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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO – UFRPE
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Curso de Pós-graduação Especialização Latu Sensu
Especialização em Formação de Professores
CONCEPÇÕES DO PROFESSOR ALFABETIZADOR
SOBRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Recife, junho de 2004
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Adriana Cecília Dantas Cintra Siqueira dos Santos
Danielle Félix
Concepções do professor alfabetizador sobre alfabetização e letramento
Monografia apresentada à Pós-Graduação em
Especialização em Formação de Professores
para obtenção do título de Especialização.
Área de concentração: Educação
Orientadora: Telma Ferraz Leal
Recife
2004
3
Agradecimentos
Para a realização desse trabalho contamos com a ajuda de várias
pessoas. Sem elas seria impossível o desenvolvimento da nossa pesquisa.
Queremos agradecer primeiramente aos nossos familiares e à
professora Telma Ferraz Leal (professora da Universidade Federal de
Pernambuco) que, com sua paciência, dedicação e sabedoria nos orientou de
forma brilhante. Agradecemos também às diretoras e coordenadoras, pela
atenção e gentileza em receber-nos nas escolas e às professoras de uma
forma especial que, de forma espontânea e amável, cederam o pouco tempo
que elas têm disponível para a entrevista. À professora Eneri Albuquerque,
professora de Produção de Conhecimento, pela atenção, dedicação e
paciência em nos atender fora do horário do seu expediente.
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Resumo
O presente trabalho teve como objetivo investigar as concepções que
professoras alfabetizadoras tinham sobre alfabetização e letramento. A
metodologia de coleta de dados constou da análise de entrevistas. Foram
contactadas, aleatoriamente, 24 professoras (12 de alfabetização e 12 de 1ª
série), sendo oito delas de escolas públicas dos municípios de Recife-PE,
Camaragibe-PE e Jaboatão dos Guararapes, oito de escolas particulares
localizadas em bairros de baixo poder aquisitivo, localizadas no município de
Recife-PE e Camaragibe-PE e oito em bairros de médio e alto nível sócio-
econômico, situadas no município do Recife-PE. Elaboramos uma entrevista
semi-estruturada, em que as professoras responderam sobre seus dados
profissionais, sobre as atividades realizadas em sala de aula e sobre as
concepções relativas aos processos de alfabetização e de letramento. Essas
entrevistas foram gravadas, transcritas e depois categorizadas. As análises
mostraram que as professoras apresentaram conceitos diversos sobre
alfabetização, mas a maioria associava alfabetização a apropriação do sistema
alfabético, embora na escola pública, 50% das entrevistadas tenham
salientado que alfabetizar é também desenvolver habilidades de leitura e
produção de textos. Quanto ao conceito de letramento, não houve nenhuma
professora que tenha conseguido explicitar concepções que se aproximassem
das abordagens hoje difundidas sobre o tema. No entanto, foi observado que
na prática pedagógica havia uma preocupação em inserir diferentes gêneros
textuais nas atividades de alfabetização.
5
Sumário
1. Justificativa 06
2. Referencial teórico 08
2.1. Alfabetização: a apropriação do sistema alfabético e a
capacidade de leitura e escrita
08
2.2. Apropriação do sistema: processos de construção e
prática pedagógica
13
2.3. Letramento 21
2.4. Alfabetização e letramento: processos indissociáveis 25
3. Objetivos 28
3.1. Objetivo geral 28
3.2. Objetivos específicos 28
4. Metodologia 29
5. Resultados 32
5.1. Conceitos de alfabetização e letramento segundo as
professoras
33
5.2. Caracterização das práticas pedagógicas consideradas
como promotoras do letramento dos alunos e dos
processos de apropriação do sistema alfabético
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5.3. As dificuldades e os avanços das professoras na busca
de construir uma prática voltada para a alfabetização
com letramento
46
6. Conclusões 48
7. Referências bibliográficas 50
8. Anexo 52
6
1. Justificativa
O último exame feito pelo SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino
Básico) mostrou um resultado lastimável: aproximadamente 33% dos alunos
com quatro anos de escolaridade ainda são analfabetos. Os números do SAEB
atestam que os desafios pela frente são consideráveis. De cada 100 alunos da
4ª série do ensino fundamental, 59 alunos conseguem compreender apenas
frases simples, ou seja, tiveram desempenho considerado crítico ou muito
crítico no teste da Língua Portuguesa. O que se observa no dia-a-dia é que as
crianças não conseguem desenvolver práticas de leitura e de escrita que
satisfaçam às exigências da contemporaneidade. Constata-se que essas
crianças conseguem decodificar e transcrever códigos de unidade sonora, mas
não conseguem participar de práticas sociais, de uma sociedade letrada como,
por exemplo, redigir uma carta e até mesmo fazer inferências a partir dos
textos que são lidos. Para Luiz Araújo, presidente nacional do Instituto Anísio
Teixeira (INEP) “a maioria das crianças não estão aprendendo. Estamos
criando analfabetos funcionais em potencial” (Revista Professor,2003, p. 9).
Até pouco tempo atrás, o processo de alfabetização estava limitado ao
uso de cartilhas descontextualizadas, que eram constituídas de textos sem
sentido e de padrões silábicos. Os alunos eram obrigados a decorar se
quisessem aprender a ler e a escrever. As crianças repetiam esses padrões
silábicos, ora através da escrita, ora através da fala, até que conseguissem
“aprender” e isso já era o suficiente para garantir a sua alfabetização.
Atualmente essa concepção de ensino-aprendizagem é insuficiente para
responder às demandas de contemporaneidade. O professor precisa estar
constantemente se renovando, participando de cursos, palestras, debates,
elaborando pesquisas, para poder repensar sua prática e, com isso, melhorar
sua atuação em sala de aula e conseqüentemente melhorar o ensino. Agindo
dessa forma, haverá possibilidade de uma atuação pedagógica mais condizente
com a função atual da escola, que é a de oferecer condições aos alunos para
que esses se envolvam com as mais numerosas e variadas práticas sociais de
leitura e de escrita exigidas pela sociedade, e, sobretudo, consigam fazer a
leitura de mundo. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN-1997,
7
p.34), “a diversidade textual que existe fora da escola pode e deve estar a
serviço da expansão do conhecimento letrado do aluno.”
Para Soares (2003), a função do professor é de ser capaz de letrar seus
alunos, independentemente de qualquer nível de escolaridade ou disciplina. O
importante, para essa autora, é que o faça com competência e, para isso, ele
precisa dominar a leitura e a escrita da sua área de conhecimento.
Soares ressalta a importância do uso das mais variadas práticas de
leitura e escrita pelos alunos como forma de atender às exigências de uma
sociedade cada vez mais centrada na escrita.
Como já dissemos, o ato de ler e escrever para decodificar e transcrever
códigos de unidade sonora revela condições insuficientes para os dias de hoje.
Soares (2001) ressalta que é preciso ir além da simples aquisição do código
escrito, é preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano, apropriar-se das
funções sociais dessas duas práticas, ou seja, letrar-se, sabendo fazer uso
competente e freqüente da leitura e da escrita. O ato de alfabetizar para
decodificar e transcrever códigos tornou-se insuficiente para atender às
exigências de uma sociedade letrada, por isso existe a necessidade de
estabelecer uma ligação entre o processo de alfabetização e letramento.
De acordo com Soares (2001), à medida que o analfabetismo vai sendo
superado, a sociedade vai ficando cada vez mais centrada na escrita. Diante
dessa afirmação, surge então a necessidade dos alunos terem acesso às
diferentes fontes de informações que circulam na sociedade letrada, como
jornais, catálogos e outras mais. Para Carvalho (1995), é importante que os
alunos mantenham contato com as convenções de diferentes gêneros textuais,
assegurando uma leitura mais eficiente e direcionada para um fim social. Dessa
forma, conseguem modificar sua relação com os outros e suas ações na
sociedade, passando a selecionar o que é melhor para si e para coletividade.
O professor não deve impor limites aos seus alunos quanto ao que deve
ou não ser lido e quanto ao que deve ou não ser escrito. Muitas vezes, são
oferecidos, aos alunos, textos curtos de poucas frases e simplificados, por
achar que eles não têm a capacidade de ler. E, no que se refere à escrita, são
realizadas atividades que impõem ao aluno a produção de palavras e frases
simples, negando a esse a possibilidade de se envolver com outras práticas de
escritas, como, por exemplo, redigir um bilhete, elaborar um cartaz. De acordo
8
com os Parâmetros Curriculares Nacionais, não se formam bons leitores
oferecendo materiais empobrecidos, justamente no momento em que as
crianças são iniciadas no mundo da escrita.
A partir da concepção acima exposta, precisamos criar atividades
diversificadas, como elaboração de textos para relatar o que foi aprendido,
carta para comunicação com outros alunos da escola e da comunidade, jornais
informando o que ocorre na escola e na própria comunidade. O letramento,
assim, inclui a capacidade de nos instruirmos por meio da leitura e da escrita e
selecionarmos, entre muitas informações, aquelas que mais interessam ou as
que mais se relacionam com a vida.
Como o professor é o maior agente envolvido para que essa nova forma
de ensino ocorra nas escolas, faz-se necessário investigar quais seriam as
concepções que ele tem sobre alfabetização e letramento. A importância deste
tipo de trabalho está no fato de que, a partir de um diagnóstico da concepção
do professor sobre alfabetização e letramento, podemos propor estratégias de
formação continuada como perspectiva de mudança na sua atuação em sala de
aula. Para Araújo (Brasil, p.9), o precursor dessa mudança para reverter a
situação atual da educação seria o professor. E complementa que “é preciso
que a formação forneça os instrumentos para que o docente solucione os
problemas de letramento dos alunos...” Para mudar esse quadro, o Ministério
da Educação (MEC) está implementando políticas emergenciais voltadas não
só para o aluno, mas também, e principalmente, para o professor, já que ele o
grande mediador para que as transformações ocorram. (Brasil, 2003)
2. Referencial teórico
2.1 Alfabetização: a apropriação do sistema alfabético e a capacidade de
leitura e escrita
Um primeiro debate que diz respeito às concepções sobre alfabetização
é de natureza ideológica. Pierre Giroux (1983:57-58 em Tfouni 1995:16-17)
esclarece que há uma curiosa contradição, pois embora a alfabetização esteja
novamente em foco, o discurso que domina o debate ainda põe em evidência
questões retrógradas, conservadoras que, ao invés de estreitar as relações
9
entre alfabetização e escolarização, acabam distanciando ainda mais as duas.
Para Giroux, é importante fazer críticas sobre o atual debate em relação à
alfabetização e à escolarização, porque, para ele, o conhecimento escolar está
relacionado com o poder e atende às exigências e interesses sócio-políticos.
No atual contexto, a alfabetização pode ser vista como processo “mecânico”,
reduzido à habilidade de utilizar a linguagem escrita e falada, ou, em termos
“funcionais”, como processo para atender às exigências das habilidades de
leitura e escrita fundamentais ao bom desempenho e expansão do trabalho,
para atender as demandas sociais, políticas e econômicas. Por isso, é preciso
que os professores assumam um compromisso de transformação dessa
escola, inovando suas práticas pedagógicas com o objetivo de melhorar a
qualidade do ensino. Dessa forma, os alunos não serão passivos nesse
processo de construção do conhecimento, mas sujeitos da construção de seu
conhecimento.
