cidade: direito ou mercadoria? -...

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IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1416 CIDADE: DIREITO OU MERCADORIA? Maria Keile Pinheiro 1 Rita de Cássia Clares de Lima 2 RESUMO: O artigo ora apresentado discute inicialmente as transformações ocorridas no espaço urbano brasileiro e como estas apontam para o esvaziamento do campo em detrimento da superlotação nas grandes cidades. Tendo por base as discussões trazidas por pesquisadores/as da área, o estudo reflete o atual modelo de desenvolvimento, que exclui a classe trabalhadora da participação na apropriação da riqueza social e a empurra para as periferias das cidades. Discute elementos da organização das cidades brasileiras e os principais desafios contemporâneos, refletindo como o crescimento dos centros urbanos não vem sendo acompanhado pelo crescimento da efetividade na garantia dos direitos de suas populações. Reflete como a estrutura das cidades tem se configurado como espaço de reprodução da força de trabalho e de negócio lucrativo para o capital deixando assim, evidente a luta de classes e a necessidade da organização da classe trabalhadora. Trata ainda das principais legislações que regulamentam o direito à moradia, compreendida para além da construção de casas. Por fim, apresenta a realidade do município de Iguatu/Ceará, a partir da observação do Conjunto Habitacional Novo Iguatu, relacionando a política habitacional implementada e a garantia do direito à cidade/moradia preconizados em lei. Palavras chaves: Questão Urbana. Direito à Cidade. Conjuntos Habitacionais. ABSTRACT:The article presented here initially discusses the changes occurring in the Brazilian urban space and how these link to the emptying of the countryside to the detriment of overcrowding in large cities. Based on the discussions brought by researchers / the area, the study reflects the current development model that excludes the working class participation in the appropriation of social wealth and pushes it to the outskirts of cities. Discusses elements of the organization of Brazilian cities and major contemporary challenges, reflecting how the growth of urban centers has not been accompanied by the growth of effectiveness in ensuring the rights of their populations. Reflects how the structure of cities has been configured as a space for reproduction of labor power and lucrative business for the capital leaving thus clear the class struggle and the need of the organization of the working class. It also discusses the main laws regulating the right to housing, understood beyond the construction of houses. Finally, it presents the reality of the city Iguatu Ceará, from observation of the Housing Complex New Iguatu, relating to housing policy implemented and the guarantee of the right to the city / housing envisaged by law. 1 Acadêmica de Serviço Social do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará Campus Iguatu CE. [email protected]; (88) 9986-3369 2 Assistente Social, Faculdade Vale do Salgado / Secretaria Municipal da Habitação de Iguatu/CE. [email protected]; [email protected]; (88) 9619-1601

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IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN

2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil

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CIDADE: DIREITO OU MERCADORIA?

Maria Keile Pinheiro1

Rita de Cássia Clares de Lima2

RESUMO: O artigo ora apresentado discute inicialmente as transformações ocorridas no espaço

urbano brasileiro e como estas apontam para o esvaziamento do campo em detrimento da superlotação

nas grandes cidades. Tendo por base as discussões trazidas por pesquisadores/as da área, o estudo

reflete o atual modelo de desenvolvimento, que exclui a classe trabalhadora da participação na

apropriação da riqueza social e a empurra para as periferias das cidades. Discute elementos da

organização das cidades brasileiras e os principais desafios contemporâneos, refletindo como o

crescimento dos centros urbanos não vem sendo acompanhado pelo crescimento da efetividade na

garantia dos direitos de suas populações. Reflete como a estrutura das cidades tem se configurado

como espaço de reprodução da força de trabalho e de negócio lucrativo para o capital deixando assim,

evidente a luta de classes e a necessidade da organização da classe trabalhadora. Trata ainda das

principais legislações que regulamentam o direito à moradia, compreendida para além da construção

de casas. Por fim, apresenta a realidade do município de Iguatu/Ceará, a partir da observação do

Conjunto Habitacional Novo Iguatu, relacionando a política habitacional implementada e a garantia do

direito à cidade/moradia preconizados em lei.

Palavras chaves: Questão Urbana. Direito à Cidade. Conjuntos Habitacionais.

ABSTRACT:The article presented here initially discusses the changes occurring in the Brazilian

urban space and how these link to the emptying of the countryside to the detriment of overcrowding in

large cities. Based on the discussions brought by researchers / the area, the study reflects the current

development model that excludes the working class participation in the appropriation of social wealth

and pushes it to the outskirts of cities. Discusses elements of the organization of Brazilian cities and

major contemporary challenges, reflecting how the growth of urban centers has not been accompanied

by the growth of effectiveness in ensuring the rights of their populations. Reflects how the structure of

cities has been configured as a space for reproduction of labor power and lucrative business for the

capital leaving thus clear the class struggle and the need of the organization of the working class. It

also discusses the main laws regulating the right to housing, understood beyond the construction of

houses. Finally, it presents the reality of the city Iguatu Ceará, from observation of the Housing

Complex New Iguatu, relating to housing policy implemented and the guarantee of the right to the city

/ housing envisaged by law.

1Acadêmica de Serviço Social do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Iguatu – CE.

[email protected]; (88) 9986-3369 2Assistente Social, Faculdade Vale do Salgado / Secretaria Municipal da Habitação de Iguatu/CE.

[email protected]; [email protected]; (88) 9619-1601

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Keywords:Urban Issues. Right to the City .Housing Projects.

1INTROUÇÃO

O crescimento do espaço urbano não acompanhado pela garantia de serviços e

equipamentos que viabilizem o acesso às riquezas produzidas e as inovações construídas a

partir dessa, tem sido discutido por distintos grupos, dentre esses, alguns afirmam a falência

da garantia pública dos direitos sociais, enquanto há os que refletem sobre essa sociedade que

generaliza a mercadoria, tratando dessa forma a própria humanidade e suas relações, como

uma questão que necessita da construção de estratégias urgentes direcionadas a pensar a

sustentabilidade e a emancipação humana.

O acesso privado aos meios e instrumentos de produção social, a exemplo da terra, o

notável inchaço das grandes cidades e as expressões da questão social imbricadas a ele,

denotam uma contradição com a perspectiva do direito, sendo que, aquele que sofre mais

intensas e descaradas violações, é o que trata do direito à moradia, à cidade. Este tem sido

cada vez mais viabilizado pelo mercado, tornando alvo de intensos processos de especulação

fundiária e imobiliária, o que incide no acirramento da segregação urbana e no crescimento

exponencial de favelas (Maricato, 2013).

No que tange à sua estruturação, o presente trabalho é composto por três seções de

abordagens. A primeira destina-se às questões pertinentes ao processo de desenvolvimento

gestado no Brasil, a organização do espaço urbano a partir dessa configuração, os

rebatimentos sobre a classe trabalhadora e de sobremaneira sobre a construção das cidades.

A segunda seção de abordagem problematiza os principais elementos que incidem

sobre a organização das cidades brasileiras, reflete a lógica privada que contorna a garantia de

direitos no atual modelo de desenvolvimento urbano e os desafios colocados para as cidades

na cena contemporânea.

Na terceira e última seção, será analisada a realidade do Conjunto Habitacional Novo

Iguatu - Ceará, refletindo como este tem sido pensado enquanto espaço urbano, garantia de

acesso a serviços e equipamentos públicos no território e as estratégias desenvolvidas com

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vista a efetivação de direitos sociais como mecanismos de garantia de acesso à cidade.

2AS CONFIGURAÇÕES DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL

Ao longo de décadas o modelo de desenvolvimento gestado no Brasil tem ocasionado

amplas e preocupantes transformações sociais na organização do espaço urbano brasileiro.

Tem sido notável o esvaziamento do campo e o crescimento acentuado da população urbana.

O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) aponta que atualmente no Brasil a

população urbana chega a ser cinco vezes maior que a rural. Corroborando com essa

constatação, o Observatório das Metrópoles (2012) aponta que nas últimas quatro décadas,

mais de 80% do total da população brasileira vive nos centros urbanos.

A transição do modelo econômico na passagem do século XIX, economia agrícola

para uma de base essencialmente urbana, desencadeou um intenso processo de crescimento

das cidades brasileiras e, por conseguinte uma acirrada disputa pelo espaço urbano em todo o

país, de sobremaneira, nas grandes cidades. Esta realidade agrava-se ainda mais quando

analisado as condições de vida em que se encontra a maior parcela dessa população.

A par dessa dinâmica, observam-se processos de urbanização acelerada, de

polarização e tensionamento das relações campo-cidade, de concentração do

crescimento econômico sob a lógica mercantilista do capital, intensificando a

estrutura desigual das classes sociais na distribuição da riqueza socialmente

produzida e no uso e ocupação da terra (TEMPORALIS, 2012, p. 295).

Essa sociedade permite e garante grandes concentrações de terra e riquezas, produto de

severa exploração, em oposição a um contingente cada vez mais crescente de populações sem

terra. Cerca de 3% do total das propriedades rurais do país são latifúndios, ou seja, tem mais

de mil hectares e ocupam 56,7% das terras agriculturáveis – de acordo com o Atlas Fundiário

do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA (REPÓRTER BRASIL,

2006). Nesse sentido o campo vem sendo esvaziado em um processo de negação de direitos e

a cidade transformando-se em um caos urbano que também não garante direitos, sendo o

direito a moradia o mais negado por esse modelo.

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A consolidação do capital industrial e a edificação de um projeto de desenvolvimento

pautado excepcionalmente no crescimento econômico cooperaram para a construção de uma

visão de cidade capaz de oferecer melhores condições de vida e atendimento às necessidades

humanas. Essa compreensão foi decisiva para estimular o movimento migratório no país, de

modo particular entre as Regiões Norte e Sul (TEMPORALIS, 2012) e foi responsável por

arregimentar nas grandes cidades uma significativa parcela da população brasileira. Esta

vislumbrava nos grandes centros, a única alternativa de melhoria de vida. Na maioria dos

casos, essa visão não se configurou real.

Estruturado e fortalecido nos moldes do capitalismo, o crescimento urbano no Brasil

empurrou para a periferia das cidades a maior parte da classe trabalhadora que se achegava

em busca de oportunidade de trabalho. Os/as trabalhadores/as foram, aos poucos, se

deparando com uma realidade urbana contrária àquela que lhes fora propagandeada, e desse

modo viram-se desafiados/as a construir suas próprias estratégias de sobrevivência. Elemento

central nessa organização do espaço urbano, é a luta de classes. Para Maricato (2012), os

movimentos urbano e operário inauguraram uma nova forma de fazer política no Brasil e

reivindicaram espaço na cena política.

A consolidação de um modelo de desenvolvimento, predatório e excludente, coincide

com a divisão discrepante da cidade entre aqueles/as que a constroem, via força de trabalho, e

aqueles/as que podem pagar para acessá-la. Intensifica-se, pois, um forte processo de

desigualdade social e segregação espacial, o qual incidirá na periferização da classe

trabalhadora, e, por conseguinte na sua pauperização.

A cidade não é apenas a reprodução da força de trabalho. Ela é um produto ou, em

outras palavras, também um grande negócio, especialmente para os capitais que

embolsam, com sua produção, com sua exploração, lucros, juros e rendas. Há uma

disputa básica, como um pano de fundo, entre aqueles que querem dela melhores

condições de vida e aqueles que visam apenas extrair ganhos (MARICATO, 2013,

p.20).

O crescimento desordenado e especulativo apresenta rebatimentos e consequências

históricas para a realidade urbana brasileira. Endossa a herança acumulada no país, entre

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outros elementos, o acirramento do déficit habitacional(estimado em 07 milhões de moradia,

segundo a Política Nacional de Habitação, 2004), predominância do transporte individual em

detrimento de transporte público de qualidade, ausência de serviços públicos básicos (saúde,

educação, assistência, cultura, lazer, etc), favelização das cidades, precarização das formas de

trabalho, criminalização dos movimentos sociais, extermínio da juventude, em especial a

juventude negra (segundo o Mapa da Violência no Brasil, 2013, o número de homicídios de

jovens negros/as no Brasil de 2002-2011 cresceu 24,1%, sendo que, essa participação no total

de homicídios juvenis é responsável por 76,9%).

Desse modo, fica evidente que o espaço urbano brasileiro tem se tornado, ao longo do

tempo, produto de intenso valor mercadológico, onde a reprodução da vida não tem se

configurado como uma relação histórica de construção e reconstrução de identidade e

vínculos sociais, mas uma relação pautada na mercantilização da cidade, seus bens e serviços

socialmente produzidos. Em decorrência dessa realidade, há de se inferir, que não somente o

fruto do trabalho humano tem se coisificado, mas a própria humanidade, o que pressupõe a

urgência na realização de reformas estruturais, as quais possibilitem a efetivação dos direitos

a toda população e a emancipação humana.

3. AS CIDADES BRASILEIRAS E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

As cidades têm crescido, mas o direito à cidade e a realização das reformas necessárias

(reforma agrária, urbana, entre outras) para sua materialização tem se construído em um

processo reverso. Os centros urbanos, como pontuado anteriormente, estão cada vez mais

lotados por populações e esvaziados de serviços públicos universais (aqueles que resistem são

alvo de Reformas/Contrarreformas) que efetivem direitos constitucionais, como o direito à

cidade.

No contexto atual, tem sido recorrente e naturalmente percebido, a coexistência de

arranha-céus e favelas separados apenas por uma rua, um muro ou por placas de “entrada

proibida”. O perfil construído e difundido dos centros urbanos e das áreas periféricas

consolida um parâmetro a ser seguido e outro a ser evitado, sendo o urbano associado a

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características positivas no que se trata especialmente do consumo, do acesso (privado,

importa dizer) de bens e serviços, enquanto que, a imagem da periferia parece ser colocada

como lugar de pessoas pobres, sem educação, e naturalmente tendentes à violência, sendo

essas que vão “manchar” os centros urbanos.

Os elementos destacados são produto de uma construção desigual (e combinada) do

desenvolvimento urbano no país. De acordo com Prado Júnior (2008) o Brasil vem se

construindo como país capitalista periférico, que fornece desde o período de sua colonização

matéria prima e recursos humanos para exploração, consequentemente, suas cidades trazem

uma herança de desigualdades sociais marcadas pela escravidão, pelo patriarcado e pela

lógica do favor.

As cidades tem se conformado como espaço de reprodução da força de trabalho e de

bom negócio para o capital. Sua estrutura deixa clara a luta entre as classes, onde de um lado

existem aqueles/as que buscam melhores condições de vida e do outro aqueles/as que buscam

formas mais eficientes de extração da mais-valia e de acumulação de riquezas.

O sistema social vigente, o capitalismo, é marcado pela propriedade privada da terra,

dos meios e instrumentos de produção e reprodução e pela exploração de uma classe pela

outra, “Tal exploração ocorre por meio da mais-valia relativa e absoluta, da superexploração

dos trabalhadores assalariados e não assalariados de todo o mundo, incluindo os dos países

mais miseráveis do planeta (Marx, 2008)”. Mesmo sendo coletivamente construída, a cidade

se conforma pela apropriação privada das riquezas sociais.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 afirma que “Todo ser

humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-

estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação (DUDH, 1948, Art. XXV, Item 1)” e a

Constituição Federal Brasileira (CF) de 1988que “São direitos sociais a educação, a saúde, a

alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (CF 1988, Art. 6º)”,

ambasproblematizaram o direito à moradia, sendo este então reconhecido como direito

humano universal devendo ser assegurado pelos Estados.

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Embora constando nas principais legislações universal e nacional, e sendo reafirmadas

por leis específicas, como é o caso do Estatuto da Cidade (2001), Conferência Nacional das

Cidades (iniciadas em 2003), Conselho das Cidades (2005), Lei Federal de Saneamento

(2007), Plano Nacional de Habitação (2009) e Política Nacional de Mobilidade Urbana

(2012), duas questões merecem ser observadas e discutidas, a primeira é que a ausência de

políticas e leis não parece ser o que tem inviabilizado a efetivação do direito à moradia, do

direito à cidade e a segunda se refere a ideologia que propõe a “conciliação” dos direitos

universalistas, apropriação privada e a lógica patrimonialista.

Contudo, as legislações que afirmam esses direitos, não devem ser desqualificadas por

não conseguirem garantir a universalidade que preceituam e serem alvo de modificações e

flexibilização, é preciso ter clareza de que essas foram conquistas da força popular ao

tencionar o conflito de classes dentro do Estado e que para sua efetivação é preciso que as

massas organizadas continuem a exigir direitos ao Estado e que este na forma do Governo

construa estratégias para garantir a fiscalização e o cumprimento das normas constitucionais,

em detrimento de programas focalizados e emergenciais. Como afirma Maricato (2013) “o

direito à cidade depende de uma política urbana de estruturação, que democratize,

principalmente, o uso e a ocupação do solo”, que garanta as reformas agrária e urbana.

As riquezas naturais têm sido assimiladas de maneira desigual, estas estão hoje

concentradas nas mãos de uma pequena parcela, representada pelo capital imobiliário que

disputa a terra com a força de trabalho, e a empurra para as periferias na qual têm ficado

relegada as questões mais degradantes da vida, reflexo da negação dos direitos fundamentais

das mulheres e homens. No contexto recente das grandes obras, como a Copa do Mundo de

2014 e as Olimpíadas de 2016, essas populações têm sido retiradas de sua moradia na

semiperiferia, desocupações involuntárias que em sua maioria violam os direitos sociais. “A

disputa por terras entre o capital imobiliário e a força de trabalho na semiperiferia levou a

fronteira da expansão urbana para ainda mais longe: os pobres foram expulsos para a periferia

da periferia (Maricato, 2013)”.

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Impossível não relacionar a negação do direito à cidade sem remetê-la a lógica

neoliberal que escancara sua preferência pelo privado, pelo mercado e seu interesse pela

falência do público. Maricato (2013) traz que nos últimos dez anos no Brasil “O investimento

de capitais privados no mercado residencial cresceu 45 vezes, passando de R$ 1,8 bilhão em

2002 para R$ 79,9 bilhões em 2011” deixando claro que o direito à moradia tem sido

consentido sob a tutela do mercado.

O direito à cidade é muito frequentemente resumido ao acesso a moradia enquanto teto

e paredes, entretanto, é muito mais amplo e se refere a um conjunto de políticas e

equipamentos públicos que tratam da garantia à educação, saúde, lazer, saneamento básico,

transporte, entre outros, na atualidade deixados majoritariamente sob as regras do mercado.

Se descobrirmos que nossa vida se tornou muito estressante, alienante, simplesmente

desconfortável ou sem motivação, então temos o direito de mudar o rumo e buscar

refazê-la segundo outra imagem e através da construção de um tipo de cidade

qualitativamente diferente (HARVEY, 2013, p. 48).

As manifestações que tomaram as ruas do país em junho de 2013 se construíram como

um transbordar da negação dos direitos previstos nas legislações urbanas. Os sujeitos que

ocuparam o espaço público reivindicavam inicialmente contra o aumento das passagens, o

direito a liberdade de ir e vir também tem sido alvo da política do mercado, que acarreta em

uma imobilidade restringindo o acesso à cidade pela classe trabalhadora ao deslocamento ao

local de trabalho.

Importa ressaltar que, quando se trata das cidades de pequeno e médio porte essa

realidade apresenta semelhanças, especialmente no que se refere à falência do direito à cidade

em detrimento da presença significativa de veículos particulares, e, especificidades, quando

vemos em cidades como as que compõem a região centro-sul do Ceará, a inexistência de

transportes urbanos públicos, gratuitos. O que tem predominado são os ditames da lógica

privatista, pois, o transporte urbano tem sido realizado por transportes particulares e serviços

privados como táxis e moto táxis.

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Uma questão não consegue ser respondida: como cidades de médio porte, não

possuem qualquer política pública que garanta mobilidade urbana e acesso à cidade por parte

dos grupos que moram nas periferias e zona rural?

Se o transporte público não é oferecido com qualidade, o setor privado apresenta um

leque de opções para acessar as possibilidades da cidade por meio da “liberdade” de ir e vir e

da aquisição de veículos individuais. Maricato (2013) afirma que o forte impacto da poluição

do ar afeta a expectativa de vida e compromete a saúde mental, acarretando em transtornos

como a depressão, ansiedade mórbida e comportamento compulsivo, realidade que, dentro da

lógica atual do desenvolvimento das cidades poderá expandir-se.

De acordo com o discutido fica claro que, o direito à cidade remete necessariamente ao

enfrentamento da lógica privatista de forma coletiva, pois, o acesso individualizado não é

garantia da universalidade, mas sim da seletividade via consumo.

Quando discutido o direito à cidade(moradia, saúde, educação, saneamento, lazer), não

é apenas o direito à mobilidade que vem sendo organizado a partir do consumo, sendo então

fundamental para o exercício desse direito, a mobilização e a organização social. Embora as

lutas específicas sejam responsáveis por diversas conquistas, é preciso clareza para

compreender e construir um debate tático e estratégico consonante que paute uma luta maior,

que defenda reformas que se colocam como cerne da agenda da luta urbana no país: as

reformas política, agrária e urbana. Como afirma Maricato (2013)“O primeiro item necessário

à política urbana hoje é a reforma política, em especial o financiamento de campanhas

eleitorais”.

4. CONJUNTOS HABITACIONAIS FACE O DIREITO À CIDADE: UMA ANÁLISE

DO CONJUNTO HABITACIONAL NOVO IGUATU – CE

No Brasil o marco legal da reforma urbana tem sua base instituída na Constituição

Federal (BRASIL, 1988). Nesse sentido o processo de ampliação da universalização dos

direitos sociais com vista a garantir o direito à moradia, como direito social desencadeou na

Emenda Constitucional Nº 26 de 2000 e no Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257) em 2001, que

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regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e define os instrumentos

urbanísticos fundamentais para o cumprimento do direito à cidade (BRASIL, 2001).

Na mesma direção dar-se-á a promulgação da Política Nacional de Habitação (2004)

com o objetivo de promover as condições de acesso à moradia digna a todos os segmentos da

população, especialmente o de baixa renda, contribuindo, assim, para a “inclusão social”.

Essas e outras conquistas evidenciam o entendimento de que o direito a habitação é ampliado

para o direito a melhores condições de vida para toda a população.

O conceito de moradia vem passando por mudanças significativas, não se restringindo

apenas a habitação, mas as condições de vida nesse espaço, disponibilidade de serviços,

infraestrutura, equipamentos e serviços públicos como água, energia, saneamento básico,

transporte, educação, saúde, lazer, enfim, a moradia deve suprir todas as necessidades para

uma sobrevivência digna.

Com base no estudo dos documentos que tratam do direito a moradia e da

aproximação da realidade dos Conjuntos Habitacionais do Município de Iguatu, Ceará,

especialmente do Conjunto Novo Iguatu, percebemos que, o direito a moradia preconizado

pelas normatizações da política habitacional não vem se efetivando de acordo com as

legislações estabelecidas.

Os desafios colocados à política habitacional no país se referem a questões estruturais

da sociabilidade vigente, esta que no Brasil assume características particulares, especialmente

se considerarmos que muitas reformas foram efetuadas, mas essas sempre colocaram em

destaque os interesses da minoria possuidora. Elemento que nos chama mais atenção é que

ainda hoje a reforma agrária não foi realizada, intensificando as problemáticas da classe

trabalhadora que nem mesmo tem a garantia de um teto para se abrigar.

Historicamente vem sendo construídas ideologias que afirmam os sujeitos usuários da

política habitacional como pessoas que acessaram a moradia não pelo viés do direito, mas

pela perspectiva do favor. As famílias, devido a sua condição social são muitas vezes

desrespeitadas em diversos direitos. Esses sujeitos são convencidos pela ideologia

naturalizadora de que estar em uma periferia (longe do centro) é justificativa para não acessar

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políticas públicas, e que essa é na verdade tanto para esses sujeitos como para a população das

cidades, um local onde predomina a violência e o tráfico.

Não negamos que as condições vividas por essa população a coloca em situação de

reprodução em maior ou menor intensidade desses elementos, mas periferia não se resume a

essas expressões. Assim como em outras realidades, encontramos homens e mulheres que

anseiam construir uma vida digna, mas não tem o acesso a políticas que garantam, dentre

outros direitos, a geração de emprego e renda, transporte público e saneamento básico. Há

também a necessidade de qualificar o acesso a direitos como educação tanto básica como

superior, saúde, creche, e lazer que dialogue com a identidade cultural dos/as moradores/as.

Compreendendo as diversas manifestações que imprimem precariedade das condições

de moradia e habitabilidade, vimos percebendo que essas refletem diretamente nas relações

sociais entre os sujeitos, na forma como percebem o espaço onde estão localizados, assim

como, na visão que tem de si mesmos nessa realidade.

Considerando as discussões delineadas analisaremos a realidade habitacional do

município de Iguatu- Ceará, a partir das sistematizações desenvolvidas ao longo do estágio

supervisionado em Serviço Social na Secretaria Municipal de Habitação. Localizada na

Região Centro-Sul do Estado, a cidade conta com uma população superior a 100 mil

habitantes (IBGE, 2010).

Na realidade discutida a questão da concentração de terra não difere da estrutura

concentradora do país, o município de Iguatu apresenta, segundo o Plano Local de Habitação

de Interesse Social (PLHIS), Etapa II, uma demanda registrada no Cadastro Habitacional (no

processo de elaboração do documento), de um contingente de 7.286 famílias (2011), o que

representa que aproximadamente 7,5% da população da cidade vive em condições de negação

do direito à moradia/cidade (o cálculo apresentado foi realizado com base na população

estimada pelo IBGE para o ano de 2010). Ainda de acordo com o documento tratado, a

estimativa da demanda habitacional para o município nos anos de 2013 – 2023, considerando

moradia em condições precárias, de aluguel, coabitadas, a construção de unidades sanitárias e

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a demanda habitacional futura, o município de Iguatu apresenta um déficit de 37.233 unidades

habitacionais.

Com base na análise documental junto a Secretaria Municipal de Habitação de Iguatu,

identificou-se que na última década as intervenções habitacionais (melhoria habitacional,

substituição de casas de taipas, urbanização, regularização e integração de assentamentos

precários) realizadas pelo município representam pouco mais 1.000 casas, sendo que na área

urbana esse número cai para 350 residências.

Essas construções se deram em sua maioria em bairros com processos de urbanização

iniciada, como é o caso dos Conjuntos Habitacionais Maronildo Lima e Padre José Marques

(Bairro João Paulo II), Raimundo Florentino de Gouveia e Raimundo Alves de Araújo (Bairro

Lagoa Park),José Marcio Nogueira (Bairro Altiplano), Odilon Pinto Mendonça (Bairro Vila

Coqueiro), Nova Chapadinha (Bairro Chapadinha) e Novo Iguatu (Bairro Verde Park).

4.1 CONJUNTO NOVO IGUATU: CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-TERRITORIAL DA

ÁREA

Com base nas informações obtidas no Projeto de Trabalho Técnico Social (PTTS) e na

análise dos relatórios de acompanhamento familiar, o Conjunto Habitacional Novo Iguatu,

localiza-se no Bairro Verde Park, com previsão de construção de 1.000unidades habitacionais.

A área é caracterizada pela existência de 08ruas, sendo 07pavimentadas com pedra tosca e 01

com asfalto. No bairro estão situadas algumas indústrias e empresas de médio e grande porte,

destacando-se a DAKOTA (Indústria Calçadista) e MADEFORM (Indústria de Móveis

Tubulares), sendo que estas nem sempre empregam a população local.

A localidade ainda não dispõe de equipamentos sociais em seu território, ficando os

serviços ofertados pelos equipamentos sociais do Bairro COHABI, II e III, este fica a uma

distância de aproximadamente 300m.No entorno do Novo Iguatu, podemos listar os seguintes

equipamentos comunitários e sociais, na área de Educação o Centro Educacional Municipal

Padre Januário Campos, funcionando com educação fundamental (1º a 9º ano), a Escola

Reino Encantado, com capacidade para atender 500 alunos/as, com educação infantil e ensino

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fundamental, contudo na modalidade de ensino privado e uma creche com capacidade para

atender 326 crianças com idade entre 03 e 04 anos, funcionando nos turnos manhã e tarde.

Na área de Saúde o bairro dispõe de 01 Posto de Saúde com funcionamento nos turnos

manhã e tarde, com capacidade para atender 1.800 famílias. Conta ainda com os serviços do

Hospital Regional do Município, com atendimento de urgência e emergência, porém esses

devem atender a demanda de toda a Região Centro-Sul, não se configurando como

equipamento exclusivo da localidade.

Na área de Assistência Social o território conta com 01 Centro de Referência da

Assistência Social – CRAS, com atendimento nos turnos manhã, tarde e noite, de segunda a

sexta-feira, e uma equipe formada por profissionais de nível superior nas áreas de serviço

social, psicologia e pedagogia. O CRAS desenvolve o Programa de Atenção Integrada a

Família (PAIF) e o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), através de

acompanhamento familiar e ações socioeducativas.

Na área religiosa, o território conta com 01 igreja católica (Nossa Senhora das

Graças), 04 igrejas evangélicas (Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil e

Adventista do Sétimo Dia).

Quanto a esporte e lazer, as opções apresentam um caráter privativo, uma vez que os

espaços existentes pertencem a organizações sindical ou empresarial, dentre estes, destacam-

se: o Clube dos Comerciários, o Clube dos Soldados e o Clube da Empresa Dakota Calçados.

A presença de praças se configura como a alternativa mais viável de lazer e entretenimento

para jovens, adolescentes, crianças e idosos. No território analisado existem as Praças Nossa

Senhora das Graças, Praça do Canal e a Praça da Dakota.

No que se refere à organização política e comunitária estas são restritas a associações

de moradores/as, sendo que algumas destas estão desativadas, e a presença de sindicatos de

trabalhadores/as, entre estes, Sindicato dos Trabalhadores de Calçados e Sindicatos de

Vestuários de Iguatu. A política de mobilidade urbana está restrita ao transporte individual e

privado uma vez que o município não conta com uma rede de transportes coletivos públicos.

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É nessa realidade geográfica e social que se dá o início da construção do Conjunto

Habitacional Novo Iguatu. Este compõe a Zona de Interesse Social – ZEIS dentro do plano

diretor, destinado para construção de habitação de interesse social com previsão de 1.000 (um

mil) moradias.

O Conjunto conta atualmente com 03projetos habitacionais, sendo 02destinados à

melhoria habitacional para 37 famílias de diferentes localidades da cidade e 01à

Regularização e Integração de Assentamentos Precários para 140famílias oriundas do entorno

do Rio Jaguaribe.

No ano de 2011 foram transferidas as primeiras famílias. Atualmente residem no

Conjunto 177 famílias, destas, 86 são frutos de processos de ocupações ocorridos no Bairro.

O primeiro ocorreu no ano de 2012 por 20 famílias e o segundo em 2014 por 66 famílias.

A paciência do povo para ver efetivado seu direito parece estar fragilizada, as famílias

denotam descrédito nessa espera e constroem estratégias de ação mais direta. No que se refere

às primeiras ocupações, estas há cerca de dois anos vivem a incerteza da regularização da

situação, e enquanto não acontece acessam a direitos como a água de uma torneira

comunitária, fato que só possível após uma ação judicial. Quanto à segunda ocupação, as

ações por parte da prefeitura têm sido mais incisivas no sentido de deslegitimar e estigmatizar

os/as moradores/as, se tornou constante a presença da Polícia Militar do Estado do Ceará,

através do Comando Tático Motorizado (COTAM) no Conjunto após as ocupações.

Diante da realidade apresentada têm sido corriqueiras as dificuldades encontradas no

Conjunto Habitacional Novo Iguatu, essas, de acordo com nossas análises, apontam para,

além da não garantia do direito à cidade, uma inexistência de identidade comunitária, também

devido às condições em que as/os moradoras/os foram levados a acessar o direito a moradia.

Importante realizar algumas ponderações que refletem para esses desdobramentos, a primeira

se refere ao fato de os públicos beneficiados serem oriundos de distintos espaços e de distintas

relações de convivência (a grande maioria é proveniente de desocupação involuntária,

predominantemente dos Bairros do Prado e Alto do Jucá, derivadas de moradias no entorno

do Rio Jaguaribe) a demora da entrega das casas, a consequente ocupação de algumas e a

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fragmentação e descontinuidade das ações previstas no Projeto de Trabalho Técnico Social

(PTTS), este elaborado no ano de 2008, e ainda não concluído. Necessário pontuar que para a

não consolidação do PTTS concorrem fatores diversos, dentre esses, o reduzido quadro de

profissionais da área social lotados na Secretaria de Habitação e a indefinição da posse das

moradias ocupadas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender a dinâmica de correlações de forças que incide sobre o espaço urbano

brasileiro e a garantia do direito à cidade perpassa o entendimento de que essas relações têm

sido historicamente tencionadas pelo interesse mercadológico e a luta por direitos pela classe

trabalhadora. Em um espaço social de dominação capitalista que transforma a terra em mero

produto mercadológico, a luta por um espaço urbano democrático e o acesso a cidade tem se

tornado elemento central de resistência e afirmação social.

As reflexões delineadas ao longo do trabalho possibilitaram uma maior apreensão

sobre o processo de desenvolvimento urbano gestado no país, sua configuração enquanto

modelo excludente e desigual, sustentado pela lógica mercantilista, e os rebatimentos

históricos sobre a classe trabalhadora, esta fruto de um intenso processo de segregação sócio-

territorial e negação de direitos, realidade que tem contornado as cidades brasileiras.

Evidencia-se, pois, um direito a cidade cada vez mais conformado com a visão

mercadológica dos serviços e bens socialmente produzidos, ao passo que a garantia de direitos

tem se tornado algo distante pelo processo de contrarreforma que vem rebatendo sobre os

direitos sociais no Brasil.

Nessa perspectiva a realidade habitacional da cidade de Iguatu, sobretudo, do

Conjunto Novo Iguatu onde centramos as análises, demonstram uma nítida incompatibilidade

entre o déficit habitacional registrado no PLHIS e os investimentos realizados em moradia

após sua conclusão. A demanda habitacional registrada se relacionada ao número de moradias

construídas pelo município após a conclusão do PLHIS demonstrauma clara ineficiência da

política de habitação, fato que tem gerado grandes expectativas nas famílias cadastradas ao

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tempo em que incide em um sentimento de descrédito por parte da população em garantir sua

moradia pela perspectiva do direito.

Essa configuração tem levado as famílias a pensarem suas próprias estratégias de

acesso à moradia, desencadeando, pois, em processos de ocupação no referido Conjunto

Habitacional, este que em um período de pouco mais de 01ano, mais que triplicou o número

de moradores/as oriundos/as de ocupações. Essa perspectiva de luta divide opinião e torna as

famílias vítimas de um processo precário de moradia, uma vez que não conseguem garantir

outros serviços sociais básicos, entre eles água e energia, pois não tiveram ainda sua situação

habitacional regularizada. Para suprir a necessidade de acesso à água as famílias fazem uso de

uma torneira coletiva que lhes foram garantidas após uma ação judicial de acordo entre os/as

moradores/as e o município.

De acordo com as legislações discutidas no trabalho, moradia não se restringe apenas

ao acesso a casa, mas compreende um conjunto de direitos que coletivamente garantidos

constroem a perspectiva de direito à cidade, entre esses, educação, saúde, cultura, lazer,

trabalho e renda e mobilidade urbana. As análises em torno do Conjunto Novo Iguatu

possibilitaram compreender que a existência de alguns equipamentos sociais em seu entorno

não se configuram como uma realidade adequada de serviços sociais para a demanda de toda

população, visto que esses quando observados em sua totalidade apresentam características e

limitações que incidem diretamente sobre a qualidade de vida dos/as moradores/as.

Entre outras percepções, fica evidente que o acesso a alguns direitos se dá no âmbito

privado. Quando observados os espaços de cultura e lazer, esses são oferecidos

predominantemente pelas empresas ou organizações trabalhistas. Em se tratando de transporte

público, pode-se afirmar que inexiste no território. Analisado o número de trabalhadores/as de

carteira assinada, estes/as representam apenas 24% da população entre 30 e 59 anos, pode-se

assim inferir que, as políticas de trabalho e renda tem apresentado pouca incidência para o

território. Ademais, o Programa Bolsa Família se apresenta como principal fonte de renda das

famílias.

Quando analisado, sobretudo, as políticas de educação, saúde e assistência social

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pode-se inferir que esses serviços sofrerão um aumento considerável em sua demanda, uma

vez que o Novo Iguatu está planejado para receber em torno de 1.000 famílias, além disso,

esses equipamentos estão planejados para atender outras localidades.

Assim sendo, as análises que ampararam a construção da pesquisa reafirmam que o

direito à cidade no atual contexto de desenvolvimento capitalista tem se dado de maneira que

não tem garantido a efetividade dos direitos fundamentais, excluindo a classe trabalhadora

desse processo, ficando relegado à essa a subvida nas periferias.

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em: http://erminiamaricato.net/2014/04/08/o-direito-a-cidade-depende-da-democratizacao-do-

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A CIDADE QUE INCLUI É A MESMA QUE EXCLUI: Políticas Sociais para população

em situação de rua.

Aline Macêdo Câmara Gracindo3

Camila Mesquita Soares4

Gilcélia Batista de Góis5

RESUMO: Historicamente existiram pessoas habitando nas ruas, as quais geralmente foram tratadas

através de instrumentos repreensivos ou quando muito de medidas paternalistas e higienistas. Julgados

previamente de forma moralista, esta população dificilmente consegue alcançar seus direitos. Por viver

em condições miseráveis são excluídos pelos demais. Partindo desta compreensão, o presente trabalho

objetiva analisar as políticas públicas sociais e programas voltados para estes sujeitos, bem como a

questão urbana, que está associada ao direito à cidade daqueles que vivem neste espaço, ou seja, dos

moradores de ruas, no atual contexto neoliberal. Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica,

mediante leituras sistemáticas e críticas acerca do tema aqui abordado. O objeto deste trabalho foi

analisado por meio de um plano, de corte longitudinal, devido ao resgate histórico feito sobre a origem

do fenômeno em questão, e após este resgate, empreendemos um estudo de corte transversal, na

medida em que analisamos as políticas sociais e a questão das cidades para esta população no contexto

atual. Depreendeu-se, ao final deste trabalho, que embora o atual Governo tenha estabelecido

propostas voltadas para este segmento, a má utilização dos recursos financeiros e o predomínio dos

interesses burgueses sobre os interesses coletivos, impedem a materialização de tais propostas.

Palavras-Chave: Políticas Sociais. Moradores de rua. Cidades.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trás uma análise das políticas sociais para os moradores das ruas

das cidades, por um caminho que vai desde o surgimento das políticas sociais e das cidades

por uma visão crítica, explicitando a inserção desses moradores nas ruas à luz da questão

3Acadêmica do 6° período do curso de Serviço Social – UERN/ Bolsista PET-Saúde Rede de Atenção

Psicossocial. Telefone: (83) 8746 – 3236. E-mail: [email protected] 4 Acadêmica do 4° período do curso de Serviço Social – UERN/Bolsista PET-Saúde Rede de Atenção

Psicossocial. Telefone: (84) 8783 – 3380. E-mail: [email protected] 5 Professora Doutora – UERN. Telefone: (84) 9927 – 8339. E-mail:[email protected]

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social. Ainda que tenham existido pessoas morando nas ruas desde a antiguidade, com o

processo de industrialização que induz à urbanização, a quantidade de moradores de rua

aumenta consideravelmente, portanto, uma expressão da questão social que se proclama nos

espaços da cidade, configurando-se como um grande problema urbano até a atualidade. Como

resposta o Estado passa a intervir junto às expressões da questão social, mediante as políticas

sociais, programas e projetos.

Na primeira parte deste estudo, buscamos resgatar a conjuntura histórica do

surgimento dos moradores de rua. Vale salientar, que aqui, não tratamos os moradores de rua

como um problema, ou seja, discordamos da compreensão de que estes são tidos como

“anormalidades” ou ”desajustes” a serem integrados ao sistema ou extintos dele. Na terceira

parte, tratamos da questão urbana em tempos neoliberais, onde os interesses do mercado

imobiliário são priorizados, em detrimento dos interesses e necessidades sociais dos

moradores de rua. Já na segunda parte desta pesquisa expomos a origem das políticas sociais;

e no quarto e último ponto discorremos acerca das políticas destinadas à população em

situação de rua, também considerando os rebatimentos do neoliberalismo.

A fim de cumprirmos os nossos objetivos, utilizamos a pesquisa bibliográfica. No

entanto, a maioria dos subsídios encontrados, abordavam de forma específica das crianças que

vivem nas ruas, e não da população como um todo, evidenciando a escassez de produção

nesta área.

2 NÃO OS VEMOS, NÃO QUEREMOS VER: Contextualizando a origem da

população em situação de rua.

O fenômeno da criação das cidades não é um fenômeno recente. Estas vêm se

formando desde o início da história, num processo que se inicia a partir do momento em que

os seres humanos deixam de ser nômades e começam a viver em agrupamentos fixados em

algum pedaço de terra, o qual, com o decorrer do tempo, vão reproduzindo-se e

desenvolvendo-se. A existência de pessoas vivendo nas ruas das cidades também não se

configura como um fenômeno exclusivo dos dias atuais, este foi constatado desde a

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antiguidade. Já a urbanização, compreende ao processo de crescimento acelerado das cidades.

Este crescimento aceleramento é favorecido pela industrialização, que se coloca não só como

um processo de mudanças econômicas, mas também políticas e sociais, impondo-se, portanto,

como ponto de partida para a exposição da “problemática urbana”. (LEFEBVRE, 2001, p.11).

Com a Revolução Industrial, a cidade é posta como espaço produtivo, onde se

encontram os grandes empreendimentos, atraindo assim, a massa trabalhadora e resultando,

então, na migração campo-cidade. Estas famílias que saiam do campo, buscando uma melhor

condição de vida nas cidades passaram a ocupar os cortiços, as periferias, entre outros lugares

negados pela classe dominante. Emergindo, assim, a segregação espacial das classes sociais e,

segundo Henri Lefebvre (2001), a exclusão do “Direito à Cidade”.

Assim sendo, a industrialização, ao tempo em que determina o inchaço da cidade, a

torna o lócus principal da vida humana. A partir de então, os centros urbanos ganham o

honorário de possuidor da centralidade das relações sociais e econômicas. Sobre os referidos

(industrialização e urbanização), indica Lefebvre:

Se distinguirmos o indutor do induzido, pode-se dizer que o processo de

industrialização é indutor e que se pode contar entre os induzidos os problemas

relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao

desenvolvimento da realidade urbana, sem omitir a crescente importância dos

lazeres e das questões relativas à cultura. [Assim], a industrialização caracteriza a

sociedade moderna. (LEFEBVRE, 2001, p. 11).

O dito “urbano” possui grande e incontestável complexidade, tanto que, ainda que se

classifique como induzido pela industrialização, esta sociedade é chamada de sociedade

urbana, e não industrial. Como demonstra o autor supracitado:

Ainda que a urbanização e a problemática do urbano figurem entre os efeitos

induzidos e não entre as causas ou razões indutoras, as preocupações que essas

palavras indicam se acentuam de tal modo que se pode definir como sociedade

urbana a realidade social que nasce à nossa volta [...]. (LEFEBVRE, 2001, p. 11).

Tal realidade é possuidora de grande complexidade e trás a tona diversos problemas.

