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FDV CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL ANTONIO LA PERGOLA apresentadas em 26 de Maio de 1998 I — Os factos e o contexto jurídico da causa principal que são objecto do presente pedido de decisão prejudicial 1. O Retten i Ålborg pediu ao Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 177.° do Tratado, que lhe desse os elementos de que necessita no que respeita à interpre- tação da seguinte questão: «O artigo 30.°, conjugado com o artigo 36.°, c os artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (a seguir "Tratado") constituem obstáculo a que uma entidade que obteve do titular de um direito exclusivo a uma obra cinematográfica o direito exclusivo de produção c distri- buição de exemplares da obra cinematográ- fica num Estado-Membro possa dar autori- zação para o aluguer das suas edições e, simultaneamente, impedir o aluguer das edi- ções importadas que foram lançadas no mer- cado noutro Estado-Membro, quando o titu- lar do direito exclusivo de produção e distribuição de exemplares de obras cinema- tográficas transmitiu a propriedade desses exemplares com a aceitação tácita de que os mesmos eram alugados nesse outro Estado- -Membro? Tendo em consideração que a Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novem- bro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos cone- xos aos direitos de autor em matéria de pro- priedade intelectual (a seguir "directiva" 1 ), entrou em vigor, coloca-se a mesma questão no pressuposto de que se considera que a directiva é aplicável para efeitos da resposta.» O Tribunal de Justiça é assim solicitado pelo tribunal a quo a dar um esclarecimento suplementar no que toca à problemática rela- tiva ao direito de aluguer entendido como a faculdade de ceder o uso de uma obra de engenho incorporada num suporte material por um período de tempo limitado —, direito este que entra no âmbito das faculda- des reconhecidas a quem for titular do direito de autor 2 . O princípio do esgota- mento de um direito a seguir à primeira colocação em circulação no território comu- nitário, mediante a venda, do produto em que a obra protegida está incorporada não é aplicável ao direito de aluguer. O Tribunal de Justiça decidiu assim no acórdão Warner Brothers e Metronome Video 3 , c esta solução foi posteriormente consagrada no plano normativo pela directiva. Na decisão que foi solicitada pelo Retten i Ålborg ao * Língua original: italiano. 1 — J O L 346, p. 61. 2 — Como é sabido, o direito de autor é composto de uma plu- ralidade de faculdades ou de direitos, de carácter patrimonial c moral, independentes uns dos outros. O exercício de um destes direitos não exclui, por conseguinte, o exercício exclu- sivo de cada um dos outros (v. Fabiani, M.: «Normativa CEE e diritto di autore sul noleggio di videocassette», em Diritto d'autore, 1990, p. 433, cm especial p. 440, e Röttinger, M.: «L'épuisement du droit d'auteur», em Revue internationale du droit d'auteur, 1993, p. 50, em especial pp. 53-55). 3 — Acórdão de 17 de Maio de 1988 (158/86, Colect., p. 2605; v. a seguir os n o s7 e 12). I-5173

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FDV

C O N C L U S Õ E S D O A D V O G A D O - G E R A L

A N T O N I O L A P E R G O L A

apresentadas em 26 de Maio de 1998

I — Os factos e o contexto jurídico da causa principal que são objecto do presente pedido de decisão prejudicial

1. O Retten i Ålborg pediu ao Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 177.° do Tratado, que lhe desse os elementos de que necessita no que respeita à interpre­tação da seguinte questão:

«O artigo 30.°, conjugado com o artigo 36.°, c os artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (a seguir "Tratado") constituem obstáculo a que uma entidade que obteve do titular de um direito exclusivo a uma obra cinematográfica o direito exclusivo de produção c distri­buição de exemplares da obra cinematográ­fica num Estado-Membro possa dar autori­zação para o aluguer das suas edições e, simultaneamente, impedir o aluguer das edi­ções importadas que foram lançadas no mer­cado noutro Estado-Membro, quando o titu­lar do direito exclusivo de produção e distribuição de exemplares de obras cinema­tográficas transmitiu a propriedade desses exemplares com a aceitação tácita de que os mesmos eram alugados nesse outro Estado--Membro?

Tendo em consideração que a Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novem­bro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao

direito de comodato e a certos direitos cone­xos aos direitos de autor em matéria de pro­priedade intelectual (a seguir "directiva" 1), entrou em vigor, coloca-se a mesma questão no pressuposto de que se considera que a directiva é aplicável para efeitos da resposta.»

O Tribunal de Justiça é assim solicitado pelo tribunal a quo a dar um esclarecimento suplementar no que toca à problemática rela­tiva ao direito de aluguer — entendido como a faculdade de ceder o uso de uma obra de engenho incorporada num suporte material por um período de tempo limitado —, direito este que entra no âmbito das faculda­des reconhecidas a quem for titular do direito de autor2. O princípio do esgota­mento de um direito a seguir à primeira colocação em circulação no território comu­nitário, mediante a venda, do produto em que a obra protegida está incorporada não é aplicável ao direito de aluguer. O Tribunal de Justiça decidiu assim no acórdão Warner Brothers e Metronome Video3, c esta solução foi posteriormente consagrada no plano normativo pela directiva. Na decisão que foi solicitada pelo Retten i Ålborg ao

* Língua original: italiano.

1 — J O L 346, p. 61. 2 — Como é sabido, o direito de autor é composto de uma plu­

ralidade de faculdades ou de direitos, de carácter patrimonial c moral, independentes uns dos outros. O exercício de um destes direitos não exclui, por conseguinte, o exercício exclu­sivo de cada um dos outros (v. Fabiani, M.: «Normativa CEE e diritto di autore sul noleggio di videocassette», em Diritto d'autore, 1990, p. 433, cm especial p. 440, e Röttinger, M.: «L'épuisement du droit d'auteur», em Revue internationale du droit d'auteur, 1993, p. 50, em especial pp. 53-55).

3 — Acórdão de 17 de Maio de 1988 (158/86, Colect., p. 2605; v. a seguir os n os 7 e 12).

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CONCLUSÕES DE Λ. LA PERGOLA — PROCESSO C-61/97

Tribunal de Justiça, este tem de esclarecer se se impõe uma solução análoga quando até mesmo a primeira difusão do suporte ocor­reu sob a forma de aluguer.

