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EPIDEMIOLOGIA De uma maneira geral, podemos identificar três delineamentos na aplicação do método epidemiológico: • epidemiologia descritiva; • epidemiologia analítica; • epidemiologia experimental EPIDEMIOLOGIA DESCRITIVA A epidemiologia descritiva constitui a primeira etapa da aplicação do método epidemiológico com o objetivo de compreender o comportamento de um agravo à saúde numa população. Nessa fase é possível responder a questões como quem? quando? onde?, ou, em outros termos, descrever os caracteres epidemiológicos das doenças relativos à pessoa, ao tempo e ao lugar. Os caracteres epidemiológicos relativos às pessoas se referem especialmente ao gênero, idade, escolaridade, nível sócio-econômico, etnia, ocupação, situação conjugal. Outros agrupamentos podem ser criados segundo características como usuário e não-usuário de serviços de saúde, pessoas que vivem em domicílios com ou sem acesso a serviços de abastecimento de água, etc. Qualquer variável relevante pode ser usada, observados os critérios que delimitam perfeitamente uma categoria da outra. Ao descrevermos os caracteres epidemiológicos relativos ao tempo, focalizamos o padrão do comportamento das doenças, em amplos períodos, pelo levantamento de séries históricas com o objetivo de caracterizar tendências, variações regulares, como, por exemplo, as variações cíclicas e sazonais e as variações irregulares, que caracterizam as epidemias. Por sua vez, a descrição dos caracteres epidemiológicos relativos ao lugar preocupa-se com aspectos da distribuição urbano-rural, diferenças do comportamento das doenças em distintas regiões do globo ou mesmo diferenciais existentes no interior de uma mesma comunidade. Nos estudos descritivos, os dados são reunidos, organizados e apresentados na forma de gráficos, tabelas com taxas, médias e distribuição segundo atributos da pessoa, do tempo e do espaço, sem o objetivo de se estabelecer associações ou inferências causais. Esse tipo de estudo geralmente visa descrever populações alvo que apresentem certos atributos de interesse. Freqüentemente, pela impossibilidade de se estudar o universo, adota-se como opção o estudo de uma amostra estimada da população alvo.

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EPIDEMIOLOGIA

De uma maneira geral, podemos identificar três delineamentos na aplicação do método epidemiológico:

• epidemiologia descritiva;

• epidemiologia analítica;

• epidemiologia experimental

EPIDEMIOLOGIA DESCRITIVA A epidemiologia descritiva constitui a primeira etapa da aplicação do método epidemiológico com o objetivo de compreender o comportamento de um agravo à saúde numa população. Nessa fase é possível responder a questões como quem? quando? onde?, ou, em outros termos, descrever os caracteres epidemiológicos das doenças relativos à pessoa, ao tempo e ao lugar. Os caracteres epidemiológicos relativos às pessoas se referem especialmente ao gênero, idade, escolaridade, nível sócio-econômico, etnia, ocupação, situação conjugal. Outros agrupamentos podem ser criados segundo características como usuário e não-usuário de serviços de saúde, pessoas que vivem em domicílios com ou sem acesso a serviços de abastecimento de água, etc. Qualquer variável relevante pode ser usada, observados os critérios que delimitam perfeitamente uma categoria da outra. Ao descrevermos os caracteres epidemiológicos relativos ao tempo, focalizamos o padrão do comportamento das doenças, em amplos períodos, pelo levantamento de séries históricas com o objetivo de caracterizar tendências, variações regulares, como, por exemplo, as variações cíclicas e sazonais e as variações irregulares, que caracterizam as epidemias.

Por sua vez, a descrição dos caracteres epidemiológicos relativos ao lugar preocupa-se com aspectos da distribuição urbano-rural, diferenças do comportamento das doenças em distintas regiões do globo ou mesmo diferenciais existentes no interior de uma mesma comunidade. Nos estudos descritivos, os dados são reunidos, organizados e apresentados na forma de gráficos, tabelas com taxas, médias e distribuição segundo atributos da pessoa, do tempo e do espaço, sem o objetivo de se estabelecer associações ou inferências causais. Esse tipo de estudo geralmente visa descrever populações alvo que apresentem certos atributos de interesse. Freqüentemente, pela impossibilidade de se estudar o universo, adota-se como opção o estudo de uma amostra estimada da população alvo.

Delineamentos de estudos descritivos Os delineamentos dos estudos epidemiológicos descritivos abrangem:

• estudos ecológicos ou de correlação;

• relatos de casos ou de série de casos;

• estudos seccionais ou de corte transversal.

