comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de sobral-ce

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Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Centro de Informação Científica e Tecnológica – Departamento de Comunicação e Saúde Escola Nacional de Saúde Pública – Departamento de Endemias Samuel Pessoa Curso de Especialização em Comunicação e Saúde Pública COMUNICAÇÃO: a base do trabalho do Agente Comunitário de Saúde Monica Mello Torres Jornalista – Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia/Sobral/CE e Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde de Sobral/CE. 1

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Page 1: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)Centro de Informação Científica e Tecnológica –

Departamento de Comunicação e SaúdeEscola Nacional de Saúde Pública – Departamento de Endemias Samuel Pessoa

Curso de Especialização em Comunicação e Saúde Pública

COMUNICAÇÃO: a base do trabalho

do Agente Comunitário de Saúde

Monica Mello TorresJornalista – Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia/Sobral/CE e Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde de Sobral/CE.

Rio de Janeiro2004

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COMUNICAÇÃO: a base do trabalho

do Agente Comunitário de Saúde

MONICA MELLO TORRES

Orientação

Inesita AraújoDoutora em Comunicação e Cultura. Pesquisadora CICT/Fiocruz/RJ.

Co-orientação

Maria Inês de Vasconcelos AmaralEnfermeira. Especialista em Educação e Saúde Pública. Diretora Presidente da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia/Sobral/CE.

Trabalho de conclusão apresentado ao Departamento de Comunicação e Saúde do Centro de Informação Científica e Tecnológia (CICT) e Departamento de Endemias Samuel Pessoa (DENSP) da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), como requisito para a obtenção do Título de Especialista em Comunicação e Saúde Pública.

Rio de Janeiro2004

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COMUNICAÇÃO: a base do trabalho

do Agente Comunitário de Saúde

Monica Mello Torres

BANCA EXAMINADORA

INESITA SOARES ARAÚJO

Aprovado em : ____/____/_____ Grau: _______

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Agradeço com respeito e orgulho a todos os trabalhadores da Saúde de Sobral que

me concederam as entrevistas.Oferto também este trabalho, com amor

especial, a Helma, Inês e Vilane – a extensão de minha família no Ceará.

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RESUMO

O presente trabalho discute o profissional Agente Comunitário de Saúde como um trabalhador que, terminantemente, atua no seu dia a dia como um agente de comunicação e que pode contribuir para o reconhecimento da polifonia e valorização do diálogo entre comunidade e Sistema de Saúde. Para tanto, são entrevistados agentes de saúde e outros profissionais da área Saúde. O ambiente estudado é o Sistema Municipal de Saúde de Sobral/CE, que desde o ano de 1997 adotou o Programa Saúde da Família como estratégia estruturante da organização da atenção primária. O trabalho também trata da política de comunicação para a mobilização social, que está sendo discutida e implementada na Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde de Sobral. A autora apresenta, ainda, um pouco da história do agente comunitário de saúde no país e no município, do Curso Seqüencial para Agentes Comunitários de Saúde e do Curso Técnico para este profissional, adotado pelo governo federal e pensado pela Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia/Sobral e Escola de Saúde Pública/Ceará.

Palavras-chave: comunicação; agente comunitário de saúde; polifonia; Sobral.

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SUMÁRIO

A VIDA, OS ESTUDOS E O MÉTODO .................................................................................................... 7

O método para as entrevistas .........................................................................................................

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Mapa do Mercado Simbólico ........................................................................................................ 12

O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE .............................................................................................. 13

Números em Sobral ....................................................................................................................... 17

O CURSO SEQÜENCIAL PARA AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE ..................................... 19

O CURSO TÉCNICO FEDERAL ............................................................................................................. 20

O NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E ARTE (NUCLEO.COM) ............................................................. 22

As produções do nucleo.com ........................................................................................................ 22

POR UMA POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL ............................. 24

O que queremos e ao que viemos .................................................................................................. 25

As bases teóricas ........................................................................................................................... 26

COMUNICAÇÃO: A BASE DO TRABALHO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE .............. 30

OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE .................................................................................. 35

OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE ...................................................................................................... 53

agente de saúde é agente de comunicação ................................................................................................. 65

comunicação é saúde .................................................................................................................................. 66

cultura popular é saúde .............................................................................................................................. 66

APONTAMENTOS ................................................................................................................................... 67

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................................... 69

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A VIDA, OS ESTUDOS E O MÉTODO

SOBRAL. Ceará. Atrás dois anos: proposta de viver outras experiências profissionais. Coragem

de mudança. Quereres de atuação mais transformadora a curto e médio prazos. Começar uma

política de comunicação para contribuir com o processo de construção do novo modelo de atenção

à saúde. Uma proposta inovadora - a utilização dos saberes e práticas da comunicação para a

promoção da saúde da população. Um sonho: a Estratégia Saúde da Família - saúde de forma

abrangente; não mais centrada na doença e sim no paradigma da promoção da saúde. Renovar

mentes e corações, em prol da organização de um sistema de saúde vivo, capaz de promover saúde

e não somente prevenir e curar doenças.

Além disso, para mim, qualidade de vida: andar de bicicleta, apreciar o frescor e o belo casario

da cidade pelas madrugadas, casa para ter plantas, gato e cachorro, voltar para a capoeira.

SOBRAL. É onde hoje minhas novas experiências de vida, amorosas, afetivas, profissionais se

misturam. Novas comidas, arquiteturas, geografia, costumes... fazem de mim um ser mais

brasileiro, mais universal.

Assim, começamos a pensar o que demos o nome de Núcleo de Comunicação e Arte

(nucleo.com) da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia1 que hoje, além de

produzir estratégias de comunicação para a própria Escola, também cria produtos e discute uma

política de comunicação para a mudança social, junto à Secretaria de Desenvolvimento Social e

Saúde e às Unidades de Saúde da Família (PSF). A proposta passa pela descentralização de

informações, socializando conhecimentos, dissipando dúvidas, disseminando idéias e divulgando

atividades através da produção de materiais gráficos, radiofônicos, documentais e muita

sensibilidade artística, trabalhar as artes/cultura popular locais como meio para a promoção da

saúde, mas também arte pela arte, isto é, como um fim de saúde, em si mesma. Acreditamos que é

fundamental irradiar o que consideramos correto, justo, ético e salutar, contribuindo, assim, no

processo de formação de uma sociedade civil com dignidade.

Em nossa função, primamos por estar próximos da cultura local que, por muitas vezes, dá o tom

do trabalho de formação de opinião e mudança de hábitos. Assim, a proposta principal, de início

de vontade de participar da Especialização, foi partilhar e discutir a experiência em comunicação e

1 A ESCOLA, como é mais conhecida a Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, um órgão social, sem fins lucrativos - Instituto para Desenvolvimento de Tecnologias em Saúde da Família (IDETSF) -, presta serviços à Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde de Sobral, nas áreas de ensino e pesquisa, com enfoque na estratégia saúde da família.

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saúde de Sobral e perspectivas de continuidade desse trabalho. Com um recorte para a organização

e apropriação comunitária, e uma visão de respeito e de reconhecimento das peculiaridades desse

outro.

Nesse caminho, em um segundo momento – que acabou definindo o recorte do trabalho -, fui

chamada para atuar com os agentes comunitários de saúde, no Curso Seqüencial2 da Escola de

Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, para produzir junto com eles um informativo

que divulgasse o que estava acontecendo nas comunidades e o próprio Seqüencial, a partir da

visão dos agentes. Assim, nas aulas de Mídia Impressa, da disciplina Mobilização Comunitária e

Participação Social, começamos a discutir como o uso das tecnologias de informação e

comunicação (tv, rádio, internet, jornal) podem intensificar os processos comunicativos nas

comunidades e a torná-las mais participativas e com poder de decisão nas políticas públicas

geridas pelos governos.

Nos processos de criação coletiva que vivenciamos em sala de aula, alguns pensamentos

povoaram a atmosfera e surgiram frases, que foram fundamentais para começar a pensar a

possibilidade e motivo dessa Especialização. Ei-las abaixo e, com elas, algumas reflexões:

“Os meios de comunicação só têm sentido em um processo de interlocução.”

É claro que os meios de comunicação da grande imprensa, e algumas nem tão grande, utilizam

terminantemente o processo de informação sem espera ou querer de troca, de diálogo, e isso é

massificado e absorvido de diversas formas pela população; mas o que coletivamente pensamos

em ressaltar com essa frase é que, em um contexto de educação ou intervenção social, só faz

sentido incluir o uso de meios de comunicação na perspectiva da potencialização do processo de

interlocução. Ou seja, os meios de comunicação são mediadores da interlocução, que ocorre entre

pessoas.

“Uma das principais funções da COMUNICAÇÃO é a luta por uma maior

tolerância/compreensão entre as pessoas – ALTERIDADE.”

Em um contexto onde se considere certos princípios da educação e da saúde popular, a

comunicação pode adquire este caráter, de acolhimento da alteridade, espaço de entendimento, no

sentido de se fazer ouvir, negocia seus próprios sentidos de mundo com o(s) outro(s). E quanto a

2 O Curso Seqüencial para Agentes Comunitários de Saúde vem para ser uma política de formação do agente de saúde, com uma perspectiva de valorizar o saber que ele trás e contribuir para dar as ferramentas para melhorar o seu fazer profissional. O Curso tem duração de dois anos e se desenvolve em módulos mensais, com duração de uma semana, com 40 horas de atividades em sala de aula. Nas outras três semanas os agentes trabalham regularmente. Até agora, o Seqüencial conta com duas turmas de 30 alunos, em média.

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questão da tolerância e compreensão, aqui não se esquece que todo o processo de comunicação é

um processo de disputa pelo poder, a linguagem é uma arena de embates sociais.

“Sem a comunicação popular não há qualquer possibilidade da construção de uma nova

sociedade com justiça e sem exclusão, quando as comunidades e os setores populares estejam

atuantes na conquista desse objetivo.”

A comunicação popular existe, queiramos ou não. A questão é incorporá-la nas práticas

institucionais, considerar que os discursos populares, os saberes populares devem encontrar seu

lugar na definição e gestão das políticas públicas em saúde.

A participação comunitária nos meios de comunicação é elemento fundamental para o

desenvolvimento de um povo. Mas é importante estar atento e analisar os conteúdos, muitas vezes

reprodutores de conceitos estipulados pelas classes dominantes.

Agora, o governo federal está propondo um Curso Técnico para Agentes Comunitários de Saúde

(assunto que tratarei mais à frente no trabalho). E nos capítulos do projeto que discutem a

formação desse profissional, a comunicação é fortemente lembrada. No projeto, são cinco as

Competências; entre elas está “Desenvolver ações que facilitem a integração entre as equipes de

saúde e as populações adscritas às Unidades Básicas de Saúde (UBS), considerando as

características e as finalidades do trabalho de acompanhamento de indivíduos e grupos sociais ou

coletividades”. Dos Conhecimentos e Habilidades, os que falam diretamente de um processo

comunicacional são: “Implementar práticas de comunicação intersubjetiva e em educação

popular”; “Utilização dos meios de comunicação”; “Utilizar recursos de informação e

comunicação adequados à realidade local” e ter “Conceitos de informação, educação e

comunicação (diferenças e interdependências)”.

Que até aqui já esteja mais que definido o meu lado nesse mundo. O apoio praticamente

incondicional a esse profissional Agente Comunitário de Saúde e da fundamental atuação do

mesmo nas comunidades do pais, não só nas mais carentes. Seu aprimoramento profissional e

intelectual só tem a potencializar o trabalho da Saúde como o de outras áreas que atuam com

políticas públicas. Problematizar essa carreira, para mim, é um momento de estar valorizando,

motivando e conhecendo mais esse profissional, como trazendo à tona um pouco do mundo do

agente.

O método para as entrevistas

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A entrevista é o método escolhido para obter as várias vozes, as várias percepções.

Conversei com alguns profissionais que trabalham no Sistema de Saúde de Sobral mais próximos

a mim e chegamos a alguns nomes que poderiam ser entrevistados. Também lembramos de outros

profissionais que poderiam contribuir nas escolhas e lembrar de outros nomes fundamentais, além

de confirmarem aqueles sugeridos. Foi definido que optaríamos, para as entrevistas, por 10

agentes comunitários de saúde; seis da zona urbana, por motivo da população sobralense já estar

mais concentrada nos bairros da cidade, e quatro da zona rural, isto é, de distritos do município.

Para decidir pelos bairros, optamos por dividir em Equipes de Saúde da Família (ESF) que

atendem um maior número populacional e outras que, por atuarem em áreas dispersas, atendem

um número menor de pessoas. O mesmo fizemos com os distritos: um com grande concentração

populacional e um dos menores distritos. A escolha dos nomes a serem entrevistados foi aleatória,

mas seguiu duas lógicas: junto com a coordenação do Curso Seqüencial, escolhemos cinco agentes

que participam do Curso e outros cinco que não (os Preceptores de Área sugeriram os nomes dos

agentes que não fazem parte do Seqüencial). Dos que participam, três foram escolhidos da

primeira turma, com a qual eu tinha maior proximidade naquele momento e os outros dois da

segunda.

Já os outros profissionais do Sistema de Saúde de Sobral, que não os agentes comunitários, estes

foram escolhidos entre coordenadores do Seqüencial e outros profissionais que já vinham com

uma história de atuação conjunta ou para a implementação dessa categoria no Sistema Saúde.