2. Os factos que estão na origem do pro­cesso principal, tal como resultam do despa­cho de reenvio, podem ser resumidos do seguinte modo. A Laserdisken, demandada no presente processo, é uma empresa que tem sede em —> e distribui obras cinemato­gráficas em videodiscos (isto é, em discos com leitura por laser, a qual garante uma grande fidelidade de reprodução) 4. A Laser­disken importava directamente os videodis­cos do Reino Unido onde estes eram produ­zidos legalmente por determinadas sociedades, ao abrigo de acordos de licença válidos. Os produtos em questão não eram comercializados na Dinamarca (e ainda o não são hoje em dia) nem directamente pelos titulares do direito de autor sobre as obras em causa nem por terceiros com o seu con­sentimento (tais obras estão, aliás, disponí­veis em videocassetes — v. infra, n.° 3). A partir de 1987, a Laserdisken começou a pro­por o aluguer — além da venda — das cópias

dos videodiscos importados. Com esta polí­tica comercial, a empresa propunha-se esti­mular a venda dos produtos em causa, os quais, em virtude do seu elevado preço (nomeadamente em relação ao das mesmas obras reproduzidas em videocassetes), são comprados principalmente por consumidores que já viram e apreciaram a obra. Segundo o despacho de reenvio, os titulares para o Reino Unido dos direitos de autor sobre as obras reproduzidas nos videodiscos em causa toleraram de facto que essas obras fossem oferecidas para aluguer no território britâ­nico, após a primeira venda; e isto igual­mente no que toca às cópias postas à venda depois de 1 de Agosto de 1989, data da entrada em vigor do Copyright, Designs and Patents Act 1988 (lei britânica de 1988 rela­tiva à propriedade intelectual em matéria de direito de autor, de modelos e de patentes), que instituiu um direito de aluguer exclusivo em benefício — no que interessa para o pre­sente caso — dos produtores de obras cine­matográficas (v. as Sections 16 a 18) 5. Este ponto é, no entanto, contestado pelas demandantes, que afirmam nunca terem autorizado, de maneira tácita ou de qualquer outra, o aluguer de videodiscos no Reino Unido ou em outro Estado-Membro (con­cluindo, do mesmo passo, que esta circuns­tância é irrelevante para efeitos de apreciar se o direito exclusivo de aluguer no território dinamarquês está ou não esgotado: v. infra, n.° 4). A circunstância de a Laserdisken ter 4 — O videodisco é definido pelo Ztek Co. Catalog Multimedia

Glossary (http: //www. xkt. com/BIBGLOS/glossary, html) nos termos seguintes: «Um suporte material circular de lei­tura óptica que permite memorizar (as informações), de um diâmetro de 8 ou 12 polegadas, que pode conter sinais tanto de vídeo como de audio. Os videodiscos estão disponíveis cm dois formatos: o CLV [Constant Linear Velocity, um for­mato de longa duração (até 60 minutos de filme de vídeo por cada face, mais comummente utilizado para aplicações linea­res, tais como filmes e concertos)] c o CAV (Constant Angu­lar Velocity, o formato de leitura corrente, mais comum­mente utilizado para aplicações interactivas, que permite a memorização de cerca de 54 000 fotogramas acessíveis sepa­radamente c o registo de filmes de vídeo com som, de uma duração que pode ir até 30 minutos por cada face]. As ima­gens são memorizadas num videodisco cm formato analó­gico, os sinais de audio cm pistas analógicas ou digitais. Em relação à videocassete, o videodisco apresenta numerosas vantagens, tais como uma qualidade c uma durabilidade das imagens mais elevadas, bem como possibilidades mais rápi­das de busca [especialmente no formato CAV); as informa­ções registadas em videodisco não podem, além disso, ser apagadas» (a tradução ć minha).

5 — Antes desta data, o Copyright Act 1956 «não reconhece [não reconhecia] qualquer direito de difusão no Reino Unido ao autor ou ao produtor e... por consequência, o comprador de um filme gravado cm videocassete [podia] alugá-lo no Reino Unido sem o acordo do titular dos direitos exclusivos» — c sem que este tivesse direito a qualquer remuneração — , salvo proibição expressamente prevista no contrato de com­pra c venda (v. o acórdão Warner Brothers c Metronome Video, já referido, nota 3, pp. 2606 c 2619). Como fez notar o Governo do Reino Unido perante o Tribunal de Justiça no presente processo, a partir de Agosto de 1989, os titulares de direitos de autor fornecem aos revendedores de videogramas a retalho cópias especialmente destinadas ao aluguer a um preço relativamente mais elevado do que aquele que é prati­cado para as cópias que são reservadas para a revenda.

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oferecido os produtos em causa para aluguer na Dinamarca, sem ter adquirido previa­mente o respectivo direito às demandantes, não é, pelo contrário, contestado.

3. Em Janeiro de 1992, a Laserdisken foi accionada judicialmente pela Foreningen af danske Videogramdistributører (a seguir «FDV»), associação dos produtores dinamar­queses de videogramas, com vista a respon­der pela violação do artigo 23.°, n.° 3, da lei sobre os direitos de autor, segundo o qual 6, «quando uma obra cinematográfica é difun­dida por venda ao público, as cópias vendi­das podem voltar a ser postas em circulação. Não podem, porém, sem o acordo do autor, ser objecto de uma nova difusão pública através de comodato ou de locação» (tradu­ção livre). A FDV age em nome de oito soci­edades 7, que tinham adquirido respectiva­mente para o território dinamarquês licenças respeitantes a direitos exclusivos de pro­dução e de distribuição, sob qualquer forma (incluindo, por conseguinte, em videodiscos), cópias dobradas em dinamarquês da maior parte das obras cinematográficas que a Laser­disken distribuía sob a forma de videodiscos. O tribunal de reenvio observou que as soci­edades demandantes ofereciam para aluguer no mercado dinamarquês as obras cm causa em videocassetes (ou seja, incorporadas num

suporte material diferente). Segundo as observações apresentadas ao Tribunal de Jus­tiça pela Warner, era a FDV que negociava por conta dos seus membros os termos da venda aos revendedores retalhistas das vide­ocassetes para as quais essas sociedades tinham adquirido direitos de autor. Os con­tratos uniformes celebrados pela FDV com os diferentes revendedores continham cláu­sulas específicas restritivas da faculdade de distribuição por meio de aluguer e uma proi­bição expressa de alugueres «em série». Por medida provisória decretada pelo fogedret em Fevereiro de 1992, confirmada em recurso pelo Vestre Landsret no mês de Setembro seguinte, a Laserdisken foi proi­bida de continuar a fazer propostas de alu­guer dos produtos cm causa e foi ordenado à FDV que prestasse uma caução de I 000 000 DKR pelos prejuízos que pudes­sem vir a resultar da referida proibição. Foi exactamente no contexto da decisão de con­firmação da medida em questão que o Retten i Ålborg submeteu ao Tribunal de Justiça o presente pedido de decisão prejudicial.