EPIDEMIOLOGIA ANALÍTICA Os estudos analíticos constituem alternativas do método epidemiológico para testar hipóteses elaboradas geralmente durante estudos descritivos. Temos fundamentalmente dois tipos de estudos analíticos:

• coortes;

• caso-controle.

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Em síntese, esses delineamentos têm por objetivo verificar se o risco de desenvolver um evento adverso à saúde é maior entre os expostos do que entre os não-expostos ao fator supostamente associado ao desenvolvimento do agravo em estudo.

EPIDEMIOLOGIA EXPERIMENTAL A epidemiologia experimental abrange os chamados estudos de intervenção, que apresentam como característica principal o fato de o pesquisador controlar as condições do experimento. O estudo de intervenção é um estudo prospectivo que objetiva avaliar a eficácia de um instrumento de intervenção e, para tanto, seleciona dois grupos: um deles é submetido à intervenção objeto do estudo e o outro, não; em seguida, compara-se a ocorrência do evento de interesse nos dois grupos.

RESUMINDO:

O MÉTODO EPIDEMIOLÓGICO

Fase Descritiva (desvela problemas)

Fase Analítica (ataca os problemas)

1) DESCRITIVOS

A priori (não tem hipóteses para validar) Mass screening (inquéritos gerais) Questões Planejamento da administração sanitária

A) Qual a prevalência da doença x na comunidade y? B) Qual o estado sanitário da comunidade y em relação à doença x?

2) ANALÍTICOS Questões

A posteriori (hipótese diretora) Testam a verdade de enunciados comparativos

A) A prevalência da doença x é maior entre os expostos ao fator y do que os não expostos? B) A prevalência da doença x (nos habitantes da região A) que possuem o fator y é maior do que os habitantes da região B que não possuem o fator y?

INDICADORES DE SAÚDE

Para que a saúde seja quantificada e para permitir comparações na população, utilizam-se os indicadores de saúde. Estes devem refletir, com fidedignidade, o panorama da saúde populacional. É interessante observar que, apesar desses indicadores serem chamados Indicadores de Saúde, muitos deles medem doenças, mortes, gravidade de doenças, o que denota ser mais fácil, às vezes, medir doença do que medir saúde. Esses indicadores podem ser expressos em termos de frequência absoluta ou como frequência relativa, onde se incluem os coeficientes e índices. Os valores absolutos são os dados mais prontamente disponíveis e, freqüentemente, usados na monitoração da ocorrência de doenças infecciosas; especialmente em situações de epidemia, quando as populações envolvidas estão restritas ao tempo e a um determinado local, pode assumir-se que a estrutura populacional é estável e, assim, usar valores absolutos. Entretanto, para comparar a freqüência de uma doença entre diferentes grupos, deve-se ter em conta o tamanho das populações a serem comparadas com sua estrutura de idade e sexo, expressando os dados em forma de taxas ou coeficientes.

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Indicadores de saúde: • Mortalidade/sobrevivência • Morbidade/gravidade/incapacidade funcional • Nutrição/crescimento e desenvolvimento • Aspectos demográficos • Condições socioeconômicas • Saúde ambiental • Serviços de saúde

Os dados agregados e devidamente transformados em informações podem assumir a característica de indicadores, que podem ser definidos como representações (numéricas ou não) que nos permitem elaborar um conhecimento sobre uma determinada situação de saúde. Trata-se de uma representação que tem o poder de “indicar” (daí seu nome) variações no espaço e no tempo relativas a eventos de saúde. Em geral os conceitos de informação e indicador podem se confundir e podemos dizer, grosso modo, que todo indicador é uma informação, mas nem toda informação é um indicador.

Um exemplo prático seria o seguinte: quando dizemos que ocorreram 315 óbitos em menores de um ano no município de Natal em 2002, temos um dado, ou seja, algo que, em tese, não nos diz muita coisa. Contudo, podemos relacionar esse dado à população de nascidos vivos no mesmo ano (13.286) e obter a proporção de 23,7 óbitos para cada mil nascidos vivos, chegando, portanto, a um indicador internacionalmente utilizado, que é a Mortalidade Infantil. Por fim, quando avaliamos este indicador na perspectiva de tempo e espaço, ou seja quando analisamos se houve aumento ou diminuição, ou ainda se este valor está alto ou baixo em termos mundiais ou nacionais, temos uma informação, que nos ajuda a compreender a determinada situação de saúde.