Diferentes autores conceituam alfabetização. Para Tfouni (1995),
existem duas formas de se entende a alfabetização: ou como processo para a
aquisição da leitura e da escrita (habilidade de ler e escrever), ou como um
processo de aquisição do sistema de representação da linguagem.
Para essa autora, o que parece acontecer é que quando a alfabetização
é vista como habilidade de ler e escrever, ela se caracteriza como sendo um
processo completo e determinado pela escolarização, através de objetivos que
a escola estabelece como meta para o processo de alfabetização e que se
chega a um fim. No entanto, para essa autora, “o que caracteriza a
alfabetização é a sua incompletude”. Nesse caso, a alfabetização, enquanto
processo individual, não se completa nunca, pois, como diz Teale (1982, p.
559, em Tfouni, 1995, p. 15):
A prática da alfabetização não é meramente a
habilidade abstrata para produzir, decodificar e
compreender a escrita; pelo contrário, quando as
crianças são alfabetizadas, elas usam a leitura e
a escrita para a execução das práticas que
constituem sua cultura.
10
A partir dessa definição sobre alfabetização, Tfouni (1995) comenta que
do ponto de vista sociointeracionista, esse é um processo que não se completa
nunca, já que a sociedade vive em processo contínuo de transformação e que
as pessoas tendem a acompanhar essas mudanças. Por isso, a autora
comenta que: “talvez seja melhor não falar em alfabetização simplesmente,
mas em níveis, ou graus de alfabetização”. Embora a escala de desempenho
desse indivíduo esteja ligada à instrução escolar (escolarização), parece
provável que ele posteriormente venha a participar de práticas sociais. Nesse
caso, não podemos compreender a alfabetização como algo que chega a um
fim, mas sim como algo que evolui a partir da necessidade do uso das
diferentes práticas sociais de leitura e da escrita que cada indivíduo fará uso
na sociedade em que se vive.
Na segunda concepção de alfabetização apresentada anteriormente por
Tfouni (1995), a alfabetização está concebida como processo de
representação e de construção do sistema alfabético. Dentro dessa
perspectiva, Emília Ferreiro comenta que a escrita (objeto de conhecimento)
não deve ser vista como um código de transcrição gráfica das unidades
sonoras, “mas sim como um processo que evolui historicamente” (1987, p12,
em Tfouni, 1995, p18-19).
Nesse segundo enfoque, “a alfabetização não é mais vista como sendo
o ensino de um sistema gráfico que equivale a sons” (Tfouni, 1995, p.19). Para
a autora, é preciso levar em consideração um novo aspecto, ou seja , que
ambos os sistemas de representação (escrita e oralidade) mantêm uma
relação de interdependência e ambos influenciam-se igualmente. Nesse
sentido, é correto afirmar que o processo de construção da escrita pela criança
não ocorre de forma linear (som-grafema); é um processo bastante complexo e
implica diferentes estágios que vão desde a simples escrita de palavras até um
nível mais complexo, como a produção de uma carta. Portanto, é através
desse processo de alfabetização, que se processa de forma não linear e que
envolve graus de complexidade crescentes, que a criança vai construindo
gradativamente esse objeto de conhecimento.
Soares (2003) afirma que há alguns anos atrás a alfabetização se fazia
por métodos “hoje considerados tradicionais”. Foi a partir na década de 80 que
11
se passou a questionar sua eficácia. De acordo com Parâmetros Curriculares
(1997, p. 22):
os esforços pioneiros para a transformação da
alfabetização escolar consolidaram-se, ao longo de
uma década, em práticas de ensino que têm como
prioridade o uso da linguagem. Práticas que partem
do uso possível aos alunos e pretendem provê-los
de oportunidades de conquistarem o uso desejável
e eficaz da língua, que não seja apenas a
decodificação e o silêncio, mas a participação ativa
na construção da escrita.
Soares (2003), assim como Tfouni, reconhece diferentes significados
para alfabetização atribuídos por diferentes pesquisadores. Um deles é o de
que a alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas
(escrever) e de grafemas em fonemas (ler). Nessa situação, o que a criança
precisa é estabelecer relações entre sons e letras da língua portuguesa. Já um
outro conceito está não só relacionado à apropriação do sistema alfabético,
mas ao de que a alfabetização seja um processo de compreensão/expressão
de significados, “um processo de representação que envolve substituições
gradativas (“ler” um objeto, um gesto, uma figura ou desenho, uma palavra),
em que o objetivo primordial é a apreensão e compreensão do mundo, visando
à comunicação, à aquisição do conhecimento” (Kramer, 1982, p.62, em
Soares, 2003, p.16).
Em relação a tal distinção consideramos que não podemos
desconsiderar a importância da alfabetização como processo de representação
de fonemas/grafemas, mas o que deveria ser incorporado nesse processo
seria a importância na compreensão dos significados, ou seja, não basta
apenas codificar (escrever) e decodificar (ler), é preciso compreender o que se
lê e o que se escreve.
Para Soares (2003), apesar dos dois conceitos citados acima sobre
alfabetização estarem predominantemente em debate (“mecânica” da língua e
apreensão/ compreensão de significados), existe um outro ponto de vista em
12
relação à alfabetização tão importante quanto os dois primeiros. Ao contrário
dos conceitos citados anteriormente, que considera a alfabetização um
processo individual, esse outro conceito aborda o aspecto social. Nesse ponto
de vista, o processo alfabético deve levar em conta os determinantes sociais
das funções e fins da aprendizagem da língua. Implica, portanto, que nessa
visão devemos considerar as diferenças culturais, sociais, locais, econômicas
de cada sociedade. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997, p.24), a língua constitui-se “como um sistema de signos históricos e
sociais que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade: é aprender
não só palavras, mas também os seus significados culturais e as formas como
as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade e a si
mesma.”
Para Soares (2003), a alfabetização é uma parte constituinte da prática
da leitura e da escrita, que tem sua especificidade e não pode ser desprezada,
portanto, deve ser ensinada de forma sistemática e nunca diluída no processo
de letramento.
O que vem ocorrendo é que a alfabetização está perdendo a sua
especificidade. Para Soares (2003), isso possivelmente vem acontecendo por
diversas razões: primeiro, uma concepção sobre alfabetização associada ao
construtivismo, que coincidentemente chegou ao país nos anos 80, na mesma
época que o conceito de letramento; segundo, a uma nova organização do
tempo escolar, que consiste na divisão de ciclos (progressão contínua da não-
reprovação), em que as escolas passaram a reconhecer que alfabetização em
apenas um ano de escolaridade é insuficiente.
Para a autora, a nova concepção de alfabetização da forma que foi
introduzida no sistema educacional é que pode ser uma das causas da perda
dessa especificidade do processo de alfabetização, visto que a construção da
escrita pela criança se dá a partir da interação com o objeto de conhecimento,
numa descoberta progressiva. O problema foi que atrelada a essa concepção
veio a idéia de que não seria preciso um método para alfabetizar e, com isso,
surgiu um falso pressuposto de que a criança iria aprender a ler e a escrever
só pelo convívio com textos. Isso foi um equívoco. Os educadores passaram a
menosprezar a especificidade da aquisição da técnica da escrita. Porém,
13
sabemos que ninguém aprende a ler e a escrever se não aprender a codificar
e a decodificar.
Hoje temos uma teoria, mas não temos um método. A preocupação está
em que ocorra um retrocesso, uma volta à utilização dos métodos tradicionais.
Por isso, Soares (2003) propõe uma reflexão sobre a “reinvenção” da
alfabetização para recuperar a sua especificidade, para que a partir daí
possam ocorrer avanços significativos no processo educacional. Esta autora
está preocupada com a visão hoje difundida pelos adversários do
construtivismo de que o antigo método fônico seria mais eficaz no processo
alfabético e com a publicação “alfabetização e construtivismo - um casamento
que não deu certo”.
De acordo Frade (2003, p.18), “não são apenas os métodos que
definem o aprendizado e não há uma única estratégia metodológica que vale
para todos”. Apesar da afirmação feita acima, ela ressalta que o não
enfretamento da questão metodológica sugere a possibilidade de vir à tona a
mesma preocupação, citada por Soares, relacionadas com a volta das
antigas práticas pedagógicas.
Portanto, para corrigir o problema enfrentado em relação aos altos
índices de reprovação dos exames nacionais e estaduais, talvez a solução não
seja voltar, retroceder, mas sim orientar as crianças na construção da relação
fonema/grafema. Para Frade (2003, p.25), “é preciso inventar um recurso
pedagógico para enfrentar a „transcendência‟ metafísica da escrita.”
Por isso, é necessário que as práticas pedagógicas estejam voltadas
para o processo de construção do conhecimento, no caso, a apropriação da
escrita pelos alunos, para que ela se dê de forma significativa. É importante
que o professor se aproprie de conhecimentos referentes ao processo de
construção da escrita (psicogênese da escrita), e de atividades metodológicas
que privilegiem esse processo de construção da escrita pelas crianças. Abaixo
discutiremos essas questões.
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2.2 Apropriação do sistema: processos de construção e prática
pedagógica
O processo de apropriação do sistema alfabético envolve uma relação
entre professor, aluno e o sistema de representação da linguagem (objeto de
conhecimento). Pressupõe-se que o professor deva ter conhecimentos sobre a
natureza desse objeto do saber e sobre as concepções das crianças acerca da
escrita.
Assim, pressupõe-se que o professor deva saber que a escrita não pode
ser concebida como código de transcrição que converte as unidades sonoras
em unidades gráficas: não se pode reduzir a linguagem a uma série de sons.
Por outro lado, o professor não pode, também, como diz Ferreiro (2001), achar
que a criança é uma tábua rasa na qual se inscrevem as letras e palavras de
acordo com determinado método, que segue passos ordenados para chegar a
um fim.
O momento de construção do conhecimento implica em assimilação e
conseqüentemente transformação das informações recebidas durante o
processo alfabético (construção da escrita). Então, a partir dessa perspectiva,
não é o professor que vai impor limites, definindo o fácil e o difícil. Portanto, as
práticas pedagógicas devem estar apoiadas, para que as aquisições da leitura
e da escrita não estejam limitadas à cópia e à repetição de fonemas isolados,
com procedimentos sistemáticos para compreensão da linguagem escrita.
Para essa autora, alunos copistas são experientes, mas não compreendem o
modo de construção do que copiam. É necessário, pois, reconhecer que a
aprendizagem do sistema alfabético é um processo complexo, que exige
construção de conhecimentos.
A criança ao manter contato com o mundo da escrita enfrenta grandes
dificuldades para construir o sistema de representação da língua. A maioria
dos professores ignora esse processo de construção mental que as crianças
utilizam para compreender a escrita e por isso permanecem utilizando práticas
pedagógicas direcionadas para que a aprendizagem da escrita se dê através
de sílabas ou palavras isoladas, reduzidas a uma série de sons. Nos estudos
desenvolvidos por Ferreiro (1997, 2001) ela comprova que as crianças
reinventam esse sistema de representação da linguagem, o que não significa
15
que elas criem novos signos lingüísticos. Elas não empregam esforços
intelectuais para inventar novas letras, apenas recebem a forma das letras da
sociedade e as adotam tal e qual. O processo de construção supõe
reconstrução do saber já construído.