II — Os argumentos das partes

4. A FDV e as sociedades por ela representa­das fazem notar, reportando-se ao acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Warner Brothers e Metronome Video, que a lei dinamarquesa que protege os direitos dc autor que clas invocam no caso vertente não tem cm vista impedir ou restringir as impor­tações de videodiscos do Reino Unido para efeitos de revenda na Dinamarca. Além disso, segundo as demandantes, apesar de os fluxos comerciais transfronteiriços dos suportes audiovisuais cm causa estarem sujei­tos à aplicação das normas do Tratado sobre

6 — V. a Lei n.° 158, de 31 de Maio de 1961, com as alterações

que lhe foram introduzidas pela Lei n.°274, de 16 de Junho c 1985. Actualmente, a disposição relevante ć o artigo 19.°,

n. o s 1 c 2, da Lei n.° 395, de 14 de Junho de 1995. 7 — Mais precisamente, a Warner Home Video (a seguir «War­

ner»), ramo da sociedade californiana Time Warner Enter­tainment, bem como as sociedades de direito dinamarquês Egmont Film, Buena Vista Home Entertainment, Scanbox Danmark, Polygram Records, Nordisk Film Video, Irish Video c Metronome Video (na altura dos factos que estão cm causa no presente processo, esta última sociedade detinha as licenças exclusivas para a Dinamarca relativamente aos direi­tos de produção c de distribuição das videocassetes dos fil­mes para os quais a Warner ć titular dos direitos de distri­buição na modalidade de home vìdeo', estes direitos incluíam a venda dos suportes produzidos no termo de um «interva­lo» de 18 meses a partir da edição no mercado dinamarquês das videocassetes unicamente para aluguer).

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a livre circulação de mercadorias, qualquer acto de exercício do direito de aluguer é equiparado a uma prestação de serviços — o que não é diferente do que acontece com o direito de exibição pública — e constitui uma forma de desfrute da obra protegida inteira­mente distinta do acto de venda do respec­tivo suporte material. O direito de fiscalizar toda a possível série de alugueres das cópias vendidas cabe no âmbito do objecto especí­fico do direito de autor, cuja protecção é sus­ceptível, em princípio, de justificar, por força do artigo 36.° do Tratado, medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas, que, de outro modo, seriam incompatíveis com o artigo 30.° do mesmo Tratado 8. Segundo a FDV e as sociedades que representa, o direito de aluguer não está portanto, por natureza, sujeito nem no plano nacional nem no plano comunitário ao princípio do esgo­tamento do direito quando da primeira colo­cação em circulação do suporte material, sendo indiferente que esta se tenha realizado sob a forma de venda ou de aluguer. Daqui resulta que — independentemente do facto de os produtos relevantes serem importados e mesmo admitindo que fossem propostos para aluguer no Reino Unido com o consen­timento tácito do titular do direito em causa — a Laserdisken os propôs, seja como for, para aluguer na Dinamarca sem ter previa­mente adquirido o respectivo direito, de modo expresso ou tácito, aos seus legítimos titulares.

5. Segundo a FDV, é portanto completa­mente irrelevante a circunstância — aqui invocada pela demandada — de as sociedades

por ela representadas terem autorizado o alu­guer na Dinamarca dos filmes ora em causa, incorporados num suporte material diferente (videocassete). Dada a natureza do direito em questão, o autor pode, antes de mais, proibir pura e simplesmente, quando da venda do suporte material, qualquer proposta ulterior de aluguer da obra protegida. Se posterior­mente decidir autorizar o aluguer de deter­minadas cópias, ser-lhe-ia possível maximizar os lucros que obtém da exploração comer­cial, limitando as respectivas licenças a um determinado âmbito territorial ou temporal, ou a um único beneficiário (licença exclusiva) ou ainda a um suporte material específico; e assim, no que ora interessa, o autor poderia, por exemplo, permitir o aluguer de uma obra cinematográfica em videocassetes mas não em videodiscos 9. Segundo as demandantes, o direito exclusivo de aluguer é, por conse­guinte, violado todas vezes que um exemplar de videocassete ou de videodisco é alugado sem o consentimento do titular do direito de autor. Se fosse atendida a pretensão da Laser­disken, o consentimento tácito ou presumido do autor num Estado-Membro privaria o interessado do direito de se opor à proposta de aluguer das cópias da obra protegida no Estado-Membro de importação, quando tal direito lhe foi reconhecido neste último Estado. O resultado redundaria, por conse­guinte, em privar o autor de uma remune­ração de um montante proporcional ao

8 — V. o acórdão de 22 de Janeiro de 1981, Dansk Supermarked (58/80, Recueil, p. 181, n.° 11).

9 — Diz-se que esta faculdade é análoga à que permite que o autor de um filme determine o número, a ordem de sequen­cia, a forma, o momento c o lugar de cada exibição pública (fixando, por exemplo, prazos e condições diferentes para a difusão nas salas de cinema e para a transmissão televisiva em canais com pagamento ou de acesso gratuito). A legitimidade e a importância desses «intervalos», de duração diferente para os varios Estados-Mcmbros (para ter cm conta, para cada um deles, os tempos de dobragem c de inserção dc legendas, os picos de assistência durante a estação cinemato­gráfica e a importância dos meios de difusão concorrentes), foram reconhecidas pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Coditei e o. c Cinéthèquc e o. (v., respectivamente, os acor­dãos de 6 de Outubro de 1982, 262/81, Recueil, p. 3381, e de 11 de Julho de 1985, 60/84 e 61/84, Recueil, p. 2605).

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número de alugueres efectivamente realiza­dos, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal de Justiça no processo Warner Bro­thers e Metronome Video. Estes argumentos são perfilhados, no essencial, pelos Governos dinamarquês, francês, finlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão 10.

6. Segundo a Laserdisken, apoiada pelas intervenientes na causa principal 11, a lei dinamarquesa sobre o direito de autor per­mite que os titulares do direito se oponham ao aluguer dos videodiscos, mas tão-somente no que toca aos produtos importados c não àqueles que são produzidos na Dina­marca. Como instrumento de discriminação arbitrária e de restrição dissimulada ao comércio intracomunitário, esta lei não pode justificar-se com base no artigo 36.° do

Tratado. A demandada faz notar, ademais, que a própria directiva — ainda que tenha previsto literalmente que o direito de aluguer se não esgota com a venda ou a distribuição, sob qualquer forma, das cópias da obra pro­tegida (v. artigos 1.°, n.° 4, c 9.°, n.° 3) — não esclarece se o direito de proibir os alugueres subsequentes se deve considerar esgotado quando o titular do direito tenha autorizado o aluguer das cópias cm causa. A Laserdisken conclui neste último sentido. A directiva tem cm vista — segundo a demandada — instau­rar um mercado interno caracterizado pelo pleno e livre funcionamento da concorrência comercial. É por esta razão, acrescenta, que como o direito de distribuição se.esgota por efeito do consentimento do autor quanto à primeira venda, o direito de aluguer esgotar--se-á, por seu turno, com efeitos em todo o território comunitário, após a autorização dada quanto à primeira proposta de aluguer em qualquer Estado-Membro. Esta conclu­são, segundo a Laserdisken, é aliás conforme ao princípio geral que ela deduz da jurispru­dência do Tribunal de Justiça 12, segundo a qual o consentimento implica o esgotamento. O acórdão Warner Brothers c Metronome Video, já referido, baseia-se também, segundo a demandada, neste princípio: nesse processo, o direito de proibir o aluguer no mercado dinamarquês das videocassetes importadas do Reino Unido não podia esgotar-se, precisamente porque nunca tinha havido (nem podia haver, dado não estar pre­visto pela lei então em vigor) consentimento para a proposta de aluguer no Estado de exportação por parte do titular do direito de autor ou dos seus sucessores. Além disso, seria contrário aos objectivos da directiva considerar que o consentimento para as propostas de aluguer pudesse ser dado para um único Estado-Membro, com exclusão