Desde a antiguidade já havia grupos habitando as ruas, mas, com as transformações

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anteriormente referidas, estes grupos aumentaram, e a maioria da população que habitava o

campo começou a migrar rumo às cidades, uma vez que, a mecanização da produção

provocou a substituição do trabalho vivo pelo morto, ou seja, desemprego e consequente

expulsão dos sujeitos, que se deslocavam em busca de trabalho. Entretanto, a zona urbana não

era tudo aquilo que os camponeses sonhavam; lá a substituição do trabalho vivo pelo morto

era sentida na pele. Desse modo, as precárias condições de vida encontradas na cidade, faziam

com que alguns camponeses adotassem a rua como lar, visto que as indústrias não

conseguiam absolver toda a mão-de-obra.

Assim sendo, as ‘escolhas’ que se colocavam no horizonte desses sujeitos incluíam,

além do assalariamento, a mendicância, a ‘vadiagem’ ou mesmo a ladroagem,

largamente utilizadas como formas de resistência às novas relações sociais

emergentes (SANTOS, 2012, p.34).

Assim, o aparecimento das diversas expressões da “questão social”, a qual surge no

interior do modelo econômico que se consolida a partir da Revolução Industrial, inclui

também à urbanização desenfreada o aumento da quantidade dos moradores de rua. Conforme

Guimarães (2013):

[...] absolutamente coerente a perspectiva que entende que os novos eixos de

conflito e suas novas formas de organização e expressão sociais, dentre as quais

estão situados também a questão urbana e os movimentos sociais urbanos, nada mais

são do que distintas manifestações da contradição capital-trabalho. Aliás,

contradição fundante desta sociedade, reafirmada pela pobreza urbana e por seus

desdobramentos.” (GUIMARÃES, 2013, p.93)

A população em situação de rua pode ser definida como: “[...] pessoas que não têm

moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de viaduto,

mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis;” (SCHOR; VIEIRA, 2009, p.2)

No caso do Brasil, alguns aspectos particulares devem ser ressaltados. O processo de

colonização realizado pelos portugueses deixou amargas heranças, que refletem até hoje na

nação. Primeiramente na divisão de terras, iniciada com as sesmarias, onde apenas

privilegiados tinham direito a posse das terras, processo que irá confluir na formação da

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estrutura fundiária determinada pela propriedade destas nas mãos de poucos, como demonstra

Covolan6, ao tempo em que menciona Prado Junior, para respaldar sua colocação:

Os primeiros colonos foram empresários, nobres ou fidalgos próximos do trono,

capazes de grandes investimentos, sendo-lhes concedidas grandes frações de terras e

poderes. O reino precisava deles para este empreendimento, e conhecia suas

pretensões, pelo que sua política se orientou [nas palavras de Prado Junior, 1942,

p.114] “desde o começo, nítida e deliberadamente, no sentido de constituir na

colônia um regime agrário de grandes propriedades”. (COVOLAN, 2010, disponível

em: <www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/8mostra/5/262.pdf>)

Além disso, tal processo teve como base a escravidão e exploração dos negros,

determinando desde cedo sua posição inferior no sistema social. Mesmo depois da Lei Aúrea

(1888), os negros continuaram sofrendo as consequências de séculos de submissão aos

brancos. Muitos deles foram abandonados nas ruas pelos seus ex-donos, sem receber

assistência por parte do governo. Como defende Gilberto Freire em entrevista acerca da

temática da democracia racial:

[...] depois que o Brasil fez seu festivo e retórico 13 de maio7, quem cuidou da

educação do negro? Quem cuidou de integrar esse negro liberto à sociedade

brasileira? A Igreja? Era inteiramente ausente. A República? Nada. A nova

expressão de poder econômico do Brasil, que sucedia ao poder patriarcal agrário, e

que era a urbana industrial? De modo algum. De forma que nós estamos hoje, com

descendentes de negros marginalizados, por nós próprios. Marginalizados na sua

condição social. [...]. (FREYRE, 15.03. 1980, em entrevista à jornalista Lêda Rivas)

Outro viés relevante é o fenômeno do clientelismo que consiste na troca de favores

políticos. As práticas clientelistas impedem que o cidadão se veja como tal, uma vez que,

apresenta seus direitos na forma de concessões benemerentes. A ideologia do favor

preconizada pelos capitalistas encontrou terreno favorável junto a grande maioria da

6 Fernanda Cristina Covolan, autora do artigo intitulado de “Sistema Sesmarial no Brasil”. O qual aborda tal

sistema de terras a partir da revisão bibliográfica de clássicos autores da história do Brasil, tais como Holanda

(1976), Prado Junior (1942), Sodré (1973), dentre outros. Artigo apresentado na 8° Mostra de Acadêmica da

UNIMEP (evento ocorrido durante os dias 26 a 28 de outubro de 2010) e disponível em:

<www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/8mostra/5/262.pdf>

7Referente ao dia 13 de maio do ano 1988, data em que foi sancionada a Lei Áurea. Esta Lei, assinada pela

princesa Isabel (1846-1921), caracteriza-se como o marco legal do fim da escravidão no Brasil.

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população, que pelo seu baixo nível de politização, incorpora e transmite de geração em

geração tal ideologia. Dessa forma,

Então o brasileiro é aquele que quando vai a qualquer instituição pública

exercer seus direitos, está sempre pensando e se colocando na posição

daquele que vai pedir um favor e depende da boa vontade de quem o

atende, recebendo-o bem ou não. Ele não se sente como cidadão usufruindo

seus direitos e, para ele, ser pobre não é um problema social, mas uma

vergonha individual. (ESTEVÃO, 2007, p.60).

Estas particularidades brasileiras colaboram para que considerável percentual das

pessoas da rua seja constituído hoje por negros e que, independente de raça, desconhecem

seus direitos.

A existência desses moradores e o retrato das vidas nas ruas do Brasil, assim como os

diversos motivos, que os levam a essa inserção, evidenciam a desigualdade que constitui o

perfil social do país. Em virtude da dinamicidade, complexidade e na rapidez do cotidiano da

vida urbana, principalmente nas grandes cidades, a pobreza é invisibilizada e, muitas vezes,

quando vista, é banalizada. Essa situação é reflexo de uma sociedade desigual e excludente,

onde se expressam contextos de pobreza e marginalização. Assim, mencionar a situação dos

moradores de rua significa referir-se também à pobreza, ainda que não somente a isso, como

justifica Schor:

“[...] o que leva as pessoas às ruas? [...] ainda não se conseguiu uma resposta

consistente. Sabe-se que alguns fatores encontram-se sempre associados. Assim,

álcool, desemprego e rompimento de relações familiares surgem repentinamente nas

histórias pessoais daqueles que foram viver nas ruas. Pobreza, dissolução dos

vínculos familiares e desemprego são condições que muitas famílias, e pessoas,

enfrentam. Nem todas, contudo, levam a perda das condições mínimas que impedem

a chegada às ruas.” (SCHOR, O Estado de S. Paulo, 01/06/2011. Disponível em:

<http://www.estado.com.br/noticias/impresso,e-utopia-pretender-impedir-que-

surjam-moradores-de-rua,559677,0.htm>)

Entre os finalmente referidos (os que não perdem “as condições mínimas que

impedem a chegada às ruas”), podemos mencionar a existência de casos em que o motivo da

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inserção neste meio foi o agravamento de algum transtorno mental ou envolvimento com

álcool, crack e outras drogas. Valendo ressaltar que:

O consumo e a venda de drogas não são, certamente, a causa única que leva as

pessoas às ruas. São, entretanto, um importante elemento da dinâmica das ruas

possibilita a geração de renda, reduz a eficácia das ações públicas, degrada as

condições físicas e seduz jovens e adolescentes. [...] as intervenções junto aos

moradores de rua devem ser multidimensionais. Isso porque todas as dimensões da

vida dessas pessoas se encontram atingidas: saúde, emprego, família, moradia,

sociabilidade [...]. (SCHOR, O Estado de S. Paulo, 01/06/2011. Disponível em:

<http://www.estado.com.br/noticias/impresso,e-utopia-pretender-impedir-que-

surjam-moradores-de-rua,559677,0.htm>).

Desse modo, fica cediço que ao elaborar políticas públicas sociais para a população

em situação de rua, a sua heterogeneidade e multidimensionalidade devem ser consideradas,

assim como as suas particularidades no Brasil. A efetividade das ações voltadas para este

segmento social está no reconhecimento deste em sua totalidade, recusando-se visões

reducionistas.

3 RUAS DE QUEM? O adensamento da problemática no contexto atual /neoliberal

O capitalismo exerce domínio sobre todas as dimensões da vida. Com ele, todos os

aspectos da vida social passam a ser influenciados e direcionados a funcionar sob sua lógica,

tendo em vista que “o modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de

vida social, política e espiritual.” (MARX, 1982a, p.25). Transformando tudo em mercadoria,

também transforma a terra. Em toda a história, quem teve terra, teve mais condições de

desenvolver os meios para sua sobrevivência, mas, na medida em que o capitalismo vai se

intensificando, a aquisição dessas vai sendo dificultada. Assim, possuir terra torna-se

sinônimo de poder.

O processo de urbanização do Brasil possuiu um viés de melhora da “imagem da

cidade”. Neste processo, buscava-se proporcionar às cidades brasileiras, que antes possuíam

aspecto mais rural (por ter sua economia voltada, principalmente, para a produção de café)

embelezamento que reproduzisse os modelos europeus. Nesse sentido se configura uma

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política urbana de cunho higienista e segregadora. Os moradores de rua são vistos como

problemas que se disseminam pela cidade, que causam risco à segurança e tiram a beleza dos

espaços.

No atual estágio do sistema produtivo, o estágio de financeirização da economia que

se caracteriza pela forte ofensiva neoliberal, o que é priorizado, na verdade, são os interesses

do mercado imobiliário em contraponto às necessidades sociais no âmbito da cidade,

incluindo as necessidades habitacionais. A segregação espacial entre as classes têm

continuidade em tal estágio, os bairros centrais possuem preços altíssimos e, com isso, a

classe trabalhadora continua sendo ejetada para os bairros periféricos ou para os bairros de

mínima ou nenhuma especulação imobiliária.

Segundo Furine e Goes (2003) “[...] a população de rua une local de trabalho, local de

moradia e local de lazer num só – que se torna o eixo da territorialização” (FURINE; GOES,

2003, p.3). Quanto a isso, e a partir de sua pesquisa com população de rua, Maciel (2004)

afirma que: “é comum, portanto que o centro da cidade se torne o local predileto daqueles que

vivem na e da rua. A concentração de pontos comerciais, o fluxo intenso de pedestres justifica

a escolha pelos centros das cidades.” (MACIEL, 2004, p. 29). Acontece que a presença de

moradores nas ruas dos centros das cidades ou em áreas de interesse imobiliário, se contrapõe

aos interesses da classe possuidora e aos interesses das grandes empreiteiras. Assim, é

perceptível que nas cidades há “os violentos contrastes entre a riqueza e a pobreza, os

conflitos entre poderosos e oprimidos, [mas estes] não impedem nem o apego à Cidade, nem a

contribuição ativa para a beleza da obra.” (LEFEBVRE, 2001, p. 13). Com isso, ricos e

pobres, possuidores de grandes imóveis e aqueles que de posse não têm nada ou possuem

pouca coisa, como uma coberta, uma caixa que à noite vira cama, constituem uma única ou

várias cidades. Depreende-se, então, que o atual sistema, ao tempo em que mercadoriza, que

coloca tudo a favor de uma classe (aquela que possui poder aquisitivo), impossibilita a

liberdade humana. Esclarecem Netto e Braz (2012):

[...] um projeto de emancipação humana que foi conduzido pela burguesia

revolucionária, resumido na célebre consigna liberdade, igualdade,

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fraternidade.Entretanto, a emancipação possível sob o regime burguês, que se

consolida no século XIX, não é a emancipação humana, mas somente a

emancipação política. Com efeito, o regime burguês emancipou os homens das

relações de dependência pessoal, vigentes na feudalidade; mas a liberdade política,

ela mesma essencial, esbarrou sempre num limite absoluto, que é próprio do regime

burguês: nele, a igualdade jurídica (todos são iguais perante a lei) nunca pode se

traduzir em igualdade econômico-social – e, sem esta, a emancipação humana é

impossível. (NETTO; BRAZZ, 2012, p.31-32)

Assim, igualdade e capitalismo não são compatíveis. Dizer, portanto, que “todos são

iguais perante a lei” oculta desigualdades entre classes e o domínio de uma sobre a outra. Os

privilégios que são derivados desse domínio também se expressam nos espaços da cidade. Se

há segregação para com a classe trabalhadora, essa situação se aprofunda ainda mais tratando-

se dos moradores de rua, os quais são, ainda, constantemente vítimas de julgamentos de

caráter moralistas: são associados ao perigo, drogas, sujeira e, por isso, sofrem para conseguir

emprego. Aos moradores de rua, é excluído o direito de exercer diversas atividades na cidade,

como freqüentar os espaços de convivência e lazer.

4 CONTEXTUALIZANDO AS POLÍTICAS SOCIAIS

Historicamente, a maior parte da humanidade vem sofrendo com os males sociais

(fome, desemprego, subemprego, violência etc.) que expressam a chamada questão social e

que se intensificaram após a Era Industrial. Com isso os sujeitos atingidos por tais males

deram início, na Inglaterra, a algumas manifestações grosseiras contra o modo de vida que

levavam; mas gradativamente as manifestações se politizaram ocupando a esfera política. Por

esta razão, a repressão e a caridade utilizadas para amenizar estes “problemas” e manter a

“ordem”, já não eram tão eficazes tendo que abrir caminho para medidas encabeçadas pelo

aparelho estatal. Em outros termos:

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e

desenvolvendo da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade,

exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É

a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a

burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e

da repressão. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre empresariado

e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica do

mercado de trabalho, através da legislação social e trabalhistas específicas, mas

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gerindo a organização e prestação dos serviços sociais, como um novo tipo de

enfrentamento da questão social. Assim, as condições de vida e trabalho dos

trabalhadores já não podem ser desconsideradas inteiramente na formulação de

políticas sociais, como garantia de bases de sustentação do poder de classe sobre o

conjunto da sociedade (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 77).

Neste sentido, as políticas sociais surgem a partir da intervenção do Estado no social,

que, pressionado pelos movimentos sociais que reivindicavam melhores condições de vida,

passou a “assumir” o ônus de um sistema produtivo predatório. No entanto, foi um processo

lento e árduo até as políticas sociais se consolidarem como mecanismos garantidores de

direitos, não obstante mecanismos ideológicos de sustentação dos interesses burgueses.

No período em que a Revolução industrial se estia e intensificava-se, a pobreza

agravou-se, em virtude disso, algumas tímidas medidas foram tomadas pelo governo inglês.

Ainda em seu estágio embrionário as denominadas protoformas das políticas sociais

costumam ser caracterizadas como promotoras de benefícios significativos para a classe

trabalhadora mas, na verdade, eram medidas coercitivas, considerando que obrigavam os

indivíduos a submeter-se as condições para receberem parcos recursos. Exemplo são as leis

inglesas que não protegiam, mas pelo contrário prejudicavam o trabalhador, haja vista que,

elas obrigavam as classes subalternas a trabalharem independente das suas condições de

trabalho ser precárias ou não. Sendo leis que serviam ao mercado, objetivando expandi-lo

através da intensa exploração do proletariado. As primeiras formas de políticas sociais eram

assim, promotoras tanto do trabalho forçado, como dos auxílios mínimos, para que os mais

pobres pudessem estar em boas condições para produzir.

Dentre essas leis inglesas destacam-se a lei de Speehamland (1795) que tinha um

caráter menos repressor do que as demais, pois disponibilizava um abono financeiro (que

dava apenas para suprir as necessidades alimentícias) tanto aos empregados como aos

desempregados. Mas ao mesmo tempo exigia que o trabalhador se fixasse na cidade, não

podendo ir morar em outro local, pois, visava à concentração da mão-de-obra. Entretanto, a

tendência do mercado era crescer, sendo assim esta lei representava um entrave à expansão

industrial.

Por esta razão, a Speenhamland foi abolida sendo criada em 1834 a Poor Law

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Reform, que trazia em seus pressupostos a ausência de qualquer renda conferida pelo

governo, motivando os sujeitos a venderem desesperadamente a sua força de trabalho, já que

esse era e é o único meio de sobrevivência na sociedade capitalista. Essa lei surge

primordialmente para servir ao capital, pois, para promover a liberdade e a competitividade de

que o mercado tanto necessita, desprotegia e desassistia os sujeitos motivando- os a

competirem entre si a fim de garantirem sua própria sobrevivência. Era um período de

desumanização, intensificação da pauperização e de extrema violação dos direitos. O que não

se diferencia muito do atual quadro social. Conforme Behring e Boschetti:

Pode parecer exagerado atribuir a uma lei assistencial o ‘poder’ de impedir o

estabelecimento do livre mercado, mas o fato é que, enquanto as anteriores leis dos

pobres induziam o trabalhador a aceitar qualquer trabalho a qualquer preço, a Lei

Speenhamland, ao conttário, permitia ao trabalhador minimamente “negociar” o

valor de sua força de trabalho, impondo limites (ainda que restritos) ao mercado de

trabalho competitivo que se estabelecia. A sua renovação, em 1834 pela Poor Law

AmendmentAct(...) marcou o predomínio, do capitalismo, do primado liberal do

trabalho como fonte única e exclusiva de renda, e relegou a já limitada assistência

aos pobres ao domínio da filantropia (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 49-50)

Neste prisma, no estágio concorrencial do capitalismo, alimentado pela ideologia

liberal, as expressões da questão social são tratadas de forma repressiva e assistencialista,

tendo em vista “que o Estado, nas mãos dos capitalistas (...), atendia praticamente apenas aos

interesses do capital. O essencial das funções do Estado burguês restringia- se às tarefas

repreensivas: cabia- lhes assegurar (...) a manutenção da propriedade privada e da ‘ordem

pública’” (NETTO; BRAZ, 2010, p.173). Vale acrescentar que esta repressão andava de mãos

dadas com ações de cunho filantrópico.

No liberalismo, o Estado assume o papel de regulador da relação capital/trabalho, para

atender especialmente às exigências do mercado. Neste cenário, onde apenas a intervenção no

social deve ser evitada, as políticas sociais são negadas, pois são reduzidas á estimulantes da

preguiça e da ociosidade. Mas, a ideologia liberal se tornou insustentável, não só devido às

duas grandes guerras mundiais, mas também a quebra da bolsa de valores de Nova York

(1929-1932). Foi adotado então, o WelfareState, ou Estado de bem-estar social, pelos países

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europeus e pelos E. U. A, com o objetivo de integrar os sujeitos ao esforço de reativar o

crescimento econômico.

Podemos perceber que ao invés das medidas de proteção social avançar juntamente

com o desenvolvimento das forças produtivas, elas regrediram, o que aprofundou as

manifestações da “questão social”, que por sua vez, acordou as classes subalternas para uma

longa e árdua luta por direitos sociais, políticos e civis.

Diante deste cenário é que surgem as lutas sociais, reivindicando do Estado respostas

para a situação vivida, que por vez se deram em forma de políticas sociais. Uma vez que o

esforço do “Estado a serviço dos monopólios para legitimar- se é visível no seu

reconhecimento dos direitos sociais (...). A consequência desse reconhecimento, resultado da

pressão dos trabalhadores, foi a consolidação de políticas sociais (...)” ( NETTO; BRAZ,

2010, p 205- 206). Estas se configuraram como medidas emergenciais, residuais e

imediatistas que em meio á crise econômica gerada pela quebra da bolsa de valores e a

devastação causada pelo segundo pós- guerra seriam úteis para controlar os conflitos sociais e

reativar o crescimento econômico pela esfera do consumo.

Sendo assim, as políticas sociais surgem não porque o Estado está unicamente

preocupado com a classe trabalhadora, mas porque ele sabe que é necessário amenizar as

expressões da questão social, tendo em vista que, sua intensificação promove mobilização e

lutas sociais que são ações prejudiciais ao capitalismo. Neste contexto se insere as políticas

sociais, que assumem um papel ambíguo, na medida em que expressam- se tanto como

respostas, as necessidades sociais dos trabalhadores; como mecanismos que sustentam tanto

política como economicamente o sistema produtivo.

Com isso as políticas sociais se difundiram e após a Segunda Guerra Mundial se

generalizaram, com o objetivo de implantar o pleno emprego, que geraria o consumo, que por

sua vez sanaria os problemas de supercapitalização, superprodução e subconsumo. Sendo

assim, o Estado foi chamado a intervir no social a fim de promover a recuperação econômica

dos países, pois ao ser cooptado pela burguesia, o aparelho estatal assume a função não

apenas de garantir “a reprodução e a manutenção da força de trabalho, ocupada e excedente,

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mas é compelido (e o faz mediante os sistemas de previdência e segurança social,

principalmente) a regular a sua pertinência a níveis determinados de consumo” (NETTO,

1992, p.23). Com isso objetiva- se preservar a “paz social”, silenciando os clamores dos

desapropriados dos meios de produção por melhoras sociais.

É de suma importância salientar, que a expansão das políticas sociais no Estado

Social, variou de país para país. Na Alemanha, por exemplo, tivemos políticas voltadas para a

seguridade social destinada aqueles que não estavam em condições de trabalhar, e tinham

como meta desestruturar a organização dos trabalhadores. Este modelo foi implantado por

Otto Von Bismarck, e funcionava de acordo com as contribuições feitas pelos beneficiados,

mercantilizando assim, o direito. Já na França, as políticas sociais, denominadas de Estado

Providência, ironicamente, pelos liberais e não se faz necessário explicar o porquê,

contemplavam aqueles que sofriam acidentes de trabalho. Dessa maneira, é perceptível que:

O surgimento da politicas sociais foi gradual e diferenciado entre os países,

dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do

grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações e composições de

força no âmbito do Estado. Os autores são unânimes em situar o final do século XIX

como o período em que o Estado capitalista passa a assumir e a realizar ações

sociais de forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de

obrigatoriedade (BEHRING; BOCHESTTI, 2007, p.64).

Entretanto, a interferência excessiva do Estado começou a incomodar alguns setores

da sociedade, tanto por estar limitando a liberdade de mercado essencial ao sistema capitalista

como por não conseguir evitar a queda nas taxas de lucro, evidenciando que o problema não

era na esfera do consumo, como pensara Keynes, e sim da produção; o que resultou no fim do

Estado de Bem- Estar Social, pois “na passagem dos anos sessenta aos setenta do século XX,

ele entrou em crise e mecanismos de reestruturação foram implementados pela burguesia

monopolista, revertendo as conquistas sociais alcançadas no segundo pós-guerra (...)”

(NETTO; BRAZ, 2010, p. 206).

A partir de então o mundo experimentara o capitalismo monopolista- financeiro-

neoliberal, que consiste num estágio do capitalismo que perdura até hoje; caracterizado pela

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extrema concentração e centralização das indústrias e do capital bancário nas mãos de uma

minoria, que se apoia na ideologia neoliberal. Esta última retoma os pressupostos liberais, que

dentre outros aspectos defende a não intervenção estatal a fim de preservar a liberdade de

mercado. À diferença do período keynesiano, que baseava- se no fordismo, que por sua vez

pregava a produção em massa e padronizada, visando o consumo em massa; está nova fase do

sistema econômico, volta- se para a esfera da produção, compreendendo que seria mediante a

diversificação dos produtos que as taxas de lucro se manteriam elevadas. Em outros termos:

É que o liberalismo Keynesiano sustenta- se no fortalecimento da demanda, ou seja,

na capacidade de compra, de consumo da população, e isso é possível com pleno

emprego e bons salários (...) é por esta razão que Keynes defende a participação do

Estado. Enquanto isso, o neoliberalismo, contrariamente, propõe o fortalecimento da

oferta, reduzindo os custos de produção, particularmente com a diminuição do valor

da força de trabalho (precarizando salários, direitos trabalhistas, e serviços e

políticas sociais estatais); aqui a ênfase não está na ampliação da capacidade de

consumo (para a produção em massa), mas na diminuição dos custos e flexibilização

da produção (no contexto de crise), e é esse o motivo pelo qual a orientação

meoliberal recai na defesa da ‘liberdade’ do mercado e a não participação (social) do

Estado (MONTANÕ; DORIGUETTO, 2011, p. 204).

Dessa forma, as políticas sociais que durante o Estado Social estiveram no seu auge de

extrema expansão; com o predomínio da ideologia neoliberal foram desregulamentadas, e

desmontadas, reduzidas a políticas de governo para os pobres dos pobres. Sendo assim, a

questão social voltou a ser tratada ora por medidas repressivas; ora assistencialistas,

experimentado também processos de criminalização e judicialização. Com isso, propagam- se

as desigualdades sociais, a opressão, e a exploração, típicas do modo de produção vigente. Os

neoliberais naturalizam assim as refrações da questão social, na medida em as veem como

males necessários ao bom funcionamento do sistema. Entretanto, a intervenção estatal ainda é

útil, considerando que:

(...) para facilitar a concorrência, mantém uma certa política social- assistencial,

claramente precária e direcionada (focalizada) às pessoas e grupos que não logram

ascender os patamares de sobrevivência. O restante de respostas ás necessidades

sociais deve ser promovido, ora pelo mercado, ora por entidades assistenciais

(MONTANÕ; DORIGUETTO, 2011, p. 65).

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Dessa maneira, percebemos que o que se confira atualmente é a expansão da política

de assistência social, de modo focalizado, emergencial, e extremamente seletivo; expansão

essa que visa proporcionar alguma renda mínima para os sujeitos que não estão inseridos no

mercado de trabalho, a fim de que os mesmos possam ter condições de participar do sistema

na condição de consumidores marginais. Esta estratégia atente aos interesses burgueses tanto

em termos econômicos, pois fazem os sujeitos alimentarem a concorrência de mercado, como

em termos políticos na medida em que promove o quietismo político, fazendo com que os

beneficiados não mais contestem o modo como o país vem sendo governado. Quanto a saúde,

a educação e a previdência, passaram a fazer parte do reino mercatório, sendo ofertadas das

mais diversas formas e pelos mais diversos preços, ou mesmo ficando a cargo de ações

filantrópicas, amplamente divulgadas pelos meios midiáticos.

5 POLÍTICAS SOCIAIS PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Será que as pessoas da rua querem deixar este espaço? Será que estas podem continuar

vivendo desta forma com dignidade? O primeiro passo para se implantar políticas sociais

eficazes voltadas para este público-alvo, é saber que o mesmo é constituído heterogeneamente

por uma diversidade não só de raça, cor, sexo, idade e gênero mas também de diferentes

crenças, mentalidades e visões de mundo. Por esta razão, não é interessante trabalhar com

conceitos fechados acerca deste grupo social.

Vivemos em uma forma de organização social específica que tem contribuído para que

os sujeitos de rua continuem vivendo a mercê de sua própria sorte, tendo os seus direitos

violados em suas mais diversas maneiras. Apenas recentemente, estes tornaram- se objeto de

preocupação social. Deste modo, iremos expor aqui alguns projetos e ações voltados para

atender as necessidades de quem vive nas ruas. Considerando que:

As políticas sociais são concessões/conquistas mais ou menos elásticas, a depender

da correlação de forças na luta política entre os interesses das classes sociais e seus

segmentos envolvidos na questão. No período de expansão, a margem de negociação

se amplia; na recessão, ela se restringe. Portanto, os ciclos econômicos, que não se

definem por qualquer movimento natural da economia, mas pela interação de um

conjunto de decisões ético-políticas e econômicas de homens de carne e osso,

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balizam as possibilidades e limites da política social (BEHRING, 2009, p.19).

Portanto, partindo deste entendimento de que as políticas sociais sofrem as limitações

subjetivas e objetivas que se apresentam em cada contexto, passemos a sua análise. Em

âmbito federal tem-se aPolítica Nacional para Inclusão Social da População em Situação de

Rua, resultado das reuniões do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), coordenado pelo

Ministério de Desenvolvimento Social e combate à Fome (MDS)e instituído pelo Decreto

s/nº, de 25 de outubro de 2006,a qual vem nortear a elaboração e execução das políticas

públicas para estes usuários, objetivando a sua reinserção à vida social. E a Política Nacional

Para a População em Situação de Rua, criada pelo Decreto 7.053, de dezembro de 2009, que

visa a execução de projetos intersetoriais como o denominado Centro de Referência

Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) que objetiva acolher

moradores durante o dia.

Entretanto, para que os princípios norteadores destas políticas venham a ganhar

concretude é necessário que haja uma mobilização articulada entre as três esferas

governamentais e a sociedade civil organizada (Movimento Nacional da População de Rua,

Pastoral do Povo da Rua e do Colegiado Nacional dos Gestores Municipais da Assistência

Social). Outros acontecimentos de grande importância nacional foram o I e o II Encontro

Nacional Sobre População em Situação de Rua. Sendo o primeiro realizado em 2005, com a

finalidade de dar ênfase à necessidade de políticas públicas para os moradores de rua; e o

segundo realizado em 2009, o qual colocava em pauta a Política Nacional para Inclusão

Social da População em Situação de Rua e incentivava a participação política desta

população.

Em relação à Assistência Social, temos alguns avanços como o que está presente na

Lei Orgânica de Assistência Social, que incorporou a tarefa de elaborar programas que

atendam tal demanda específica. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) apresenta

a seguinte norma voltada especificamente para este público: “no caso da proteção social

especial, à população em situação de rua serão priorizados os serviços que possibilitem a

organização de um novo projeto de vida, visando criar condições para adquirirem referências

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na sociedade brasileira, enquanto sujeitos de direitos” (2004,37).

Além disso, encontramos ainda alguns serviços que não são exclusivamente

destinados à população de rua, mas a cobrem como, a proteção especial para quem teve seus

“direitos violados e, ou, ameaçados e cuja convivência com a família de origem seja

considerada prejudicial a sua proteção e ao seu desenvolvimento” (PNAS, 2004, 37); e os

serviços de média complexidade acionados quando da violação dos direitos, porém, sem a

quebra da relação familiar e comunitária. Nesta última modalidade destacamos dois

instrumentais técnico-operativos que atendem as demandas das ruas: o Plantão social e a

Abordagem de Rua. E por fim os serviços de proteção social especial de alta complexidade

que oferecem atenção integral aos “indivíduos que se encontram sem referência” (PNAS,

2004,38), como: Casa Lar, República, Casa de Passagem, Albergue, etc.

É importante esclarecer que o aparato jurídico explanado a pouco, não esgota todo o

arsenal teórico- normativo que reconhece as necessidades do povo da rua; e não representa o

fim da luta pela materialização dos direitos do mesmo. Afinal, ainda há muito a ser

conquistado, considerando que:

O direito assume, portanto, na formação social capitalista, uma função ideológica de

alta complexidade com consequências sócio-políticas. Isso porque quando

reconhece os agentes da produção como sujeitos iguais, na verdade, efetiva-se aí um

modo particular de ordenar e disciplinar os conflitos sociais. Entram em cena

dispositivos normativos e ideológicos que servem ao processo de naturalização das

relações econômicas e de classe, na medida em que os indivíduos são tratados de

modo genérico, destituídos das relações reais e históricas que vivenciam

(BEHRING; SANTOS, 2009, p.15).

Na forma de organização social especifica em que vivemos a aprovação dos direitos

no plano normativo, acaba se transformando numa forma de conter os ânimos daqueles

segmentos mais atingidos pelos processos de pauperização, logo mais propícios a reivindicar.

Essa é mais uma estratégia utilizada pelos capitalistas para mistificar as reais relações sociais

de dominação, exploração e opressão que caracterizam o sistema. Não obstante, isso não

retira a significância dos direitos já conquistados e que de fato beneficiam as classes

oprimidas.

Em relação à saúde, devido as suas singularidades (caráter itinerante, falta de higiene,

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e possível envolvimento com drogas) a população em situação de rua vem sendo desassistida

pela saúde pública brasileira. Por outro lado, esta só recorre aos serviços de saúde, quando a

doença a impedi de realizar as suas atividades cotidianas, o que dificulta a prestação dos

mesmos (BRASIL, 2012).

Dessa forma, a PSR, além de enfrentar uma variedade de barreiras para uso dos

serviços de saúde, como a limitação, muitas vezes, tem dificuldade de identificar o

local apropriado para procurar assistência. São poucas as equipes de saúde

específicas e as eSF tradicionais, com a lógica hegemônica da territorialização rígida

nem sempre têm as portas abertas a esse grupo social. Os serviços de urgência, em

sua maioria, são distantes e inacessíveis. Longas esperas podem significar perda de

refeições ou acesso a abrigamento. (BRASIL,2012,p. 39-40).

Entretanto, o Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta estratégias específicas como os

consultórios de rua,instituídos pela Política Nacional de Atenção Básica em conformidade

com a lógica da atenção psicossocial, priorizando a política da redução de danos, que

desenvolvem ações articuladas com outros pontos de atenção à saúde, dependendo das

demandas dos usuários, visando atender as mesmas no seu próprio espaço de vivência,

atuando para além dos “muros das instituições”.

Desse modo, em 2009 o Ministério da Saúde propõe o Consultório de Rua como

uma das estratégias do Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e

Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde-PEAD, sendo

incluída também, em 2010,no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack com o

objetivo de ampliar o acesso aos serviços de saúde, melhorar e qualificar o

atendimento oferecido pelo SUS às pessoas que usam álcool e outras drogas através

de ações de rua. (BRASIL, 2010, p.9).

Na esfera estadual o quadro de ações estratégicas para o povo da rua, tem se mantido

na sua grande maioria na dimensão ideológica, sendo consolidados apenas em alguns estados

como o de Pernambuco, que implantou em 2008 o Programa Vida Nova que vem assistiras

crianças, adolescentes e jovens das ruas. Em âmbito municipal, as políticas públicas sociais

para a população em situação de rua não têm sido objetivadas, tendo em vista o baixo nível de

adesão dos municípios à Política Nacional para População em Situação de Rua (apenas

Brasília, São Paulo e Gôiania aderiram). No caso dos já citados consultórios de rua, por

exemplo, só foram implantados em poucos municípios, assim como o Centro de Referência

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Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), que para muitas cidades

ainda é um sonho. O cadastramento desta população no Cadastro Único instituído

nacionalmente é uma das ações mais executadas pelos municípios, objetivando proporcionar o

acesso desta aos programas e benefícios sociais e produzir informações úteis à elaboração e

adequação das políticas públicas às necessidades da mesma.

Os desafios para que a população em situação de rua possa ser atendida com dignidade

continuam ganhando dimensões cada vez maiores, em virtude do predomínio da ideologia

neoliberal. A falta de recursos financeiros e a morosidade do governo federal em aplicar os

mesmos, são umas das principais lacunas, que contribuem para que as propostas nacionais

para esse segmento da sociedade, não passem de idealizações. É preciso fortalecer os

mecanismos de participação popular como fóruns e conferencias a fim de que os moradores

de rua assumam o pratagonismo nas decisões concernente a eles e assuntos de interesse geral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população de rua se insere no quadro de pobreza urbana, mas não pode ser resumida

a isso, pois são diversos os motivos que os levam a viverem nas ruas da cidade. Assim, em

uma disposição mais ampla, inclui-se na problemática do urbano. A vida das pessoas que

habitam as ruas é complexa e dinâmica e não se pode querer intervir nesta, a fim de adequá-la

a ideologia reinante, uma vez que, deve-se respeitar a singularidade destes sujeitos, seus

modos de ser e de se constituírem enquanto tais.

Trata-se de uma expressão da questão social que, primeiramente, aumenta em razão da

urbanização desenfreada e da não absorção de toda mão de obra por parte do mercado. Além

de sofrer influências de outras mudanças no modo de vida da população, advinda do “modo

de viver urbano”, como a questão das drogas e do agravamento dos transtornos mentais.

Assim, as mudanças no mundo do trabalho, como a intensificação do desemprego, também

têm suas contribuições para esse quadro.

Contudo, ainda que não haja consonância entre o atual modo de sociabilidade e a

igualdade, as políticas sociais são os instrumentos capazes de resgatar a dignidade desses

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cidadãos que vivem nas ruas, a qual constitui- se como um direito. Porém, após análise das

políticas sociais direcionadas a esse segmento depreendeu- se que a materialização destas se

resume a tímidas iniciativas que são em sua maioria, tolhidas pelos ideais neoliberais,

direcionadas pela classe dominante, o que as tornam imediatistas, focalizadas e seletivas.

Enquanto estas continuarem sendo implementadas de cima para baixo e de forma

desarticulada, isto é, totalmente impregnadas pelo autoritarismo burguês e sem haver a

descentralização da participação popular e a distribuição do poder decisório, os seus

resultados não serão exitosos. Sendo assim, a população em situação de rua continuará

exposta as mais diversas expressões da questão social. É necessário que haja ações articuladas

e concretas executadas pelas três esferas governamentais e pela sociedade civil.

O povo da rua deve assumir seu protagonismo social e participar ativamente da

elaboração das políticas sociais, que são o principal instrumento consolidador de seus direitos;

superando assim a crise democrática na qual vivemos. É imprescindível para o estado se

aproximar desta população sem, no entanto, privá-la de sua liberdade, valor ético de extrema

importância em suas vidas.

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A IMPORTÂNCIA DA COLETA SELETIVA PARA O MEIO AMBIENTE: UMA

ANÁLISE DA ASSOCIAÇÃO ENGENHO DO LIXO DE JUAZEIRO DO NORTE-CE

Andressa Duarte Feitosa8

Angélica Carolina de Camargo Oliveira9

Ana Luiza de Melo Pinho10

Luciana Bessa Silva.Faculdade11

RESUMO: O presente artigo objetiva analisar o âmbito do terceiro setor, dando ênfase as ONG’S,

qual o seu papel na sociedade, verificando seus serviços e objetivos. Especificamente destacando a

Associação Engenho do Lixo de Juazeiro do Norte-CE, com o seu papel de reciclar e preservar o meio

ambiente em uma luta sempre contínua, de conscientização da sociedade. Também destacando o papel

importante dos catadores na luta por reconhecimento de sua profissão. Para tal pesquisa foi utilizado

material bibliográfico sobre o tema e visitas ao espaço referido para conhecer desta forma o âmbito em

sua essência.

Palavras-Chave: ONG, meio ambiente, Engenho do lixo, terceiro setor.

ABSTRACT: This article aims to analyze the scope of the third sector, emphasizing the NGO'S,

what their role in society, verifying their services and goals. Specifically highlighting the Association's

Mill Waste Juazeiro-EC, with its role to recycle and preserve the environment in a fight always

continuous awareness of society. Also highlighting the important role of collectors in the struggle for

recognition of their profession. Was used for such research publications on the topic and visits to the

area to know that in this way the scope in its essence.

Keywords: NGO, environment, garbage Ingenuity, third sector.

INTRODUÇÃO

8 Faculdade Leão Sampaio-FALS, (88) 9627 3691, [email protected] 9 Faculdade Leão Sampaio-FALS, (88) 9705 8837, [email protected] 10 Faculdade Leão Sampaio-FALS, (88) 9927 1542, [email protected] 11 Leão Sampaio-FALS (88)9921 3568. [email protected]

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Este trabalho é voltado para o tema terceiro setor e ONG’S, faz uma retrospectiva

histórica destes, diferenciando-os, sendo que com a entrada do terceiro setor na sociedade na

década de 1990, com o cenário ampliado, ligados a fundações e empresas, este acaba por

desresponsabilizar o Estado passando a responsabilidade para a sociedade civil, fragmentando

e modificando o papel das ONG’S.

Dando ênfase para a Associação Engenho do lixo, vai ser relatado o movimento dos

catadores de materiais recicláveis, com suas lutas por melhorias de trabalho, a busca por

respeito na sociedade na tentativa de ser enxergado como um profissional reconhecido, com o

seu importante papel no processo de reciclagem, preservação do meio ambiente e

conscientização dos indivíduos, em um mundo tão devastado.

O Engenho do lixo trabalha com a coleta seletiva com algumas famílias, mas nem todo

o lixo recolhido é separado, pois não há ainda uma consciência de todos, ao longo dos anos a

instituição foi sendo reconhecida no cenário local, nacional e até internacional através do seu

trabalho.

O interesse pela construção de um artigo neste tema foi entender a importante missão

de um trabalho não reconhecido perante a sociedade e o sistema social vigente e que é de

extrema importância tanto para as pessoas como para o meio, desta forma compreendendo e

podendo repassar o conhecimento adquirido na busca de uma maior visibilidade desta

atividade.

1-ONG’S E TERCEIRO SETOR

Nas três últimas décadas, segundo Gohn (2005), em 1970,1980 e 1990 com as

mobilizações dos movimentos sociais e populares na luta contra o regime militar pela

democratização, temos a entrada de novos atores no campo de atuação da sociedade civil

demarcando a participação dos cidadãos na vida pública.

Nesta fase o papel das ONG’S era voltado para fortalecer a representatividade dos

movimentos populares e a sua estruturação, conscientizando-os.

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Assim, as ONG’S eram reconhecidas como ONG’S cidadãs, movimentalistas e

militantes, elas encobriam a face produtiva que gerava inovações para o campo de alternativas

as demandas sociais.

Nos anos 90 é ampliado o cenário com o surgimento de entidades autodenominadas de

terceiro setor, que se encontrava vinculadas as empresas e fundações, com o perfil ideológico

e projeto político definido, momento em que algumas ONG’S entram em crise e se

fragmentam.

Este período confere um novo protagonismo para as ONG’S, com o papel mais ativo,

com especialização voltada para alguns temas como mulher, saúde etc.

De acordo com a visão de Gohn (2005), o terceiro setor veio para enfraquecer

politicamente as ONG’S cidadãs, com o seu polo associativo pouco ou nada politizado

preocupado apenas com a sua integração ao status quo vigente sem questionamento, assim

considerado um setor contraditório em que o modelo de desenvolvimento é inspirado no novo

modelo de civilização em que a ética, a justiça e a igualdade sejam prioritárias e inegociáveis,

tornando assim um problema para as instituições, em que o impacto com a realidade é lenta.

Segundo Montaño (2007), o terceiro setor tem o seu desvendamento voltado para uma

análise crítica e ontológica, numa visão voltada para a própria realidade histórica como um

todo, ou seja, a realidade como interlocução e a teoria como sua reprodução, porém este

conceito não é fenomenalmente isolado, ele tem o seu início com movimentos e tendências de

transformação do capitalismo como um todo, tendo fenômenos que participam do seu produto

inserido no movimento geral da realidade desvendando a essência do objeto em questão.

Observa-se que temos o “conceito hegemônico” e o “fenômeno real” em que o

hegemônico expressa de forma ideológica trazendo a aparência e encobrindo a essência,

fenômeno real é pensado como sendo organizações da sociedade civil conduzindo a

desarticulação do real, propiciando a aceitação do fenômeno em questão, em que para

responder as demandas sociais é desresponsabilizados o Estado e o mercado, sendo assumido

agora pela sociedade civil este processo trás o marco legal do chamado terceiro setor.

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Estas transferências de responsabilidade são chamadas de forma ideológica, parceria

entre a sociedade civil e o Estado, onde se fundamenta na redução de gastos sociais, ou seja, é

mais fácil a prestação de serviços das ONG’S precários e pontuais/locais do que o Estado

desenvolver políticas universais permanentes e de qualidades.