Para essa autora, a criança passa por diferentes evoluções no
processo construtivo da escrita e isso é proporcionado por diversos meios
culturais e de diversas situações educativas, em que a criança vai
gradativamente construindo sua representação da linguagem. Para ela, a
construção de um objeto de conhecimento é muito mais que mera coleção de
informações, implica em construir um esquema conceitual, em que a criança
vai interpretar dados prévios e novos dados, ou seja, ela vai receber
informação e transformá-la em conhecimento. Por isso, é importante que o
professor tenha conhecimento de como se dá esse processo de construção da
escrita (aspectos construtivos) pela criança. É nesse momento que elas criam
hipóteses, inventam, raciocinam na tentativa de compreender a escrita. O que
ocorre é que, quando o professor estabelece como parâmetro o “modelo
tradicional”, ou seja, o processo silábico fragmentado, isolado, ele passa a
desconsiderar os aspectos construtivos desse processo de representação da
escrita. Nessa situação, o educador leva somente em consideração os
“aspectos gráficos” das produções feitas pelas crianças, ou seja, apenas as
relações de orientação (esquerda, direita, cima, embaixo), qualidade dos
traços e ordenação espacial. O processo para compreensão da construção da
escrita alfabética, caracterizada por Ferreiro (2001), ocorre de forma gradativa
em que a criança passa por diferentes estágios da escrita, chamada de
psicogênese da escrita:
Pré-silábico - Esse estágio é caracterizado como um momento em que a
criança não faz relações entre escrita e pauta sonora. As crianças variam seus
critérios em relação às escritas produzidas. Elas podem variar a quantidade de
letras para obter escritas diferentes (eixo quantitativo), o repertório de letras
que utiliza, a posição das mesmas letras sem modificar a quantidade. Utilizam,
muitas vezes, símbolos não convencionais como linhas onduladas ou em
zinguezague, linhas verticais, bolinhas, ou desenhos para representar as
palavras (geralmente substantivos). Algumas vezes, escrevem mais letras
16
quando o objeto representado é grande e com poucas letras quando o objeto é
pequeno, além de outras hipóteses possíveis, como a escrita de uma letra para
cada palavra.
Silábico – O que marca o ingresso da criança para esse outro estágio da
evolução da escrita está relacionada às propriedades sonoras da palavra
(significante). Nesse estágio, a criança percebe, pela primeira vez, que há
uma relação entre a escrita e a pauta sonora. Nesse momento, ela percebe
que o código escrito tem propriedades da palavra e não do objeto
representado (“uma palavra pode ter correspondência com a quantidade de
partes que se reconhece na emissão oral”). Algumas crianças levam em
consideração apenas os aspectos quantitativos, colocando qualquer letra para
representar as sílabas (estágio silábico de quantidade). Em outros casos, as
crianças começam a usar as letras para representar valores sonoros
específicos (silábicos), então a criança começa a fazer a relação entre as
partes sonoras e a escrita (estágio qualitativo).
Silábico-alfabético – Esse estágio marca a transição entre os
conhecimentos prévios e os conhecimentos futuros (conhecimentos em vias de
serem construído). Gradativamente a criança vai descobrindo que as sílabas
são compostas de unidades menores (fonemas) e começam a colocar mais
letras em cada sílaba. As letras representam as unidades sonoras (fonemas)
através das correspondências grafofônicas. Apesar disso ainda não há
consistência quanto a tais relações: algumas sílabas aparecem representadas
por uma letra e outras por mais de uma letra. Gradativamente as crianças
começam a incorporar os conhecimentos de que as sílabas podem variar
quanto às combinações.
Alfabético – A escrita alfabética caracteriza-se por um esforço da criança
para representar todos os fonemas da palavra. Nesse momento, a maioria das
crianças percebe que as correspondências grafofônicas não são fonéticas e
sim ortográficas, ou seja, a identidade de som não garante identidade de
letras, nem a identidade de letras a de sons. Nessa relação, as crianças estão
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voltadas para as normas ortográficas e essa aprendizagem perdura durante
toda a vida escolar do aluno.
Por isso, é importante compreendermos de que forma a criança
concebe a escrita e como se dá a construção desse objeto de conhecimento,
ou seja, para que os professores atuem de forma consistente, é preciso que
conheçam os diferentes estágios da escrita, descritos por Ferreiro (2001). Esse
conhecimento é primordial para podermos criar intervenções adequadas ao
processo de aprendizagem. Intervenções essas necessárias para rompermos
com práticas tradicionais de ensino. Com diz Ferreiro (2001), há muitas
práticas direcionadas para que o conhecimento se dê através de forma
passiva, em que as crianças são apenas receptoras passivas do
conhecimento. Nessas, elas nem se atrevem a questionar como se constrói
esse conhecimento. O conhecimento é algo que se transmite, sendo ele
sagrado e já pré-determinado.
Para frade (2003), vivemos nos últimos anos a era da “inovação”, ou
seja, estamos em busca de novas formas metodológicas para se alfabetizar.
Para ela, se consideramos uma perspectiva histórica, é importante averiguar a
permanência e os problemas pedagógicos que persistem até os dias atuais e
as concepções e práticas que devem ser respeitadas. Esse questionamento
feito por ela está relacionado com concepções metodológicas que são contra a
codificação e a decodificação, contra a instrução e também contra a memória
e práticas de professores alfabetizadores. O que parece importante é tomar
conhecimento da forma como os professores alfabetizadores se apropriam dos
conhecimentos científicos e, principalmente, investigar quais são as práticas
metodológicas que eles utilizam no dia a dia. O ofício e saberes do professor
alfabetizador são muito importantes, e devemos levar em consideração as
práticas utilizadas por ele em sala de aula: elas poderão servir para pesquisas
nessa área.
Leal (prelo), a partir de análises feitas em livros e periódicos sobre as
propostas de atividades sugeridas por diversos autores como: Carvalho (1994),
Armellini e outros (1993), Freitag (1994), Fuck (1993), Hara (1992), Kaufman
(1994), Leal e outros (1996), Rego (1988), Roazzi e outros (1996), Teberosky
(1993) e a partir de análise de sala de aula, em um projeto de alfabetização de
jovens e adultos, constatou que a maioria das atividades encontradas poderia
18
ser enquadrada em categorias. Portanto, ela percebeu nove tipos de atividades
essenciais para as reflexões sobre a escrita:
Atividades de familiarização com as letras – no processo de alfabetização
alguns alunos ainda não concebem que é preciso utilizar letras e ao invés
disso fazem bolinhas, traços para representar a escrita. Por isso, é
importante que as professoras desenvolvam atividades relacionadas para o
reconhecimento das letras.
Atividades que objetivem a construção de palavras estáveis – trabalhar com
palavras que sejam familiares aos alunos. Pode-se realizar atividades em
que as crianças aprendam um conjunto de palavras que possam servir de
referencial para escrita de outras palavras.
Atividades que destacam análise fonológica – atividades que estão
relacionadas com escrita – pauta sonora, para estabelecer mais
eficientemente as relações grafofônicas.
Atividades de composição e decomposição de palavras – estão
relacionadas com a reflexão acerca de que as palavras são formadas por
partes menores (sílabas, fonemas) e que partes menores podem ser
utilizadas para a produção de novas palavras.
Atividades de comparação entre palavras quanto ao número de letras ou às
letras utilizadas – são atividades em que o aluno compara palavras pois,
como afirma Leal (prelo), “a habilidade de comparação é imensamente
importante no processo de aprendizagem. Quando as crianças comparam
palavras, elas percebem as regularidades da língua e os princípios do
sistema alfabético são mais facilmente compreendidos.”
Atividades de “tentativas de reconhecimento de palavras”, através do
desenvolvimento de estratégias de uso de pistas para leitura – essas
atividades levam a criança a tentar fazer a análise das correspondências
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grafofônicas, ou seja, a usarem pistas que eles já têm para descobrir outras
palavras.
Atividades de escrita de palavras e textos que os alunos sabem de
memória – atividades de escrita que levam os alunos a usar os
conhecimentos disponíveis para tentar representar palavras e textos que
sabem de memória.
Atividades de sistematização das correspondências grafofônicas – pela
variedade de fonemas presentes na língua é preciso pensar em atividades
que auxiliem as crianças a conhecerem todas as letras e suas realizações
fonêmicas.
Atividades de reflexão durante a produção e leitura de texto – as atividades
de leitura e escrita ajudam a melhorar a compreensão sobre a escrita e a
ganhar maior fluência de leitura.
Segundo Leal (prelo)
É indispensável perceber que não é a atividade em
si que conduz ao conhecimento, mas a ação da
criança mediada pelas informações e intervenções
que o adulto realiza durante a atividade, assim como
pelas trocas de informações entre pares (interação
entre crianças). Por essa razão, não se pode deixar
de refletir sobre a postura que o professor precisa
assumir. Nessa perspectiva, o professor apresenta-
se como um interlocutor que vai, durante todo o
processo, atribuir significados às tentativas de
escrita pela criança.
Um dos temas que merece aprofundamento, ao tratarmos das práticas
de alfabetização, é o papel do livro didático neste processo. Para Frade (2003),
numa perspectiva mais tradicional, os livros didáticos tinham uma relação
20
estreita com o processo de alfabetização. Lá, o professor encontrava os
procedimentos sistematizados e detalhados de como alfabetizar. Hoje
podemos observar que há rompimento entre livro e método. Nesse caso, o que
parece acontecer é que as cartilhas aos poucos estão sendo substituídas por
livros de alfabetização, que não mantém nenhuma relação com padrões dos
antigos livros utilizados para alfabetizar. No entanto, embora os livros didáticos
atualmente mais recomendados priorizem aspectos relacionados aos gêneros
textuais, aos usos e funções da escrita, parece haver uma maior tendência,
entre os professores, a escolheram livros didáticos menos recomendados. Os
dados que evidenciam tal tendência foram encontrados em uma pesquisa
realizada no ano de 2001 pelo centro de alfabetização, Leitura e Escrita
(CEALE), descrita por Frade (2003). Para essa autora, talvez isso tenha
ocorrido pelo fato dos professores ainda não reconhecem claramente essa
nova proposta apresentada pelos atuais livros de alfabetização. A ruptura entre
livro e método gera um grande problema, porque os procedimentos
metodológicos ficam mais visíveis apenas pelos professores que já sabem o
que fazer.
Hoje, os professores têm tentado conciliar os métodos que já
conheciam antes com as inovações pedagógicas. Há práticas pedagógicas e
procedimentos que dão ênfase à totalidade (textos, frases ou palavras) para
depois se proceder à análise de partes como as sílabas. É comum encontrar
trabalhos que incentivam a memorização de diversos textos (parlendas,
poemas, músicas). Através desses textos, os professores criam atividades de
reconhecimento de palavras que estão faltando no texto, reordenamento de
frases que estão recortadas e embaralhadas do texto e são propostas também
atividades de reflexão das relações entre a oralidade e a escrita e entre
fonemas e grafemas. Há também práticas atuais que priorizam o trabalho com
unidades menores: letras, fonemas e sílabas. Parte-se do alfabeto como
unidade significativa, busca-se o reconhecimento de sílabas iniciais e finais, no
contexto de leitura e escrita de textos reais.