10 — Por razões de concisão na exposição, nos números prece­dentes — tal como, aliás, na síntese das observações da Laserdisken (v. infra, n.° 6) — omiti voluntariamente a refe­rência aos argumentos relativos ao pedido de interpretação dos artigos 85.° c 86.° do Tratado. Considero, efectiva­mente, que o Tribunal de Justiça não está cm condições de dar ao juiz de reenvio uma resposta útil sobre este aspecto do pedido de decisão prejudicial, pois ele não explicou, nem de maneira sucinta nem sob a forma de reenvio, as razões exactas que o levaram a interrogar-se sobre a interpretação das regras citadas no que se refere ao contexto fáctico do litígio c ao enquadramento regulamentar nacional (v. infra, n.° 17). Não ć por acaso que a referência às regras de con­corrência que consta do despacho de reenvio foi entendida de maneira diferente pelas partes na causa principal, pelos governos nacionais c pela Comissão, como resulta clara­mente das observações que foram apresentadas respectiva­mente ao Tribunal de Justiça, nas quais foram analisados ora um ora outro dos acordos c comportamentos relevantes cm abstracto (enquanto o Governo francês levantou o pro­blema distinto da compatibilidade da legislação dinamar­quesa com as regras de concorrência, conjugadas com o artigo 5.° do Tratado).

11 — Ou seja, a Sammenslutningen af Danske Filminstruktorer (a associação dos realizadores de cinema dinamarqueses), o Sr. Michael Viuf Christiansen (agindo como representante da sucessão de seu pai Erik Viuf Christiansen, demandado na causa principal no processo supracitado Warner Brothers c Metronome Video), o Sr. Jensen, revendedor de videogra­mas falido cm consequência da resolução cm 1991 pela FDV de um anterior acordo de licença para aluguer dos produtos, e a Pioneer Electronics Denmark, sociedade que actua na distribuição de leitores de videodiscos.

12 — V., nomeadamente, o acórdão Dansk Supermarked, já refe­rido, nota 8.

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de todos os outros (tal como se não pode, no interior de um Estado-Membro, limitar esse direito tão-somente a uma parte do seu terri­tório).

Ili — A solução a dar ao presente pedido de decisão prejudicial

Análise nos termos dos artigos 30.° e 36.° do Tratado

7. Nas suas observações apresentadas ao Tri­bunal de Justiça, tanto as partes como a Comissão e os governos nacionais que «intervieram» no presente processo se referi­ram indistintamente, num ou noutro sentido, aos princípios que foram enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Warner Bro­thers e Metronome Video 13. Tal como acon­tece hoje na causa principal, também no pro­cesso Warner Brothers e Metronome Video se colocava um problema de compatibilidade entre a alegada previsão do direito exclusivo de aluguer, segundo a legislação dinamar­quesa relativa à protecção do direito de autor (v. supra, n.° 3), e as normas do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias, no que respeita a um caso de aluguer não autorizado na Dinamarca de videogramas adquiridos de forma lícita no Reino Unido. O Tribunal de Justiça considerou, antes de mais, que a lei em causa, ao autorizar o autor ou o produtor da obra cinematográfica reproduzida em videocassetes a proibir o aluguer dos suportes em questão no territó­rio nacional, era «susceptível de influenciar o comércio de videocassetes no Estado--Membro interessado e, portanto, de afectar indirectamente as trocas intracomunitárias

desses produtos». Uma legislação desse tipo constituía, por conseguinte — como o Tribu­nal de Justiça afirmou —, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantita­tiva proibida pelo artigo 30.° do Tratado (ν. o n.° 10 do acórdão). Logo que passou, em seguida, à análise da questão de saber se tal restrição se justificava, no caso sub judice, por razões de protecção da propriedade industrial e comercial, na acepção do artigo 36.° do Tratado, o Tribunal de Justiça salien­tou que a legislação dinamarquesa se aplicava indistintamente e excluiu que ela constituísse em si mesma uma discriminação arbitrária ao comércio entre os Estados-Membros em detrimento das videocassetes importadas de outro Estado-Membro e a favor das video­cassetes de produção local (n. os 11 e 12 do acórdão). Parece-me ser pacífico que os prin­cípios aqui recordados são também aplicáveis ao presente caso.

8. O acórdão Warner Brothers e Metronome Video enunciou outros princípios relativos à determinação de um direito específico de aluguer, prerrogativa que cabe no âmbito do objecto específico do direito de autor, e ao seu impacto sobre a livre circulação de mer­cadorias; e é exactamente a esses princípios que pretendo consagrar aqui alguns esclareci­mentos. Considero, porém, que é oportuno antepor à respectiva análise (v. infra, n.° 12) algumas breves considerações, que permitam enquadrar o acórdão em exame no contexto mais amplo da justificação e do alcance do princípio do esgotamento dos direitos de autor.

9. Tal como acontece no caso do direito de marca ou do direito de patente, a regra do esgotamento (nacional) do direito de autor 13 — Já referido, nota 3.

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— e, mais precisamente, do direito exclusivo de distribuição (ou de colocação em circula­ção) — prevista nos ordenamentos jurídicos de numerosos Estados-Membros é justificada com fundamento no critério segundo o qual, quando o titular do direito (ou outrem com o seu consentimento) coloca no comércio, mediante alienação, os suportes materiais nos quais foi reproduzida a obra protegida, esta pessoa recebe uma vez por todas a remune­ração que lhe é devida por esta reprodução. No contexto do mercado único, portanto, a jurisprudência comunitária relativa à apli­cação do artigo 36.° do Tratado preocupou--se, a fim de estimular as actividades de invenção e de criação ou o lançamento de novas marcas, em conciliar as necessidades do titular do direito exclusivo com o inte­resse geral na livre circulação dos respectivos produtos 14. O Tribunal de Justiça admitiu assim o princípio do esgotamento automá­tico do direito em análise para todo o terri­tório comunitário, de maneira a impedir que

— em virtude do caracter territorial das legislações nacionais sobre a propriedade industrial, comercial c intelectual — a remu­neração correspondente à primeira colocação cm circulação fosse paga uma segunda vez ao titular do direito exclusivo pelo simples facto de o produto em que se concretizou o seu esforço inventivo ou criativo constituir um objecto de revenda num Estado-Membro diferente daquele onde foi efectuada a pri­meira venda 15. A regra inversa, ao contribuir para o isolamento dos vários mercados naci­onais, estaria, aliás, cm contradição com a fusão destes mercados num mercado único, que é pretendida pelo Tratado 16.