Outro requisito é que fossem de áreas bem variadas. Assim, os entrevistados são médicos,

sociólogos, motoristas, que mais concretamente vivem e pensam essa categoria. A princípio,

pensamos em cinco profissionais, mas acabamos decidindo por mais uma pessoa, por achar que

completava bem o leque de variáveis profissionais.

Todas as entrevistas começam com o que chamo de um pouco do lugar da fala de cada

profissional, isto é, onde moram e atuam, alguns momentos de suas histórias pessoais e

profissionais e, por vezes, peculiaridades de vida. Tenho para mim que, se conhecêssemos,

fizéssemos questão de saber um pouco do mundo, história de vida das pessoas, nós as

respeitaríamos mais, o que tornariam as convivências do dia a dia e as disputas por espaço na

sociedade mais dignas e respeitosas.

Tentei enxugar o mais que pude as entrevistas, penso que o sumo do que o profissional tratou das

questões sugeridas está nas respostas transcritas. Mesmo assim, faço alguns destaques, em

sublinhado, nos quais darei uma maior ênfase nos comentários, no capítulo Desenvolvimento.

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Sobre os temas propostos aos entrevistados – agente de saúde é agente de comunicação;

comunicação é saúde e cultura popular é saúde – discorrerei (no capítulo Desenvolvimento) -

após as entrevistas -, sem me a ter a uma ordem específica, sobre: 1) o que pensam e dizem os

agentes de saúde; 2) o que pensam e dizem os trabalhadores da saúde; 3) o que diz a teoria, os

textos que me refiro na bibliografia e 4) o que pensa e diz a pesquisadora.

Como parte do método de conhecimento do meu objeto, utilizei a construção do Mapa do

Mercado Simbólico3 da saúde em Sobral. Este mapa evidencia a rede de produção de sentidos

que se organiza em torno de um tema e aponta as fontes e fluxos da comunicação num dado

espaço discursivo, circunscrito ou não geograficamente. No nosso caso, evidenciou as inter-

relações das comunidades discursivas no espaço da Saúde de Sobral. A característica primeira do

Mapa, que pode ser observado na próxima página, é permitir-nos perceber a polifonia que pede

para ser ouvida nesse espaço. São muitos os lugares de fala, são muitas as relações. “Pensar

estrategicamente a comunicação significa mapear a trastopografia dos lugares de fala” (Araújo,

2000).Também nos permite perceber com mais clareza não só as negociações, mas também as

disputas de sentido, além de mostrar que as comunicações podem ser sinérgicas (convergente) e

conflitivas (divergentes): o grau de força varia, mas na comunicação estão presentes sempre as

duas faces. Para mostrar a complexidade do cenário sobre o qual trabalhamos, realçamos no Mapa

(em contorno amarelo) os agentes, o nucleo.com, onde a pesquisadora está inserida, e a ESCOLA,

lugar de intercessão dos outros trabalhadores da saúde entrevistados.

Espero que, com esse trabalho eu me faça entender e contribua para os pensamentos em

processos de comunicação mais participativos socialmente.

3 O método de desenho do mapa simbólico foi desenvolvido por Inesita Araújo, pesquisadora da Fiocruz - CICT - Departamento de Comunicação e Saúde, como parte de seu modelo de comunicação para políticas públicas.

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O MAPA

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O AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE

“Ser agente de saúde é ser povo, é ser comunidade, (...)

É passar pela rua, pela favela, pelo barraco e sentir que o seu

povo necessita do seu trabalho e com o seu trabalho ela pode ajudar

a viver melhor...

É saber contar nos dedos que o Joãozinho, a Mariazinha ou a

Luíza, já tomaram vacina contra sarampo, o crupe e a paralisia.

É que Rita ficou prenha e já faz exame de pré-natal no posto de

saúde...

É saber que a Cristina ganhou um lindo menino e é importante

orientá-la pacientemente, que precisa dar só leite do peito até o 6o

mês... (...)”

Isabel Cristina A. Stéfano, Presidente da Fundação Nacional de

Saúde, na apresentação do livro Manual do Agente Comunitário de

Saúde, em 1991.

O profissional Agente Comunitário de Saúde (ACS) está em todo o país, mas é no nordeste

brasileiro que sua atuação se faz mais presente. As demandas governamentais por uma

comunicação informativa que chegue a lugares longínquos e de difícil acesso no mapa brasileiro

permeiam fortemente a atuação desse trabalhador, que foi pensado para ser da promoção e da

prevenção da saúde.

No Ceará, o Agente contribuiu no encaminhamento das crianças para a escola. principalmente na

área rural: grande parte dos alunos começavam e desistiam, por diversos motivos, como distância,

os pais não acreditavam na escola etc. Então, a partir de 1995 o Programa de Agentes

Comunitários de Saúde promoveu, para as secretarias de educação dos municípios, com o apoio da

secretaria de educação do estado e do Unicef, o levantamento de todas as crianças que estavam

fora da escola. Além desse grande mutirão, os agentes começaram a mobilizar os pais, no sentido

de discutir a importância e vantagens de seus filhos irem para a escola e os professores e prefeitos,

para construírem uma escola de qualidade para as crianças. A partir desse fato, ocorreu um maior

reconhecimento do trabalho dos agentes e foi montado um supletivo de primeiro grau, depois de

segundo, para escolarizá-los. Hoje, no Ceará, noventa por cento dos Agentes ou terminaram ou

estão concluindo o 2o grau.

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Outro fato cearense: o Agente Comunitário levou às famílias a informação que as mulheres

grávidas tinham direito à assistência ao parto e ao pré-natal nos serviços públicos de saúde. Essa

informação contribuiu para a acessibilidade das famílias a um direito básico de cidadania,

ignorado pelas comunidade menos assistidas socialmente.

Saúde: novas necessidades, um novo profissional4

Em fevereiro de 2002 foi assinado o anteprojeto de lei de reconhecimento da mais recente

categoria profissional na saúde. A profissão Agente Comunitário de Saúde, com mais de 190.000

profissionais espalhados por todo o país, transformou-se em lei em julho do mesmo ano, exigindo

uma qualificação básica.

Um histórico dos agentes de saúde do Ceará

A função Agente Comunitário de Saúde surge em 1974/1978, em Planaltina-DF, na experiência

com auxiliares de saúde, embriões dos futuros agentes de saúde. Para o Projeto Piloto foram

reunidos Universidade de Brasília, governo do Distrito Federal, Fundação Kellog e Fundação

Interamericana. A idéia era aproveitar a experiência de controlar a esquistossomose em

comunidades de Pernambuco (do final da década de 40), através do trabalho educativo.

Com a prática, os profissionais de saúde identificaram que a solução de muitos problemas de

saúde daquela população não estaria no hospital, mas no ambiente familiar e comunitário. A partir

de então, após muito estudo sobre Participação Social, Dinâmica de Grupo e discussão das idéias

de Paulo Freire, foi se estruturando a metodologia para a capacitação dos auxiliares de saúde de

Planaltina. A intenção era que a partir do enfoque possibilitado por essas teorias, e com a

participação do profissional auxiliar de saúde, as pessoas simples do povo se sentiriam à vontade

para manifestar o seu pensamento e buscar soluções para os problemas.

A idéia ganhou mundo, ou melhor, ganhou o Ceará. Em Jucás, centro sul, a experiência

possibilitou posterior desenvolvimento para os agentes de saúde de todo o estado. Tanto nos

auxiliares de Planaltina, quanto posteriormente nos agentes, procurava-se reforçar a sua

capacidade de comunicação com as famílias, com os profissionais de saúde e com outras

lideranças comunitárias.

Em 1987, o Ceará iniciou um programa emergencial no atendimento às vítimas da seca, com

6.000 agentes de saúde. Entre as mulheres pobres responsáveis pelo sustento da casa, foram

4 Texto inspirador: Lavor, Antonio Carlile Holanda. QUALIFICAÇÃO BÁSICA PARA A FORMAÇÃO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. In: Uma proposta para atender ao pré-requisito necessário ao exercício profissional do Agente Comunitário de Saúde, de acordo com a Lei Federal no 10.507 de julho de 2002 e diretrizes do Ministério da Saúde em 2003. MÓDULO I. VERSÃO PRELIMINAR. 2004.

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selecionadas, para o trabalho de agentes de saúde, aquelas que melhor se comunicavam e bem se

relacionassem com seus vizinhos - famílias que seriam acompanhadas por elas no futuro. Tinham

pouco estudo, algumas eram analfabetas. Assim, no processo, em 1988 iniciou-se de forma

duradoura o Programa dos Agentes de Saúde.

O forte vínculo comunitário dessas mulheres influenciou os serviços de saúde do Ceará.

Ajudaram a gerar o Programa da Saúde da Família (PSF) em Quixadá, e a tornar o Sistema Único

de Saúde (SUS) cearense mais voltado para os conterrâneos afastados dos centros médico-

hospitalares. Outras pessoas das comunidades periféricas sempre trabalharam na saúde como

auxiliares, mas suas vozes não eram ouvidas, não conseguiam se comunicar. Em 1990 haviam

3.433 agentes. Em 1994, o número mais que dobrou: 7.818. E neste momento, somam-se 10.500

agentes espalhados pelos 184 municípios do Estado.

Este profissional se destacou no Ceará pelo resultado do seu trabalho na promoção da saúde ao

levar as gestantes para o pré-natal e para o parto assistido; ao acompanhar a puérpera e o recém-

nascido com os cuidados de higiene, estimulando o aleitamento materno; ao seguir o crescimento

das crianças dando atenção especial às imunizações, à vigilância nutricional, ao uso do soro oral

nas diarréias e à busca de tratamento quando adoeciam; ao identificar os óbitos infantis e

maternos; ao notificar as doenças transmissíveis; ao ajudar na procura por serviços de saúde; ao

intermediar as relações entre as secretarias de saúde e as comunidades no controle de epidemias,

endemias e outras situações de risco; ao procurar todos os cães, gatos e outros animais domésticos

para a imunização contra a raiva; ao clorar a água domiciliar e ao zelar pela melhoria das

condições ambientais.

Com a sua criatividade, em pouco tempo, transformaram o Ceará, que apresentava a mais baixa

cobertura de crianças imunizadas, em campeão nacional de cobertura. Praticamente desapareceu o

parto desassistido na zona rural. As mães voltaram a amamentar seus filhos e os sinos diminuíram

o toque que anunciava a morte de crianças recém-nascidas.

Dois momentos reforçaram para o Ministério da Saúde e para as secretarias estaduais de saúde

do nordeste a idéia da ampliação do programa dos agentes para toda a região: primeiro, a pesquisa

sobre Saúde Materno-Infantil no Ceará (PESMIC), em 1987 - que depois se repetiu em 1990 e

1994. E o segundo momento foi em 1990, quando o Unicef/Ceará organizou uma avaliação

específica do trabalho dos agentes, também reunindo as duas primeiras PESMICS e os resultados

das imunizações das crianças, avaliados pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Já com a criação do PSF, foi estruturado o SIAB (Sistema de Avaliação da Atenção Básica), que

com outros nomes e siglas era uma espécie de avaliação do trabalho do Agente. Agora, todos os

meses, os agentes trazem a notícia de quantas crianças nasceram e quantas foram ao óbito. A

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mortalidade infantil deixou de ser uma estatística fria da epidemiologia e passou a ser um

instrumento de avaliação mensal do serviço de saúde. Começou-se a notar que no Ceará, à época

das chuvas tão desejada pelos sertanejos, as crianças morriam mais, e ficou clara a necessidade de

melhorar a qualidade da água e do saneamento. As relações entre a falta de aleitamento materno, a

desnutrição, o analfabetismo, a pobreza e a morte das crianças passaram a ser mais

compreendidas. A mortalidade infantil se tornou um tema importante nos palanques políticos, e

virou uma das medidas do desempenho das administrações municipais e estadual.

Diante do sucesso dos agentes, o Ministério da Saúde criou em 1991 o Programa de Agentes

Comunitários de Saúde para os estados do nordeste. Seguiu-se posteriormente a extensão para

todo o Brasil, alcançando-se atualmente o número de 190.000 profissionais.

No ano de 2003, os agentes do Ceará ajudaram a Secretaria de Agricultura na campanha de

vacinação para a erradicação da febre aftosa. Auxiliaram os agrônomos a encontrar os pequenos

proprietários que possuem poucas vacas, importantes para o fornecimento de leite. E, sempre que

há necessidade de alguém que conheça bem as famílias e a sua comunidade, o agente é um dos

primeiros a serem lembrados pois, mais do que extensores dos conhecimentos dos profissionais de

saúde às famílias, já é notório que, vivendo na comunidade onde trabalham, os agentes se

comunicam no sentido de falar e ouvir. O que se pretende de discussão com esse profissional

passa pela conversa com as famílias para encontrar, em conjunto, soluções para os seus problemas

de saúde mais comuns. Por exemplo, sua contribuição vem ao encontro da idéia de não levar as

crianças para a vacinação por imposição legal, como à época de Osvaldo Cruz. Mas sim dialogar

sobre as vantagens de cada uma das vacinas e a aplicação. O agente, por natureza, é um facilitador

de acessos.

Muitos profissionais de saúde e estudiosos vêem o agente como uma mola propulsora para a

consolidação do Sistema Único de Saúde e na contribuição para a organização comunitária. E que,

por motivo de serem pessoas do povo, têm questões de vida próximas e podem contribuir no

preenchimento de lacunas, porquê conhecem e fazem parte daquela população específica.

