concepçoes do academicos sobre o que é ser enfermeiro

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 125 Acta Paul Enferm. 2005;18(2):125-30 Concepções de acadêmicos de enfermagem... Concepções de acadêmicos de enfermagem sobre o que é ser enfermeiro Raquel Borba Rosa 1 , Maria Alice Dias da Silva Lima 2 RESUMO: : O estudo buscou analisar as concepções de acadêmicos de Enfermagem sobre o trabalho do enfermeiro. Através de um questionário com alunos do primeiro, quinto e nono semestres, constatou-s e que as respostas dos estudantes do último semestre estão mais próximas da prática concreta, pois esses alunos concebem o enfermeiro como peça chave do trabalho em saúde. Os acadêmicos do primeiro semestre referem-se apenas à dimensão humanitária do trabalho. Os do quinto semestre evidenciam a administração do cuidado e o trabalho em equipe como presentes no cotidiano do enfermeiro. Pode-se afirmar que o ensino desempenha um papel importante na construção das concepções dos alunos, devendo, desde cedo, aproximá-los da realidade da prática profissional. Descritores: Papel do profissional de enfermag em; Estudantes de enfermagem; Educ ação em enfermagem ABSTRACT: The study intended to analyze the conceptions of academics of Nursing about the nurse’s work. Through a questionnaire with students of the first, fifth and nineth semesters, it was verifyed that the answers of the students of the last semester are closer to the practice of the profission, because these students see the nurse as key of the work in health. The academics of the first semester mention only the humanitarian dimension of the work. And the ones of the fifth semester evidence the administration of the care and the work in group as actual in the daily one of the nurse. It can be affirmed that education plays an important role in the construction of the conceptions of the students, having, since early, to approach them of the reality of the practical professional. Keywords:  Nurse’s role; Students, nursing; Education, nursing RESUMEN:  El estúdio buscó analizar las concepciones de académicos de enfermería sobre el trabajo del enfermero. Atravéz de un cuestionario de prospección de opinión con alumnos del primero, quinto y noveno semestres; se constató que las respuestas de los estudiantes del último semestre están en las prácticas concretas, pues esos alumnos ven al enfermero como pieza llave del trabajo en la salud. Los académicos del primer semestre se refieren apenas a la dimensión humanitária del trabajo. Los del quinto semestre evidencian la administración del cuidado y el trabajo en equipo como presentes en el cotidiano del enfermero. Se puede afirmar que el enseñar desempeña un papel importante en la construcción de las concepciones de los alumnos, debiendo desde temprano aproximarlo de la realidad de la práctica profesional. Descriptores: Rol de la enfermera; Estudiantes de enfermería; Educación en enfermería 1 Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pela UFRGS. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] 2 Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da UFRGS. Doutora em Enfermagem pela USP. Conceptions of academics of nursing about what is being nurse Concepciones de académicos de enfermería sobre como ser enfermero Artigo Original INTRODUÇÃO Diversos estudos têm sido realizados acerca da fina- lidade do trabalho do enfermeiro. Alguns autores (1)  o re- conhecem como facilitador do trabalho dos demais mem- bros da equipe de enfermagem e de saúde. Um estudo (2) evidenciou o predomínio da função gerencial no trabalho do enfermeiro, função essa exercida através da supervi- são e controle do processo de trabalho. Ape sar disso, os enfermeiros denotam pouca aceitação do caráter gerencial de seu trabalho, tendo como ideal de profissão a assis- tência direta ao paciente. Artigo recebido em 07/12/04  e aprovado em 22/03/05 Autor correspondente: Raquel Borba Rosa Av. Bispo João Scalabrini, 192 - Ap.204 - Jd. Planalto 91225-120 - Porto Alegre - RS A prática do enfermeiro tem sido a de chefiar unida- des, elaborar plano de atividades e escala de plantões, prever material e pessoal, supervisionar atividades, revi- sar as medicações controladas, visitar os pacientes, além de outras atividades. No entanto, as escolas, apesar de enfatizarem as áreas de administração e gerenciamento, não preparam adequadamente as alunas para atuarem com maior segurança e autonomia (3) . Durante os estágios da graduação, o aluno vivencia situações que fogem à realidade da profissão, como o fato de prestar cuidados a um único paciente, alimentan- do a visão idealizada da assistência direta. Somente no

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artigo retrata sobre qual a concepções que os acadêmicos tem sobre o ser enfermeiros

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    Acta Paul Enferm. 2005;18(2):125-30

    Concepes de acadmicos de enfermagem...