Alfabetizar é um processo muito difícil e que exige do professor
diversos procedimentos metodológicos para que eles atuem com
competência para que os alunos possam ter o direito a ler e escrever e que
21
saibam da importância e da função que tem a escrita e a leitura na sociedade
em que ele vive.
Durante a apropriação do sistema alfabético é de fundamental
importância que a criança tenha acesso a diferentes práticas sociais de leitura
e de escrita que circulam na sociedade. Como diz Soares (2001), as pessoas
aprendem a ler e escrever, mas não têm necessariamente competência para
redigir uma carta, um ofício. Para ela, é preciso cultivar as práticas sociais: é
preciso letrar-se.
2.3. Letramento
Existem diversas perspectivas para o termo letramento, nas concepções
de diferentes autores. O letramento é considerado por Soares (2000, p.47 em
Frade 2003, p.17) como “estado ou condição de quem não apenas saber ler e
escrever, mas cultiva as práticas sociais que usam a escrita.”
Para Tfouni (1995), a necessidade de começar a falar em letramento se
deu através da tomada de consciência de que havia alguma coisa além da
alfabetização, que era mais ampla e determinante desta. Segundo a
perspectiva de Tfouni, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da
aquisição de um sistema escrita por uma sociedade. Para essa autora, os
estudos sobre letramento não se restringem somente àquelas pessoas que
adquiriram a escrita, isto é, aos alfabetizados, mas buscam investigar também
as conseqüências da ausência da escrita de grupos sociais não – alfabetizados
que vivem em uma sociedade letrada e quais mudanças sociais e discursivas
ocorrem em uma sociedade quando ela se torna letrada.
Traduzido do inglês para o português, letramento vem do termo literacy
e significa condição de ser letrado. Literate (=letrado), por sua vez, é o adjetivo
que caracteriza a pessoa que possui a habilidade de leitura e de escrita. O
sentido que se tem atribuído corriqueiramente aos adjetivos letrado e iletrado
não está relacionado ao do termo letramento. Nesse aspecto, letrado quer
dizer versado em letras, erudito; iletrado quer dizer não erudito, analfabeto, ou
quase analfabeto. Para Soares (2001,p.18) ”letramento é, pois, o resultado da
ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que
adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se
22
apropriado da escrita.” Podemos também considerar o processo de letramento
nos casos em que os indivíduos, mesmo sem saberem ler e escrever
(analfabetos), são letrados. Assim, reconhece-se que eles vivem num meio
em que há presença constante da leitura e da escrita e, embora eles não
consigam ler e nem escrever autonomamente, eles participam dessas
situações.
Soares (2001) atribui a Tfouni a divulgação do uso do termo letramento
no campo da educação e das ciências lingüísticas, embora diga que uma das
primeiras ocorrências de seu uso parece ter sido no livro “No mundo da escrita:
uma perspectiva psicolingüística”, de Mary Kato, em 1986. Essa autora
distinguiu alfabetização e letramento, acreditando que ser alfabetizado não
significa ser letrado, assim como ser iletrado não é uma característica de todo
analfabeto. O letramento indica, como já dissemos, “o estado ou condição que
adquire um grupo social ou indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado
da escrita e de suas práticas sociais” (Soares, p. 39).
Nos dias de hoje, em que as sociedades do mundo inteiro estão cada
vez mais centradas na escrita, ser alfabetizado, isto é, saber ler e escrever,
tem se revelado condição insuficiente para responder adequadamente às
demandas contemporâneas. Soares (2001) diz que o conceito de letramento,
embora ainda não registrado nos dicionários brasileiros, tem seu aflorar devido
à insuficiência reconhecida do conceito de alfabetização.
Para Soares (2001), se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler
um livro, uma revista, um jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é
capaz de escrever uma carta, é alfabetizada, mas não é letrada.
As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a
escrever, mas não necessariamente incorporam a
prática da leitura e da escrita, não
necessariamente adquirem competência para
usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as
práticas sociais de escrita: não sabem redigir um
ofício, um requerimento, uma declaração; não
sabem preencher um formulário... (Soares, 2001,
p.45-46).
23
Para essa autora, em sociedades grafocêntricas como a nossa, tanto
crianças de camadas favorecidas quanto crianças das camadas populares
convivem com a escrita e com práticas de leitura cotidianamente, ou seja,
vivem em ambientes de letramento.
O conceito de letramento no Brasil vem submerso desde os tempos do
Brasil colônia, mas o reconhecimento desse fenômeno só passou a ter um
significado social recentemente. Com isso, o sistema de ensino e as escolas
passam a reconhecer que alfabetização, entendida como a aprendizagem
mecânica do ler e do escrever, não é suficiente para superar as necessidades
atuais da prática social da leitura e escrita. Por isso, já estão presentes nas
escolas, traduzidas em ações pedagógicas de reorganização do ensino e
reformulação dos modos de ensinar, as práticas de alfabetização com
letramento.
De acordo com Soares (2001), portanto, letramento é o estado ou a
condição em que vive o indivíduo que não só sabe ler e escrever, mas exerce
as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive.
Por isso, além de aprender a ler e escrever, a criança também deve dominar
as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade. Para ela,
uma criança não alfabetizada, mas que já manuseia livros, revistas, é uma
criança letrada, porém não alfabetizada, pois ela convive com um ambiente
letrado, ou seja, rodeada de material escrito. As crianças, desde cedo, vão
conhecendo o sistema de escrita, diferenciando-o de outros sistemas gráficos,
descobrindo o sistema alfabético. Por isso é importante associar o processo
de letramento com o processo de apropriação da escrita.
Na atual sociedade - até no censo - utiliza-se de novos critérios para
verificar o número de analfabetos e alfabetizados. Hoje, para considerar uma
pessoa alfabetizada é necessário que ela não apenas saiba escrever o seu
próprio nome, mas também que seja capaz de utilizar-se de outras formas de
escrita, como, por exemplo, saber escrever um bilhete simples.
A necessidade do uso, com mais ênfase, do termo letramento (apesar
do mesmo ser antigo), é conseqüência das pesquisas realizadas que
denunciam o fato de que, apesar do índice de alfabetizados ter aumentado,
saber ler e escrever não é garantia de nossa “imersão” no mundo da escrita.
24
Na perspectiva de Tfouni (2002), o letramento focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. Desse
modo, o termo “letrado” não tem um sentido único. Pelo contrário, está
intimamente ligado à questão das mentalidades, da cultura e da estrutura
social como um todo. Partindo dos aspectos sócio-históricos, a autora
argumenta que nas sociedades modernas não existe o “iletramento”. Fala-se,
sim, de “graus de letramento”. Isso quer dizer que o letramento está
relacionado com o poder de diálogo, de fazer inferências, de argumentar, que
cada indivíduo possui na sociedade em que vive, sendo alfabetizado ou não.
Como diz Vygotsky (1984, em Tfouni, 2002, p.21)
O letramento representa o coroamento de um
processo histórico de transformação e
diferenciação no uso dos instrumentos
mediadores. Representa também a causa da
elaboração de formas mais sofisticadas do
comportamento humano que são os chamados
processo mentais superiores, tais como:
raciocínio abstrato, memória ativa, resolução de
problemas etc.
Numa visão etnocêntrica, o letramento estaria relacionado a habilidades
individuais. Tfouni (2002) ressalta que os grupos sociais não alfabetizados,
segundo tais abordagens, seriam desprovidos de raciocínio lógico, pois só
através da aquisição da língua escrita é que o indivíduo teria a capacidade de
argumentação, de dialogar e fazer inferências. Como conseqüência da
perspectiva etnocêntrica surge uma visão preconceituosa em relação aos não
alfabetizados, reforçando a idéia de que alfabetização e letramento têm o
mesmo significado. Tfouni (2002 p. 24-25), no entanto, sugere que, “embora
sejam processos interligados, porém são separados enquanto abrangência e
natureza.”
Embora alguns autores considerem que é a partir da escrita e leitura
que os indivíduos vão desenvolver o raciocínio lógico, para Tfouni (2002) isso
não ocorre, visto que nas suas pesquisas com adultos analfabetos ela mostra
25
que essas pessoas são capazes de raciocinar logicamente, de resolver
conflitos e contradições que se estabelecem no plano da dialogia.
Entretanto, partindo dos aspectos sociais da aquisição da escrita
enquanto produto cultural, o letramento defendido por Tfouni (2002) não tem
uma perspectiva etnocêntrica na qual só é letrado quem é alfabetizado. Ela é
conseqüência do próprio desenvolvimento científico e tecnológico que
caracteriza as sociedades modernas.
Para Soares (2003), o letramento começa bem antes do que o processo
de alfabetização. Numa sociedade letrada, as crianças desde muito cedo já
mantêm contato com as práticas de leitura e de escrita. Nesse momento, ela
vai diferenciando o sistema de escrita com sistemas icônicos (figuras). E,
então, cabe à escola orientar de forma sistemática os alunos para que eles
possam se alfabetizar e ao mesmo tempo letrar-se.
2.4 Alfabetização e letramento: processos indissociáveis
Não adianta construir o conhecimento da escrita e da leitura através de
métodos silábicos se você não domina o uso para construção de textos que
você “futuramente” fará uso na sociedade: não adianta aprender uma técnica e
não saber usá-la. Para Soares (2003), deve-se aprender a dominar a técnica, o
código (codificação e decodificação), usar o papel, saber segurar um lápis,
mas também é preciso aprender a usar isso nas práticas sociais de leitura e
escrita.
Antes de ingressar na escola as crianças já mantêm contato com o
mundo da escrita em letreiros, outdoors, livros infantis, gibis, televisão, dentre
outros. Portanto, faz-se necessário que a escola, tendo ela sua função na
sociedade, integre essas práticas de leitura e de escrita e que os alunos
possam fazer uso dessas e de outras tantas fontes de leitura e escrita que
circulam na sociedade. Dessa forma, ela poderia articular o uso dessas
práticas sociais de leitura e escrita com a construção no processo alfabético.
Assim, quando a criança entrasse em contato com os diferentes gêneros
textuais, ela ainda poderia trabalhar com esses textos fazendo as relações
fonema/grafema.
26
É preciso ter consciência de que não basta que a criança esteja
convivendo com muito material escrito, é preciso orientá-la sistemática e
progressivamente para que possa se apropriar do sistema de escrita. Isso é
feito junto com o letramento e cabe aos professores, como articuladores nesse
processo, desenvolver ações pedagógicas, não através de textos cartilhados,
mas com textos autênticos, que tenham uma função. A partir desse material,
os professores podem desenvolver um processo sistemático de aprendizagem
da leitura e escrita. Não podemos deixar de levar em consideração que o
processo de alfabetização ocorre nas crianças de forma gradativa (não em
termos do fácil ou difícil), mas em ordem não aleatória em que elas possam
construir mentalmente o sistema de representação da linguagem, que é
bastante complexo.
