vez que numa estrutura industrial segmentada são menores as possibilidades de colusão entre agentes. Pelo papel e posição intermediária e central da transmissão, tendo esta como uma TCEI, facilita-se a conexão e acesso físico dos agentes no sistema. Suas desvantagens se relacionam com os custos e riscos que resultam da segmentação da indústria, ou seja, perdas de economias de escala e riscos de mercado, respectivamente. Em conseqüência, sua aplicabilidade se limita aos casos em que a escala da demanda é do tamanho suficiente como para compensar as perdas de escala e desaproveitamento das externalidades como resultado da desintegração e descentralização. Em contraposição, o SBM aplica até mesmo em indústrias de escala de demanda reduzidas, e suas vantagens se derivam dos benefícios da integração e centralização em termos de economias de escala, exploração de externalidades, coordenação e planejamento de investimentos. A principal desvantagem é o risco de oportunismo para, num esquema de livre concorrência dependente das condições de livre acesso, limitar ou manipular o acesso e configurar mecanismos não competitivos (subsídios cruzados, compensação tarifária, preços predatórios) em benefício próprio, atuando em favor das indústrias internas ou empresas subsidiarias. A discussão entre os dois modelos, TPA (representa a reforma e reestruturação da indústria) e SBM (representa o tradicional monopólio público vertical), trata por tanto dos mesmos aspectos analisados nas seções 2.2.1 e 2.2.2, de forma que as conclusões acerca do caso sul-americano são as mesmas do capítulo anterior. No entanto, há dois aspectos fundamentais, os quais apresentam singularidades estrangeiras de pelo menos 11 países (9 europeus), atendendo (até 2002) ao redor de 43 milhões de usuários finais no mundo inteiro (Glachant, 2002a; Codognet et al., 2002).

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particulares em cada modelo e que determinam em ambos a efetividade e garantia do livre acesso: a organização e regulação dos ONTs. Organização e regulação dos ONTs. Num esquema de integração energética, baseado na livre concorrência, como já foi dito, pelo risco dos ONTs atuar de maneira oportunista em razão do seu papel e posição, independentemente do modelo adotado por cada país ou sistema a se integrar, é evidente que haverá de organizar de maneira especial este segmento (“Some form of guaranteed access to transmission facilities and associated coordination facilities seems essential for any scenarios of the deregulation to work to well.”, Joskow e Schmalensee, 1986, p. 195) para garantir o livre acesso físico dos agentes. A melhor opção nesse sentido é a reestruturação e organização da indústria para organizar o segmento como uma TCEI, como no modelo de TPA. No entanto, para organizar o segmento como TCEI, as opções se reduzem no caso do SBM, já que a integração vertical e centralização é a base mesma do modelo.81 Nesse caso (do SBM) surgem duas opções que representam os casos polares. A primeira é desestruturar parcialmente a integração vertical para organizar o segmento como TCEI (de forma semelhante como no modelo TPA), incorrendo, alias, em custos derivados -principalmente- de perdas de economias de escala, os quais, supõe-se deveriam ser compensados com os ganhos potências da concorrência, garantida assim pelo livre acesso; o que significa que esta opção só é viável quando os ganhos potências da concorrência (eficiência econômica) sejam maiores do que os benefícios da integração industrial, isto é, em indústrias e sistemas com demandas de escala importante (supondo-se uma estrutura institucional adequada). A segunda possibilidade é realizar uma desestruturação menos estrita e profunda no segmento da transmissão (informally separated. Ver pé de página no. 79); esta opção, embora mantem relativamente os benefícios da integração e centralização, ainda representa riscos de oportunismo por parte do ONT, e por tanto requer do que Newbery (1999, p. 180) chama de aggressive regulation para prevenir e reduzir tais riscos.

81 Uma opção que poderia se considerar como intermediaria entre o modelo TPA e SBM, é o enfoque de Independent System Operator (ISO). Esse enfoque é o implementado em estados federais norte-americanos, nos quais a indústria permanece verticalmente integrada e precisa-se separar o controle técnico do segmento da transmissão para garantir o livre acesso, de forma que consiste em transferir o controle técnico da operação para uma entidade independente, sem reestruturar a integração vertical da indústria. Joskow (1997, p. 133) levanta, não obstante, as seguintes questões acerca da organização dos ISOs: “Can the ownership of the transmission assets be completely separated from the use of these assets without distorting operating and investment decisions? Should the ISO be public or private? Should it be a separate company or a ‘cooperative’ controlled by suppliers and customers? …, what objectives is it given, and how are good performance incentives provided to the management? What role does the ISO play in new investments in transmission facilities? How should the ISO be regulated?”. A resposta a estas questões esta obviamente em mãos dos acadêmicos e pesquisadores, mas, no entanto, terão de ser encaradas -correta ou erradamente- pelas organizações e agentes reguladores.

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Uma forma adicional possível de limitar o acesso por meio da transmissão é via tarifária-regulação. É possível por exemplo, que uma oferta potencial (agente gerador externo) eficiente (preço de energia menor ao custo marginal de produção no sistema) de fornecimento de energia, faça-se ineficiente quando aplicada uma tarifa discriminatória de acesso, ou quando exigidas condições de operação particulares (por exemplo pelos ONTs) aduzindo razões de seguridade e confiabilidade por causa de inflexibilidades e restrições do sistema (congestions).82 Em conclusão, além da instituição de uma ORCT competente, seja qual for o modo ou modelo de organização industrial e acesso físico, para garantir o livre acesso no sistema são imprescindíveis duas condições adicionais: primeiro, como se identificou na seção 2.2.2, um grau mínimo de independência e separação comercial do segmento da transmissão (“The EC Directive recognizes this danger [o potencial oportunismo dos ONTs] by requiring the transmission operator to act as an independent system operator (ISO), …”, Newbery, 1999, p. 414); e segundo, o adequado desenho e disponibilidade de instituições e organizações de regulação que tomem conta das especificidades do (s) modelo (s) e das características e aspectos técnico-econômicos do sistema (“The determination of optimal wheeling rates is extremely complex, and opportunities for opportunistic behavior by the owner of a transmission system [ONTs] are numerous. It is thus not apparent that ordinary regulatory systems can effectively enforce obligations to provide access at reasonable terms.”, Joskow e Schmalensee, 1986, p. 195. [2-no]; “The difficult task for these regulations is to encourage low-cost operation while also providing incentives to make investments in transmission capacity that can cost-effectively reduce congestion on the network.”, Joskow, 1997, p. 136). Dispondo das duas primeiras condições organizacionais (ORCT competente e ONTs independentes (TCEIs)), o desempenho destas organizações, do qual depende a performance técnica e comercial do sistema e do mercado, depende por tanto das condições institucionais de regulação. A função das organizações técnicas (ORCT e ONTs) é cumprir e aplicar as normas, regras e tarifas definidas e estabelecidas pela regulação. As organizações de regulação deverão então conciliar e ponderar (‘equilibrar’) os objetivos técnicos da operação (segurança e confiabilidade) com os objetivos econômicos de eficiência econômica de curto prazo (concorrência para marginal cost pricing) e de sustentabilidade de longo prazo

82 No mercado Nórdico, Norpool, as congestions são administradas através de dois tipos de mecanismo de mercado: market-splitting ou zonal pricing (é um mecanismo instantâneo, engrenado ao Norpool, que tenta ajustar a geração nas zonas com congestion através de sinais de preço zoneadas) e counter-trading (é um mecanismo antecipado e paralelo ao Norpool, que tenta ajustar a geração nas zonas com congestion através de ofertas voluntárias dos agentes). Segundo análises de Glachant e Pignon (2003), estes dois mecanismos não resolvem o problema dos incentivos para a coordenação dos ONTs, pelo contrário, podem gerar incentivos para os ONTs atuarem com oportunismo e distorcer os sinais do mercado.

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(incentivos tarifários para investimentos de mínimo custo), para definir adequadamente essas instituições formais de regulação.

Quadro 3.1. Instituições e organizações de acesso e coordenação física na integração energética européia e norte-americana.

Elaborada pelo autor com base nas análises precedentes e em informação da fonte. Fonte: [1] Constantinesco (1989), [2] Glachant e Pignon (2003), [3] Joskow (1997), [4] AIE (2001), [5] EIA (Country Analysis Briefs, On-line) e [6] Froschauer et al. (2004). Abreviaturas e Notas: (a) A diferença da Europa cont., onde não estão claras as competências legais das instituições, na Escandinávia, a organização da regulação do setor baseia-se numa clara relação vertical com as instâncias superiores (os conselhos) e numa fluente cooperação e coordenação horizontal entre os governos e organizações de regulação de cada país. (b) Faz a coordenação técnica, mas os agentes operadores (ONTs) são as companhias estatais, Statnett (Noruega) e SVK (Suécia) [5], que operam como TCEIs. A definição das responsabilidades entre as duas companhias é estabelecida por meio de um acordo bilateral [4]. (c) Não há um mercado formal de energia entre os três países, só interconexões físicas e intercâmbios de energia. (d) Coordena também a operação das interconexões com o Canadá e o México. (e) Uma segunda opção contemplada pela legislação dos EUA é a separação funcional (informally separated), porém, a organização mais comum é a ISO [3]. Essa definição é uma função eminentemente técnica (avaliação técnico econômica), no entanto, ainda que no caso da UE existem organizações com competências para regular (ver Quadro 3.1), pela persistência dos obstáculos e deficiências de caráter legal e político apontadas na seção 1.2.4, a regulação para a conformação dos MIE (integração energética) na UE tem sido insuficiente e ineficaz (Glachant e Pignon, 2003; Newbery, 2001). O Quadro 3.1 resume e ilustra bem o exposto e analisado nesta seção (3.2.1). Não cabe aqui prolongar a discussão acera dessas experiências internacionais, mas resta, no entanto, fazer uma apreciação final dessa análise comparada para cada caso antes de discutir o caso sul-americano.

Tipo

- Opção intermediária ao TPA e SBM. - Reduz oportunismo e mantem benefícios da integração.

- Fragmentação da cadeia. - Perdas de econ. de escala.

- Riscos de mercado. - Riscos de oportunismo. - Benefícios econômicos e

técnicos de integração e centralização indústrial.

- Restrição e limitação da concorrência.

- Representa desáfios em quanto a sua organização e regulação [3].

- Administração das congestions por meio de mecanismos de mercado desregulados.

ISO (e)

Zonal pricingCounter-trading

SBM

- Não resolvem o problema dos incentivos para a coordenação dos ONTs nem o do oportunismo [2].

Vantagens DesvantagensModelo-organização-administração ONTs e congestions

TPA - Límite inferior de escala. - Separação total do ONT. - Redução do oportunismo.UCTE

Organização integrante

bivalente [1]

Federal constitucional

Pool: Elspot-Elbas

(físicos) Eltermin-Eloptions

(financeiros)

FERC

Comissão Europeia Conselho da UE

GREG Fór. de Florência

Mercado e integração em

desenvolvimento

Sist. integrado de ind. verticais e

desintegradas de diversa

propriedade

Cooperação e coordenação econômica e

política

Conselho Nórdico CNME

WRED (Nor.) - SEA/OEGR (Sué.)