    Concepes de acadmicosde enfermagem sobre o que ser enfermeiro

    Raquel Borba Rosa1, Maria Alice Dias da Silva Lima2

    RESUMO:: O estudo buscou analisar as concepes de acadmicos de Enfermagem sobre o trabalho do enfermeiro. Atravs de umquestionrio com alunos do primeiro, quinto e nono semestres, constatou-se que as respostas dos estudantes do ltimo semestre estomais prximas da prtica concreta, pois esses alunos concebem o enfermeiro como pea chave do trabalho em sade. Os acadmicosdo primeiro semestre referem-se apenas dimenso humanitria do trabalho. Os do quinto semestre evidenciam a administrao docuidado e o trabalho em equipe como presentes no cotidiano do enfermeiro. Pode-se afirmar que o ensino desempenha um papelimportante na construo das concepes dos alunos, devendo, desde cedo, aproxim-los da realidade da prtica profissional.

    Descritores: Papel do profissional de enfermagem; Estudantes de enfermagem; Educao em enfermagem

    ABSTRACT: The study intended to analyze the conceptions of academics of Nursing about the nurses work. Through a questionnairewith students of the first, fifth and nineth semesters, it was verifyed that the answers of the students of the last semester are closerto the practice of the profission, because these students see the nurse as key of the work in health. The academics of the first semestermention only the humanitarian dimension of the work. And the ones of the fifth semester evidence the administration of the care and thework in group as actual in the daily one of the nurse. It can be affirmed that education plays an important role in the construction of theconceptions of the students, having, since early, to approach them of the reality of the practical professional.

    Keywords: Nurses role; Students, nursing; Education, nursing

    RESUMEN: El estdio busc analizar las concepciones de acadmicos de enfermera sobre el trabajo del enfermero. Atravz de uncuestionario de prospeccin de opinin con alumnos del primero, quinto y noveno semestres; se constat que las respuestas de losestudiantes del ltimo semestre estn en las prcticas concretas, pues esos alumnos ven al enfermero como pieza llave del trabajo enla salud. Los acadmicos del primer semestre se refieren apenas a la dimensin humanitria del trabajo. Los del quinto semestreevidencian la administracin del cuidado y el trabajo en equipo como presentes en el cotidiano del enfermero. Se puede afirmar que elensear desempea un papel importante en la construccin de las concepciones de los alumnos, debiendo desde temprano aproximarlode la realidad de la prctica profesional.

    Descriptores: Rol de la enfermera; Estudiantes de enfermera; Educacin en enfermera

    1 Enfermeira. Mestranda em Enfermagem pela UFRGS. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] Professora Adjunta da Escola de Enfermagem da UFRGS. Doutora em Enfermagem pela USP.

    Conceptions of academics of nursing about what is being nurseConcepciones de acadmicos de enfermera sobre como ser enfermero

    Artigo Original

    INTRODUO

    Diversos estudos tm sido realizados acerca da fina-lidade do trabalho do enfermeiro. Alguns autores(1) o re-conhecem como facilitador do trabalho dos demais mem-bros da equipe de enfermagem e de sade. Um estudo(2)evidenciou o predomnio da funo gerencial no trabalhodo enfermeiro, funo essa exercida atravs da supervi-so e controle do processo de trabalho. Apesar disso, osenfermeiros denotam pouca aceitao do carter gerencialde seu trabalho, tendo como ideal de profisso a assis-tncia direta ao paciente.

    Artigo recebido em 07/12/04 e aprovado em 22/03/05Autor correspondente: Raquel Borba RosaAv. Bispo Joo Scalabrini, 192 - Ap.204 - Jd. Planalto91225-120 - Porto Alegre - RS

    A prtica do enfermeiro tem sido a de chefiar unida-des, elaborar plano de atividades e escala de plantes,prever material e pessoal, supervisionar atividades, revi-sar as medicaes controladas, visitar os pacientes, almde outras atividades. No entanto, as escolas, apesar deenfatizarem as reas de administrao e gerenciamento,no preparam adequadamente as alunas para atuarem commaior segurana e autonomia(3).