10. O princípio do esgotamento não se pode, todavia, aplicar ao direito exclusivo de exibição — ou seja, ao direito de comunicar a obra protegida ao público, quer directamente por parte dos intérpretes presentes (como no caso de uma representação teatral), quer por meio de suportes materiais da obra (por exemplo, através da difusão radiofónica de um disco, da difusão televisiva de um filme ou da projecção pública de um filme) —, e, de um modo geral, aos direitos de autor sobre uma obra cuja comunicação directa ao público não exija a circulação de um suporte material. Aqui, a utilização da obra não entra cm conflito com a livre circulação de merca­dorias: o critério da comercialização não pode, por conseguinte, servir para determi­nar o âmbito do direito exclusivo 17. Visto que as representações ulteriores da obra são independentes umas das outras, a primeira delas não determina o esgotamento do direito. Cada representação, fazendo renascer a «essência comercial» da obra 18, constitui um acto separado de desfrute c dá lugar a um direito de remuneração. O ordenamento jurí­dico protege essa faculdade, que «faz parte da função essencial do direito de autor sobre esse género de obras literárias ou artísticas», condicionando o exercício do referido direito ao consentimento do titular 19.

No que diz respeito especificamente às prer­rogativas do titular dos direitos de exibição de uma obra cinematográfica, o Tribunal de

14 — V. Castcll, B.: L'«épuisement» du droit intellectuel en droits allemand, français et communautaire, Paris, 1989, cm espe­cial p. 131.

15 — V. Doutreiepom, C : «Les arrêts Coditei face au droit interne et au droit européen», journal des Tribunaux, 1984, p. 397, cm especial p. 407.

16 — V., ex multis, os acordãos de 8 de Junho de 1971, Deutsche Grammophon (78/70, Colect., p. 183), c Dansk Superma­rked, já referido, nota 8.

17 — V. Benabou, V.-L.: Droits d'auteur, droits voisins et droit communautaire, Bruxelas, 1997, cm especial p. 100.

18 — V. Edelman, B.: nota de comentario ao acórdão Warner Brothers c Metronome Video, cm J. C. P., é. g., 1989, II, p. 21173.

19 — V. os acórdãos de 18 de Março de 1980, Coditei c o. (62/79, Recueil, p. 881, n. °' 12 a 14), c de 13 de Julho de 1989, Tournier (395/87, Colcct., p. 2521, n.° 12).

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Justiça teve igualmente ocasião de esclarecer que o exercício do direito de autor, mediante a cobrança das respectivas remunerações, «não pode ser organizado independente­mente das perspectivas de transmissão televi­siva» da obra. Essa transmissão pode, por­tanto, ser legitimamente proibida até ao termo de um determinado «intervalo» tem­poral, reservado à projecção do filme nas salas de cinema 20. Tendo em conta a «exi­gência imperativa» de dar um impulso à cri­ação de tais obras, os ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros podem, por essa razão — sem violar as normas comunitárias sobre a livre circulação de mercadorias —, garantir que, durante um período inicial, será dada a precedência à utilização dos filmes nas salas de projecção, o que é essencial para a rendi­bilidade da produção cinematográfica, em relação a outros meios de difusão e, em espe­cial, à distribuição das obras em causa em videocassetes 21.

11. Quando, porém, a exibição pública da obra em causa exigir a utilização de um suporte material (por exemplo, no caso de

difusão numa discoteca de obras musicais gravadas em disco), «a conciliação das exi­gências resultantes da livre circulação de mercadorias e da livre prestação de serviços e as impostas pelo respeito devido aos direitos de autor deve ser realizada de tal forma que os titulares dos direitos de autor... possam invocar os seus direitos exclusivos para exigir o pagamento de direitos»; e isto mesmo quando a comercialização desse suporte de som não possa dar lugar, no país em que se efectua a difusão pública, a qualquer cobrança de direitos para a reprodução da obra, visto que o autor já recebeu esses direi­tos no Estado-Membro de exportação 22. O Tribunal de Justiça reconheceu, por conse­guinte, que o direito que o autor tem de con­trolar a utilização pública dos suportes das obras reservadas ao uso privado, a fim de extrair um lucro da sua utilização secundária, não entra em conflito com o princípio da livre circulação de mercadorias, pelo menos na medida em que o referido direito for invocado para impor ao adquirente das cópias restrições de uso que não sejam sus­ceptíveis de limitar a respectiva circulação 23.

12. Uma distinção análoga existe entre o direito de colocação em circulação do suporte material de uma obra cinematográ­fica (videograma) e o direito de aluguer da obra aí reproduzida, como o Tribunal de Justiça teve ocasião de indicar no processo Warner Brothers e Metronome Video. O Tribunal de Justiça analisou em pormenor

20 — Acórdão de 18 de Março de 1980, Coditel e o., já referido, nota 19, n. os 13 e 14. O Tribunal de Justiça acrescentou que a cessão do direito dc exibição mediante transmissão televi­siva pode ser limitada convencionalmente ao território de um Estado-Membro sem que tal restrição seja incompatível com as normas do Tratado sobre a livre prestação de servi­ços. O acórdão ora em exame indica, porém, de maneira assaz clara, que a solução adoptada pelo Tribunal de Justiça se referia a uma situação — que é aquela que existia nessa altura nos Estados-Membros — na qual «a organização da televisão... se baseia cm larga medida cm monopólios legais de transmissão, o que implica que uma limitação diferente do âmbito de aplicação geográfica da cessão seria muitas vezes impraticável».

21 — Com a dupla condição de i) a proibição de utilização das videocassetes durante o período inicial que é reservado à exibição nas salas de cinema se aplicar indistintamente aos produtos fabricados no território nacional e aos produtos importados e de ii) os eventuais obstáculos às trocas intra­comunitárias daí resultantes não ultrapassarem aquilo que é necessário para atingir o escopo tido cm vista (acórdão Cinéthèque e o., já referido, nota 9).

22 — V. os acórdãos Tournier, já referido, nota 19, n.° 13, e de 9 de Abril de 1987, Basset (402/85, Colect., p. 1747).

23 — V. Dcsurmont, T.: «Le droit d'auteur de contrôler la desti­nation des exemplaires sur lesquels son oeuvre se trouve reproduite», cm Revue internationale du droit d'auteur, 1987, p. 3, cm especial p. 61.