(a)

Nordel (b)

NERC (d)

Região (Mercado)

Organização política

Europa cont. (UE-MIE)

Escandinávia (Norpool)

EUA (Canadá-México)

(c)

Tipo ou estado do mercado

Organização de-da regulação

ORCT

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No caso da Europa continental (UE), ainda que, como foi anotado no capítulo I, sua integração energética é um processo inacabado e em via de desenvolvimento; evidentemente, sua bivalência e indefinição política e reguladora dificultam e prolongam a realização das transformações estruturais econômicas e institucionais necessárias para a conformação e consolidação dos MIE. O diagnóstico geral das análises Neo-Institucionalistas citadas na seção 3.1.1, transposto para o caso da integração energética européia, parece assim acertado. O caso europeu contrasta com o dos EUA. Neste país, a organização política federal dos estados e o governo, incluída a da organização reguladora (FERC), junto com alternativas viáveis e conciliáveis de organização dos ONTs (ISO), têm permitido a integração da heterogeneidade de sistemas e industrias de eletricidade com resultados favoráveis em termos de preços finais reais de energia elétrica (“These prices are at the low end of the range of prices for OECD countries and have been falling in real terms for the last decade.”, Joskow, 1997, p. 124.) A experiência nórdica representa em vários aspectos o paradigma de integração energética regional. Com base em relações, mecanismos e instituições e organizações de cooperação e coordenação, isto é, sem uma organização política federal nem instituições supranacionais formais, e a partir de uma estrutura industrial, ainda que aberta à concorrência, majoritariamente vertical e de propriedade pública, os países nórdicos têm conseguido constituir o mercado regional de energia mais desenvolvido conhecido, fato que se evidência na recente (anos 2000 e 2001) e freqüente convergência nos preços finais de energia elétrica para a maioria de setores (Glachant, 2002a). Entretanto, apesar das variantes e diferenças entre os três casos examinados, há aspectos institucionais comuns, que concordam evidentemente, com as conclusões nos parágrafos anteriores nesta seção (3.2). O primeiro aspecto é a disponibilidade nos três casos de uma ORCT competente; o segundo aspecto é a relação direta que há entre o modo ou modelo de organização industrial e a organização dos ONTs; e o terceiro, que há nos três casos, ainda que deficiente como no caso da UE, alguma organização ou mecanismo de regulação. Isto leva a quatro questões obrigatórias acerca do caso sul-americano: (1) há ou existe uma ORCT competente na América do Sul? (2) Nas indústrias desreguladas, são os ONTs entidades independentes (TCEIs)? (3) Como garantir e organizar o livre acesso ou independência dos ONTs nas indústrias mais reguladas e integradas (ver Quadro 2.3) como nos casos da Venezuela, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai? E finalmente, (4) há uma organização de regulação, ou quando menos um mecanismo de coordenação regional da regulação?

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Na parte final da seção 2.2.2, acerca das instituições e organizações do primeiro grupo, observou-se que pela hierarquia central e as funções de coordenação e intermediação na maioria de relações físicas e financeiras, da ORCT e as ONTs, estas têm a maior e melhor disponibilidade e acesso de informação, assim como a suficiente capacidade técnica para também realizar e coordenar, em alinhamento com regras e incentivos de regulação apropriados, o planejamento técnico e econômico de longo prazo. Em efeito, em Norte América é o NERC quem, por meio do Comitê de Planejamento e em coordenação com os Regional Reliability Councils, os ONTs e os demais agentes da indústria, realiza o planejamento do sistema elétrico dos EUA. E igualmente na Escandinávia, é Nordel, em coordenação com os ONTs (Statnett e SVK), quem realiza o planejamento do sistema elétrico nórdico. Pelo anterior, a primeira e segunda questão são discutidas na parte final desta seção, onde se analisam as instituições e organizações de planejamento de longo prazo. A última questão (4) é analisada na seção 3.4 que trata das instituições e organizações de caráter legal, jurídico e administrativo. Acerca da terceira questão, da experiência internacional examinada, ressaltam três tipos de modelos para a organização dos ONTs: o TPA, o SBM e o ISO. Cada modelo implica, como visto, um determinado grau de abertura e reestruturação industrial, por tanto, do ponto ii da seção 2.4.1, a conveniência ou aplicabilidade de um ou outro modelo depende do potencial de concorrência da indústria, o qual à sua vez, depende em primeira instância do tamanho do mercado. Como foi sustentado na seção 2.4.3, nos casos do Paraguai e o Uruguai, por razões de escala (das menores da região. Ver Quadro 2.3), a integração vertical é a mais eficiente forma de organização industrial para tirar proveito das economias de escala disponíveis, e o livre acesso a melhor opção para promover a eficiência econômica nessas indústrias. Por tanto, o modelo de TPA não aplica no caso desses dois países. As opções possíveis são o modelo de SBM ou ISO. No caso do Brasil e a Venezuela, quem representam a primeira e terceira maior demanda de energia elétrica da região, respectivamente, os três modelos são viáveis; entretanto, sua aplicabilidade dependerá, como foi discutido na seção 2.4.3, de aspectos políticos, e sua efetividade, do desenho, disponibilidade e efetividade das instituições e organizações que são discutidas e analisadas neste capítulo. Estas duas observações (aplicabilidade e efetividade) são também validas para o caso do Paraguai e o Uruguai.

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Planejamento de longo prazo. “Coordenação do planejamento de longo prazo” é o chamamento geral da literatura, governos, entidades multilaterais e demais instituições e organizações que tratam e lidam com o assunto da integração energética regional na América Latina e em outras regiões. Certamente, como se descreve da análise de Joskow e Schmalensee na seção 2.2.2, no longo prazo, as razões de ineficiência -a superar- com relação ao primeiro fator (o dos custos de produção) podem surgir por distorções de regulação ou também por ausência de um planejamento adequado, e com relação ao segundo fator (o dos preços finais), as ineficiências provêem de duas fontes: deficiências e ou insuficiências de informação e institucionais. Em primeiro lugar, o anterior significa que, evidentemente, como foi concluído na seção 2.4.2, a existência de instituições e uma organização regional de coordenação do planejamento de longo prazo (OPLP) apropriada é condição mínima necessária para a promoção da eficiência econômica num esquema de integração energética, e em segundo lugar que, pela disponibilidade e acesso de informação que da a posição central e intermediaria no sistema, a ORCT e ONTs são as mais cotadas candidatas para realizar a coordenação do planejamento de longo prazo. Daí que as duas primeiras questões levantadas atrás, sejam aqui discutidas. O primeiro a dizer acerca das três organizações descritas no Quadro 3.2, é que todas compartem objetivos comuns em quanto à integração energética regional se refere. Ainda que todas representam setores distintos, tal ‘duplicidade’ institucional e ineficácia na realização desses objetivos, revela importantes dificuldades e obstáculos institucionais e estruturais. Em efeito, após mais de 40 e 30 anos de existência, respectivamente, das duas primeiras instituições (CIER e OLADE), além de estudos técnicos e legais detalhados, modelos desenvolvidos, bases de dados e alguns acordos, não se observam avanços concretos significativos orientados à integração energética sul-americana. O anterior é ainda mais evidente nas duas primeiras organizações, a CIER e a OLADE, além, ambas instituições, apesar serem representantes de dois dos mais importantes setores da indústria, o setor empresarial e o governamental, respectivamente; carecem de mecanismos e instrumentos políticos e legais efetivos para a consecução das suas funções e objetivos. IIRSA carece também desses instrumentos e mecanismos, mas, a diferença das anteriores, tem uma representação e base política (promoção presidencial, comitês ministeriais permanentes) e técnica (organizações governamentais técnicas, entidades

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financeiras multilaterais) mais ampla e sólida, e funções específicas mais claras e definidas e de maior relevância para a integração no contexto atual.83

Quadro 3.2. Instituições e organizações com objetivos e funções técnicas orientadas à integração energética na América do Sul.

Elaborada pelo autor com base na informação da fonte. Fonte: Informação institucional das três organizações (http://www.cier.org.uy; www.olade.org.ec; www.iirsa.org). Abreviaturas: (M) Ministros. (I-E) Infra-Estrutura. Porém, apesar da representação e relevância das funções de IIRSA; na composição e estrutura atual, nenhuma das três organizações tem as faculdades e competências reais efetivas necessárias para a coordenação técnica (ORCT) e coordenação do planejamento de longo prazo (OPLP) num esquema (sistema) de integração energética na América do Sul.84 Evidentemente, esta conclusão é conseqüente com

83 O Plan de Acción do IIRSA parte de reconhecer várias das deficiências e obstáculos institucionais neste capítulo assinalados, como por exemplo a necessidade de evitar mais duplicidades institucionais. Ver IIRSA (2000). 84 Outras organizações, como a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), a CAN e o MERCOSUL, têm também funções diretas e indiretas com relação à integração energética regional, no entanto, suas funções se enfocam mais para os aspectos comerciais da integração, por isso, são discutidas na próxima seção (3.3).

Orgão CIER OLADE IIRSA

Criada em: 1964 1973 2000

- Cooperação técnica. - Transferência e gestão de info.

- Cooperação técnica.

- Suporte técnico para o planejamento.

- Geração de mecanismos de financiamento.

Promover e alentar a integração dos setores elétricos regionais.

Promover acordos entres seus Estados membros e realizar ações para satisfazer suas necessidades energéticas.

- Desenvolvimento de projetos e estudos técnicos. - Estabelecimento de especificações gerais e de normas técnicas.

Construção de uma visão estratégica para a

integração física sul-americana.

- Integração e desenvol. do mercado energético regional.

- Gestão de informação energética e legal.

- Coordenação de planos e investimentos.

- Compatibilização e harmonização reguladora e institucional.

Não governamental Foro técnico empresarial Política de aopio técnico

Foro político e técnico intergovernamental e

multilateral

Comitê Central (Empresas do setor) Comitês Nacionais

(Empresas do setor) Grupos de Trabalho

Secretaria Executiva (Reunião de M. de Energia) Dir. Estratégias e Projetos

Dir. de Relações Institucionais

Comitê de Direção Execut. (M. I-E ou Planejamento) Grupos Técnicos Execut.

Comitê de Coord. Técnica (BID-CAF-FONPLATA)

Objetivo geral

Tipo de organização

Composição e estrutura

Funções e/ou ações

específicas em quanto à integração

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o precário nível de desenvolvimento regional da infra-estrutura de interconexão física transnacional (seção 2.1.2). Em quanto aos ONTs, a questão (2) levantada anteriormente precisa ser aqui reformulada para dar conta do assunto tratado nesta seção. Num esquema de integração energética regional, na existência hipotética de uma ORCT e OPLP que atuem e operem de forma conjunta, afetam o modelo ou tipo de organização dos ONTs as funções regionais de coordenação e planejamento? Há um modelo ou tipo de organização ideal dos ONTs, da operação e do planejamento nacionais, que facilite a eficiência e efetividade das funções da ORCT-OPLP a nível regional? Os aspectos a considerar para a resposta destas questões, descritos na seção 2.2.2, são três: o oportunismo dos agentes, as condições de incerteza e a incompletude de informação. Como foi já repetidamente mencionado, as funções de coordenação do sistema integrado, incluído o planejamento de longo prazo, haverão de ser feitas em coordenação com os ONTs, por tanto, ONTs tendentes ou propensos ao oportunismo afetaram a eficiência e efetividade das funções das organizações centrais (e regionais) de coordenação. Dado que, dependendo dos aspectos estruturais como o tamanho da demanda, o modelo ou tipo de organização dos ONTs pode aumentar ou reduzir o risco de oportunismo (ver Quadro 3.1), a resposta à primeira questão é afirmativa: o modelo ou tipo de organização dos ONTs pode afetar positiva ou negativamente as funções de coordenação, incluída a do planejamento de longo prazo. Conjuntamente, os outros três aspectos (oportunismo, incerteza e incompletude de informação) orientam a resposta à segunda questão. O modelo(s) ou tipo(s) de organização ideal dos ONTs é aquele que minimize o risco de oportunismo destes, maximize a disponibilidade e qualidade de informação,85 e facilite a coordenação com as organizações centrais regionais. A independência dos ONTs garante o livre acesso e reduz a chance de comportamentos oportunistas destes agentes. Pela centralidade e intermediação do segmento da transmissão, são os mesmos ONTs quem têm a maior e melhor disponibilidade de informação. A resposta por tanto sobressai: o modelo -em teoria- ideal é aquele em que, os ONTs, se e só se, organizados e estruturados como TCEIs (de acordo às considerações discutidas nesta seção), além de operarem os ativos de transmissão sejam os encarregados de realizar a coordenação técnica de

85 Pelas características técnicas dos sistemas elétricos (ver seção 2.2 e início da presente) e os riscos e incertezas que surgem num contexto de desregulamentação (ver seção 2.2.2), num esquema de integração regional de indústrias e sistemas heterogêneos, o planejamento compreende um exercício cuidadoso e altamente técnico de valoração, avaliação e análise de montantes importantes de informação detalhada, relacionada com as condições presentes e futuras de operação dos sistemas. Por tanto, seu sucesso depende em grande medida da disponibilidade e qualidade da informação necessária.