    Durante os estgios da graduao, o aluno vivenciasituaes que fogem realidade da profisso, como ofato de prestar cuidados a um nico paciente, alimentan-do a viso idealizada da assistncia direta. Somente no

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    final da graduao que o aluno passa a ter uma noomais real sobre o trabalho do enfermeiro, ficando sobsua responsabilidade um maior nmero de pacientes ealgumas atividades de gerenciamento do cuidado. Reco-nhece-se que tais experincias so necessrias ao apren-dizado gradativo do aluno, mas devem ser consideradasas exigncias do mercado de trabalho no qual estar essealuno futuramente, com unidades ou at mesmo hospi-tais inteiros sob sua superviso, quando, ento, serocobradas suas habilidades de gerenciamento.

    Devido a isso, considera-se necessrio conhecercomo os alunos concebem sua futura profisso, partin-do das experincias e conhecimentos que a graduaolhes proporciona. Parte-se do pressuposto de que o alu-no, quando entra no curso de graduao em Enferma-gem, traz consigo uma noo idealizada do que serenfermeiro. Essa idealizao pode ser atribuda identi-ficao que a sociedade faz do enfermeiro e do trabalhopor ele realizado. Um estudo(4), ao analisar reportagensda imprensa escrita, identificou que a referncia aos en-fermeiros e ao trabalho que exercem est muito ligada execuo da funo assistencial, sendo que a atividadegerencial e de planejamento e avaliao dessa assistnciano foi evidenciada, bem como as atividades de ensino epesquisa. Os resultados mostram que a enfermagem usada como sinnimo de prestao de cuidados e que asreportagens tm contribudo para reforar esteretipos,sem mostrar sociedade uma imagem do enfermeiroprxima daquela que os prprios profissionais tm de simesmos.

    Outro estudo(5), sobre a percepo dos enfermeirosde unidade de internao sobre gerncia, constatou queos mesmos, em suas primeiras experincias profissionais,chegam com expectativas de trabalhar na assistncia e sedeparam, na prtica, tambm com atividades burocrti-cas, o que acaba gerando conflitos. Os resultados apon-tam para a necessidade de adequao do ensino s exign-cias do mercado de trabalho, sugerindo a reformulaodo currculo, j que os enfermeiros caracterizam as expe-rincias da graduao como insuficientes, fato relaciona-do dicotomia existente entre o ensino e a prtica. Acres-centa-se que a dissociao entre o que ensinado e o queo enfermeiro realmente tem condies de realizar em seucotidiano pode gerar um sentimento de frustrao com otrabalho, diminuindo, conseqentemente, a qualidade doscuidados prestados(6).

    Com base na problemtica apresentada, o objetivogeral deste estudo analisar as concepes que os aca-dmicos de enfermagem possuem acerca do trabalho doenfermeiro. Como objetivos especficos, tem-se: com-parar as concepes que os acadmicos possuem, emdiferentes momentos da graduao, acerca do trabalhodo enfermeiro e analisar se a idia que fazem desse tra-balho condiz com a realidade da prtica profissional.

    METODOLOGIA

    um estudo descritivo. Os dados foram coletadosatravs de um questionrio com duas questes estru-turadas e uma pergunta aberta. Neste artigo so apre-sentados os dados da questo aberta, que pergunta oque ser enfermeiro, na opinio dos acadmicos. O ins-trumento foi testado previamente coleta dos dados,no sendo necessrio reformul-lo.

    A coleta dos dados foi realizada no ms de julhode 2003, na Escola de Enfermagem da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, com acadmicos doprimeiro, quinto e nono semestres da graduao emEnfermagem da mesma Universidade. A escolha des-ses semestres justifica-se pelo objetivo da pesquisade comparar diferentes momentos da graduao, ouseja, os acadmicos que esto ingressando, trazendoconsigo a mesma idia que a sociedade faz do traba-lho do enfermeiro, os que j passaram por alguns es-tgios (quinto semestre) e os que esto se formando,tendo passado por todas as etapas previstas no curr-culo. A amostra foi composta pelos alunos que devol-veram o questionrio corretamente preenchido: 29 aca-dmicos do primeiro semestre, 18 do quinto semestree 34 do nono semestre.