Vale ressaltar que essa transferência tem como visão objetiva um esvaziamento do

direito a serviços sociais de qualidade, mas que tenta fazer parecer que é um processo de

transferência de atividade de uma esfera ineficiente e não especializada (Estado) para uma

esfera mais democrática e mais eficiente (terceiro setor) tendo assim uma aparente forma de

divórcio da política econômica (governo e mercado) com a política social (parceria do Estado

e terceiro setor).

Todo esse processo trás grandes consequências que se processa em certo

deslocamento: de lutas sociais para parceria, do âmbito público para o privado, do universal

para o local, do permanente para o focalizado etc. Consideram-se as organizações do terceiro

setor, um suporte de minimização das políticas sociais por parte do Estado, com implantação

de programas em nome da parceria defendida como medida de reforma do Estado.

Segundo Santos (2007), dentro desta perspectiva o assistente social tem que intervir no

privilégio dos direitos, nos princípios de equidade e justiça social, para sua ação. Pode-se

perceber que o profissional é indispensável na necessidade de observar como uma prática que

se configura na construção e reconstrução da reprodução da vida social.

Levando adiante, para entender a Associação Engenho do Lixo a qual será tratada

neste presente artigo faz-se necessário abordar sobre os pressupostos a qual esta está

vinculada, como os catadores de materiais recicláveis e o meio ambiente.

2-MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS,

LEIS E MEIO AMBIENTE.

O Movimento Nacional dos Catadores (as) de Materiais Recicláveis (MNCR) surgiu

em meados de 1999 com o 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel.

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O 1º Congresso Nacional dos Catadores (as) de Materiais Recicláveis aconteceu no dia

1º junho de 2001, em Brasília, evento em que reuniu mais de 1.700 catadores e catadoras, no

congresso onde foi lançada a Carta de Brasília, documento que expressa às necessidades do

povo que sobrevive da coleta de materiais recicláveis.

Mesmo antes do Congresso os catadores impulsionavam a luta por direitos em diversas

regiões do Brasil. A articulação de diversas lutas por um mesmo objetivo torna possível a

organização de movimento nacionalmente.

No ano de 2003 aconteceu o 1º Congresso Latino-americano de Catadores em Caxias

do Sul – RS, que reuniu catadores (as) de diversos países. O movimento ganhou força

tornando expressivo, divulgando Carta de Caxias, nesse momento o MNCR começa a mostrar

sua força nacionalmente com as articulações regionais. Muitas lutas foram travadas em todo o

Brasil e muitas conquistas alcançadas.

Em março de 2006 o MNCR realizou uma grande marcha até Brasília levando suas

demandas para o Governo Federal, exigindo a criação de postos de trabalho em cooperativas e

associações bases orgânicas do movimento. Esse evento se tornou um marco histórico da luta

dos catadores no Brasil, cerca de 1.200 catadores marcharam na Esplanada dos Ministérios e

levaram as autoridades suas reivindicações. A meta é a criação de 40 mil novos postos de

trabalho para catadores e catadoras de todo o Brasil.

Isso se deu, não pelo acaso, mas pelo esforço dos lutadores do MNCR. Em março de

2006 o MNCR realizou uma grande marcha até Brasília levando suas demandas para o

Governo Federal, exigindo a criação de postos de trabalho em cooperativas e associações

bases orgânicas do movimento. Esse evento se tornou um marco histórico da luta dos

catadores no Brasil, cerca de 1.200 catadores marcharam na Esplanada dos Ministérios e

levaram as autoridades suas reivindicações. A meta é a criação de 40 mil novos postos de

trabalho para catadores e catadoras de todo o Brasil.

Através do surgimento do MNCR ampliou-se a luta dos catadores (as) por uma vida

digna. O trabalho de coleta de materiais recicláveis significa garantir alimentação, moradia e

condições mínimas de sobrevivência para uma parcela significativa de nosso povo brasileiro.

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Com cerca de oito anos de luta que os catadores(as) do Brasil têm sua problemática discutida

em diversos espaços e sua voz ampliada no Movimento Nacional dos Catadores. Isso se deu,

não pelo acaso, mas pelo esforço dos lutadores do MNCR. Com o surgimento do MNCR

ampliou-se a luta dos catadores(as) por uma vida digna. Nossa categoria é historicamente

excluída da sociedade e muitos catadores(as) ainda sobrevivem de forma precária em lixões e

nas ruas. O trabalho de coleta de materiais recicláveis significa garantir alimentação, moradia

e condições mínimas de sobrevivência para uma parcela significativa de nosso povo

brasileiro.

Assim, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) é um

movimento social que há cerca de12 anos vem organizando os catadores e catadoras de

materiais recicláveis pelo Brasil afora. Buscando a valorização da categoria de catador,

mostrando que é um trabalhador e tem sua importância.

O objetivo é garantir o protagonismo popular da classe, que é oprimida pelas

estruturas do sistema social, tendo por princípio garantir a independência da mesma, que

dispensa a fala de partidos políticos, governos e empresários. Acredita na prática da ação

direta popular, que é a participação efetiva do trabalhador em tudo que envolve sua vida,

rompendo com a indiferença do povo e abrindo caminho para a transformação da sociedade.

A missão do MNCR é contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e

sustentável a partir da organização social e produtiva dos catadores de materiais recicláveis e

suas famílias, orientados pelos princípios que norteiam sua luta tais como: 1ºautogestão

2ºação direta, 3º independência de classe, 4º solidariedade de classe, 5º democracia direta e

6ºapoio mútuo.

Buscamos a organização de nossa categoria na solidariedade de classe, que reúne

forças para lutarmos contra a exploração buscando nossa liberdade. Esse princípio é diferente

da competição e do individualismo, busca o apoio mútuo entre os companheiros (as)

catadores (as) e outros trabalhadores. Lutamos pela autogestão de nosso trabalho e o controle

da cadeia produtiva de reciclagem, garantindo que o serviço que nós realizamos não seja

utilizado em beneficio de alguns poucos (os exploradores), mas que sirva a todos.

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Podemos notar que o trabalho do Movimento Nacional de Materiais Recicláveis vai

além da conscientização da necessidade e da urgência do trabalho dos catadores e catadoras

de materiais recicláveis, pois atuam ressignificação humana regatando a dignidade e a

importância de seu trabalho para as futuras gerações.

Algumas leis são ressaltadas no âmbito ambientalista e da profissão de catadores de

materiais recicláveis. A lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, institui a Política Nacional de

Resíduos Sólidos, onde destaca-se alguns de seus artigos:

VII - destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem,

a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos

órgãos competentes do SISNAMA, do SNVS e do SUASA, entre elas a disposição

final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos

à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos; VIII -

distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais

específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a

minimizar os impactos ambientais adversos. (LEI nº 12.305/2010 art. 3º)

Dando ênfase para destinar corretamente os resíduos de forma a poder reciclar os que

servem no caso os recicláveis, até mesmo minimizando os danos a saúde e ao ambiente.

O poder público, o setor empresarial e a coletividade são responsáveis pela

efetividade das ações voltadas para assegurar a observância da Política Nacional de

Resíduos Sólidos e das diretrizes e demais determinações estabelecidas nesta Lei e

em seu regulamento. (LEI nº 12.305/2010 art.25)

Todos os três âmbitos citados devem se preocupar com o meio em que vivem, e

procurarem preservá-lo de forma consciente.

Decreto nº 7.405, de 23 de dezembro de 2010, institui o Programa Pró-Catador, para

Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis.

Fica instituído o Programa Pró-Catador, com a finalidade de integrar e articular as

ações do Governo Federal voltadas ao apoio e ao fomento à organização produtiva

dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, à melhoria das condições de

trabalho, à ampliação das oportunidades de inclusão social e econômica e à

expansão da coleta seletiva de resíduos sólidos, da reutilização e da reciclagem por

meio da atuação desse segmento. (DECRETO nº 7.405/2010)

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O catador desta forma consiste em um ser dotado de direitos como as demais

profissões, necessitando de melhorias para a realização de seus trabalhos, de suas

oportunidades e das condições econômicas.

De acordo com a CBO (classificação brasileira de ocupações) o catador é uma

profissão no código 5192 - 05 Catador de material reciclável. O catador apesar de ser um

sujeito de extrema importância para a sociedade é aquele que menos é reconhecido e que

menos ganha, sendo explorado e vivendo em condições miseráveis muitas vezes.

Em suas condições de exercício o trabalho é exercido por profissionais de forma

autônoma ou em cooperativas, para venda a empresas ou cooperativas de reciclagem. O

trabalho é exercido a céu aberto, em horários variados. O trabalhador acaba por ser expostos a

variações de clima, riscos de acidentes, à violência urbana, dentre outros. Podem trabalhar em

várias áreas como: catador de ferro-velho, catador de papel e papelão, catador de sucata,

catador de vasilhame, enfardador de sucata (cooperativa), separador de sucata (cooperativa),

triador de sucata (cooperativa).

Está em tramitação o projeto de lei (PL 6.039/2009) para aposentadoria dos catadores,

onde 80% não possuem. Nesta linha pode-se destacar e necessita-se mencionar a política, leis

e princípios do meio ambiente, estando totalmente vinculada a categoria profissional dos

catadores de materiais recicláveis que lutam constantemente por melhorias, e para que as

pessoas se conscientizem da importância de preservação do meio.

A Lei 6.938/81, tem como princípios, diante dos incisos VI e VIII do artigo 23 e artigo

225 da politica nacional de meio ambiente preservar, com melhorias e recuperar a qualidade

ambiental, diante do SISNAMA. (Sistema Nacional do Meio Ambiente).

Ministério do Meio Ambiente (MMA) é o órgão responsável pelo planejamento

coordenação, controle e supervisão da politica nacional do meio ambiente.

De acordo com artigo 40, inciso V, da lei 6.938/81 diz que através da tecnologia do

meio ambiente é essencial á divulgação sobre os dados ambientais em que a formação de uma

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consciência pública é necessária para a preservação da qualidade ambiental do equilíbrio

ecológico.

3-ASSOCIAÇÃO ENGENHO DO LIXO

A Associação Engenho do Lixo conhecida como ONG Engenho do Lixo foi idealizada

pelo Francisco Alvino há 16 anos pela necessidade de mudar a vida dos catadores de lixo da

cidade de Juazeiro do Norte para que eles se sentissem como cidadãos e serem reconhecidos

pela sociedade como seres humanos.

Depois de 12 anos de existência é que a instituição foi legalizada e fundada no dia 09

de agosto de 2009.

O objetivo da entidade é conscientizar a população sobre a importância de preservar o

meio ambiente, além de socializar os catadores de lixo junto com a sociedade, tornando-os

como profissionais da reciclagem.

Hoje está localizada em um galpão alugado na Rua Pedro Cruz Sampaio, no bairro

Juvêncio Santana, em Juazeiro do Norte. Toda a estrutura física da ONG foi montada com

produtos e objetos que foram jogado no lixo e reaproveitado pela instituição. No local além

do galpão enorme que abriga os produtos que foram deixados no lixo e trazidos pelos

catadores, tem também o escritório, refeitório e a cozinha.

A ONG tem como diretoria a seguinte composição: Presidente Francisco Alvino,

Vice-Presidente Antônio José da Silva, 1º Secretário José Romão dos Santos, 2ª Secretária

Maria Valdelice Martins Rodrigues, 1º Tesoureiro Rosiane Pereira dos Santos Silva, 2º

Tesoureiro Antônio Jerônimo da Silva, Conselho Fiscal (Efetivos), Luiz Carlos Barbosa de

Oliveira, Francisca Batista Dias, José Amaro da Silva, Cícero Kinan Jerônimo da Silva e

Francisca Maria dos Santos.

Ao longo desses anos a instituição foi sendo reconhecida no cenário local, nacional e

até internacional através do trabalho de coleta seletiva e consciência ambiental que vem sendo

realizada no município.

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A associação ajuda na limpeza da cidade através da coleta seletiva. Todo o trabalho é feito

manualmente.

Atualmente cerca de 80 catadores de material reciclável estão cadastrados na

instituição e a comercialização é a única fonte de renda das famílias que compõe a associação.

Tudo que é arrecadado pelos associados na rua é trazido para a sede da instituição, separado

de acordo com a especificidade do objeto e depois é vendido para as empresas que reciclam

este material. Os materiais que eles recolhem são folhas de papel, plástico, baterias, lâmpadas

fluorescentes, pilhas, baterias de celular, tubos de imagem, embalagens de leite etc. Aquilo

que para você é lixo na ONG tudo é reaproveitado, reciclado.

Por mês a associação coleta em média de 50 a 60 toneladas de lixo. Todo o material é

vendido para empresas aqui da região do cariri e também para cidades de outros estados.

A associação também faz um trabalho de coleta de óleo de frituras dos restaurantes,

das residências, barracas que trabalham com o material. Todo esse óleo coletado era

transportado para Quixadá onde era transformado em biodiesel. Recentemente a associação

recebeu do Governo do Estado uma máquina para filtrar esse óleo comestível. Com a chegada

desta máquina o óleo que é enviado para Quixadá para ser transformado em biodiesel, já vai

sem as impurezas deixadas no óleo com as frituras. Para fazer esse processo dois catadores de

lixos foram capacitados para manusear a máquina aqui em Juazeiro.

No local os catadores também têm todas as refeições do dia doadas pelo Programa

Mesa Brasil, Assistência Médica e acesso a educação já que todos são analfabetos e agora tem

oportunidade de participar do Brasil Alfabetizado. As aulas acontecem de segunda a sexta

após o almoço. E ainda eles desenvolvem um trabalho de artesanato com o lixo que vem da

rua e chega à sede.

Os desafios da instituição é construir a própria sede, no qual o terreno já existe e

dentro do próprio lugar construir casas para as famílias dos catadores de lixo que ainda não

tem uma casa para morar e implantar a coleta seletiva do lixo no município, pois isso

facilitaria o trabalho dos catadores, que tem grande dificuldade por o lixo está todo misturado.

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4-CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou a análise das ONG’S com ênfase para a Associação Engenho do lixo de

Juazeiro do Norte-CE, que trabalha com a coleta e venda de material reciclável. Sendo esse

trabalho realizado por pessoas que já se encontravam excluídos da sociedade, assim buscando

o reconhecimento destes como catadores de materiais recicláveis e a sua ressocialização.

Os entraves evidenciados na instituição consistem principalmente na falta de

investimento e infraestrutura, onde são poucos os apoios por parte do Estado, deixando a

maior responsabilidade financeira ser quitada pela venda de matérias recicláveis coletados, a

falta de instrumentos de trabalho qualificado é outro problema referenciado, levando em conta

o maior índice de periculosidade.

A falta de infraestrutura do local também é preocupante, pois o mesmo é alugado, não

reformado e pequeno para conciliar várias atividades, como: separação do lixo, sala de estudo,

assistência médica e refeitório, sem contar que também serve de moradia para algumas

famílias de catadores.

Se houvesse a ajuda do Estado somada com a conscientização da população para o

desempenho deste trabalho que beneficia não apenas os membros da instituição, mas sim, a

população como um todo e o meio ambiente, haveria uma mudança significativa deste quadro

de destruição do meio e exclusão social.

Percebe-se a importância do estudo realizado tanto academicamente como fora dele

para a reflexão crítica em vista a transformação de si mesmo e depois da sociedade.

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A Seca como um desafio

MORAIS, Ezael Vieira de12

Resumo: Este artigo analisa as frentes e emergência em Antonina do Norte, entre os anos de 1980 a

1983, com ênfase na burla praticada pelos funcionários do que organizavam o serviço, até os

trabalhadores do eito no cotidiano das tarefas impostas pela SUDENE (Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste). Nas reformas ou construção dos açudes percebemos através, da

análise das entrevistas com pessoas que trabalharam nas frentes, as formas de resistência ao modelo

organizacional de fixar o sertanejo ao campo, evitando uma migração até a capital, Fortaleza. Os

trabalhadores ao colocar um carro de mão cheio de terra na parede do açude, passavam pelo apontador

e deixavam duas fichas em vez de uma. Houve também por parte dos organizadores a criação de

turmas fantasmas, constando apenas na documentação dos engenheiros, assim, burlando as normas,

pessoas que assinavam por essas turmas ganhavam quase nada e outros lucravam muito. Outros casos

registrados são os de fornecedores que mercearias pegavam o cheque dos trabalhadores e cobravam

uma porcentagem para descontar o cheque ou os obrigava a comprar em sua mercearia. Nosso trabalho

analisa essas formas de romper com o tecido social empregadas pelos trabalhadores e agentes do

governo em período de crise econômica no sertão cearense.

Palavras-chave: emergência, resistência, burla.

Abstract: This article analyzes the fronts and emergency Antonina do Norte, between the years

1980-1983, with emphasis on fraud practiced by officials who organized the service, until workers

furrow in the daily tasks imposed by SUDENE (Superintendency for the Development of northeast).In

renovations or construction of dams realized through the analysis of interviews with people who

worked on the fronts, forms of resistance to organizational model to fix the backcountry to the field,

avoiding a migration to the capital, Fortaleza. Workers to put a wheelbarrow full of dirt on the dam

wall, passed by pointer and left two chips instead of one. There was also the part of the organizers of

the creation of ghosts classes, consisting only of engineers in the documentation, thus circumventing

the rules, people who subscribed for these classes earned almost nothing and others profited much.

Other reported cases are from suppliers that grocery workers caught the check and charged a

percentage to cash the check or forced to buy at your grocery store. Our work examines these ways to

break the social fabric used by employees, and agents of the government in times of economic crisis in

the backlands of Ceará.

Key words:emergency, endurance, fraud.

12 Especialista em História e Sociologia pela Universidade Regional do Cariri (URCA) E-

mail:[email protected].

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1470

Introdução

A seca é o colapso da agricultura. O Nordeste, a muito tempo sofreu com a ausência

de chuva que ultrapassa em tempo de regularidade climática, quase toda a metade do ano. A

economia familiar nordestina cearense, não estava preparada e ainda não tem uma preparação

estrutural para enfrentar o problema. A própria criação da SUDENE, tinha como objetivo

“resolver o problema da seca” através do diagnóstico preventivo sobre seca ou inverno. Para

assim viabilizar os recursos necessários e amenizar os problemas que a seca trazia, como a

fome, a desnutrição das crianças, os desempregos, a formação dos flagelados. Isso

possibilitou a formação das emergências como política de governo.

Quando acontece uma seca, toda a estrutura sofre, mas o peso maior é suportado pelos

que estão mais embaixo. A seca na verdade é o colapso da produção agrícola. Esse

colapso se traduz em fome. Onde a população é assalariada, atravessa-se a seca. Com

obras de emergência se substitui o salário, mesmo que de forma precária.

(FURTADO,1998, p 22).

Diante do desafio de compreender este fenômeno de forma crítica acreditamos

quehistória social se faz com a interdisciplinaridade ligada a antropologia, propondo uma

leitura da comunidade, privilegiando as posições sociais e as hierarquias. Uma história dos

costumes na contramão dos eventos, a dimensão da vida privada. E nome de destaque é o de

Edward Palmer Thompson, pesquisador inglês que o analisa uma “história vista de baixo”, na

experiência das pessoas comuns.

As novas abordagens, juntamente com o prisma antropológico, cimentaram e

convenceram o público acadêmico e intelectual sobre a necessidade de se fazer uma história

na qual o objeto de estudo e as fontes de pesquisa fossem novas: inquéritos policiais,

processos judiciais, o que fertilizou o campo de pesquisa, e os meios, como os que foram

usados para se fazer este trabalho. Numa roupagem inovadora, preocupada em fechar o leque

de informações e convivência peculiar das pessoas comuns, refazendo e transmitindo o

conhecimento do enorme bloco humano de convívio social, amplamente diversificado. E,

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claramente envolvendo e compreendendo essa ótica do processo histórico com outras visões

mais abrangentes de história.

Thompson, analisa a “economia moral”, no livro As Peculiaridades dos Ingleses, como

um complemento regulador do mercado e apaziguador em momentos de escassez e de fome.

Ou seja o controle e a permanência de laços paternalistas que formam o tecido social. A

própria forma de caridade cristã em prover de mantimentos para saciar a fome, é percebida

como “organização das pessoas comuns”,conhecedoras da injustiça social. A argumentação

de Thompson, sobre a economia moral, pressupõe a interferência de fazendeiros,

paternalistas, no grande avanço do mercado, (laisser-faire), ou melhor, a organização do

mercado pelo mercado, auto regulação dos preços, entretanto, a “ajuda” para suprir a fome

gera outro comportamento, a permanência de laços de “fidelidade” e o apoio que os

“pequenos” têm para com os “grandes”.

A revogação da velha economia moral de “provisão” não foi obra de uma

burguesia industrial, mas dos fazendeiros capitalistas, proprietários de terras

partidários do progresso técnico, grandes moageiros e comerciantes de

cereais. (THOMPSON, 2001, p.94).

Ele percebia que pela via popular se deu uma resistência ao modelo de mercado,

consumo e o próprio tratamento com os pobres que se implantava com o capitalismo. Este

autor analisa os problemas sociais, nas mudanças de atitude que os trabalhadores, os

camponeses fazem em momentos de crise. Isso nos leva a compreender que o poder está em

constante movimento, no caso da transição do feudalismo para o capitalismo, ora exercido

pelos “nobres”, ora contestado pelos pobres. Thompson deixa escapar entre linhas as

armadilhas do poder que compreendemos não elitista, pois ele é percebido na ação dos pobres

em momentos de instabilidade econômica, uma relação de força para equilibrar as ações e

atitudes da sociedade. E, ainda acreditamos que os pobres não são passivos aos problemas

originários de qualquer ordem, seja econômica, religiosa ou cultural, em que as ações sofrem

freios, quando pensadas para impor ou reprimir, acabam forçando no interior do social

revoltas ao modelo estabelecido, seja ele qual for.

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A Resistência dos atores

As emergências eram frentes de serviço organizadas pelo governo do estado para

ocupar a mão de obra livre no período da seca, oferecendo serviço braçal, como construção de

açudes, reforma de estradas, perfuração de poços de aluvião, etc. A compreensão das

emergências como locais de resistências, nos levam a perceber que os trabalhadores muitas

vezes burlavam as normas estabelecidas. Por intermédio de alguns políticos locais, alguns

menores são empregados para trabalhar, outros são empregados e não aparecem no eito. São

formas de relações de poder que formam as resistências. Esse universo conflitante é o espaço

onde convivem as mais variadas formas de sobrevivência, esperanças e sonhos. Como

exemplo, podemos ver, na construção de um açude,na propriedade do sr. José Pedro, no

município de Antonina do Norte, em 1982, onde vinte homens trabalham para manter o

sustento. Os trabalhadores recebiam como tarefa diária quarenta carros-de-mão, cheios de

terra, cavados e colocados na parede, diariamente. Alguns fabricavam fichas iguais às do

encarregado, alterando a quantidade da produção. Em cada carro de terra colocado deixava-se

uma ficha, segundo Pedro Vieira:

O caba, vinhabutava um carrinho de terra, a gente dava a ficha. Aí ele vinha

butava um carrinho de terra, ía chegava lá demorava no barreiro, quando

despejava o carro de terra, dizia ‘duas ficha aí, butei dois carros, butei você

não prestou atenção’. A gente ficava nessa confusão. A gente pra não fazer

confusão, pra não dar muito problema, a gente dava a ficha. Toda vida é de

ter um para caçar confusão. (PEDRO VIEIRA, 2005 ).

No final da emergência, a quantidade de carros de terra baixou para trinta ou até vinte

e cinco. Esta tarefa era efetuada até meio dia, o tempo ocioso era aproveitado de forma

individual no sítio de cada trabalhador.

As frentes de trabalho tinham um caráter organizacional, o trabalho era mais uma

forma de disciplinar o homem do campo, mantendo-o em sua região e propriedade. No meio

social, comunitário, alguns trabalhadores acreditavam que o açude construído servia apenas às

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necessidades do proprietário. Mas o Termo de Constituição de Servidão e Utilização da Água

Para Fins Domésticos, citava o prazo de quinze anos a partir da data fixada no documento.

Pelo presente instrumento particular de Constituição de Servidão e

Utilização, os abaixo assinados, José Pedro de Moura e sua mulher Francisca

Maria da Conceição, brasileiros, casados, agricultor e do lar,

respectivamente, ele portador da cédula de identidade nº 817.114 SSP-CE,

ela portadora da carteira de trabalho nº 013538 série 554 e residente no sítio

Rocinha, município de Antonina do Norte-Ceará; concedemos a título

permanente de Servidão e Utilização pública, numa área de 1,0 há. ( um

vírgula zero ) hectare, em nossa propriedade rural, situada no sítio Rocinha,

município de Antonina do Norte, desse Estado, registrado no Cartório de

Registro Imobiliário de Saboeiro-Ce, sob nº 3.134 no livro 3, as águas

represadas no açude a ser construído pelo Programa de emergência da

SUDENE-ano 1981, através do GESCAP da SAAB. Confessamos que a

Servidão e Utilização Pública que livre e espontaneamente constituímos,

implica em tornar de uso e comum de todos que habitam o local para fins

domésticos- águas represadas pela obra acima referenciada à semelhança das

águas consideradas públicas pelo Art. 5º do Código de Águas (Decreto

Federal nº 24.643/34), pelo prazo de 15 anos comprometendo-nos com

extensão a nossos sucessores (...)

São tentativas de institucionalizar relações de cunho “comunitário”, que buscam

aparentemente reforçar o sentimento de coletividade, ao mesmo tempo em que procura manter

o homem do campo fixado em sua região. Embora se possa perceber o conflito entre a

intervenção do Estado que supostamente vem “socorrer” as vítimas da seca e as relações de

poder que permeiam as frentes de trabalho. Todo este processo social, humano, permite a

observação atenta, conflitante, num ambiente de hostilidades já comentadas, mas que precisa

de um aparato mais específico e teórico para assim podermos observar de forma microscópica

essas agravantes sociais.

Dessa forma vemos que a História Social procura enfatizar como os pobres, os

trabalhadores reagem às atitudes advindas do Estado, ora para suprir a carência de

mantimentos, ora para sistematizar frentes de emergência, sendo organizadas para manter a

“ordem” no Sertão.

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Mas segundo Oliveira (1981, p. 55) as frentes de emergência reforçaram as oligarquias

regionais, pois os coronéis empregaram seus eleitores reais como também os trabalhadores

fantasmas que povoavam as emergências durante os períodos de seca. Isso levou de certo

modo a desorganização de várias obras que ficaram inacabadas.

No viés da construção dos açudes, das barragens, que propunham uma solução para o

problema, foram construídos diversos açudes em várias localidades, com a intenção de

providenciar ao menos para aquela localidade, água para a sobrevivência das pessoas e dos

animais, até o próximo inverno. Porém à falta de recursos, ou do repasse do recurso, as obras

careciam de uma técnica ou planejamento anterior que garantisse a preservação de água

acumulada.

Por outro lado, dos pobres, dos trabalhadores, existe uma permanência das ações

diante de problemas relacionados à escassez de alimentos. Nas comunidades que vivem

momentos como a seca, ou qualquer outro problema que atinge a coletividade e que implique

em reorganizar esta comunidade, acontecem resistências, mais explícitas ou veladas.

Percebemos que, uma ação provoca uma reação, mesmo que não seja de imediato, mas ela

acontece, porque é uma teia social muito complexa, podemos imaginar praticamente todos os

tipos de convivência e relações. Pois tratamos de grupos de pessoas, convivendo lado a lado,

objetivando sobreviver de todas as maneiras possíveis.

Alguns trabalhadores procuravam confundir o ficheiro, objetivando aumentar a soma

dos carros de terra colocados na parede. Ao se aproximarem do ficheiro, quando já estavam

de volta com o carro vazio, diziam que tinham posto dois carros. No começo do serviço a

tarefa era diária, semanal, depois o engenheiro, que eventualmente visitava o local de trabalho

resolveu fazer empreitada de 50 carros de terra por dia para cada pessoa, mas era muito

“puxado”, muito cansativo, pois a terra era muito cristalina. O engenheiro mudou para 30

carros por dia para cada pessoa, mesmo assim os trabalhadores encontraram dificuldade para

fazer o trabalho. Passando em seguida ao acordo de que cada trabalhador colocaria 70 carros

por semana. A empreitada feita, o restante da semana, os trabalhadores cuidavam de suas

pequenas propriedades, ou iam trabalhar em outro serviço.

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Quando nóiscomecemo a trabaiar no açude, a gente trabaiava por dia .Trabaiava os

cinco dia da semana, aí depois o engenheiro foi chamou Zé Tintino pra fazer

empeleita. Aí ele butou 50 carro para cada pessoa por dia, mais aí nóis fumo fazer o

teste, não dava, forçava de mais. Ele mudou pra 30 carro pra cada um . Aí

nóisachemo muito. Aí o engenheiro disse, vamos butar 70 carro pra semana. A gente

butavaos 70 carro e o resto da semana a gente ficava livre pra cuidar noutro serviço.

Ficamo até terminar a seca. Onde a gente cavava era piçarra. (PEDRO VIEIRA ,

2005 )

Já no açude do Arapuá, entre os anos de 1981 a 1982, localizado a aproximadamente

3km da cidade. O trabalhador colocava 25 carros de terra na parede do açude diariamente.

Nessa construção, foi usado um trator para adiantar o serviço e o trabalho braçal. Trabalhava

no açude uma quantidade de pessoas em torno de 100 homens. Pegavam no trabalho às 7

horas da manhã até às 11 horas e de uma hora até às 5 horas da tarde. O organizador, o

Sr.Antonio do Padre, percebeu que era inviável o trabalho diário e propôs ao pessoal a

empreitada. Haja vista que ele contribuiu com a compra das ferramentas como, picareta, pá,

enxada, etc. pois o Estado não supria os trabalhadores de ferramentas para a execução do

serviço. Como nas outras emergências, alguns trabalhadores tentaram romper o modelo

organizacional de empreendimento. Tentaram copiar as fichas e enganar o ficheiro.

Existia também pessoas que tentavam violar as fichas. A gente tinha as fichas que

fizemos de papel carimbada, teve gente que tentava tirar cópia; moiava a ficha,

apregava noutro papel. Mas tudo isso a gente procurava corrigir, justamente pra

evitar de dar prioridade a um e outro não. (ANTONIO DO PADRE, 2005)

Na propriedade do Sr. Zé Batista, no Sitio Serra dos Almeidas, a 5km da cidade, nesse

mesmo período, o trabalho realizado parecia com o trabalho feito nas demais emergências. A

proposta inicial era colocar 25 carros de terra diariamente na parede. Devido às dificuldades

de remoção da terra, as ferramentas inadequadas, solo seco e duro, optaram pelas empreitadas.

Por exemplo, 50 ou 60 carros por semana, chegando até 125 carros. O combinado entre os

trabalhadores e o dono da terra, e os organizadores do serviço era locomover-se com o carro

não muito cheio para evitar quebrá-lo ou evitar correr com o mesmo, como narra o

senhorChico Almeida.

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Rompendo o tecido social

Estas experiências são formas de obstruir a mão de obra nas emergências. O trabalho

organizado pelo governo, ou qualquer órgão que possa ser responsável por ele parece ter uma

sombra de aparência, no sentido de ser desvalorizado pelo sertanejo. Percebemos que os

sertanejos têm a figura do Estado como provedor dos despossuídos, de resolutos da seca. Esta

visão acarreta em praticamente todos os momentos, resistências internas, nas mais simples

frentes de emergência, à mais complexa. A variação na quantidade de homens trabalhando

não impede que esse mecanismo possa acontecer de forma assistemática e cotidiana.

As fichanóisinventemo e quando foi com uns 3 dias, já tinha ficha diferente no mei

das outra. Eles fazia e trazia, só que não deu certo não, colar não, porque nóisfizemo

tudo de uma qualidade só, tudo era vermeinha, as ficha. Eles trouxeram um vermeio

que dava pra gente conhecer as ficha no mei das outra. Aqui rapaz, no tempo desse

um sufoco, o caba inchia o carrim de terra lá na cabeça da serra e partia de lá os

pinote, naquelas barrera, chegava lá com o carro quebrado. ( ZÉ BATISTA , 2005 )

O leque de rupturas se tornou uma prática cotidiana no descumprimento dos objetivos

planejados.

A corrupção não ficava apenas nos chamados cassacos, mas também nos escritórios

que administravam as atividades. Engenheiros criavam turmas de trabalho só nos

papéis e recebiam os cheques. Nos carros pipas, rodava-se a quilometragem do

velocímetro com a mão, ou colocava o macaco no caminhão para adiantar os

quilômetros e receber o dinheiro sem trabalhar. (CLÁUDIO , 2000).

Fazendeiros e trabalhadores envolvem de forma ampla o espaço ocupado pelos

representantes do governo. A influência entre eles deixam claras as atitudes tomadas nos

momentos de seca declarada. Os acordos verbalizados entre os engenheiros atendem uma

carência individual de reciprocidade que perpassa todas as esferas que movem à sociedade, a

econômica, a política e a social.

Assim, a “economia moral” se define em termos de relações de classes, como a

forma (ou o meio) em que estas relações de classes, são “negociadas” e mostra-nos

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“como a hegemonia não é simplesmente imposta (ou contestada), mas é articulada

no dia-a-dia de uma comunidade e pode ser sustentada somente por concessão e

paternalismo (patronage) nos tempos bons e por atitudes de proteção nos tempos

ruins”. (NEVES, 1998, p. 53)

A economia moral é reafirmada em qualquer momento no qual a própria relação

paternalista “não resolve o problema”, ela continua coexistindo e se articulando diariamente.

Não pressupõe uma cisão com o modelo econômico vigente, mas reorienta a resistência nos

momentos difíceis. O paternalismo não cobre de forma precisa os pequenos agricultores,

donos de sítios, procura apenas manter o morador sob o domínio do fazendeiro pelo viés da

provisão. Os fazendeiros protegem os seus moradores. A mão de obra abundante que na época

de plantio ou colheita migrava para a fazenda com sua força de trabalho, já na época de crise,

a fazenda não absorve essa mão-de-obra, pois ela agora está com a produção reduzida e os

próprios moradores são em número suficiente para efetuar a colheita. Na época de seca, os

pequenos proprietários consomem sua reserva anual de alimentos, ficando sem possibilidades

de sobrevivência, sendo necessário à formação de turmas de trabalhadores, num regime

emergencial, provendo a manutenção da família.

A falta de ferramentas, o descumprimento das empreitadas, a formação de turmas

fantasmas, os duplos empregos, a ociosidade, deixaram muitas obras inacabadas. No entanto,

nem todo açude feito pelas emergências foi embora logo com as primeiras chuvas. A reforma

ou construção dos açudes ajudaram a manter, pelo menos por mais tempo o homem do campo

no campo, melhorando gradualmente as possibilidades de sobrevivência no semiárido

cearense. Os rasgos que as intempéries fizeram no tecido social não desestruturaram por

completo as intenções de provimento de água.

A estrutura agrária está embasada na agricultura, na pecuária, na criação de ovinos e

caprinos, com a continuidade da seca e a crise na agricultura, o rebanho de gado, ovelha,

consequentemente perde valor de mercado. O próprio algodão que resiste muito bem à seca,

se não chover entre dezembro e março ele não produz como em tempos de bom inverno.

Mediante a crise da agricultura é que a fome se estabelece e prejudica a população rural e

urbana.

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Não podemos ter uma visão unilinear dos fatos, ou simplesmente relacioná-los à

problemas climáticos, a ociosidade, a escassez de ferramentas. Pretendemos compreender que

várias ações foram tomadas no intuito de sobrevivência. Se em algumas turmas, os

trabalhadores só estavam legalizados com relação a uma situação de doença, da pessoa dele,

ou algum membro da família, sendo que a ausência do trabalhador necessitaria de um atestado

médico para justificar a falta.

Concluímos que o universo que rege as frentes de emergência, é um universo

conflituoso, onde os sertanejos sobrevivem cotidianamente com conflitos internos e externos

que foram percebidos através das várias formas de rompimento durante a tessitura das diárias,

das empreitadas.

O rompimento através das fichas nos levou a diagnosticar que o gerenciamento

organizacional das emergências incitou de imediato, formas atitudinais visando ir contra o

mesmo. Por outro lado a própria ociosidade é produto da “organização” das emergências, no

que diz respeito à quantidade de ferramentas insuficientes. Percebemos ainda que as relações

de amizade, de compadrio, costumeiras estão entrelaçadas nas ações dos trabalhadores como

coparticipantes no teatro social que retrata a vida real.

“A economia moral” (NEVES, 1998) declara o fio não verbal que delimita as relações

no seio das emergências. As temáticas de organização dos órgãos governamentais para

orientar os trabalhos, tiveram como intermediários os acordos verbalizados entre o feitor e o

cassaco. Acordos que visam efetivamente como tentativa de amenizar os problemas trazidos

com a seca. A própria estrutura do sertão permite ou permitiu, que em tempos de crise os

sertanejos adotem várias estratégias de sobrevivência, resistindo à própria execução da

jornada de trabalho.

A construção dos açudes não resolveu de uma vez por todas o problema da seca, mas

diminuiu as consequências da mesma. Pois nem todo açude construído deve ser caracterizado

como açude sonrisal, já que muitos ainda continuam com suas estruturas de construção

preparadas para receber água.

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A fome é percebida durante as secas, durante as frentes de emergência como um

obstáculo a ser vencido. Podemos perceber a fome como elemento desagregador que suscitam

revoltas ou desvalor social. Em vários momentos a precária alimentação foi motivo de

desânimo individual. Em 1983, a fome não levou o trabalhador à inanição, mas o debilitou

fisicamente e moralmente, pois alguns tinham apenas feijão com arroz, ou simplesmente o

feijão como alimentação básica.

Por outro a estrutura de propriedade da terra, no município pode ser caracterizada pelo

latifúndio, como as grandes fazendas de criação de gado e produção de algodão. Já em

Antonina do Norte, a partir de 1950, migrantes paraibanos se estabeleceram e compraram

terras, desde pequenos lotes de 150 tarefas, até outros de 1.000 tarefas(1hectare é igual à 3,3

tarefas). Nas fazendas acima de mil tarefas, as relações costumeiras entre os moradores e os

fazendeiros são relações assimétricas e de subserviência. Estas relações perpassam o ambiente

do médio criador forjando as relações desiguais que envolvem desde os pequenos até os

grandes proprietários de terras.

A seca é o lugar de repensarmos as ações de resistência dos trabalhadores rurais, que

ao verem suas já precárias condições de vida reduzida a uma situação de miséria profunda,

procuram agir de várias formas para usufruir os benefícios do Estado. Muitas vezes burlando

as normas de controle social.

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Veio morar aqui no Sítio Serra dos Almeidas porque a terra era boa e por causa de problemas

pessoais.

Francisco de Assis (Diassis) entrevistado em 18/072005: 07-09-1954, Alexandria – RN. Mora

no Sítio Pereiros, em Saboeiro extrema com Antonina do Norte. O relacionamento econômico

e político é feito em Antonina e os votantes são também de Antonina. Ele veio morar aqui

porque a terra era melhor para trabalhar, tinha mais mata.

Francisco Ananias de Almeida, entrevistado em 26/09/2005 (Chico Almeida): 20-05-1941,

Altaneira – CE. Chegou em Antonina em 06 de janeiro de 1949; a família veio morar aqui

porque as terras eram melhores e mais baratas para comprar.

Francisco Cláudio Pereira, entrevistado em 19/06/2005 (Cláudio): 26-08-1962, Antonina do

Norte – CE. È comerciante.

João Bosco de Moura, entrevistado em 19/09/2005 (João Bosco): 04-05-1949, Coremas – PB.

Chegou no Sítio Serra dos Almeidas em 1957. Veio morar aqui porque o pai comprou um

terreno para trabalhar.

José Batista da Silva, entrevistado em 19/09/2005 (Zé Batista): 09-02-1951, Cajazeiras – PB.

Chegou em Antonina em 1963 e mora no Sítio Serra dos Almeidas. Veio para cá porque a

terra era melhor de trabalhar.

José Dias Irmão, 21/05/2005 (Zerim): 06-03-1940, Cajazeiras – PB. Veio morar no Sítio

Arapuá porque as terras eram boas.

Manoel José da Silva, entrevistado em 1997 (Manoel Barro): 29-03-18899 – 29-10-1998,

Saboeiro – CE. Era agricultor e morava em Antonina do Norte.

Pedro Fernandes Cruz, entrevistado em 19/09/2005(Pedro Fernandes): 03-12-1939, Antonina

do Norte-CE (Mocambo). Agricultor e mora no Sítio Serra dos Almeidas.

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1482

Pedro Vieira de Moura, entrevisto em 19/09/2005 (Pedro Vieira): Agricultor e mora na sede

de Antonina do Norte.

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1483

AS TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS E SEUS ELEMENTOS INDUTORES DA

DINÂMICA POPULACIONAL: O CASO DA REGIÃO METROPOLITANA DO

CARIRI

Thiago do Nascimento13

Resumo: A rede urbana enquanto uma produção social, expressa o movimento da sociedade que a

produz. Entendemos que a dinâmica e o padrão da rede, podem sofrer alterações através do tempo,

por meio das ações dos grupos sociais, políticos e econômicos como profícuos instrumentos de

transformações, funcionando como disseminadores ou inibidores do desenvolvimento e das inter-

relações socioespaciais. Nesse sentido, apresentamos nesse texto, uma discussão em torno da dinâmica

populacional e a formação da rede de cidades na Região Metropolitana do Cariri. O objetivo desse

trabalho é identificar as transformações territoriais ocorridas nas cidades que compõe o triângulo

CRAJUBAR, com isso, analisando o papel dos agentes supracitados considerados como elementos

indutores de mobilidade populacional. Junto a isto, analisaremos o reflexo do crescimento dessas

cidades na dinâmica social, política e econômica da área de estudo. Assim, a população tem um

grande papel de duplo protagonismo no território, podendo ser concebida, por um lado, como um

agente que organiza e transforma o espaço, com base nos seus bens materiais e imateriais e, por outro

lado, como recurso desse mesmo espaço.

Palavras – chave: Transformações territoriais, Dinâmica Populacional, Região Metropolitana do

Cariri

Introdução

A emergência do processo de reestruturação produtiva em âmbito internacional, neste

final de século, tem contribuído, em nível nacional, regional e local, para configuração de

espaços urbanos selecionados. Tais espaços tem apresentado transformações significativas

em termos econômicos, políticos e sociais em um esforço de inserção nessa dinâmica global.

Modificaram-se as formas e os processos urbanos até então vigentes nas cidades; intensificou-

se a velocidade das transformações tecnológicas; as cidades pequenas e de porte médio

13 Graduado em Geografia – URCA. Especialista em Geografia e MeioAmbiente – URCA. e-mail:

[email protected]

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1484

passaram a constituir uma importante fatia do dinamismo regional: mudaram a direção e o

sentido dos fluxos migratórios.

O processo de urbanização foi um fenômeno que surgiu com a industrialização e

intensificou-se no período pós-guerra, alterando a estrutura espacial geográfica com relativo

esvaziamento do campo. A presença da indústria predominantemente no perímetro urbano

criou forças polarizadora em torno de um único centro formando as primeiras aglomerações

urbanas, que se constituíram de um núcleo e uma região periférica com intenso fluxo de

comércio, serviços públicos e mão-de-obra.