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curto prazo e do planejamento de longo prazo a nível nacional. Este modelo ou esquema o denominaremos aqui como organização nacional independente de transmissão, operação e planejamento (ONITOP). As vantagens deste esquema em quanto à facilitação da coordenação com as organizações centrais regionais (ORCT-OPLP), podem ser entendidas comparando com o caso em que estas instituições tivessem de fazer a coordenação nos esquemas nacionais ‘atuais’ (2001 - 2003) de planejamento e organização dos ONTs na América do Sul.86 A despeito da heterogeneidade de esquemas de organização desse cenário,87 poderia se considerar ainda ser possível uniformizar mecanismos, critérios e processos, e definir normas e regras comuns, como seria o logicamente necessário para efetuar a coordenação requerida. Mas, se considerarmos que cada esquema de organização representa um nível de integração, centralização e regime de propriedade particular, e que por tanto, obedece a uma lógica de operação e planejamento diferente, com diferentes tipos de agentes, instituições, organizações e processos; é claro que nesse cenário surgiriam ainda mais dificuldades de coordenação, em comparação dum esquema organizado nacionalmente em ONITOPs, onde, além de se reduzir o oportunismo (garantindo-se à vez o livre acesso e dando conta das diferenças estruturais de cada indústria) e se permitir maior disponibilidade de informação, há uma unidade e uniformidade mínima das funções (e em decorrência dos demais aspectos: mecanismos, critérios, processos, normas, regras, etc) básicas de operação e planejamento a nível nacional. Tal esquema (ONITOP) é o que opera no RU. Ali, a National Grid Company (NGC), um agente privado totalmente independente das demais atividades da indústria e com experiência internacionalmente reconhecida nesse labor, é ao mesmo tempo proprietária e operadora da rede de transmissão e tem as funções da operação e planejamento do sistema elétrico inglês (Areiza et al., 2001). Os desafios nesse esquema se relacionam com os incentivos da regulação necessários para realizar com eficiência essas funções.

86 Na América do Sul comungam diferentes esquemas de planejamento e organização dos ONTs. Ainda que cada um apresenta características particulares, podem se distinguir quatro esquemas gerais de organização: um primeiro altamente integrado, centralizado e estatal no caso da Venezuela, o Paraguai e o Uruguai, em que a coordenação e planejamento são feitos de forma centralizada pelas empresas (verticalmente integradas) e órgãos públicos (principalmente os ministérios públicos); o segundo é o esquema Brasileiro, parcialmente integrado, no qual o planejamento é descentralizado e há participação aberta na geração (o Estado só realiza planos indicativos), mas preserva-se a centralização do planejamento e propriedade pública na transmissão (através da Eletrobrás); o terceiro, que aplica no caso da Colômbia, o Equador e o Peru, tem uma estrutura industrial desintegrada, o planejamento na geração é feito de forma descentralizada (o Estado só realiza planos indicativos), e na transmissão, ainda que em princípio o planejamento também é feito de forma descentralizada, dado que os ONTs são de propriedade majoritariamente pública, o Estado incide em algum grau no planejamento desse segmento; e finalmente, o quarto é um esquema altamente fragmentado, descentralizado e privatizado em ambos os segmentos, geração e transmissão, como é no caso da Argentina, o Chile e a Bolívia (Areiza et al., 2001; CIER, 2001; e as outras fontes do Quadro 2.3). 87 Ibíd.

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Figura 3.1. Esquema ideal de organização e coordenação regional da operação e o

planejamento.

Elaborada pelo autor. Abreviaturas: (Pdee) País com escala de demanda de energia elevada. (Pdei) País com escala de demanda de energia intermédia. (Pdeb) País com escala de demanda de energia baixa. Se continuarmos mantendo as suposições passadas: disponibilidade de infra-estrutura de interconexão física transnacional e existência da ORCT-OPLP, e agregarmos, também como suposição, a organização em cada país de ONITOPs (como na Figura 3.1), teríamos um sistema e mercado regional integrado de energia (cuja profundidade e grau de eficiência dependeria, em tudo caso, das condições e aspectos discutidos e em discussão). Nesse cenário hipotético haveria as condições econômicas e institucionais básicas para a operação do sistema no curto prazo, e as organizações necessárias para a coordenação do planejamento de longo prazo. No entanto, levanta-se uma questão final, que ainda que não tem resposta definitiva à vista, deve ser minimamente analisada: é o mercado integrado capaz ou suficiente para num contexto de desregulamentação dar os sinais necessários de longo prazo, ou seja, para incentivar oportunamente os investimentos de mínimo custo requeridos para suprir com segurança, confiabilidade e economia os requerimentos futuros de energia elétrica? A evidência empírica mostra que não. Segundo descrevem Finon et al. (2004), na Escandinávia, na experiência recente do mercado nórdico, os mecanismos de mercado e sinais de preço revelaram-se insuficientes e sócio-politicamente inviáveis para incentivar novos investimentos. Por outro lado, na região sul-americana, Nizovoy (2004) descreve como na Argentina, após de mais de dez anos de abertura, liberalização e reformas profundas, implementadas para dinamizar o setor pela via do mercado e reduzir significativamente as possibilidades de intervenção do Estado no setor, estas têm produzido déficits de investimento e retração na expansão de capacidade que têm terminado por forçar a intervenção estatal direta na indústria.

OCT-OPLP(regionais)

ONITOP (Pdei)TCEI: SBM ou ISO

ONITOP (Pdee)TCEI: TPA

ONITOP (Pdeb)TCEI: ISO

ONITOP (Pdei)TCEI: SBM

ONITOP (Pdee)TCEI: ISO

OCT-OPLP(regionais)

ONITOP (Pdei)TCEI: SBM ou ISO

ONITOP (Pdee)TCEI: TPA

ONITOP (Pdeb)TCEI: ISO

ONITOP (Pdei)TCEI: SBM

ONITOP (Pdee)TCEI: ISO

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Dar uma explicação satisfatória e rigorosa à evidência anterior não é simples. Mas, sem se pretender restar validez, pode se dizer que obedece a uma disjuntiva que se da entre duas realidades básicas: por uma parte, a lógica ou natureza ‘rentista’ e de curto prazo dos mercados, mais exatamente dos agentes, crescentemente privados no contexto recente de abertura e desregulamentação em que, no novo contexto macroeconômico (ver Tabelas 1.1 e 2.1) e nas novas condições de financiamento, a despeito das inovações e adaptações financeiras desenvolvidas,88 operam (investem) com cautela e procuram exaurir suas rendas de forma segura e em prazos curtos; e pela outra parte, pelas características técnico-econômicas inerentes dos sistemas elétricos (seção 2.2), os investimentos em infra-estrutura elétrica, principalmente na geração e na transmissão, representam custos iniciais de investimento elevados com tempos longos de maturação (fluxos financeiros prolongados). Adicionalmente, no enfoque de market and policy failures de Fells et al., citado no capítulo I, o mercado, via sinais de preço, apesar de introduzir eficiência econômica, não consegui suprir satisfatoriamente objetivos estratégicos como os da segurança energética e meio ambiente que requerem de mudanças tecnológicas e estruturais. Este aspecto esta no cerne da persistente ‘tensão’ entre as metas de eficiência econômica e segurança energética que explica a incoerência da política energética européia durante boa parte da metade do século XX (ver seção 1.2), e a dificuldade para a integração e unificação do mercado e indústrias de energia nessa região. Em definitiva, a resposta à questão última é que, além das condições econômicas e institucionais já apontadas, incluída a da existência da ORCT-OPLP, precisa-se definir uma política energética (sejam políticas de oferta e ou de demanda)89 comum e coerente que possa complementar o mercado a partir dos limites em que sua efetividade começa se esgotar, encontrando o consenso ou equilíbrio adequado entre os interesses e objetivos imediatos e de longo prazo dos principais atores e agentes envoltos no processo. 3.3. INSTITUIÇÕES E ORGANIZAÇÕES DE CARÁTER COMERCIAL: acesso e coordenação comercial. No cenário hipotético de integração desenhado até agora, dadas as complementaridades existentes (seção 2.1.2), haveria oportunidades e incentivos econômicos para realizar transações e intercâmbios energéticos intra-regionais que, nesse esquema institucional e organizacional (cujos elementos básicos são representados na Figura 3.1), teriam as condições físicas, técnicas, institucionais e

88 Ver Oliveira e Pinto Junior (1998). 89 Ver Finon et al. (2004).

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organizacionais necessárias para se efetuarem. Não obstante, tais transações e intercâmbios seriam resultado de um processo prévio de relação e operação comercial e contratual no qual têm de ser definidas as quantidades (de energia), preços, tempos, termos e demais parâmetros técnicos, comerciais e contratuais que definem a transação a se efetuar. Isto significa, que além das instituições e organizações de caráter técnico da seção anterior (3.2), são também necessárias instituições e organizações de caráter comercial, nas e por meio das quais realizar e regular as transações comerciais que antecedem às físicas (energéticas). As seguintes questões ajudam a clarificar o anterior: especificamente, quais os cenários para estabelecer os vínculos comerciais? Como coordenar e regular os contratos e relações, transações e operações comerciais (incluídos o relacionado com os investimentos, propriedade de ativos, acesso aos mercados, etc)? Por meio de que mecanismos, marcos, princípios, fazer essa coordenação e regulamentação comercial? Como ou por meio de quem resolver possíveis disputas e controvérsias? Além das barreiras físicas, técnicas e institucionais (analisadas nas seções anteriores), há ou podem se configurar barreiras de tipo comercial à integração e às transações físicas de energia? Estas e outras questões ao respeito dos serviços e os demais setores econômicos em geral,90 em todo o cenário mundial, têm sido uma das principais motivações e progressivas ocupações da Organização Mundial do Comércio (OMC)91 desde o momento mesmo da sua criação após das guerras. Sua influência nos processos regionais de integração econômica têm sido importante, especialmente naqueles iniciados a partir do que se convencionou denominar como ‘segunda onda de regionalismos’ (Finger, 1993; Bhagwati, 1993), dentro dos quais se incluem vários dos processos latino-americanos de integração econômica. Pela relevância dos setores de serviços (incluindo os energéticos) no comércio e no conjunto de demais atividades econômicas mundiais, estes setores têm sido incorporados na agenda de negociação da OMC desde 1986. O principal resultado nesse sentido é o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS) concretizado em 1994, no qual se define, entre outros aspectos, “um catálogo de regras e princípios que devem reger o processo de abertura dos mercados nacionais para prestadores estrangeiros de serviços.” (Gottschalk, 2002, p. 548 [1-no]) e se estabelece que os países envoltos “continuarían entablando periódicas rondas de

90 Há um amplo conjunto de atividades econômicas que podem enquadrar na definição de ‘serviço’. Nesse conjunto, geralmente integram-se as atividades econômicas que compõem a infra-estrutura, como é o caso da energia (Gottschalk, 2002). Por tanto, tudo o tratado nesta seção acerca do setor de serviços, inclui o relacionado com o comércio de energia elétrica. 91 Inicialmente foi denominada como General Agreement on Tariffs and Trade (GATT).