    Obteve-se aprovao do Comit de tica em Pes-quisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Oaceite em participar foi considerado atravs da devolu-o do questionrio preenchido pelos acadmicos. O ques-tionrio no exigiu nenhum tipo de identificao, almdo semestre que o estudante se encontrava, garantindoo anonimato preservado. Na apresentao dos resulta-dos, os alunos so identificados por cdigos: AP (acad-mico do primeiro semestre), AQ (acadmico do quintosemestre) e AN (acadmico do nono semestre).

    Para tratamento dos dados utilizou-se a tcnica deanlise temtica, que constou de duas etapas: constru-o de categorias e quantificao do contedo. Aquantificao do contedo implicou em contar o nme-ro de vezes em que uma determinada categoria apareceuou foi omitida(7). Cabe ressaltar que os resultados noso apresentados com as freqncias numricas comque foram referidos, visto o tamanho reduzido da amos-tra estudada.

    RESULTADOS

    A anlise e interpretao dos dados obtidos permi-tiram a construo de trs categorias, representativasda concepo dos acadmicos sobre o trabalho do en-fermeiro: caractersticas humanitrias no trabalho doenfermeiro; conhecimento e capacitao para o cui-dar; coordenar/organizar/administrar no trabalho doenfermeiro.

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    As duas primeiras categorias foram evidenciadas nostrs semestres estudados, porm com enfoques diferen-tes, em vista dos termos que os alunos de cada semestreutilizaram nas suas respostas.

    Caractersticas humanitrias no trabalho do enfermeiro

    O carter humanitrio da profisso foi muito enfatizadonas concepes dos estudantes. Entretanto, os alunos doprimeiro semestre obtiveram predomnio dessas caracte-rsticas em suas concepes, expressando os termos cui-dar/cuidado/cuidador na maioria de suas respostas. Ou-tros termos citados por eles foram amparar/confortar/amenizar sofrimento/promover bem-estar, dedicao/ateno, zelar pelo paciente e humanismo. Estevemuito clara, em suas respostas, a idia de doao para ocuidado e abnegao:

    Ser enfermeiro ser cuidador nas 24 horas do dia. (AP 15)

    (...) preocupar-se em viver plenamente como cuidador. uma profisso que necessita disponibilidade, amor edisciplina. (AP 5)

    Essa concepo humanitria do enfermeiro pode seratribuda idealizao da profisso. A maioria dos alunosingressa no curso de graduao em Enfermagem como pensamento de dedicar a sua vida para ajudar aspessoas, prevalecendo o idealismo como fator impor-tante na escolha da profisso(8). Alguns autores(9) afir-mam que

    (...) o conceito de Enfermagem antes da graduao de uma atividade de ajuda, dedicao, devoo esubmisso (...).

    Um estudo sobre a compreenso que as alunas dosegundo perodo do curso de graduao em Enferma-gem tm acerca dos significados da profisso evidenci-aram resultados semelhantes aos deste estudo. Entre ascategorias identificadas nos discursos das alunas, apa-receram o amor ao prximo, a doao ao cuidado e acomparao do enfermeiro a anjos e a super heris(10).Segundo as autoras, essa viso perpassada, idealizada,de forma que as alunas tendem a se decepcionar, apsconviverem com a realidade do cotidiano que nocorresponde as suas percepes.

    Ao realizar uma retrospectiva histrica da enferma-gem brasileira, percebe-se que esse carter essencial-mente humanitrio tem origem na influncia que as ir-ms religiosas exerciam sobre a profisso. As docentesreligiosas exigiam das alunas dos cursos de enfermagemum conjunto de qualidades para ser uma boa enfermeira:se sacrificar pela profisso, corao generoso, tolern-

    cia, compaixo, f em Deus, sendo destacadas a dedica-o ao prximo e a renncia, de forma que o bem-estardo paciente devesse estar acima do prprio bem-estarda enfermeira(11).

    Os acadmicos do quinto semestre expressaram suaconcepo sobre o carter humanitrio da profisso sema idia de abnegao e doao total, ao contrrio dos alu-nos ingressantes. Entretanto, as caractersticas humani-trias tambm foram as mais citadas por esses alunos.Sua maior preocupao com o cuidado integral, cujosignificado , para eles, cuidar do paciente vendo-o comoum ser humano completo:

    Ser enfermeiro ser cuidador, zelar pelo prximo, auxi-li-lo quando mais precisa, pois a assistncia dada inte-gral, abrange corpo, mente, alma (...). (AQ 15)

    Ainda, citaram a necessidade de o enfermeiro sededicar ao conforto e bem-estar do paciente, alm de terempatia pelo mesmo.