É ímpar a vinculação do agente com a sua comunidade, proposta pouco comum entre os demais

profissionais dos serviços de saúde ou do serviço público. Os agentes estabelecem uma

comunicação tamanha com as famílias, visitando-as casa a casa, e fortalecendo os laços de

vizinhança, ao mesmo tempo que ganham a confiança da equipe de saúde, que muitos conseguem

fazer parte do sistema de saúde sem perder a fidelidade à sua comunidade. Mas alguns pensadores

consideravam impossível esta proeza, dado o caráter autoritário tanto do servidor público

brasileiro como dos profissionais de saúde. Mas vemos que a criatividade e autonomia, em lugar

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de seguir protocolos rígidos, pode ser uma resposta à manutenção de sua fidelidade à comunidade,

mesmo fazendo parte de um serviço fortemente hierarquizado.

A humanização dos serviços de saúde é uma das demandas mais constantes dos cidadãos. A

Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou, no relatório de 2000, que as maiores deficiências

do Sistema, utilizado como exemplo de desigualdade em saúde, não estão no financiamento, mas

na qualidade do trabalho dos profissionais. Consequentemente, conservar o que há de bom nos

agentes deverá ser um objetivo do SUS.

Conquistas e desafios

A diminuição das doenças e óbitos das crianças e dos jovens, das mulheres na fase reprodutiva, e

de todos os adultos mudou o quadro de preocupações do sistema de saúde. As crianças que

lotavam os hospitais cearenses, devido às infecções e à desnutrição, cederam muitos leitos aos

idosos. A hipertensão, o diabete, as neoplasias e as violências, inclusive do trânsito, sobressaem

como causas de grande número das internações. A eficácia terapêutica possibilita que muitas

doenças que exigiam tratamento hospitalar possam ser acompanhadas no ambulatório,

permanecendo o paciente na companhia de seus familiares.

A promoção da saúde, a participação das pessoas, famílias e das próprias comunidades na

construção de sua saúde ganhou espaço na vida social. Os avanços da educação e das

comunicações reforçam essas possibilidades.

Boa parte dos agentes de saúde ganharam a confiança das famílias, dos serviços de saúde e das

demais instituições da sociedade; conquistaram o reconhecimento profissional. Escolarizaram-se,

o que demonstra a capacidade e o interesse em aprender mais. Os agentes, como categoria

profissional adolescente - completam 17 anos -, mostram as mudanças mais profundas e merecem

uma atenção especial. Apresentam grandes possibilidades e poderão prestar inestimáveis serviços

à humanização dos serviços de saúde ao alicerçar uma nova relação entre estes e a sociedade. E, a

experiência iniciada em Sobral/CE com a valorização dos agentes e o enriquecimento da equipe da

saúde da família com assistentes sociais, psicólogos, educadores físicos, comunicadores e outros

profissionais aponta caminhos.

Números em Sobral

Em Sobral, o Programa Saúde da Família é estratégia estruturante da organização da atenção

primária. Inicialmente, em 1997, foram implantadas 31 equipes do Programa Saúde da Família,

em 25 unidades básicas, distribuídas em 23 áreas descentralizadas de saúde. Estas equipes 18

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contavam com um total de 205 Agentes comunitários de Saúde, 31 médicos, 46 enfermeiros e 51

auxiliares de enfermagem.

Atualmente, estão implantadas em Sobral 40 equipes do Programa Saúde da Família, em 29

unidades básicas, distribuídas em 30 áreas descentralizadas de saúde. Estas equipes contam com

um total de 271 Agentes Comunitários de Saúde, 39 médicos, 65 enfermeiros, 29 odontólogos e

70 auxiliares de enfermagem, atingindo uma cobertura de 100% da população. 5

Sobral, com uma área de 2.129 quilômetros quadrados, pertence à Região Noroeste do Ceará e

está a 235 quilômetros da capital Fortaleza, entre as águas do Rio Acaraú e a Serra da Meruoca.

Ao norte da cidade, estão os municípios de Massapê, Santana do Acaraú e Meruoca, ao sul Santa

Quitéria, Groaíras e Cariré, a leste Itapipoca, Irauçuba e Canindé e a oeste Coreaú, Mucambo e

Alcântara. Sobral tem uma população de 155.276 habitantes (IBGE/2000) e é ligada a Fortaleza

pela BR-222, que liga, ainda, o Ceará ao Piauí, ao Maranhão e ao Pará.

O município, que nasceu em 1841, vem experimentando um forte processo de modernização em

sua estrutura econômica. Há 50 anos, a cidade era o mais importante pólo comercial do norte do

Estado. Na segunda metade do século XIX o desenvolvimento de Sobral chegou a superar o de

Fortaleza. O clima da cidade é quente e seco, com uma temperatura média de 30 graus

centígrados.

O Sistema de Comunicação de Sobral conta com telefonia pública e privada. A cidade possui

quatro provedoras de acesso à internet, sendo um deles o primeiro provedor municipal gratuito do

Brasil, cinco emissoras de rádio AM e uma emissora de rádio FM e várias rádios comunitárias

espalhadas pelos bairros e distritos6. Possui também cinco repetidores de TV, e é atendida por três

emissoras de TV por assinatura.

O CURSO SEQÜENCIAL PARA AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE7

5 Dados da Vigilância à Saúde / Sistema de Informação em Saúde / Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde de Sobral, 2004.6 O Núcleo de Comunicação e Arte (nucleo.com) da Escola de Saúde da Família Visconde de Sabóia, já começou um mapeamento dessas rádios comunitárias, a princípio, com a participação dos agentes comunitários de saúde e em um outro momento com a Secretaria de Cultura, no Mapeamento Cultural da Cidade de Sobral. Faz parte da política de comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde atuar mais próximo desse segmento ativo e extremamente vinculado às comunidades.

19

Page 20: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Os Agentes Comunitários de Saúde foram profissionais pensados e criados em um momento

difícil na questão da mortalidade infantil. Eles nasceram com um objetivo social e outro de

combate à mortalidade infantil. Também foi uma forma de gerar renda para as mulheres das zonas

rurais e sertão.

Até então, todo o processos de capacitação/formação dos agentes eram pontuais. Principalmente

de repasse de conhecimentos, com a justificativa do momento alarmante. Desde de 1999, quando o

Programa Saúde da Família estava ainda em processo de implementação em Sobral/CE, vinha se

pensando em um curso longo de formação, que valorizasse esse saber local, que o agente partilha

com sua comunidade. Desde 2002, a Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de

Sabóia e sua Residência Multiprofissional8, com as discussões em prol de envolver no processo de

educação permanente todos os profissionais que atuam no sistema, vem pensando, juntamente

com a Universidade Vale do Acaraú (UVA), o Curso Seqüencial para Agentes Comunitários de

Saúde9. O Curso é um sonho, há muito gestado por mentes e corações que acreditam no trabalho

do Agente Comunitário de Saúde como uma atuação de ponta na contribuição para as soluções de

problemas e melhoria de vida/saúde nas comunidades.

O Seqüencial vem para ser uma política de formação do agente de saúde, com uma perspectiva

de valorizar o saber que ele trás e contribuir para dar as ferramentas para melhorar o seu fazer

profissional. E talvez por ser o primeiro curso do tipo no país, todo o processo é muito coletivo e

passa por uma construção e desconstrução diárias. A princípio - o primeiro esforço -, os módulos

foram construídos a partir das categorias profissionais: o que o agente comunitário de saúde

precisa saber da área, por exemplo, do assistente social, do médico, do psicólogo e assim

sucessivamente. Após esse momento, começou-se a discutir a Rede Social, que a Escola já

trabalhava intuitivamente, mas com muito pouco acúmulo teórico.

Começou-se a ver que o Agente Comunitário de Saúde não devia ser formado para saber um

pouco de cada categoria, que ele não seria um pouco do educador físico, um pouco do

nutricionista... e sim que seria fundamental manter a sua identidade profissional e valorizar suas

potencialidades.

7 A partir das conversas com Maria Inês Amaral (diretora-presidente da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia), Antonio Carlile Holanda Lavor (médico sanitarista) e Francisca Lopes de Souza (assistente social, uma das coordenadoras do Curso Seqüencial para Agentes Comunitárias de Saúde).8 A Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia/Sobral, além de ter sua residência multiprofissional, atua de forma a manter um processo de educação permanente para todos que atuam no sistema de saúde e ação social da cidade. O modelo pedagógico da Escola é baseado na participação, no diálogo e na problematização da realidade vivenciada pelos educandos – filosofia do professor Paulo Freire.9 O Curso tem duração de dois anos e se desenvolve em módulos mensais, com duração de uma semana, com 40 horas de atividades em sala de aula. Nas outras três semanas os agentes trabalham regularmente. Até agora, o Seqüencial conta com duas turmas de 30 alunos, em média.

20

Page 21: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Que profissional é esse? Qual o campo de atuação que existe para ele? Qual a necessidade que o

Território coloca para o ACS? ... A partir desses questionamentos, toda a grade curricular mudou.

Hoje, o fundamental é a discussão para que o agente não seja um tarefeiro, e tenha cada vez mais

uma postura e capacidade crítico-reflexiva para abordar questões como Território, Afeto,

Capacitação, Participação Comunitária, Abordagem de Família, Mobilização Social etc.. O

processo é de descoberta.

Agora, as discussão em Sobral estão girando em torno da municipalização do Programa dos

Agentes Comunitários de Saúde. Por todo o país o Programa já é municipalizado e no Ceará é

vinculado ao Estado, que repassa a verba (salário e encargos sociais) para as associações micro

regionais dos agentes, que contratam via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Aquele agente semi-alfabetizado de 10 anos atrás já não cabe mais no atual momento da saúde

pública. Com o trabalho de mais de uma década para conscientizar as mães que precisam pesar,

vacinar etc. a idéia é que cada vez mais o agente seja um promotor de saúde. O Curso quer

contribuir para que o profissional não seja um vigilante, mas um verdadeiramente promotor.

O agente de saúde ajuda na cozinha ou banhando uma criança, enquanto conversa com a mãe.

Intrinsecamente, hoje, ele reconhece que o trabalho não deve seguir um protocolo rígido, nos

moldes do modelo dominante por quase todo o século XX na organização do trabalho das

indústrias e dos serviços. Mas, ao contrário, que deve ser estimulado a desenvolver a sua

inteligência para chegar aos objetivos, criando soluções novas no seu dia-a-dia.

O CURSO TÉCNICO FEDERAL

Agora, o governo federal está propondo o Curso Técnico para Agentes Comunitários de Saúde.

A primeira turma a se constituir é em Tauá, região sudeste do Ceará. E o Curso Seqüencial para

Agentes Comunitários de Saúde de Sobral, primeiro do país, é o responsável metodológico pelo

processo estadual.

Houve uma consulta pública na Internet, nos meses de novembro e dezembro de 2003, na página

do Ministério da Saúde, onde as pessoas lançavam suas propostas. E a do Ceará, encabeçada pela

Escola de Saúde Pública e pela Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, que

tomou como base a experiência com o Seqüencial, é a proposta aprovada para trabalhar no estado

essa formação técnica. O Ceará, por sua vivência diferenciada do resto do país na construção desse

profissional agente comunitário de saúde, pela inovação e por já ter a metodologia do Curso

21

Page 22: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Seqüencial, rapidamente formulou uma proposta para o Curso Técnico. Mas é importante ressaltar

que, com as Competências definidas nacionalmente, cada estado dará o tom do “seu” Curso.

No processo de um maior reconhecimento da atuação do agente, os Conhecimentos e

Habilidades tornam-se chaves para o bom desempenho desses profissionais, sem dispensar as

virtudes que os notabilizaram. Enquanto se encontra uma solução para o seu acesso legal ao

serviço público, o agente está investindo seu tempo em uma qualificação melhor, o que poderá

facilitar aquele processo - a ampla escolarização iniciada em 1998 é um exemplo do que pode ser

feito.

A proposta nacional do Curso Técnico terá carga horária mínima de 1.200 horas. E para o

acesso, os agentes passaram pela etapa formativa I, que é a formação inicial, onde todos os agentes

de saúde já inseridos no Sistema Único de Saúde, independente da escolarização, terão acesso; e

as etapas formativas II e III, que participaram os agentes que concluíram a primeira etapa, mas

também o ensino médio.

O Curso Técnico para agentes comunitários de saúde, prevista na mesma lei que reconheceu a

profissão, resulta de uma grande mobilização promovida em 2003 pela Secretaria da Gestão do

Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), do

Ministério da Educação e Cultura (MEC) e da Escola Politécnica da Fundação Oswaldo Cruz.

Discutiu-se em múltiplas reuniões o perfil, as Competências, os Conhecimentos e Habilidades que

devam possuir os agentes comunitários de saúde.

Participaram destas reuniões, técnicos do próprio Ministério, das Secretarias Estaduais e

Municipais de Saúde, das Universidades, do CONASS (Conselho Nacional dos Secretários

Estaduais de Saúde) e do CONASEMS (Conselho Nacional do Secretários Municipais de Saúde),

das Escolas Técnicas do SUS (ETSUS), dos Pólos de Capacitação do Programa Saúde da Família

(PSF) e dos representantes dos Agentes Comunitários de Saúde - o resultado deste trabalho é que

foi para Consulta Pública pela internet nos meses de novembro e dezembro de 2003.