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negociaciones con el fin de procurar ‘un nivel progresivamente más alto de liberalización’” (ALADI, 2003, p. 9). Em efeito, como descrevem Gottschalk (2002) e Garnelo (1998), o Protocolo de Montevidéu sobre o comércio de serviços no MERCOSUL (que faz parte da ‘segunda onda de regionalismos’) é uma incorporação e adaptação do AGCS da OMC, a partir do qual se regula o relacionado com o comércio de serviços ao interior do bloco. Muitos dos aspectos institucionais relacionados com o acesso e coordenação comercial -principalmente o acesso- aos e dos mercados de energia na América do Sul estarão, por tanto, sujeitos às negociações e disciplinas da OMC. Quer isto dizer que as instituições da OMC fazem parte integrante das instituições e organizações de caráter comercial da integração energética regional. Surgem então várias questões, especialmente ao respeito da suficiência e efetividade das instituições da OMC para regular os aspectos comerciais relacionados com as transações comerciais que precedem às transações físicas num esquema de integração energética sul-americano. Dependendo de como o ‘mundo’ caminhe no futuro para o regionalismo ou multilateralismo,92 é possível que no mediano ou longo prazo a OMC regule de forma efetiva e suficiente boa parte desses aspectos. No entanto, no curto prazo, e ainda num prazo mais prolongado, são as instituições e organizações regionais que em primeira instância coordenarão e regularão os aspectos comerciais dos mercados, incluindo os dos mercados de energia. Por tanto, o aspecto básico a ser indagado nesta seção é acerca da institucionalidade das principais instituições e organizações regionais de caráter comercial e suas funções e relevância na integração energética sul-americana. Essas instituições e organizações são: a ALADI, a CAN e o MERCOSUL. A ALADI é uma organização vigente, que mantem o objetivo final -hoje em dia ao parecer distante e irrealizável- da sua precedente (a ALALC, ver introdução do capítulo II) de conformação do MCLA, mas desta vez por meio de um flexível multilateralismo gradual e parcial, e de uma preferência tarifária regional. Neste novo esquema da ALADI, na realidade mais bilateral do que multilateral-regional (Prado Alcalde, 1985), enquadram perfeitamente os processos da CAN e do MERCOSUL. A CAN é o processo de integração sul-americano que dispõe da institucionalidade mais desenvolvida entre os processos regionais (comparando com a ALADI e o MERCOSUL), incluindo órgãos, organizações e instancias de caráter político,

92 Ver ao respeito, Melo e Panagariya (1993) e CEPAL (2002, parte I).

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legislativo, jurídico, administrativo, financeiro e empresarial, com funções (ver Quadro 3.3) e competências definidas para a coordenação e regulação dos aspectos comerciais e contratuais da integração.

Quadro 3.3. Instituições e organizações sul-americanas de integração de caráter comercial.

Elaborada pelo autor a partir de informação da fonte. Fonte: Nogueira e Taccone (2002), Labaqui et al. (2001), Bouzas e Soltz (2001) e Garnelo (1998). Abreviaturas e Notas: (MMRE) Ministros de Relações Exteriores. (MME) Ministros de Economia. (BBC) Bancos Centrais. (OJC) Ordenamento Jurídico da Comunidade. (I-E) Infra-estrutura. (*) É uma descrição simplificada. Da bibliografia consultada não fica claro como interagem os processos, ou quais as competências dos protocolos.

Nome (Tipo) Composição Função principal Nome (Tipo) Composição Função principal.

Nome (Tipo) Composição Função principal.

Nome (Tipo) Função principal Mecanismos

Protocolo

Intermediação.Captação.Financiamento de I-E.Créditos.Garantia financeiras.Financiamento.

Protocolo de Ouro Preto (PROP)

Consultas na CCM → Reclamações na CCM → Comitê Técnico → Reclamações na GCM → Tribunal de Arbitragem ad hoc .

Mecanismos de solução de controvérsiasProcedimentos*

Protocolo de Brasilia

Negociações diretas → Reclamações no GMC → Panel de Expertos → Tribunal de Arbitragem ad hoc .

Foro Consultivo Econôm. e Social

(Setorial-Consulta.)

Seções Nacionais : Setores econômicos e

sociais.

Consulta, assesória, representação, e recomendações.

Secretaria Administrativa

(Administrativo)Diretor Apoio logístico e

operativo.

Comiss. Comércio Mercosul (CCM) (Polít.-Intergov.)

Funcionários governamentais dos

países membros

Velar pela aplicação dos instrumentos de

política comercial.

Comissão Parlam. Conjunta

(Polít.-Consulta)

Representantes dos Parlamentos dos

países mebros

Acelerar procedimen. nos países e harmon.

a legislação.

Condução política e toma de decisões.

Grupo Mercado Comum (GMC) (Polít.-Intergov.)

Funcionários dos MMRE, MME, BBC e

outras instituições

Atividades normativas e

negociações técnicas.

FLAR (Financeira)

Apoiar os balanços de pagamento e o crédito

financeiro.

MERCOSULAno de criação: 1991

Atuais países membrosArgentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. (Associados: Bol. e Chi.)

Órgãos com capacidade decisória (PROP)

Órgãos de consulta e aopio (PROP)

Conselho do Mercado Comum (Polít.-Intergov.)

MMRE e MME dos países membros

Conselho Consult. Empres. Andino

(Empresarial)

Opinar e assesorar ao Conselho de MMRE, à Comissão e Secret.

-

CAF (Financeira)

Financiar e promover o desenvolvimento e

a integração.

Parlamento Andino

(Polít.-Legislativo)

Representantes dos Congressos Políticos

Nacionais

Deliberar e participar na normatização,

promover harmoniz.Organizações principais

CANAno de criação: 1969

Atuais países membrosBolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.

Órgãos principais

Conselho Presidencial And. (Polít.-Intergov.)

Presidentes dos países membros

Definir a política de integração

subregional.

Conselho Andino de MMRE

(Polít.-Intergov.)

MMRE dos países membros

Subscrever acordos e coordenar as posições

dos países.

Comiss. Comunid. Andina (CCA)

(Admin.-Intergov.)

Representantes plenipotenciários dos

países membros

Formula, executa e avalia a política geral do processo de integ.

Secretaria Geral (Administrativo)

Secretário geral elegido pelo Conselho

de MMRE

Administra os processos de integração.

Tribunal de Justiça (Jurídico-Legal)

Magistrados representantes de cada país membro

Aplic., interpretação, controle e solução de controvérsias do OJC.

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O comércio de serviços na CAN é regulamentado desde 1998, a partir da Decisão 439 da CCA que estabelece o marco geral de princípios e normas para a liberalização do comércio de serviços com miras ao estabelecimento do Mercado Comum Andino. Nos anos recentes os avanços têm se orientado na identificação de medidas restritivas ao comércio de serviços (Decisão 510) e na liberalização, aprofundamento e harmonização do comércio intra-regional de subsetores de serviços específicos (Decisão 439) (ALADI, 2003). Especificamente, o subsetor de energia é regulado desde 2002 a partir da Decisão 536 da CCA, que estabelece o Marco General para la interconexión subregional de sistemas eléctricos e intercambio intracomunitario de electricidad, no qual se definem, entre outros, aspectos relacionados com as regras fundamentais, a participação dos agentes internacionais, o tratamento das inflexibilidades e restrições (ver seção 3.2), o desenvolvimento das interconexões internacionais, as remunerações, a harmonização das normativas nacionais; e se da criação ao Comitê Andino de Órgãos Normativos e Órgãos Reguladores de Serviços de Eletricidade (CAONORSE), encarregado de promover as normas necessárias para a aplicação do estabelecido no Marco General.93 A diferença da CAN, o MERCOSUL é um processo de integração relativamente novo, cuja estrutura institucional está ainda em evolução e desenvolvimento. Apesar dos avanços institucionais conseguidos a partir do PROP (ver Quadro 3.3), distintos autores ressaltam e demandam a ainda carência, incompletude e instabilidade das suas instituições e organizações (Labaqui et al., 2001; Bouzas e Soltz, 2001; Garnelo, 1998; Almeida e Machado, 2001), particularmente ao respeito da ineficácia dos mecanismos de solução de controvérsias (em razão do caráter ad hoc desses mecanismos). Com relação ao setor de energia, Garnelo (1998, p. 38) anota por exemplo que “El accionar institucional del MERCOSUR no parece estar a la altura de las iniciativas de los agentes económicos ni del potencial del área energética.”. Porém recentemente, avanços significativos têm se concretizado em direção da regulação comercial dos mercados de energia, com a criação do Sub-Grupo No. 9 do GMC, encarregado da identificação e eliminação das medidas restritivas ao comércio de energia (e minérios), e a aprovação do Memorando de entendimento relativo aos intercâmbios elétricos e integração elétrica no MERCOSUR (ALADI, 2003; Garnelo, 1998). Em suma, constata-se que na América do Sul existem em princípio os cenários, instituições e organizações de caráter comercial para a integração, através dos quais, de fato, vem se realizando o processo de regulamentação comercial para o

93 Ver CCA (2002).

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comércio intra-regional de energia. O que quer dizer que há na América do Sul as condições institucionais mínimas necessárias de caráter comercial para a integração energética regional. Não se juntou, porém, evidência suficiente para fazer uma avaliação e análise acerca da efetividade e suficiência dessas instituições e organizações. 3.4. INSTITUIÇÕES E ORGANIZAÇÕES DE CARÁTER LEGAL, JURÍDICO E ADMINISTRATIVO: suporte jurídico-legal e regulação e defesa da concorrência. Duas conclusões transcendentes, sobressalentes da discussão e análise das seções anteriores, determinam o objeto geral da análise desta seção: A primeira, que ainda que existam as condições institucionais e organizações necessárias de caráter técnico e comercial, seu desempenho, e por tanto, o sucesso da integração, vai depender do desenho e disponibilidade das instituições e organizações de regulação; já que são estas as que definem e estabelecem as regras, incentivos e demais aspectos que em boa parte regulam as atividades e operações das demais instituições e organizações. Inclusive, no caso das instituições comerciais, embora que diferentes normas e determinações de caráter comercial surgirem das instâncias comerciais respectivas, estas estarão direta ou indiretamente afetadas pelas instituições emanadas das organizações de regulação.94 A segunda, que responde a quarta questão levantada no final da seção 3.2; é que não há, pelos menos até agora, uma organização ou mecanismo definido e efetivo de coordenação regional da regulação. Como visto, nem a IIRSA, apesar da representação e relevância das suas funções, nem o CAONORSE ou o Sub-Grupo No. 9 do GMC do MERCOSUL, têm as competências e faculdades necessárias para realizar esse labor no âmbito regional sul-americano. Dessa forma, os aspectos gerais a serem aqui analisados são, em primeiro lugar, as instituições e organizações de regulação, e em segundo lugar, a coordenação regional da regulação. Porém, dada a abrangência e amplitude do tema regulatório95 é preciso fazer uma delimitação conceitual e discussão preliminar a fim de restringir o alcance desta seção.

94 Se bem neste capítulo só procuram-se determinar as condições institucionais e organizações necessárias, já que tentar determinar as condições suficientes é tarefa complexa e tal vez inútil. O adequado desenho e disponibilidade das instituições e organizações de regulação pode constituir a condição necessária mais próxima -ainda que remotamente- da suficiência. 95 Ver por exemplo, Gordon (1994).

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A partir do início do processo de abertura, fragmentação e descentralização da indústria elétrica, é possível identificar duas fases da regulação no novo modelo (desverticalizado e descentralizado): uma primeira fase, ex ante, na qual devem se definir as regras técnicas, comerciais e contratuais de funcionamento e operação, as normas de participação e remuneração dos agentes, e em fim, tudo o arcabouço institucional do sistema e mercado de energia; uma vez finalizada essa primeira fase constitutiva, inicia uma segunda fase ex pos, na qual, entre outras, a função principal da regulação é a de procurar e supervisar a sustentação do estado de concorrência na indústria, ou seja, a defesa da concorrência.96 Na primeira fase (ex ante) há dois aspectos relacionados, um de tipo positivo e outro de tipo normativo, que determinam essa fase de constituição institucional. O de tipo positivo se relaciona com o que se conhece na literatura da teoria da regulação econômica (TRE)97 como o processo regulatorio, no qual se teoriza principalmente acerca do processo político, e os favorecidos, vencidos, efeitos e alcance das regras e normas resultantes desse processo. O de tipo normativo trata do direito administrativo da regulação (DAR):98 consistência legislativa e política, controle judicial e legislativo, e responsabilidades e separação dos poderes da e na estrutura e arquitetura institucional e organizacional (política, legal, jurídica e administrativa) a nível nacional. Na América do Sul, a primeira fase, ou seja, a constituição institucional -na qual se inclui o processo regulatório teorizado pela TRE-, já foi em maior ou menor grau, consumado pelos países denominados no capítulo anterior como ‘reformistas’, que são a maioria dos países da região (CIER, 2001).99 A análise dos aspectos de tipo normativo do DAR trata de aspectos institucionais e organizacionais semelhantes aos analisados pelas abordagens Neo-Institucionalistas descritas e discutidas na seção 3.1.1. Assim, no caso de quiser se analisar o desenvolvimento desse processo de regulação em uma ou diferentes nações, seja em razão da instituição de normas 96 Isto numa situação ideal. É claro que na situação real, na fase ex pos haverá também de definir novas normas, ajustar regras anteriores, redefini-las, etc. 97 Da denominada ‘Escola de Chicago’. O artigo de Peltzman (1976) consolida e apura as contribuições e elementos analíticos dessa literatura. O artigo de Friedland e Stigler (1962) apresenta uma aplicação ao caso da indústria elétrica. 98 Ver ao respeito Rose-Ackerman (2004) e Mashaw (2004). 99 Todos os chamados países ‘reformistas’ contam com organizações e instituições de regulação definidas. Ainda, também o Uruguai e a Venezuela estabeleceram já uma organização e marco legal de regulação básico (Ley 16832 e Unidad Reguladora de la Energía Eléctrica-UREE no caso do Uruguai, e Ley del Servicio Eléctrico e Comisión Nacional de Energía Eléctrica-CNEE na Venezuela) (CIER, 2001). Embora que o Paraguai não conta com uma organização ou marco legal de regulação, o Ministério de Energia e o Congresso Nacional têm essas atribuições e competências. Num esquema de integração energética regional, com relativa exceção do Paraguai, haveriam por tanto as organizações de regulação e os marcos legais básicos, a partir dos quais efetuar uma coordenação regional da regulação do sistema e mercado integrado de energia.