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o «aparecimento» progressivo, mas que atinge o seu pleno desenvolvimento, de um mercado específico de aluguer, distinto do da venda de videocassetes: o Tribunal de Justiça fez notar que esse mercado, «que alcança ura público mais vasto que o da venda[, ] consti­tui, no momento presente, uma importante fonte potencial de rendimentos para os auto­res de filmes» (v. n. os 13 e 14) 24. O Tribunal de Justiça afirmou, por conseguinte, que uma protecção específica do direito de aluguer desses suportes parece necessária e justificada para assegurar aos autores de filmes uma remuneração proporcional ao número de exi­bições efectivamente realizadas e que reserve a esses autores uma parte satisfatória do mer­cado de aluguer. Para atingir este objectivo — segundo o Tribunal de Justiça — a solução que consiste em «autorizar a cobrança de direitos de autor apenas por ocasião das vendas autorizadas tanto aos simples particulares como aos locadores de videocassetes» (v. o n.° 15) não seria, pelo contrário, suficiente. Esta solução seria extre­mamente penalizante para o autor, ao impor--lhe a determinação, quando da comerci­alização inicial da sua obra, de todas as utilizações que dela possam ser feitas poste­riormente 25. Deve deduzir-se daqui que — sendo certa a existência do direito a uma remuneração no momento da primeira colo­cação cm circulação do suporte material — o direito a receber uma royalty para cada acto de aluguer cabe no âmbito do objecto espe­cífico do direito de autor de um filme incor­porado num videograma (a par da faculdade de exigir uma remuneração para cada exi­

bição pública da obra em causa) 26. Por con­seguinte, o Tribunal de Justiça excluiu no acórdão supracitado que o direito exclusivo de aluguer, previsto na legislação de um Estado-Membro (in casu, a Dinamarca), seja susceptível de esgotamento, quando o titular do direito de autor escolheu pôr à venda pela primeira vez as videocassetes que incorpo­ram uma das suas obras em outro Estado--Mcmbro (in casu, o Reino Unido), cujo ordenamento jurídico — como ocorria no processo referido — lhe não atribuía um direito análogo. Afastando-se da solução sugerida pelo advogado-geral G. F. Manci­ni 27, o Tribunal de Justiça admitiu que a aquisição por um terceiro da propriedade do bem em que a obra está incorporada (isto é, o chamado corpus mechanicum) não se con­funde com a perda de todas as prerrogativas do titular do direito intelectual. «Quando uma legislação nacional reconhece aos auto­res um direito específico de aluguer de video­cassetes, esse direito ficaria esvaziado do seu conteúdo se o seu titular não pudesse

24 — Segundo o Tribunal de Justiça, os factores que determina­ram o aparecimento deste mercado específico são essencial­mente «o melhoramento dos processos de fabrico das video­cassetes, que lhes aumentou a robustez, c o tempo de utilização, o facto de os espectadores terem tomado consci­ência do facto dc que raramente visionam as videocassetes auc compraram c, finalmente, ρ nivel relativamente elevado

o seu preço de compra» (ν. o acórdão Warner Brothers c Metronome Video, já referido na nota 3, η.° 14).

25 — V. Benabou (já referido, nota 17, p. 131), segundo o qual a dificuldade de tal previsão aumenta na medida cm que a evolução tecnológica contribui para incrementar de maneira exponencial as novas possibilidades de difusão.

26 — V. Bonet, G.: nota de comentário ao acórdão Warner Bro­thers c Metronome Video, cm Revue trimestrielle de droit européen, 1988, p. 647, em especial p. 652.

27 — Segundo o advogado-geral, estava excluída a equiparação do aluguer —enquanto actividade de exploração comercial de natureza repetitiva — à exibição pública da obra incorpo­rada na videocassete. Pelo contrário, ele acentuou as analo­gias existentes entre o aluguer c a venda: são ambos actos de exploração comercial que comportam «necessariamente a comercialização do produto cm favor do consumidor». O advogado-gcral fez notar que «o autor de um filme, depois de ter vendido a cassette a um terceiro, transferindo assim de forma definitiva o seu direito de propriedade sobre essa mercadoria c permitindo a sua livre circulação, não pode vir depois invocar as normas de outro Estado-Mcmbro para fazer valer o seu direito exclusivo sobre a obra gravada na cassette c impedir na prática a sua entrada nesse Estado. Com efeito, essa pretensão ć motivada pelo mesmo inte­resse económico que esteve na base do primeiro acto de disposição sobre a obra; c, se ć assim, tem de se inclinar perante a regra do artigo 30.° [sob pena de] privar os con­sumidores, no caso, os cidadãos dinamarqueses, do que podem obter como propriedade ao abrigo do Tratado» (sublinhado no original). Na solução tida cm vista pelo advogado-gcral, no entanto, o esgotamento do direito do autor do filme de se opor ao aluguer das videocassetes que

p ôs cm circulação no território comunitário era contraba-ançado pelo reconhecimento do seu direito a uma remune­

ração equitativa ou a outras formas de protecção patrimo­nial, já que ele mantiniu a possibilidade de se proteger «introduzindo cláusulas especiais no contrato de venda» (v. as conclusões apresentadas cm 28 de Janeiro de 1988, no processo cm que foi proferido o acórdão Warner Brothers c Metronome Video, já referido na nota 3, p. 2618, cm espe­cial pp. 2622 a 2624).

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autorizar os alugueres» ou opor-se-lhes (n. os 17 c 18) 28.

13. É necessário, em meu entender, questio­nar se os princípios que acabo de recordar são plenamente transponíveis para o pro­cesso pendente no Retten i Ålborg ou se este processo impõe, pelo contrario, uma solução diferente, tendo em conta uma dupla circuns­tância, invocada pela Laserdisken. Segundo esta, os titulares para o Reino Unido dos direitos de autor sobre as obras incorporadas nos videodiscos não exerceram o seu próprio direito de aluguer durante o período previsto para tal no ordenamento jurídico britânico, para se oporem às transacções não autoriza­das feitas pelos revendedores ingleses; e, por conseguinte — segundo a demandada —, é o consentimento tácito dado para o aluguer dos suportes no território britânico, e não a primeira venda dos mesmos, que determinou o esgotamento do direito de aluguer igual­mente nos outros Estados-Membros.

14. Em meu entender, os supracitados ele­mentos distintivos do actual contexto fáctico e jurídico em relação ao do processo Warner

Brothers e Metronome Video, embora apre­sentem uma indubitável relevância, não podem levar o Tribunal de Justiça a acolher as conclusões formuladas pela Laserdisken. Os dados de que se deve partir para encon­trar a solução para o presente pedido de decisão prejudicial só podem ser os princí­pios formulados pelo Tribunal de Justiça há cerca de dez anos: o direito de aluguer, embora possa constituir um obstáculo à cir­culação dos videogramas entre os Estados--Membros, não se esgota pela colocação em circulação desses produtos no território comunitário. Já analisei a ratio de tal regra. O direito que o autor tem de controlar as utili­zações da sua obra no mercado secundário não lhe permite levantar obstáculos à impor­tação ou à revenda das mercadorias; e, por conseguinte, na ponderação entre os interes­ses concorrentes, o seu interesse em receber uma remuneração adequada que sirva de base à sua actividade criativa e artística posterior prevalece sobre o interesse geral da livre cir­culação — entendida igualmente como dis­ponibilidade para o aluguer, a um preço substancialmente inferior ao da venda — dos videogramas entre os Estados-Membros.

15. Sendo assim, deve recordar-se que o direito exclusivo de ceder o uso, por um período de tempo limitado, das diferentes cópias da obra incorporada num videograma é, por natureza, susceptível de desfrute medi­ante uma série de operações repetidas e ten­dencialmente ilimitadas, cada uma das quais implica um direito de remuneração. Por con­seguinte, quando o autor decide ceder o uso do direito de aluguer, com base num con­trato de licença, pode legitimamente limitar tal licença a um suporte material específico, a um dado âmbito temporal ou a uma determi­nada área geográfica, maximizando assim o

28 — O Tribunal de Justiça decidiu, por conseguinte, que «Os artigos 30.° e 36.° do Tratado não se opõem à aplicação de uma legislação nacional que dá ao autor a faculdade de fazer depender da sua autorização o aluguer de videocassetes, quando se trata de videocassetes já postas cm circulação com o seu consentimento noutro Estado-Membro, cuja legislação permite ao autor controlar a primeira venda, sem lhe dar a faculdade de proibir o aluguer.»