De acordo com Soares (2003), alfabetização e letramento são
processos indissociáveis, não é preciso aprender primeiro a técnica para
depois aprender a usá-la, ou seja, não é preciso que o aluno aprenda a ler e a
escrever para depois ter acesso ao mundo da leitura/escrita. E isso foi o que a
escola fez por muito tempo. Este é um sério erro, já que as duas
aprendizagens se dão ao mesmo tempo: uma não é pré-requisito da outra. É
preciso que a escola faça uso de práticas sociais de leitura, ou seja, que dê
oportunidade a todos. Acerca das relações entre alfabetização e escolarização,
pode-se dizer que embora uma boa parte das crianças entre em contato com a
escrita/leitura (práticas sociais) mesmo antes de ingressar na escola, isso só é
sistematizado enquanto parte das práticas escolares. Mesmo assim, a maioria
dos professores ignora as práticas sociais de leitura e escrita e não as
incorporam na sua prática pedagógica, distanciando a relação entre práticas
sociais de leitura (que fazem parte da cultura dos alunos) com as práticas
escolares.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 23) atribuem “à escola
à responsabilidade de garantir a todos os alunos o acesso aos saberes
lingüísticos necessários para o exercício da cidadania, que é o direito de
todos.” Mas, para que isso ocorra, Bagno (2002, em Silva, 2003, p. 24)
ressalta a importância de que a escola não seja um local exclusivo para os
estudos das variedades lingüísticas de prestígio (a língua culta), devendo-se
evitar os preconceitos lingüísticos e culturais. Dessa forma, ela poderá
27
contribuir para acabar com o fracasso escolar. Para ele: “De nada adianta,
também, ensinar alguém a ler e a escrever sem lhe oferecer ocasiões para o
uso efetivo, eficiente, criativo e produtivo dessas habilidades de leitura e de
escrita.” Bagno (2002, p.52 em Silva, 2003, p.24)
Para Soares (2001, em Silva, 2003, p.24), “a escrita tem a finalidade de
divulgar idéias, funcionando como meio de expressão do pensamento das
pessoas. Entretanto, muitas vezes a escrita passa a ser vista como meio de
dominação e de exclusão social” . Quando a escola trata a alfabetização
desvinculada das práticas sociais de leitura e escrita (que na maioria das
vezes fazem parte do cotidiano aluno), reduz-se a alfabetização a simples
aquisição de habilidades. Para Soares, quando o processo alfabético não
está associado ao letramento, despreza-se as dimensões críticas e normativas
da escrita.
A escola enquanto instituição deve formar cidadãos críticos e
conscientes quanto às finalidades da escrita. Não podemos formar alunos que
reproduzem fielmente os textos (copistas), mas que possam construir os
saberes necessários para que produzam seus textos, que percebam as
diferentes funções textuais e que saibam realmente ler (fazer inferências,
opinar, localizar informações, interpretar, fazer intertextualidade e outros).
Carvalho (1995) comenta que a leitura não é um ato mecânico desvinculado da
sua compreensão, mas é isso que vem acontecendo no dia a dia das práticas
escolares. A leitura está vinculada a uma prática tradicional de ensino em que
o importante é ensinar o mecanismo de decodificação, como, por exemplo,
palavras soltas, sílabas isoladas, leitura desprovida de significados para o
aluno, exercícios de cópia. Dessa forma, podemos concluir que quando a
leitura e a escrita estão limitadas apenas a uma técnica, conseqüentemente
teremos adultos com habilidade na leitura e escrita, mas incapazes de
utilizarem os diferentes textos que circulam na sociedade.
De acordo com Ferreiro (2001, p.4, em Frade, 2003, p.20) “a forma de
se alfabetizar nas tendências inovadoras não se encontra no livro, mas no
saber do professor”. Essa referência feita por ela está relacionada ao fato de
que no início da divulgação de seu trabalho, alguns editores brasileiros
questionaram a possibilidade de acabar com os livros de alfabetização no
Brasil. Nesse caso, ela afirma que “os melhores livros didáticos são boa
28
literatura, boas enciclopédias, bons dicionários. Estes sim, são os melhores
livros didáticos.”
Frade (2003) comenta que os procedimentos metodológicos se repetem
em série e que estão voltados para uma prática que satisfaça tanto ao
processo para a apropriação do sistema alfabético quanto o letramento. Há
professores fazendo atividades inovadoras relacionadas com a função social
da escrita/leitura mas sempre articuladas à escrita (objeto de conhecimento).
Por fim, defendemos que, embora existam diferentes níveis de
letramento, alfabetizar e letrar devem ser entendidos como ações distintas,
mas, interligadas. “O ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e
escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita” (Soares2001,
p. 47).
3. Objetivos
3.1 Objetivo geral
Investigar as concepções que o professor alfabetizador tem sobre
alfabetização e letramento.
3.2 Objetivos específicos:
Investigar, na concepção do professor alfabetizador, as atividades de leitura
e escrita desenvolvidas por ele que estão relacionadas ao processo de
alfabetização e letramento.
Investigar se o professor considera importante a utilização de diferentes
gêneros textuais, em sala de aula, como forma de alfabetizar e
conseqüentemente letrar o aluno.
Identificar as dificuldades apontadas pelo professor, para conciliar, na sua
prática, o processo de alfabetização e de letramento.
29
4. Metodologia
Esta pesquisa foi realizada em treze escolas, sendo quatro escolas da
rede pública municipal de ensino (Recife-PE, Jaboatão dos Guararapes-PE e
Camaragibe-PE) e nove da rede particular de ensino. As escolas da rede
particular de ensino foram selecionadas a partir do nível sócio-econômico
característico dos bairros em que estavam situadas, sendo cinco localizadas
em um bairro de baixo nível sócio-econômico, no município de Camaragibe-PE
e Recife-PE, e as outras quatro localizadas em bairros de nível sócio-
econômico médio e alto, no município de Recife-PE.
Selecionamos 24 professoras, sendo oito delas de escolas públicas
municipais e 16 de escolas particulares (oito professoras que lecionavam em
escolas situadas em bairro de baixo nível sócio-econômico e oito de escolas
particulares que atendiam a crianças com nível médio e alto). Foram
contactadas, de cada escola, duas professores da alfabetização e duas
professores da 1ª série do ensino fundamental, conforme apresentamos na
tabela a seguir:
Tabela 1: Distribuição da amostra
Tipos de escola Número de escolas
Número de professores da alfabetização
Número de professores da 1ª série
Pública 4 4 4
Particular de bairro de nível sócio-econômico baixo
5 4 4
Particular em bairro de nível sócio-econômico médio e alto
4 4 4
Total 13 12 12
As idades das professoras variaram entre 20 a 45 anos. Nos quadros a
seguir relacionamos os dados profissionais das professoras entrevistadas,
agrupando-as por tipo de escola.
30
Quadro 1: Dados profissionais referentes às professoras das escolas
públicas
PROFESSORAS ALFABETIZAÇÃO
E DA 1ª SÉRIE
ESCOLAS PÚBLICAS
Formação acadêmica
Tempo em educação
Programa de formação
continuada
Faz leitura de textos sobre alfabetização e
letramento
Professora 1 Magistério 1 ano Não Não
Professora 2 Magistério 6 anos Sim Não
Professora 3 Pedagogia 19 anos Sim Sim
Professora 4 Pedagogia 5 anos Sim Sim
Professora 5 Magistério 3 anos Não Sim
Professora 6 Pedagogia 8 meses Não Não
Professora 7 Pedagogia 21 anos Sim Sim
Professora 8 Especialização¹ 18 anos Sim Sim
¹ Especialização em Gestão escolar.
Constatamos que entre as oito professoras entrevistadas das escolas
públicas, 50% delas possuíam curso de graduação em Pedagogia, 37,5%
tinham o curso de magistério e apenas 12,5% tinham o curso de
Especialização em Gestão Escolar. Em relação à participação das professoras
em projetos de formação continuada, observamos que 62,5% das professoras
participam de cursos, mini-cursos, palestras, debates, projetos especiais
(GEEMPA - Metodologia e Pesquisa para a Educação; Perfil da Língua
Portuguesa), dentre outros. 37,5%, (percentual considerado alto) não
participaram de nenhuma formação continuada. Isso possivelmente aconteceu
porque o município a que estavam vinculadas essas professoras não oferecia
apoio para reciclagem das docentes. Das oito professoras entrevistas, 62,5%
faziam leituras sobre alfabetização e 37,5% disseram que no momento não
liam sobre alfabetização. Das professoras que liam, apenas três mencionaram
que faziam leituras de textos referentes à alfabetização, citando autoras como
Magda Soares, Terezinha Carraher, Ana Teberosky, Marta Kohl. As demais
citaram apenas que faziam leitura sobre alfabetização, mas não mencionaram
as referências.
Os dados das professoras das escolas particulares foram organizados
em duas tabelas (escolas situadas em bairros de nível sócio-econômico baixo
e escolas de nível sócio-econômico médio e alto).
31
Quadro 2: Dados profissionais referentes às professoras das Escolas
Particulares localizadas em bairros de baixo-nível econômico
PROFESSORAS DA
ALFABETIZAÇÃO E DA 1ª SÉRIE
ESCOLAS PARTICULARES DE NÍVEL SÓCIO ECONÔMICO BAIXO
Formação acadêmica
Tempo em educação
Programa de formação
continuada
Leitura de textos sobre alfabetização
e letramento
Professora -1 Pedagogia 21 anos Não Sim
Professora -2 Magistério 5 anos Não Sim
Professora -3 Magistério 10 anos Sim Sim
Professora -4 Magistério 5 anos Não Não
Professora -5 Pedagogia 5 anos Não Não
Professora -6 Graduação¹ 5 anos Sim Não
Professora -7 Magistério 5 anos Não Sim
Professora -8 Magistério 10 anos Não Não
¹ Administração de Empresas
Das escolas particulares que se localizavam em bairros de baixo nível
sócio-econômico, constatamos que das oito professoras entrevistadas 62,5%
possuíam apenas o curso de magistério, 25% tinham o curso de graduação em
Pedagogia e 12,5% tinham o curso de graduação em Administração de
Empresas, mas possuíam o curso de Magistério. Quanto à participação em
Programas de Formação Continuada, 75% das professoras disseram que não
participavam de nenhuma atividade. Em relação à prática de leitura sobre
alfabetização, 50% das professoras afirmaram que não faziam leitura e 50%
delas disseram que faziam leituras referentes à alfabetização. Das leituras
citadas, foi destacada a autora Emília Ferreiro. As demais professoras
disseram que faziam leituras referentes ao método Casinha Feliz, Revista
Nova Escola, leitura de textos de como alfabetizar, Alfabetização sem medo,
Alfabetização para Adultos.
Quadro 3: Dados profissionais referentes às professoras das Escolas
Particulares localizadas em bairros de nível econômico médio e alto
PROFESSORAS DA
ALFABETIZAÇÃO E DA 1ª SÉRIE
ESCOLAS PARTICULARES DE NÍVEL SÓCIO ECONÔMICO MÉDIO/ALTO
Formação acadêmica
Tempo em educação
Programa de formação
continuada
Leitura de textos sobre alfabetização
e letramento
Professora -1 Pedagogia 23 anos Não Sim
Professora -2 Magistério 10 anos Sim Sim
Professora-3 Magistério 13 anos Não Sim
32
Professora-4 Pós-graduação¹ 12 anos Sim Sim
Professora-5 Pedagogia 12 anos Sim Não
Professora-6 Magistério 17 anos Não Sim
Professora-7 Pós-graduação² 16 anos Não Sim
Professora-8 Pedagogia 8 anos Não Sim
¹ Pós-graduação em Psicopedagogia.
² Pós-graduação em Administração e Planejamento educacional.