No decorrer das últimas décadas, a dinâmica dos grandes centros urbanos brasileiros

tem seguido às tendências de concentração populacional. Com isso, as estruturas preexistentes

nas médias e grandes cidades tiveram que se adaptara essa tendência forçando um processo de

refuncionalização dos espaços públicos e privados; de valorização de áreas outrora

desvalorizadas; e de reorganização/reavaliação das infraestruturas disponíveis. Dessa forma,

os instrumentos de planejamento e gestão urbanos, também tiveram de passar por uma

atualização.

A questão de o espaço ultrapassar uma certa dimensão, atingindo um outro âmbito, o

da região, é ponto suscetível de controvérsias, porquanto não há consenso sobre qual deve ser

o tamanho desse espaço, o que o torna relativamente impreciso. Para contornar parcialmente

tais dificuldades vem sendo adotado pelo IBGE o conceito “aglomerações urbanas”, que

embora semelhante ao de região metropolitana, serve para designar outros espaços urbanos,

situados em nível sub-metropolitano, que congregam mais de uma cidade, notadamente

cidades que começariam a experimentar o processo de conurbação. Esta categoria espacial

pressupõe a existência de uma cidade principal que organiza, econômica e funcionalmente,

localidades periféricas próximas.

Na verdade, ainda nos anos 70, DAVIDOVICH E LIMA (1975) identificaram no país

a existência de estruturas espaciais experimentando um intenso processo de urbanização,

onde, progressivamente, se concentrava a população. Distinguiram ”uma hierarquia de áreas

urbanas compreendendo aglomerações resultantes da expansão de uma cidade central;

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aglomerações por processo de conurbação; aglomerações de cidades geminadas;

aglomerações sem espaço urbanizado contínuo”. O trabalho das autoras tornou-se referência

para estudos subsequentes que se debruçaram sobre o mesmo tema, principalmente no que se

refere à primeira das três distinções conceituais, a que aponta o processo de conurbação em

espaços urbanizados contínuos.

Neste sentido, estaremos relacionando este conceito com o desenvolvimento local das

pequenas cidades. Acreditamos que uma das formas de se entender as reais condições da

população de uma determinada região é por meio da análise da Mobilidade Humana

(ROCHA, 1998). Perceber os movimentos que a população realiza deve sinalizar pistas para

uma melhor e mais apurada compreensão das transformações territoriais que esta região tem

se submetido.

As transformações territoriais têm encontrado relevância nas pesquisas da Geografia

Humana. Diante do intenso processo de metropolização e crescimento urbano das cidades

médias, verificado deste as últimas décadas, percebe-se a emergência das pequenas cidades

em empreender ações que visam aperfeiçoar sua forma de sustentabilidade econômica.

Este trabalho busca caracterizar a recém criada Região Metropolitana do Cariri,

localizada no interior do Ceará, e descrever com bases em dados secundários obtidos no IBGE

o comportamento do crescimento populacional nos nove municípios que compõe a região

metropolitana e a estrutura econômica destes municípios.

Pressupostos históricos-geográficos na formação e desenvolvimento da Região

Metropolitana do Cariri

A Região do Cariri, localizada no Sul do Estado do Ceará, é um geosistema que está a

426m acima do nível do mar e possui extensão territorial de 5.025,655 km2. Agrega vários

municípios e esta ligação regional ajuda a promover o crescimento conjunto dos municípios

como: Barbalha, Crato, Jardim, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda, Porteiras e

Santana do Cariri, formam a Microrregião do Cariri (MR032). Para compreender uma região

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1486

é preciso viver essa região, ou seja, é o cotidiano que revela as dificuldades regionais

(GOMES, 2009)

Região é, assim, um espaço vivido, por tratar-se de “uma porção territorial usufruída

por um determinado grupo social, cuja permanência na área é suficiente para estabelecer usos

e ocupação, costumes, especificidades da organização social, cultural e econômica”

(RIBEIRO 1993, p. 214). O espaço do Cariri cearense socialmente produzido diferencia-se de

outros espaços por apresentar aspectos resultantes de experiências vividas e historicamente

produzidas pelos moradores da Região. Diz Gomes (2009, p. 54) que:

A noção de região é complexa, pois ao tentarmos fazer da geografia um conceito

científico, herdamos as indefinições e a força de seu uso na linguagem comum e a

isto se somam as discussões epistemológicas que o emprego mesmo deste conceito

nos impõe. Uma das alternativas encontradas pelos geógrafos foi a de adjetivar a

noção de região para assim diferenciá-la de seu uso comum. Ao tentar precisar, no

entanto, o sentido do conceito de região através de associações, surgiram outros

debates que interrogam mesmo a natureza, o alcance e o estatuto do conhecimento

geográfico.

Conforme SANTOS,(1994:82) “considera a periodização indispensável na análise de

uma configuração territorial e espacial, por conter as noções de regime e de ruptura”. Sendo

assim na década de 1960; houve uma tentativa de implantação da industrialização na região,

tratando-se do Plano Morris Assimov (professor norte-americano), que pretendia implantar

nos municípios do Triângulo Crajubar o projeto, resultado de uma série de parcerias, com

destaque para os bancos estatais e regionais.

O Projeto Assimov foi resultado de um convênio da Universidade Federal do Ceará e

Universidade da Califórnia, a Fundação FORD e a USAID, que contaram com o apoio do

Governo do Estado e do BNB, que contaram com pequenas e grandes indústrias. Tendo o

objetivo de promover a industrialização do interior do estado do Ceará, como forma de

erradicar a pobreza e o desemprego.

A região do Cariri Cearense foi escolhida para a implantação desse projeto por

apresentar vantagens, pelo fator de aqui já haver energia elétrica vinda de Paulo Afonso,

mesmo antes de Fortaleza, matéria-prima em abundância, muita água, uma emergente classe

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empresarial e uma significativa população que servia para mão-de-obra e consumo dos

produtos.

O referido plano fracassou antes mesmo de decolar, pois as empresas que

sobreviveram ao fracasso foram as empresas de cerâmica (CECASA e NORGUAÇU), a de

papel (SULCEPA), a de açúcar (AÇUSA) e a de cimento (IBACIP). Entretanto o plano êxito

do projeto não foi atingido.

Vale ressaltar que, mesmo o Projeto Assimov não tendo alcançado o efeito

desejado, foi bem sucessivo quanto ao de estímulo á industrialização na região do

Cariri; desde então, o setor industrial dinamizou-se; sendo considerado um

potencial na geração de emprego, servindo como meio de minimizar o problema de

desemprego. (OLIVEIRA, 1999:50).

O processo de expansão comercial do triângulo Crajubar teve como pano de fundo o

que aconteceu no cenário nacional a partir 1980, década em que o Brasil reduziu as

intervenções do Estado e na economia, mediante a adoção de políticas neoliberais, escassez de

vários bens de consumo na região, causando o aparecimento de novas oficinas e pequenas

fábricas.

Regionalizar o Cariri cearense implica gerar incentivos ao desenvolvimento

econômico e possibilitar o planejamento integrado de municípios com ações conjuntas e

permanentes dos poderes públicos nas áreas de ordenação do território. Conforme a Lei

Complementar nº 78 de 26 de junho de 2009, que criou a Região Metropolitana do Cariri, o

planejamento do uso e ocupação do solo, transporte, sistema viário regional, habitação,

saneamento básico e tratamento dos resíduos sólidos, meio ambiente, controle de enchentes,

desenvolvimento econômicos e social, saúde, educação e segurança pública são políticas que

garantem a especialização e a integração sócioeconômica da Região. Possibilita o crescimento

demográfico, com migração flutuante que impacta positivamente a atividade econômica,

considerando que os serviços são importantes na capacitação de mão de obra e ampliação da

oferta de emprego e geração de renda.

Vale destacar que a Região Metropolitana do Cariri – RMC foi criada, em

conformidade com o que dispõe o Art. 43 da Constituição Estadual, e passa a integrar a

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organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, sendo que

as unidades organizacionais geoeconômicas, sociais e culturais, têm ampliação condicionada

ao atendimento dos requisitos básicos, verificados entre o âmbito metropolitano e sua área de

influência. Santos (1994, p. 66), explica que:

Regiões metropolitanas são áreas onde diversas cidades interagem com grande

frequência e intensidade como forma de incorporar outros núcleos urbanos sob o

comando de um núcleo central em jogo de forças econômicas, políticas, sociais e

culturais que se inserem em um espaço densamente urbanizado, a partir de uma

interdependência funcional baseada nas unidades de infraestrutura urbanas e nas

possibilidades que esse fato acarreta para uma divisão do trabalho interno bem mais

acentuada que em outras áreas.

A Região Metropolitana do Cariri mencionada pela lei já mencionada, foi formada

pelos municípios de Juazeiro, Barbalha e Crato, bem 26 como pelos municípios que lhes são

limítrofes: Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri,

conforme figura 01, adiante.

Figura 01: Região Metropolitana do Cariri. Fonte: Secretaria das Cidades.

A Região do Cariri é uma unidade organizacional geoeconômica, social e cultural, que

teve ampliação condicionada ao atendimento dos requisitos básicos verificados no âmbito

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metropolitano e sua área de influência tais como: evidência da conurbação, necessidade de

organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, existência de

relação de integração de natureza sócioeconômica ou de serviços.

A Metamorfose do Triângulo CRAJUBAR: Elemntos Indutores da Transformação

Territorial

O homem já não é mais um ser isolado, mas como um indivíduo social por

excelência. Podendo acompanhar a expansão e distribuição da raça humana, provocando

mudanças demográficas e sociais. O fenômeno humano é dinâmico, em especial, na

tranformação qualitativa e quantitativa do espaço habitado.

O processo de metropolização do espaço e de formação de um médio aglomerado

metropolitano, desenvolveu-se assentado num sistema de redes que acabou subvertendo a

tradicional relação e hierarquia entre os lugares. A densidade dos fluxos de comunicação fez

com que alguns lugares desse aglomerado se tornassem próximos a lugares distantes,

enquanto lugares vizinhos passaram a desenvolver poucas relações entre si. A antiga ideia de

primazia das relações entre a cidade e sua região, que encontrou seu apogeu teórico na teoria

dos lugares centrais, de Christaller, e na de pólos de crescimento, de Perroux, encontrou

limites e renovou antigas questões.

Esse sistema de redes pode ser compreendido na sua forma mais simples: como sendo

constituído por dois tipos de rede. Uma, que denominamos de rede de proximidade territorial

e, outra, de proximidade relativa.

A rede de proximidade territorial é formada por redes materiais, em especial a

circulação, como é o caso, às redes de transportes viários. O que importa afirmar é que a

densidade das redes de circulação viária e sua capacidade de fluidez redimensionam as

distâncias entre os lugares. Quanto mais as redes viárias tiverem fluidez e permitirem

conexões mais rápidas, tanto mais os pontos nodais dessas redes tenderão a diminuir,

acentuando algumas centralidades e alterando profundamente a relação entre as cidades.

Muitas vezes, no transcorrer de um percurso entre duas cidades, a primeira, de origem, e, a

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segunda, de destino, muitas cidades são ultrapassadas sem serem notadas, sendo, portanto,

ignoradas.

Com a revolução nos transportes e o desenvolvimento das redes viárias, as vantagens,

por exemplo, de uma cidade se colocar a meio caminho entre duas cidades, como local de

parada e abastecimento, as quais, no passado, foram elementos indutores do desenvolvimento

de serviços urbanos, desapareceram. Apenas alguns pontos do espaço são reforçados,

incrementando sua heterogeneidade. Como dissemos, além da rede de proximidade territorial

temos a rede de proximidade relativa.

A rede de proximidade relativa diz respeito às redes imateriais, como a rede de fluxos

de informação e comunicação, as quais, não se pode esquecer, requerem infraestrutura

material, como os cabos de fibra ótica implantados sob o solo. As redes imateriais permitem

que, o que está territorialmente distante fique próximo e, nesse sentido, a rede proporciona

uma aproximação. O desenvolvimento dessas redes, materiais e imateriais, foi imprescindível

para a grande metamorfose pela qual passou o CRAJUBAR. Sua compreensão exige levar em

conta as distâncias, em termos de superfície de terreno, mas também em termos de

intensidade, velocidade e densidade dos fluxos. Tanto para as redes de circulação viária,

como para as imateriais.

Lacerda et. al. (2000) afirma que essa primeira fase do processo de metropolização, foi

caracterizada por um modelo de crescimento urbano extensivo, gerando um desenho do

território semelhante a uma mancha de óleo com um centro e uma periferia de forma

tentacular em contínua expansão. Em geral, os tentáculos seguiram os eixos viários, onde

existia uma pequena oferta de infra-estruturas básicas e serviços urbanos.

Nesse contexto, a despeito da distribuição espacial eqüitativa dos distritos industriais –

ao sul, ao norte e a oeste –, a área sul, que anteriormente à década de 1990 já apresentava um

maior dinamismo, vem consolidando essa tendência prenunciando um maior desenvolvimento

dessa parcela territorial da RMC. Mediante ao progresso da Região do Cariri, citamos três

projetos executados nos últimos dez anos, bem como muitos outros em fase de implantação,

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além daqueles que provavelmente serão atraídos para essa mesma parcela territorial nos

próximos anos.

Esses projetos e suas respectivas repercussões urbanísticas nas áreas localizadas no

seu entorno foram agrupados, considerando a sua funcionalidade, conforme a relação a

seguir.

Em relação a projetos industriais, a inserção de unidades industriais na produção

calçadista, passando a microrregião do Cariri, no sul do estado, passou a se configurar como o

principal pólo calçadista na estrutura de produção cearense e a terceira no Brasil, se tornando

o terceiro pólo calçadista brasileiro, cuja área envolve diretamente três municípios sendo:

Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, que proporcionará um grande dinamismo, tanto do ponto

de vista da economia como também da configuração territorial. Pois margeando a Rodovia

CE- 060, que é a via de ligação entre Barbalha e Juazeiro, com isso, pulsionará o adensamento

urbano ao longo do eixo rodoviário, por meio de moradias de classes média e altae (ii) na

expansão da periferia dos núcleos urbanos existentes.deste territorio.

O Distrito Industrial do Cariri localiza-se na Rodovia CE-292, nas proximidades de

áreas de urbanização consolidada em padrões predominantes de classe média alta e baixa, e

este último por conta da população atraída para a região em decorrência dos postos de

trabalho, que ali estão sendo gerados. Apresentando tendências de expansão e de promoção de

mudanças significativas nos moldes dos padrões urbanísticos existentes, aumentará a

demanda por novas moradias em virtude da multiplicação de atividades industriais.

No tocante a projetos de mobilidade das pessoas, das informações e dos bens, temos a

ampliação do Aeroporto Regional do Cariri/Orlando Bezerra de Menezes, pela Empresa

Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, mediante Portaria nº- 35, de 8 de março de 2012,

dispõe como atribuição que passou a assumir o aeroporto favorecerá um crescimento de

passageiros e uma ampliação nos destinos. O aeroporto está localizado na parte norte da

RMC, devido à sua localização estratégica, atende as regiões Centro Sul do Ceará, Noroeste

de Pernambuco, Alto Sertão da Paraíba e Sudoeste do Piauí, representando um dos principais

instrumentos para o desenvolvimento econômico da região, bem como o aeroporto encontra-

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se eqüidistante de todas as capitais do Nordeste brasileiro. Durante todo o ano atende o mais

variado público devido às muitas potencialidades da região do Cariri, destacando-se o turismo

religioso, de negócios e ecológico. Não acarretará grandes impactos no padrão de ocupação de

suas áreas vizinhas devido aos parâmetros urbanísticos restritivos.

A criação do Metrô do Cariri, com operação comercial da cidade de Juazeiro do Norte

à cidade do Crato, contribuindo com a mobilidade da RMC, interligando importantes pólos

geradores de viagens, como universidades, comércio, escolas, indústrias. Provendo soluções

planejadas em transporte de massa frente ao rápido crescimento urbano que se forma entre os

três municípios. Atender à demanda turística gerada pelos festejos regionais, que chegam a

movimentar mais de um milhão de pessoas. Junto a isto, induzirá um adesamento ao longo do

eixo, atendendo ao crescente processo de urbanização e integração regional; com um padrão

de moradia destinado às classes média e média baixa.

A expansão do Shopping Center pré-existente e o incremento de mais dois

equipamentos do gênero, agregada à ampliação da participação de grandes redes de varejo,

entretenimento e alimentação nacionais e multinacionais nos mesmos evidenciam o

dinamismo econômico e social de Juazeiro do Norte.

Por fim, os projetos turísticos, que foi a ampliação do Centro de Apoio ao Romeiro,

na cidade de Juazeiro do Norte, em frente à Basílica de Nossa Senhora das Dores, para vendas

de produtos religiosos. E o próximo projeto é a construção do anfiteatro da Praça de

Romeiros.

Além disso, os projetos tendem a ampliar, mediante ao processo de desenvolvimento

da região.

Território e Hierarquia Urbana: O caso da conurbação CRAJUBAR

Um esforço reflexivo no sentido de tentar compreender as reais e potenciais dimensões

no presente do arranjo sócio-espacial cearense regional e nacionalmente conhecido como

CRAJUBAR. O mesmo, conforme sugere a construção do vocábulo, é fruto de uma suposta

articulação entre as vizinhas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Estas três

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cidades, situadas no extremo sul do Estado do Ceará, mantém vínculos estreitos tanto em

termos de proximidade territorial quanto de complementaridade sócio-econômica no Cariri

cearense.

O aglomerado Crajubar – aqui também reconhecido como regional –, reconhecido

tanto pelas esferas técnicas de governo quanto pelos pesquisadores brasileiros em geral como

tal, ganhou recentemente o status de metrópole.

Se consideradas as quatro dimensões mais elementares da análise geográfica,

conforme Santos (1992), verifica-se que os enfoques sobre a metrópole privilegiam desde

sempre tanto a forma característica – especialmente seu tamanho mínimo e a forma de

expressão fenomênica mais moderna, a exemplo do que Ascher (1995 apud MOURA, 2009)

denominou de metápole –; quanto a função, o processo histórico e sua estrutura. Todavia,

dentre todas as abordagens, um aspecto parece recorrente.

Guy Di Méo, ao discorrer sobre o processo de metropolização, concorda que as

metrópoles representam, desde os tempos pré-modernos, os interlocutores privilegiados de

outras cidades que elas controlam, dominam e as integram aos seus movimentos e suas redes

de trocas (DI MÉO, 2008). O mesmo ainda acrescenta que,

As metrópoles preenchem assim uma série de funções essenciais (políticas,

econômicas, culturais ou ideológicas); aquelas que concernem, no mais alto nível, o

governo dos homens, de suas atividades, de seus valores. Elas constroem uma rede

mundial, um tipo de tecido de centralidades combinando lógicas hierárquicas e

resilientes. De todo modo, elas se apóiam sobre conjuntos territoriais de porte

variável, ligados entre si por seu indispensável papel de intermediários. Assim, trata-

se de uma larga gama de áreas urbanas engrenando metrópoles assentadas no

coração das regiões que dividem os territórios nacionais até as metrópoles mundiais

e as cidades globais que governam o planeta. (Idem, p.02)

Di Méo reporta-se àquelas localidades que, em maior escala, tendem progressivamente

a se regionalizar conformando as chamadas regiões metropolitanas. Porém, o referido autor,

desprovida de definições baseadas em apriorismos, adverte que o processo de metropolização

pode ser observado “a partir de um nível mínimo de concentrações humanas mais ou menos

difusas.” É ainda mais enfático afirmar que,

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Trata-se de um mínimo pouco preciso, o de aglomerações de algumas centenas de

milhares de habitantes (se avizinhando a um milhão?) dispostos em torno de um ou

de vários centros urbanos... Até constituir conjuntos territoriais agrupando de uma a

duas, ou até três dezenas de milhões de indivíduos, dentre os mais expressivos entre

eles. (Ibid, p.3)

As considerações acima parecem pertinentes, na media em que se tem evitado

qualquer influência de cunho determinista ou estruturalista para o enfoque pretendido. A

preferência analítica aqui explicitada, apóia-se tanto na abordagem da metrópole a partir da

experiência urbano-metropolitana no Cariri cearense, quanto na sua presença enquanto

representação – na perspectiva apontada por Lefebvre (1983), segundo a qual, podemos

pensar no fenômeno urbano-metropolitano como “presença e ausência”. Esse nos parece ser

um antídoto contra juízos reducionistas. Na última década a região do Cariri, em especial o

conjunto urbano reconhecido como Crajubar, tornou-se locus privilegiado de grandes

empreendimentos públicos e privados no interior do Estado do Ceará.

Trata-se de uma realidade supostamente singular, pelo menos no que tange ao

histórico processo de urbanização no Cariri. O que se pretende por em causa é o surgimento

de uma emergente forma espacial e social que combina arranjos socioeconômicos e espaciais

já sedimentados em nível local com outros novos que remetem ao processo de metropolização

do Cariri cearense. Tal fato parece evidenciarse por duas razões.

A primeira deve-se ao fato de que, na última década, o aglomerado urbano regional do

Crajubar ter entrado na agenda dos governos estadual e Federal, bem como das grandes

corporações nacionais e internacionais como foco de dinamismo e competitividade. Isso se

explica pela expansão dos investimentos públicos, em grande parte direcionada para dotação e

adequação da infra-estrutura urbana e de serviços, e privados. Da parte do Estado, os

investimentos nas áreas de Educação são de relevo, destaque para a expansão da Universidade

Regional do Cariri/URCA e abertura de três novos campi da Universidade Federal do

Ceará/UFC que por sua vez, foram recentemente convertidos em unidades da nova

Universidade Federal do Cariri/UFCA. No campo dos serviços de saúde, a construção do

Hospital Regional do Cariri, já em operação e programado para atender as demandas de alta

complexidade de todo o Cariri e do centro sul do estado, constitui um importante pilar.

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Para verificar a ocorrência de relações entre configuração espacial, movimento e usos

do espaço no Crajubar foi aqui empregada a representação linear ou axial. Tal desenho é

obtido mediante a inserção do menor número das maiores linhas retas capazes de cobrir todos

os percursos (permeabilidades) acessíveis a veículos através da malha viária e demais e

espaços abertos. Os dados vetoriais resultantes da representação linear são transferidos para

aplicativos computacionais especificamente construídos para análise configuracional, capazes

de “ler” a matriz de intersecções entre as linhas representativas da permeabilidade dos espaços

públicos e calcular valores numéricos que expressam propriedades espaciais (conectividade,

acessibilidade, escolha etc.).

Em fases anteriores as estruturas espaciais das cidades objeto de estudo foram

exploradas também em perspectiva diacrônica, ou seja, os processos de formação e

transformação das centralidades foram estudados do ponto de vista de seus desenvolvimentos

ao longo do tempo. Tais estudos precedentes demonstraram aspectos morfológicos

semelhantes no crescimento urbano de Crato e Barbalha: os núcleos originais de ambas as

cidades organizaram-se em torno de uma praça da qual partiram os primeiros eixos

comerciais, dando origem aos seus centros ativos (área em que coincidiam a maior

concentração e diversificação de atividades, bem como o conjunto das linhas com mais altos

valores de integração do sistema). Essas áreas são até hoje identificadas como centros

tradicionais das cidades.

Comparada com aquelas, Juazeiro do Norte é uma cidade excêntrica. Apesar de

também se ter organizado inicialmente em torno de uma praça, os eixos mais integrados no

sistema são as vias de expansão que assinalam o espraiamento da mancha urbana, refletindo o

rápido processo de crescimento que atingiu a cidade a partir de meados do século XX.

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Crato

Figura : Representação axial de Juazeiro do Norte – global (esquerda) e local (direita)

Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do Google Earth®

O mapa que representa os valores de integração global da cidade do Crato revela que

nos bairros Centro e Seminário (indicados pelas letras “a” e “b”) se encontra a maioria das

linhas mais integradas (linhas axiais em cores quentes). Ou seja, o núcleo de integração

(conjunto dos eixos que apresentam os mais altos valores de integração do sistema),

indicativo das vias de maior acessibilidade topológica, e, portanto, principais geradoras

potenciais de movimento corresponde ao bairro Centro, expandindo-se para os bairros

Seminário e Pinto Madeira (indicado pela letra “c”).

Com crescimento da cidade, principalmente a partir da década de 1970, adensa-se a

ocupação nas porções superiores – ao pé da serra –, como o bairro Parque Granjeiro (indicado

por um “d”), lugar escolhido para as novas residências da elite que deixava o centro

tradicional da cidade.

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É importante destacar que o bairro Centro além de centro ativo, também corresponde

ao centro histórico do Crato. Estudos anterioresv demonstraram que a transformação da

estrutura global da cidade interferiu localmente sobre os padrões de modificações do

patrimônio edificado. Ou seja, segundo os princípios do movimento natural definido por

Hillier (1996) como o movimento resultante da configuração espacial ou do modo como a

estrutura viária se articula, maior acessibilidade potencial traduz-se em maior movimento o

que por sua vez atrai usos que se beneficiam desse movimento, o que significa

frequentemente, o setor terciário. No Brasil, o edifício histórico tende a ser visto como

incompatível ou é considerado “desatualizado” para abrigar as funções comerciais. Daí as

reformas, atualizações estilísticas, substituições e demais transformações de desmonte do

patrimônio edificado, principalmente quando há muita valorização econômica na área.

Retornando o olhar ao mapa que representa a escala local (R3), destacam-se a Avenida

Padre Cícero (indicada por um “f”) e algumas vias dos bairros Seminário e SãoMiguel

(indicado por um “e”).

Juazeiro do Norte

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Figura 3: Representação axial de Juazeiro do Norte – global (esquerda) e local (direita)

Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do Google Earth®

A representação axial da cidade de Juazeiro do Norte apresentou uma distinção: seu

centro ativo não está complemente inserido no núcleo de integração. Na representação em

escala global o centro ativo da cidade, indicado pela letra “a” no mapa acima, localiza-se na

periferia das vias mais integradas. Uma hipótese para tal deslocamento do núcleo de

integração é o crescimento da cidade em direção ao leste - ao longo das vias de acesso ao

Aeroporto do Cariri (indicado pela “d” no mapa). A centralidade topológica espraia-se pelos

bairros Franciscanos e Limoeiro (indicados pelas letras “b” e “c”, respectivamente).

Quanto à escala local (R3), destacam-se as avenidas Padre Cícero (ligação com o

Crato – indicado por um “f” no mapa) e Leão Sampaio (ligação com Barbalha – indicada por

um “g” no mapa acima Estas vias de ligação metropolitana, além de apresentarem alta

conectividade e grande comprimento (fatores que influenciam para cima o cálculo da

acessibilidade topológica), delineiam novos eixos de crescimento, que como será visto a

seguir, tem forte expressão também na escala regional.

É interessante ressaltar ainda que o Horto (indicado pela letra “e” no mapa acima onde

se localiza a estatua do Padre Cícero e que recebe milhões de fiéis por ano, encontra-se numa

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das porções mais segregadas da cidade. Pode-se inferir que por ser este um atrativo de forte

apelo simbólico prescinde de propriedades espaciais indutoras de movimento, sendo, portanto,

de per se, um magneto gerador de fluxos e usos.

Barbalha

Figura 4: Representação axial de Barbalha – global (esquerda) e local (direita)

Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do Google Earth®

A estrutura espacial da cidade é espraiada, devido aos acidentes geográficos como o

vale do rio Salamanca que divide a cidade em três porções: (1) ao sul do rio, a ocupação

“tradicional” correspondente ao centro histórico (indicado pela letra “a” no mapa da Figura 6)

e adjacências; (2) também ao sul, mas segregado da primeira, uma ocupação mais recente

ligada ao incremento industrial da cidade denominada Buriti (indicado por um “c”); e, (3)

uma nova área de expansão, ainda de baixa densidade, cujo eixo principal de crescimento é a

via que faz ligação com Juazeiro, denominado bairro Mata (indicado por um “d”).

Tal como o apresentado para a cidade de Crato, o centro topológico de Barbalha

também coincide com seus centros ativo e histórico, o que contribui para uma transformação

deletéria do patrimônio edificado. Entretanto, em visitas à cidade percebeu-se que o centro

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comercial da cidade tem caráter estritamente local e resume-se a poucas ruas. Por outro lado,

as vias do centro onde predominam atividades comerciais e de serviços ganham destaque na

representação axial que calcula a integração em escala local (R3). No núcleo de integração em

escala local localizam-se, também, lugares que agregam caráter simbólico ao centro como a

sede da prefeitura, o mercado público e o largo da Igreja do Rosário onde acontece o maior

evento religioso e cultural da cidade: a festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio.

CRAJUBAR

Figura 5:Representação axial do Crajubar – global (esquerda) e local (direita)

Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do GoogleEarth®

Quando a modelagem da estrutura espacial das cidades objetos de estudo foi

reconstruída para contemplar o complexo Crajubar considerado em seu conjunto, emergiu um

núcleo de integração que incide sobre o bairro Triângulo de Juazeiro (indicado pela letra “b”

no mapa acima). Assim, a representação axial reforça a hipótese condutora deste estudo, do

surgimento de uma nova centralidade em escala metropolitana, hipótese motivada pela

criação da Região Metropolitana do Cariri, e fortalecida por observações empíricas acerca da

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ocupação recente do bairro onde estão sendo instalados equipamentos que respondem a uma

escala regional como o Hospital Regional do Cariri, faculdades, shopping centres e lojas de

grande e médio porte.

A modelagem da estrutura espacial do complexo Crajubar, considerados tanto o raio

de abrangência global (Rn) quanto local (R3) indicou, ainda, um processo de formação de

uma outra centralidade de caráter regional, ainda que em dimensão menor, no eixo de ligação

entre Juazeiro e Barbalha (Av. Leão Sampaio, indicada pela letra “c”). Este achado motivou a

observação da via, em julho de 2010, quando foram constatadas várias ocorrências indicativas

de um rápido processo de transformação de padrões de uso e ocupação do solo, tais como o

surgimento de novos loteamentos, lançamento de empreendimentos imobiliários etc. em áreas

até recentemente ocupadas por atividades agrárias e residências isoladas.

Dinâmica Populacional nos Municipios do CRAJUBAR

Os municípios de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, estes dispõe de uma

localização relativamente privilegiada, daí o expressivo papel que as cidades assumem, já que,

localizadas na divisa do Estado do Ceará e do Pernambuco, estabelece relações com

municípios dos dois estados, mantendo assim, um fluxo constante e expressivo de pessoas,

capitais, informações, mercadorias e serviços. Tal situação geográfica proporciona uma

grande dinamicidade econômica às cidades, o que lhes atribuem o desenvolvimento das

funções urbanas. Como por exemplo, nos setores da saúde, comércio, serviços, educação e

bancário. Fato que lhes conferem uma centralidade da mobilidade populacional da região,

pois comparando com as cidades circundantes, o Cajubar possui as funções urbanas mais

desenvolvidas, enquanto as cidades de seu entorno possuem funções urbanas ainda pouco

articuladas e infra-estruturas que não cumprem um papel regional mais expressivo. Assim,

existe um fluxo constante de pessoas ao Crajubar, com interesses diversificados.

Neste caso, torna-se relevante notar a participação diferenciada do Crajubar nos

circuitos econômicos como indicador do processo de organização espacial da região. Os dois

circuitos da economia urbana (SANTOS, 1979) apesar de diferentes são solidários entre si,

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estabelecendo diversificadas relações entre as atividades que os caracterizam. Considerando

que os municípios do Crajubar não contém densidade significativa de atividades próprias do

circuito superior e que muitos produtos e serviço modernos e importados não podem ser

oferecidos, a população com alta renda acaba gerando fluxos de circulação e consumo com

municípios mais polarizados, como Fortaleza. É notável, no Crajubar, a maior participação de

atividades do circuito inferior, já que este atende não apenas a população local, mas também

uma clientela que tem como costume se deslocar do seu município e manter relações de

tradição com o comércio local.

No entanto algumas atividades relacionadas ao circuito superior podem ser localizadas

no espaço urbano do Crajubar, no qual verifica-se um território com atividades relacionadas,

por exemplo, aos serviços bancários, comércio e indústria de exportações, comércio atacadista

e serviços modernos e de alta tecnologia, embora de baixa intensidade.

O circuito inferior pode ser identificado com a presença de atividades econômicas

formais e informais diversificadas, como por exemplo, comercio varejista de pequena escala,

com maior volume de trabalho aplicado ao invés de alta tecnologia, destacando a presença de

vendedores ambulantes e “camelôs”, muito característicos dos chamados “países

subdesenvolvidos”. Atualmente a grande maioria dos estabelecimentos comerciais da região

são lojas de capitais locais, com apenas uma única unidade, mas nos últimos anos tem

aumentado o número de franquias na cidade, dentre elas “Hering”, “Riachuelo”, “Boticário”,

“Fisk”, “CCAA”, “C&A”, entre outras.

Considerando a realidade do interior cearense, quanto mais um município se destacar

no desenvolvimento de atividades comerciais e de serviços, em relação ao seu entorno, mais

polarizado este será economicamente, e a partir daí aumenta-se as articulações com

municípios de diversos portes da rede urbana, ou devido ao comando de outros municípios

mais polarizados ou a procura de tais atividades pela população dos municípios posicionados

na rede urbana no nível de hierarquia baixa.

A dinâmica econômica da metrópole pode então ser caracterizada por uma

concentração econômica expressiva, pela presença de atividades econômicas dinâmicas, por

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ser locus de competitividade da economia e de funções econômicas superiores, sediando

empresas e/ou atividades de importância nacional/mundial. A essa dinâmica econômica

associa-se a demográfica, evidenciada pela concentração populacional e por elevada

densidade, além de uma dinâmica urbana materializada, frequentemente, pela conurbação

entre municípios e pelas relações de integração e complementariedade entre núcleo e

municípios da área de influência, que resultam em fluxos entre o núcleo e a periferia.

Como pressuposto teórico da Lógica Social do Espaço entende-se que os padrões

espaciais carregam em si informação e conteúdo social. Em que pesem as cada vez mais

recorrentes discussões sobre uma crescente “morte do espaço físico”, no estágio históricoatual

continuam a prevalecer as relações sociais que ocorrem no espaço, assim como não faz

sentido falar de relações espaciais desvinculadas da sociedade.

Hillier (1996) propõe a noção de movimento natural – o movimento resultante

primordialmente da configuração espacial – como o fator fundamental de correlação entre a

forma e os usos dos espaços, noção que fundamenta a teoria das cidades como economia de

movimento. Em outras palavras, argumenta-se que o movimento através dos espaços

permeáveis de um logradouro público é mais influenciado pela posição deste em relação ao

sistema urbano como um todo do que por seus atributos locais. Cabe ressaltar que:

O chamado movimento natural não é um fenômeno invariável, comum a todas as

culturas e regiões do mundo: ele assume características próprias de acordo com o

escopo cultural que o gerou, efeito que é da forma de articulação e disposição da

malha viária. Entretanto, algumas feições são argumentadas como constantes, a

exemplo da tendência à concentração de certas atividades em locais precisos. O que

seria invariável é a lógica que conecta a configuração espacial com a geração de

movimento. (MEDEIROS, 2006, p. 507)

Assim, tais usos – especialmente o comercial e de serviços – apropriam-se destas

localizações e além de valerem-se do poder de movimento gerado pela própria malha viária

atuam como pontos de atração ou magnetos, que multiplicam o movimento local. O

entendimento destes aspectos fundamenta o entendimento de padrões de centralidades,

conforme explica Hillier (1996):

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A razão dessa fidelidade entre a análise espacial e a realidade funcional deve-se à

poderosa influência que o movimento natural – a tendência que apresenta a estrutura

da malha para constituir-se na principal influência sobre padrões de movimento –

tem sobre a evolução do formato urbano e sua distribuição em termos de uso do

solo. (HILLIER, 1996; p.121)

Portanto, a dinâmica demográfica é bastante diferenciada entre os tipos socioespaciais,

o que sugere a relação com o contexto socioeconômico, as condições de inserção do mercado

de trabalho, de moradia. Sendo assim, é possível notar uma relação estreita entre condições

socioeconômicas e composição das classes sociais no território com a dinâmica demográfica.

Conclusão

A metrópole, reconhecida como uma escala superior da urbanização, é um fato que

deve ser compreendido em toda a sua amplitude e multidimensionalidade e tratado como fato

histórico, social, econômico e cultural, incluído aí o ambiental. Embora o termo metrópole

exista desde a antiguidade grega, não há ainda hoje definição precisa para essa categoria

urbana, nem consenso sobre as características exigidas para sua caracterização. Porém, existe

concordância entre os autores e estudiosos do tema de que as metrópoles são os pontos mais

centrais na hierarquia urbana de um país. A depender do seu grau de complexidade, uma

metrópole pode chegar a desempenhar papéis de maior destaque na hierarquia urbana no nível

internacional, a partir dos quais se exercem funções de comando da economia mundial.

Nesse particular, a metropolização mostra, por um lado, problemas de adequação entre

os territórios metropolitanos e os quadros institucionais estabelecidos para sua gestão e, por

outro, que o processo induz necessidades de cooperação que dificilmente são atendidas por

esses quadros institucionais. Derivam daí os problemas relacionados com a questão de limites

adequados para a região metropolitana a ser institucionalizada e a multiplicidade de atores

envolvidos na governança desses territórios.

Também tem se alterado o padrão de constituição simples dessas aglomerações

urbanas (de polo e periferia), alcançando uma escala urbana mais complexa e uma dimensão

regional mais ampla. Embora haja um reforço do papel centralizador das metrópoles, onde se

concentram as novas funções, existe certo grau de pluricentralidade, em função da dispersão

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produtiva e da elevada mobilidade do emprego e da população. O aumento da mobilidade

ocorre, notadamente, pela “mudança de escala e pela formação de vastíssimas bacias de

habitat e de emprego mais ou menos polarizadas em volta de uma ou várias cidades

principais” (ASCHER, 1998, p.10).

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CAPITAL SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS EM ASSENTAMENTOS RURAIS:

REFLEXÕES PARA AS COMUNIDADES 10 DE ABRIL E MALHADA EM CRATO-

CE

Anderson da Silva Rodrigues14

Christiane Luci Bezerra Alves15

Valéria Feitosa Pinheiro16

RESUMO: Nas recentes interpretações sobre o desenvolvimento, a sociedade civil, e nela

compreendida as formas locais de solidariedade, integração social e cooperação, pode ser considerada

o principal agente da modernização e da transformação socioeconômica em uma região. O

reconhecimento de que determinados recursos e potencialidades, advindos da teia de relações

interpessoais ou sistemas sociais, não são captados pelas tradicionais formas de capital econômico,

humano, físico e natural, coloca o capital social no rol de instrumentos estratégicos na definição de

teorias e programas de desenvolvimento. A constituição recente de uma nova ordem social, onde são

redefinidas as relações Estado-sociedade, coloca no cenário a importância do Estado na percepção das

capacidades e potencialidades locais, a partir de políticas de coordenação e promoção das iniciativas

sociais. Diante desse cenário, a presente pesquisa objetiva elaborar um Índice de Capital Social para

agricultores familiares que residem em dois assentamentos rurais no município de Crato-Ce, as

comunidades 10 de Abril e Malhada, bem como estabelecer reflexões sobre o acesso destes produtores

a políticas públicas e a forma de implementação destas de um modo geral. Em linhas gerais, as

comunidades apresentam elevado índice de capital social, onde se identifica um elevado estoque de

capital social cognitivo, um avanço ou processo de consolidação do capital social relacional, mas

subsistem, ainda, fortes indícios de que o capital social estrutural apresenta deficiência e

estrangulamentos.

Palavras-chave: capital social; políticas públicas; comunidades rurais.

1Introdução

14Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri e aluno do

Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente – DDMA/UFC. Email:

[email protected]. Fone: (084) 9948-0028 15 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri e aluna do

Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente – DDMA/UFC. Email: [email protected]. Fone: (085)

9710-6400 16 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri. Email:

[email protected]. Fone: (088) 9965-7314

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1508

A evolução de paradigmas econômicos em sua interpretação sobre o desenvolvimento

é palco de profundas reflexões, mediante a natureza estrutural e sistêmica que assume a crise

na sociedade em fins do século XX, que dá a expressão de uma crise civilizatória

pluridimensional. Esses elementos contribuem para a releitura e interpretação de paradigmas

dominantes e para que sejam traçados caminhos epistemológicos tão profundos e diversos,

que se possa incluir nestes os percursos de produção da própria ciência (PINHEIRO; ALVES;

RODRIGUES, no prelo). Como campos epistemológicos instituídos a partir dos anos 1970,

destacam-se, de um lado, as reflexões em torno das caracterizações relativas ao

desenvolvimento sustentável (incorporando à dimensão econômica, elementos de natureza

social, institucional e ambiental) e de outro, as abordagens onde prevalece o viés

institucionalista, nas quais se reforça o poder das teorias do desenvolvimento local fundadas

na “compreensão do movimento dialético entre a pressão heterônoma exercida pelas leis de

funcionamento de uma economia global e a reação autônoma suscitada pelas redes e

instituições locais” (MULS, 2008, p. 2).

A crise do Estado intervencionista, de orientação keynesiana, que marca

principalmente a década de 1980, expõe as condições de uma nova ordem social, na qual o

espaço público deixa de ser responsabilidade exclusiva do Estado e onde diferentes atores

sociais assumem novos papéis para a superação de problemas sociais e ambientais. Em

consonância com o ideário neoliberal, apostam-se em estratégias públicas de descentralização

e focalização dos gastos e em parcerias com o setor privado, organizações do terceiro setor e

sociedade civil organizada.

Nessa perspectiva, as abordagens do tipo bottom-up, nas quais indivíduos e

organizações devem exercer sua responsabilidade social e ambiental, de baixo para cima,

emergem com maior notoriedade. Assim, para Boisier (1997), a sociedade civil, e nela

compreendida as formas locais de solidariedade, integração social e cooperação, pode ser

considerada o principal agente da modernização e da transformação sócio-econômica em uma

região. Porém, o Estado, que tem suas funções redirecionadas para um tipo de intervenção

além da ortodoxia tradicional, no estilo de políticas de incentivo ou intervenção direta na

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economia, deve atuar voltado à “percepção das capacidades e potencialidades locais, a partir

de políticas de coordenação e promoção das iniciativas sociais” (SOUZA FILHO, 2000, p.6),

fortalecendo, portanto,

a auto-organização social, estimulando a prática de soluções colaborativas para

problemas comuns e promovendo a participação e a abertura ao diálogo com os

diversos integrantes das comunidades regionais (SOUZA FILHO, 2000, p.6).

As teorias de desenvolvimento revisitadas abrem espaço, portanto, para o

reconhecimento da força transformadora da sociabilidade, para a valorização de relações não

estritamente monetárias (COSTA et al., 2008) e para as transformações possibilitadas pela

interação no espaço social, transferindo a ideia de um capital social restrito ao campo

simbólico, para um campo que valoriza o potencial social das relações como indutor de

resultados econômicos, aumentando, ao mesmo tempo, benefícios sociais e eficiência

econômica.

Diante da constituição de uma nova ordem social, onde são redefinidas as relações

Estado-sociedade, o capital social tem sido associado a uma atuação política mais protagônica

(KLIKSBERG, 2006), e a existência de estruturas comunitárias fortes está associada “não só à

promoção do desenvolvimento e da participação comunitária, mas também ao apoio a

políticas públicas governamentais” (BAQUERO, 2008, p.398).