Vai ser um grande desafio a realização do Curso com todos os 10.500 agentes de saúde do

Estado do Ceará, com grande diversidade no grau de instrução e cultura, variando de alguns ainda

semi-analfabetos a universitários.

Com a resolução nacional de uma Qualificação, os agentes têm discutido mais intensamente suas

condições salariais e de trabalho, além da falta de profissionais nas Unidades de Saúde. Será que

os salário vão aumentar? Será que vão ser diferenciados? Boa parte desses profissionais entrou

para o Seqüencial pensando em melhorias em suas condições salariais. E agora com a

Qualificação Nacional as discussões aumentam.

22

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E o papel da COMUNICAÇÃO no Seqüencial, como nos outros processos comunicacionais

imprimidos pelo Núcleo de Comunicação e Arte (nucleo.com), intrinsecamente passa pela

questão de desmistificar um saber para torná-lo mais acessível e mostrar a grande capacidades

desse profissional, no caso, especificamente, o agente comunitário de saúde, contribuindo para sua

auto-estima. Pois, por muitas vezes, processos do conhecimento viram privilégios de uma casta

dominante.

O NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E ARTE (NUCLEO.COM)

O Núcleo de Comunicação e Arte (nucleo.com) surgiu para dar suporte à Escola de Formação

em Saúde da Família Visconde de Sabóia e à Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde na

produção de estratégias de comunicação. A proposta passa pela descentralização de informações,

socializando conhecimentos, dissipando dúvidas, disseminando idéias e divulgando atividades

através da produção de materiais gráficos, radiofônicos e documentais. Mas principalmente

atuamos no caminho de uma comunicação para a mudança social. Acreditamos que é fundamental

discutir/irradiar o que consideramos correto, justo, ético e salutar, contribuindo, assim, no

processo de formação de uma sociedade-civil com dignidade.

As produções do nucleo.com

Dos recursos materiais - a equipe do nucleo.com conta com uma sala com quatro computadores

equipados com os programas necessários ao desenvolvimento do trabalho (todos conectados),

impressora e uma boa câmera digital; contamos com transporte, se necessário, e pessoal de apoio;

além de podermos alugar som e outros equipamentos que julgarmos necessários, como os de

filmagem. Na própria Escola, ainda temos um auditório, equipado com telão e som, uma com

vídeo conferência, além de biblioteca e uma sala de informática com 12 computadores - todos

conectados à internet. Disponíveis, é claro se solicitados com antecedência, ainda estão: TVs de

29’, videocassetes, retroprojetores e datas-shows – podemos contar com recursos para impressões

das mais diversas em uma boa gráfica da cidade.

Dos recursos humanos - somos: uma jornalista, um artista gráfico e um web designer, um

enfermeiro, um médico e três artistas (plástico, circense e teatrólogo popular). E, quando

solicitada, ainda contamos com a participação de uma museóloga. A maioria da equipe é de

participantes ativos no lido com trabalhos comunitários e ongs.23

Page 24: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Revista SANARE - publicação trimestral que divulga experiências em políticas públicas, que

transformam positivamente a vida da população.

Informativo Hígia – jornal mural semanal que contribui na circulação de informações entre os

trabalhadores da saúde da rede municipal de Sobral.

Site da Internet – conteúdo voltado à Saúde da Família, com informações atualizadas, grupo de

discussão, links, downloads e educação à distância.

Publicações, panfletos, folhetos, cartilhas, banners – produções esporádicas que contribuem

para informação e formação de usuários, residentes e público em geral.

Produções radiofônicas (spots, pequenos programas, inserções ao vivo) – divulgar e

disseminar conhecimentos pertinentes ao PSF, com a colaboração da comunidade na elaboração.

Produções documentais – material para utilização em sala de aula, praças e/ou sessões

cinematográficas públicas (telão portátil, salas de projeção, praças públicas e onde mais

proporcionar um mínimo de condições às apresentações).

Oficinas de Teatro de Rua – voltadas para os profissionais que atuam no PSF e as

comunidades, a proposta é de através das linguagens teatral, musical, da dança, circense e

cenográficas, pensar e discutir questões relacionadas ao dia a dia comunitário, a saúde e contribuir

na formação de grupos de teatro locais.

Aulas no Curso Seqüencial para Agentes Comunitários de Saúde e na Residência em Saúde

da Família – com enfoque dialógico e valorizando a experiência e o conhecimento do agente

comunitário de saúde e do residente, o nucleo.com participa em duas disciplinas no Seqüencial:

Comunicação Social e Teatro; e uma disciplina na Residência: Teoria da Comunicação.

No Seqüencial, produzimos o Alô Comunidade (informativo impresso) e o Fala Agente!

(pequenos programas de rádio, com duração em média de cinco minutos, distribuídos

gratuitamente em rádios privadas e comunitárias). Todo o conteúdo desses materiais é pensado e

produzido pelos agentes/alunos.

24

Page 25: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

A disciplina do Seqüencial, Comunicação Social, do Módulo Mobilização Social e Organização

Comunitária, ainda pretende trabalhar com os agentes a área de produção de vídeos comunitários.

Com aulas teóricas e práticas, projeções de filme e material em slide, contação de histórias, os

alunos aprenderam linguagem e técnica de redação, história e crítica aos meios midiáticos, além

de compreenderem e respeitar as diferenças entre as diversas formas de relações interpessoais

(alteridade). O Curso deseja que os agentes produzam materiais de mídia com a comunidade e

para a comunidade, fomentando essa produção em suas localidades de atuação.

POR UMA POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Temos pensado em uma comunicação para a mudança social, como a chave da participação para

as transformações, que avaliamos necessárias à sociedade; mas a base de nossa formação

acadêmica, nas universidades, não nos leva a discussões sobre o fazer/ser comunicador

comunitário, social ou outro termo que eqüivalha. Somos médicos, enfermeiros, artistas gráficos,

jornalistas etc. “preparados” cada vez mais, para as especializações. Enfim, nossa formação

acadêmica é falha no sentido da comunicação com e para o outro. No Núcleo de Comunicação e

Arte (nucleo.com), da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, da

Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde de Sobral, somos uma equipe de artistas gráficos,

jornalista, enfermeiro, médico e artistas locais – daí uma maior certeza da inserção da palavra

ARTE no nome do departamento. Estamos diretamente ligados à direção da Escola e ao secretário

municipal.

E, no rumo da política de comunicação adotada pelo nucleo.com, é fundamental, para a atuação

que propomos, que a população em geral e os profissionais da saúde, para os quais e com os quais

o Núcleo atua, apoderem-se10 das estratégias adotadas. Isto é, o Núcleo está, a partir das

estratégias que assume, em um processo amplo de discussões para atuar mais

efetivamente/conjuntamente com a população na produção de seus produtos comunicacionais. Já

com os profissionais que atuam na saúde, a relação de produção é muito mais avançada, mas ainda

também não se apoderaram das estratégias o quanto seria desejável e necessário.

Nesse momento, o que temos proposto são práticas de mobilização social que envolvam

profissionais e população atendida pelo PSF, visando uma participação mais efetiva nas produções

10 “O termo ‘empoderamento’, reconhecidamente um neologismo da língua inglesa, do termo ‘empowerment’, no português gera um desconforto ideológico. Empoderar seria ‘dar poder a’. Nessa concepção, uma pessoa detentora de poder compartilha o seu poder com alguém partindo de um desprendimento, podendo da mesma forma ‘tirar esse poder’ quando lhe convier. O objeto aqui tratado é outro. Trata-se de um processo de reconhecimento do poder existente, ainda não exercido, mas disseminado na estrutura social que não escapa a nada e a ninguém. Se o poder é um elemento da sociedade, apoderamento, ‘ad-poderamento’, significa ‘trazer o poder mais próximo de si’ (...)” - (Júnior, Tomaz Martins, mar./2003).

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Page 26: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

solicitadas pela população ou profissionais da saúde e/ou sugeridas pelo Núcleo de Comunicação e

Arte.

O que queremos e ao que viemos

Para a produção de qualquer produto comunicacional, é fundamental uma discussão ampla. Por

muitas vezes, profissionais da saúde, e até mesmo comunidades, procuram o nucleo.com com

idéias fechadas de “materiais de divulgação” para que nós as realizemos como uma gráfica

(rápida, de preferência), como tarefeiros. Mas para que o produto tente ser representativo dos

anseios de uma coletividade (e que dinheiro e tempo não sejam gastos à toa, assim como, o maior

complicador: a produção de uma comunicação autoritária, monocórdia e, por muitas vezes,

devastadora), a proposta é envolver profissionais, comunidade e comunicadores. Não podemos

tornar monocórdico aquilo que por natureza é uma sinfonia de muitas vozes. Neste sentido,

apresento sugestões de algumas questões a serem feitas pelos produtores dos materiais

viabilizados pelo nucleo.com:

Será que esse é o melhor meio (rádio, vídeo, folheto, teatro, fantoches etc.)

para o que queremos falar?

Para que é o material?

Quem é o público?

Quem participou ou vai participar da decisão por esse material?

Que queremos falar nesse material?

A proposta é que os profissionais e a população, com a qual o PSF atua, sejam comunicadores

dinâmicos que participam na mudança social, com uma visão crítica da informação. Para isso, é

fundamental:

Trabalhar a partir das comunidades, aglutinando o maior número de pessoas que

estão envolvidas no problema para resolvê-lo;

Dar maior atenção para as culturas e identidade;

Trabalhar com organizações representativas;

Apostar nas relações interpessoais, horizontais, dialógicas;

Desenvolver sentido crítico sobre os meios;

Conquistar espaços de expressão para todos;

Mergulhar mais dentro das culturas locais;26

Page 27: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Atuar mais próximo dos grupos artísticos das comunidades;

Promover menos receitas e nos comunicar mais com as pessoas;

Parar de imitar o pensamento/discurso hegemônico (reprodução papagaio);

Considerar a polifonia e ter ações mais coletivas;

Manter uma comunicação mais dialógica tanto com a população, como com a

equipe de comunicação;

Sistematizar mais o processo de avaliação dos materiais produzidos pelo Núcleo de

Comunicação e Arte.

As bases teóricas

Para pensar essa política de comunicação, nossas mentes e almas estão embebidas em algumas

produções e discursos teóricos dos quais, abaixo, falamos um pouco - bem pouco:

COMUNICAÇÃO E SAÚDE – Hoje, o tema vem sendo discutido e aprofundado, dentre

outros, por estudiosos na Fiocruz/RJ (Fundação Oswaldo Cruz) no interesse de consolidar o

Sistema Único de Saúde (SUS) e a democratização da informação em saúde, para a promoção da

participação e do Controle Social11.

A proposta passa por um maior envolvimento da sociedade no processo das políticas de

comunicação em saúde, pois uma atuação “democrática e interativa possibilita conhecer melhor

as singularidades e a diversidade da população brasileira, e contribui na inclusão das pessoas e

comunidades em sua realidade cotidiana como atores e agentes dos processos de Reforma

Sanitária e de desenvolvimento do SUS; além de interferir na formação de opinião esclarecida e

dialogar com a sociedade para conhecer desejos e aspirações tanto para o sistema de saúde,

quanto para o país”.12 (CEBES/ABRASCO, 2002, p. 01). Temos aí, acima de tudo, os

fundamentos para uma nova ética que, sob a perspectiva da comunicação, deve permear a relação

entre governos e sociedade, no contexto da consolidação de sistemas democráticos de governo. O

direito à comunicação é o direito de estar informado, de expressar opiniões, de participar

ativamente da vida política do país e das definições de políticas públicas.

11 Os pontos deste tópico foram extraídos dos textos: Relatório Final da 11a Conferência Nacional de Saúde e Comunicação e Saúde: notas sobre a trajetória histórica e tendências atuais, de Janine Miranda Cardoso.12 Este texto, “Em defesa da saúde dos brasileiros”, constitui uma carta escrita conjuntamente pelo Cebes e pela Abrasco, endereçada à sociedade brasileira, em 13 de setembro de 2002.

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A REDE – O modo de operação das redes são o trabalho cooperativo, o respeito à autonomia de

cada um dos elos, a ação coordenada, a multiliderança, a democracia e a desconcentração de

poder. A unidade da rede é conseguida por uma causa comum – a promoção da Saúde, por

exemplo –, apesar da heterogeneidade de posições, interesses e condições. A Rede pode tornar-se

um instrumento por excelência de controle social. Abarcar a diversidade, a diferença e a

pluralidade pode propiciar e promover a construção compartilhada de políticas locais de

comunicação, segundo os interesses específicos das várias comunidades.

“Uma Rede Pública e Nacional de Comunicação em Saúde deve estar comprometida com uma

política pública de comunicação e de cultura, que finalmente permita espaços plurais de

expressão, de participação em processos de tomada de decisão, de transparência e proximidade

entre governo e população.” (CEBES/ABRASCO, 2002, p. 08).

DISCURSO e PODER – “Todo discurso é ideológico” e “Todo discurso é um discurso de

poder” (Ribeiro, 1995, p. 06). O poder naturaliza e cristaliza discursos, que produzem sentidos e

viram verdades quase que absolutas; então, a teoria social dos discursos vem, em muito, para

desmistificar esse poder e colocá-lo como parte de uma construção história de sentidos, de disputa

de poder por sentidos.