    J entre as respostas dos alunos formandos, as ca-ractersticas humanitrias tambm estiveram presentespara descrever o que ser enfermeiro, mas de formamenos freqente e com um carter ainda mais diferen-ciado. Referiram-se a um cuidado holstico, o qualdeve estar voltado para atender necessidades do paciente:

    Ser enfermeiro estar atento s necessidades do pacien-te. (AN 3)

    (...) Cuidar de um paciente vendo-o como um ser humanocompleto biopsicossocial (viso holstica). (AN 17)

    Sobressaiu, ainda, a idia de um cuidado mais pro-fissional, interligado a outras atividades, demonstrandoa evoluo da concepo de cuidado que ocorre comos acadmicos no progredir da graduao. Expressa-ram uma preocupao com a questo social e educativado cuidado.

    Ser enfermeiro prestar cuidados aos clientes, cuida-dos assistenciais e educacionais (...). (AN 18)

    A concepo de cuidado dos estudantes do nonosemestre est associada ao dever da profisso com o atode cuidar, que a finalidade da enfermagem.

    Conhecimento e capacitao para o cuidar

    A importncia do conhecimento para exercer a pro-fisso foi evidenciada, com diferentes abordagens, nasrespostas de todos os semestres.

    Alguns alunos do primeiro semestre expressaram aimportncia de o enfermeiro aliar a vocao aos conhe-

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    cimentos tcnicos ao exercer o cuidado, referindo queser enfermeiro

    Reunir em si as tcnicas e o sentimento de cuidar paradesempenhar bem essa funo. (AP 7)

    ser um cuidador nato acoplado a conhecimentos tcni-cos. (AP 2)

    A idia de vocao para o cuidar pode ser decorrentedos mitos da profisso, de que enfermeiro aquela pes-soa responsvel por minimizar o sofrimento do doente,ficando ao seu lado como um anjo ou como me,inserindo o trabalho desempenhado pelo enfermeiro emum modelo caritativo(12).

    Os estudantes do quinto semestre reconhecem a ne-cessidade e a importncia do conhecimento para exer-cer o cuidado, de forma a embasar as atividades no co-tidiano do enfermeiro:

    Ter conhecimento cientfico bsico para se dominar osassuntos da sade (...). (AQ 1)

    A diferena em relao ao primeiro semestre queesses referiram o conhecimento aliado a uma vocao,um dom natural para o cuidar, enquanto que noquinto semestre essa associao no apareceu.

    Na concepo dos alunos do nono semestre, oconhecimento importante no s para embasar asatividades, mas tambm a tomada de decises no co-tidiano do enfermeiro:

    (...) tomar decises rpidas embasadas em conheci-mento, tanto em situaes de emergncia/urgncia quan-to nas demais. (AN 21)

    Evidenciaram, tambm, a necessidade dos conhe-cimentos relativos administrao, enfatizando que osaber administrar deve visar qualificao do atendi-mento prestado:

    usar de conhecimento para administrar uma situaoem benefcio do usurio/cliente, com o intuito de quali-ficar o atendimento prestado em sade. (AN 22)

    Os alunos formandos expressaram uma preocupa-o com o desempenho de seu papel gerenciador. Umestudo(9) com alunos concluintes do curso de graduaoem Enfermagem, demonstraram que alguns dosformandos se diziam inseguros frente necessidade degerenciar uma equipe, fato que justifica a preocupaorelatada pelos estudantes.

    Coordenar/organizar/administrar no trabalho do enfermeiro

    Essa categoria foi identificada entre as respostas dosestudantes do quinto e nono semestres.

    Nas respostas dos acadmicos do quinto semestre,a administrao do cuidado foi pouco referenciada. Mes-mo assim, apontaram a importncia de aliar o cuidado satividades administrativas para o adequado funcionamentodos servios.