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relacionadas com a integração energética através da ação e coordenação de uma hipotética organização regional de coordenação regulatória (ORCR),100 para a complementação dos processos de reforma a nível nacional ou a realização de reformas nos países mais integrados e centralizados (Venezuela, Brasil, Paraguai e Uruguai); haveria que analisar aspectos políticos que, pelas considerações mencionadas nas seções 2.4.3 e 3.1.1, estão fora do alcance e objeto desta dissertação. Na segunda fase (ex pos), uma vez definido e estabelecido o arcabouço institucional do sistema e mercado de energia, tanto a nível nacional quanto regional, para a sustentação do estado de concorrência na indústria, a institucionalidade de regulação terá de lidar com dois cenários esperados e relevantes que foram já analisados em alguma medida em seções anteriores. O primeiro, as muito possíveis disputas ou conflitos que surgirem com relação à aplicação, interpretação, ajuste ou violação das normas ou contratos, em razão de, principalmente, mudança das condições técnicas ou comerciais, o oportunismo dos agentes e as assimetrias de informação (seção 2.2.2). E o segundo, o contexto global de conglomeração empresarial e internacionalização que também caracteriza à nova conformação empresarial do setor e indústria elétrica na América do Sul (seção 2.4.4). Em quanto ao primeiro cenário, num esquema de integração energética regional, são em tudo caso as instituições e organizações a nível nacional quem têm a discricionariedade de incorporar, aplicar e fazer cumprir as normas e medidas definidas a nível nacional ou regional (através da hipotética ORCR): “Almost by definition, any regional arrangement worth its name entails the imposition of some common rules of conduct on the countries entering the arrangement and a set of reciprocal commitments and obligations. RI [Regional Integration] thereby enforces a certain degree of arbitrage among national institutions, just as it brings about arbitrage in markets for goods and services.” (Melo et al., 1993, p. 176). Por tanto, perante possíveis disputas ou conflitos técnicos, comerciais ou legais, apesar de existirem instituições e organizações regionais de solução de controvérsias como o Tribunal de Justiça da CAN e os Mecanismos de solução de controvérsias do MERCOSUL (ver Quadro 3.3), é nas instituições e organizações judiciárias do âmbito nacional nas que em última instância recai e se apóia a jurisprudência relacionada com os aspectos legais da integração energética regional, isto é, os aspectos legais relacionados com a regulação dos direitos de propriedade da indústria e mercado integrado (seção 3.1) e a supervisão desses direitos consagrados nos contratos.

100 Ibíd.

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Considerando o anterior, esta seção se ocupara só dos aspectos dos cenários identificados como relevantes na fase ex pos da regulação econômica num esquema de integração energética regional. Na seção 3.4.1 se analisa e discute a importância e incidência dos sistemas legais judiciários nacionais no desempenho e efetividade da regulação da indústria elétrica a nível nacional; e na seção 3.4.2 se examina a evidência da literatura recente ao respeito das operações empresariais de F&A e se estudam os elementos de análise das políticas de regulação e defesa da concorrência para, finalmente, levantar as questões básicas e sentar alguns lineamentos teórico-práticos com relação ao caso da integração energética sul-americana. 3.4.1. Sistemas judiciários* e indústria elétrica na América do Sul. Como descreve Stigler (1992), com base nos elementos analíticos da teoria econômica e os conceitos e noções de custo transação, contratos e direitos de propriedade, tratados por R. Coase em The Problem of Social Cost,101 apesar das hoje em dia ainda existentes dicotomias de conceitos e valores entre as duas áreas acadêmicas e profissionais,102 a partir dos anos 60 dessa publicação tem se gerado uma aproximação e interesse acadêmico comum entre o direito e a ciência econômica. O interesse cobra um renovado impulso nos anos 80 devido, em parte, à conjuntura das reformas econômicas e institucionais iniciadas nesse período (ver seções 1.1.2 e 1.1.3 e introdução do capítulo II), nas quais é reavaliado o papel dos sistemas legais e instituições jurídicas nas novas estruturas e relações público - privadas da econômica, e às observações pontuais aportadas por D. North com respeito à importância e relação das instituições legais e judiciais no desenvolvimento econômico dos países: “A coercive third party is essential. One cannot have the productivity of a modern high income society with political anarchy. Indeed, effective third-party enforcement is best realized by creating a set of rules that then make a variety of informal constrains effective. Nevertheless, the problems of achieving third-party enforcement of agreement via an effective judicial system that applies, however imperfectly, the rules are only very imperfectly understood and are a major dilemma in the study of institutional evolution.” (North, 1990, p. 35);

* Por sistema judiciário entende-se o conjunto de instituições e organizações representadas pelas cortes, tribunais, e seus juizes e magistrados. 101 The Journal of Law & Economics Vol. 3 (1960), p. 1-44. 102 “The difference between a discipline that seeks to explain economic life (and, indeed, all rational behavior) and a discipline that seeks to achieve justice in regulating all aspects of human behavior is profound.” (Stigler, 1992, p. 463).

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“In developed countries, effective judicial system include well-specified bodies of law and agents such as lawyers, arbitrators, and mediators, and one has some confidence that the merits of a case rather than payoffs will influence outcomes. In contrast, enforcement in Third World economies is uncertain not only because of ambiguity of legal doctrine (…), but because of uncertainty with respect to behavior of the agent.” (North, 1990, p. 59). O produto é uma prolificação literária iniciada nos anos 90 103 que estuda e analisa a relação e o papel do sistema judiciário com o desempenho e desenvolvimento econômico. Em geral, essa literatura reconhece e parte das observações levantadas por D. North, isto é, que a disponibilidade e desempenho do sistema judiciário afeta o desempenho econômico das nações; no entanto, apesar das argumentações acerca do como e por quê o sistema judiciário afeta o desempenho econômico, 104 as evidências apresentadas para apoiar esses argumentos (como no caso dos pvda) 105 são dispersas e não obedecem a uma metodologia sólida e unificada de observação. Como anota Messick (1999), “Although neither hypothesis has been subjected to a rigorous empirical test, there is some indirect evidence, albeit tentative and inconclusive, supporting both.” (p. 120). “The most that can be said at the moment is that the weight of opinion and evidence suggests the existence of some type of relationship [entre ‘qualidade’ do sistema judicial e crescimento econômico].” (p. 123). Posner (1998) ressalta por exemplo o contraste entre o sucesso econômico de países como a China e o Vietnã apesar do rudimentar e fraqueza das suas instituições legais e jurídicas, com o caso do RU, quem embora de ter um dos mais desenvolvidos sistemas judiciais do mundo, tem atravessado longos períodos de estagnação econômica. Por tanto, a configuração da relação direta entre sistema judiciário e desenvolvimento econômico ainda não passa de ser uma tese não verificada em etapa de formulação. Afirmando-se assim a observação final da primeira citação acima de D. North (1990, p. 35): “Nevertheless, the problems of achieving third-party enforcement of agreement via an effective judicial system that applies, however imperfectly, the rules are only very imperfectly understood and are a major dilemma in the study of institutional evolution.”. Da literatura consultada concluem-se como duas as razões que explicam o anterior: a primeira, a dificuldade de definir um indicador ou critério de avaliação ou

103 A literatura aqui consultada à qual se faz referência, é: Marcos de Souza et al. (1994), Eyzaguirre (1996), Posner (1998), Messick (1999), e Castelar Pinheiro (2003). 104 Ver por exemplo, Marcos de Souza et al. (1994). 105 Ver por exemplo, Eyzaguirre (1996).

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mensuração da qualidade ou efetividade do sistema judiciário que capture com sucesso a relação entre judiciário e desempenho econômico;106 a segunda, a importância dos mecanismos alternativos ou substitutos (instituições informais)107 para a solução de controvérsias e garantia (enforcement) dos direitos e deveres dos agentes, os quais surgem especialmente em casos de fraqueza ou ausência de mecanismos ou instituições formais (“In the absence of the state and formal rules, a dense social network leads to the development of informal structures with substantial stability.”, North, 1990, p. 38). A dificuldade de definir um indicador ou critério de avaliação ou mensuração é geral, independentemente do setor econômico no qual queira se analisar o impacto do sistema judiciário; porém, no caso da indústria e setor elétrico, a importância das instituições informais é, a priori, incomparável com a relevância que para essa indústria têm as instituições formais, mais ainda num contexto de desregulamentação. Pelas características descritas na seção 2.2, os investimentos em infra-estrutura elétrica se caracterizam por serem altamente específicos e apresentarem importantes externalidades. Num contexto de desregulamentação e reestruturação, além da inerente condição de incerteza da demanda, as condições de oportunismo dos agentes, de risco do mercado e de incompletude de informação são mais severas (ver seção 2.2.2). Por tanto, nesse contexto, o financiamento dos investimentos e a centralização física e descentralização comercial necessárias têm de ser realizados e assegurados por meio de complexas relações contratuais de curto e longo prazo, em torno dos quais é possível surgirem disputas e controvérsias na (segunda) fase ex pos da regulação, as quais, pelas complexidades contratuais, evidentemente não parece lógico que pudessem ser adequada e suficientemente resolvidas ou dirimidas por meio de mecanismos e instituições informais. A partir de informação das instituições políticas básicas de uma amostra base de 91 países (incluído a maioria dos sul-americanos) referente à natureza do sistema judiciário e as instituições legislativas e executivas,108 Bergara et al. (1997)109

106 “Researching the cost of poor enforcement will require a better understanding of the role of a judicial system in relation to other elements of a economy. How can cost be described and measured? Is it possible to measure the ‘performance’ of the judicial system in terms of such factors as access to courts, length of proceedings, predictability of outcomes, impartiality of judges and adequacy of remedies, and against what kind of norms would performance be measured?” (Marcos de Souza et al., 1994, p. 113). Para uma discussão ao respeito, ver Castelar Pinheiro (2003). 107 Por exemplo, coleção de informação histórica e reputação dos agentes, reportes de credito, acordos horizontais, ajuste e arbitração por meio de terceiros, retaliações, conformação de estruturas verticais ou híbridas, pressão social, altruísmo, honra, entre outros. 108 “The primary independent variable is an index of political credibility derived from three component variables: judicial effectiveness, formal constraints on executive discretion and informal constraints on

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analisam econometricamente a interação entre a institucionalidade nacional e o investimento na indústria de eletricidade desses países. A principal conclusão resultante das análises dos autores é que, em efeito, a credibilidade e boa definição das instituições políticas esta positiva e significativamente correlacionada com as decisões de investimento. Em quanto ao sistema judiciário, os autores concluem que sua independência e respeitabilidade melhoram substancialmente as condições institucionais de investimento nas indústrias. Mais além de factíveis deficiências e discutíveis considerações metodológicas, certamente, as conclusões dessas análises concordam com a tese postulada pela literatura acima citada acerca da relação positiva entre sistema judiciário e desenvolvimento econômico, e mais importante ainda, estaria se verificando e dando validez a essa tese no caso da indústria elétrica. Porém, a evidência da experiência sul-americana nas últimas duas décadas contrasta estas afirmações e levanta importantes questionamentos acerca da efetiva validez dessa tese, pelo menos, em quanto ao caso da indústria elétrica sul-americana. No caso da América do Sul -e a América Latina em geral-, como foi já citado antes, não é segredo a fraqueza das suas instituições nem o seu historial de instabilidade democrática do século passado, tendo casos representativos como o da Bolívia (em ambos os aspectos, fraqueza institucional e instabilidade democrática) e o Chile (especialmente em quanto a instabilidade democrática). Não obstante, em ambos casos, apesar das observações e conclusões da literatura precedente, são os países com a maior participação privada de toda a indústria elétrica sul-americana (ver Quadro 2.3). E no resto de países aqui chamados ‘reformistas’, a fraqueza e instabilidade democrática das suas instituições também não têm sido impedimento para a realização de importantes investimentos privados nas suas indústrias de energia. Poderiam se aduzir diferentes razões -ainda que especulativas- como explicativas da particularidade do investimento privado e desenvolvimento da indústria energética sul-americana. Por exemplo: déficit de informação dos investidores (?), falta de atenção das empresas às recomendações e observações da literatura (“Firms choosing between alternative international investment opportunities should carefully weigh the extent to which such constraints restrict policy changes by the government in the present and in the future. … Firms should therefore

executive discretion. The efficiency and integrity of the legal environment determines the ability of business to rely on an impartial and timely third party dispute resolution mechanism in the case of a dispute with the government. …. The degree of independence and strength of the court system and the judiciary institutions is captured by the law and order and legal systems indicators. A more objective measure of judicial independence is also derived from a survival analysis of the tenure of justices on the Supreme Court.” (Bergara et al., 1997, p. 8). 109 O estudo se sustenta nos desenvolvimentos analíticos da reconhecida pesquisa de P. Spiller no tema por ele denominado como Regulatory Commitment.