Classes dominantes vêm organizando seu poder em bases discursivas que tornam suas

representações particulares em naturalidades históricas; assim, algumas visões de mundo se

tornam verdades absolutas, enquanto verdadeiramente são construções sociais. Como afirmava

Mikhail Bakhtin: “A linguagem, em qualquer nível, é sempre ideológica” (Ribeiro, 1995, p. 06).

A linguagem é por natureza um território de conflitos; seus sentidos são dinâmicos e plurais.

Nesse caminho, afirmamos outro pensamento de Barthes (1992:46): “um texto [ou melhor, um

discurso, um interdiscurso] é uma entrada de uma rede de mil entradas; penetrar por esta entrada é

visar, ao longe, não uma estrutura legal de normas e desvios, uma Lei narrativa ou poética, mas

uma perspectiva (de fragmentos, de vozes vindas de outros textos, de outros códigos), cujo ponto

de fuga é sempre transladado, misteriosamente aberto”. A partir desse ponto, entramos no conceito

de polifonia.

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POLIFONIA – A desconstrução desse poder, vindo através do discurso é possível, pois o

discurso é polifônico. Isto é, um discurso, um texto, um interdiscurso, encerra uma orquestração

de vozes: “...estamos o tempo todo repetindo palavras já ouvidas, textos já lidos, fazendo ecos e

sons que sequer identificamos a origem. Mas não somos meros papagaios” (Ribeiro, 1995, p. 05).

Novamente recorremos a Barthes: “...dizemos, afirmamos, assentamos aquilo que repetimos.

Existe um ato criador em qualquer enunciado. O sujeito trabalha sobre o interdiscurso e se

posiciona em relação a ele. Nesse trabalho se institui como sujeito estabelecendo relações de

saber e poder com o outro e atribuindo sentido ao mundo.” (Bakhtin, 1992, p. 314).

O conceito de polifonia foi formulado pelo russo Mikhail Bakhtin que com ele queria expressar a

multiplicidade de vozes independentes que são construídas a partir da significação de enunciados,

que são discursos impregnados pelas vozes de outros discursos, os quais dialogam. Bakhtin chama

de polifonia a multiplicidade de vozes em interação (confronto) no interior de um texto (Ribeiro,

1995).

“Todo texto é uma polifonia, um conjunto de vozes que se exprime. Cada fala, cada enunciação,

é palco de expressão de uma multiplicidade de vozes, algumas arregimentadas intencionalmente

pelo locutor e outras das quais ele não se dá conta. (...) Estas vozes se articulam, se confrontam,

se legitimam ou se desqualificam mutuamente, e a esta rede interativa que põe em relação às

vozes do mesmo texto, podemos chamar de dialogismo.” (Araújo, 2000, p. 03).

DIALOGISMO – E ao conceito de polifonia está intrinsecamente ligado o de dialogismo –

conceito também fundamental no pensamento bakhtiniano. Não basta apontar a heterogeneidade

de vozes, é necessário fazê-las dialogar. A significação é construída e gerada no dialogismo,

assim, o discurso é um território compartilhado; é uma criação coletiva. “Da mesma forma que o

texto, também o EU é construído em colaboração: só existe em diálogos com outros eus. Isto

porque o que se vê é determinado (e limitado) pelo lugar que se ocupa e, como indivíduos

diferentes ocupam lugares diferentes, cada qual vê o que o outro não pode e cada um precisa,

portanto, da visão do outro para completar a sua” (Ribeiro, 1995, p. 05). Nossos enunciados

(nossas falas) estão repletas de referências, de palavras dos outros, conscientemente ou não.

29

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MERCADO SIMBÓLICO – “O espaço da comunicação constitui um mercado simbólico, onde

os sentidos são produzidos, circulam e são consumidos. Nesse mercado, os atores sociais

negociam seu modo de perceber e classificar o mundo e a sociedade, em busca do poder de fazer

ver e fazer crer, ou seja, o poder de constituir a realidade” (Araújo, 2002, p. 05). Mas as pessoas

não possuem as mesmas condições de produção, circulação e consumo dos bens, dos discursos;

é uma negociação desigual. E a maior desigualdade se faz ver no processo de circulação, pois as

pessoas não possuem as mesmas condições materiais, financeiras, técnicas e políticas e é na

circulação que a negociação dos sentidos se faz mais intensa. A circulação é por excelência o

espaço estratégico da comunicação, pois é por ela que a sociedade faz circular os sentidos. O

mercado simbólico é um espaço de desiguais, de confronto e embate, mas também de acordos,

alianças e sinergias, como afirma Araújo (2002, p.05).

LUGAR DA FALA – as pessoas, em suas vidas diárias, participam em diversos contextos,

como os grupos sociais que pertencem, história familiar, profissão, com quem está falando, onde

está falando... “uma pessoa ocupa muitos lugares de fala, dependendo do contexto (...) exercendo

graus diferentes de poder em relação aos seus interlocutores, modificando, pois, a natureza do

texto que será produzido” (Araújo, 2002). Para qualquer relação comunicacional que queiramos

imprimir é fundamental a percepção do lugar da fala da pessoa. Isto é, estratégias distintas de

comunicação para públicos distintos. “Cada pessoa ou comunidade discursiva ocupa nesse

mercado uma posição, que se localiza entre o centro e a periferia discursiva: seu lugar de

interlocução, que lhe confere poder de barganha no mercado simbólico. Cada pessoa ou

comunidade discursiva desenvolve estratégias de trânsito entre as posições, visando sempre uma

maior aproximação com o Centro.” (Araújo, 2002).

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Page 31: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

COMUNICAÇÃO: A BASE DO TRABALHO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE

SAÚDE

Os Agentes Comunitários de Saúde trazem consigo, intrinsecamente, um discurso institucional.

Ele foi pensado como um profissional que intermedia o discurso oficial (biomédico/científico),

com o discurso do saber popular, do senso comum. Mas está também presente em todo seu

universo a sua história, seu mundo comunitário, de onde foi chamado para trabalhar, a princípio,

em questões emergenciais de saúde, de vida e morte. Os agentes são um verdadeiro espaço de

disputa dos vários discursos. Alguns serão espaços mais sincréticos, outros farão predominar um

discurso mais oficial. Seu mundo de significados, interagindo por todo o tempo com seu cotidiano

social, dá a esse profissional da saúde a visão de que comunicação é fundamental no sentido de

levar à população informações sobre políticas e ações que pretendem ser implementadas pelos

governos. Mas já é clara também para ele, em um segundo momento, a necessidade de estar

discutindo essas políticas governamentais de uma forma mais dialógica, participativa, com as

comunidades. Para boa parte dos profissionais entrevistados, agentes ou não, a informação seria o

conteúdo da mensagem, enquanto a comunicação seria o processo de produção que faz circular e

promove o processo de consumo da informação.

Um dos pontos chave do trabalho dos agentes é a cumplicidade, que se dá principalmente pelo

seu vínculo com o saber popular em geral, e o conhecimento das dinâmicas comunitárias, uma vez

que esse profissional é morador da própria comunidade onde atua e compartilha com os demais

moradores o mesmo universo socio-cultural e os mesmos códigos/contexto lingüístico. A

princípio, o vínculo dos agentes com as famílias teve a finalidade de levar os serviços de saúde

para mais próximo do contexto familiar e fortalecer a capacidade da população de enfrentamento

dos problemas da saúde através da transmissão de informações e conhecimentos. Os agentes

falavam de seu trabalho como um processo de implementação de hábitos saudáveis, como uma

alimentação mais diversificada e hábitos higiênicos. Assim, adquiriam também, ao longo de seu

tempo profissional, um conhecimento biomédico (prático e teórico) que dava a eles um poder

comunitário e conferia veracidade ao seu discurso, quando levavam esse conhecimento oficial

para a comunidade. Mas, com as atuais discussões no Curso Seqüencial, que está valorizando os

saberes populares, e na própria estrutura profissional no município de Sobral/CE, uma nova

configuração está surgindo: os agentes estão vivendo uma retomada de valorização dos

conhecimentos adquiridos comunitáriamente e de geração para geração.

31

Page 32: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Nesse contexto, já se verifica no próprio discurso do agente comunitário de saúde uma percepção

de que, muitas vezes, a resistência a mudança de atitudes por parte da população destinatária de

uma política/campanha pode significar que a pessoa se sentiu desvalorizada em seu saber cultural,

dificultando um diálogo entre o saber popular e o médico (principalmente nas campanhas

nacionais, os costumes locais não são levados em consideração). E quando as redes de

significação socioculturais são desrespeitadas pelos saberes biomédicos, por muitas vezes os laços

entre os saberes populares e os científicos são desatados sem retorno.

Os agentes de saúde de Sobral expressam, nas entrevistas, a constatação da necessidade de

perceber o contexto de vida da população e relacioná-lo com as atitudes assumidas pelo povo, no

sentido de uma tomada de decisões na área da saúde, que assim surtiriam mais efeitos na melhoria

das condição de vida daquela população. O jargão institucional de levar a população a um estilo de

vida mais saudável fica, assim, relativizado, diante do universo de sentidos da população assistida.

Esse profissional de saúde ganha em dialogismo, passa a fazer parte mais efetivamente do

universo de sentidos da população. Assim, ele pode ser um tradutor dos saberes e práticas

biomédicas e mediador entre a comunidade e o posto de saúde. (Nunes, 2002). Perceber as

variáveis políticas, culturais e humanas presentes nas comunidades é o caminho para acontecer um

verdadeiro diálogo. Mesclando os discursos, o agente de saúde fomenta a cultura popular na sua

comunidade e valoriza o local, promovendo a tal da qualidade de vida, tão desejada socialmente.

Contextualizando e refletindo as verdades biomédicas absolutas, percebendo a subjetividade e as

representações coletivas, esses profissionais passam a relativizar a sociedade a partir da cultura,

ambiente, contexto familiar etc. Com as entrevistas, é possível constatar que os saberes populares

estão dentro dos cuidados para a melhoria da saúde da população. Quando uma agente fala que:

“levamos para o médico informações que a pessoa tem vergonha de falar na consulta.”, fica

evidente como as fronteiras das unidades básicas de saúde se alargam com o agente de saúde,

através da relação entre estes e a população. Com a chegada do Programa Saúde da Família (PSF),

principalmente do agente comunitário de saúde, os profissionais de saúde foram para dentro das

casas, da história de vida das famílias. O agente comunitário se vê como um profissional técnico

da saúde, com uma competência científica, mas carregado de valores e conhecimentos de sua

cultura. Mas, fica marcado, em alguns momentos das entrevistas, como esses conhecimentos

entram em choque.

32

Page 33: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Informar / comunicar : comunicar / informar

A discussão: Comunicar/partilhar alguma coisa ou dar conhecimento/informar?, é fortemente

presente nos discursos, tanto dos agentes, como no discurso dos outros profissionais entrevistados.

No caso de partilhar, o processo é dialógico, horizontal, onde se acredita que os interlocutores

emitem e recebem mensagens, uma vez que o receptor também é emissor e vice-versa. A idéia de

uma comunicação como o ato de passar informações, dar/levar conhecimento a alguém é uma

relação mais hierarquizada, enquanto uma pessoa teria um papel mais ativo (emitir a

informação/conhecimento), o outro seria mais passivo (receber). É a velha idéia do recipiente

vazio que é preenchido passivamente por conhecimentos que chegam de quem sabe. Mas a

domesticação não existe. Nossa carga cultural começa a ser adquirida desde que nascemos –

dizem que até na barriga, ou, há quem acredite na reencarnação; a questão vai muito mais além

para os hindus, por exemplo.

A comunicação sempre se dá em um contexto de poder, que influi totalmente no processo de

comunicação, espaço de luta pelo poder de quem produz, faz circular nas redes sociais e de quem

consome; no caso do Sistema de Saúde, um médico que tem mais poder que um enfermeiro, que

tem mais poder que um auxiliar, que tem mais e mais poder que... Os discursos que se

entrecruzam e se fazem valer ou não, dependendo de muitos fatores, entre eles o lugar da fala:

quem é a pessoa, que cargo ocupa no Sistema, seu papel, a quem está direcionando seu discurso

naquele momento etc. São questões de disputa pelo poder que fazem parte dos processos

comunicacionais. Diferentes histórias de vida, perfis culturais, profissionais, ideológicos e

políticos, entre outros – diferença entre os interlocutores, dão grau do lugar da fala e a disputa pela

hegemonia dos discursos e no discurso.

Um outro ponto que fala em muito do espaço do agente na sociedade, seu lugar de fala e sua

conjuntura na disputa por espaços de poder, como de qualquer outro profissional, é o salário que

hoje recebe o agente ao final do mês pelo trabalho que cumpre. O tempo passa, os agentes de

saúde adquirem novos e outros conhecimentos, várias áreas das políticas públicas cada vez mais

solicitam a função do agente - não só a Saúde - para repassar informações e contribuir na mudança

de hábitos, mas, o salário continua o mínimo. Se compararmos seu soldo com os de outros

profissionais da área são muito díspares. Médicos, enfermeiros, auxiliares e motorista recebem

salários bem superiores. Os proventos do agente só são comparáveis com os dos funcionários de

serviços gerais.