Dowbor (2005) destaca a importância de compreender a força de estratégias sociais

postas em prática e de buscar construir dinâmicas com capacidade para fortalecê-las,

avaliando, portanto, ser interessante “proceder a certas pesquisas sobre como está se dando a

acumulação de capital social em diversas regiões do país” (DOWBOR, 2005, p. 169). Nessa

perspectiva, a presente pesquisa objetiva compreender como se estabelecem relações sociais

entre os atores envolvidos na constituição e manutenção das comunidades rurais, utilizando,

para isso, a elaboração de um Índice de Capital Social para agricultores familiares que

residem em duas comunidades rurais no município de Crato-Ce, as localidades 10 de Abril e

Malhada. Adicionalmente, procura-se estabelecer reflexões sobre o acesso dos produtores a

políticas públicas e a forma de implementação destas de um modo geral.

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2 Capital social: aspectos teórico-conceituais

O reconhecimento de que determinados recursos e potencialidades, advindos da teia de

relações interpessoais ou sistemas sociais, não são captados pelas tradicionais formas de

capital econômico, humano, físico e natural, coloca o capital social no rol de instrumentos

estratégicos na definição de teorias e programas de desenvolvimento.

As contribuições de Coleman (1988) na construção de um percurso conceitual

apontam para o entendimento de que o estabelecimento de uma trama de reciprocidade e

confiança, que emerge na capacidade de relacionamento dos indivíduos em sua rede de

contatos sociais, potencializa efeitos impossíveis de serem identificados na ação individual.

Embora não utilize de forma explícita o conceito de capital social, Granovetter

reconhece a força de uma conexão social, ou da rede de relacionamentos, “definida como uma

combinação de tempo, intensidade emocional, intimidade e serviços recíprocos que as

caracterizam” (GRANOVETTER, 1985, apud MONASTÉRIO, 2005, p. 169).

Ao analisar as relações dos agentes em determinado espaço social e não

desconsiderando as motivações individuais para a constituição de redes, Bourdieu (2000)

considera que capital social implica em existência e manutenção de uma rede durável de

relações, mais ou menos institucionalizadas, de compromisso e reconhecimento mútuo.

Apesar da abordagem do capital social se constituir num amplo campo de debates das

diferentes ciências sociais, ao longo de toda a década de 1980, é através das reflexões de

Putnam que a mesma adquire notoriedade acadêmica. Capital social, portanto, “diz respeito a

características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam

para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”, destacando-se, na

análise, a tomada de ações colaborativas que resultem no benefício de toda

comunidade(PUTNAM, 2002, p.177). Tal caracterização é derivada das reflexões do autor ao

observar assimetrias no padrão de desenvolvimento entre as regiões norte e sul da Itália,

atribuídas a diferenças na capacidade de organização social e tradições cívicas que permeiam

determinada sociedade e, por conseguinte, aos fatores socioculturais que lhe identificam.

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1511

Nesse sentido, Barquero (1988) já chamava atenção para a identidade da cultura local

como elemento favorável a sistemas de relações sociais, servindo de base para o

desenvolvimento de determinada região. Também sob tal orientação, Durston (1999, apud

COSTA et al., 2008, p.4) reconhece a influência da cultura derivada “das relações sociais que

resultam de processos históricos de aprendizagem”, relevante “para o desempenho de

programas, além da promoção da participação cívica e superação da pobreza”.

Numa perspectiva mais fenomenológica, começa a ganhar destaque a noção de que o

sentimento de identidade e pertencimento a determinado lugar aumenta as possibilidades de

uma população se unir em torno de um objetivo comum, já que é capaz de criar “forte

identificação com os elementos de cultura, crenças, valores e estilo de vida da comunidade,

despertando o interesse em participar das formulações e decisões sobre seus destinos”

(FREITAS, 2008, p.48). É nesse sentido que identidade e pertencimento tornam-se

fundamentais para a manutenção e coesão da comunidade, constituindo-se importantes

elementos mobilizadores de capital social. Assim,

o fortalecimento da cultura de uma nação ou região se apresenta como um dos

pilares para o seu desenvolvimento, pois o sentimento de pertencer a um território de

identidade permitirá uma ação transformadora, ao mesmo tempo individual e

coletiva. Individual porque é nele que nasce o sentimento de pertencimento e

coletivo, porque se pertence a uma identidade coletiva, capaz de reconhecer no outro

o seu próprio sentimento; assim, quando se refere ao desejo de transformação de

uma realidade, pertencimento e identidade podem ganhar força com poucas

palavras, mas com inúmeras ações capazes de tomar dimensões que extrapolam à

própria expectativa individual(PINHEIRO; ALVES; RODRIGUES, no prelo, p.7).

De modo geral, na maioria das abordagens é explicitada a força dos recursos

incorporados em determinada estrutura social, potencializada pelo contexto de proximidade

social entre os agentes, deflagrada por ações de confiança mútua, reciprocidade e cooperação.

Para Monastério (2005), trata-se de um fator produtivo adicional na função de

produção, capaz de potencializar a produtividade dos demais fatores, tal qual se identifica na

dotação tecnológica. Desta forma, os resultados econômicos são afetados pelo potencial social

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das relações. Dada a força induzida pela coesão social, o capital social é um bem público,

formado por recursos simbólicos e características imateriais

como normas de reciprocidade, conduta ou redes de cooperação, formais (ou não),

que permitem que os agentes de uma sociedade possam potencializar suas ações e

alcançar resultados que de outra forma seriam custosos ou impossíveis

(MONASTÉRIO, 2005, p. 166).

A ideia da confiança como elemento básico de processos cooperativos que reforça o

ambiente de credibilidade e, consequentemente, o contrato social (BAQUEIRO, 2003),

associa o capital social a normas de valor e elementos morais. Assim, para Abramovay (2000,

p.3-4), a confiança contribui para aumentar o nível de previsibilidade dos agentes, sendo

fundamental o entendimento de que,

O controle sobre o risco de comportamentos não cooperativos só é efetivo se os

atores interiorizarem os elementos morais pressupostos na colaboração entre eles.

Existem sanções pela conduta ‘desviante’, mas elas só funcionam pela presença de

recursos morais que têm a virtude de aumentar conforme seu uso e dos quais a

confiança é o mais importante.

Por sua vez, a relevância da cooperação como instrumento mobilizador de capital

social e como elemento de vantagem competitiva estratégica em processos de

desenvolvimento é ressaltada por Godardet al. (1987), para os quais:

Uma das chaves do desenvolvimento local reside na capacidade de cooperação entre

seus atores. Também é conveniente particularizar a análise das formas de

cooperação institucional ou voluntária que se produzem entre eles contanto que o

objetivo seja o desenvolvimento local (Godardet al., 1987, p. 139).

A teoria do capital social, ainda, ao dar centralidade à teia de relações que se

estabelecem entre os diversos atores sociais, indutiva de uma maior dinamização

socioeconômica, reconhece os efeitos e as sinergias geradas pela qualidade e diversidade das

instituições, bem como do potencial gerado pelo grau de interação e cooperação entre estas.

A partir da compreensão da multiplicidade de interações possíveis de serem

estabelecidas em determinado sistema social e do potencial mobilizador das mesmas, o capital

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1513

social pode ser classificado em três modalidades, segundo Monastério (2005). O bonding

social capital está associado aos laços existentes entre membros de grupos homogêneos, em

que os indivíduos se encontram numa mesma posição. Para Putnam (2002), esse tipo de

capital proporciona as bases sociais e psicológicas que as pessoas de determinado grupo

necessitam para enfrentar as dificuldades do cotidiano. O brindging social capital relaciona

membros de grupos sociais distintos e permite que as diferenças sociais sejam respeitadas. O

linking social capital apresenta-se nos tipos de relações em que pessoas economicamente

desfavorecidas interagem com agentes em postos de decisão em organizações formais, ou

seja, contatos verticais entre estratos diferentes de riqueza e status.

Os diversos atributos que caracterizam o capital social são agrupados por Nahapiet e

Ghoshal (1998) a partir de três dimensões, que apresentam fortes conexões entre si: i)

estrutural (estrutura e configuração da rede): descreve o padrão de conexões em termos de

estabilidade, densidade, conectividade, hierarquia etc; ii) relacional: atributos potencializados

pela confiança, como reciprocidade, expectativas, participação, normas, obrigações; iii)

cognitiva: representa a visão compartilhada pelo grupo, expressa na cultura, valores morais,

códigos e narrativas.

3 Percursos metodológicos

3.1 Área de Estudo e Coleta de Dados

As localidades selecionadas para estudo são o assentamento 10 de Abril, com 44

famílias de produtores rurais e Malhada, com 11famílias. Enquanto a localidade 10 de Abril

representa assentamento de reforma agrária, Malhada representa beneficiários do crédito

fundiário do Governo do Estado.

Foram aplicados 48 questionários, que incluíram a população das famílias da

localidade Malhada e 37 questionários para o Assentamento 10 de Abril, cuja amostragem foi

não probabilística; ressalta-se que não foi possível pesquisar a população assentada desta

última comunidade, pelo fato de sete famílias não serem encontradas por ocasião da pesquisa

de campo. O instrumento de pesquisa incluiu 111 questões, das quais 46 são relacionadas à

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composição dos indicadores de capital social, enquanto as demais estão relacionadas à

investigação do perfil socioeconômico dos agricultores pesquisados, à forma de organização

das comunidades e ao acesso e forma de execução das políticas públicas. De forma

subsidiária, foram coletadas informações complementares junto a técnicos da Empresa de

Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará - Ematerce, Instituto Flor de Pequi e

Associação Cristã de Base - ACB, que atuam na conscientização e articulação entre Estado e

agricultores familiares da região.

De modo a subsidiar a análise e permitir uma adequada caracterização da área de

estudo foram coletadas informações sobre o perfil socioeconômico dos agricultores

pesquisados. O nível de escolaridade apresenta-se baixo nas duas comunidades, com

percentuais de analfabetos em torno de 27%, a grande maioria não terminou o ensino

fundamental (43% e 45%, respectivamente nas localidades 10 de Abril e Malhada); porém,

apesar dos níveis semelhantes de escolaridade, destaca-se, no assentamento 10 de abril, a

presença, entre os pesquisados, de duas pessoas com ensino superior completo, característica

não encontrada entre os pesquisados da Malhada, que possui apenas dois habitantes com

ensino médio completo.

Em termos de número de pessoas que trabalham no campo, as duas comunidades

apresentam em média menos do que três trabalhadores rurais por família. No tocante à fonte

de renda, na comunidade malhada, 100% dos agricultores pesquisados indicaram a agricultura

como principal fonte de renda, percentual significativamente inferior no assentamento 10 de

Abril (70%). Apesar disto, nas duas localidades, um percentual superior a 55% dos produtores

recebem renda não agrícola, com destaque para aposentadorias e programas de transferência

de renda, como Bolsa Família e Seguro Safra, que desempenham um importante papel para a

garantia de renda mínima, principalmente se considerarmos um contexto de elevada pobreza,

onde a quase totalidade das famílias sobrevivem com até dois salários mínimos (91% na

Malhada e 95% no 10 de Abril).

Caracterização e trajetória das comunidades

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1515

Em visita a história dos assentamentos do Sítio Malhada e 10 de Abril, foi possível

observar que ambos possuem trajetórias de luta pela terra, busca da valorização e da liberdade

do homem do campo. Para isso, o apoio de instituições governamentais e não governamentais

também foi fundamental na busca de estratégias de luta, sobretudo, no fortalecimento dos

laços cooperativos.

No Sítio Malhada, a origem do movimento de lutas veio a partir do trabalho de

catequese do Padre Frederico, em 1955. Na época, a comunidade recebeu, por doação, um

pedaço de terra, construindo ali uma capela, um grupo escolar e 16 casas. A partir daí, o

pequeno povoado foi conquistando melhorias, onde o trabalho de mutirão sempre foi a

principal característica da comunidade, sendo fortalecido pela criação da Associação de

Moradores Padre Frederico (com 65 membros cadastrados.). Esse processo foi resultado do

desejo de um grupo já organizado, ali instalado, e da atuação da Ematerce, que já prestava

apoio técnico aos agricultores.

Já oficialmente organizados, o próximo passo foi pleitear crédito fundiário para

aquisição de terra e instalação de infraestrutura necessária para o desenvolvimento das

atividades agrícolas. Dos cadastrados, foram contempladas com o crédito apenas 11 famílias,

por estarem enquadradas no Programa de Reforma Agrária de Mercado. Em 2003, com o

pleito atendido, foi adquirida uma área de 236 hectares, no distrito Ponta da Serra, em Crato-

Ceará, distante 18 km da sede do Crato. Das 11 famílias assentadas, nove residem na vila

(PIANCÓ, 2013).

Atualmente as famílias desenvolvem atividades de agricultura e pecuária, com

destaque para o cultivo da mandioca, fruticultura e apicultura. A área destinada para o cultivo

da mandioca no assentamento é de 06 hectares. A mandioca é comercializada in natura, mas

também através do processamento semimanufaturado, resultando em produtos como: farinhas,

gomas, beijus e tapiocas, comercializados, sobretudo nas comunidades vizinhas e nas feiras

regionais, como: Berro, Expocrato, Exproaf e Expo São João (PIANCÓ, 2013). Para a

apicultura, 20% dos 236 hectares são utilizados, sendo o período chuvoso a melhor época para

a produção, e segundo a pesquisa realizada no assentamento, registram-se em torno de 80

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colmeias ativas. A pecuária leiteira é destinada tanto ao uso das famílias quanto para a

comercialização.

Em relação ao assentamento 10 de Abril, sua origem se deu com a busca do resgate

histórico da comunidade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, onde agricultores se

instalaram, em meados de 1926, em terras confiadas pelo Padre Cícero ao Beato Zé Lourenço,

“líder religioso e comunitário, um dos responsáveis pela criação da comunidade que

prosperou em função do seu modo de trabalho, que se contrapunha ao trabalho individual e ao

coronelismo nordestino” (SILVA, 2010, p.77). Essa comunidade foi devastada em ação

militar, que segundo registros da polícia, citados por Silva (2010), foram 200 mortes, havendo

outros relatos de que esse número teria sido três vezes superior ao divulgado oficialmente.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, juntamente com a ACB,

Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Crato - SINTRAC, Federação dos Trabalhadores e

Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará - FETRAECE e Comissão Pastoral da Terra

- CPT, após consulta em cartórios, descobriu que as terras do Caldeirão não possuíam

documentos de propriedade e estavam improdutivas. Além disso, o resgate do movimento de

lutas, presente na comunidade do Caldeirão, fazia destas terras as mais adequadas para o

assentamento (SILVA, 2010).

Segundo Oliveira (2008) e relatos coletados na pesquisa, a partir das reuniões

realizadas em horários noturnos, a fim de que não fossem descobertas, foi organizada a

ocupação das terras na localidade. Considera-se 10 de abril de 1991 o marco do movimento,

que dá nome ao assentamento, onde 250 famílias de trabalhadores rurais, empunhando

ferramentas de trabalho e dizendo gritos de guerra, instalaram-se nas terras do antigo

Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, construindo barracos de lona preta nas proximidades da

igreja, no mesmo local, em que há aproximadamente 60 anos, viviam camponeses que

possuíam um modo de vida diferenciado, onde a religiosidade e a ajuda mútua

predominavam.

Após tentativas fracassadas de negociação com o Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária - INCRA, na busca da legalização das terras em nome dos assentados, o

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Governo do Estado do Ceará na época, o governador Ciro Gomes, adquiriu faixa de terra nas

proximidades do Caldeirão e legalizou as famílias de agricultores.

Ao longo de mais de 20 anos de ocupação, o assentamento 10 de Abril foi reduzindo

as famílias ali instaladas, sendo atualmente identificadas, pela Ematerce, 54 famílias, das

quais 44 assentadas e 10 agregadas (tais famílias representam filhos de agricultores que se

casaram e permaneceram na comunidade).

Os que ali permaneceram desenvolvem principalmente a agricultura e pecuária, no

entanto, outras atividades não rurais são observadas, como é o caso da existência de

mototaxistas, comerciantes, pedreiros, costureiras, artesãos, dentre outros (OLIVEIRA, 2008).

As dificuldades de toda ordem encontradas na manutenção do homem no campo,

sobretudo o nordestino, são também encontradas no assentamento, onde a preocupação da

permanência dos jovens como continuadores da história é presente. Assim,

faz-se necessário pensar em novas atividades produtivas que contemplem,

sobretudo, a juventude que está se formando atualmente no assentamento e que

precisam de trabalho e renda. Renda esta que os estimulem a permanecer no 10 de

Abril, para que, assim, não se sintam impelidos a migrarem para obter trabalho em

outros locais ou mesmo outras regiões do país, fato comum entre a juventude rural

caririense que todos os anos são arrebanhados para viajar e trabalhar nas lavouras de

cana-de-açúcar da região sudeste do país (SILVA, 2010, p.123).

3.2 Procedimentos para a construção do Índice de Capital Social (ICS)

A estimação do Índice de Capital Social (ICS) dos agricultores familiares dos

assentamentos pesquisados foi realizada a partir da elaboração de cinco índices que

representam as dimensões relacionadas à consolidação do capital social, especificadas

posteriormente nesta metodologia. Em termos analíticos, o cálculo do ICS se deu a partir da

seguinte equação:

𝐼𝐶𝑆 =1

𝐾∑ 𝐼𝑝

𝑘

𝑝=1 (1)

Onde:

ICS = Índice de Capital Social;

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1518

Ip = valor do p-ésimo índice;

p = 1,..., k (índice)

Cada índice, por sua vez, é formado a partir de um conjunto de indicadores, conforme

especificado no quadro 1. Apesar de possuírem número diverso de variáveis, optou-se por

estabelecer pesos iguais entre os indicadores na composição do respectivo índice. Assim o

valor do p-ésimo índice foi calculado, conforme a seguir:

𝐼𝑝 =1

𝑆∑ 𝐶𝑞

𝑠

𝑞=1 (2)

𝐶𝑞 =1

𝑀∑ [

1

𝑁(∑

𝐸𝑖𝑗

𝐸𝑚𝑎𝑥𝑖

𝑛𝑖=1 )]

𝑚

𝑗=1 (3)

Onde:

Cq = representa a contribuição do q-ésimo indicador no p-ésimo índice dos agricultores

familiares;

Eij = escore da i-ésima variável do q-ésimo indicador obtida pelo j-ésimo agricultor familiar;

Emaxi = escore máximo da i-ésima variável do q-ésimo indicador;

i = 1,..., n (variáveis que compõem o indicador “q”);

j = 1,..., m (agricultores familiares);

q = 1,...s (número de indicadores que compõem o p-ésimo índice).

O Índice de Capital Social (ICS) e os índices das diferentes dimensões

serãoclassificados, para efeito de análise, em cinco faixas, conforme quadro 1.

Quadro 1 – Classificação dos índices por faixa de escores

Classificação dos índices Faixa de escores

Muito baixo de 0 a 0,199

Baixo de 0,200 a 0,399

Intermediário de 0,400 a 0,599

Alto de 0,600 a 0,799

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Muito alto De 0,800 a 1,0

Fonte: Elaboração própria.

As dimensões propostas para a construção de um índice de capital social em assentamentos

rurais, utilizadas neste trabalho, têm por base, além de revisão de literatura, uma adaptação do

Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS), proposto por Grootaertet. al.

(2003). Encontram-se distribuídas nas esferas: laços de confiança e reciprocidade (ILRC);

cooperação e ações coletivas de apoio mútuo (ICAC); redes e organizações (IRO);

mobilização e ação política (IMAP); interações sociais, identidade e pertencimento (IIP).

i) Laços de confiança e reciprocidade: as características imateriais de confiança e

reciprocidade são reconhecidamente elementos orientadores de ações coletivas, fundamentais,

portanto, para efetivar ações cooperativas e de integração. Os laços de confiança contribuem

para certo nível de previsibilidade entre os agentes, reforçando comportamentos confiáveis e

compromissos institucionalizados ou não. Valores e elementos morais comuns na comunidade

também acrescentam elementos indispensáveis para processos históricos de aprendizagem,

facilitadores, por conseguinte da cooperação espontânea.

ii) Cooperação e ações coletivas de apoio mútuo: consideram-se o coletivismo e as ações

mobilizadoras comuns, elementos de estabilidade, potencializadores de resultados, que

colaboram também para processos de aprendizagem e afirmação de diferentes agentes em

determinado espaço social.

iii) Redes e organizações: nessa dimensão são consideradas as diferentes conexões entre

os diversos sujeitos sociais, o conjunto de redes de relações sociais que materializam ações

integradas colaborativas, bem como as articulações entre as diferentes organizações sociais e

instituições locais. Esses componentes fazem-se indispensáveis para o fluxo de recursos em

determinada rede. Ao mesmo tempo, a presença forte da liderança, sua capacidade de

articulação e representação também aumentam a eficiência do fluxo de recursos, reforçam

confiança e podem condicionar melhores resultados para o grupo, já que os mesmos podem

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contribuir “para facilitar as conexões entre as comunidades pobres e a assistência externa ao

desenvolvimento” (GROOTAERT et. al., 2003, p.7).

iv) Mobilização e ação política: ressalta-se, nessa dimensão, as ações de articulação,

mobilizadoras de maior acesso a serviços e benefícios para a comunidade, a capacidade de

exercer pressão ou influência política, bem como o amadurecimento político no

acompanhamento de políticas públicas.

v) Interações sociais, identidade e pertencimento: essa dimensão diz respeito ao

fortalecimento da comunidade pelos elementos simbólicos da cultura, sentimentos de pertença

e identidade com o local, que reforçam comportamentos cooperativos e vínculos com o

espaço social.

Os indicadores utilizados, correspondentes a cada dimensão proposta, são

apresentados na tabela 1.

4 Desvendando o capital social nas comunidades

Aqui é discutida a natureza do capital social das comunidades, bem como as diferentes

categorias que contribuem para a mobilização do capital social, a partir da construção do

Índice de Capital Social relativo a cada assentamento (Tabela 1).

Tabela 1 - Índice de Capital Social nas comunidades Malhada e 10 de Abril

Indicadores e Índices Malhada 10 de Abril

Confiança 0,724 0,604

Comunhão 0,600 0,709

Baixa Violência 0,763 0,770

ILCR 0,696 0,695

Solidariedade 0,958 0,802

Mobilização e Cooperação 0,831 0,716

ICAC 0,895 0,759

Organização e Articulação 0,696 0,607

Liderança 0,904 0,806

Interações Institucionais 0,539 0,577

IRO 0,713 0,663

Acesso a Serviços 0,875 0,782

Mobilização e Articulação Política 0,788 0,666

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Influencia Política 0,713 0,633

Amadurecimento Político 0,567 0,514

IMAP 0,763 0,691

Interação e Sociabilidade 0,821 0,732

Identidade e Pertencimento 0,747 0,710

IIP 0,784 0,721

ICS 0,763 0,691

Fonte: Elaboração Própria, com base em questionário da pesquisa.

i) Laços de confiança e reciprocidade

Consideram-se os laços de confiança e reciprocidade, as experiências de comunhão,

fundamentais para ativação de iniciativas de cooperação e participação em ações coletivas.

O índice desta dimensão apresentou valores semelhantes e elevados para as duas

comunidades (0,696 para a Malhada e 0,695 para o assentamento 10 de Abril).

A semelhança dos indicadores de confiança e comunhão nestas localidades está

possivelmente associada à construção de fortes vínculos sociais atrelados a processos

históricos, relacionados ao lugar,que vão desde as simbologias dos movimentos de luta pela

terra, até a necessidade de cooperação para consolidação de benefícios coletivos da

localidade. Destaca-se, na perspectiva de vínculo com o lugar, a interpretação da geografia

humanística, do lugar como experiência humana cotidiana, ambiente experienciado, com o

qual os usuários se identificam e constroem sua base existencial e cultural. Estando

intimamente ligados a processos históricos, lugar, história e comunhão, fazem-se fortemente

presentes em ambas as comunidades.

Outro indicador analisado na dimensão diz respeito à existência ou não de práticas de

violência. Atenta-se que a presença de conflito ou sentimento de insegurança, resultado de

situações de violência, pode reverter-se em problemas de confiança, refletindo-se nas formas

de coesão social e, posteriormente em manifestação negativa sobre o grau de capital social,

através da dificuldade de cooperação. Neste sentido, o valor do indicador de baixa violência,

que na realidade representa o sentimento de segurança, apresentou valores considerados altos,

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0,763 para Malhada e 0,770 para o assentamento 10 de Abril, o que reforça a presença de

fortes vínculos de confiança nas duas comunidades.

ii) Cooperação e ações coletivas de apoio mútuo

A solidariedade entre membros pode ser percebida através da cooperação diante de

situações hipotéticas nas quais a comunidade pode se reunir para lidar com calamidades,

problemas na oferta de determinado serviços etc, abordando de forma coletiva questões de

interesse comum, ao invés de ação individual por parte de seus membros.

Assim, investiga-se como os agricultores trabalham entre si, a forma como se

organizam em projetos conjuntos ou em resposta a situações de crise e dificuldades

cotidianas, permitindo inferir sobre o espírito participativo da comunidade.

A análise da respectiva dimensão revela, para o índice geral, a classificação de muito

alto para Malhada (0,895) e alto para o assentamento 10 de Abril(0,759).

No indicador solidariedade, o percentual para a localidade Malhada (0,958) se

apresenta quase 20 % superior quando considerado o assentamento 10 de Abril (0,802).Esta

diferença relevante pode estar relacionada ao número de famílias na primeira localidade, já

que grupos menorestendem a manifestar maior nível de solidariedade em situações adversas;

assim, considerando 11 famílias, a ocorrência de uma situação problema com um dos

membros, tem maior poder de envolver a totalidade do grupo, do que em um assentamento

com maiores dimensões.

As ações coletivas são consideradas um indicador de produção de capital social. Em

relação à mobilização e cooperação, a localidade Malhada também apresenta índices mais

elevados. O tipo de atividade econômica explorada em cada localidade pode lançar algumas

questões para análise. Ainda, analisando de forma acessória as questões sobre quais atividades

os produtores desenvolvem coletivamente, percebe-se uma significativa diferença entre as

duas comunidades; enquanto no 10 de Abril desenvolvem-se mais atividades relacionadas à

agricultura de subsistência e organização de atividades como mutirões para a lida com o gado

e manutenção da cerca, na Malhada constata-se uma cooperação em atividades associadas à

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dinâmica produtiva da comunidade, onde se destaca a produção de farinha. Como

consequência, abre-se a oportunidade de participação da comunidade em feiras e eventos

locais, como a Expocrato, que demandam melhor nível de organização, planejamento e

mobilização para ações coletivas. Essas ações, permitem ainda, certa rede de interações, troca

de experiências entre agricultores de outras localidades, bem como interações com

instituições como: Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa - Sebrae,

Ematerce, Banco do Nordeste, secretarias estaduais e municipais etc.

Interessante observação, diz respeito a forma de percepção dos benefícios oriundos das

atividades colaborativas, existindo para a realidade abordada, uma significativa diferença

entre as comunidades. Enquanto na comunidade Malhada os agricultores percebem de forma

mais explícita o benefício da cooperação nas atividades econômicas, apontando a melhoria no

nível de renda como o principal benefício (32%), na comunidade 10 de Abril o espírito

colaborativo está mais associado à organização do espaço comunitário e a expectativas de

acesso a serviços, políticas públicas e benefícios em geral para os moradores. A percepção na

Malhada pode encontrar evidência no fato de, nesta localidade, as atividades colaborativas

estarem mais diretamente relacionadas à atividades coletivas de produção e venda de produtos

agrícolas, já que se faz presente, além da associação de produtores, uma cooperativa agrícola.

iii) Redes e organizações

Conforme referido, a multiplicidade de conexões entre os diversos sujeitos sociais, sua

participação em redes do cotidiano (amigos, vizinhos, grupos religiosos, associações,

sindicatos etc), formais ou informais, são consideradas nessa dimensão, na medida em que

contribuem para a existência de estruturas comunitárias fortes, podendo ser ativadas para

facilitar ações coletivas. A participação em redes e organizações, portanto, constitui-se um

indicador de entrada de capital social, já que são meios através dos quais o capital social pode

ser acumulado (GROOTAERT et. al., 2003). Vale enfatiza que para Baquero (2008, p.398):

Do ponto de vista democrático, uma participação mais consequente dos cidadãos é

considerada essencial, a qual, pressupõe-se, deriva da intensidade com que um

indivíduo se envolve em associações formais ou informais e redes. A hipótese básica

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1524

é que quanto mais uma pessoa participa de redes e associações, maiores as

possibilidades de desenvolver virtudes cívicas que tangibilizem o bem coletivo.

Aqui também é considerada a diversidade das associações de determinado grupo, que

pode contribuir para o compartilhamento de ideias, proposições, informações e proporcionar

desde uma maior sensação de autoconfiança entre os membros da comunidade, maior

segurança e amadurecimento político para a proposição e acompanhamento de políticas

públicas.

Apesar de, em termos gerais, o índice IRO apresentar valores semelhantes (0,713 e

0,663, respectivamente para a Malhada e 10 de Abril), constata-se pela análise da tabela 1,

que no 10 de Abril, os níveis de organização e articulação são menos significativos se

comparados à comunidade Malhada.De acordo com a avaliação dos produtores, a ampla

maioria (80%) chama a atenção para uma diminuição de sua participação em grupos ou

associações nos últimos anos, o que pode se refletir em certo desestímulo a novas ações de

mobilização. Diversamente, na Malhada, 55% dos produtores responderam que participam de

mais grupos; apesar deste percentual não poder ser interpretado isoladamente, demonstra um

claro movimento em direção ao aumento de cooperação, que se reflete numa maior

diversidade de atividades comunitárias.

No que diz respeito à presença de organizações nas comunidades rurais, identifica-se,

em ambos os casos, a existência de uma diversidade de grupos, constituindo redes com

múltiplos canais de integração e comunicação com a comunidade, representadas por:

associação de produtores, existência de liderança sindical (Sindicato dos Trabalhadores

Rurais), grupos religiosos, associação cultural, associação educacional, grupo esportivo,

grupo de mulheres e jovens, e no caso da Malhada, constata-se a presença adicional de uma

cooperativa agrícola.

A avaliação dos agricultores sobre a atuação destes grupos revela o reconhecimento da

importância dos mesmos para a solução de problemas locais, indutora, também, de atitudes

cooperativas, coesão social e dinâmica participativa da comunidade, em geral.

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1525

No indicador de interações institucionais, avaliam-se duas categorias: a primeira diz

respeito à interação entre produtores, enquanto a segunda infere sobre a integração entre

instituições externas que atuam com a problemática rural. Neste sentido, a evidência empírica

da pesquisa mostra um nível intermediário de integração, em relação ao primeiro aspecto,

resultado, de certo modo esperado, em virtude de características inerentes à própria

agricultura familiar, como: produção para subsistência, menor diversidade de atividades

produtivas e menor dependência de insumos externos. Relativo ao segundo aspecto, na

percepção dos agricultores, parece existir uma fragilidade nas interações entre as instituições

que atuam com a problemática rural, sejam organizações da sociedade civil ou instituições

governamentais. Em entrevistas realizadas com representantes destas instituições, o que é

avaliado como interações são trocas de informações, de forma geral, participação em

reuniões, participações em fórum etc.

Questionados sobre quais grupos são mais atuantes, as duas localidades apontaram a

importância da associação de produtores, o que se justifica em virtude de ser esta forma de

organização imprescindível para a operacionalização e execução de uma série de políticas

públicas e programas institucionais. Adicionalmente, esta forma de organização foi apontada,

sobretudo no assentamento 10 de Abril, como sendo importante para a elaboração de uma

série de projetos que demandam benefícios para a comunidade.

Como atributo de condutas participativas dos agricultores, destaca-se a observação

sobre a dinâmica de participação destes nas reuniões dos grupos, sobretudo nas reuniões da

associação de produtores.Na Malhada, percebe-se maior participação efetiva (reunião mais

mobilização para trabalho coletivo): 63,6% responderam que participam das reuniões e

trabalhos coletivos, enquanto no 10 de Abril, este percentual se reduz para menos de 30%.

Nesta localidade, sobressai-se a participação somente nas reuniões (62%), o que pode lançar

alguma luz sobre a forma de organização e força cooperativa da comunidade. Vale ressaltar a

dificuldade apontada pelos moradores do Correntinho de participação nestas reuniões devido

à distância da localidade e ao fato de acontecerem à noite.

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Em termos de presença e efetividade da liderança, destaca-se, nas duas localidades, um

elevado nível para o respectivo indicador. Conforme evidenciado, o grau de participação dos

produtores em reuniões é elevado, o que possivelmente revela boa capacidade de liderança

dos líderes locais, que agrega e aglutina os membros do grupo para as reflexões e tomadas de

decisões coletivas, delegando poder aos participantes, que procuram diferentes formas de

atuação. Assim, o mecanismo pelo qual as problemáticas coletivas são socializadas e a forma

de se encontrar a solução para problemas comuns também se relacionam com liderança e

formação de capital social. As formas impositivas de solução denotam menor participação e

envolvimento dos agentes locais, reforçando a passividade e dependência em relação a

agentes externos ou ao próprio líder, evidenciando deficiência no ‘empoderamento’ da

população local. Deste modo, identifica-se, nas duas localidades, um elevado grau de

participação da população nos processos decisórios (82% na Malhada e 78,4% no 10 de

Abril), apontando que a tomada de decisão acerca dos problemas das localidades se dá de

forma democrático-participativa.

iv) Mobilização e ação política

As ações coletivas também são suporte de aspectos subjetivos, como autoconfiança e

segurança, os quais contribuem para condicionar a chamada autoridade ou capacitação

(empowerment), que se constituem na habilidade para tomar e influenciar decisões que

“afetam as atividades cotidianas e que podem mudar o curso de vida das pessoas”

(GROOTAERT et. al., 2003. p.21). Esses elementos garantem maior participação cidadã e

protagonismo social. Os resultados podem ser sentidos no melhor acesso a serviços e

benefícios para a comunidade.

Na categoria mobilização e articulação política, os agricultores podem estar

mobilizados através de petições, abaixo assinados, demandando do poder público, algum

benefício comunitário. Estas iniciativas se fazem menos presentes na localidade 10 de Abril,

considerando o período recente, se comparadas à comunidade Malhada, a despeito da

permanência de problemas estruturais locais (abastecimento de água, fechamento da unidade

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1527

escolar). Soma-se a isto a evidência de um baixo nível de articulação da comunidade com

líderes políticos e governo local, identificada a partir da avaliação de questões

complementares do instrumento de pesquisa. A comunidade Malhada apresenta índices mais

elevados de mobilização e articulação e influência política.

A fragilidade de mobilizações políticas também distancia líderes e governos locais,

prejudicando a percepção das necessidades da comunidade, além de fragilizar importantes

elos de cooperação em redes, diminuindo a influência política do grupo.

Na categoria acesso a serviços, os agricultores avaliam tanto questões de acesso geral,

quanto existência ou não de grupos de pessoas dentro da comunidade que estão excluídas de

acesso a serviços básicos. No caso do assentamento 10 de Abril, os principais problemas

enfrentados são saúde e educação, fato constatado pelo funcionamento precário da unidade de

saúde e pelo fechamento da única unidade escolar do assentamento. Em termos de exclusão, é

importante destacar a observação in loco da existência de uma parcela da população do

assentamento (moradores do Correntinho), com acesso restrito, ou muitas vezes não

beneficiada por determinados projetos (como, por exemplo, o projeto de reforma de moradia

que beneficiou apenas moradores da vila). Segundo informações da Ematerce, estas famílias

estão presentes desde a fundação do assentamento, mas em virtude de problemas na adaptação

cultural (muitos assentados são oriundos de diversas regiões do interior do Estado), preferiram

morar nesta localidade mais afastada. No caso da Malhada, 45,5% dos agricultores reforçaram

que todos têm acesso a serviços, não identificando exclusão de parcela da população a

qualquer serviço essencial.

Nas duas comunidades, na opinião dos agricultores, a dificuldade de acesso a serviços

tem influenciado na mobilização por políticas públicas, cuja iniciativa se origina

principalmente dos produtores e não das lideranças políticas locais.

Conforme esperado, apesar do reconhecimento da importância do monitoramento das

políticas públicas por parte da população na área de estudo, isto não representa a prática

efetiva observada nas comunidades, fato que se mostra consistente com a realidade de

agricultores rurais. Como consequência deste baixo nível de amadurecimento político, 60%

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dos agricultores do assentamento 10 de Abril e 73% da Malhada, afirmaram não serem

capazes de avaliar as políticas públicas implementadas em sua localidade, o que impossibilita

uma avaliação mais profunda do grau de adequação destas políticas aos reais problemas da

população local.

Assim, o índice IMAP se apresenta elevado, mas coloca em destaque, possivelmente,

as deficiências nas duas comunidades em influência e amadurecimento político, o que

possivelmente indicaria que estas se encontrariam em uma fase intermediária de

empoderamento, carentes de uma maior consciência crítica que possa transformar a situação

de receptores de políticas públicas pré-formatadas, para avaliadores mais críticos e

propositores de políticas que efetivamente se adequem às demandas locais.

v) Interações sociais, identidade e pertencimento

Destacam-se, como importantes elementos mobilizadores de capital social, a

ocorrência de frequentes interações cotidianas, cuja sociabilidade pode estar atrelada a

encontros sociais em espaços públicos, visitas e reuniões entre amigos e parentes, ligações

entre colegas de trabalho, vínculos religiosos etc. Bergamasco, Blanc-Pamard e Chonchol

(1997, p.57) apontam para o fato de que “nos assentamentos rurais as redes de relações

estabelecidas entre vizinhos e parentes se constituem em autênticas estratégias desenvolvidas

no espaço rural”.

Nessa categoria, considera-se a ideia de topofilia sugerida por Tuan (1980, p.5), vista

como “o elo afetivo entre as pessoas e o lugar ou ambiente físico. Difuso como conceito,

vívido e concreto como experiência pessoal”. Dos vínculos cotidianos, reforça-se a noção de

pertencimento e identidade, entre membros e comunidade. Assim, sugere-se que “o

sentimento de pertença surge das relações e interações que acontecem entre os moradores de

determinado lugar. Os encontros cotidianos geram afetividade e identidade coletiva”

(FREITAS, 2008, p.46).

No indicador interação e sociabilidade, os vínculos cotidianos se apresentam fortes,

percebidos pelo índicemuito alto na comunidadeMalhada (0,821) e alto no assentamento 10

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de Abril (0,732). Constata-se que 100% e 73% dos pesquisados (nas localidades Malhada e 10

de Abril, respectivamente) afirmam sobre a existência de predomínio de fortes vínculos de

família, vizinhança e amizade, traduzidos em encontros sociais frequentes.

Considera-se, ainda, que uma elevada homogeneidade interna entre membros da

comunidade possa contribuir para uma maior interação e sociabilidade, melhorando

confiança, facilitando troca de informações e tomada de decisões. É importante a ressalva de

que a homogeneidade pode comprometer certa diversidade de ideias e posições e o

consequente amadurecimento político dos membros da comunidade, mas só a primeira

perspectiva é considerada na composição dos indicadores deste trabalho.

No caso específico da área de estudo, esta homogeneidade se faz presente, visto que

atotalidade dos produtores pesquisados enfatizou a inexistência de grandes diferenças entre os

membros (97% e 91%, dos produtores, respectivamente nas comunidades 10 de Abril e

Malhada).

Relativamente à identidade e pertencimento, os valores dos indicadores mostram-se

elevados e semelhantes nas duas comunidades, o que pode estar associado à forte ligação dos

agricultores com o lugar, onde os principais elementos apontados para essa ligação são as

afinidades sociais e culturais das pessoas e a avaliação do lugar como possuidor de história e

culturas próprias. Destaca-se, no assentamento 10 de Abril,um certo orgulho pela história de

luta pela terra, remontado, ainda, a formação da comunidade Caldeirão.

Mais de 60% dos agricultores pesquisados apontam maior afinidade com habitantes de

sua localidade em relação às pessoas da sua idade, cidade ou região. Outro elemento que

reforça o sentimento de pertencimento, diz respeito ao fato de 100% dos entrevistados não

desejarem se mudar da sua localidade, elencando, como principais fatores, a existência de

vínculos com a terra e a atividade agrícola, vínculos afetivos e sentimento de tranquilidade

proporcionado pelo lugar.

Os elementos apontados explicam o elevado valor do índice interações, identidade e

pertencimento, para as duas comunidades estudadas. Percebe-se, aqui, como fortes vínculos

sociais, históricos e simbólicos, criam uma ligação com o lugar, produzindo forte sentimento

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de pertencimento, estimulando, assim, a produção de capital social não apenas pela

necessidade coletiva de obter renda ou serviços públicos, num contexto de adversidade, mas

também de valorização do espaço experienciado.

5 Capital social e políticas públicas: uma primeira aproximação

Longe de sinalizar para uma matriz consensual, as relações entre capital social,

políticas públicas e desenvolvimento constituem-se campo para amplas reflexões.

Na tradição culturalista de Putnam, um conjunto de características do capital social

como confiança, altos níveis de associativismo e atitudes positivas relativas ao

comportamento cívico podem contribuir para o melhor desempenho das instituições públicas,

podendo, também, incidir na promoção de instituições mais confiáveis.

Porém, para Baquero (2008), isso não significa que o contrário não possa ser

verdadeiro, ou seja, ações governamentais e instituições eficientes e eficazes podem contribuir

para a criação de capital social, conforma defendera Durston (1999).

A associação mais explícita do Estado como indutor e mobilizador do capital social é

defendida na abordagem de Evans. Para o autor, o Estado moderno “é a principal arena para a

mobilização das demandas sociais, que determinam o êxito da mobilização e organização

social”, tendo responsabilidade “por dar forma à ação coletiva e à interação social no âmbito

local”, tendo as condições institucionais para a mobilização (EVANS, 1986, apud SILVA,

2007, p.41).

Na observação da realidade das comunidades estudadas, constata-se o acesso a

programas e políticas federais e estaduais voltados a comunidades rurais, os quais são

executados e monitorados por instituições públicas, como a Emater e organizações do terceiro

setor, que atuam também na capacitação dos agricultores. Asong se submetem, muitas vezes,

a editais públicos, mas parecem atuar a partir de ações e políticas mais pontuais, não se

observando, de modo geral, o tratamento mais sistêmico no enfrentamento das problemáticas

locais.

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1531

Os agricultores avaliaram a contribuição dada pelo setor público para melhorar o

acesso a bens e serviços. Nas duas localidades, os serviços melhor avaliados são: acesso a

terra, oferta de financiamento à produção e oferta de insumos básicos, principalmente

distribuição de sementes.

Os pesquisados valorizam fortemente os programas de assistência técnica rural, mas

consideram insuficiente a atuação e acompanhamento das instituições.

No que diz respeito às organizações do terceiro setor no estímulo à formação de

consciência crítica e mobilização, a ampla maioria reconhece a intervenção positiva destas

instituições. No assentamento 10 de Abril, parecem ser fortes a atuação daACB, do MST e do

sindicato dos trabalhadores rurais (que possui liderança sindical nas duas comunidades). Os

agricultores da Malhada apontam, com participação mais atuante, a própria associação de

produtores e o sindicato dos trabalhadores rurais. Vale ressaltar o que destaca Baquero (2008,

p. 396-397), segundo o qual essas organizações “são consideradas como catalizadoras de

capital social, principalmente para as camadas mais pobres, dotando-as de capacidade

mobilizadora, via ação coletiva para assegurar um desenvolvimento comunitário mais

incidente nas suas vidas”.