Nas escolas particulares localizadas em bairros de médio e alto nível
sócio-econômico, verificamos que das oito professoras entrevistadas 37,5%
tinham o curso de Magistério, 37,5% o curso graduação em Pedagogia e 25%
possuía pós-graduação na área de Educação. Das oito professoras
entrevistadas, mais da metade delas, ou seja, 62,5% não participam de
programas de Formação Continuada. Apenas 37,5% estavam participando de
reuniões pedagógicas para estudos atuais sobre educação, curso sobre
letramento, simpósio, congresso, dentre outras. Já relacionada à leitura sobre
o tema alfabetização, a maioria das professoras afirma que lê. Das professoras
entrevistadas 87,5% dos professores dizem que fazem leituras de autoras
como Emília Ferreiro com Ana Teberosky, Telma Waiz, Ana Kaufman, Luis
Schetinni, Piaget, Magda Soares. Citaram também leitura de revistas como
Nova Escola e Revista do professor. Apenas 12,5% não fizeram nenhum tipo
de leitura.
Utilizamos, para coleta dos dados, uma entrevista semi-estruturada.
Nessa entrevista, as professores responderam questões relativas aos dados
profissionais (formação, tempo de trabalho, dentre outras), questões que
abordaram o cotidiano da sala de aula (atividades de leitura e escrita
realizadas em sala de aula, gêneros textuais enfocados e estratégias didáticas
utilizadas no processo de alfabetização) e questões relativas às concepções
de letramento e alfabetização. Todas essas informações, e outras mais, foram
gravadas e depois transcritas e, em seguida, realizamos a categorização das
respostas das entrevistas.
33
5. Resultados
Para análises dos resultados, categorizamos as respostas dadas pelas
professoras em diversas tabelas que estão distribuídas de acordo com os
tópicos que serão comentados a seguir. Em cada tópico, buscamos responder
às questões propostas nos objetivos.
5.1 Conceitos de alfabetização e letramento segundo as professoras
Os conceitos de alfabetização explicitados pelas professoras, como
mostra a tabela 2, são diversificados. O conceito de alfabetização como
apropriação do sistema alfabético e desenvolvimento de habilidades para
atribuição de sentidos na leitura e escrita apareceu em 20,83% das respostas.
Como vimos no referencial teórico, tal concepção aproxima-se dos
pressupostos de que a alfabetização não é apenas a habilidade de decodificar
e codificar, mas também de compreender o que se lê e o que se escreve.
Para 33,33% das professoras, a alfabetização está restrita aos
mecanismos de apropriação do sistema alfabético. Essa concepção, como
sinalizamos anteriormente, limita a ação do professor por levá-lo a considerar a
alfabetização apenas como processo de representação de fonemas/grafemas,
ou seja, bastaria, no cotidiano da sala de aula, ensinar o aluno a codificar
(escrever) e decodificar (ler).
4,16% apontam que a alfabetização compreende tanto o processo de
apropriação do sistema quanto o acesso às práticas de leitura e escrita. Essas
professoras englobam num mesmo conceito os processos de alfabetização
discutidos anteriormente e os processos de letramento.
24,99% afirmaram que alfabetização e letramento são a mesma coisa.
Nesses casos, as respostas foram classificadas em dois grupos: 20,83%
afirmaram que ambos os processos estão relacionados com a apropriação do
sistema alfabético; e 4,16% disseram que ambos os termos referem-se à
apropriação da língua de maneira geral. Nesses casos, verificamos que não
houve consideração pelas professoras da inserção dos alunos nas práticas
sociais e cultura escrita, que foram discutidas por Soares anteriormente.
34
Tabela 2: Concepções das professoras sobre alfabetização
Tipos de resposta
Escolas Públicas
Escolas Particulares (baixo nível econômico)
Escolas Particulares (alto/médio
nível econômico)
Total
Freq.
% Freq. % Freq. % Freq. %
Alfabetização como apropriação do sistema alfabético e como atribuição de sentidos
4 50 _ _ 1 12,5 5 20,83
Alfabetização como apropriação do sistema alfabético
1 12,5 3 37,5 4 50 8 33,33
Alfabetização como apropriação do sistema alfabético e como acesso à escrita na sociedade
_ _ 1 12,5 _ _ 1 4,16
Alfabetização = letramento (apropriação do sistema alfabético)
_ _ 3 37,5 2 25 5 20,83
Alfabetização = letramento (apropriação da língua escrita)
1 12,5 _ _ _ 1 4,16
Conceito confuso 2 25 1 12,5 1 12,5 4 16,66
Total 8 100 8 100 8 100 24 99,97
Os dados mostram, como evidenciamos acima, que as professoras
estão com concepções distintas sobre alfabetização. Apenas 29,15% fazem
referência a que alfabetização é mais do que a apropriação do sistema
alfabético: é poder compreender o que se lê e o que se escreve; não é apenas
decodificar, mas é saber o que está implícito naquela leitura, é fazer uma
leitura de mundo, é questionar, é opinar. E afirmam que é importante que o
processo se alfabetização esteja vinculado às escritas que circulam na
sociedade e que os alunos possam, durante o momento da construção da
escrita, ter acesso a esses vários textos. Já 54,16% das professoras dizem
que alfabetização é apropriar-se do sistema alfabético.
É importante reconhecermos que esses resultados gerais não se
aplicaram às escolas públicas, pois 50% das professoras explicitaram que a
alfabetização engloba a apropriação do sistema e o desenvolvimento de
habilidades para atribuição de sentidos na leitura e na escrita. Podemos
destacar que as professoras que não apresentaram tal concepção eram
lotadas em uma mesma rede de ensino. Se retomarmos os dados das
professoras, expostos na metodologia, veremos que foram nas escolas
35
públicas que as professoras mais participaram de formação continuada. Isso
significa que os programas de reciclagem contribuem significativamente para
formação dos professores, preparando-os para os avanços educacionais
necessários e ajudando a preparar os alunos para uma sociedade que está
cada vez mais centrada na leitura e na escrita.
Quanto ao termo letramento, a maioria das professoras não respondeu
o que ele significa. Cerca de 33,3% afirmaram não conhecer esse termo.
Apenas 8,33% se referiram a questões relacionadas ao processo de
compreensão da escrita de modo muito vago e as outras professoras se
referiam a tópicos relativos aos processos de apropriação da escrita ou a
aspectos estéticos da escrita. Em suma, nenhuma professora demonstrou
conhecimento mais consistente do termo.
Como dissemos anteriormente, o termo letramento foi introduzido no
Brasil a mais de duas décadas, por volta dos anos 80, entre os especialistas
da área. No entanto, como diz Soares (2001, p.29), “é uma palavra ainda
desconhecida ou mal entendida, ou ainda não plenamente compreendida pela
maioria das pessoas, porque é palavra que entrou na nossa língua há muito
pouco tempo.”
36
Tabela 3: Concepções das professoras sobre letramento
Tipos de resposta
Escolas Públicas
Escolas Particulares (baixo nível econômico)
Escolas Particulares (alto/médio
nível econômico)
Total
Freq.
% Freq. % Freq. % Freq. %
Letramento é a apropriação e compreensão da escrita
_ _ _ 2 25 2 8,33
Letramento = alfabetização (apropriação da língua escrita)
1 12,5 _ _ _ 1 4,16
letramento = alfabetização (apropriação do sistema alfabético)
1 12,5 2 25 2 25 5 20,83
Letramento como apropriação do sistema alfabético, através de métodos de silabação
_ 2 25 _ _ 2 8,33
Letramento como início do processo de escrita pelos alunos (apropriação de símbolos, letras sem sentido, reconhecimento de letras)
2 25 1 12,5 _ _ 3 12,5
Letramento é apropriação da letra bastão e cursiva
1 12,5 _ _ _ _ 1 4,16
Conceito confuso
2 25 _ _ _ _ 2 8,33
Não respondeu 1 12,5 3 37,5 4 50 8 33,33
Total 8 100 8 100 8 100 24 99,97
Quando perguntamos às professoras se elas julgam importante
alfabetizar letrando, a maioria delas não conseguiu explicar. Das professoras
entrevistadas, apenas 50% não responderam à pergunta. Isso possivelmente
deve ter ocorrido pelo fato de não conhecerem o termo letramento.
Em suma, as professoras reconhecem que a alfabetização está
relacionada à apropriação do sistema alfabético. No entanto, elas não
explicitam que existem habilidades de leitura e escrita de textos que são
fundamentais para o desenvolvimento dos alunos.
Por fim, podemos salientar, neste tópico de discussão, que não houve,
por parte de nenhuma professora, explicitação acerca da importância de
alfabetizar os alunos dando oportunidades para que eles aumentem o grau de
letramento e possam interagir com maior autonomia nessa sociedade letrada.
37
5.2. Caracterização das práticas pedagógicas consideradas como
promotoras do letramento dos alunos e dos processos de apropriação do
sistema alfabético
Como discutimos anteriormente, é importante que as professoras
direcionem suas práticas pedagógicas para que o processo de apropriação do
sistema alfabético possa ser concebido de forma construtiva pelos alunos e
que paralelamente sejam oferecidas oportunidades para que o aluno
desenvolva habilidades de leitura e produção de diferentes gêneros textuais,
de modo que ele desenvolva habilidades de leitura e escrita de textos e amplie
os conhecimentos sobre as práticas de letramento da sociedade em que vive.
Através das entrevistas, observamos que, ao serem questionadas
sobre o modo como conduziam a alfabetização, 45,8% das professoras
relataram práticas que conjugavam atividades voltadas para a apropriação do
sistema e práticas voltadas para o letramento. Nesses relatos, as professoras
citavam atividades de reflexão sobre a escrita de palavras, sobre as
correspondências grafofônicas e atividades envolvendo diferentes gêneros
textuais. Apenas 29,16% citaram apenas atividades voltadas para a
apropriação do sistema (Tabela 4).
Tabela 4: Freqüência de respostas sobre os modos de condução da
alfabetização
Tipos de resposta
Escolas Públicas
Escolas Particulares (baixo nível econômico)
Escolas Particulares (alto/médio
nível econômico)
Total
Freq.
% Freq. % Freq. %
Freq.
%
Ênfase na apropriação do sistema alfabético e letramento
7 87,5 1 12,5 3 37,5 11 45,8
Ênfase na apropriação do sistema alfabético
_ _ 5 62,5 2 25 7 29,16
Ênfase no letramento 1 12,5 1 12,5 1 12,5 3 12,5
Resposta confusa _ _ 1 12,5 2 25 3 12,5
Total 8 100 8 100 8 100 24 99,96
38
A enumeração de atividades propostas para que os alunos se
apropriem do sistema alfabético (Tabela 5), ajuda-nos a perceber a tentativa
das professoras para utilizar, no processo de alfabetização, textos, atendendo
aos pressupostos de que é preciso fazer com que o aluno leia e escreva desde
o início da alfabetização.
Tabela 5- Atividades propostas pelas professoras para a apropriação do
sistema alfabético
Tipos de resposta
Escolas Públicas
Escolas Particulares (baixo nível econômico)
Escolas Particulares (alto/médio
nível econômico)
Total
Freq.
% Freq. % Freq. %
Freq.