Medidas de Saúde-DoençaA Epidemiologia, a despeito de avaliar a situação de saúde das populações, trabalha, via de regra, com informações de não-saúde, ou seja, procura avaliar o modo como adoecem e morrem as populações. É bem verdade que, mais recentemente, tem sido colocada a necessidade de serem incorporados os chamados “indicadores positivos”, ou seja, aqueles que avaliam a saúde propriamente dita. Contudo, os indicadores ditos “clássicos” e mais utilizados cotidianamente são os que avaliam a maneira como morrem (mortalidade) e como adoecem (morbidade) as populações. Para os propósitos deste capítulo, os dados de mortalidade têm pouca utilidade, como discutiremos adiante e a bibliografia indicada ao final fornece bons subsídios para os interessados neste campo. Desse modo, descreveremos resumidamente, a seguir, as principais formas de avaliação da morbidade.

Indicadores de Morbidade: Prevalência e IncidênciaPrevalência e Incidência são as categorias mais utilizadas na avaliação da morbidade. São conceitos que, no senso comum, são usualmente confundidos, mas que apresentam lógicas de construção bastante distintas.

A Prevalência pode ser definida como a quantidade de casos existentes de uma doença num determinado tempo e lugar. Expressa, portanto, um dado estático, significando a força com que uma doença subsiste na população.

Já a Incidência indica o número de casos novos que surge de uma determinada doença num determinado espaço de tempo, os quais são incorporados à prevalência. Desse modo, a incidência adquire características mais dinâmicas, indicando a intensidade com que acontece o evento na população.

Do ponto de vista do comportamento das doenças na população, incidência e prevalência estabelecem uma relação intrínseca, dependendo das características da doença (se têm avanço rápido, se são agudas ou crônicas, se matam com maior ou menor intensidade). De

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uma forma geral, o modo como estas medidas afetam o perfil de doença na população pode ser entendido a partir do esquema ilustrado na figura abaixo:

Doentes queimigram

Prevalência

Curas Óbitos

Doentes queemigram

DoentesNovos

Incidência

Doentes queimigram

Prevalência

Curas Óbitos

Doentes queemigram

DoentesNovos

DoentesNovos

Incidência

Figura 1. Relação entre incidência e prevalência. Adaptado de Kerr-Pontes e Rouquayrol.

Taxa: Uma taxa é uma medida da frequência de ocorrência de um fenômeno. Algumas taxas são proporções. Uma taxa é composta por um numerador, denominador, uma especificação do tempo e geralmente se multiplica por um potência de 10. (Last, 1995) É a medida que mais claramente exprime a probabilidade ou risco de doença numa população e espaço de tempo definidos. Ex: taxa de mortalidade em BH, 1996 12380 (nº de mortes) / 2091371 (população) = 5,9/1000 ou 59/10.000

DETERMINANTES SOCIAISApós um amplo trabalho de revisão do conhecimento produzido sobre os determinantes sociais da saúde, a CNDSS adotou como modelo para a sua análise e esquema para a construção de recomendações de intervenção nos diferentes níveis de determinação o esquema explicativo de Dahlgren e Whitehead (1991) (idem).

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Fonte: Dahlgren; Whitehead, 1991.O modelo desenvolvido por Dahlgren e Whitehead (1991) organiza as circunstâncias que constroem nosso modo de viver e nosso processo saúde-doença em diferentes camadas, reunindo aspectos individuais, sociais e macroestruturais (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). O esquema permite-nos visualizar didaticamente uma série de “partes” integrantes de nossas vidas e analisar as relações estreitas e indissociáveis que elas têm. É importante lembrar que assim como cada modo de viver é uma composição de circunstâncias, também cada um dos territórios é a expressão singular da articulação dos determinantes sociais da saúde.

Na divisão didática proposta por Dahlgren e Whitehead (1991), os determinantes sociais estão organizados por níveis de abrangência em distintas camadas: a mais próxima referindo-se aos aspectos individuais e a mais distante aos macro determinantes. Como se pode ver, na base da figura, estão as características individuais de idade, sexo e fatores genéticos que marcam nosso potencial e nossas limitações para manter a saúde ou o adoecer.