Não se identificam, em implementação, planos mais gerais e estruturais voltados para

o desenvolvimento rural, seja pela iniciativa das instituições, seja pela demanda das

comunidades, que parecem demonstrar pouca capacidade técnica e amadurecimento político

para tal. Observam-se apenas iniciativas pontuais nessa direção, como retratado, através da

Ematerce, pela elaboração de um plano de manejo para a comunidade 10 de Abril, que

responde à necessidade de enquadramento em normas ambientais, já que tal comunidade se

localiza em uma Área de Proteção Ambiental - APA. Esses elementos, somados a pouca

influência de líderes locais, que priorizem tais demandas, refletem-se na precariedade de

atuação de políticos e governo municipal na geração de programas que respondam às

especificidades das comunidades locais. O baixo nível de interação das organizações da

sociedade civil e instituições públicas também somam para a ausência de programas mais

explícitos de desenvolvimento.

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1532

A forma como as comunidades têm acesso a serviços e políticas públicas envolve uma

via de mão dupla. As comunidades, ao disporem de informações sobre programas disponíveis

às populações rurais, muitas vezes procuram órgão técnicos ou se associam às organizações

sociais para enquadramento nos referidos programas. Por outro lado, as instituições públicas,

principalmente de apoio técnico, também apresentam às populações rurais novos programas

disponíveis, bem como as condicionalidades requeridas para o acesso. Nestes casos, os

produtores são muitas vezes induzidos a medidas associativas, como condição para

participação em certos programas, como é o caso da exigência de associação de produtores

em ambas as comunidades.

Quando determinados benefícios não são contemplados pelas políticas estatais, federal

e estadual, fica mais nítida a insuficiente intervenção do governo local, vista na persistência

de certos problemas antigos das localidades, como a precariedade de serviços de transporte

público, de infraestrutura de estradas (nas comunidades o acesso se dá por meio de estradas

carroçáveis), mais evidente no período de chuvas e no caso da comunidade 10 de Abril, o

recorrente problema de acesso à água. Na percepção dos produtores, governos e líderes locais

não consideram ou consideram muito pouco, as preocupações manifestadas pelos agricultores

na tomada de decisões políticas que afetam a comunidade. Na maioria das vezes, sua atuação

se restringe a políticas e programas formatados de cima para baixo, ou na ação em situações

emergenciais, sobretudo no prolongamento do período de estiagem, onde se destacam

medidas mitigadoras como o abastecimento de água através de carro pipa, e o seguro safra,

que se soma a outros programas como o bolsa família para a garantia de uma renda mínima

para estes agricultores.

Porém, a infraestrutura disponível nas localidades, tanto física, como a que diz

respeito à formação de capital humano, é ainda precária e limitada para o fortalecimento do

capital social estrutural. Percebe-se forte anseio dos agricultores por uma gestão de políticas

públicas que avance mais numa perspectiva participativa, como meio de atuação mais eficaz

nos problemas que afligem o setor rural.

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1533

6Considerações finais

Os assentamentos estudados, 10 de Abril e Malhada, têm igualmente histórias de lutas

e de conquistas, onde o fortalecimento da classe de trabalhadores rurais em busca, não de uma

utopia, mas de uma realidade possível, são respostas para aqueles que não acreditam que a

união, a organização e, sobretudo, a luta consciente e constante são capazes de vencer as mais

duras batalhas.

O estudo das referidas comunidades mostrou que as famílias de trabalhadores rurais

desenvolvem estratégias de organização e associação, de maneira a permitir sua permanência

na terra, que deve se traduzir em melhores formas de convivência no campo.

A análise das dimensões constitutivas do capital social permite concluir, de modo

geral, que as duas comunidades apresentam alto índice de capital social (0,763 para Malhada

e 0,691 para o assentamento 10 de abril), porém, percebe-se que ao passo que algumas

dimensões apresentam valores elevados, indicando um sólido nível de capital social, em

outras constata-se certa fragilidade. Neste sentido, a tipologia utilizada por Nahapiet e

Ghoshal (1998) parece pertinente à presente análise.

Assim, as duas comunidades mostram-se consolidadas no chamado capital social

cognitivo, apresentando fortes laços de comunhão e solidariedade, o que tem se traduzido em

nítidas ações colaborativas, intensificação de valores comunitários, interações sociais

frequentes e o fortalecimento da identidade com o lugar.

No que diz respeito ao capital social relacional, os dois grupos tem avançado na

confiança e nas formas de organização e articulação interna, na discussão dos problemas

locais e na participação nos processo decisórios.

Em relação ao capital social estrutural, as duas comunidades estudadas apresentam

pouco amadurecimento político, demonstrando limitações para fiscalizar e avaliar as políticas

públicas das quais são beneficiadas, bem como possuem fracas interações institucionais e

pouca influência política, que se refletem em um baixo nível de densidade e estabilidade da

rede de interações. Ou seja, constatam-se fragilidades no tocante ao linking social capital, que

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como visto, refere-seaos tipos de relações em que pessoas economicamente desfavorecidas

interagem com agentes em postos de decisão em organizações formais.

No acesso destas famílias às políticas públicas, depreende-se, da percepção dos

agricultores edas informações de técnicos da Ematerce e ACB, que há um leque considerável

de políticas públicas disponíveis à população rural, porém, apresentam-se pré-formatadas e

impostas de cima para baixo, em muitos casos insuficientes face às necessidades da referida

população. Outra observação relevante, é que na leitura dos produtores há pouca participação

de políticas públicas no âmbito local, prevalecendo intervenções oriundas dos governos

estadual e federal, sendo limitada a participação do governo local a situações pontuais e

emergenciais.Por fim, deve-se mencionar a falta de um plano de desenvolvimento para as

localidades, possuindo apenas o assentamento 10 de Abril um plano de manejo, o que na

realidade limita a intervenção pública numa abordagem de longo prazo, confirmando a

ausência de uma abordagem territorial para a gestão das políticas públicas.

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CAPITAL SOCIAL NO PROCESSO DE GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO

TERRITORIAL

Tallita Soares Justino17

Yunna D’avila Carvalho Batista18

Valéria Feitosa Pinheiro19

Resumo: O presente estudo propõe contribuir com algumas reflexões teóricas sobre Capital Social nos

processos de gestão do desenvolvimento territorial. Entendendo o capital social, como um conjunto de

recursos capazes de promover a melhor utilização dos ativos econômicos pelos indivíduos, que o torna

fundamental e indispensável para o êxito na prática da gestão do desenvolvimento territorial. A partir

do qual, os representantes das organizações e instituições atuam no planejamento e consecução de

ações direcionadas à promoção de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que

constituem os processos de desenvolvimento territorial. Nesse sentido, o desenvolvimento territorial

deve ser entendido como um processo complexo capaz de engendrar mudança estrutural, empreendida

por uma sociedade organizada territorialmente, com vistas à dinamização econômica e à melhoria da

qualidade de vida de sua população. Para tanto, o presente estudo apoia-se, sobretudo, na revisão de

literatura, tendo como objetivo compreender os efeitos dinamizadores e potencializadores do capital

social sobre a gestão do desenvolvimento territorial. Chegando à conclusão de que o fortalecimento

das relações de confiança, reciprocidade e cooperação, importantes para o estabelecimento da

comunicação, o entendimento, a formação de redes e do civismo, constituem fatores altamente

positivos e indispensáveis no processo de desenvolvimento territorial.

Palavras - Chaves:Capital Social; Gestão Territorial; Desenvolvimento Territorial

1 Introdução

17Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Crato, CE. E-

mail:[email protected]. Telefone: (88) 9663-3899 18 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Crato, CE.E-

mail:[email protected]. Telefone: (88) 9245-9413 19 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri. Email:

[email protected]. Fone: (088) 9965-7314

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1539

O desenvolvimento territorial deve ser entendido como um processo complexo capaz

de engendrar mudança estrutural, empreendida por uma sociedade organizada

territorialmente, sustentado na maximização dos capitais e recursos (materiais e imateriais)

existentes no local, com vistas à dinamização econômica e à melhoria da qualidade de vida de

sua população. Assim, para Abramovay (2000), trata-se da construção de um novo sujeito

coletivo que vai exprimir a capacidade de articulação entre as forças dinâmicas de uma

determinada região.

É a partir do entendimento do capital social que se desmitifica que a sociedade é um

conjunto de indivíduos independentes, cada um agindo para alcançar objetivos individuais

e/ou coletivos, mas de forma individual; que o funcionamento do sistema social consiste na

combinação destas ações dos indivíduos independentes. Portanto, a noção de capital social

permite ver que os indivíduos não agem independentemente, que seus objetivos não são

estabelecidos de maneira isolada e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta.

Neste sentido, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, um ativo de capital de que

os indivíduos podem dispor (COLEMAN apud ABRAMOVAY, 2000). Mas é nas redes

institucionais formadas por sindicatos, associações e cooperativas, entre outras, que ocorre o

encadeamento de iniciativas para discutir políticas governamentais ou demandas da

sociedade, buscando convergências para a implantação de novas iniciativas de interesse de

grupos de indivíduos, desenvolvendo predisposições atitudinais por parte das pessoas, no

sentido de estarem motivadas a se engajar em ações que redundem na obtenção de um bem

coletivo. Nesse sentido, deve-se atuar voltando à “percepção das capacidades e

potencialidades locais, a partir de políticas de coordenação e promoção das iniciativas sociais”

(SOUZA FILHO, 2000, p. 4). Fortalecendo, portanto,

[...] a auto-organização social, estimulando a prática de soluções colaborativas para

problemas comuns e promovendo a participação e a abertura ao diálogo com os

diversos integrantes das comunidades regionais (SOUZA FILHO, 2000, p.6).

O estabelecimento das redes institucionais pressupõe, portanto, amplos processos de

engajamento cívico que, por sua vez, faz-se necessária a presença de relações interpessoais,

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1540

com destaque para a confiança, o conhecimento mútuo, a sintonia de valores e aceitação,

importantes para que as atividades coletivas sejam devidamente realizadas e os seus

resultados possam ser alcançados, de forma homogênea, por todos os envolvidos. Pois é a

partir de uma nova figuração do sistema social, baseado na fortificação de relações

interpessoais entre atores/agentes e na maior participação em organizações/instituições, isto é,

na consolidação do capital social, que se desenvolve um novo processo de gestão do

desenvolvimento territorial. Esse novo desenvolvimento territorial, agora, é dirigido e

promovido por uma sociedade organizada com indivíduos diretamente engajados em

atividades que combinam os recursos do capital social com outros tipos de capital

(econômico, humano, físico entre outros).

É nessa perspectiva que foi desenvolvido este estudo, buscando compreender a

importância do capital social como elemento fundamental na promoção do processo de gestão

do desenvolvimento territorial, proporcionando um leque de possibilidades e dinamicidade

para o desenvolvimento das localidades.

2 Uma abordagem preliminar dos aspectos teóricos-conceituais do Capital Social

A conceituação de capital social foi formulada e contida inicialmente no artigo Actes

de laRechercheenSciencesSociales, em 1980, do sociólogo Pierre Bourdieu. Neste trabalho, o

autor refere-se ao termo como sendo o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à

posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou

reconhecimento mútuo (BOURDIEU apud PORTES, 2000, p. 134).

[...] ao longo de toda a sua análise, Bourdieu acentua a conversibilidade das diversas

formas de capital e a redução, em última instância, de todas essas formas a capital

económico, definido como trabalho humano acumulado. Assim, os actores podem

alcançar, através do capital social, acesso directo a recursos económicos

(empréstimos subsidiados, informações de negócios, mercados protegidos); podem

aumentar o seu capital cultural através de contactos com especialistas ou com

pessoas cultas (i. e., capital cultural incorporado); ou, em alternativa, podem filiar-se

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1541

em instituições que conferem credenciais valorizadas (i.e., capital cultural

institucionalizado). (PORTES, 2000, p. 135)

Constata-se que o conceito de capital social, embora não seja novo, ganhou

notoriedade a partir do livro de Robert Putnam publicado em 1993, com o título

MarkinDemocracyWork: Civic Traditions in ModernItaly (Comunidade e Democracia: E

experiência da Itália Moderna), onde o capital social é definido por três fatores inter-

relacionados: confiança, normas e cadeias de reciprocidade e sistema de repartição cívica,

sistemas que permitem as pessoas cooperar, ajudar-se mutuamente, zelar belo bem comum

(DIAS, 2005).Verifica-se que o capital social depende, fundamentalmente, da estrutura de

relações sociais para existir.

Nesse sentido, os vínculos estabelecidos a partir das relações entre as pessoas facilitam

o fluxo de informações, principalmente no que se refere a inovações e oportunidades de

mercado; aumentam a disponibilidade de crédito e reduz seu custo; funcionam como

credenciais sociais que facilitam o acesso de agentes econômicos a recursos disponíveis nas

redes (SILVA et al, 2006).

O conceito de capital social também é pauta de discussão do Banco Mundial que

define capital social referindo-se às instituições, valores, atitudes e as relações estáveis de

confiança, reciprocidade e cooperação que podem contribuir para reduzir os custos de

transação; produzir bens públicos; e facilitar a constituição de organizações de gestão de base

efetivas, de atores sociais e de sociedades civis saudáveis; e para o desenvolvimento

econômico e a democracia (DALLABRIDA, 2006a).

Outros autores, como Coleman apud Candeias (2005) entende o conceito de capital

social, da perspectiva do indivíduo para a perspectiva do grupo. Ele traz as relações entre

grupos, e não só entre indivíduos como fez Bourdieu, como fonte de vantagens. Por outro

lado, ambos os autores admitem a intangibilidade do capital social, pois se o capital

econômico pode ser facilmente mensurado e o capital humano é dado a partir das

características individuais o capital social dependerá das relações entre os sujeitos. Dessa

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1542

forma, o capital social não está no ambiente e nem nas pessoas, mas nas relações, nos

vínculos que são construídos e, que trazem benefícios de curto e longo prazo.

Coleman (1988; 1996) apud Albagli e Maciel (2002), em seus primeiros esforços para

analisar o capital social, em escolas públicas e católicas, chegou à conclusão de que se tratava

do conjunto de recurso intrínsecos nas relações familiares e na organização social comunitária

e que são úteis para desenvolvimento cognitivo ou social de uma criança ou de um jovem.

Não obstante, eles se aprofundam ainda mais nos estudos e verificam que capital social deve

ser entendido em uma estrutura teórica mais ampla, onde pode entender o vínculo causal entre

capital social e acesso a recursos.

A definição apresentada por Coleman (1988, p. 98) apud Milani (2005) é de que o

capital social é “a habilidade de as pessoas trabalharem juntas em grupos e organizações para

atingir objetivos comuns”. O capital social deve ser analisado tanto individualmente,

avaliando a capacidade de relacionamento do indivíduo, aliado às expectativas de

reciprocidade e do modo de se comportar que, conjuntamente, auxiliam a eficiência

individual, quanto em um caráter coletivo, em que, o capital social tenderia a manter a coesão

da sociedade, de acordo com as normas e o modo de negociar em situação de conflito tanto

nas escolas quanto na vida pública, e contribuiria para a criação de um modo de vida segundo

a associação espontânea, enfim, numa sociedade mais aberta e democrática.

No estudo realizado por Reis (2003) sobre a estrutura analítica dos argumentos

desenvolvidos por Putnam (1996) no clássico Comunidade e Democracia, procurando

explicar as diferenças de engajamento cívico e governos regionais efetivos, o capital social é

apontado como recurso capaz de facilitar a cooperação voluntária entre os agentes sociais,

sendo assim, desnecessário o uso da força coercitiva. Ele seria decisivo para a “instauração

dos círculos virtuosos favorecedores do bom desempenho institucional”. Embora o conceito

de capital social não esteja explícito durante toda a exposição.

Daí o consenso entre alguns autores de que Coleman traz uma definição bem mais

ampla que a de Putnam, por incluir, nos seus trabalhos, todas as maneiras através das quais as

relações sociais podem contribuir para a produção: desde a reciprocidade e a confiança entre

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1543

os agentes, laços horizontais, e até mesmo organizações verticais que intencionalmente, ou

não, resolvam os problemas de ação coletiva (MONASTÉRIO, 2002). Mas, na verdade cada

autor tem contribuído significativamente, a seu modo, para a análise do capital social que

pode ser visto sob várias ópticas. É nessa perspectiva que Albagli e Maciel (2002), percebe

que Coleman (1990), em seus estudos, pretende explicar os efeitos das relações sociais,

enquanto que Putnam (1996) preocupa-se em buscar formas de regenerar a saúde política da

sociedade.

Apesar das diferenças em termos conceituais do capital social, Assunção (2013)

constata que os estudos de Bourdieu (1986), Coleman (1986) e Putnam (1996) corroboram

com a ideia de que o Capital Social pode ser considerado de grande valia quando analisado

nos aspectos de confiança dentro das redes de relacionamento, fortalecendo, assim, os laços

denominados fortes, que contribuem para a realização de certos objetivos que na sua ausência

não seria possível.

Apresentando mais semelhanças do que aparenta, Putnam (1996) admite na construção

de sua definição de capital social, citando o próprio Coleman (1990), que o capital social

assim como outras formas de capital20, é produtivo, por gerar fluxos de rendimento aos

indivíduos e a sociedade, e conclui dirigindo o conceito: diz respeito a certas características da

organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a

eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas (REIS, 2003).

Na concepção de Putnam (1996), apesar do capital social ser abordado com definições

amplas, operacionalmente ele está presente nas associações e as normas de cooperação entre

os indivíduos. As associações civis, por sua vez, contribuem para a eficácia e estabilidade de

governos democráticos, à medida que provoca efeitos “internos”, incutindo em seus membros

hábitos de cooperação, solidariedade e senso de responsabilidade comuns em

empreendimentos coletivos e público; e “externos”, promovendo a articulação e agregação de

20 O autor refere-se ao capital físico e ao capital humano. Considerando que o primeiro termo diz respeito ao capital

construído pelo homem, que inclui a infraestrutura etc., enquanto que, o segundo termo indica às habilidades, conhecimentos

e criatividade com que os indivíduos contribuem para a vida econômica (KLIKSBERG, 1999).

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1544

interesses que se intensificam com a densa rede de associações secundárias. Considerando que

a reciprocidade mútua das instâncias públicas e privadas aumentaria o potencial

transformador para o bem-estar da sociedade. Entendendo, assim, que as associações

favoráveis para o desempenho econômico seriam aquelas que congregam “agentes que tem o

mesmo status e o mesmo poder” (MONASTÉRIO, 2005).

Em relação as ações econômicas dos sujeitos, Granovetter (1985) apud Monastério

(2005), mesmo sem utilizar a expressão de capital social, no trabalho EconomicActionandthe

Social Structure: theproblemofembeddedness, percebe as ações econômicas dos agentes como

inseridas numa rede de relações sociais. Os indivíduos realizam suas escolhas dentro de uma

determinada “malha de conexões” com outros agentes, importante para a promoção da

confiança e de relacionamentos cooperativos. Diferentemente da economia neoclássica que

percebe o indivíduo como atomizado, desconsiderando, assim, as relações sociais existentes.

Isso não significa dizer que o capital social não pode ser um instrumento para práticas de ação

racional, o diferencial está no fato de que essa prática deve ser norteada pelo papel da

estrutura social.

Os autores que trabalham com a teoria do capital social sinalizam que a reprodução

das relações sociais modifica a estrutura social, o modo de agir dos agentes, originando elos

de obrigações subjetivas, como sentimentos de gratidão, respeito e amizade, que de certa

forma potencializam o capital social.

Paldam e Svendsen (1999) apud Monastério (2005) cogitam a inclusão do capital

social diretamente na função de produção como um fator, assume o capital social como um

argumento adicional na função de produção. Dessa forma, admitindo sua produtividade, é

também capaz de elevar a produtividade dos outros fatores: capital, trabalho, tecnologia e

capital social.

Considerando o fator tecnologia, sempre esteve presente na origem das revoluções

industriais, principalmente, como um importante instrumento para o aumento da

produtividade e redutor de custos. Para tanto, sempre foi e ainda é necessário a ocorrência de

modificações no gerenciamento e na organização das empresas como pré-condição para que

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ocorra melhoramentos tecnológicos. Embora se tenha passado despercebido, o fato de que, as

inovações tecnológicas fazem parte das transformações sociais e institucionais, devendo ser

entendida e vinculada aos processos de mudança e inovação social que a viabiliza

(ALBUQUERQUE, 1998).

Haja vista a necessidade de se estabelecer um novo modelo de desenvolvimento, que

não esteja calcado na produção em massa, orientado para o consumo padronizado, que seja

capaz de promover a flexibilização produtiva e a fragmentação do consumo. Essa nova ordem

busca promover modificações nas estruturas institucionais para que se possa realizar a

flexibilização dos mecanismos operativos, agora mais descentralizadas, flexíveis e atentas à

diversidade identitária21, respeitando as pluralidades culturais e políticas de cada região

(FONTES, 1999).

A noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem independentemente,

que seus objetivos não são estabelecidos de maneira isolada e seu comportamento nem

sempre é estritamente egoísta, nesse sentido, as estruturas sociais devem ser vistas como

recursos, como um ativo de capital de que os indivíduos podem dispor (ABRAMOVAY,

2000). Comprovado por Vidal (2004) apud Silva et al. (2006), que o capital social aumenta as

habilidades dos indivíduos, fortalece as organizações, estabelece elos entre os indivíduos e

entre as organizações, aumentando, então, a capacidade da comunidade.

Na busca de realizar uma síntese das principais abordagens sobre o “capital social”, o

Quadro 01, Milani (2005) organizou algumas concepções que facilita a compreensão de sua

definição, variáveis e ênfase, a partir da perspectiva de Pierre Bourdieu, James Coleman,

Robert Putnam, Mark Granovetter e John Durston.

Quadro 01: Síntese de algumas definições de capital social

Autor Definição Variáveis Ênfase

Conjunto de recursos

reais ou potenciais

A durabilidade e o

tamanho da rede

Parte do princípio de que o capital

e suas diversas expressões

21 Definido por Fontes (1999) como fator identidade (que pode ter uma base étnica, comunitária, profissional, etc)

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1546

Pierre

Bourdieu

resultado do fato de

pertencer, há muito

tempo e de modo

mais ou menos

institucionalizado, a

redes de relações de

conhecimento e de

reconhecimento

mútuos

de relações. As

conexões que a

rede pode

efetivamente

mobilizar

(econômicas, históricas,

simbólicas, cultural, social)

podem ser projetadas a diferentes

aspectos da sociedade capitalista e

a outros modos de produção,

desde que sejam considerados

social e historicamente limitados

às circunstâncias que os

produzem.

James

Coleman

O capital social é

definido pelas suas

funções. Não é uma

única entidade

(entity), mais uma

variedade de

entidades tendo duas

características em

comum: elas são uma

forma de estrutura

social e facilitam

algumas ações dos

indivíduos que se

encontram dentro de

uma estrutura social.

Sistema de apoio

familiar. Sistema

escolares

(Católico) na

constituição do

capital social nos

EUA.

Organizações

horizontais e

verticais.

Adeptos da teoria da escolha

racional (e de suas aplicações na

sociologia), acredita que os

intercâmbios (social exchanges)

social seriam o somatório de

interações individuais.

Robert

Putnam

Refere-se aos

aspectos da

organização social,

tais como redes,

normas e confiança

que facilitam a

coordenação e a

cooperação para

benefício mútuo.

Intensidade da

vida associativa

(associações

horizontais),

leitura da

imprensa, número

de votantes,

membros de

corais e clubes de

futebol, confiança

nas instituições

Na visão de Putnam, a dimensão

política se sobrepõe a dimensão

econômica: as tradições cívicas

permitem-nos prever o grau de

desenvolvimento, e não contrário.

A “performance institucional”

está condicionada pela

comunidade cívica.

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1547

públicas,

relevância do

voluntariado.

Mark

Granovetter

As ações econômicas

dos agentes estão

inseridas em redes de

relações sociais

(embeddedness). As

redes sociais são

potencialmente

criadoras de capital

social, podendo

contribuir na redução

de comportamentos

oportunistas e na

promoção da

confiança mútua entre

os agentes

econômicos.

Duração das

relações

(consideradas

positivas e

simétricas).

Intimidade.

Intensidade

emocional.

Serviços

recíprocos

prestados.

Granovetter critica as duas visões

do comportamento econômico: a

visão neoclássica, que ele

qualifica de subsocializada, visto

que percebe apenas os indivíduos

de forma atomizada,

desconectados das relações

sociais; e a estruturalista e

marxista, que ele qualifica de

supersocializada, porquanto os

indivíduos são considerados em

dependência total de seus grupos

sociais e do sistema social a que

pertencem.

John

Durston

Corresponde ao

conteúdo de certas

relações sociais-

aquelas que

combinam atitudes de

confiança condutas de

reciprocidade e

cooperação-que

proporcionam

maiores benefícios

àqueles que o

possuem.

Confiança.

Reciprocidade.

Cooperação

O capital social está para o plano

das condutas e estratégias como o

capital cultural está para o plano

abstrato dos valores, princípios,

normas e visões de mundo.

Tipologia de capital social:

individual (relações entre pessoas

em redes egocentradas), grupal

(extensão de redes egocentradas),

comunitária (caráter coletivo, ser

membro é um direito), de ponte

(acesso simétrico a pessoas e

instituições distantes), de escala

(relações assimétricas que, em

contexto democráticos,

empoderam e produzem sinergias)

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1548

e da sociedade como um todo

Fonte: adaptado de Milani (2005)

Portanto, o capital social pode ser considerado um fator de produção intangível, sendo

fundamental a confiança mútua, reciprocidade e cooperação no seu fortalecimento, de modo a

estruturar as relações sociais, objetivando promover ações que individualmente seriam pouco

ou nada eficazes. No entanto, como fatores externos é importante que se promovam elos

institucionais, formando um rede, de modo que potencialize as ações do grupo.

3 Redes institucionais na perspectiva do capital social: o empoderamento dos atores

sociais no processo de gestão do desenvolvimento territorial

O desenvolvimento de redes desempenha papel importante na construção de um

indivíduo cívico capaz de mobilizar e defender ativos, uma vez que apresentam elementos

necessários para aumentar a capacidade de organização dos atores/agentes que passam a ser

preparados para serem atuantes no processo de gestão do desenvolvimento, seja ele no âmbito

territorial ou regional (BASSO et al, 2003). Para tanto, pressupõem, ainda, amplos processos

de transferência de conhecimento, como estratégia indispensável para fortalecer a conexão e o

envolvimento dentro das redes.

[...] as redes sociais são construídas através da comunicação e de estratégias de

investimento nas relações sociais a fim de alcançar fontes de benefícios, sejam

emocionais, operacionais e financeiros. Além disso, ressalta a importância do capital

social, para o sucesso nessas conexões, onde, o capital social é visto como um bem

social em virtude das conexões dos atores envolvidos e das redes da qual fazem

parte, que se refere diretamente às conexões entre os indivíduos (BOURDIEU, 1998,

apud LORETO, 2012, p.6).

Nesse processo de mudança os indivíduos evoluem, saem de uma zona de conforto da

passividade, para se tornarem agentes ativo, capazes de imprimir uma nova imagem da

realidade de identificar problemas e coletivamente encontrar soluções. Os recursos

necessários para a transformação desse novo indivíduo se encontra no estabelecimento do

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capital social, uma vez que ele possui a capacidade de desenvolver as predisposições

atitudinais, no sentido de estimular os indivíduos a se envolverem em ações coletivas. Um

agir coletivo e consciente promovido pelo desejo da melhoria da qualidade de vida de uma

comunidade (BAQUEIRO, 2006). Dessa forma, o território produtivo resultaria de uma

construção dos atores organizados para atingir metas e concretizar objetivos que redundam no

bem coletivo.

A formação de uma rede institucional pressupõe como característica principal a forte

presença de relações de reciprocidade, facilidades nos canais de informações, de intercâmbio

e maior predisposição para internalização de normas, possibilitando conexões de cada um dos

membros dessas redes com outros membros, cujas ligações se dão por meio de estruturas

formais e informais. Sendo importante ressaltar que tanto no sentido econômico quanto

político a cooperação voluntária é imperativa para alcançar objetivos comuns.

As redes institucionais, de um modo geral, são compostas por atores institucionais,

isto é, representam diferentes indivíduos unidos em um contexto social e que buscam um

mesmo objetivo, benefício e satisfação.

De maneira geral, são considerados atores institucionais de um determinado

território, os seguintes representantes: administração pública municipal,

representações locais da administração pública estadual ou federal ligadas ao setor

produtivo (Ex. EMATER, SENAI, SENAC, SEBRAE, SENAR...); associações

comerciais, industriais e de serviços; sindicatos patronais e de trabalhadores;

institutos ou fundações técnicas; escolas técnicas; Universidades, principalmente.

(DALLABRIDA, 2006 b, p.18)

A atuação desses atores institucionais só se dará na compatibilização dos processos

utilizados nas respectivas instituições de acordo com as características potenciais de diferentes

territórios ou comunidades. Putnam (2002) sublinha que a eficiência das instituições é

condicionada fortemente por vários aspectos das relações sociais, sejam eles laços de

confiança, normas, sistemas, redes de interação e cadeias de relações sociais.

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1550

É por meio da interação e da sintonia entre os agentes sociais e os agentes

institucionais que será desenvolvida a troca de valores com a introdução de técnicas das

instituições para alavancar o desempenho das redes institucionais.

Dessa forma, uma participação mais efetiva dos cidadãos deriva da intensidade com

que um indivíduo se envolve em associações, no seu sentido amplo, sejam formais ou

informais, pois quanto maior sua participação, maiores são as possibilidades de desenvolver

virtudes cívicas que tangibilizem o bem coletivo.

As evidências empíricas, na América Latina, advêm das experiências de Villa El

Salvador no Peru; das feiras de consumo popular na Venezuela e do orçamento participativo

em Porto Alegre; mostrando que a existência de capital social na promoção de cidadãos mais

efetivos está associada à promoção do desenvolvimento e da participação comunitária, bem

como ao apoio a políticas públicas governamentais (KLIKSBERG, 2000). A existência de

redes institucionais possibilita que uma comunidade tenha maior poder de negociação com

outros agentes externos, o que permite uma maior mobilidade social (BOURDIEU, 1998 apud

FONTENELE et al., 2011).

As redes institucionais têm um papel fundamental e indispensável no processo de

empoderamento22(empowerment), de desenvolvimento social, bem como no processo de

estruturação de ações coletivas, à medida que são capazes de unir pessoas, estender os laços

sociais, integrar atores sociais com diferentes posições sociais, que acabam levando as

pessoas a agirem para melhorar suas condições de vida, mobilizar e defender ativos.

É nessa perspectiva que Salanek Filho (2006) afere que uma comunidade organizada,

com relações sociais consistentes e engajamento cívico estará mais unida, o que implica em

maior poder de competitividade e geração de capital social. A teoria do capital social, ao dar

centralidade à teia de relações que se estabelecem entre os diversos atores sociais, indutiva de

uma maior dinamização socioeconômica, reconhece os efeitos e as sinergias geradas pela

qualidade e diversidade das instituições, bem como do potencial gerado pelo grau de interação

e cooperação entre estas.

22 Diz respeito à democratização do poder que se efetiva com o aumento das possibilidades e da capacidade das

populações influírem nas decisões públicas (FONTENELE, 2011 et al.).

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Nesse contexto, as redes institucionais são apontadas como estruturas capazes de

facilitar a cooperação voluntária dos atores sociais, bem como fortalecedoras de componentes

essenciais do capital social tais como: relações de confiança, espírito coletivo, predisposição a

aceitação de normas. Portanto, as redes institucionais são necessárias para o processo de

desenvolvimento territorial, além do mais, suas estruturas são capazes de estimular o

desenvolvimento da capacidade dos indivíduos em promover ligações dinâmicas que levam a

abertura de novas oportunidades com base no aperfeiçoamento do tecido institucional de cada

região.

Assim, as redes conferem ao território a condição de meio inovador, estas são

criadoras de saberes, normas e valores locais capazes de construir uma matriz de

desenvolvimento, tornando-o um espaço socioterritorial onde ocorrem dinâmicas de

aprendizagens coletiva geradoras de respostas inovadoras às alterações nas condições de

enquadramento da atividade econômica local, isto é, o território torna-se um meio inovador na

medida que é capaz de expressar suas habilidades coletivas e sua mobilização nos

procedimentos mais ou menos informais, a partir do qual, os indivíduos são envolvidos em

uma extensa rede de relacionamentos interpessoais, que fazem avançar as problemáticas

econômicas propriamente regionais, bem como suas soluções (DALLABRIDA;

FERNANDEZ, 2007).

4 A gestão e o desenvolvimento territorial com base no capital social

Após salientar os aspectos e a importância do capital social e sua composição em

diferentes redes, a discussão gira em torno do desenvolvimento territorial que está longe de

ser sancionada e solucionada. Pois ao passo que se presencia a inovação de técnicas,

equipamentos e tecnologias deste sistema cada vez mais globalizado surgem e continuam

outros dilemas que prejudicam a evolução do desenvolvimento. Nesse sentido, busca-se

relacionar o desenvolvimento territorial em consonância com os atores sociais, a governança

territorial em determinada região ou localidade que tratem o capital social como elemento

fundamental para o processo de desenvolvimento territorial.

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Deve-se considerar que o território não se resume a nomenclatura atribuída,

geralmente, a um pedaço de terra, mas, sim, considerá-lo num conceito mais amplo,

envolvendo aspectos geográficos, culturais, sociológicos, políticos, dentre outros. Na

perspectiva de que Albagli (2004) afirmam que o território não se reduz à sua dimensão

material, mas que as relações entre indivíduos ou grupos em determinada localidade ou região

faz surgir um sentimento de pertencimento, uma territorialidade de nível individual e coletivo.

Um território pode ter seu processo de instituição iniciado de forma exógena, mas

ter o seu “desenho”23 legitimado pela população local, que dele se apropria e nele se

reconhece. Por outro lado, agentes locais despossuídos de representatividade e

legitimidade podem iniciar um processo de instituição territorial supostamente

endógeno, sem que consigam o reconhecimento da população local.(DE PAULA,

2004, p. 76-77)

Dessa forma entende-se que o desenvolvimento se dará por responsabilidade da

atuação dos agentes que estão inseridos em determinado local e território. Com outras

palavras, Flores (2006, p. 4) sustenta que o conceito de território

[...] incorpora o jogo de poder entre os atores que atuam num espaço. Como

resultado desse jogo de poder, se define uma identidade relacionada a limites

geográficos, ou ao espaço determinado. O território surge, portanto, como resultado

de uma ação social que, de forma concreta e abstrata se apropria de um espaço (tanto

física como simbolicamente), por isso denominado um processo de construção

social.(FLORES, 2006, p. 4)

Torna-se claro que o desenvolvimento territorial é resultado da articulação de

diferentes atores atuando na coletividade num determinado espaço. Assumimos, então, o

conceito de desenvolvimento territorial entendido por Dallabrida e Fernandez (2007), que o

toma a partir de sua dimensão intangível tendo como principal causa a capacidade coletiva

para realizar ações de interesse social. Nesse sentido o desenvolvimento territorial refere-se a

um processo de mudança estrutural empreendida por uma sociedade organizada em um

23 Para o autor o desenho territorial depende da ação de um sujeito que institui um território.

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território historicamente construído através de interrelações dos atores sociais, econômicos e

institucionais, conquistado a partir de relações de poder sustentado na potencialização dos

capitais, nos recursos existentes e em motivações políticas, culturais, econômicas, sociais e

religiosas, emandadas do estado, grupos sociais ou corporações, instituições ou indivíduos,

com vista na melhoria na qualidade de vida de sua população.

A partir dessa nova definição do desenvolvimento territorial, um conjunto de atores

que exercem papel de liderança localmente, denominado bloco socioterritorial, constituídos

por um conjunto heterogêneo de atores com interesses divergentes, e não poucas vezes

conflituosos, representativos dos diferentes segmentos da sociedade organizada

territorialmente, assume um papel de protagonistas como instituinte do processo de gestão do

desenvolvimento. No entanto, é fundamental que sua articulação ocorra através de

procedimentos voluntários de conciliação e mediação, ou seja, através de processos de

concertação social, instituindo-se esta como norma no processo de gestão do desenvolvimento

(DALLABRIDA, 2007).

Fica evidente que para ocorrer o processo de desenvolvimento territorial é

fundamental que exista um outro processo o de organização territorial, isto é, o processo de

gestão territorial para gerir, principalmente, os assuntos públicos a partir do envolvimento

conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais. A esse respeito

Dallabrida (2007, p. 56) apresenta a seguinte percepção:

Uma prática qualificada de governança territorial é um requisito indispensável para a

efetivação da gestão social dos territórios, com vistas ao desenvolvimento territorial.

A gestão do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação público-

privada, implica numa revalorização da sociedade, assumindo o papel de

protagonista, com postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das

estruturas estatais nas suas diferentes instâncias.

Não tão distante dessa percepção, Dowbor (2006) é adepto da concepção de que para

um desenvolvimento alternativo é indispensável a existência de um Estado forte, no entanto,

não precisa ser pesado no topo, com uma burocracia arrogante e rígida. Será mais bem um

Estado atuante e que responde e presta conta aos seus cidadãos. Sobretudo em um Estado que

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se apoia amplamente numa democracia inclusiva na qual os poderes para administrar os

problemas serão idealmente manejados localmente, restituídos às unidades locais de

governança e ao próprio povo, organizado nas suas próprias comunidades. Daí a participação

comunitária, o seu envolvimento direto nos assuntos da gestão racional dos recursos

localmente disponíveis, aparece como um mecanismo regulador complementar,

acrescentando-se ao mercado que constitui o mecanismo regulador dominante do setor

empresarial, e ao direito público administrativo que rege a ação dos órgãos do Estado.

Dowbor (2006) enfatiza, ainda, a importância dos trabalhos realizados por Robert

Putnam, pois mostram a que ponto os mecanismos participativos não só complementam a

regulação do Estado e do mercado, mas constituem uma condição importante da eficiência

destes mecanismos. Defende que o capital social aparece como fator importante da qualidade

da governança de um território determinado. O estudo sobre a Itália e, sobretudo, na análise

dos Estados Unidos, que Putnam mostra a importância da capacidade de organização da

sociedade em torno aos seus interesses como um elemento chave da racionalidade do

desenvolvimento em geral.

O capital social rompeu com todos os paradigmas, conseguiu modificar a ideia

convencional de capital, na medida em que amplia o alcance do ator social. O indivíduo deixa

de ser considerado isoladamente e interage na coletividade com a sociedade. Na verdade,

passa a ser um construtor e reprodutor de laços de coesão, a partir dos quais facilita ações

coordenadas para lidar com dilemas coletivos (WOOLCOCK, 1998 apud RIBEIRO, 2012).

Com base em Ribeiro (2012), reafirma-se que o capital social – assim como outras

formas de capital, como o econômico, o humano e o natural – é mais um componente do

desenvolvimento a ser analisado e, a partir da sua observação, torna-se possível promover

trajetórias socioeconômicas diversas; construir oportunidades de desenvolvimento por meio

de redes sociais de negociação; possibilitar maior relação entre investimento econômico e

social; e, por fim, redefinir o espaço público local/regional a partir da negociação entre

variados interesses para construir a ideia de que as iniciativas locais de desenvolvimento

devem ser estimuladas.

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Dallabrida (2006c) avança ainda mais no debate e destaca o papel da densidade

institucional e do capital social territorial, conceitos que estão inter-relacionados, como

elementos explicativos para o êxito na prática da gestão do desenvolvimento territorial. Diante

dessa abordagem, fica evidente que o autor é também adepto da ideia de que a presença mais

significativa deste tipo de capital nos territórios ou regiões, constitui-se um fator altamente

positivo e benéfico para a institucionalização de processos qualificados de governança

territorial, essenciais para a gestão eficiente do desenvolvimento territorial. Seus componentes

constitutivos, tais como a cooperação, a confiança, a reciprocidade, o civismo e o bem-estar

coletivo, são fundamentais para que ocorra a prática da concertação público privada, através

da qual se efetiva a governança territorial.

As abordagens acima mencionadas autoriza postular que o desenvolvimento territorial

não deve ser totalmente descentralizado, é necessário, também, a atuação do Estado nacional

assim como a da própria Região, com seus atores sociais, econômicos e institucionais. Dessa

forma, a reestruturação das relações organizacionais, criando e reforçando redes

intergovernamentais e redes público-privadas, precisam tornar-se capazes de intermediar as

relações com os atores mais poderosos (DALLABRIDA, 2010).

Nos dias atuais, a ausência dos componentes do capital social e a predominância dos

elementos (egoísmo, individualismo, competitividade etc.) do sistema capitalista sobrepondo

aos sentimentos de companheirismo, civismo, pertencimento, confiança, reciprocidade,

fatores culturais, entre outros, contribuindo para a intensificação das disparidades dentro de

uma mesma região e fora dela. Senetra e Cunha (2012, p.5) esclarecem que:

As relações exercidas sobre o espaço-território nos dias atuais são de uma

complexidade muito grande e, devido ao modo de produção capitalista ter

dinamizado o território a partir de novas necessidades de circulação de pessoas,

informações/comunicações e mercadorias, as transformações no cotidiano das

pessoas também se alteraram sensivelmente.

Verifica-se que a mudança de paradigma na gestão do desenvolvimento territorial

torna-se emergência, no entanto Cunha (2000, p. 58) ressalta que,

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1556

A questão torna-se mais complexa tendo em vista que nos processos de

desenvolvimento capitalista afloram interesses divergentes entre os diferentes atores

individuais e coletivos que atuam num determinado território, os quais têm diversas

e conflitantes percepções da realidade.

O processo do desenvolvimento territorial encontra vários níveis de complexidade de

acordo com cada região ou local, em decorrência de diferentes questões que exigem

proporcionalidade de contribuição dos atores sociais, das redes, da governança territorial, tem

uma relação direta com a dinâmica (social, econômica, cultural e política) dos diferentes

territórios.

5 Conclusões

Levando-se em consideração as diversas abordagens aqui apresentadas acerca do

capital social no processo de desenvolvimento territorial, percebe-se que há um consenso

acerca da importância do capital social para o fortalecimento do tecido institucional, de modo

que o beneficiamento coletivo leva a promoção do desenvolvimento territorial.

Em que, a prática qualificada de governança territorial é um requisito indispensável no

processo de gestão do desenvolvimento territorial, que implica na revalorização da sociedade,

assumindo o papel de protagonista, sem no entanto diminuir o papel das estruturas estatais nas

suas diferentes instâncias.

Vale destacar que a união dos atores/agentes de forma institucionalizada, como

sindicatos e associações, e inseridos numa rede institucional, onde cada instituição

desempenha o seu papel com objetivos comuns, fortalece o capital social, possibilitando o

processo do desenvolvimento de um território em bases sólidas.