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examine the tenure length of justices at the relevant court and their employment histories and prospects …”, Bergara et al., 1997, p. 16) (?), ou relevância e disponibilidade de mecanismos alternativos (instituições informais) efetivos que compensam a deficiência e carência das instituições formais (?). No entanto, o que pode se aqui concluir entre mãos é que, em primeiro lugar, o marco analítico postulado pela literatura acima citada é insuficiente e tem uma capacidade discreta de interpretação, e em segundo lugar, que apesar da coerência e sustentação teórica da afirmação acerca da importância para o desempenho econômico do sistema legal e judiciário, e inda que é um fato reconhecido -embora não generalizável- o da fraqueza e ineficiência das instituições nacionais latino-americanas; preliminarmente, a experiência das últimas duas décadas mostra que as condições institucionais (formais e ou informais) e organizacionais de caráter político, legal, jurídico e administrativo, têm sido e são adequadas para a participação e o investimento privado na indústria energética sul-americana. Em conseqüência, não parece recomendável propor reformas aos sistemas legais e jurídicos sul-americanos, como sugerem alguns dos autores citados (por exemplo, Eyzaguirre, 1996), pelo menos entanto não haja um marco analítico e interpretativo adequado que evite as falhas e fracassos de reformas como as acometidas no passado (ver, Messick, 1999). Se tratando do melhoramento das condições e superação de parte das deficiências institucionais existentes a nível nacional para o desenvolvimento e consolidação de um esquema integração econômica, e ou energética regional, a observação mais acertada é a plantada por Posner (1998), no sentido de procurar e definir só as regras mínimas -mas efetivas- necessárias de contratação, de direitos de propriedade e resolução de conflitos, em vez de procurar “a first-class judiciary or an extensive system of civil liberties.”. 3.4.2. Regulação e defesa da concorrência na indústria elétrica sul-americana. De acordo à evidência levantada e discutida na seção 2.4.4 do capítulo anterior, para as instituições e organizações de regulação e defesa da concorrência serem efetivas e competentes no contexto atual de conglomeração e internacionalização estratégica global das empresas de energia, estas instituições e organizações terão que adaptar suas políticas e instrumentos de acordo às realidades e desafios desse novo contexto. A América do Sul, como visto na seção 2.4.4, têm sido alvo dessas estratégias e operações empresariais (Electric Power Globalization and the Genesis of the Multinational Power Company; EIA, 1996, cap. 5). A questão então a ser encarada nesta seção, é como ou em consideração de quais aspectos fazer essa adaptação num cenário de integração energética regional, mais especificamente, com ou de quais políticas dotar as instituições e organizações regionais de regulação e defesa

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da concorrência para promover e sustentar o estado de concorrência econômica na oferta a nível regional? Não se pretende aqui cobrir por inteiro nem esgotar esta questão, tão só plantar a discussão e questões básicas, e sentar alguns lineamentos teórico-práticos no sentido do objeto definido na questão. O ponto de partida é supor, como na seção anterior, a existência hipotética de uma ORCR, a qual nestes aspectos -em apoio e conjunção das instituições jurídicas- teria as funções de coordenação das políticas e instrumentos de defesa da concorrência a nível regional. O primeiro aspecto a ser analisado é sobre a natureza dessas estratégias -principalmente das operações de F&A-, para logo discutir, em complementação da NEI, os elementos de análise das políticas de regulação e defesa da concorrência. Natureza das estratégias e operações empresariais de conglomeração e internacionalização. Uma miragem mais detida sobre as causas do que denominado pela literatura como ‘ondas’ de F&A empresarial,110 mostra que as motivações e fins dessas operações sempre têm estado presentes e têm sido os mesmos. Ainda que alguns autores (Jensen, 1988; Harford, 2005) fazem mais ênfase nas motivações microfinanceiras e microeconômicas (finanças empresariais, liquidez, choques e mudanças tecnológicas e regulatórias), outros (Conklin, 2005) nas macrocomerciais (arranjos e acordos comerciais), e outros com enfoques mais amplos (Pinto Junior, 1999; Andrade e Stafford, 2004), nas condições micro-macro econômicas e institucionais; em geral, as operações de F&A obedecem a adaptações estratégicas em resposta a quaisquer tipos de mudanças que afetem (ou possam afetar) sua eficiência econômica. Em efeito, o auge dessas operações a partir dos anos 80 é conseqüência das mudanças do cenário econômico internacional iniciadas nesse período, as quais, além de ter mudado radicalmente as condições econômicas (de crescimento para estagflação, súbita elevação das taxas de juros, desmonte do regime de taxas de câmbio fixas, choques dos preços do petróleo) e institucionais (novo sistema financeiro internacional, ressurreição e realinhamento do regionalismo comercial, abertura e desregulamentação econômica, descentralização estatal) a nível global (ver seções 1.1.2, 1.1.3, e introdução do capítulo II), geraram um afrouxamento e desmonte de antigas políticas e estruturas (centralização, intervenção e regulamentação econômica)111 perenes a nível nacional, que restringiram no passado sua realização (das operações de F&A) em escala global.

110 Para efeitos da discussão aqui desenvolvida, dentro das chamadas operações de F&A (em inglês, Mergers and Acquisitions) incluem-se as operações de –nos nomes da literatura em inglês- Takeovers e Divestitures. 111 Sobre o caso latino-americano, ver Bielschowsky e Moguillansky (2000, cap. 1).

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As análises da evidência empírica das operações de F&A durante o último quarto de século passado, que incluem amostras de operações de empresas das indústrias de energia e infra-estrutura, mostram segundo as análises dos autores desses trabalhos, por uma parte, que essas operações não são só realizadas com fins expansivos durante períodos de crescimento ou exaustão de capacidade, mas também nas fases de contração e depressão das empresas (Andrade e Stafford, 2004); e por outra, que é pouca e não consistente a evidência de incremento de ,colusão ou de comportamentos monopolistas (nem na oferta nem na compra) após a realização e configuração dessas operações (Fee e Thomas, 2004). Verificando-se assim, com base nessa evidência, que com as reorganizações e reestruturações resultantes dessas operações procura-se fundamentalmente elevar (nas fases expansivas) ou manter -e ainda minimizar reduções (nas fases contrativas) do- o grau eficiência econômica das empresas, ou seja, maximizar de acordo às condições, possibilidades e entorno empresarial, o nível de produtividade, lucratividade e valor patrimonial. De acordo com o anterior, qual seria a justificação para controlar ou limitar a realização de operações que obedecem fundamentalmente a razões de eficiência econômica (?), como é o caso das operações de F&A. Haveria acaso outros aspectos a considerar no caso das indústrias de infra-estrutura e energia? Elementos de análise das políticas de regulação e defesa da concorrência. Em primeiro lugar há que destacar que, embora as análises empíricas desses autores sejam metodologicamente -estatisticamente- corretas, suas conclusões são gerais, extraem dentre uma ampla gama de resultados correspondentes a diferentes setores industriais -com características e particularidades especiais-, de forma que, embora representem um resultado marcante e majoritário, estas não são absolutas nem generalizáveis. Em segundo lugar, em quanto à evidência de colusão ou de comportamentos monopolistas após da configuração das operações de F&A, essas avaliações (Fee e Thomas, 2004) baseiam-se simplesmente na verificação de incrementos dos preços finais de venda, isto é, consideram que uma operação determinada de F&A configura colusão ou poder de monopólio só quando após da realização da operação evidenciam-se incrementos elevados nos preços finais de venda nessa indústria ‘conglomerada’. Porém, ainda que após uma operação de F&A não haja um incremento substancial (por exemplo, percentualmente superior à inflação) nos preços de venda, e sendo correta a observação de que estas operações são efetuadas por razões de eficiência econômica, nesse caso, todo o ganho resultante do incremento da eficiência (por exemplo, reduções no custo médio de produção por efeitos de economias de escala e escopo) estaria sendo transferido para o produtor, sem nenhum beneficio para o

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consumidor. Em termos mais exatos, haveria nesse caso uma efetiva redução do custo marginal de produção que não estaria sendo refletida nos preços finais de mercado, ou seja, estaria se configurando uma condição anticompetitiva ou de abuso de poder de mercado. Como é descrito após, as considerações para a análise de configurações ou comportamentos não competitivos são mais amplas e complexas -e incluso, controversas- do que o exemplo analítico anterior. No entanto, é nesse sentido de eqüidade, de proteção ao consumidor e do bem-estar geral, que se justificam as políticas de regulação e defesa da concorrência, mais ainda quando se trata de um bem de caráter público e hoje em dia vital, como é o serviço de fornecimento e suprimento de energia elétrica. Com as operações de F&A se produz uma efetiva reorganização e reestruturação industrial que pode promover-facilitar ou limitar-dificultar comportamentos monopolistas dos agentes, que justifica no sentido anterior a supervisão ativa da evolução e desempenho das estruturas e comportamentos do mercado: “For any deregulation scenario to work well, antitrust policy must police tendencies toward monopoly and collusion.” (Joskow e Schmalensee, 1983, p. 196). Em efeito, além de que há pouco suporte analítico para a presunção de que todos os mercados relevantes da indústria elétrica, incluindo a geração, serão competitivos após a desregulamentação (Joskow e Schmalensee, 1983, p. 198), as experiências emblemáticas das crises no RU e na Califórnia (USA)112 na virada do século, caracterizadas em comum por súbitos e desproporcionados incrementos nos preços (mais severos na Califórnia do que no RU), evidenciam claramente o potencial e risco de oportunismo e de configuração de comportamentos não competitivos dos agentes, e mostram a necessidade da implementação de políticas de regulação e defesa da concorrência. Inicialmente, a política antitruste ou de defesa da concorrência no se enfoque tradicional da primeira metade do século XX, com exceção dos denominados monopólios ‘naturais’ como os das indústrias de infra-estrutura, considerava e olhava estritamente para o monopólio como uma organização ‘ruim’ ao interesse geral do consumidor pelo seu potencial de abuso de poder de mercado, a qual havia por tanto que combater, ou quando menos, regular. Na segunda metade do século, a partir de questionamentos como os do trabalho de H. Demsetz de 1968 (anotou, por exemplo: “... we have no theory that allows us to deduce from the observable degree of concentration in a particular market whether or not price and output are competitive. We have as yet no general theory of collusion and certainly not one that