%
Produção de textos 3 13,63 3 13,04 3 10,34 9 12,16
Ditados de palavras, frases e textos
1 4,54 3 13,04 3 10,34 7 9,45
Texto coletivo 3 13,63 1 4,34 2 6,89 6 8,1
Formação de palavras com letras e sílabas
1 4,54 1 4,34 3 10,34 5 6,75
Reprodução de textos 3 13,63 _ _ 1 3,44 4 5,4
Bilhetes 1 4,54 3 13,04 _ _ 4 5,4
Jogos _ _ 1 4,34 3 10,34 4 5,4
Atividades dos livros e cadernos/atividades xerocadas
_ _ _ _ 3 10,34 3 4,05
Cartas 1 4,54 1 4,34 1 3,44 3 4,05
Cópias _ _ 2 8,69 _ _ 2 2,7
Separar sílabas _ _ 1 4,34 1 3,44 2 2,7
Complementação do texto para finalizar uma história
1 4,54 _ _ 1 3,44 2 2,7
Produção de texto a partir de figuras
1 4,54 _ _ 1 3,44 2 2,7
Músicas 1 4,54 1 4,34 _ _ 2 2,7
Receitas _ _ 1 4,34 _ _ 1 1,35
Produção de frases a partir de figuras
1 4,54 _ _ _ _ 1 1,35
Construção e desconstrução de textos
1 4,54 _ _ _ _ 1 1,35
Cruzadinhas 1 4,54 _ _ _ _ 1 1,35
Portifólio _ _ _ _ 1 3,44 1 1,35
Ditados com objetos 1 4,54 _ _ _ _ 1 1,35
Escrita de palavras que mais chamou sua atenção no texto
1 4,54 _ _ _ _ 1 1,35
39
Escrever palavras no quadro 1 4,54 _ _ _ _ 1 1,35
Palavra chave _ _ 1 4,34 _ _ 1 1,35
Transcrever letras bastão para letra manuscrita
_ _ 1 4,34 _ _ 1 1,35
Identificar letras bastão em textos e frases
_ _ 1 4,34 _ _ 1 1,35
Lista de supermercado _ _ 1 4,34 _ __ 1 1,35
Pesquisa de palavras em jornais, livros
_ _ 1 4,34 _ _ 1 1,35
Pesquisa em revista e jornais _ _ _ _ 1 3,44 1 1,35
Cópia de recadinho da tarefa _ _ _ _ 1 3,44 1 1,35
Bingo de letras e de palavras _ _ _ 1 3,44 1 1,35
Formação de palavras a partir de figuras
_ _ _ _ 1 3,44 1 1,35
Jogo da memória com palavras _ _ _ _ 1 3,44 1 1,35
Dominó das palavras _ _ _ _ 1 3,44 1 1,35
Total 22 99,91 23 99,9 29 99,9 74 100
Obs: As professoras sugeriram mais de uma atividade.
Se retomarmos os tipos de atividade descritos por Leal (prelo) e
expostos anteriormente neste trabalho, veremos que não houve contemplação
de todos os tipos, conforme veremos abaixo:
Atividades de familiarização com as letras: bingo de letras.
Atividades que objetivem a construção de palavras estáveis: As professoras
não mencionaram nenhuma atividade relacionada a esta categoria.
Atividades que destacam análise fonológica: exploração de músicas.
Atividades de composição e decomposição de palavras: dominó, bingos,
formação de palavras, jogos com palavras.
Atividades de comparação entre palavras quanto ao número de letras ou às
letras utilizadas: Não houve nenhuma atividade mencionada pelas professoras
que estejam relacionadas a essa categoria.
Atividades de “tentativas de reconhecimento de palavras”, através do
desenvolvimento de estratégias de uso de pistas para leitura: bingo de
palavras.
40
Escrita de palavras e textos que sabem de memória: ditados, ditados com
objetos, escrita de palavras que mais chamou sua atenção, escrever
palavras no quadro
Atividades de sistematização das correspondências grafofônicas: Pesquisa
em jornais e revistas de palavras com letras ou fonemas que a professora
solicitar, cruzadinha, jogo da memória com palavras, palavra chave.
Atividades de reflexão durante a produção e leitura de texto: Produções de
diversos textos como: bilhetes, cartas, convite, receitas, lista de
supermercado, portifólio. Reproduzir textos (recontos), texto coletivo,
complementação de texto para finalizar uma história, produção de textos
e frases a partir de figuras, construção e desconstrução de textos.
Outras atividades mencionadas referem-se a aspectos gráficos, como,
por exemplo, transcrever letras bastão para letra manuscrita ou identificar
letra bastão em frases ou textos, cópias, cópias com recadinho de
tarefas.
Apesar das professoras não terem conseguido formular o conceito de
letramento, quando começaram a falar da prática pedagógica, mostraram que
se preocupam com a inserção dos alunos na sociedade letrada. 45,8% das
professoras parecem dar ênfase à apropriação do sistema alfabético e ao
letramento, afirmando que é muito importante que o processo de alfabetização
esteja vinculado a práticas sociais de leitura. Na Tabela 6, pode-se verificar
que, embora elas demonstrem a preocupação em inserir atividades com textos
em sala de aula, não há clareza sobre a importância desse procedimento. Há
uma certa concordância de que essa prática ajuda o aluno no próprio processo
de apropriação do sistema alfabético (66,66%).
41
Tabela 6: Importância que os professores atribuem a escrita de textos para os
alunos que estão se alfabetizando:
Tipos de resposta
Escolas
Públicas
Escolas
Particulares
(baixo nível
econômico)
Escolas
Particulares
(alto/médio
nível
econômico)
Total
Freq.
% Freq. % Freq. %
Freq.
%
Produção de texto para
desenvolver capacidades para
elaboração textual
_ _ 1 12,5 2 25 3 12,5
Produção de texto para
apropriação do sistema
alfabético
7 87,5 4 50 5 62,5 16 66,66
Produção de texto para o
letramento _ _ _ _ 1 12,5 1 4,16
Produção de texto como
instrumento discursivo _ _ 1 12,5 _ _ 1 4,16
Resposta confusa 1 12,5 2 25 _ _ 3 12,5
Total 8 100 8 100 8 100 24 99,98
Para as professoras, é preciso que as crianças não tenham medo de
escrever. Elas dizem que os alunos precisam escrever mesmo que eles não
estejam escrevendo corretamente.
Apenas 12,5% das professoras dão ênfase a produção de texto com o
objetivo de desenvolver a capacidade de elaboração textual, justificando que
as crianças estão na 1ª série já sabem ler e escrever, e argumentam que a
produção textual tem como finalidade avaliar as questões ortográficas,
seqüência textual e a organização do texto.
Em suma, seja para levar as crianças a se apropriar do sistema
alfabético, seja para desenvolver as habilidades de elaboração textual, há
42
preocupação em propor atividades de produção de textos. Em relação à
leitura, há também tal preocupação.
São várias as espécies de textos que as professoras utilizam em sala
de aula para trabalhar com os alunos, como demonstra a tabela 7. Evidencia-
se, portanto, que as professoras têm a preocupação de trabalhar com textos
que fazem parte do cotidiano do aluno.
43
Tabela 7- Espécies de textos mais utilizados, pelas professoras, para trabalhar
em sala de aula:
Tipos de resposta
Escolas
Públicas
Escolas
Particulares
(baixo nível
econômico)
Escolas
Particulares
(alto/médio
nível
econômico)
Total
Freq.
% Freq. % Freq. %
Freq.
%
Poemas 4 19,04 3 20 4 14,81 11 17,74
Músicas 3 14,28 1 6,66 3 11,11 7 11,29
Contos de fada 2 9,52 2 13,33 2 7,4 6 9,67
Histórias infantis 2 9,52 _ _ 3 11,11 5 8,06
Texto informativo _ _ 2 13,33 3 11,11 5 8,06
Cartas 2 9,52 1 6,66 1 3,7 4 6,45
Histórias em quadrinho 1 4,76 2 13,33 _ _ 3 4,83
Fábulas 1 4,76 _ _ 2 7,4 3 4,83
Textos narrativos _ _ 1 6,66 1 3,7 2 3,22
Texto jornalístico 1 4,76 _ _ 1 3,7 2 3,22
Bilhetes 1 4,76 _ _ 1 3,7 2 3,22
Texto cartilhado _ _ 2 13,33 _ _ 2 3,22
Receitas 1 4,76 _ _ 1 3,7 2 3,22
Bulas de Remédio 1 4,76 _ _ 1 3,7 2 3,22
Texto dissertativo 1 4,76 _ _ _ _ 1 1,61
Lista telefônica _ _ _ _ 1 3,7 1 1,61
Dicionário (verbete) _ _ _ _ 1 3,7 1 1,61
Lendas 1 4,76 _ _ 1 3,7 1 1,61
Parlendas _ _ _ _ 1 3,7 1 1,61
Cantigas de roda _ _ 1 6,66 _ _ 1 1,61
Total 21 99,96 15 99,93 27 99,94 62 99,91
Obs: As professoras indicaram mais de uma espécie de texto
44
Como podemos ver, há uma preferência pelos poemas: cerca de 17,7%
das professoras utilizam esse gênero textual. Elas explicam que é bom para
alfabetizar, porque são textos que têm rimas, musicalidade e são atrativos, por
isso ajudam no processo de construção da escrita e da leitura. Tal
confirmação reforça a suposição de que os textos estão sendo utilizados para
que os alunos se apropriem do sistema alfabético.
Também em relação à leitura, a maioria das professoras (75%) utiliza
uma diversidade textual direcionada apenas para que o aluno reflita sobre o
sistema alfabético. Já uma minoria (20,83%) das professoras utiliza os textos
tanto para que os alunos se apropriem do sistema alfabético quanto para
refletir sobre a importância dos textos que circulam na sociedade. Elas
Promovem atividades como escrita de bilhetes e cartas entre os colegas de
sala.
Nas questões relacionadas à concepção de leitura houve uma maior
explicitação, por parte das professoras, de que o aluno realmente aprende a ler
quando é capaz de entender o texto. Mais da metade das professoras
entrevistadas (53,84% + 11,53%) disseram que leitura “é quando a criança
compreende o que lê, não basta decodificar, não basta juntar letras ou sílabas
é preciso que se entenda o que leu”. Elas dizem que leitura não é só ler um
texto, envolve também interpretação, compreensão, apreensão do texto.
Segundo elas, não adianta fazer a leitura sem saber no final o que leu, sem
entender a mensagem do texto: não adianta ler palavras soltas, sílabas soltas
e não entender o que está escrito no que se leu.
Na concepção de uma das professoras entrevistadas, existem vários
tipos de leitura que um aluno pode fazer. Aquela em que o aluno faz a leitura
de um objeto, faz a leitura de mundo, quando ele decodifica as palavras. Mas
há também a leitura mais aguçada. Nesse tipo de leitura o aluno é capaz de ler
o que está nas entrelinhas de um texto, de fazer inferências aos textos lidos,
entender o que lê, de localizar as informações no texto. Para essa professora,
a leitura não está só associada à decodificação, pois afirma que devemos
atribuir sentido ao que se lê. Podermos concluir, como esse posicionamento,
que a leitura é um processo em que o aluno vai gradativamente construindo
significados nos textos que são lidos. Como foi discutido no referencial teórico,
a decodificação é apenas um dos procedimentos que se utiliza quando se lê. A
45
leitura fluente envolve estratégias (fazer inferências, antecipação) para
construir significado enquanto se lê.