33

Page 34: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Por fim, quero lembrar que sem informação, nem sempre podemos tomar uma decisão mais

consciente e, por esta razão, ela se torna parte indispensável da formação do cidadão e possibilita a

ele ter maior acesso a determinados bens culturais, políticos os serviços disponibilizados pela

sociedade. A informação faz com que as pessoas fiquem mais sabidas e fortes e com mais poder

sobre a natureza dos fatos sociais.

Neste trabalho, defendo uma tese que pode ser resumida em três frases, que após o trabalho,

viraram três afirmações: 1) agente de saúde é agente de comunicação, 2) comunicação é saúde e 3)

cultura é saúde. Elas foram o eixo organizador da análise das entrevistas, que será apresentada em

um tópico posterior.

Agente de saúde é agente de comunicação. Pelo fato de ser da comunidade, esse profissional tem

todo um potencial, sabe falar a língua, ele não é um estranho, sabe como chegar, o que as pessoas

querem dizer; é como um “tradutor” entre a comunidade, a equipe de saúde e o sistema de saúde.

Ele é, em grande medida, o viabilizador, na comunidade, das políticas públicas de saúde.

Esse profissional é um fomentador do apoderamento (Martins, 2003), o reconhecimento do

poder existente da comunidade, e agente capaz de corroborar para que a comunidade amplie essa

quota de poder; também constatamos no trabalho do dia-a-dia do Agente Comunitário de Saúde a

contribuição que ele pode imprimir no que tange mais respeito/compreensão da polifonia (Ribeiro,

1995) na Saúde. Ele fortalece o processo de reconhecimento da comunidade, enquanto ator social,

percebendo o que a afeta e contribui para que o discurso comunitário tenha acessibilidade aos

centros de poder, para a transformação para uma realidade que se deseja. Deixando mais claro:

não é o discurso que tem acesso ao poder, são as pessoas. Se os discursos são levados em

consideração, aumenta o poder das pessoas. Esse profissional de saúde traz diversos discursos,

como o oficial, em geral o poderoso discurso biomédico, mas também o da comunidade que ele

próprio está inserido – sua cultura popular. Ele é um exímio adaptador das questões nacionais para

a realidade local, contribuindo na qualificação de determinadas informações que chegam à

comunidade. Nesse caminho, afirmamos o que lemos no sítio do Estudos Locais em Saúde

(ELOS/Fiocruz - http://www.ead.fiocruz.br/elos/), adaptando para os Agentes Comunitários de

Saúde: “a cultura popular [do Agente], sua cultura local, sincretiza aspectos das práticas religiosas,

dos cuidados caseiros tradicionais, das práticas mágicas, da medicina vigente, resquícios do

higienismo do século XIX, bem como a atualidade do ambientalismo. Não se trata de um

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Page 35: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

amálgama e sim de um mosaico de concepções utilizáveis em cada situação”. O Agente

Comunitário é um rico comunicador que se apresenta.

Comunicação é saúde. A comunicação é um espaço de saúde. E reconhecer a contribuição que

uma comunicação polifônica pode imprimir à Saúde é contribuir para um processo de qualidade

de vida/saúde da população.

A concepção de Saúde, aqui, passa pelo direito à autodeterminação, pelo direito a ser ouvido e

levado em consideração. A comunicação pode contribuir como ferramenta de apoderamento na

luta pela disputa por poder na sociedade.

E se comunicar, se fazer ouvir é um ato que eleva, consideravelmente, a auto-estima das pessoas

e grupos sociais. E, com auto-estima, as pessoas se valorizam, tem mais disposição para o

enfrentamento das questões do dia a dia, se sentem mais bonitas e amam mais - processos que

contribuem para uma melhor Saúde. Nos comunicando nos expomos, nos fazemos ver e crer;

lutamos por fazer valer nossos valores, direitos e quereres, tudo isso nos torna pessoas mais

saudáveis e humanamente envolvidas com o mundo que nos cerca. Se nos fecharmos em nossos

“umbigos sociais” o amargor da vida pode nos levar ao comportamento de um autista,

incomunicável, falando para nós mesmos, ruminado sem externar e ouvir a polifonia reinante. A

população que tem canais para se expressar e que consegue ser ouvida tem mais chances de lutar

por sua saúde e seu direito à saúde. Hoje, os grupos sociais que querem ser ouvidos, chamam a

mídia, porque é o único canal que conhecem de amplificação das suas vozes. E o que os agentes

comunitários de saúde estão fazendo é exatamente isto: amplificar as vozes que habitualmente são

abafadas.

Cultura popular é saúde. A cultura popular tem um papel na relação de integridade da pessoa

com seu mundo. A cultura como o espaço de criação, de recuperação da identidade, num mundo

que despersonaliza as pessoas e coloca os valores num patamar inatingível para a maioria da

população (o que faz a TV, principalmente os canais abertos). O direito ao auto-reconhecimento

como ser humano com capacidades de criação e de continuidade, que tem um papel relevante na

sociedade, isto tudo é Saúde.

A perspectiva / proposta é que aqui o agente comunitário seja visualizado como um possível e de

fato fomentador/articulador da dinâmica cultura popular nas práticas locais, como vêem,

principalmente, os profissionais da saúde entrevistados.

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Page 36: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Mas a proposta nunca será a de exaltar a Saúde em detrimento da Arte. “As manifestações

culturais precisam ser resguardadas em suas características e espontaneidade. O Boi [por exemplo]

tem de contribuir com o projeto social, mas permanecer brincante. Cabe aos responsáveis pela

saúde do povo conseguir incorporar as informações às brincadeiras de rua”, diz o idealizador de

um projeto que relaciona saúde e cultura popular em Pernambuco, José Oliveira Rocha, ou Zé da

Macuca, no Jornal do Commercio de Recife/PE, em 18.06.2000.

A cultura popular resgata cotidianamente a dignidade da população, dando a estes as condições

para a concretização de suas potencialidades como "homens humanos" do Grande Sertão de

Guimarães Rosa. A Arte humaniza a sociedade.

A comunicação na Saúde vai se dar quando passarmos a ter noção que a informação não deve ser

de uma mão só. Não devemos pensar e “passar informação”. Isso não é se comunicar. Isso é

mecânico. Fui lá e dei o meu recado. Se aquilo foi bom para você, se tinha a ver com o que você

queria ouvir, haver com suas necessidades, não me interessa, fui lá e disse o que tinha que dizer.

O processo de comunicação depende de uma série de coisas, inclusive da minha subjetividade.

Conversamos uma coisa e constatamos que tem pessoas que compreendeu completamente

diferente: entendimento do outro diante da tua informação. Se soubéssemos ouvir e valorizar,

estabeleceríamos uma outra relação.

Com você, leitor, as tão esclarecedoras, problematizadoras e dialógicas entrevistas, que deram

mais que muitos “panos de manga” para este trabalho. Se relacionarmos as respostas dos agentes

de saúde com as respostas dos outros profissionais, percebemos como muitas das colocações dos

agentes se fazem verdade nas afirmativas desses profissionais, vice-versa, que discutem e atuam

junto à profissão agente comunitário de saúde. Abaixo das entrevistas, ainda faço alguns

comentários a mais, baseados nas leituras das respostas dos entrevistados, principalmente nos

destaques sublinhados.

OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

A agente comunitária Zilma Cristina de Araújo tem 27 anos e o segundo grau

completo - seu período de estudo foi quase todo em escolas particulares; nunca tentou

vestibular, diz que por ter sido mãe muito cedo. Tem dois filhos, do primeiro casamento, e

espera o terceiro filho, esse do segundo marido. Trabalha no bairro da Coelce, onde mora há

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Page 37: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

7 anos. Mas já morou 15 anos no centro de Sobral e outro um ano na cidade de Massapê/CE.

O bairro Coelce é considerado um tanto elitizado, seus moradores são constituídos,

principalmente, por donos de comércio, professores, médicos e enfermeiros. No mapa de

Zilma consta hoje 260 famílias. Mas ela afirma que a área está crescendo por ser próxima à

Fábrica de Cimento Poty, que traz muitas pessoas de outros estados, como São Paulo,

Curitiba, Pernambuco e Rio de Janeiro, para fazerem parte do quadro de trabalhadores.

Zilma, que é agente de saúde há seis anos, avalia que hoje são 400 famílias para ela e mais

400 para a outra agente. Ela ressalta, como a maioria dos agentes de saúde, não dar mais

conta de todo o trabalho.

Em geral, afirma ser bem atendida pelos moradores do bairro que, ela diz, gostam do

trabalho do agente, permitem ser cadastrados mas, por vezes, avaliam não ser fundamental

a visita, uma vez que têm planos de saúde privados; mas Zilma rebate sempre falando que

acabam precisando do PSF, porque têm coisas que os planos não cobrem, por exemplo, no

caso do pré-natal, esclarecimentos sobre amamentação. Zilma é muito sorridente e por

muitas vezes representante dos agentes comunitários em encontros. Agora, foi delegada dos

agentes comunitários na 4a Conferência Estadual de Saúde, em Fortaleza/CE, que antecedeu

a 12a Conferência Nacional de Saúde. Ela também é representante de sua turma no Curso

Seqüencial para Agentes Comunitários de Saúde.

agente de saúde é agente de comunicação

Com certeza o agente de saúde é um agente de comunicação. A gente trabalha com pessoas, com

famílias e acaba tendo que passar informações; e às vezes a informação tem que ser bem dada,

porque se você não souber dar direito a informação precisa, às vezes a pessoa entende de uma

forma diferente; então, tem que saber como falar, como comunicar. Por exemplo, eu tô na unidade

e a enfermeira manda um comunicado para uma família e se eu não souber dar de uma tal maneira,

aquela família vai entender de uma outra forma e chega no ouvido da enfermeira de uma outra

forma. Tem que saber falar, se expressar. Tem que saber como passar informação.

No Seqüencial é muito visado como saber repassar, ler e a forma de como você vai se comunicar

e falar. Comunicação para mim, a primeira vista, é informação, é você saber e entender; se situar

das coisas. A comunicação é uma ferramenta importante.

comunicação é saúde

Para mim continua passando pela questão da informação. Comunicação é saúde mas tem que ser

bem comunicada. Uma das questões maiores do agente é a prevenção. Prevenir antes que as coisas

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Page 38: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

aconteçam. Tem gente da comunidade que é bitolado em achar que o PSF vai dar a consulta, o

remédio, tem que ter o médico, mas na verdade a proposta é trabalhar com a prevenção e os

grupos, como os de caminhada, gestantes etc., que aprendemos agora no Seqüencial. Assim é

comunicação, você está abordando um assunto para a prevenção.

Outra ferramenta nova que ganhamos no Seqüencial foram as rodas de conversa, onde

discutimos problemas da comunidade e algumas pessoas se responsabilizam pela resolução...

Comunicação tá em todos os lugares.

cultura popular é saúde

Cada área tem sua cultura, tem seu ser, tem sua maneira de viver. Então o que eu vejo muito é o

artesanato; as pessoas fazem ainda o chapéu de palha, ao meu ver é assim cultura popular, os

artesãos. Mas a minha área é elitizada, em outras áreas vemos pessoas nas calçadas; eles inventam

mil e uma coisas para entreter o tempo. E aqui na minha área isso já fica mais restrito; o pessoal

trabalha, passa o dia fora, a gente quase não vê. Mas o que observo de cultura popular é isso, essas

conversas na calça depois de cinco horas da tarde, quando chega a época do milho vai todo mundo

comer no meio da calçada.

Um exemplo de cultura popular para mim é o grupo de caminhada de nossa área. Já são 30

pessoas e já escutei testemunhos que sentiam dor no corpo, não conseguiam andar direito e depois

que começaram a caminhar melhoraram. Será que isso não seria uma cultura popular? Assim, a

pessoa era sedentária e agora não é mais, porque tem que ter um grupo também. Cultura popular é

saúde porque envolve um grupo de pessoas que estão ali por uma causa só. Um novo estilo de

vida, que forma uma nova cultura popular. Todas as questões que você tratou comigo são saúde.

Iranir Ferreira da Silva tem 27 anos, terminou o ensino médio em 1996, em colégio

estadual, e começou a atuar como agente comunitário de saúde em março de 1997. Mora e

trabalha no bairro Terrenos Novos. Irani, sorridente e participativo, em seus seis anos de

profissão, sempre diz gostar muito de trabalhar com as famílias, apesar de ficar um pouco

desanimado com as respostas de algumas delas: “às vezes nem agradecem, mas, em geral,

estão bem boas”. O bairro Terrenos Novos tem mais de 4 mil famílias e a área que Iranir

atua constam 250. No PSF do bairro são 16 agentes, cinco enfermeiras, três médicos e cinco

auxiliares. Ao todo, a unidade de saúde conta com quatro equipes para o bairro, que é

dividido em José Euclides I, chamada de área nobre, formada por pessoas que trabalham na

fábrica de calçados Grendene, no Mercado Central e por conta própria; e José Euclides II,

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Page 39: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

onde falta saneamento básico e muitas famílias passam necessidade, até fome. Na José

Euclides II, alguns moradores também trabalham na Grendene, mas boa parte é

desempregada e vive da aposentadoria dos idosos. Iranir mora no José Euclides I e é da

Renovação Carismática; por quatro anos foi catequista da primeira comunhão e há três é

catequista de crisma. Iranir, que mora com dois afilhados, considera seu trabalho uma

grande conquista.

agente de saúde é agente de comunicação

Com certeza. Porque nosso trabalho é com as famílias, através de orientações e nelas estamos

nos comunicando, passando informações para outras pessoas. Às vezes a informação é bem

entendida, tem pessoas que de imediato já sabem o que tem que ser feito; a outras temos que

mostrar e explicar; estar junto com ela até entender. Digamos que em uma família tem um recém-

nascido, e temos que trabalhar com ela a questão do leite materno; temos que envolver toda a

família. Temos que fazer aquela comunicação que o leite materno é bom, vai fazer bem para a

criança, vai ajudar a mãe a se recuperar mais rápido. Aí já entra as questões dos tabus, do bico, da

mamadeira; temos que conversar com toda a família, passar a comunicação para todo mundo para

que possam perceber a verdadeira importância do aleitamento.

comunicação é saúde

Mais ou menos. Você pode estar comunicando para levar saúde, mas pode também comunicar

outras coisas. Por exemplo, informar sobre uma reunião. Você só vai dar a informação de que vai

ter a reunião naquele tal local. Não tá comunicando, é uma informação. Comunicar é você falar e

explicar a importância daquilo que vai ser feito e perguntar se a pessoa está entendendo o porquê

que deve ser feito aquilo ali.