Dessa maneira, os indivíduos fazem rapidamente conexões cada vez mais firmes

através das redes institucionais que, do ponto de vista de Marteleto e Silva (2004), devem se

ampliar para criar ligações com outras comunidades semelhantes e assim ampliar o alcance de

suas ações, que atribuem mais indivíduos nesse cenário de redes, como é o caso dos atores

institucionais, que agregam o conhecimento, a técnica e a parceria por meios de inúmeras

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instituições estas são importantes para o desenvolvimento das capacidades dos indivíduos

para concretização de relações necessárias para o desenvolvimento territorial.

É a partir do sistema de governança territorial, entendido como o conjunto de

estruturas em rede, que atores e instituições territoriais atuam no planejamento e consecução

das ações voltadas ao desenvolvimento territorial.

Chegando à conclusão de que as estruturas de base para o capital social, como as

relações de confiança, reciprocidade e cooperação, juntamente com os benefícios

proporcionados pelas redes institucionais, são fundamentais para o estabelecimento da

comunicação, o entendimento, o civismo, constituindo fatores altamente positivos e

indispensáveis no processo de gestão do desenvolvimento territorial.

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DESIGN E INCLUSÃO: projeto de acessibilidade para cadeirantes no espaço do Museu

do Crato CE

Rita Edevanira de Sá Carneiro24

Silvana Morais de Souza25

Yagara de Lima Alves26

Renato Fernandes Feitosa27

Resumo:Tendo em vistaque a disponibilidade a arte e cultura são de direito e inclui acessibilidade a

ambientes como escolas, museus, prédios históricos e outros ambientes que promovem conhecimento

aos indivíduos e entendendo os designers como sujeitos ativos na sociedade e detentores de

conhecimento e técnicas de identificação e solução de problemas sociais, com o dever de colaborar e

agir no sentido de promover o bem-estar da sociedade civil, a presente pesquisa tem por objetivo

principal propor a solução de um problema de acessibilidade ao Museu do Crato para pessoas com

mobilidades físicas reduzida, especificamente “cadeirantes”.

Palavras-chave:design, acessibilidade, ergonomia.

Abstract:Considering that art and culture are guaranteed by law and includes access to environments

such as schools, museums, historic buildings and other environments that promote the knowledge to

the people and understanding that the designers as active subjects in society and owners of

knowledge and techniques to identify and solve social problems, with the duty to cooperate and act to

promote the well-being of civil society, this research aims to propose a solution to a problem of

accessibility to the Crato Museum for people with limited physical mobility, wheelchair users

specifically.

Key-words: design, accessibility, ergonomics.

1. INTRODUÇÃO

24(88) 35320706 [email protected] 25(88) [email protected] 26(88) 35320706 [email protected] 27 Professor Orientador. (88) 3572 0771

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A disponibilidade a arte e cultura são garantidas por lei e inclui acessibilidade a

ambientes como escolas, museus, prédios históricos e outras ambientes que promovem

conhecimento aos indivíduos. Como exemplo tem-se a Lei Estadual nº 13.126/2001, que cria

o programa de remoção de barreiras arquitetônicas ao portador de deficiência, o decreto de nº

5.296/2004, estabelecendo acessibilidade aos meios físicos, de transportes, à comunicação e à

informação para pessoas com deficiência físicas, entre outros. Outra norma é a Lei de

Acessibilidade de Nº 10.098/2000, que estabelece as condições de alcance para pessoas com

deficiência ou com mobilidade reduzida, tendo segurança e autonomia, nos espaços

mobiliários e equipamentos urbanos, edificações, transportes e nos sistemas e meios de

comunicação.

Como sujeitos ativos na sociedade e detentores de conhecimento e técnicas de

identificação e solução de problemas sociais, os designers tem o dever de colaborar e agir no

sentido de promover o bem-estar da sociedade civil. Neste âmbito, deve contribuir no meio

social para que haja melhores condições de acessibilidade para todas as pessoas

(RODRIGUES, 2009, p. 85).

Essa prática nomeada por Gui Bonsiepe (2011, p. 21) por “humanismo projetual”

direciona o exercício das capacidades projetuais para interpretar as necessidades de grupos

sociais e elaborar propostas viáveis, emancipatórias, seja em forma de artefatos instrumentais

ou semióticos. Assim, justifica-se o desenvolvimento desta pesquisa.

Foi identificado um problema de acesso ao espaço público do museu Vicente Leite,

localizado na cidade do Crato, Ceará, o qual está tombado pela Lei Estadual nº 9.109 de 30 de

Julho de 1968, que entende que tombamento é “proteger o patrimônio histórico e Artístico

Nacional”. E em face desta realidade foram pensadas em soluções que não prejudicassem as

estruturas e ao mesmo tempo fossem adequadas às necessidades dos deficientes físicos e foi

criado um projeto em que se buscou promover, através da prática projetual, a acessibilidade

de pessoas com deficiência física ou com capacidade motora reduzida no espaço.

Assim, o presente artigo tem por objetivo principal propor a solução de um problema

de acessibilidade ao Museu do Crato para pessoas com mobilidade físicas reduzida,

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especificamente “cadeirantes”. Por objetivos específicos, tem-se: identificar as principais

dificuldades de pessoas “cadeirantes”, sobretudo em museus, em galerias, em exposições ou

qualquer outro evento desta natureza; Identificar através de estudos ergonômicos, as normas

existentes para acesso de cadeirantes a espaços públicos de cultura e lazer; conceituar pela

sociologia, design e ergonomia os esforços direcionados no sentido do entendimento e

solução de problemas sociais; elaborar um produto para a solução do problema de

acessibilidade para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida aplicando uma

metodologia projetual do design.

2. DESENVOLVIMENTO

O Museu está localizado no centro da cidade, na Rua Senador Pompeu, nº 502,

próximo a Catedral da Sé. Foi edificado em 1877 para servir de cadeia pública.

O acesso ao Museu é feito por uma porta corrida simples de larga dimensão e três

degraus à moda antiga de onde está uma antessala que dá acesso para a primeira sala, também

com dois degraus bem altos, embora a porta seja larga. Seguindo em frente, a antessala dá

vista para um espaço aberto, arejado dando acesso as demais dependências, que para adentrar

é necessário ultrapassar os degraus. No final do prédio existe uma escada de alvenaria que dá

acesso para o piso superior. Esse acesso está localizado onde antes era a “solitária”, daí ser

um espaço bem pequeno.

Como se pode perceber, pela descrição acima, existe a necessidade de uma via de

acesso para o portador de mobilidade reduzida e o “cadeirante” desde a entrada e continua no

interior do prédio, uma vez que todos os acessos às salas possuem degraus. Diante deste

contexto, apresenta-se o seguinte problema de pesquisa: como pode reduzir problemas de

acesso a um espaço público tombado?

O prédio que abriga o Museu de Arte será reformado de modo que, além da

restauração do acervo, haverá também a reestruturação e readequação do espaço físico de

modo que atenda às necessidades de pessoas portadoras de deficiência. A acessibilidade do

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meio físico pode ser efetuada por meio da construção de rampas de acesso e banheiros

adaptados, instalando piso tátil e adequando o meio urbano e demais espaços.

Sendo assim, em face do princípio constitucional de que todos têm acesso à educação

e de que o museu é um espaço educativo, vê-se a necessidade de criar meios de acesso para

pessoas portadoras de necessidades especiais nestes locais por meio de desenvolvimento de

produtos capazes de promover a inclusão deste público nos espaços promovedores de cultura,

educação e lazer.

2.1Referencial Teórico

2.1.1 Design, Regionalismo e Humanismo Projetual

O termo design tem sido bastante aplicado em diversos aspectos. Ouvimos falar sobre

um produto que apresenta design moderno, sobre design thinking, design de produtos, entre

outras inúmeras aplicações da palavra. Gui Bonsiepe (2011, p. 18) afirma que houve uma

popularização da palavra porque “o design se distanciou da ideia de solução de problemas e se

aproximou do efêmero, da moda, do obsoletismo rápido, do jogo estético formal e até mesmo

do mundo dos objetos”. O autor cita também que os meios de comunicação de massa passam

a impressão de que “o design se transformou em evento midiático, em espetáculo”, fugindo

do seu objetivo que é “solução inteligente de problema”. Neste sentido ainda afirma que:

A respeito da terminologia uso tanto o termo projeto, como o termo design, que,

como se sabe, não são coextensivos. Projeto se refere à dimensão antropológica de

criação e formação de artefatos materiais e simbólicos, enquanto design significa um

modo de atividade projetual de capitalismo tardio... A tradição de design por

desenho também foi infeliz, porque o design (no sentido de projeto) pode ser

realizado sem a colocação de esboços no papel”. (BONSIEPE, 2011, p.13)

Isto desperta o pensamento sobre o verdadeiro significado de tal termo, instigando

uma curiosidade sobre uma definição “ideal”. Uma relevante definição, que pode nos ajudar a

ter uma melhor compreensão é: "Design é um processo de resolução de problemas

atendendo às relações do homem com seu ambiente técnico”. (LÖBACH, 2000, p. 14)

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Diante de tal afirmação pode-se entender que o design é uma ferramenta que busca

melhorar os produtos em seus aspectos funcionais, estéticos, ergonômicos assim

como procura adequar os produtos a práticas de humanismos projetual, para atender as suas

necessidades.

Uma ciência que atua no atendimento das necessidades de conforto e adequações

físicas é a ergonomia. ItiroIida (2006, p. 02) afirma que também existem muitas definições e

todas devem observar a maneira interdisciplinar e seu objeto de estudo que é “a interação

entre o homem e o trabalho no sistema homem—máquina-ambiente”. Existem diversas

associações nacionais de ergonomia e cada uma tem sua própria definição. A Associação

Brasileira de Ergonomia apresenta a seguinte definição:

Ergonomia é o estudo das interações das pessoas com a tecnologia, a organização e

o ambiente, objetivando intervenções e projetos que visem melhorar de forma

integrada e não dissociada, a segurança, o conforto, o bem-estar e a eficácia das

atividades humanas”. (idem. ibdem)

Além de aspectos ergonômicos, estéticos e funcionais devem-se atender as

necessidades do público alvo no que diz respeito a princípios éticos, culturais e até mesmo

jurídicas. Ezio Manzini (2008, p. 16) afirma que os “designers podem ser parte da solução

porque são os atores sociais que, mais do que os outros, lidam com as interações cotidianas

dos seres humanos com seus artefatos”. Nesse sentido, complementa-se com o conceito de

Humanismo projetual:

Humanismo projetual é o exercício das nossas capacidades projetuais para

interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas viáveis,

emancipatórias, em forma artefatos instrumentais e semióticos (...) Porque o

humanismo implica a redução da dominação e, no caso do design, atenção aos

excluídos, aos descriminados, como se diz eufemisticamente no jargão economista,

os economicamente menos favorecidos, ou seja a maioria da população do planeta

(BONSIEPE, 2011, p. 21).

Dessa maneira procurou-se conciliar a função do humanismo projetual, com a essência

da profissão designer, a qual busca soluções para as necessidades daqueles cidadãos que se

encontram no grupo de indivíduos que são o nosso público alvo. Afinal, como afirma

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Rodrigues (2005, p. 96) “ser design é antes de tudo criar uma consciência de que seu trabalho,

também é social, não é casual, portanto exige esforço intelectual”.

Do mesmo modo que busca melhorar o ambiente físico e social que se encontra

o indivíduo. Tal processo é bem explicado no trecho a seguir:

Designers podem e devem ter outro papel, tornando-se, portanto, parte da solução.

Isso é possível porque no ‘código genético‘ do design está registrada a ideia de que

sua razão de ser é melhorar a qualidade do mundo. É a partir deste ponto que

devemos recomeçar, repensando qual é a qualidade do mundo que o design,

seguindo sua profunda missão ética, deveria promover. (MANZINI, 2008, p.15)

Tendo em vista o valor da identidade regional mostrando-se para o design como “uma

fonte de matéria-prima autêntica e valiosa” (RODRIGUES, 2009, p. 92), se procurou

representar o âmbito cultural vivido não só pelo público a quem se direciona esta pesquisa,

como aos demais cidadãos, pelo fato de o Museu do Crato estar situado em um local onde a

cultura é fortemente evidenciada influenciando diretamente a vida das pessoas.

Para atender aos objetivos estipulados, tomaram-se como primícias os resultados das

pesquisas com cadeirantes membros da Associação dos Cadeirantes de Juazeiro do Norte.

Através de suas falas foi possível perceber que o maior problema enfrentado pelos cadeirantes

é com relação ao acesso aos serviços públicos, uma questão da mobilidade. De acordo com a

Cartilha Acessibilidade e Museus:

Um dos desafios da acessibilidade ao patrimônio e aos museus está na capacidade de

os grupos interessados nos diferentes tipos de acessibilidade conseguirem bons

níveis de articulação, mobilização e militância”. (IBRAM, 2012)

Nesse tocante, propõe-se a elaboração de um projeto com proposta de acessibilidade

que atenda a Lei nº11. 904, de 14 de janeiro de 2009, que “institui o Estatuto de Museus e dá

outras providências”, considera como um dos princípios fundamentais dos museus “a

universalidade do acesso”. (Idem, p.11)

2.2 Metodologia

A presente pesquisa é de natureza aplicada e de abordagem essencialmente qualitativa,

sendo seus objetivos atingidos de forma exploratória com pesquisa bibliográfica por meio de

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livros, artigos e trabalhos científicos, com coleta de dados por meio de sites relacionados,

redes sociais, por meio de observação participante e levantamento por meio de entrevistas

realizadas com o público alvo.

Uma etapa importante do projeto foi a elaboração do briefing, pois segundo o livro

DesignThinking do Tim Brown:

Quase como uma hipótese científica, o briefing é um conjunto de restrições mentais

que proporcionam as equipes de projeto uma referência à parte da qual começar,

benchanmarck por meio das quais será possível mensurar o processo e um conjunto

de objetivos a serem atingidos: níveis de preço, tecnologia disponível, segmento do

mercado e assim por diante (BROWN, 2010, p. 22).

As restrições a serem seguidas foram anexadas ao brienfing. As limitações projetuais

determinadas inicialmente eram as dificuldades de se modificar a estrutura interna do museu,

bem como deveria haver o respeito às leis ergonômicas para cadeirantes.

Paralelo a isso, foram realizadas visitas ao museu de Paleontologia de Santana do

Cariri e ao Museu do Padre Cícero, no Horto, em Juazeiro do Norte, bem como, passou-se a

observar informalmente portadores de deficiência com o intuito de conhecer a fundo as

questões relacionadas à acessibilidade.

Após a elaboração dos insights iniciais, foram realizadas visitas a dois membros da

associação de Cadeirantes de Juazeiro do Norte, Ceará, onde foi aplicada uma entrevista

semiestruturada, aquela que possuí uma sequência de perguntas já elaboradas, mas que podem

ser alteradas de acordo com a resposta dos entrevistados.

indicações de entrevista elucidada a seguir:

Entrevista é uma conversa com objetivo. Ela pode ser informal, semiestruturada ou

estruturada. (...) Naquela estruturada segue uma sequencia de perguntas previamente

elaboradas. Na semielaborada, existem perguntas, mas elas podem ser alteradas ao

de acordo com as respostas (IIDA, 2005).

Dessa maneira foi criada uma proposta que busca atender as necessidades de pessoas

com deficiência física ou com mobilidade reduzida, para que elas obtenham um melhor e mais

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fácil acesso não só ao espaço interno do museu, mas também acessibilidade ao conteúdo

cultural e artístico do mesmo.

Buscou-se atender com esse produto não apenas a população local, mas também aos

futuros turistas com necessidades locomotivas diferenciadas, que o museu pode receber.

Além da aplicação de metodologias de pesquisa científica mencionadas, foi adotado

uma metodologia projetual.

2.2.1. Metodologia Projetual de design

De acordo com Löbach (2001, p. 141) “O trabalho do designer industrial consiste em

encontrar uma solução do problema, concretizada em um projeto de produto industrial,

incorporando as características que possam satisfazer as necessidades humanas, de forma

duradoura”.

Diante disso, foram utilizadas algumas etapas (Tabela 1) sugeridas por sua

metodologia projetual, visando alcançar uma solução para a problemática deste trabalho por

meio da criação de um produto. As etapas desta metodologia serão descritas na Tabela a

seguir:

Tabela 1 – Etapas Metodologia Projetual

Etapa Ações previstas

1. Problema Identificação;

2. Fase de

Preparação:

Análise da necessidade; análise da relação social (homem-produto); análise da relação com ambiente (produto-

ambiente); desenvolvimento histórico; análise do mercado; análise da função (funções práticas); análise estrutural

(estrutura de construção); análise da configuração (funções estéticas); análise de materiais e processos de fabricação;

legislação e normas; análise de sistema de produtos (produto-produto); distribuição, montagem, manutenção; definição

das características do novo produto; exigências para com o novo produto.

3. Fase da

geração:

- Conceitos do design;

-Geração de alternativas;

-Modelos.

4. Fase da

avaliação:

-Avaliação das alternativas de design;

-Escolha da melhor solução;

-Incorporação das características ao novo produto.

5. Fase de -Solução de design; Projeto mecânico; Projeto estrutural; Configuração dos detalhes; Desenvolvimento de modelos;

Desenhos técnicos; desenhos de representação; documentação do projeto, relatório.

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realização:

6. Solução

Fonte: Löbach, 2001, pág.- 142

3. CONCLUSÃO

3.1 resultados

3.1.1 Fase de identificação do problema

Inicialmente foi realizada a primeira visita ao museu do Crato (pesquisa de campo)

onde se pôde verificar uma gama de problemas existentes no local a espera de soluções. A

partir daí, já tendo noção da problemática apresentada pelo museu se deu início a as pesquisas

bibliográficas acerca do tema, ampliando-se os conhecimentos sobre este assunto.

O museu do Crato passou a ser o objeto de estudo e, através disto, descobriu-se a

riqueza cultural e histórica que o mesmo possuí, o que o torna atrativo a pessoas que a ele tem

acesso.

Sabendo então que portadores de deficiência vivenciam uma maior dificuldade para

visitar espaços públicos do que as outras pessoas, devido às poucas condições de

acessibilidade que estes espaços oferecem, foi escolhido o público alvo a ser trabalhado:

deficientes físicos, mais especificamente os cadeirantes.

Definido o público alvo e tendo em mão uma lista dos problemas encontrados no

museu foi escolhido o problema que tratava da organização do acervo dos quadros existentes

no museu. É importante ressaltar que este problema foi escolhido baseado apenas em

sugestões dos membros da equipe com relação a possíveis dificuldades que os cadeirantes

encontram em ambientes de exposições visuais.

Para colher mais informações sobre o público-alvo aconteceu mais uma pesquisa de

campo, desta vez realizada com dois membros de uma Associação de Cadeirantes de Juazeiro

do Norte, onde foi feita uma entrevista semiestruturada e, por meio dela percebeu-se a

dificuldade real encontrada pelos cadeirantes quando estão em ambientes públicos: a

locomoção.

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1571

A partir deste contato mais próximo com o público alvo ocorreu que a primeira

problemática escolhida não era tão importante quanto à problemática citada pelos próprios

cadeirantes durante a entrevista. Diante disso houve uma mudança no foco da pesquisa, e o

problema em questão passou a ser o acesso dos cadeirantes ao espaço interno do museu.

3.1.2 Fase da geração

As etapas citadas anteriormente foram fundamentais para a iniciação do processo

criativo que começou a ser desenvolvido através de um exercício coletivo realizado pelos

membros da equipe iniciaram-se os estudos acerca do referencial histórico que o produto a ser

criado deveria conter, chegando-se à conclusão que a imagem das platibandas históricas

existentes nas faixadas de algumas construções e ainda presentes na cidade do Crato, da

região do Cariri e do Brasil, dotadas de beleza e ricas em detalhes serviriam como conceito

para a construção do produto final deste trabalho. Estes estudos de forma sintética resultaram

em um painel do conceito (Figura 1).

Figura 1 – Painel do conceito: “a geometria que toca o céu pelo mundo”

Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.

Posteriormente foi realizado outro exercício para estimular a criatividade, onde, por

meio de analogias pensava-se em vários produtos que tivessem capacidade de resolver o

problema carente de solução. Neste caso, usou-se a analogia – elevar (subir/descer), uma vez

que existindo no museu vários degraus na entrada das salas e estes não possuírem nenhum

mecanismo de acessibilidade para os cadeirantes, deveria se pensar em produtos que usando a

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lógica de subir e descer solucionasse a problemática de deslocamento desses deficientes

dentro do museu.

A partir daí começaram a surgir várias alternativas (Figura 2) que estão demonstradas

a seguir:

Figura 2 – Rascunhos: geração de alternativas

Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.

Foi considerada a possibilidade de sugerir desde a construção de elevadores

semelhante aos dos ônibus, até a instalação de rampas convencionais.

No entanto, nenhuma das alternativas acima foi colocada em prática, pelo fato de o

museu não ser dotado de espaço adequado para a execução dessas ideias e, até mesmo porque

sendo o museu do Crato um monumento histórico tombado, o mesmo não pode ter sua

estrutura física alterada, tornando ainda mais inviável as hipóteses relatadas acima.

3.1.3 Fase da avaliação

Com um pouco mais de análise das opções chegou-se à conclusão de que produto a ser

criado seria uma plataforma móvel de acesso. Este produto foi escolhido pelo fato de ser

adaptável em cada entrada do museu, sem que a sua estrutura seja modificada, e também por

ser um produto inovador e que não exige uma grande quantidade de materiais para ser

produzido.

A plataforma de acesso (Figura 3) tem a capacidade de transportar os cadeirantes de

um local para o outro assumindo o papel de uma rampa, facilitando assim o trajeto dos

mesmos dentro do museu para que possam ter acesso a uma maior quantidade de salas,

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contemplando ainda mais todo o espaço. Pode-se ter uma noção de como ela funciona de

acordo com a figura abaixo:

Figura 3 – Alternativa escolhida: rampa de acesso

Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.

3.1.4 Fase de realização

Nesta etapa foi construído um mockup do produto (Figura 4). A plataforma de acesso

foi pensada de modo a contemplar os padrões ergonômicos existentes, tanto na adequação ao

espaço, como aos usuários. Ela não deve ser confundida com uma rampa convencional pelo

fato de que uma rampa acessível precisa de, no mínimo, 150 cm de largura, diferente da

plataforma de acesso que foi construída de acordo as medidas da porta e dos degraus, mas que

permite a passagem dos cadeirantes, visto que uma cadeira de rodas possui 70 cm de largura.

Figura 4 – Mockup do produto

Autor: Luciana Santos.

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Ambos os lados dos degraus são ladeados por cortinas com duplo corrimão, um a 90

cm e outro a 75 cm, respectivamente, e um terceiro situado mais abaixo que serve de encaixe

para a plataforma, que fica dobrada quando não está sendo utilizada, mas que pode ser

rapidamente montada de acordo com a necessidade, basta que seja desencaixada e aberta

sobre os batentes.

Outro fator de acessibilidade é o piso tátil existente na plataforma confeccionado com

um material que permite uma boa aderência e com diferenciação de textura, e adornado com

elementos belíssimos inspirados nas platibandas históricas existentes na cidade do Crato,

deixando o produto com uma identidade regional marcante.

3.1.5 Solução

Esta sessão contempla as especificações técnicas do produto (Figura 5). A plataforma

de acesso é composta por dois corrimãos que, ao serem fixados na parede e no chão, devem

ficar posicionadas nas laterais, de que fiquem bem apoiados, de um lado e de outro do degrau.

Cada corrimão dispõe de duas barras de aço inox posicionada a 90 cm o primeiro é a 75 cm o

segundo, medidas ergonomicamente adequadas a pessoas com deficiência. Uma terceira barra

está localizada mais abaixo, onde por meio de ganchos existentes nela, fica encaixada a

plataforma, quando a mesma encontra-se fechada. Para a utilização da plataforma deve-se

dispor de um guia (pessoa responsável pelo trajeto da visita ao museu), que possa manuseá-la

e colocá-la na posição ideal para a passagem da cadeira de rodas.

Figura 5 – Especificações técnicas da rampa de acesso

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Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.

Primeiramente, devem-se retirar os ganchos que prendem a plataforma, em seguida

abri-la de modo que fique reta e então baixa-la sobre os degraus, fazendo isso primeiro de um

lado e em seguida do outro. Isto pode ser bem observado no desenho técnico do produto,

acima citado.

A plataforma de acesso é um produto capaz de se adequar as portas que possuem

degraus, por isso ela deve ser produzida de acordo com as medidas do local onde ela vai ser

utilizada (medida dos degraus e da porta). No caso desta foi projetada com as seguintes

medidas: Largura: 120 cm (60 cm para cada lado). Cumprimento: 148 cm. Materiais

adequados: Para os corrimãos - Aço inoxidável (inox) por possuir uma maior resistência a

impacto e a fatores climáticos externos. Para a plataforma: chapas de aço por serem resistentes

ao peso e a corrosão. Para o piso tátil: Fita antiderrapante que reveste a chapa de aço, visando

à segurança dos que tiveram acesso ao produto. Dobradiças e parafusos de aço com pinos de

segurança e travas em alguns locais da plataforma para garantir o reforço da mesma.

3.1 considerações finais

A presente pesquisa teve por objetivo principal propor a solução de um problema de

acessibilidade ao Museu do Crato para pessoas com mobilidades físicas reduzida,

especificamente “cadeirantes”. O museu foi tombado pela Lei Estadual nº 9.109 de 30 de

Julho de 1968, que entende que tombamento é “proteger o patrimônio histórico e Artístico

Nacional”, não podendo ter sua estrutura física alterada. Optou-se pela criação de uma

plataforma móvel de acesso, pelo fato de ser adaptável em cada entrada do museu, sem que a

sua estrutura seja modificada, e ainda por ser um produto inovador e de baixo custo,

atingindo-se o objetivo principal da pesquisa. Foi identificado, através das entrevistas com o

público-alvo, que a dificuldade real encontrada pelos cadeirantes quando estão em ambientes

públicos é a locomoção. Para a confecção da plataforma foram realizados estudos

ergonômicos sobre as normas existentes para acesso de cadeirantes a espaços públicos de

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cultura e lazer. Através de orientações nas áreas de sociologia, design e ergonomia, os

esforços foram direcionados no sentido do entendimento e solução de problemas sociais. Foi

elaborado o produto para a solução do problema de acessibilidade para cadeirantes e pessoas

com mobilidade reduzida aplicando uma metodologia projetual do design.

O produto proposto não foi efetivamente construído e, portanto, por hora, a análise de

seu funcionamento fica restrita à análise abstrata. Porém, dados os objetivos da pesquisa

enquanto prática didática do curso de design de produto foi possível concluir que a plataforma

de acesso supostamente teria a capacidade de facilitar o acesso dos cadeirantes ao interior do

museu assumindo o papel de uma rampa, contemplando também mais espaços no interior,

preservando as limitações impostas pelo briefing ao criar uma proposta que interferisse o

menos possível com a construção original aliando princípios visuais ligados ao regionalismo e

ergonômicos, na adequação do produto aos usuários e espaço. O projeto contempla ainda uma

função social auxiliando na solução para um problema real de um público específico.

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LÖBACH, Bernd. Design Industrial: Bases para a configuração de produtos industriais.

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MANZINI, Ezio. Design para a Inovação Social e Sustentabilidade: comunidades

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SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO DO CEARÁ. Casa de Câmera e Cadeia do

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DIAGNÓSTICO SOCIOECONÔMICO DOS CATADORES DE RESÍDUOS SÓLIDOS

ATUANTES NO LIXÃO DE IGUATU

AnnyKariny Feitosa28

Mônica Maria Siqueira Damasceno29

Kevin Brasil da Silva30

Priscila Gonçalves Marinho31

RESUMO: A aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS estabelece diretrizes

relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos no Brasil, tendo o catador como um ator

importnte na coleta dos materiais reutilizáveis e recicláveis, com gestão compartilhada entre poder

público e sociedade civil. O presente projeto teve como objetivo identificar o perfil socioeconômico de

catadores atuantes no município de Iguatu. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica eentrevistas

aplicadas a 22 catadores que atuam no lixão do município de Iguatu. Como resultados, encontrou-se

que 86% dos entrevistados são do sexo feminino, reconhecem- se como de cor parda, e alegam que

não possuem o ensino fundamental completo. Sobre a renda, 55% informaram que percebem renda

inferior a 1/2 salário mínimo. Todos os consultados são beneficiados do programa Bolsa Família e

77% recebem ainda a dedução referente à tarifa social de energia elétrica (baixa renda). Quando

questionados sobre o desejo de retomar os estudos, 50% demonstram interesse, além de manifestarem

o desejo de ampliar o conhecimento e de auxiliar os filhos nos processos de aprendizagem escolar.

Sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, todos os participantes mencionaram não possuir

conhecimento da existência desta política, nem sabiam precisar o papel do catador neste processo. Foi

observado que não existe apoio na formação destes atores por nenhuma instituição. Assim sendo, urge

a necessidade da formulação de programas que oportunizem a estes agentes o desenvolvimento das

competências necessárias para atuarem nos termos da PNRS.

28Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected]

29Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected]

30Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected]

31Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected]

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Palavras-chave:Catadores; Perfil Socioeconômico; Política Nacional de Resíduos Sólidos

1. INTRODUÇÃO

Com o advento da aprovação da lei 12.305, de 02 de agosto de 2010, que institui a

Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL, 2010) e estabelece diretrizes

relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos, promove-se a inclusão e

integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis com gestão compartilhada

entre poder público e sociedade civil.

Neste sentido, a PNRS tem como destaque a inserção do conceito de responsabilidade

compartilhada, o incentivo ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de

associação de catadores como forma de uma ação socioambiental.

Entretanto, a criação e a plena efetivação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo

de vida dos produtos, de forma individualizada e encadeada, envolvendo fabricantes,

importadores, distribuidores, comerciante, poder público e consumidores nas várias cadeias de

produção e consumo, são um grande desafio para a implementação da PNRS. Outro ponto

importante é a inserção da participação efetiva dos catadores nas ações de responsabilidade

compartilhada, conforme um dos objetivos da PNRS descritos no Art. 7º, inciso XII da Lei

12.305/2010.

Parafraseando Gonçalves (2005), a partir do ano 2002, a ocupação de catador de

material reciclável foi incluída na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, sendo

atribuições deste profissional: catar, selecionar e vender materiais, como papel, papelão e

vidro, bem como, materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais reaproveitáveis.

Contudo, o catador ainda é considerado inútil para grande parcela da sociedade, bem como

aqueles que trabalham com o lixo são associados a sua matéria prima e recebem, também, os

seus estigmas.

Não obstante esta realidade social, os principais mecanismos de operacionalidade da

PNRS priorizam a participação e a atuação estratégica e incisiva dos catadores de resíduos e

suas cooperativas. Inegavelmente, a PNRS e sua regulamentação trouxeram grandes desafios

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aos catadores de materiais reciclados, que precisarão mudar os modelos atualmente adotados

para o êxito de sua implementação, por não estarem, em sua maioria, organizados para

assumir tal incumbência. Inclusive, por falta de conhecimento da existência da legislação e de

outras políticas públicas de gestão de resíduos sólidos.

São diversos os desafios enfrentados pelos catadores de materiais reciclados no

modelo de gestão de resíduos sólidos, definido pela Lei Federal 12.305/2010 e que veio a ser

regulamentado pelo Decreto Federal 7404/2010, consolidando papéis extremamente

importantes para as cooperativas de reciclagem, onde seu envolvimento e comprometimento

poderão determinar o êxito da implementação da PNRS.

Destemodo, com base notemaabordado,formulam-

seasquestõesnorteadorasparaopresenteestudo: Qual o perfil socioeconômico dos catadores de resíduos

sólidos atuantes no município de Iguatu? Tais catadores estão preparados para atuar nos termos da

PNRS?

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A reciclagem é tida como a recuperação dos materiais descartados, modificando suas

características físicas, diferenciando-as de reutilização, em que os descartados mantêm suas

feições. Embora polua menos o ambiente e envolva menor uso de matérias-primas virgens,

água, e energia, como processo “final” para o tratamento de resíduos.

Para a Organização Não Governamental “Compromisso Empresarial para

Reciclagem” (CEMPRE, online), a reciclagem de materiais pode ocorrer sem a separação

prévia de resíduos nas fontes geradoras. Num programa de coleta seletiva, a própria

comunidade contribui separando resíduos nos domicílios e estabelecimentos, e alguns

funcionários que concluem esta separação, sem necessidade de maquinário especial, numa

central de triagem.

Os resíduos que podem ser reciclados em classificação simples são: o papel, o metal,

o plástico e o vidro. As vantagens ambientais da reciclagem destes materiais comparadas ao

processo de produção a partir de matéria prima virgem passam pela redução do uso de energia

e de água, poluição da água e do ar.

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O equacionamento da problemática do lixo depende da criação de políticas públicas

específicas, como uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. Segundo Jacobi et. al. (2006) o

Brasil tem multiplicado as experiências de gestão compartilhada de resíduos sólidos por meio

de programas municipais de coleta seletiva em parceria com catadores organizados e

autônomos.

O primeiro projeto de coleta seletiva do Brasil, foi criado em São Paulo, com a

tentativa de efetuar a inclusão social de catadores, no qual foi iniciada a primeira Cooperativa

dos Catadores de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis – Coopamare, em 1989,

estimulada pela Igreja (Pastoral da Rua) e movimentos sociais.

Em 2000, a partir do Fórum Lixo e Cidadania, surgiu o Movimento Nacional dos

Catadores de Materiais Recicláveis, que conforme aponta Jacobi et. al. (2006), culminou no

reconhecimento do trabalho do catador, sendo incorporado ao Código Brasileiro de

Ocupações – CBO, que classifica as diversas atividades dos trabalhadores do País, nos mais

diferentes setores de atividade, tanto do setor público como privado. É também o documento

que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do

mercado de trabalho brasileiro. Sua atualização e modernização se devem às profundas

mudanças ocorridas no cenário cultural, econômico e social do País nos últimos anos,

implicando alterações estruturais no mercado de trabalho.

De acordo com Jacobi et. al. (2006), a temática que envolve os resíduos sólidos

“exemplifica a formulação de políticas públicas que promovem mudanças nos hábitos e

atitudes dos cidadãos, com o objetivo de minimizar ou prevenir a degradação ambiental”.

A aprovação da lei 12.305, de 02 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de

Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL, 2010), estabelece diretrizes relativas à gestão integrada e

ao gerenciamento de resíduos sólidos prevendo a implantação de coleta seletiva com a

inclusão e integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis com gestão

compartilhada entre poder público, sociedade civil. Citados os caminhos legais e sociais

acerca da problemática em torno dos resíduos sólidos tem-se a coleta seletiva como estratégia

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de ação e o catador como um ator de grande importância na coleta dos resíduos sólidos

urbanos.

A PNRS tem como principais pontos de inovação a inserção do conceito de

responsabilidade compartilhada, reconhecendo a necessidade de participação de todos os elos

da cadeia, o incentivo ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação

de catadores como forma de uma ação socioambiental, bem como traz o conceito da logística

reversa.

A criação e a plena efetivação da Responsabilidade Compartilhada pelo ciclo de vida

dos produtos, de forma individualizada e encadeada, envolvendo fabricantes, importadores,

distribuidores, comerciante, Poder Público e consumidores nas várias cadeias de produção e

consumo, são um grande desafio para a implementação da PNRS. A Lei Federal 12.305/2010

define que:

Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: […] XVII - responsabilidade

compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições

individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e

comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza

urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos

sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde

humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos

termos desta Lei.

Outro ponto importante da PNRS é a inserção da participação efetiva dos catadores

nas ações de responsabilidade compartilhada, conforme um dos objetivos da PNRS descritos

no Art. 7º, § XII da Lei 10.305/2010: “São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos

[…] integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam

a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”.

Tanto a PNRS quanto sua regulamentação, por meio do Decreto Federal 7.404/2010,

asseguram aos catadores formas de melhorias em suas atividades, conforme segue:

Art. 44. As políticas públicas voltadas aos catadores de materiais reutilizáveis e

recicláveis deverão observar:

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I – a possibilidade de dispensa de licitação, nos termos do inciso XXVII do art. 24

da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, para a contratação de cooperativas o

associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;

II – o estímulo à capaticapão, à incubação e ao fortalecimento institucional de

cooperativas, bem como à pesquisa voltada para sua integração nas ações que

envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; e

III – a melhoria das condições de trabalho dos catadores.

Parágrafo único. Para o atendimento do disposto nos incisos II e III do caput,

poderão ser celebrados contratos, convênios ou outros instrumentos de colaboração

com pessoas jurídicas de direito público ou privado, que atuem na criação e no

desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de

materiais reutilizáveis e recicláveis, observada a legislação vigente.

Não obstante, a PNRS e sua regulamentação trouxeram consigo grandes desafios,

exigências e necessidade de adequação para os catadores de materiais recicláveis, tais como:

adequações legais, o licenciamento ambiental, a adoção de boas práticas, a realização de

capacitações, bem como a criação de novos modelos de administração e operacionalização

das cooperativas para atendimento da volumosa demanda de resíduos a serem coletados

seletivamente para produção em grande escala.

3. MATERIAL E MÉTODOS

Conforme Marconi e Lakatos(2006) a metodologia é aexplicação minuciosa,

detalhada,

Rigorosa e exata de toda a ação desenvolvida no método de trabalho da pesquisa. É a

explicação do tipo de pesquisa, do instrumental utilizado, do tempo previsto, da equipe de

pesquisadores e da divisão do trabalho, das formas de tabulação e tratamentos de dados.

De acordo com Alvarenga (2010,p.61), “o desenho metodológico constitui o plano da

investigação, como se colocará em prática o estudo. Orienta a investigação, contem as

estratégias a serem seguidas para dar resposta ao problema formulado, alcançar os objetivos e

comprovar a hipótese”.

O presente trabalho foi elaborado utilizando-se de pesquisa bibliográfica sobre o

objeto de estudo, através de coleta de dados em livros, revistas especializadas, artigos

científicos e bancos de dados científicos disponíveis na Internet. Além disso, constou de um

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estudo de caso, comum enfoque quantiqualitativo que, conforme Gil (2007), consiste em um

estudo profundo que permite um amplo e detalhado conhecimento do objeto estudado.

Alvarenga(2010, p.9, 10) diz que O enfoque quantitativo trabalha com amostras

probabilísticas, cujos resultados têm possibilidade de generalizar a população em estudo e o

paradigma qualitativo tenta descrever e compreender as situações e os processos de maneira

integral e profunda, considerando inclusive o contexto que envolve a problemática estudada.

A população de catadores informais do lixão da cidade de Iguatu - CE é de

aproximadamente 50 pessoas. A pesquisa aconteceu por meio da realização de entrevistas

semiestruturadas envolvendo 22 catadores atuantes no referido município, durante o segundo

bimestre de 2014, utilizando o seguinte procedimento metodológico: identificação de campo

de pesquisa, coleta de dados e tabulação dos resultados.

Salienta-se que a pesquisa seguiu obedecendo à Resolução do Conselho Nacional de

Saúde, que faz referência às diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa/estudos que

envolvam seres humanos (BRASIL, 2012).

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A apresentação dos resultados está estruturada em tópicos, visando facilitar a leitura

de aspectos considerados pertinentes na caraterização do perfil do catador em estudo.

4.1. Identificação

Dentre os catadores entrevistados, estão 86% mulheres e 14% homens. De acordo com

Martins (2005), as mulheres geralmente são responsáveis pelas atividades que exigem maior

concentração e motricidade fina, como a limpeza do local de trabalho, triagem de materiais.

Os homens, por sua vez, desempenham predominantemente funções que exigem ou são

relacionadas à força física, como o transporte de material e manejo de máquinas pesadas.

Observa-se que a faixa etária dos catadores está compreendida com idades entre 20 e 49

anos.De acordo com os dados da pesquisa, 85% dos entrevistados declararam ter cor parda,

5% cor negra, 5% cor amarela, 5% cor amarela e 5% cor branca.

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4.2. Situação Familiar

Todos os catadores entrevistados são chefes de família, ou seja, trabalham para manter

todas as despesas da casa. Pode-se constatar que 86% dos entrevistados têm filhos e 14% não

tem filhos.

Em relação ao estado civil dos entrevistados, 41% são solteiros, 36% têm união

estável, 18% são casados e 5% são divorciados.

No questionamento sobre a família dos catadores que moram na mesma residência

32% dos entrevistados responderam que a família é composta por 6 pessoas, 18% por 5

pessoas, 9% com 4 e 2 pessoas, 1% com 1 pessoa e 0,5% com 8 e 7 pessoas.

4.3. Trabalho e Renda do Catador

Dos sujeitos da pesquisa, a maioria, que totaliza 55%, recebem até 1/2 salário mínimo,

41% até 1 salário e 4% de 1 a 2 salários mínimos. Este indicativo demonstra que 96% dos

catadores auferem renda inferior a 1 salário mínimo, atuando especificamente como catador, o

que pode impactar na qualidade de vida destes trabalhadores dada a restrição orçamentária.

De acordo com os dados, observa-se que todos os entrevistados recebem o benefício

da bolsa família e 77% recebem ainda a dedução referente à tarifa social de energia elétrica

(baixa renda).

4.4. Moradia

Dos entrevistados, 73% possuem casa própria, 23% alugada e 4% cedidas. Estes

indicativos demonstram que mesmo os catadores tendo uma renda familiar baixa, a maioria

possui casa própria.

4.5. Escolaridade

Dados da pesquisa revelam que apenas 5% dos entrevistados possuem nível médio

completo, enquanto 9% possuem nível médio incompleto, 27% fundamental completo, 50%

fundamental incompleto e 9% dos sujeitos não são alfabetizados. Como pode ser percebido, a

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maioria dos entrevistados alegam não possuir o ensino fundamental completo e, segundo

relatos, não desenvolvem atualmente nenhuma atividade de âmbito educativo.

Quando questionados sobre o desejo de retomar os estudos, 50% demonstram

interesse, além de manifestarem o desejo de ampliar o conhecimento e de auxiliar os filhos

nos processos de aprendizagem escolar.

4.6. Sobre aPolítica Nacional de Resíduos Sólidos

Quando perguntados a respeito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, todos os

participantes mencionaram não possuir conhecimento da existência desta política, nem sabiam

precisar o papel do catador neste processo. Além disso, foi observado que não existe apoio na

formação destes atores por nenhuma instituição.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa apresentou dados e impressões preliminares no estudo do perfil

socioeconômico da população de catadores de resíduos sólidos, atuantes na cidade de Iguatu,

Ceará.

Um dos dados da entrevista que chamou a atenção foi o fato de nenhum dos

participantes possuir conhecimento sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o que nos

faz acreditar que também desconhecem a importância do papel que desempenham na

sociedade, bem como os seus direitos, por meio da atuação em associações e cooperativas.

A partir da análise das narrativas construídas durante as entrevistas e dos dados

disponíveis, considera-se oportuno encerrar esta pesquisa trazendo uma provocação sobre a

necessidade da formulação de programas que oportunizem a estes agentes o desenvolvimento

das competências necessárias para atuarem nos termos da PNRS.