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lucro económico pretendido do desfrute comercial da obra com o aluguer. Ora, não se vê de que maneira os autores e os produtores receberiam a justa remuneração do seu traba­lho intelectual e dos seus investimentos, res­pectivamente, se operadores económicos ter­ceiros (como a Laserdisken na causa principal) tivessem a liberdade, mediante a simples invocação do esgotamento do direito de aluguer do titular, e sem quaisquer acor­dos de licença, de permitir a utilização medi­ante pagamento dos videogramas pelo público, e em especial pelos consumidores de um Estado-Membro diferente daquele onde foi feita a primeira proposta de aluguer. O resultado redundaria na subtracção irremedi­ável aos beneficiários legítimos de uma utili­dade económica derivada da obra de enge­nho, a qual lhes ć reservada. Não se pode admitir, por conseguinte, que o direito de aluguer se esgote com o primeiro acto de exercício, com o resultado de todos os alu­gueres ulteriores do suporte cm causa fica­rem subtraídos ao controlo do titular, mesmo nos Estados-Membros cm que o uso do direito não foi cedido por meio de acordos de licença. E nem sequer é necessário notar que o esgotamento automático do direito de aluguer em virtude da primeira proposta de aluguer não se verifica a nível comunitário, porque, antes de mais, tal não sucede — salvo disposição da lei cm contrário — no ordenamento jurídico nacional do Estado da primeira proposta de aluguer 29; o titular do direito de autor pode, portanto, opor-se aos alugueres da sua obra que não autorizou, ainda que tenha procedido ao primeiro acto de aluguer no território nacional. Final­mente, o acolhimento dos argumentos da Laserdisken teria por efeito frustrar a facul­

dade — cuja existência deduzo dos citados acórdãos do Tribunal de Justiça Coditei e o. e Cinéthèque e o. 30 — que o autor tem de organizar a sucessão no tempo das várias for­mas de distribuição de uma obra cinemato­gráfica, a qual implica o direito de proibir, até ao termo do «intervalo» reservado à dis­tribuição por meio de projecção cinemato­gráfica, a comercialização mediante o aluguer de videocassetes do mesmo filme importadas de outros Estados-Membros nos quais o «intervalo» em causa já tenha terminado.

Análise nos termos da directiva

16. Como fizeram notar as demandantes, bem como os governos nacionais «interveni-

29 — V. Marenco, G., c Banks, K.: «Intellectual Property and the Community Rules on Free Movement: Discrimination Unearthed», cm European Law Review, 1990, p. 224, cm especial pp. 248 c 249. Os autores fazem referencia, na rea­lidade, ao facto de não haver esgotamento do direito exclu­sivo de aluguer após a primeira distribuição pela venda do suporte material, mas um raciocínio análogo deve aplicar-se no presente processo.

30 — V. supra, notas 20 c 21. V. Pollaud-Dulian, V. F.: Le droit de destination: le sort des exemplaires en droit d'auteur, Paris, 1989, p. 464, c Benabou, op. cit., nota 17, p. 117, ou para as referências ao acórdão de 27 de Março de 1986 do Tribunal de Charleroi, processos apensos 48.587 c 51.363, GPFI c o./DGD c VRP (Revue internationale du droit d'auteur, 1986, IV, p. 128), segundo a qual «se se admitisse que um filme pode ser objecto de uma concessão territorial exclu­siva para a distribuição nas salas de cinema mas que tal con­cessão não é oponível a terceiros cm matéria de videocasse­tes, a concessão exclusiva para a distribuição nas salas de cinema ficaria evidentemente esvaziada de sentido, visto que, nesse caso, o mercado nacional seria invadido por video­cassetes que poriam cm risco a exploração do filme nas salas de cinema, que a concessão exclusiva se propunha pre­cisamente proteger».

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entes» e a Comissão, a solução que ora pro­ponho não é de facto contraditada, mas antes corroborada, pelas disposições relevantes da directiva (v. infra), que harmonizou as legis­lações internas dos Estados-Membros relati­vas ao direito de aluguer (para além do direito de comodato), precisamente a partir do modelo da legislação dinamarquesa. Recordo isso, mas advertindo que a solução escolhida pelo legislador comunitário é, em meu entender, pelo menos tecnicamente, irrelevante para efeitos do presente pedido de decisão prejudicial: nos termos do artigo 13.° da directiva, as respectivas disposições tornaram-se eficazes em 1 de Julho de 1994, ou seja, após a adopção pelos órgãos jurisdi­cionais dinamarqueses da injunção relativa à Laserdisken. Como é sabido, a directiva dis­tingue entre os efeitos do direito específico de aluguer (v. artigo l.°, n.° 4) e os efeitos do direito de distribuição (isto é, do «direito exclusivo de divulgar... ao público estes objectos, incluindo as suas cópias, por venda ou de qualquer outra forma»), regulados no artigo 9.°, n. os 2 e 3 31. Só o direito de distri­buição está sujeito a esgotar-se, em caso de

primeira venda na Comunidade de um dos objectos relevantes pelo titular do direito ou com o seu consentimento. A venda ou a dis­tribuição, de qualquer forma, destes objectos não determina, pelo contrário, o esgota­mento do direito de aluguer. É precisamente porque o objecto e o âmbito de aplicação dos dois direitos é diferente que o Tribunal de Justiça excluiu — no seu recente acórdão Metronome Musik — que a instituição pela directiva de um direito exclusivo de aluguer constitui uma violação do princípio do esgo­tamento do direito de distribuição 32.

Análise nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado

17. Para completar a análise jurídica exigida para solucionar o presente pedido de decisão prejudicial, restaria ainda, neste momento, averiguar se houve eventualmente qualquer violação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado. E, todavia, isto parece-me estar excluído em virtude da ausência, na fundamentação do despacho de reenvio, de uma simples descri­ção, ainda que sucinta, dos comportamentos das demandantes, cujo impacto sobre a con­corrência o tribunal de reenvio pede que seja avaliado. Falta aqui a própria identificação

31 — O artigo 1.° da directiva, intitulado «Objecto de harmoni­zação», determina que: «1. Em conformidade com o disposto neste capítulo, os Estados-Membros deverão prever, sem prejuízo do disposto no artigo 5.°, o direito de autorizar ou proibir o aluguer c o comodato de originais c cópias de obras protegidas por direitos de autor e de outros objectos referidos no n.° 1 do artigo 2.° 2. Para efeitos da presente directiva, cntcndc-sc por "alu­guer" a colocação à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado c com benefícios comerciais directos ou indirectos.