Na camada imediatamente externa, aparecem o comportamento e os estilos de vida individuais. Esta camada está situada no limiar entre os fatores individuais e os Determinantes Sociais da Saúde, já que os comportamentos dependem não apenas de opções feitas pelo livre arbítrio das pessoas, mas também de Determinantes Sociais da Saúde, como acesso a informações, propaganda, pressão de pares, possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços de lazer, entre outros. A camada seguinte destaca a influência das redes comunitárias e de apoio, cuja maior ou menor riqueza expressa o nível de coesão social que é de fundamental importância para a saúde da sociedade como um todo. No próximo nível, estão representados os fatores relacionados a condições de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais, como saúde e educação, indicando que as pessoas em desvantagem social apresentam diferenciais de exposição e de vulnerabilidade aos riscos à saúde, como consequência de condições habitacionais inadequadas, exposição a condições mais perigosas ou estressantes de trabalho e acesso menor aos serviços. Finalmente, no último nível, estão situados os macro determinantes que possuem grande influência sobre as demais camadas e estão relacionados às condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade, incluindo também determinantes supranacionais como o processo de globalização. (CNDSS, 2008, p. 14)

De acordo com o Relatório Final da CNDSS (2008), as estratégias de intervenção para a promoção da equidade em saúde precisam incidir sobre os diferentes níveis em que Dahlgreen e Whitehead (1991) organizaram os determinantes sociais da saúde. Num senti do abrangente, a produção da saúde aconteceria pela organização de um contínuo de ações capazes de transformar positivamente os elementos que constroem os nossos modos de viver desde um nível de governabilidade mais próximo ao sujeito até aquele mais distante, que corresponde às políticas macroeconômicas, culturais e ambientas estruturantes da sociedade.

Sobre os determinantes sociais da saúde, remetendo a duas condições imprescindíveis para que as ações de Promoção da Saúde sejam efetivadas: a participação social e a intersetorialidade. Carvalho e Buss (2008) organizam as intervenções em três níveis de abrangência: proximal, intermediário e distal.

No nível proximal, estão nossas escolhas, hábitos e rede de relações. Nesse nível, as intervenções envolvem políticas e estratégias que favoreçam escolhas saudáveis, mudanças de comportamento para redução dos riscos à saúde e a criação e/ou fortalecimento de laços de solidariedade e confiança. Assim, realizam-se programas educativos, projetos de comunicação social, ações de ampliação do acesso a escolhas saudáveis (alimentação saudável, espaços

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públicos para prática de atividades físicas, etc.), construção de espaços coletivos de diálogo e incentivo a organizações de redes sociais (CARVALHO; BUSS, 2008).No nível intermediário, estão as condições de vida e trabalho que partilhamos numa determinada organização da sociedade. Nesse nível, as intervenções implicam a formulação e implementação de políticas que melhorem as condições de vida, assegurando acesso à água potável, saneamento básico, moradia adequada, ambientes e condições de trabalho apropriadas, serviços de saúde e de educação de qualidade, e outros. Aqui, exige-se a promoção de ações sinérgicas e integradas dos diversos níveis da administração pública.

No nível distal, identificamos as políticas estruturantes de nossa sociedade. Trata-se de intervir para a consolidação de políticas “macroeconômicas e de mercado de trabalho, de proteção ambiental e de promoção de uma cultura de paz e solidariedade que visem promover um desenvolvimento sustentável, reduzindo as desigualdades sociais”.

Sabe-se, contudo, que sistematização acima é meramente um recurso didático. Na realidade de cada território e da vida de cada um de nós, todos esses níveis de determinação acontecem e operam ao mesmo tempo e de maneira inseparável. Sempre somos senhor ou senhora X, que mora no bairro Y de uma metrópole ou de um pequeno município rural, trabalha no local Z, vem de uma família B ou C, tem mais ou menos amigos, é religioso ou ateu, entre um milhão de outras possíveis circunstâncias. É com todos os determinantes sociais da saúde que chegamos aos serviços de saúde, sejamos profissionais, usuários ou gestores!

É, então, fundamental que as intervenções nos níveis proximal, intermediário e distal se deem baseadas na intersetorialidade, na participação social e nas evidências científicas.

MIASMAS

As intervenções urbanas empreendidas no século XIX pelo corpo de médicos (e também engenheiros) responsáveis pelo saneamento das cidades no Brasil encontram sua fundamentação, como em outras partes do mundo (e desde o final do século XVIII), na teoria miasmática. O assunto “miasmas” era muito debatido entre os profissionais porque a palavra traduzia quase tudo o que tinha relação com insalubridade, além de ser algo desconhecido: acreditava-se serem os miasmas emanações nocivas invisíveis que corrompiam o ar e atacavam o corpo humano. Os miasmas seriam gerados pela sujeira encontrada nas cidades insalubres, e também por gazes formados pela putrefação de cadáveres humanos e de animais.