O que está voltado para a saúde, você vai trabalhar a questão da saúde, agora, o que estiver

voltado para a educação vai falar pela educação, mas pode envolver saúde, como outros assuntos.

Teve, por exemplo, a Assembléia das Cidades, aqui em Sobral, que envolveu diversas áreas.

Comunicação e saúde, é quando está levando saúde. Se é para a educação, você tá passando

comunicação para educar a pessoa para ler, escrever, uma comunicação educativa; já na

assistência social, você comunica para direitos; no caso de um professor de informática, ensina

uma comunicação informativa para tirar a pessoa desse desconhecimento.

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Page 40: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

cultura popular é saúde

Cultura popular é aquela coisa que vem do povo, antes de você; e se você for combater vai entrar

em confronto, é alguma coisa que está com a pessoa por várias gerações. E se for discutir, debater,

vai entrar em confronto. Você tem que respeitar a cultura que ela tem, mas junto com ela, mostrar

que algumas coisas de hoje são diferentes daquela época, da cultura que ela tem. Mas existem

algumas culturas populares que são saúde, enquanto existem outras culturas que são só devido há

época que elas viveram. A gente respeita e tenta de uma forma e de outra analisar, e procurar junto

com ela uma ajuda para o trabalho; porque se você for complicar pode gerar atrito, porque a

cultura está na nossa cabeça e sem querer, às vezes, nós mesmos temos as nossas culturas. Tem

haver com as pessoas antigas, heranças. Aos poucos, transformamos a cabeça das pessoas para

conforme a gente tá vivendo hoje. Exemplo, os idosos, na cultura deles, a opinião deles é que se

tomarem vacinas vão adoecer e morrer. Em geral, acreditam que as vacinas vieram para acabar

com eles e a gente conversa.

Maria de Fátima Caixeiro, com 30 anos, trabalha como agente comunitária de saúde

há 11 e sempre morou no distrito do Patriarca. Fatinha, como é mais conhecida, atua junto a

110 famílias, segundo seu último cadastramento. Ao todo, no distrito, considerado mais

antigo que a cidade de Sobral, são cinco agentes e um coringa. O PSF funciona em uma casa

alugada pela Secretaria de Saúde e Desenvolvimento Social. Os moradores, em geral,

trabalham com o artesanato da palha da palmeira carnaúba, com a qual fazem chapéus,

vassouras e bolsa de palha. A outra atividade é a agricultura, mas com a chegada do

inverno, período chuvoso, que começa em janeiro e vai até junho (verão em parte do

nordeste e nos estados do sudeste e do sul), ninguém consegue trabalho; é período de muita

fome nas mais de 100 famílias do distrito. No início, os açudes sangram e os peixes entram

em fartura. Mas quando a enchente chega, nada de peixes, nada de plantações. Fatinha

considera “mistérios de Deus; mas depois vem o milho e o feijão”.

Ela ainda comenta que sempre foi muito envolvida com os projetos da comunidade. Hoje é

presidente do Conselho Local de Saúde e faz parte do Conselho Paroquial, que considera

uma grande conquista para a realização dos Festejos de Nossa Senhora da Conceição, que

acontece há 30 anos no Patriarca. “Antes a comunidade não participava, e há três anos essa

realidade mudou”. Fatinha também faz parte do Folha de Patriarca, informativo mensal

comunitário.

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Page 41: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

agente de saúde é agente de comunicação

É o agente comunitário que mais divulga os acontecimentos da comunidade e quando você

divulga e faz parte da comunidade, também é comunicação. Assim, chega até a comunidade o que

está acontecendo na própria comunidade. Tudo que fazemos é comunicação: a troca de idéias,

experiências é comunicação.

O povo é muito pobre, financeiramente e de acesso as coisas, e a comunicação, que é muito

ampla, que tem no rádio, na TV, mas mesmo assim não chega em muitos lugares, ainda está muito

a desejar e o agente leva a informação.

comunicação é saúde

Se você informa, esclarece para o povo ... a gente trabalha em cima do preventivo e quando você

diz para uma mãe que o aleitamento materno é importante, que o aleitamento exclusivo é

saudável, você está comunicando, tá melhorando a qualidade de vida daquelas pessoas; chegando

até lá e informando, isso significa que é saúde. Mas tem comunicação que não é saúde, quando os

jornais e TVs tratam da violência e das drogas. Isso não é saúde, é poluição.

cultura popular é saúde

Cultura popular são aquelas tradições, os costumes. E é saúde, porque são costumes que você

guarda e passa a vida inteira cultivando. Por exemplo, antigamente, as mulheres não tomavam

banho e nem saíam de casa durante os 30 dias do resguardo. E hoje o agente comunitário e a saúde

mudaram a concepção de muita gente. Hoje a visão é bem outra, porque a comunicação, a

informação chegou até eles. Na concepção da população aquilo era saúde, tinham o costume, mas

para o trabalhador da saúde, para nós agentes comunitários, não é saúde. É guardar um costume

muito antigo.

Uma vez, estávamos em uma festa dos idosos, lá no Patriarca, e tinha muita manga; aí o médico

me perguntou porquê eu não estava comendo, respondi que era porque estava menstruada,

costume adquirido da senhora que eu morei e cuidei por mais de 11 anos. Ela sempre dizia para eu

não comer manga e nem passar debaixo de um pé de manga quando estivesse menstruada. É uma

tradição que faço até hoje; é um costume. Mas eu sei que não acontece nada.

Terezinha Rosa de Souza, em seus 29 anos, é agente desde setembro de 1998. Mora, foi

criada e casou no bairro Sinhá Sabóia, na mesma casa em que nasceu. Tem dois filhos e cria

dois irmãos. Terezinha é filha adotiva e gosta muito de contar sua história de vida para

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Page 42: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

servir de exemplo a outras pessoas. Sua mãe biológica era garota de programa que morreu

de parto, após cinco dias do nascimento de Terezinha. Única morena e de olhos escuros dos

outros três irmãos, o pai não deu assistência e foi adotada por uma família do interior, do

distrito das Marrecas: “alguém da família do meu pai estava comigo nos braços, na BR,

falando ‘quem quer, quem quer, não tem quem queira?!’”. Ela continua, contando que uma

família que estava indo para o mercado central de Sobral, comprar palha de carnaúba para

fazer chapéus, ficou com dó do recém-nascido de três dias. O pai adotivo vendia frutas nas

portas das casas e a mãe chapéus. Terezinha casou com 13 anos. Perdeu os pais adotivos em

2002. Da mãe verdadeira, só um pôster na sala de casa.

Terezinha atende mais de 320 famílias, que estão divididas nos bairros Sinhá Sabóia,

Cohab I e II. O primeiro bairro a surgir dos três foi o Sinhá Sabóia, depois veio as

populares, como são chamados a Cohab I e II, que acabam sendo conhecidos também por

Sinhá Sabóia. São 18 agentes comunitários na Unidade Mista, que se dividem entre as cinco

equipes do PSF. Terezinha está incluída na equipe da Cohab I, mas o número de famílias só

aumenta e foi necessária uma redivisão.

O Sinhá Sabóia (incluindo os outros dois bairros) é muito conhecido por concentrar um

grande número de prostitutas e pelo bordel da Chica Fulepão, que trás meninas de fora para

trabalhar no bar, e gangues de jovens. A maioria dos profissionais do bairro trabalha na

fábrica Grendene, nas escolas públicas (como professores e em serviços gerais) e na própria

Unidade Mista.

Terezinha tem 2o grau completo, recentemente concluído, curso de recepcionista e

atendente de consultório médico odontológico, pelo Senac, e dois cursos de informática. Ela é

muito admirada pela equipe, junto a qual atua, principalmente por motivo de sua história;

ela ainda diz que o Sinhá Sabóia é um bairro bom e de uma comunidade unida, quando

necessário.

agente de saúde é agente de comunicação

E tanto. Faz parte do trabalho, que é muito de informar e orientar. Nós debatemos, assistimos,

explicamos, orientamos, damos assistência ... tudo depende do meu falar e relacionar com a

família. É muito importante no nosso trabalho você ser comunicativa. Não há problema que não se

possa resolver, por mais que seja um quebra-cabeça, a gente tem que se juntar e tentar; se eu não

conseguir ajudar, vou pedir ajuda do médico, da enfermeira, da assistência social, seja de quem

for.

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Page 43: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Tem que estar sempre informada, dialogando, no meio de um relacionamento muito envolvido.

Temos também que estarmos muito atualizados. Por vezes chegam programas dos governos e

temos que buscar informações com a equipe do PSF para não ter dúvidas e os agentes tem que

falar a mesma língua.

comunicação é saúde

Comunicação faz parte da saúde. Se você não tem uma comunicação, uma visão ampla do que é

uma doença você não vai saber evitar. Comunicação está acima de muitas coisas. Por muitas vezes

a pessoa não sabe porque tá doente por falta de comunicação; as pessoas têm que ser esclarecida.

Na Cohab I o índice de dengue estava mais de 90%; então, trabalhamos casa à casa - uma equipe

de mutirão com os guardas sanitaristas, médicos, enfermeiras -, íamos divulgando, falando

mesmo, dialogando, para que as famílias se conscientizassem. Aí a dengue na Cohab I zerou. Por

isso acho importante a comunicação na saúde; quanto o papel do diálogo é importante.

Comunicação é uma parte da saúde. Vejo a comunicação como o primeiro passo. Se um médico

não te explica sobre o que você tem, se não tem diálogo, como você vai se informar? Sem

comunicação não tem saúde.

cultura popular é saúde

Cultura popular, para mim, são os projetos, os vários grupos que a população têm que

desenvolver com as secretarias municipais. É a comunidade envolvida em grupos como de teatro,

adolescentes, entre outros.

A cultura dos jovens que estão nas drogas, por exemplo, é falta de amor, carinho e

oportunidades. Tem que desenvolver coisas para essas jovens que estão engravidando e fazendo

programa no posto de gasolina; elas estão lá porque não têm outra opção, não tem projeto, não tem

cultura. Seja lá o que fosse para desenvolver, esses grupos poderiam ajudar, envolver a

comunidade. Toda cultura vai ter que ter um programa, um projeto um grupo para desenvolver.

Cultura é essencial à saúde. Uma cultura popular: colocavam fumo no umbigo do recém-nascido

para curar. Aí, você tem que ir lá informar, orientar.

Maria Solange Rodrigues é agente comunitária de saúde há três anos. Ela atua no

bairro Santa Casa há um ano, antes trabalhava no bairro Tamarindo. Com seus 29 anos,

Solange já deu à luz a oito filhos, dos quais três nasceram mortos, um foi adotado por uma

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família francesa, em um momento em que Solange e o marido estavam passando muita

necessidade. Ao todo, hoje, o casal tem quatro filhos.

Solange, que é casada desde os 12 anos, atua junto a 250 famílias, mas não dá conta de

todas. O bairro é considerado carente, e agora, com a chegada das chuvas, é período de

desabrigados. Mas Solange, que principalmente leva gestantes e idosos ao posto, acompanha

internações e media o diálogo no Hospital Santa Casa e na Unidade Mista, trabalha em uma

parte do bairro que considera elite.

Em sua área, boa parte trabalha na Grendene, em oficinas mecânicas, como servente, nas

escolas públicas ou vive do salário dos aposentado. Mas no bairro tem também alguns

médicos e professoras.

Solange, que ainda não conseguiu organizar sua rotina para voltar a estudar, não está no

Seqüencial porquê só tem até a 5a série.