112 A crise da Califórnia é bem conhecida e documentada. Sobre o caso do RU, ver Thomas (2001) e Newbery (1995).

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allows us to associate observed concentration in a particular market with successful collusion.”, p. 60 [1-no]) e dos desdobramentos dos desenvolvimentos teóricos de R. Coase, há uma redefinição do conceito de monopólio, incluindo elementos de eficiência, e um aprofundamento na análise das condições e condicionantes (comportamentais e estruturais) da colusão e dos comportamentos oportunistas. O conceito mais importante da política antitruste e da literatura da regulação e defesa da concorrência (Fagundes et al., 1998; Moss, 2005; Newbery, 1995; Cox, 1999) nas indústrias e setores de infra-estrutura, é o de contestabilidade. Este conceito é à sua vez ligado a dois conceitos que o condicionam: a factibilidade e a sustentabilidade. A factibilidade, descrita no ponto ii da seção 2.4.1, se refere ao potencial de concorrência num mercado ou segmento industrial, o qual depende fundamentalmente de fatores estruturais (como o tamanho da demanda) e técnicos e tecnológicos. A sustentabilidade, descrita no ponto iii da mesma seção citada, esta relacionada com as condições de livre acesso ao mercado e à indústria, de forma que a sustentabilidade implica garantir o ingresso (ameaça) ao mercado de qualquer agente potencial que possa produzir ou fornecer o serviço de maneira eficiente. Fagundes et al. (1998, p. 25) definem a contestabilidade da seguinte forma: “Um mercado é dito perfeitamente contestável se os concorrentes potenciais têm acesso à tecnologia disponível e podem recuperar seus custos de entrada, caso posteriormente decidam abandonar à indústria. Assim, o conceito de perfeita contestabilidade está relacionado com liberdade absoluta de entrada e saída das firmas em um determinado mercado.”. Nas condições ‘globais’ do mundo atual, a tecnologia (mais corretamente, os equipamentos tecnológicos) é um recurso facilmente disponível para quem ostente os recursos econômicos necessários para sua aquisição, implementação, operação e manutenção. As condições institucionais de entrada, como foi já discutido nas seções anteriores deste capítulo, podem ser garantidas por meio de arranjos institucionais e organizacionais. Já a saída, condicionada de acordo com a definição última à recuperação dos custos de entrada, é bem mais problemática nas indústrias de infra-estrutura, toda vez que tais investimentos, pelas suas especificidades físicas e geográficas e complexidades tecnológicas (ver seção 2.2), implicam incorrer em elevados custos fixos, dos quais uma boa parcela corresponde aos denominados sunk costs, que por definição, são dificilmente recuperáveis na sua totalidade. Na geração, segmento (mercado) onde se da efetivamente a possibilidade de introduzir concorrência como alternativa para organizar eficientemente a produção de energia elétrica, há tipicamente duas classes de investimentos de acordo à

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tecnologia: investimentos em usinas de tecnologia hidráulica (que é a tecnologia e recurso predominante na América do Sul, ver Figura 2.2) que são característicos desse tipo de custos;113 e investimentos em usinas de tecnologia térmica, cujos custos, incluídos os sunk costs, em comparação com os da tecnologia hidráulica, são consideravelmente menores, mais ainda assim não desprezíveis. A presença desse tipo de custos limita a contestabilidade dos mercados de energia desregulados, e em conseqüência, também a livre concorrência. Adicionalmente, ainda que a literatura114 sustenta que com o advento da tecnologia TGCC esta limitação pode ser superada,115 há alguns vestígios de que na pratica esta limitação continua sendo importante.116 Por tanto, ainda que sejam eliminadas as barreiras institucionais à entrada,117 como por exemplo, por meio do estabelecimento de instituições e organizações como as discutidas nas seções anteriores, a razão de caráter técnico-econômico para a implementação de políticas de regulação e defesa da concorrência nas indústrias e setores de infra-estrutura e energia é a existência e relevância na indústria elétrica de custos do tipo sunk costs, que podem minar ou limitar as condições de livre acesso, configurando o que na ECT de O. Williamson se denomina como Transformação Fundamental (ver seção 2.2.2). Adicionalmente, a possibilidade de se efetuarem ou configurarem praticas restritivas-não competitivas por parte dos agentes, como nos casos da Califórnia e

113 Os custos da represa, tipicamente sunk costs, representam boa parte dos custos iniciais do investimento. 114 Por exemplo Newbery (1995). 115 A tecnologia TGCC, além de reduzir as capacidades nominais (entre 300 - 600 MW), reduz também os tempos de construção (2 – 3 anos) e as inflexibilidades de operação (ver seção 3.2), e incrementa consideravelmente a eficiência energética em comparação com outras tecnologias térmicas. Como dados de referência comparativa, as capacidades nominais das usinas hidroelétricas oscilam entre 1000 - 10.000 MW, e os tempos de construção são superiores aos 7 anos. As tecnologias térmicas diferentes da TGCC, ainda que representam capacidades semelhantes à TGCC, têm graves problemas de eficiência, de inflexibilidades e de poluição (como no caso das usinas térmicas a carvão). 116 A conjuntura do setor energético na América do Sul a inícios da presente década é bem interessante. Durante o ano 2000 e o primeiro bimestre do ano 2001, grupos subversivos na Colômbia atentaram contra a infra-estrutura de transmissão energia elétrica nesse país, produzindo um fracionamento do sistema interligado. Essa situação colocou a alguns agentes geradores em posição dominante, quem abusando dessa posição, efetuaram ofertas no mercado atacadista por valores acima dos custos de racionamento do sistema. O órgão regulador (CREG) decidiu intervir, fixando os chamados preços de reconciliação do mercado através da Resolución CREG 034 de 2001, o qual coincidiu com crises energéticas no Brasil e na Venezuela. Perante dessa conjuntura: preços restringidos na Colômbia, e demanda, preços elevados, e termos favoráveis para investimentos térmicos na Venezuela e no Brasil; vários agentes proprietários de usinas tipo TGCC afetados com as medidas da CREG, declararam e ameaçaram se trasladar para esses mercados a menos que finalizasse a intervenção e fossem recompensados. As medidas foram, porém, mantidas indefinidamente, e apesar de que não havia barreiras institucionais para sua saída, o translado (saída) dos agentes nunca se efetuou. 117 “…a retirada das barreiras à entrada institucionais é condição necessária, mas não suficiente, para promover a competição nos setores de infra-estrutura, dada a presença de sunk costs e a possibilidade de comportamentos estratégicos de detenção de entrada por parte das firmas estabelecidas. Outras formas de intervenção podem ser necessárias a fim de permitir a entrada de novos concorrentes.” (Fagundes et al., 1998, p. 23).

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o RU (mencionados acima), motiva a implementação dessas políticas. A literatura citada de regulação e defesa da concorrência identifica dois tipos básicos de atos ou praticas restritivas: praticas verticais e praticas horizontais, as quais podem ser efetuadas através de intervenções de caráter comportamental (o exemplo mais comum é a colusão ou conluio) ou estrutural (por exemplo por médio da integração industrial e operações de F&A). Um dois modos mais comuns de pratica vertical, de caráter estrutural, é a integração e centralização industrial vertical, a qual, ainda que sem os termos das políticas e literatura antitruste, foi já amplamente discutida e analisada nas seções e capítulo anterior (es): os recursos analíticos na seção 2.2, as alternativas de solução na seção 3.2, e as considerações para o caso sul-americano nas seções 2.4.3 e também na seção 3.2. Entretanto, as praticas de maior dinamismo, e que podem constituir praticas restritivas tanto verticais quanto horizontais, assim como de tipo híbrido (conglomeração vertical-horizontal), são as operações de F&A, as quais vêm sendo discutidas desde o capítulo anterior. Sem duvida, este tipo de praticas, pelo seu dinamismo, escala (global) e dimensão (transposição e transversalidade setorial) (seção 2.4.4), são as que representam os maiores desafios para as instituições e organizações encarregadas de desenhar e implementar as políticas de regulação e defesa da concorrência. Como se advertiu no início da seção, não se pretende cobrir por inteiro nem esgotar o tema aqui em discussão; tendo em conta a evidência levantada na seção 2.4.4 e discutida nos parágrafos anteriores desta seção, basta para finalizar, ressaltar três aspectos que se considera devem ser cuidadosamente analisados na definição de políticas de regulação e defesa da concorrência, orientadas a supervisar possíveis estruturas e comportamentos restritivos-não competitivos resultantes desse tipo de operações num esquema de integração energética sul-americano. (i) A transnacionalização -ou globalização, no jargão em voga- empresarial (incluindo a das empresas de energia) na dinâmica e escalas e dimensões atuais é um fenômeno inédito na historia econômica mundial. Como declara o historiador E. Hobsbawn em entrevista ao jornalista italiano A. Políto,118 “Quando as pessoas falavam de indústria italiana, inglesa ou americana, não estavam se referindo apenas a empresas cujos donos eram cidadãos desses países, mas a empresas que estavam fisicamente localizadas quase exclusivamente na Itália, na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos, e que em seguida vendiam seus produtos para outros países. Hoje, isto já não existe mais. (...) ...como considerar o Ford um carro americano quando seus componentes são japoneses, europeus ou até mesmo fabricados em Detroit? ...”.

118 O Novo Século. São Paulo : Companhia das Letras, 2002.

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Aceitando a observação de Demsetz (1993, p. 169) de que “The firm properly viewed is a ‘nexus’ of contracts”, desde a óptica das políticas de regulação e defesa da concorrência, surge um problema de definição e delimitação do objeto que leva a complicações de competência legal. No cenário do passado descrito por E. Hobsbawn, em que as empresas estavam circunscritas tanto no aspecto físico quanto no aspecto legal, a fronteiras nacionais específicas, no caso de se evidenciarem praticas não competitivas, não resultava difícil identificar os mercados sobre os quais tomar providências, nem as instituições às quais competia aplicar nesse caso as medidas e políticas de regulação e defesa da concorrência. Já no cenário atual, as firmas e empresas trans nacionais compreendem uma diversidade de ativos físicos dispersos em diferentes países (como no caso da indústria energética na América do Sul, Quadro 2.4), sujeitos às legislações particulares de cada país, e regulados e coordenados ao interior da firma através de contratos internacionais, e com empresas subsidiarias ou parceiras por meio de contratos nacionais e internacionais de joint ventures ou franquias. Nesse cenário, reconhecendo a dificuldade assinalada por Demsetz (1993, p. 170) para distinguir entre “coordination achieved ‘across markets’ and coordination achieved ‘within firms’.”, em caso de se ter indícios de praticas não competitivas, como determinar com clareza e supervisar os mercados e agentes comprometidos nessas praticas? E no caso em que for possível essa determinação, teriam as instituições e organizações a nível nacional e regional (como a ORCR e demais instituições e órgãos regionais) as competências e faculdades suficientes e efetivas para supervisar e desencorajar tais praticas, respeitando ao mesmo tempo os direitos de propriedade consagrados nos contratos? (ii) Ainda que, como foi descrito, com as operações de F&A se produz uma reorganização e reestruturação industrial que pode promover-facilitar (ou limitar-dificultar) comportamentos monopolistas dos agentes. Há não obstante, além dos ganhos de eficiência econômica já mencionados, ganhos potenciais de eficiência ‘organizacional’ que podem estar motivando a realização dessas operações por parte dos agentes e as empresas. Esses ganhos se relacionam com os elementos analíticos desenvolvidos por O. Williamson, isto é, com a procura de economias de custos de transação (ver Fagundes et al., 1997). Nas indústrias de infra-estrutura energética como a elétrica, dada relevância dos custos fixos, junto com a inexorável condição de incerteza da demanda, o risco oportunista dos agentes e a incompletude de informação (ver seção 2.2), o potencial para economizar custos de transação por meio de inovações

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organizacionais que podem ser efetivadas através de operações de F&A, é grande. E por conseguinte, é claro que essa consideração deve ser incorporada e analisada no desenho e definição das políticas de regulação e defesa da concorrência. Porém, a despeito dos desenvolvimentos teóricos e analíticos recentes (ver Moss, 2005), os elementos e recursos de análise e juízo ainda são limitados e complexos para avaliar esses potenciais ganhos, ou em outras palavras, para determinar quando os potencias ganhos de eficiência econômica e organizacional compensam o risco de se configurarem estruturas e comportamentos potencialmente oportunistas ou não competitivos. A seguinte sentença proferida pelo mesmo O. Williamson no seu trabalho de 1989, ilustra bem este desafio: “Sólo el tiempo dirá si los abogados y los economistas de la División Antimonopólica [no nosso caso, das instituições e organizações sul-americanas de regulação e defesa da concorrência] serán capaces de separar las pretensiones de eficiencia reales de las falsas, de modo que las leyes que rigen las fusiones se apliquen con ganancias sociales netas. Sin embargo, me siento cautelosamente optimista ante tal resultado.” (p. 371). (iii) Em parte, a limitação mencionada se relaciona com o nível de desenvolvimento do leque de recursos teóricos e analíticos disponíveis para o estudo e definição das políticas antitruste,119 os quais, como visto, obedecem a uma análise predominantemente estática, fragmentada (em quanto analisa os aspectos comportamentais e estruturais separadamente) e de curto prazo, das condições e condicionantes estruturais e comportamentais da concorrência, sem analisar e considerar os impactos e tendências dinâmicas de mediano e longo prazo, isto é, a evolução e interação entre e dos aspectos comportamentais (estratégias) e estruturais (organização) que determinam a concorrência. Nesse sentido, em princípio, tanto os desenvolvimentos analíticos recentes das políticas de regulação e de defesa da concorrência,120 quanto a evidência empírica da organização industrial (leia-se, ondas de operações de F&A), mostram uma progressiva coerência com a tendência dinâmica da concorrência para a concentração industrial em setores tecnologicamente complexos (como é o energético), apontada pelos resultados das análises dinâmicas da concorrência (Nelson e Winter, 1982, cap. 13 e 14) e no “fenômeno fundamental do desenvolvimento econômico” descrito por J. Schumpeter desde há um século.