Outras professoras associam a leitura ao processo de decodificação.
23,07% delas afirmam que leitura é pronunciar (ler-decodificar) palavras. É
poder conseguir ler letra por letra, palavra por palavra. Leitura seria a formação
de palavras, a junção de letras que daria uma palavra. Quando os alunos
conhecem as letras, eles juntam essas letras e lêem: é um processo silábico.
Eles gradativamente iriam lendo palavras, frases e textos.
Tabela 8- O que as professores entendem por leitura e quando elas realmente
consideram que os alunos aprenderam a ler:
Tipos de resposta
Escolas
Públicas
Escolas
Particulares
(baixo nível
econômico)
Escolas
Particulares
(alto/médio
nível
econômico)
Total
Freq.
% Freq. % Freq. %
Fre
q.
%
Leitura com compreensão
(atribuição de sentidos). 1 12,5 _ _ 2 20 3 11,53
Leitura quando o aluno
entende o que lê. 5 62,5 4 50 5 50 14 53,84
Leitura é decodificação 2 25 1 12,5 3 30 6 23,07
Leitura como instrumento para
o discurso _ _ 3 37,5 _ _ 3 11,53
Total 8 100 10 100 10 100 26 99,97
Obs: Algumas professoras deram mais de uma resposta.
46
5.3. As dificuldades e os avanços das professoras na busca de construir
uma prática voltada para a alfabetização com letramento
Na pesquisa realizada com as professoras, percebemos que elas não
conseguiram definir o significado do termo letramento. Isso poderia levar a crer
que elas não conduziam situações voltadas para o acesso às práticas de
letramento. No entanto, ao descreverem as atividades de alfabetização,
percebemos um esforço na direção de favorecer o contato com leitura e
produção de textos em algumas das professoras. Podemos perceber isso
claramente no comentário feito por uma das professoras dizendo que não
costuma limitar uma espécie de texto em sala de aula. Para ela é importante
que o aluno tenha acesso a diferentes textos já que hoje há um
desenvolvimento econômico e tecnológico mais avançado, em que as
informações circulam com mais velocidade, por isso é importante acompanhar
essas mudanças.
Apesar do reconhecimento desse esforço, sentimos que a falta de uma
teorização sobre o tema pode dificultar um planejamento mais consistente das
aulas. Por outro lado, pelo fato de não comentarem o conceito, não
conseguiram explicitar os avanços e as dificuldades para lidar com a
alfabetização e o letramento paralelamente. Uma boa parte das professoras,
ou seja, 45,83% delas, não conseguiram responder se sentem dificuldade em
conciliar, na sua prática, alfabetização e letramento, visto que as respostas
dadas foram bastante confusas.
Como já dissemos, algumas conceituam alfabetização e letramento
como processos idênticos que servem para a apropriação do sistema
alfabético, ou dizem que alfabetização é apropriar-se da leitura (decodificação)
e da escrita (codificação) e o letramento seria compreender o que se lê e o que
se escreve. Por isso, elas acham que esses processos devem estar presentes
na sua prática pedagógica. Outras afirmam que é importante a presença do
letramento na sua prática, porque é o início do processo de construção da
escrita e que gradativamente vão superando suas dificuldades até
conseguirem se alfabetizar. Há também quem inclua o termo alfabetização
como processo de trabalhar textos práticos presentes no cotidiano do aluno e
que o letramento seria a apropriação do sistema alfabético por método de
47
silabação. Portanto, não dá prioridade ao letramento, mas faz uso porque a
escola trabalha utilizando livros com atividades que priorizam essa dimensão
escolar.
Percebemos que, apesar das professoras não conseguirem definir o
significado do termo letramento, algumas professoras utilizam, na sua prática
pedagógica, atividades direcionadas tanto ao processo de alfabetização
quanto ao de letramento, como por exemplo:
Correio na sala de aula – em que os alunos vão escrever um para outro.
Produção de carta coletiva – elaboração de uma carta convite com a
finalidade de convocar o Detran, para esclarecer dúvidas quanto à educação
no trânsito.
Produção de bilhetes e cartas – são promovidos momentos em que os
alunos vão escrever bilhetes e cartas para os colegas.
Confecção de jornal – confecção de um jornal com os alunos para
produzirem notícias referentes ao seu dia a dia e depois expor no mural da
escola para que todos tenham acesso. A professora comenta que é importante
produzir textos e ressalta que: “as crianças não escrevem para colecionar
atividades, se os alunos confeccionarem um jornal as informações têm que ser
divulgadas, compartilhadas”. Para essa mesma professora, o texto tem uma
função social, por isso é importante que as crianças saibam porque estão
escrevendo, senão não faz sentido produzir textos. Outra professora comenta
que trabalha com jornal porque faz parte do cotidiano do aluno, o dia a dia
deles, e é importante que eles repassem as suas informações.
Confecção de uma farmácia – os alunos trouxeram caixas de remédio para
montarem uma farmácia na sala de aula. As caixas foram organizadas em
ordem alfabética e depois trabalharam com bulas de remédio para pesquisar
palavras desconhecidas dos alunos como (posologia, indicação) e conhecer o
significado.
Portifólio – também chamado de diário, feito com o objetivo de registrar
todos os acontecimentos. “É uma escrita sem cobrança, para estimular a
escrita e a leitura a partir de suas próprias produções”. Nessa atividade, os
alunos vão anotar tudo o que acontece em sala de aula ou em casa. Para a
48
professora, os alunos sabem que a escrita do diário tem uma função social:
registrar o seu dia a dia, momento especial porque é a construção de sua
história. Para essa professora ninguém vai aprender a ler e a escrever pra
nada, ninguém vai à escola porque alguém mandou você aprender a ler e a
escrever, mas sim para descobrir que a escrita tem uma função social.
Lista telefônica – manuseio da lista telefônica, observar que esse texto está
em ordem alfabética, sua função.
Receitas – através de projetos, com, por exemplo, água. A professora
desenvolve atividades de produção de texto. Associam animais que vivem na
água e a partir daí os alunos trazem receitas cujo ingrediente principal seja
animais do mar e a partir daí esse texto é trabalhado em sala de aula.
As atividades acima, sugeridas por algumas professoras entrevistadas,
revelam a preocupação que elas têm em relacionar o processo alfabético com
o letramento.
6. Conclusões
As reflexões acerca do conhecimento que os professores detêm sobre
o processo de alfabetização e de letramento serviram como subsídios para
compreendermos melhor a atuação dessas professoras em sala de aula. Com
os dados obtidos através das entrevistas realizadas, concluímos que o
conceito apresentado pelas professoras alfabetizadoras sobre alfabetização e
letramento está difundido de maneira confusa, visto que, a maioria das
respostas dadas aponta que alfabetização e letramento têm o mesmo sentido:
são conceitos que estão associados com a apropriação do sistema alfabético.
As análises mostraram que 50% das professoras entrevistadas não
conhecem o termo letramento e as outras 50% tentaram formular um conceito,
mas não conseguiram explicar o termo. Já em relação à alfabetização, as
professoras apresentaram diferentes conceitos sobre o termo, mas a maioria,
sempre associava o significado de alfabetização como sendo apropriação do
sistema alfabético. Porém, quando foram questionadas sobre o modo de
condução da alfabetização, percebemos que a maioria delas salientaram que
49
alfabetizar é também desenvolver habilidades de leitura e produção de textos.
Isso, ficou bem mais evidente nas escolas públicas, ou seja, 87,5% das
professoras conduzem práticas voltadas tanto para a apropriação do sistema
como também atividades envolvendo a leitura e escrita de textos.
Embora as professoras afirmassem que utilizam os textos para
alfabetizar, não ficaram claros durante a entrevista, quais seriam os
procedimentos metodológicos utilizados para que os alunos pudessem se
apropriar do sistema alfabético. A maioria das atividades sugeridas pelas
professoras está relacionada, de acordo com Leal (prelo), que foi discutida
anteriormente, como sendo atividades direcionadas para reflexão na produção
de textos.
É necessário que o processo pedagógico seja rico em situações
mediadas pela escrita e pela leitura. Constatamos, que as professoras
entrevistadas, utilizam diversas atividades de leitura e escrita em sala de aula
como sendo promotoras para o processo de letramento e alfabetização,
porém, observa-se que há falta de uma teorização que fundamente a sua
prática. A carência do conhecimento científico sobre o tema desenvolvido em
nossa pesquisa, foi o maior problema que constatamos, é preciso que o
professor garanta uma prática fundamentada, para que saiba como fazer e
porquê estão fazendo daquela maneira. Para Grossi (2001,25) “de nada serve
instrumentar professores para uma certa prática quando eles não estão
senhores da teoria que a embasa.”
Como afirmamos anteriormente, é necessário investir mais em políticas
voltadas para programas de formação continuada. Essa, seria uma das
estratégias necessárias para que o professor consiga conciliar teoria à prática.
Finalmente, tudo isso nos permite pensar numa melhor preparação do
professor que o leve a grande especificidade que exige o processo de
alfabetização e da importância em inserir os alunos nas mais diversas práticas
sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade.
7. Referências bibliográficas
50
BAGNO, Marcos; GAGNÉ, Gilles & STUBBS, Michael. Língua Materna:
letramento,variação e ensino. São Paulo:Parábola, 2002
BRASIL (MEC). Mutirão pela educação: MEC vai estimular debate nacional
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Anexo
Roteiro de entrevista semi-estruturada
Dados pessoais
Nome (opcional):
Idade:
Sexo:
Formação acadêmica:
Tempo de trabalho em educação:
Experiência como alfabetizadora:
Séries que atuam no momento:
Participa de algum programa de formação continuada? Temas?
Você tem feito leitura de textos sobre alfabetização? Quais?
1. Como você alfabetiza seus alunos?
2. Quais são as atividades mais freqüentes para alfabetizar seus alunos?
3. Você desenvolve alguma atividade de leitura e escrita de textos em sua
sala de aula?
4. Qual (is) seria(m) essa(s) atividade(s) de leitura e escrita de textos que
você desenvolve em sala de aula?
5. Essas atividades de leitura e produção de textos servem para alfabetizar
os alunos?
6. Qual (is) a(s) espécie(s) de texto(s) que você mais gosta de trabalhar em
sala de aula com os alunos (gêneros, tipos)?
7. Por que você utiliza esse gênero de texto (espécie, tipo)?
8. Você acha importante esse tipo de leitura para a alfabetização?
9. Que importância você atribui à leitura dessas espécies de textos (gênero,
tipo)?
10. O que é leitura para você? Quando é que você acha que o aluno aprendeu
a ler?
11. E, no que se refere à escrita, qual a importância da escrita de textos para
o aluno que está se alfabetizando?
12. De que forma os alunos podem fazer atividades de escrita na
alfabetização?
13. Você acha importante que o aluno faça um bilhete, escreva uma carta?
Por quê?
14. O que você entende por alfabetização?
15. O que você entende por letramento?
16. Para você, existe alguma diferença entre alfabetização e letramento?
17. (Em caso afirmativo), você acha importante alfabetizar letrando? Por quê?
18. Para o dia-a-dia do aluno, que importância você dá ao processo de
letramento?
19. Você sente dificuldade em conciliar, na sua prática, alfabetização e
letramento?