    Ser enfermeiro auxiliar o paciente (...), proporcionan-do-lhe um melhor bem-estar. Alm disso, importantecuidar da parte administrativa para que se tenha um bomandamento da unidade. (AQ 9)

    Tal concepo deve-se, provavelmente, ao fato deestarem no meio do curso, j tendo experenciado algunsestgios, nos quais puderam observar o trabalho do en-fermeiro. A organizao do espao de trabalho faz partedo gerenciamento do cuidado, para que a assistncia pres-tada seja efetiva. O enfermeiro, quando presente, oprincipal responsvel pela organizao do ambienteassistencial(13). Os estudantes do quinto semestre des-creveram algumas situaes que necessitam dessa orga-nizao:

    (...) Fazer com que os procedimentos destinados ao pa-ciente sejam realizados de forma mais eficaz e que elesestejam preparados para exames, cirurgias. (AQ 10)

    Tambm apareceu, entre as respostas do quinto se-mestre, o trabalho junto equipe de sade, evidenciandoa idia do trabalho coletivo, o qual permite ao enfermeiroatuar na reabilitao do paciente, junto equipe de sade:

    Ser enfermeiro (...) interagir com outros profissionaisda rea da sade (...). (AQ 7)

    Ajudar no processo de cura do paciente (...). (AQ 10)

    Apesar de evidenciarem e reconhecerem as ativida-des administrativas como importantes no trabalho doenfermeiro, os alunos do quinto semestre ainda o fazemde forma incipiente.

    J entre as concepes dos alunos formandos, essafoi a categoria predominante, sendo que a referncia satividades de gerenciamento e administrao apareceuem quase todas as respostas desses estudantes. Apenascinco deles no relataram essas atividades como inte-grantes do trabalho do enfermeiro. Alm disso, demons-traram uma concepo mais abrangente e detalhadaacerca desse trabalho e das atividades administrativaspresentes no mesmo. Priorizaram, em suas respostas, aassistncia, se referindo ao cuidado humano como sen-

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    do a atividade do enfermeiro. Mas para que esse cuidadoe a assistncia prestada sejam qualificados, enfatizarama importncia da administrao do cuidado:

    Ser enfermeiro prioritariamente cuidar do paciente deforma humanizada. tambm administrar uma uni-dade para que isso ocorra (o cuidado) da melhor formapossvel. (AN 10)

    conciliar atividades administrativas e assistenciais ga-rantindo a recuperao e promoo da sade dos paci-entes/clientes, alm de facilitar o andamento adequadodo trabalho em equipe. (AN 14)

    As atividades de coordenao da equipe de enferma-gem tambm estiveram presentes nas concepes dosformandos. O trabalho de enfermagem, por ser desen-volvido por mais de uma categoria profissional, ocorreatravs de operaes hierarquizadas. Configura-se, por-tanto, como um trabalho coletivo, que precisa ser coor-denado e gerenciado por algum(14).

    (...) habilidade de lidar com o outro, orientar e supervisi-onar, (...), avaliar o servio e funcionrios, realizar reuni-es peridicas, escalas de folgas e frias. (AN 24).

    Essa concepo condiz com resultados de umapesquisa(2) que verificou que os enfermeiros tm exer-cido, principalmente, atividades de coordenao, su-perviso e controle do trabalho, em unidades deinternao.

    A posio de centralidade que o enfermeiro ocupa eseu papel como pea chave na equipe de sade foievidenciada por alguns acadmicos do nono semestre.A centralizao de informaes faz com que o enfer-meiro torne-se um elemento de referncia no espaoonde atua, tanto para os demais profissionais como paraos familiares dos pacientes(13). O enfermeiro detm omonoplio das informaes, tanto relativas dinmicado trabalho quanto aos processos desenvolvidos comtodos os pacientes sob sua responsabilidade. Algunsdos acadmicos do nono semestre expressaram anecessidade do enfermeiro deter todas as informa-es acerca de seus pacientes, como descreveu esteacadmico:

    estar a par do quadro de sade de todos os pacientesinternados em seu setor (...). (AN 25)

    Em algumas situaes o enfermeiro percebido comoalgum capaz de resolver os problemas que surgem, almde atuar como facilitador do trabalho para os demaismembros da equipe(13). Os estudantes expressaram essaconcepo:

    Ser enfermeiro ser a vlvula de escape de toda a equi-pe. Todos os problemas que surgem na unidade acabamna responsabilidade do enfermeiro em resolver; os fun-cionrios esperam isso deste profissional (...). (AN 16)