4. Os direitos referidos no n.° 1 não se esgotam com a venda ou qualquer outro acto de distribuição dos originais ou cópias de obras protegidas por direitos de autor ou de outros objectos previstos no n.° 1 do artigo 2.°» Nos termos do artigo 2.° («Titulares c objecto do direito de aluguer c de comodato»), n.° 4, «Os direitos referidos no n.° 1 podem ser transmitidos, cedidos ou ser objecto de licença contratual.» Finalmente, o artigo 9.° («Direito de distribuição»), que consta do capítulo II da directiva, relativa à protecção dos direitos conexos, determina que:

2. O direito de distribuição só se extingue na Comunidade... aquando da primeira venda na Comunidade desse objecto pelo titular do direito ou com o seu consentimento. 3. O direito de distribuição não afecta as disposições espe­cíficas contidas no capítulo I c, designadamente, no n.° 4 do artigo 1.°»

32 — V. o acórdão de 28 de Abril de 1998 (C-200/96, n. °' 13 a 20, Colect., p. I-1953), bem como as conclusões apresentadas pelo advogado-geral G. Tesauro cm 22 de Janeiro de 1998 no mesmo processo, n. os 13, 14, 25 c 26.

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dos acordos ou das práticas concertadas ale­gadamente anticoncorrenciais (os acordos de licença entre as demandantes e os produto­res? Eventuais acordos horizontais entre as demandantes associadas na FDV?) e do com­portamento pelo qual as demandantes explo­rariam abusivamente a sua pretensa posição dominante colectiva (a simples recusa de per­mitir que a Laserdisken faça propostas de aluguer dos videodiscos importados? A ale­gada recusa de lhe ceder, por meio de licença, o uso do direito de aluguer das próprias videocassetes produzidas pelas demandan­tes?) Na questão colocada pelo tribunal dina­marquês, faz-se, na verdade, referência a tais acordos e/ou comportamentos em termos extremamente genéricos: diz-se que estes consistiam no consentimento para o aluguer dos produtos próprios (videocassetes) e, ao mesmo tempo, na proibição do aluguer dos produtos importados (videodiscos), propos­tos para aluguer noutro Estado-Membro por um terceiro (que não é o importador), com o consentimento tácito do titular dos direitos exclusivos de fabrico e de distribuição, o que, todavia — pelo menos na falta de outras indicações mais precisas —, é exactamente o que os direitos de exclusividade de que dispõe um autor e os seus sucessores lhes permitem legitimamente fazer, nas circuns­tâncias que foram descritas (aquisição de um direito exclusivo de aluguer por meio de um contrato de licença). Com esta observação, desejo deixar claro que não pretendo negar a relevância das regras de concorrência para o exame, que cabe no âmbito da competência do tribunal de reenvio, da compatibilidade com o direito comunitário do contexto fác-tico e jurídico do presente caso. Parccc-mc bastante claro, por exemplo — e a Laser­disken recordou-o ao longo de todo o pro­cesso — que, se as autoras exercessem nega­tivamente os seus direitos exclusivos de aluguer com a única finalidade de impedir o desenvolvimento na Dinamarca de um mer­cado de aluguer de videodiscos — com o resultado de os consumidores dinamarqueses

interessados serem obrigados a adquirir, a um preço elevado, produtos que prefeririam alugar —, tal comportamento seria susceptí­vel de falsear a concorrência no mercado 33. Considero, no entanto, que o Retten i Ålborg não explicou suficientemente as hipóteses factuais em que se baseia este ponto do seu pedido e não pôs, por conse­guinte, o Tribunal de Justiça cm condições de lhe dar uma interpretação útil dos referidos artigos 85.° e 86.° 34. Esta conclusão não pre­judica, no entanto, a faculdade que o tribunal de reenvio tem de recorrer novamente, se o julgar oportuno, ao auxílio interpretativo do Tribunal de Justiça, submetendo-lhe novas questões prejudiciais no contexto da mesma causa principal.

33 — V., ex mullis, o acórdão de 6 de Oulubro de 1982, Coditel e o. (já referido na nota 9, n.os 17 a 20), segundo o qual, se o direito de autor sobre um filme e o direito de representação dc um filme que resulta do direito de autor não caem sob a alçada das proibições do artigo 85.°, «o seu exercício pode, no entanto, num contexto económico ou jurídico que tivesse por efeito restringir de uma maneira sensível a dis­tribuição de filmes ou falsear a concorrência no mercado cinematográfico, tendo em conta as suas particularidades, cair sob a alçada das referidas proibições». Cabe, por con­seguinte, aos órgãos jurisdicionais nacionais — concluiu o Tribunal de Justiça — proceder, eventualmente, a essas veri­ficações e, «em especial, avaliar se o exercício do direito exclusivo de representação de um filme cinematográfico não cria barreiras artificiais e injustificadas, tendo em conta as necessidades da indústria cinematográfica, ou a possibili­dade de cobrança de direitos que ultrapassem uma justa remuneração dos investimentos realizados, ou uma exclusi­vidade de uma duração excessiva em relação a essas exigên­cias, c se, de uma maneira geral, este exercício numa deter­minada região geográfica não ć de molde a impedir, restringir ou falsear o funcionamento da concorrência no mercado comum». Mais recentemente, foi o advogado-geral G. Tesauro quem salientou que, à luz da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça, surgem certas dúvidas sobre a questão de saber se «as exigências de interesse geral que motivaram a atribuição do direito [exclusivo de aluguer] possam igualmente justificar que esse direito seja exercido cm manifesta contradição com as disposições constantes do artigo 86.° do Tratado» (v. as conclusões apresentadas cm 22 de Janeiro de 1998 no processo Metronome Musik, já refe­rido na nota 32, n.° 33).

34 — Esta exigência, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aplica-se de maneira específica ao sector da concorrência, que se caracteriza por situações de facto e de direito complexas [v., ex multis, os acordaos de 26 de Janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo c o. (C-320/90, C-321/90 c C-322/90, Colect., p. I-393, n. °s 6 e 7), e de 14 de Dezembro de 1995, Banchero (C-387/90, Colect., p. I-4663, n. °s 18 a 21)].

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IV — Conclusão

À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que res­ponda à questão colocada pelo Retten i Ålborg nos termos seguintes:

«A legislação em matéria de protecção dos direitos de autor de um Estado--Membro que permite que o titular de direitos de produção e de distribuição rela­tivos a uma obra cinematográfica, ou o seu licenciado exclusivo no Estado--Membro interessado, se oponha ao aluguer de videogramas importados de outro Estado-Membro por um terceiro não autorizado, mesmo quando o titular do direito de autor os tenha divulgado pela venda no Estado de exportação e tenha consentido tacitamente que as cópias vendidas fossem alugadas neste último Estado, é compatível com os artigos 30.° e 36.° do Tratado CE. Esta compatibili­dade mantém-se mesmo depois de 1 de Julho de 1994, data em que teve início a eficácia da Directiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992, rela­tiva ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual.»

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