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1590

EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA E O CONSUMISMO

Susana de Oliveira Sobreira32

Israel Siebra Ferreira33

Alex Silva Gonçalves34

Resumo: A humanidade passa por uma grande realização, entre todos os tempos nunca houve tantos

avanços científicos capazes de solucionar problemas que no século XIX pareciam irresolutos. Este

otimismo científico proporcionou ao homem a ideia de que tudo pode ser resolvido através da ciência,

porém, os novos modos de vida adquiridos pelas novas gerações acrescidas às explosões demográficas

resultaram em problemas sociais coevos como é o caso da poluição e degradação ambiental onde a

ciência ainda não soluciona problemas que já se tornaram irreversíveis como é de fato a extinção da

fauna e flora e a destruição na camada de ozônio. O trabalho tem como objetivo perceber de que forma

o consumo desenfreado do ser humano eleva as dificuldades na busca da sustentabilidade. Assim,

percebe-se que a ciência encontra, neste novo século, um disparate entre sua evolução a passos largos

e o processo de destruição da natureza. A problemática da separação dos resíduos, da impureza das

águas, de redução da biodiversidade passa pela mão da ciência que tem como essência encontrar

soluções para os principais problemas da humanidade, mas, diante do domínio exercido pelo mercado

nas novas sociedades, ela concentra seus esforços na busca do conforto humano que lhe é oferecido

sob a forma de consumo. Constitui desafio para a ciência solucionar estes conflitos ambientais como

busca para a qualidade futura da vida das próximas gerações, não somente da vida humana, mas de

todas as vidas do planeta.

Palavras-chave:Degradação ambiental, Relação de consumo, Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO

É notável que este milênio foi dinamizado por muitas descobertas tecnológicas e

progresso econômico que nos aproximaram de um mundo mais confortável. Porém, a forma

32 Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri e Estudante de Especialização pela Faculdade

de Juazeiro do Norte. Email: [email protected]. Tel: (88) 88092625 33 Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso. Email: [email protected]. Tel: (88) 88092625 34 Professor na Faculdade Paraíso - FAP. Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Cariri

(2006). Advogado Militante com Pós-graduação em Direito Ambiental. Pós-graduando em Direito Penal e

Processual Penal Militar.

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como essas vantagens chegaram ao poder e benefício do homem de modo tão acessível

resultaram em um processo de degradação ambiental e poluição do meio ambiente.

A humanidade começa a perceber as contradições do mundo moderno e cresce um

despertar de consciência ética em relação aos problemas ambientais. Daí surge novas

preocupações voltadas à ecologia, apontando que a ciência não trouxe apenas vantagens, mas

também efeitos indesejáveis quando não levou em consideração os custos do progresso em

relação ao meio ambiente.

Pretende-se, nesse artigo, observar como os avanços tecnológicos proporcionaram

novos padrões de consumo e trouxeram à sociedade como consequência a problemática da

poluição, revelando a distância que existe entre a ciência e a sustentabilidade.

Na visão de Edward Wilson (2002, p. 64)

Hoje em dia, tornou-se necessária uma visão mais realista do progresso humano. Por

toda parte, a superpopulação e o desenvolvimento desordenado estão destruindo os

habitats naturais e reduzindo a diversidade biológica. No mundo real, governado

igualmente pela economia natural e pela economia de mercado, a humanidade está

travando uma guerra feroz contra a natureza.1

Percebe-se que a partir dos processos de desenvolvimento característicos das

sociedades modernas, espécimes da fauna e da flora naturaram em processo de extinção,

perdendo espaço nos contextos de exploração humana de recursos.

Existem vários animais em “Perigo Crítico de Extinção”: O Panda gigante

(predominante do sul da China), Orangotangos (nativo da Indonésia e Malásia), Mico-leão-

preto (Primata brasileiro), Lobo guará (nativo da América do Sul), Arara azul ( símbolo do

pantanal matogrossense - Brasil), Onça Pintada (encontrada nas Américas), Baleia franca e

entre tantos outros, podemos citar a tartaruga-das-galápagos, extinta; a última subespécie,

conhecida como “George Solitário”, morreu no dia 25/06/2012.

No Estado do Ceará, nordeste Brasileiro, a única ave típica da região é o Soldadinho

do Araripe, e de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) é

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considerada uma das cinco espécies da fauna cearense mais ameaçada de extinção,

classificada como “Criticamente Em Perigo”.

A destruição de habitats e a caça clandestina são graves preocupações, a comunidade

científica internacional, governos e entidades não-governamentais ambientalistas vêm

alertando para a perda de biodiversidade em todo o mundo

Diante desse contexto, percebe-se quão necessário é a preservação da biodiversidade

natural, onde o crescimento e progresso econômico se realizem de forma menos invasiva e

hostil para que possa proporcionar melhores possibilidades ao futuro da humanidade. A ideia

de sustentabilidade surge como uma proposta de promover o equilíbrio entre a qualidade de

vida humana e melhoria nas condições de vida e sobrevida da natureza.

Para Georgescu (1976), “Um dos principais problemas ecológicos que se colocam à

humanidade é o da relação entre a qualidade de vida de uma geração à outra, e

particularmente o da repartição do dote da humanidade entre todas as gerações.”

Para José Eli da Veiga é utópica a introdução da gestão ambiental dentro da sociedade.

E é ainda um conceito retórico político ideológico, portanto necessário que seja racionalizada:

“Por evocar, em última instância, uma espécie de ética de perpetuação da humanidade e da

vida, a expressão sustentabilidade passou a exprimir a necessidade de um uso mais

responsável dos recursos ambientais, o que só pode ser complicado para qualquer corrente de

pensamento que se fundamente no utilitarismo, individualismo e equilíbrio, como é o caso da

economia neoclássica.” (2003, p. 165)

As discussões sobre uma reinvenção do processo industrial e da economia de consumo

provocam tensão nas economias e tornam-se imperativo, portanto, devido seus altos custos

somados a dominação do mercado no comando da sociedade, a sustentabilidade é sempre

colocada em segundo plano nos processos de produtividade e nos moldes de consumo

modernos.

O HIATO ENTRE CIÊNCIA E SUSTENTABILIDADE.

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É usual tratar desenvolvimento o processo de crescimento da economia, porém estes

não são sinônimos. Desenvolvimento compreende o progresso da humanidade aliado a noção

de bem-estar, equidade de renda, liberdades nos direitos fundamentais, capacidade de

convívio harmônico em sociedade.

Celso Furtado foi um dos principais autores a conceituar desenvolvimento e deixou

claro a distância entre crescimento e desenvolvimento de uma região, o primeiro é

quantitativo e o segundo qualitativo. Essas relações de qualidade se referem à qualidade de

vida dos habitantes do local de progresso.

“Como negar que essa idéia tem sido de grande utilidade para mobilizar os povos da

periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas

de cultura arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o

meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório

do sistema produtivo?” (Furtado, 1974: 75-6)

O conceito de desenvolvimento se estendeu em anexar a concepção de qualidade de

vida conceder direitos ao biossistema, sendo esse ambiente fundamental à vida humana.

A natureza não pode ser entendida apenas em função da utilidade de seus recursos

para a produção de bens de consumo, de forma que possa ser usada até o seu esgotamento.

Os bens naturais são vidas, que estão sendo exterminadas rigorosamente, vidas que são

perseguidas, caçadas e extirpadas. Elas fazem parte do ecossistema e muito do que está

perdido são recursos raros indispensáveis à qualidade de vida das próximas gerações.

É preciso encontrar racionalidade no uso da natureza e que haja reparação do que foi

exterminado para que se encontre um caminho para uma economia mais humana.

“Se a Terra tiver que perder grande parte de amenidade que deve a coisas que o

aumento ilimitado da riqueza e da população extirparia dela, simplesmente para

possibilitar à Terra sustentar uma população maior, mas não uma população melhor

ou mais feliz, espero sinceramente, por amor à posteridade, que a população se

contente com permanecer estacionária, muito antes que a necessidade a obrigue a

isso.” ( Mill, 1983: 254)

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Com a ameaça de escassez de água potável no planeta, contaminação dos solos e

lençóis freáticos, poluição industrial e com a forma com que se descartam resíduos, sem

responsabilidade, a humanidade se encaminha para uma situação precária de garantias de

existência para futuras gerações.

O desgaste da camada de ozônio provocado pela emissão de gases poluentes de carros,

fábricas e liberação de compostos químicos de refrigeradores e ares condicionados, o aumento

do efeito estufa produzidos por gazes, principalmente o metano emitido na decomposição de

lixo e na digestão de animais (pecuária) são problemas graves que explicam o cerne dos

conflitos sociais sobre a sustentabilidade.

Todas essas preocupações contemporâneas despontam junto à explosão demográfica e

a necessidade de promover bem-estar a todos que possam comprar seu usufruto. Assim nasce

o consumo, industrializasse produtos para conseguir abastecer todos os indivíduos, produz-se

em massa para atender uma população que seja capaz, financeiramente, de pagar para obter

bem-estar.

No final da cadeia produtiva do homem, os resíduos consumidos são descartados de

forma irracional, sem aproveitamento, sendo devastador a forma com que a formação de

grandes quantidades de lixo gera efeitos poluentes e tóxicos nos lençóis freáticos e provoca

enchentes, um dos principais problemas hodiernos das grandes cidades, que não

permeabilizam seus espaços urbanos.

Faz-se necessária uma nova ética de valores humanos, onde o que se consome possa

ser avaliado e o que se joga fora, aonde e como se joga fora, possa ser pensado. A poluição

proporcionada pelo ser humano está se tornando irreversível, a ciência ainda não encontrou

soluções e há poucos mecanismos de controle nos novos hábitos “consumir” e “poluir” do

homem moderno.

O autor José Renato Nalini (2001, p. 143) salienta: “Só existe economia, porque a

ecologia lhe dá suporte. A ecologia permite o desenvolvimento da economia. A exaustão da

primeira reverterá em desaparecimento da segunda”. Já para Geogescu , a economia precisa

ser absorvida pela ecologia, em sua tese do decrescimento baseia-se na hipótese de que o

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crescimento econômico - entendido como aumento constante do Produto Interno Bruto (PIB)

- não é sustentável pelo ecossistema global, e que os recursos naturais são limitados e

irreversíveis.

As atividades produtivas econômicas na busca de suprir a população de bens materiais

e serviços destroem os recursos naturais a uma velocidade superior a capacidade que o

ecossistema tem de se recuperar, além de destruir celeremente os habitats naturais

ocasionando danos insuperáveis à ecologia.

Cabe a ciência deparar soluções para este grave problema presente neste novo século

de nobres descobertas científicas. Visto que a união da ciência com a tecnologia nos

hodiernos tempos propulsionou um grande progresso a humanidade. É um desafio para a

ciência encontrar um caminho para a aliança entre a qualidade de vida dos homens e também

da natureza.

A sustentabilidade consiste em permitir boa vida à população compatível com a

capacidade de suporte ambiental.

“O crescimento da população e da produção não deve levar a humanidade a

ultrapassar a capacidade de regeneração dos recursos e de absorção dos desejos. Nos

países do centro, tanto a produção quanto a reprodução já deveriam estar voltadas

apenas à reposição. O crescimento físico deveria cessar, com continuidade exclusiva

de alterações qualitativas. Desenvolvimento sustentável quer dizer, para Daly,

desenvolvimento sem crescimento.” (Veiga, 2008, p. 138)

Enquanto o mercado comandar as forças de produção sem que seja imposto ao poder

econômico limites e racionalidade dos recursos naturais e da poluição gerada por esses,

jamais chegar-se-à a sustentabilidade, assim também, se as práticas individuais da sociedade

não tiverem um vínculo ambiental, com um consumo medido e produção de detritos

reaproveitados não chegaremos a qualquer lugar, visto que a natureza vai estar sendo

degradada em proporções grandiosas.

RESULTADOS

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O papel do consumo na sociedade tem função importante no desenvolvimento da

economia, ela proporciona bem-estar e qualidade de vida, além de solucionar problemas entre

o tempo-trabalho impulsionado pela modernização, ao mesmo tempo em que, seu uso

desmedido provoca um desequilíbrio no ecossistema. A despreocupação no descarte de

resíduos tornou-se comum tanto pelos indivíduos como por empresas e grandes corporações,

que com essa prática poluem rios, mares e lençóis freáticos.

Esse estilo de vida despreocupado da nova “geração descartável” impulsiona as

preocupações dos ecologistas que nos alertam sobre o modo de consumo em que estamos

habituados.

Agregado a uma ideia de status, onde se renova a tecnologia sempre, a cada

descoberta, o consumo descarta tipos de lixo cada vez mais tóxicos como baterias, celulares e

eletrodomésticos e em quantidades cada vez maiores. Soma-se o fato da falta de estrutura de

muitas cidades que não tem planejamento de mobilidade urbana, acrescendo o consumo de

meios de transporte individuais, cuja poluição é preocupante.

Para o autor Enrique Leff (2004, p. 15):

“A crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que

impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza. A

sustentabilidade ecológica aparece assim como um critério normativo para a

reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a sobrevivência

humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando

as próprias bases da produção.”

Essas novas posições filosóficas são, tanta um desafio como um dever para a ciência.

À medida que não é fácil encontrar soluções também não será fácil viver em um mundo sem

os recursos essenciais para a subsistência humana.

Diante do modelo econômico atual, a ciência aliada à tecnologia voltou seus esforços a

descobertas que proporcionasse bem-estar a população, porém

Encontrar a sustentabilidade dentro da nossa sociedade é repensar a forma de

organização a que nos submetemos com o fim de atingir progresso. Reinventar conceitos,

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quebrar paradigmas, revolucionar o processo produtivo e o processo de consumo e descarte

atual. Conferindo limites ao progresso econômico e a relação de consumo.

OBJETIVOS

Geral

Perceber de que forma a ciência têm potencial em solucionar os problemas ambientais

e como o mercado atual propulsiona os processos produtivos para o consumo desregrado do

ser humano elevando as dificuldades na busca da sustentabilidade.

Específicos

• Investigar o papel da ciência como provocador de mudanças no quadro de poluição

existente no planeta e como intensificador no processo de conhecimento sobre problemas

ambientais;

• Identificar como as relações de consumo são causadoras de poluição no meio

ambiente;

• Estudar as tendências do mercado de consumo e as inclinações para o processo de

preservação ambiental;

MÉTODOS

Ressalto como instrumento metodológico, a seleção de material bibliográfico entre os

temas relacionados ao estudo para dar enfoque epistemológico e conceitual aos problemas

relacionados à produção e consumo modernos, buscando literaturas que entornem a

sustentabilidade, no propósito de construir um referencial teórico.

Em seguida, enfocados textos e publicações que envolvam tanto o tratamento clássico

da temática, com textos de Celso Furtado (1974), quanto o dimensionamento da cena

contemporânea de tríade sustentabilidade – produção - consumo, compondo um referencial

sobre a movimentação com a ajuda dos autores Veiga (2008), e Burzstyn (2001).

Ao fim da interpretação dos dados bibliográficos será a elaboração do relatório final.

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1598

CONCLUSÕES

O atual modelo econômico gerou um processo de consumo descomedido, vive-se em

uma era entre o progresso e um fracasso de paradigmas, onde o conceito de qualidade de vida

criou novas formas na medida em que novas necessidades humanas foram surgindo. Na

busca de uma vida mais cômoda, os processos de consumo subsidiaram diversas aspirações

humanas, mas este universo de obter muitos bens e produtos gerou uma problemática no

processo de descarte de resíduos, que apenas é descartado sem preocupações com o meio

ambiente.

Na busca da modernização, a demanda de bens de consumo progrediu, assim como

cresceu também as condições precárias a que submeteram os recursos naturais.

Aos poucos, o tão almejado crescimento econômico mostrou ao mundo sua capacidade

destruidora, ao passo que os estímulos ao processo de consumo potencializaram uma

devastadora ameaça aos ecossistemas naturais. A poluição do ar, dos recursos hídricos e a

falta de propositura no descarte dos resíduos fortalecem a ideia de um planeta cada vez mais

insustentável para as futuras gerações.

Faz-se urgente perceber o quanto os recursos naturais são finitos e essenciais à

sobrevivência humana. É necessário que novos caminhos sejam percorridos, e que a

sociedade seja orientada e erguida à luz da ciência, mas que essa esteja voltada a dar suporte

aos problemas ambientais.

Acreditando na capacidade científica, que tanto nos surpreendeu neste século,

contando com uma maior racionalização em estilo de vida humano menos agressivo e hostil, o

desafio de descobrir soluções para o caminho da sustentabilidade que se tornou uma nova luta

social, pressionada inicialmente por ambientalistas e hoje uma voz ecoa por todos os campos

da ciência esperando mudanças para novos tempos.

É impreterível saber que não é a ciência, a tecnologia ou o progresso que prejudicam a

busca da sustentabilidade, mas sim, o modo com que se permite que a fabricação e o uso das

técnicas se realizem de forma agressiva e destruidora do meio ambiente.

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Por fim, faz-se inadiável uma ruptura de dogmas e paradoxos, para que se erga uma

nova consciência de um consumo e um crescimento sustentado e equilibrado. Destarte, uma

nova visão voltada para um progresso onde caiba a qualidade e proteção da vida humana

vinculada à vida de todas as espécies do planeta. O ser humano deve perceber que é inviável

para sua existência a irreversibilidade de sua fonte de recursos naturais e do funcionamento

dos ecossistemas.

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1600

Impactos da instalação do Aterro Sanitário do Cariri

Patrick Leite Santos35

Raíssa Marques Sampaio Sidrim36

Rayane Rodrigues de Araújo37

Pedro José Rebouças Filho38

RESUMO: Evidentemente a implantação de um aterro sanitário trás inúmeros benefícios

principalmente pelo fato dos resíduos sólidos terem uma destinação adequada minimizando o impacto

do mesmo em relação à população local. A partir desta constatação, este estudo questiona. Quais os

impactos da futura instalação do aterro sanitário do Cariri para a população local? Com isso, o

objetivo do trabalho é apresentar o conceito de resíduos sólidos, descrever suas classificações, explicar

a forma como pode ser reciclado e reutilizado e explicitar os impactos da instalação do aterro sanitário

do Cariri para a população local. Metodologicamente este trabalho é baseado em uma revisão de

literatura e dados secundários obtidos pelo estudo realizado pela consultoria Lance construções e

projetos LTDA (LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de impacto ambiental – EIA/ Relatório de

impacto ambiental – RIMA/ para a futura implantação do aterro sanitário regional do Cariri em

Caririaçu-CE. Diante do que foi exposto, este trabalho alcançou os objetivos propostos. Dentre os

principais impactos da futura instalação do aterro sanitário do cariri, podemos destacar: deterioração

da qualidade do ar, redução do nível de água subterrânea, desvalorização dos terrenos vizinhos e

melhoria das condições sanitárias dos municípios consociados.

PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos, Aterro sanitário, Cariri.

1. INTRODUÇÃO

35 Aluno do 8º semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – URCA; Crato –

CE; e-mail: [email protected] 36 Aluna do 8º semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – URCA; Crato –

CE; e-mail: [email protected] 37 Aluna do 8º semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – URCA; Crato –

CE; e-mail: [email protected] 38 Prof. Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri – URCA;e-mail:

[email protected]

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Para se entender o que é resíduo sólido é necessário compreender o que é lixo. Lixo

refere-se a qualquer item proveniente de materiais humanos não mais utilizados ou gerados

pela natureza, entretanto, o lixo natural pode ser reaproveitado na própria natureza e ocorrem

de forma espontânea. Por outro lado, o lixo de causa humana é derivado de processos

químicos e sua decomposição na natureza pode durar milhares de anos (FACHIN, 2004).

O processo de criação de resíduos é antigo e a princípio natural, o homem convive

com ele desde os primórdios, e até a Revolução Industrial não era problema. Antes da

Revolução Industrial os resíduos gerados apresentavam caráter natural e eram em pouco

volume, sendo suficiente a ação da natureza para degradá-los(ALBERTIN et al, 2010).

A partir desse período, as produções de bens de consumo aumentaram

consideravelmente e constantemente, com isso, o consumo da população aumenta, os

produtos estão sempre inovando, novos modelos de diversos bens são injetados no mercado e

os velhos e desatualizados são descartados, aumentando assim o volume de resíduos sólidos

no mundo (CASTRO & ARAÚJO, 2004).

Este é consequência do crescente aumento da população conjugado ao perfil

consumista desenvolvido nesta época, incentivado pela criação de inúmeros novos produtos

(ALBERTIN et al, 2010).

Aumenta-se a demanda por produtos, consequentemente eleva-se o volume de

produção, resultando-se na crescente geração de resíduos, porém, o meio ambiente não

acompanhou esta tendência, não sendo mais capaz de degradar sozinho todo o resíduo gerado,

provocando a poluição do meio ambiente (ALBERTIN et al, 2010). Em meio a volumes de

produção gigantescos, a destinação de resíduos sólidos (de todas as espécies) se tornou um

problema mundial, não se restringindo a grandes ou pequenas regiões.

Dentre os vários tipos de resíduos existentes, os resíduos sólidos se destacam pela

característica de dificuldade de dispersão, diferente do que se ocorre com os resíduos em

outras formas físicas, como gasosos e líquidos (DEMAJOROVIC, 1995). De acordo com

Demajorovic(1995), a modificação do termo “lixo” por “resíduos sólidos” se deve a

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conscientização da população das implicações destes sobre o meio ambiente e de seu valor

econômico, já que anteriormente era visto como algo não reutilizável.

O estudo questiona. Quais os impactos da futura instalação do aterro sanitário do

Cariri para a população local? Com isso, o objetivo do trabalho é apresentar o conceito de

resíduos sólidos, descrever suas classificações, explicar a forma como pode ser reciclado e

reutilizado e explicitar os impactos da instalação do aterro sanitário do Cariri para a

população local. Metodologicamente este trabalho é baseado em uma revisão de literatura e

dados secundários obtidos pelo estudo realizado pela consultoria Lance construções e projetos

LTDA (LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de impacto ambiental – EIA/ Relatório de

impacto ambiental – RIMA/ para a futura implantação do aterro sanitário regional do Cariri

em Caririaçu-CE. Diante do que foi exposto, este trabalho alcançou os objetivos propostos.

Para tanto, a pesquisa está desenvolvida em quatro capítulos de desenvolvimento e um

de considerações finais. Na primeira sessão será apresentada a classificação e a classe dos

resíduos de acordo com a ABNT NBR 10004, na segunda será apresentado como funciona o

manejo dos resíduos sólidos nos municípios brasileiros, na terceira estudaremos as possíveis

formas de destinação e suas características, e na quarta abordar-se-á os impactos da

implantação do aterro sanitário na região metropolitana do Cariri cearense e por fim as

considerações finais.

2. CLASSIFICAÇÃO E CLASSE DOS RESÍDUOS

De acordo com a ABNT NBR -10.004 (2004) resíduos sólidos são definidos como

aqueles:

Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades de

origemindustrial, doméstica,hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de

varrição. Ficam incluídos nestadefinição os lodos provenientes de sistemas de

tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos einstalações de controle de

poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável

oseu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso

soluções técnica eeconomicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível

(ABNT NBR - 10.004, 2004, p.1).

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A classificação dos resíduos é efetuada a partir da comparação dos itens que o

constituem as substâncias listadas nas normas técnicas. Para conhecimento da composição do

resíduo, é necessária a identificação e análise do processo de geração do mesmo. Os resíduos

podem ser classificados em duas classes; resíduos classe I – perigosos; e resíduos classe II –

não perigosos. A segunda classe é subdividida ainda em resíduos classe II A – não inertes; e

resíduos classe II B – inertes (ABNT NBR - 10.004, 2004).

Os resíduos da primeira classe são classificados como perigosos devido aos seus altos

graus de periculosidade. São compostos por itens inflamáveis, corrosivos, reativos, tóxicos e

patogênicos (ABNT NBR - 10.004, 2004). Os resíduos da classe II, não perigosos, são

divididos em não inertes e inertes. Não inerte é a denominação dada a substâncias que

possuem as propriedades de biodegradabilidade, combustibilidade e solubilidade em água.

Inertes são aqueles que, “quando submetidos a um contato dinâmico e estático com água

destilada ou desionizada, à temperatura ambiente, não tiverem nenhum de seus constituintes

solubilizados”nestes casos, “excetuando-se aspecto, cor, turbidez, dureza e sabor” (ABNT

NBR - 10.004, 2004, p. 5).

3. MANEJO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

O gerenciamento dos resíduos sólidos produzidos nas cidades brasileiras é de

responsabilidade do poder público local, conforme consta na constituição, de acordo com a

Pesquisa nacional de saneamento básico do IBGE (PNSB, 2008).Os dados obtidos pela PNSB

(2008) revelam que 61,2% das empresas responsáveis pelo manejo dos resíduos sólidos dos

municípios brasileiros possuem vínculo direto com a administração.

O custo para manutenção dos serviços de manejo dos resíduos sólidos no Brasil é

elevado. De acordo com a PNSB (2008), os gastos com a coleta, limpeza das vias públicas e a

destinação final dos resíduos coletados nos municípios é de aproximadamente 20,0% do

orçamento para gastos municipais.

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Observa-se na região nordeste um movimento em direção à terceirização dos serviços

de gerenciamento dos resíduos sólidos, o que já ocorre nas regiões sul e sudeste do país

(PNSB, 2008).

De acordo com a PNSB (2008), o destino final dos resíduos sólidos em 50,8% das

cidades brasileiras é o lixão. Na região nordeste este número é ainda maior, em 89,3% das

cidades o destino são os lixões, muito diferente do que ocorre no sul, onde apenas 15,8% dos

municípios têm como destino final de seus resíduos os lixões (PNSB, 2008).

4. RECICLAGEM E REUTILIZAÇÃO

De acordo com a PNSB (2008), os movimentos pró coleta seletiva e reciclagem dos

resíduos sólidos teve seu início na década de 1980, com programas de redução da geração dos

resíduos sólidos domésticos e incentivo à reciclagem. Este movimento foi impulsionado pela

pressão mundial, ocorrida desde então, pautada nas inúmeras catástrofes ambientais ocorridas

e que poderiam vir a ocorrer, e provocou uma corrida no sentido de mobilizar a comunidade

mundial para a questão da sustentabilidade.

A partir de então, principalmente as indústrias, empresas e governos locais, forçados

por meio de imposições do governo, têm desenvolvido formas de separação e classificação

dos resíduos nos seus processos produtivos, a fim de facilitar e possibilitar a reciclagem e

reutilização dos resíduos sólidos(PNSB, 2008).

O primeiro passo durante o processo de reciclagem e reutilização é o de separação dos

itens denominados resíduos e dos itens denominados lixo. De acordo com Grimberg(2004) é

essencial à diferenciação destes dois termos. O lixo, é a mistura de vários resíduos de

características diferentes, que quando misturados impossibilitam sua reciclagem ou

reutilização. Mas mesmo com a separação adequada dos itens, nem toda a totalidade poderá

ser aproveitada, esta sobra é denominada rejeito (GRIMBERG, 2004).

De acordo com a PNSB (2008) em 2008 havia registro da existência de 994 programas

de coleta seletiva nos municípios brasileiros, um aumento de 1613,79% em relação à primeira

pesquisa, realizada em 1989 pela PNSB, um crescimento significativo. Dentre os resíduos

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sólidos reciclados pelos municípios, destacam-se o papelão/papel, plástico, vidro e metais,

devido ao seu valor de reuso no meio produtivo. Estes materiais são negociados em sua

maioria com comerciantes de recicláveis, que compram aproximadamente 53,9% do material.

Seguido de longe pelas indústrias recicladoras, entidades beneficentes e outras entidades, com

respectivamente 19,4%, 12,1% e 18,3% dos materiais reciclados (PNSB 2008).

A não reutilização e reciclagem dos resíduos gerados é um desperdício em vários

âmbitos. Além do desperdício de inúmeros materiais que terão de ser produzidos novamente

para utilização como matéria prima ou produto final, existem os custos elevados na destinação

para lixões e aterros que não correspondem com nenhum retorno financeiro e sustentável,

prejudicando ainda a saúde de milhares de pessoas que vivem neles e em seu entorno, além

ainda da não dinamização do mercado de reciclagem e reutilização, gerador de trabalho e

renda (GRIMBERG, 2004).

Como exposto por Grimberg (2004, p. 2), os recursos gastos no processo de enterro

dos resíduos poderiam “ser redirecionados para finalidades maisrelevantes como educação,

meio ambiente, saúde, cultura”.

Nesse contexto, é que Castro & Araújo (2004), afirmam:

A variedade dos resíduos sólidos e a quantidade produzida de lixo já seriam um

problema de grande complexidade para os responsáveis pela sua gerência. Além

disso, dispostos inadequadamente, podem contaminar o solo e os lençóis freáticos,

constituindo uma séria ameaça à saúde pública(CASTRO & ARAÚJO, 2004,

p.6).

Vendo isso, é possível afirmar que o controle dos resíduos é de extrema importância,

devendo sempre fazer coletas e adotar os melhores métodos para reciclagem e reutilização do

mesmo (CASTRO & ARAÚJO, 2004).

A seguinte tabela mostra o período de tempo que em os resíduos mais comuns levam

para serem absorvidos pela natureza.

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Fonte: FACHIN (2004, p. 23, apud Matos, 1999).

Segundo Fachin (2004), os resíduos liberados na natureza variam de acordo com o

modelo de vida de cada cidade, o seu desenvolvimento industrial, fatores sócio econômicos

como renda familiar, pois quanto maior o nível de renda, maior o nível de consumo. Deste

modo, as cidades precisam ter politias apropriadas para que o aumento dos resíduos sólidos

liberados na natureza e no meio urbano sejam tratados e coletados de forma mais eficiente e

de forma que possam ser reutilizados pelo homem (FACHIN, 2004).

5. PROCESSO DE DESTINAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO CARIRI

Para compreender como se deve fazer uma coleta correta dos resíduos sólidos, é

preciso levar em considerações fatores como: aspecto ambiental, sociais, e cultarias para que

se efetue um tratamento correto e com melhor eficacia, vendo isso, Jacobi (2012) diz que:

No aspecto ambiental, um dos desafios é a necessidade de definirmos as melhores

alternativas a serem adotadas, com menores impactos e que não sejam meramente

tecnologicas.[...] No que se refere aos aspectos sociais, a inclusão social se impõe

como um tema fundamental, que deve ser tratado sem paternalismos, como parte de

uma política pública, sob uma lógica institucional, sem ‘glamouriza-la”, e sim

trazendo à tona efetivamente as possibilidades que uma política pública pode

promover em termos de redução de desigualdades. Em relação aos aspectos

TABELA I – TEMPO APROXIMADO DE DECOMPOSIÇÃO

Material Tempo

Papel 2 a 4 semanas

Tecidos de algodão 1 a 5 meses

Corda 3 a 14 meses

Meia de lã 1 ano

Vara de bambu 1 a 3 anos

Chiclete 5 anos

Estaca de madeira 13 anos

Lata de conserva 100 anos

Lata de alumínio 200 a 500 anos

Plástico Até 450 anos

Fralda descartável Indeterminado

Garrafa de vidro Indeterminado

Pneu Indeterminado

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culturais, com os quais todos nós estamos envolvidos, principalmente nas ideias de

se produzir menos, de reutiliza-lo e de reciclagem, está presente um desafio o que se

associa aos temas das próprias políticas públicas, tal como a Política Nacional de

Resíduos Sólidos - PNRS (Lei n. 12.305/2010 apud JACOBI, 2012, p.31).

De acordo com a empresa de consultoria Lance construções e projetos LTDA,LCPL

(2012), o principal destino dos resíduos sólidos da região do cariri são os lixões a céu aberto.

Estes se encontram em zonas rurais e são abastecidos por caminhões da prefeitura que

realizam a coleta municipal. Na cidade de Juazeiro do Norte – CE, cidade de maior expressão

econômica da região, o lixão vigente hoje foi implantado em 2002 com planejamento de 20

anos de funcionamento útil (LCPL, 2012). Porém, o mesmo deverá ser fechado nos próximos

anos, conseqüência do funcionamento fora das normas estabelecidas para se ter a vida útil

projetada de duas décadas. O encerramento precoce do lixão é decorrência da “falta de

controle, má operação e não disposição de drenos para escoamento do chorume, nem de

coletores de biogás”, medidas essenciais para o seu bom funcionamento (LCPL, 2012, p. 97).

A situação é mais agravante por não haver nenhum tipo de separação ou tratamento

dos resíduos antes de serem dispostos no lixão (LCPL, 2012). São dispostos no mesmo local

desde resíduos domésticos (secos e molhados) até resíduos de origem hospitalar, “sem receber

tratamento prévio que assegure a eliminação das características perigosas dos resíduos, como

exige a Resolução CONAMA Nº 05, de 05 de agosto de 1993” (LCPL, 2012, p. 97).

O local é diariamente freqüentado por inúmeras pessoas, dentre elas crianças, jovens,

adultos e idosos, que sem nenhum tipo de proteção possuem acesso livre, sem impedimento

da administração, tendo ganhos proporcionais ao montante de resíduos que coletam. A

administração do lixão informa que em 2004 foi feito um levantamento da quantidade de

pessoas que estavam no local sem nenhum vínculo empregatício em busca de itens que

pudessem ser reaproveitados. Foram registrados nessa data o número de 138 indivíduos

(LCPL, 2012).

Os catadores de rua garantem ao município um grande benefício econômico, tanto na

proporção que reduzem a quantidade de lixo a ser coletado na limpeza urbana, como também

na diminuição de material que será depositado no aterro, contribuindo diretamente para o

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aumento da sua vida útil (LCPL, 2012). Como a existência de depósitos que fazem a compra

de materiais recicláveis é escassa no município, é preciso:

O incentivo por parte da Prefeitura de Juazeiro na criação de mais depósitos, as

parcerias com empresas que utilizam esse material reciclado seria uma alternativa

para ocupar/aproveitar toda essa mão-de-obra tão importante, contribuindo de forma

direta com o meio ambiente e com o social, além de melhorar a situação econômica

dessa parte da população (LCPL, 2012, p. 98).

Uma excelente alternativa seria a geração de uma cooperativa com a ajuda da

prefeitura, empresas locais, incentivos fiscais, etc. Cooperativa essa que seria responsável por

comprar toda a produção dos catadores, que fariam um cadastrado e seriam identificados

como recicladores. A implementação de programas de educação ambiental e estímulo à

participação da população na coleta seletiva, iria os conscientizar da importância epapel que

cada cidadão tem para a redução dos problemas ambientais do planeta (LCPL, 2012).

Paralelamente ao lixão, existem na região do Cariri empresas especializadas em

destinação de resíduos sólidos, como a Flamax, que realiza incineração, e usinas de

reciclagem, como a JF, que recicla e reutiliza plásticos e papelão. Por serem de iniciativa

privada e sem vínculo com o governo, essas instituições operam apenas em parceria com

empresas privadas (LCPL, 2012).

Devido ao elevado custo para o serviço de incineração, apenas as empresas de médio

e grande porte da região adotam essa medida. E apenas as adotam porque possuem elevadas

produções, e consequentemente geram elevada produção de resíduos, sendo rigorosamente

fiscalizadas pela SEMACE, que exige a destinação correta, de forma controlada, por meio de

tramites legais (Registro por meio de emissão de NFE) e declarações de destinação por parte

dos receptores, que obrigatoriamente devem possuir licença da SEMACE (LCPL, 2012).

5.1 Instalações do Aterro Sanitário do Cariri

Tendo em vista a necessidade de melhorias no processo de destinação de resíduos

sólidos na região do Cariri, a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará tomou a iniciativa

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para a criação do Consórcio Municipal para Aterros de Resíduos Sólidos – Unidade Crato

(COMARES – UC), a criação de um aterro sanitário, centro de triagem, estações de

transferências e estudos ambientais das cidades de Crato, Barbalha, Juazeiro, Altaneira,

Cairiaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, que terá vida

útil de 20 anos, objetivando ofertar uma solução ambientalmente possível e juridicamente

legal para a população da região (LCPL, 2012).

O aterro sanitário e o centro de triagem de materiais recicláveis serão construídos no

município de Caririaçu, já as estações de transferências ficarão localizadas nas cidades de

Barbalha, Crato, Nova Olinda, Farias Brito e Jardim, “tendo a vista a grande distância entre os

centros geradores de resíduos e o aterro sanitário”(LCPL, 2012, p. 05). Para reduzir os custos

resultantes do tratamento dos resíduos sólidos criados por essas cidades e garantir a realização

de tal sistema, as instalações serão construídas através de consórcio (LCPL, 2012).

O intuito da criação de um centro de triagem será para que haja a redução do volume

de resíduos mandados para o aterro. Nele se realizará a triagem primária, a prensagem e a

estocagem dos resíduos sólidos aptos para reciclagem. Esse processo trará benefícios, tal

como a geração de empregos, como também o aumento da vida útil do aterro. Nas estações de

transferência ocorrerá o acondicionamento temporário dos resíduos, que posteriormente serão

encaminhados para o aterro (LCPL, 2012).

Os principais objetivos do empreendimento são: destinar corretamente os resíduos

gerados pelos municípios do consórcio; otimizar os serviços de limpeza urbana; promover

juntamente com os municípios alternativas que visem diminuir os resíduos enviados ao aterro

sanitário; atender os parâmetros estabelecidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos

(LCPL, 2012, p. 05).

5.1.2 Impactos causados pelo Aterro Sanitário do Cariri

A partir dos resultados do estudo da consultoria Lance construções e projetos LTDA

(LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de impacto ambiental – EIA/ Relatório de impacto

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ambiental – RIMA/ para implantação do aterro sanitário regional do Cariri – Caririaçu-CE,

contratada pelo Governo do Estado do Ceará em 2012.

Alguns dos impactos que serão causados pelo planejamento, instalação, operação e

posterior fechamento do Aterro Sanitário do Cariri serão aqui identificados, sendo propostas

medidas que possam diminuir os efeitos negativos e maximizar os positivos sempre que

possível. Segue abaixo os principais impactos causados pelo projeto:

Deterioração da qualidade do ar: “A movimentação de terra, de veículos e de

máquinas durante a fase de execução das obras resultará em incremento das emissões gasosas,

de material particulado e de ruídos” (LCPL, 2012, p. 131).Apesar de essa movimentação

chegar ao fim quando as atividades acabarem, a qualidade do ar nesse determinado momento

será danificada, podendo causar problemas na saúde e no bem estar da população local

(LCPL, 2012).

Redução do nível de água subterrânea: “A impermeabilização do solo será

resultado de diversas ações, entre elas a terraplenagem, a implantação do sistema

impermeável de disposição e formação do maciço de resíduos, as vias e estruturas

construídas” (LCPL, 2012, p. 131). A extinção da vegetação dessa área provocará a

diminuição da recarga das águas subterrâneas em razão da diminuição do espaço disponível

para a infiltração de águas pluviais. Contudo, deve ser levado em consideração que o impacto

não será tão grande, pois o Cariri está localizado em uma região capaz de impulsionar a

recarga do aquífero (LCPL, 2012).

Ameaça a espécies vegetais em risco de extinção: “A supressão de vegetação

correspondente à ADA se resume na retirada da cobertura do estrato herbáceo, arbustivo e

espécies arbóreas comuns para região.” (LCPL, 201, p. 134). Para que se instale a estrutura

física do projeto, se faz necessária essa remoção. Se o órgão competente liberar a licença para

que seja feito o corte dessas plantas, esse impacto poderá ser aliviado com o plantio de mudas

comuns para o ecossistema da região, proporcionando um equilíbrio ambiental (LCPL, 2012).

Caça e captura de animais silvestres: Por causa da presença de trabalhadores do

empreendimento, existe a possibilidade de que haja a caça indiscriminada e captura da fauna

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local, usadas tanto para alimentação, como também para a comercialização ilegal de animais.

Vale lembrar que na área onde será construído o aterro sanitário já há uma redução no número

de espécies causada por processos de antropização (LCPL, 2012).

Fuga e afugentamento da fauna: No processo de implementação e operação do

aterro haverá um grande fluxo de máquinas, veículos e pessoas, fazendo com que haja um

aumento dos níveis de poeira e ruídos, causando, assim, uma fuga da fauna. “Esse impacto

também trará prejuízos para a nidificação, acasalamento e alimentação das espécies.” (LCPL,

2012, p. 135). Porém, como a área já está antropizada, o impacto não será tão grande (LCPL,

2012)

Fortalecimento do mercado especializado em estudos ambientais e engenharia

sanitária: “O desenvolvimento de estudos ambientais e técnicos para elaboração de projetos

incidirá positivamente sobre o mercado de trabalho especializado, colaborando na

manutenção de empregos e contribuindo na ampliação da renda dos trabalhadores do setor”

(LCPL, 2012, p. 137).

Desvalorização dos terrenos vizinhos: Devido ao medo que as pessoas têm de uma

má operação e de acidentes que provocarão a perda da qualidade ambiental do espaço,

juntamente com as atividades de operação e alteração da função do solo, ocorre a

desvalorização dos terrenos vizinhos ao aterro (LCPL, 2012).

Fortalecimento do mercado regional de construção civil e sanitária: As

construções ligadas ao empreendimento irão causar empregos locais, qualificação dos

trabalhadores, e, também, gerarão de renda para aqueles fornecerão as matérias primas e

equipamentos que vão ser utilizados na construção civil e operação do aterro, aumentando,

assim, a qualidade de vida da população (LCPL, 2012).

Melhoria das condições sanitárias dos municípios consociados: Com a existência

do aterro sanitário os lixões serão desativados, levando à melhoria sanitária, diminuindo

consideravelmente o risco de contração de doenças, melhorando qualidade de vida da

população residente e dos catadores que lá trabalhavam (LCPL, 2012).

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Desenvolvimento de tecnologias para o tratamento dos resíduos sólidos: “Os

mecanismos de controle e monitoramento ambiental e do sistema do aterro sanitário

permitirão a produção continuada de dados e incentivará a pesquisa e o desenvolvimento de

tecnologias adaptadas ao ambiente onde o empreendimento se insere, tanto pela gestão do

aterro quanto pelas ações de pesquisadores e cientistas.” (LCPL, 2012, p. 139).

Aumento de recursos públicos municipais: Os empregos gerados pelo aterro

juntamente com o desenvolvimento de novas atividades e indústrias criadas a partir da

reciclagem, formalizam o trabalho com carteira assinada aumentam a arrecadação tributária

no município de Caririaçu, que podem ser convertida no desenvolvimento da cidade (LCPL,

2012).

A maior parte dos impactos positivos será no meio socioeconômico, com geração de

emprego e renda, aumento da qualidade de vida, estímulo de atividades econômicas ligadas ao

desenvolvimento de tecnologias ligadas ao setor. O setor público também se beneficiará com

a arrecadação tributária “e, principalmente, com a sua adequação às exigência legais acerca da

disposição de resíduos.” (LCPL, 2012, p. 143).

O meio biofísico deverá receber a maior parte dos impactos negativos, consequência

da alteração dos elementos que fazem parte da paisagem local.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto, este presente trabalho alcançou os objetivos propostos. Os

impactos da futura instalação do aterro sanitário do Cariri são destacados no estudo realizado

pela consultoria Lance construções e projetos LTDA (LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de

impacto ambiental – EIA/ Relatório de impacto ambiental – RIMA/ para implantação do

aterro sanitário regional do Cariri na cidade de Caririaçu-CE. Dentre os principais impactos

da futura instalação do aterro sanitário do cariri, podemos destacar: deterioração da qualidade

do ar, redução do nível de água subterrânea, desvalorização dos terrenos vizinhos e melhoria

das condições sanitárias dos municípios consociados.

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REFERÊNCIAS

ABNT [Associação Brasileiro de Normas Técnicas]. Resíduos sólidos - Classificação. NBR

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