    Alguns dos formandos consideraram a importnciado trabalho em equipe para o desenvolvimento da assis-tncia ao paciente:

    (...) trabalhar em equipe, de forma integrada einterdisciplinar. (...) Precisa gostar e saber agir em equi-pe. (AN 33)

    J foi constatado que o trabalho do enfermeiro composto por mltiplas atividades(15). Na concepo dealguns acadmicos do nono semestre, essa caracters-tica tambm foi evidenciada, conforme expressou esteestudante:

    Ser enfermeiro administrar uma unidade, estar preo-cupado com todas as situaes. Um enfermeiro assu-me atividades de diferentes naturezas, administrativas,assistenciais, educativas e de pesquisa. Popularmentese diz que um enfermeiro um psiclogo, me,nutricionista, amigo, etc. (AN 9)

    As diferentes atividades que o enfermeiro desenvol-ve em seu cotidiano evidenciam a multidimenso ca-racterstica de seu trabalho. Os sujeitos do nono semes-tre expressaram essa multidimensionalidade ao citar ati-vidades de diferentes naturezas para descrever o que ser enfermeiro. Ficou claro, entretanto, nas concepesdesses alunos, que as atividades que integram o trabalhodo enfermeiro, mesmo as de cunho administrativo, aten-dem a uma finalidade maior: a qualidade do cuidado aopaciente.

    CONSIDERAES FINAIS

    Pde-se evidenciar a presena de caractersticas hu-manitrias nas respostas dos alunos dos trs semestresestudados, quando descreveram o que ser enfermeiro.Entretanto, os acadmicos de cada semestre apresenta-ram enfoques diferentes em suas concepes. As res-postas dos alunos do primeiro e do nono semestres fo-ram as que mais se diferenciaram, quando comparadas.

    Os alunos do primeiro semestre ainda possuem umaviso vaga e idealizada do trabalho desse profissional,referindo-se apenas dimenso humanitria, acompa-nhada de idias de doao para o cuidado e abnegao,caractersticas essas que esto distantes da realidade daprtica profissional. Ainda, expressaram que existe umavocao para o cuidar, a qual deve estar aliada aos co-nhecimentos tcnicos. Os acadmicos do quinto e do

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    9. Jnior JGCS, Cavalcanti ATA, Monteiro EMLM, Silva MI.Como ser o amanh? Responda quem puder! Perspectivas deenfermeirandos quanto ao seu futuro profissional. Rev BrasEnferm 2003; 56(4):453-8.

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    nono semestres tambm evidenciaram a importncia dosconhecimentos para exercer a profisso, porm no ci-taram a vocao.

    Os estudantes do quinto semestre demonstraramuma concepo menos idealizada do trabalho desempe-nhado pelo enfermeiro, se referindo, principalmente, aocuidado integral, mas sem expressar a doao total eabnegao. Evidenciaram, ainda que de forma vaga, aadministrao do cuidado e o trabalho em equipe.

    Por fim, as respostas dos alunos do nono semestreexpressaram concepes ligadas ao dever da profissocom o ato de cuidar para atender necessidades no s dopaciente, mas necessidades sociais. Apresentaram, almdisso, uma noo mais aprofundada da atividade degerenciamento no trabalho do enfermeiro. Referiram-se administrao do cuidado em mais da metade de suas res-postas, e coordenao da equipe de enfermagem. Con-cebem o enfermeiro como pea chave do trabalho emsade, que centraliza informaes e capaz de resolverdiferentes problemas que surgem no espao onde atua.Ainda, evidenciaram o trabalho junto equipe de sade e apresena de mltiplas atividades no cotidiano de trabalhodo enfermeiro.

    Comparando as concepes dos alunos com resul-tados de estudos sobre o trabalho do enfermeiro, pode-se considerar que as do nono semestre so as que maisse aproximam da prtica concreta desse trabalho, vistoque o quinto e, principalmente, o primeiro semestre ain-da possuem vises restritas. E, considerando que as con-cepes dos acadmicos sobre sua futura profisso tra-duzem as vivncias que tm na graduao, pode-se afir-mar que o ensino desempenha um papel decisivo na cons-truo dessas concepes, devendo, desde cedo, apro-ximar os alunos da realidade da prtica profissional.

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