119 Ver por exemplo, Cox (1999). 120 Ver: Moss (2005), Winter (1993, ‘Evolutionary vs. Transaction Cost Perspectives of the Firm’) e O. Williamson (1989, cap. 15: ‘La Innovación Organizativa’.).

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CONCLUSÕES

As experiências de integração na Europa e na América Latina mostram que os desenvolvimentos da integração energética a nível regional estão sujeitos a processos multidimensionais longos e complexos, influenciados pelo cenário econômico e político global, e condicionados pela institucionalidade a nível regional e nacional. Devido à complexidade e imprevisibilidade do processo, resulta difícil determinar quais as condições suficientes para esquematizar uma integração energética regional bem sucedida. No entanto, as características técnico-econômicas dos sistemas elétricos e as características e implicações contratuais dos modelos de organização industrial no contexto recente de desregulamentação e reestruturação industrial impõem, na óptica do enfoque Neo-Institucionalista aqui abordado, condições econômicas e institucionais mínimas, necessárias para esses sistemas e modelos operarem e funcionarem. Dentre os principais aspectos econômicos que condicionam o processo de integração energética destacam-se: as estruturas de oferta e demanda de energia, as complementaridades energéticas e o grau de desenvolvimento da infra-estrutura de interconexão, a estrutura industrial e a conformação empresarial, os quais determinam a viabilidade e profundidade da integração. Cabe notar ainda que as condições institucionais, além de governarem as relações técnicas, comerciais-contratuais e jurídico-administrativas da integração, determinam as condições de livre acesso e de planejamento, das quais depende a promoção e grau de eficiência econômica da integração. Entre essas duas dimensões, a econômica e a institucional, se verifica uma interação e interdependência funcional, das quais depende o bom desempenho e sucesso da integração em termos de profundidade e grau de eficiência econômica. De acordo às particularidades latino-americanas, não há porém um modelo específico de organização industrial e desenho institucional a seguir, o qual defina essa funcionalidade requerida, mas é possível, no entanto, com base nas análises e discussões elaboradas, assinalar das condições necessárias identificadas, quais as condições ausentes e presentes em cada uma das dimensões estudadas. Na dimensão econômica, as estruturas de oferta e demanda de energia e as complementaridades dos e entre os sistemas energéticos sul-americanos, representam a existência de oportunidades e incentivos econômicos potenciais

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reais para o comércio e transações intra-regionais de energia, que podem ser efetivamente realizados através de mecanismos e esquemas competitivos regionais de mercado, dados o atual número de agentes participantes e grau de desenvolvimento das estruturas e mercados das diferentes indústrias de eletricidade na região. Porém, esse potencial de realização, nas atuais condições técnico-econômicas de integração regional, esta fortemente restringido pelo carente grau de desenvolvimento da infra-estrutura de interconexão física a nível intra-regional, limitado em parte, pelas barreiras geográfico-espaciais que caracterizam o subcontinente sul-americano e as capacidades e condições para esse tipo de investimentos. E, ademais, de acordo às características e implicações das relações e transações contratuais no novo contexto de desregulamentação e reestruturação da indústria, a realização desse potencial, isto é, a realização de todas as transações energéticas possíveis, precisa inexoravelmente de um conjunto mínimo de condições institucionais e organizacionais. Nessa dimensão institucional da integração energética, existe, em tese, o conjunto de condições institucionais comerciais e jurídicas básicas necessárias para a regulação, realização e coordenação das transações e operações comerciais, incluindo as dos investimentos em infra-estrutura, e a celebração dos contratos correspondentes requeridos. Não estão reunidas, porém, as condições institucionais regionais de coordenação técnica (da operação e do planejamento) e jurídico-administrativas para a coordenação da regulação, necessárias para garantir o livre acesso, promover e vigiar a livre concorrência e definir uma política energética comum, necessárias à sua vez, para a promoção e sustentação da eficiência econômica num esquema de integração energética regional. Na experiência européia de integração, tanto no caso dos países da Europa continental quanto no caso dos países nórdicos, o primeiro passo em direção à integração energética foi o desenvolvimento da integração física regional, para o qual dispunham de condições favoráveis de financiamento em razão do contexto macroeconômico expansivo dos anos 50 e 60 e das políticas e recursos do Plano Marshall; e passo seguido, a instituição de uma organização regional de coordenação técnica (UCPTE e Nordel) a partir de cenários e organizações de cooperação e coordenação econômica e política (OCEE, Conselho da Europa e Conselho Nórdico). No contexto atual, não há tais condições favoráveis de financiamento na América do Sul, nem há à vista algum país com a capacidade econômica ou vontade política necessária para bancar investimentos em infra-estrutura de interconexão com os demais devido aos elevados custos iniciais de investimento; por tanto, esse primeiro passo dado pelos países europeus não parece possível de ser emulado na América do Sul entanto não haja uma retomada sustentada do crescimento econômico que melhore as condições fiscais e capacidades de investimento dos

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países, ou entanto não seja feito um esforço conjunto e sustentável de cooperação e coordenação para a integração física; nesse sentido, no entanto, estão bem orientadas as iniciativas da IIRSA e da CSAN. Ainda que sejam sensivelmente melhoradas e ampliadas as condições favoráveis de financiamento para a integração física, o grande desafio radica em superar com sucesso previsíveis dificuldades, especialmente de caráter político-econômico, que já no passado obstaculizaram o desenvolvimento do processo de integração da América do Sul. A experiência européia, mais do que um cardápio ou menu institucional modelo, mostra e assinala a possibilidade e bondade de resolver e superar dificuldades e conflitos desse tipo através de mecanismos e inovações institucionais, como foi o caso da CECA e do Tratado de Roma-CE, alicerces da hoje em dia UE. Finalmente, nesse cenário ideal de condições favoráveis de financiamento que permitissem um desenvolvimento satisfatório da integração e interconexão física sul-americana, no qual fossem também instituídas, em decorrência, organizações e instituições técnicas e jurídico-administrativas com competências e faculdades regionais; não há à vista, no contexto global atual, mecanismos, instrumentos e recursos legais e teóricos suficientes e adequados para lidar com as estratégias de conglomeração e internacionalização das empresas de energia, que limitam e minam as condições de concorrência necessárias para a promoção e sustentação da eficiência econômica nas indústrias de energia.

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Convenções [...], comentários ou aclarações do autor desta dissertação. [#-no], número de notas omitidas do texto original citado. Capítulo (cap.). Direito administrativo da regulação (DAR). Economia dos Custos de Transação (ECT). Fusões e Aquisições (F&A). Investimento Estrangeiro Direto (IED). Independent System Operator (ISO). Nova Economia Institucional (NEI). Organização regional de coordenação técnica (ORCT). Organização nacional independente de transmissão, operação e planejamento (ONITOP). Operadores nacionais da transmissão (ONTs). Organização regional de coordenação do planejamento de longo prazo (OPLP). Organização regional de coordenação de regulação (ORCR). Página(s) (p.). Países em via de desenvolvimento da América (pvda). Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

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Power Purchase Agreement (PPA). Produto interno bruto (PIB). Relação das reservas sobre o consumo anual de energia (r/c). Single-buyer Model (SBM). Teoria da regulação econômica (TRE). Third-party Access (TPA). Transmissão como entidade independente (TCEI). Turbinas a gás em ciclo combinado (TGCC). Usuários não regulados (UNRs). Siglas institucionais América Latina: Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Comunidade Andina de Nações (CAN). Comitê Andino de Órgãos Normativos e Órgãos Reguladores de Serviços de Eletricidade (CAONORSE). Comissão da Comunidade Andina (CCA). Comisión Económica para América Latina (CEPAL). Comisión de Integración Energética Regional (CIER). Comisión de Regulación de Energía y Gas (CREG). Comunidade Sul-americana de Nações (CSAN).

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Corporación Andina de Fomento (CAF). Fondo Financiero para el Desarrollo de la Cuenca del Plata (FONPLATA). Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Instituto para a Integração da América Latina (INTAL). Interconexión Eléctrica S.A. (ISA). Mercado Comum Latino-Americano (MCLA). Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Organización Latinoamericana de Energía (OLADE). Protocolo de Ouro Preto (PROP). Sistema Interconectado Central (SIC). América do Norte: Cogentrix Energy Inc. (CXEI). Constellation Energy Inc. (CEI). Dominion Energy Inc. (DEI). Energy Information Administration (EIA). Estados Unidos de América (EUA). Federal Energy Regulatory Commission (FERC). Houston Industries Energy (HIE). North American Electric Reliability Council (NERC). Europa: Associação Européia de Livre Comércio (AELC).

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Association of European Transmission Operators (AETO). Banco Central Europeu (BCE). Comitê de Cooperação Econômica Européia (CCEE). Comunidade Defensiva Européia (CDE). Comunidade Econômica Européia (CEE). Comunidade Européia (CE). (EC nas citações em inglês). Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA). (ECSC nas citações em inglês). Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom). Comunidade Política Européia (CPE). Conselho Nórdico de Ministros de Energia (CNME). Electricité de France (EDF). Electricidade de Portugal (EDP). Electricity Pool Trading Arrangements (EPTA). European Energy Chapter Treaty (EECT). European Environmental Bureau (EEB). Grupo Regulador Europeu para Eletricidade e Gás (GREG). High Authority (HA). International Ruhr Authority (IRA). Mercados Internos de Energia (MIE). National Grid Company (NGC). New Electricity Trading Arrangements (NETA).

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Office of Gas and Electricity Markets (OFGEM). Office of the Electricity and Gas Regulator (OEGR). Organização para a Cooperação Econômica Européia (OCEE). Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Redes Trans-Européias de Energia (RTEE). Reino Unido (RU). Sistema de Bancos Centrais (SBC). Single European Act (SEA). Sistema Monetário Europeu (SME). Svenska Kraftnät (SVK). Swedish Energy Agency (SEA). União para a Coordenação da Produção e Transmissão de Eletricidade (UCPTE). União para a Coordenação da Transmissão de Eletricidade (UCTE). União Européia (UE). (EU nas citações em inglês). União Européia Ocidental (EUO). Water Resources and Energy Directorate (WRED). (NVE em Norueguês). Internacionais e multilaterais: Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS). Agência Internacional da Energia (AIE). Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCED). (OECD nas citações em inglês).

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Organização Mundial do Comércio (OMC). Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Organização do Tratado de Atlântico Norte (OTAN). Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD). Unidades bep, Barril equivalente de petróleo. GW, Giga Watts. Gwh, Gigawatts-hora. Kwh, Mil watts-hora. Kv, Mil volts. MW, Mega Watts. Mmcd, Milhões de metros cúbicos diários.