Ela gosta de ser agente pois acredita ajudar muito as pessoas.

agente de saúde é agente de comunicação

Em cada casa que a gente chega, temos que conversar, porque têm pessoas que só acredita na

gente se a gente puxar conversa, só confia se a gente chegar e conversar. Nós vamos, conversamos

com toda a família, com cada uma pessoa. Se eu não consigo convencer da necessidade de, por

exemplo, tomar um determinado remédio, a gente leva o médico para conversar ... se a gente não

conversa, o paciente jamais escuta a gente.

comunicação é saúde

Se a gente vai para a área, para conversar com aquela pessoa, saber o problema dela, enquanto

ela não conta, não sabemos o que tem para poder ajudar e encaminhar para o médico, para o posto

de saúde. O problema só é descoberto se a gente for lá e conseguir resgatar alguma coisa daquela

pessoa. Mas a comunicação não é saúde quando as pessoas não querem ajuda de ninguém, do

agente, do enfermeiro ou do médico.

cultura popular é saúde

Logo quando tive meus filhos, quem tratava era minha avó; e essas senhoras de idade, daqueles

tempos, têm uma cultura totalmente diferente das mães e das avós de agora. Minha avó dobrado e

amarrava o umbigo dos meus filhos com um pano, que era queimado na lamparina. Hoje em dia

não se coloca mais nada no umbigo. Muitas mais querem ainda colocar óleo de panela para não

ficar ressecado, nem dá dor de barriga...

44

Page 45: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Rezadeiras, por exemplo, chamo de saúde porque às vezes tem criança que derruba o vento,

como minha mãe e avó chamam, quando sobe o neném além da cabeça e, por isso, o estômago

fica fundo, dá diarréias. A gente leva para a rezadeira por três dias, melhora logo. Sempre

encaminho primeiro para a rezadeira. Se não dá certo, damos o soro em casa e levamos para o

posto. Às vezes os médicos dizem que não existe vento caído.

Outro, quebrante; tem nenen que nasce bonitinho e uma pessoa que nunca tinha visto aquela

criança faz com que ela comece a chorar, até a vomitar, fica com o corpo dolorido. Já aconteceu

com um filho meu. Tem pessoas que tem olho ruim para ver as coisas; manda para a rezadeira e

ela fica boa.

A pessoa não fala no posto que o filho pegou quebrante, só mesmo para nós que somos agentes

de saúde, que já chega conversando, achando graça. Uma vez eu ensinei a uma senhora que estava

com uma dor insuportável de lado, que a minha vó chamava de dor velha, dor de mulher - coisa

que minha vó me ensinou. Era para ela tomar somente água, colocar em cima da dor uma peça de

roupa do marido às avezas. Aí é necessário cochilar. Passei lá no outro dia e ela estava boa.

Antigamente, não se podia banhar por sete dias o recém nascido, se não a criança poderia morrer.

Desse jeito eu criei todos os meus filhos. Mas já aprendi muita coisa por ser agente de saúde. Hoje

não faço muitas coisas que a minha avó fez comigo e meus filhos. Fui saber muitas coisas. Mas

tenho muitas dúvidas. Eu sempre pergunto para as mães se eu faço ou não alguma coisa, sempre

pensando nos ensinamentos de minha avó.

Maria Valdeline Macário da Silva, 24 anos, conhecida por todos como Val, há três é

agente comunitária de saúde e tem 239 famílias cadastradas. Ela diz que está refazendo o

cadastro e no mínimo o registro aumentará em 150 famílias. Nasceu no bairro Parque

Silvana e seu pai construiu a casa onde Val e toda a família (mãe, pai e três irmãs) moram há

cinco anos, quando o Padre Palhano ainda era chamado de Pantanal do Sumaré, por motivo

das casas terem sido feitas em cima de um antigo leito do rio chamado Arroz. Nesse lugar, as

pessoas pescavam e lavavam roupas, mas o rio foi secando e as famílias foram ocupando a

área e construindo suas casa - a maioria alaga no período das chuvas. Os terrenos foram

vendidos pela prefeitura.

Val considera as famílias do bairro um pouco arredias, “tem que conversar muito”, mas

mesmo assim comenta que por muitas vezes tem que solicitar a ajuda, por exemplo, do

Conselho Tutelar, para poder levar uma criança para consultar no posto.

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Page 46: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Boa parte da população do Padre Palhano trabalha na Fábrica Grendene e na Fábrica de

Cimento Poty, também fazem chapéus e vendem carvão; mas a maioria é desempregada,

vivendo da aposentadoria de parente idoso ou com transtorno mental.

No posto do Padre Palhano são nove agentes, dois médicos, três enfermeiros e quatro

auxiliares. As pessoas dizem que Val tem muita lábia para articular a participação da

comunidade nas reuniões e eventos considerados fundamentais à presença comunitária. Ela

está com a faculdade de geografia trancada, sempre estudou em escolas públicas e já

participou dos Doutores da Recreação, do Hospital Santa Casa, quando era o palhaço dr.

Estrela. Agora está fazendo aulas de teatro de rua, oferecidas pela Escola da Saúde da

Família para algumas comunidades de Sobral.

agente de saúde é agente de comunicação

E muito; timidez na hora do trabalho do agente não tem como. Você tem que tá no

convencimento diariamente com a família, se você não souber falar, argumentar aí as pessoas não

se convencem do que você está falando. Para mostrar que aquilo que você está falando é real e

vale a pena tem que falar e muito. Por exemplo, se tem uma criança com diarréia e você quer que

ela tome o soro, você tem que falar o porquê da importância do soro, pois a mãe, por vezes, diz

que no tempo dela não era assim. Tem que convencer que é importante e para convencer tem que

conversar muito. Não adianta fazer propagada se eu não tiver conhecimento. Explicando melhor,

chego para falar de hanseníase, aí todo mundo se senta e já quer saber como se pega. Aí fica tudo

mais claro e facilita para fazer o tratamento. Muita gente acaba abandonando o tratamento por

falta de uma explicação clara. Ser bem informada é fundamental para o meu trabalho.

comunicação é saúde

Porque se você não souber chegar em um local, por exemplo, para pedir certas informações,

você não vai ficar tranqüila, calma, a vontade para tratar de um certo assunto, se você não falar,

não perguntar, não for atrás ... Tudo isso favorece a qualidade de vida. Quanto mais eu sei, serve

para mim, mas também para a minha comunidade. Quando vai ter uma reunião eu tento que saber

bem do que vai ser tratado e como para poder incentivar a participação das pessoas. Comunicação

é troca, tem que haver reciprocidade, se não, não vale, não vinga. E mais importante do que diz é

os nossos atos. O melhor conselho é você ser um bom exemplo.

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Page 47: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

cultura popular é saúde

Se você está fazendo, não uma propaganda, mas se acredita que aquilo é verdade e passa pelo

teatro de rua, por exemplo, isso é ótimo. O teatro chama mais a atenção do que eu ficar em cima

de um caixote fazendo um discurso. Falando e demostrando, o corpo-a-corpo, interagindo é muito

bom. O que acredito que ainda tá faltando aqui no bairro para as coisas caminharem, e eu como

muitos aqui do bairro sonham com isso, é um maior envolvimento da comunidade, fazendo seu

papel junto com a equipe de saúde. E acredito que isso pode se dar através do teatro de rua, das

palestras, da dança, música, interagindo.

Têm muitas pessoas talentosas aqui na comunidade que não tem oportunidades: as chapeleiras,

as senhoras do croché, tem cada coisa maravilhosa, mas elas não têm incentivos.

Todos ficariam menos ociosos. Por exemplo, se as adolescentes se engajassem, com certeza,

diminuiria os casos de gravidez na adolescência. Tinha que haver mais coisas aqui no bairro que

tirassem os jovens da rua, tínhamos que atuar mais nas escolas... E a cultura popular pode ajudar

muito nisso.

O agente comunitário de saúde Carlos Gilson de Oliveira Lima tem 20 anos e já atua

na profissão há três. Ele nasceu no distrito de Jaibaras, a 12 km de Sobral. Gilson mora com

os pais, uma irmã e um irmão que é enfermeiro. Desde o ensino médio é envolvido com a

comunidade. O ensino fundamental estudou em escola pública, a partir da sétima passou

para escola particular, em Sobral, e todo o segundo grau cursou no Jaibaras, voltando às

escolas públicas. Foi presidente de grêmio estudantil por três anos. Fez curso de locutor

comunitário e começou a trabalhar na rádio Águas do Jaibaras. Participou da abertura da

rádio comunitária Tucunaré, que agora, com o alvará vencido, está fechada. Com o dia a dia

na rádio comunitária, Gilson diz que começou a viver e conhecer mais a população do

distrito.

Por insistência do irmão, Gilson fez a seleção, com mais 36 pessoas, para agente de saúde.

Tirou o primeiro lugar. Algumas pessoas estranharam, uma vez que Gilson estudava e

queria prestar vestibular para enfermagem. Fez as provas e não passou. Mas com o convívio

na profissão, ele fala que se envolveu e criou vínculos. Gilson lembra que uma das primeiras

coisas que gostou no trabalho foi o acompanhamento de uma gestante. “Quando a criança

nasce parece que é alguém da minha família. Passou a ser um trabalho prazeroso. Amo

trabalhar com a comunidade”. Hoje ele acompanha 175 famílias, desistiu da enfermagem e

está cursando há um ano história na Universidade Vale do Acaraú (UVA), em Sobral. Gilson

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Page 48: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

comenta ter enfrentado dificuldades por ser agente comunitário, profissão de maioria

mulher.

Ao todo no PSF-Jaibaras são 15 agentes, dois médicos, três enfermeiros e quatro auxiliares.

No distrito, com mais de 7 mil moradores, as pessoas vivem da pesca, do comércio, da

administração pública e da aposentadoria. Lá tem muito porco e toda sorte de bicho

espalhado pelas ruas. O rio, quando sangra no inverno é espetáculo, por motivo da forte

queda da cachoeira que se forma.

Um dos meios que Gilson mais usa para se comunicar com a comunidade é as escolas,

quando tinha a rádio também era muito utilizada. Ele pretende ser professor de história de

noite e continuar como agente de dia.

agente de saúde é agente de comunicação

Com certeza, mesmo porque quando precisam passar alguma informação para a comunidade,

chamam logo o agente de saúde. Exemplo bom é a campanha de vacinação, quando saímos de

casa em casa avisando dá tudo certo. Nesse ponto, somos grandes agentes de comunicação. Somos

parte fundamental, um elo mesmo, nesse processo de comunicação da prefeitura e do PSF com a

comunidade. Todo o trabalho do agente envolve muito a comunicação porque ele tá trabalhando

na prevenção de doenças e o que a gente aprende tem que repassar. É fundamental o agente de

saúde ser comunicativo, saber repassar os conhecimentos.

comunicação é saúde

Comunicação faz parte da saúde; faz parte da vida de qualquer pessoa, ou ela é o receptor ou é o

emissor. Tudo acaba sendo saúde. E tudo acaba sendo comunicação. Temos que ter cuidado e

saber passar as informações para a população. Temos que tentar explicar da melhor forma,

respeitando os conhecimento de cada família. A linguagem tem que ser acessível a toda a

comunidade. Não dá também para chegar e culpar as pessoas, e sim dizer: ‘as coisas estão

mudando muito, antigamente os jovens se vestiam e namoravam de outra forma, mesma coisa o

mosquito da dengue, ele muda’. Tem que dar a informação a partir de onde a pessoa está.

Exemplo sobre os hipertensos, não adianta ficar perguntando o tempo todo se tomou ou não o

remédio; você tem que ir com informações precisas. Tem que dizer: ‘saiu no jornal agora uma

pesquisa que 70% das pessoas que tiveram infarto foi porque tinham pressão alta e não

controlavam o remédio. Você não gosta de viver?’... e por aí vai. Tem que dialogar.

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Page 49: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

cultura popular é saúde

Tudo que é praticado pela população é uma cultura popular. Vou abordar, no aspecto cultural, o

que as pessoas acreditam. Temos que tomar cuidado com religião, por exemplo. Não adianta

chegar na casa de uma pessoa de 80 anos e dizer que não adianta levar para a rezadeira. Fazemos o

seguinte, levamos para a reza e damos o remédio; dizemos para a mãe que o remédio é um reforço

a mais. Outra questão, a medicina nasceu através daquelas pessoas que pesquisavam as plantas,

então os chás também funcionam. Mas as doenças evoluem e males que acabavam antes com

plantas medicinais precisam agora de remédios. Temos que ter conhecimento sobre os remédios

naturais, mas também temos que tomar cuidado com relação há algumas coisas da cultura popular

que podem não fazer bem. No unheiro colocam ainda angu ou água quente com pano. Não pode

mais colocar, antigamente pode até ter funcionado, mas hoje não mais. Tem que ter uma ótima

comunicação e usar os meios certos. Tem que ver quando a cultura popular ajuda ou não, porque

tudo muda.

A agente comunitária de saúde Maria Socorro Camelo Mesquita, 41 anos, nasceu

onde trabalha e cria sua filha de 13 anos (o outro filho, um rapaz de 24 anos, mora no Rio de

Janeiro), no mais populoso e distante distrito de Sobral, Taperuaba. Mas passou vários anos

fora de sua terra natal. Atrás de melhores condições de vida, foi para o Rio de Janeiro,

Belém, Manaus, Rondônia, Bolívia, entre outros lugares.

No forte da leishmaniose, na Amazônia, Socorro fez um curso para voluntários e trabalhou

em Manaus nos conjuntos habitacionais da Cohab, onde ela diz ter despertado a vocação

para algo como o agente de saúde.

Após felicidades e intempéries, ela voltou para Taperuaba –isso já tem 11 anos. Retomou os

estudos, terminou 1o e 2o graus e agora está cursando pedagogia. Socorro diz gostar

imensamente do trabalho de agente, que já faz há 10 anos, mas, como o salário é o mínimo,

ela também dá aula de alfabetização para jovens e adultos à noite e presta acessoria ao

sindicato rural, entre outros afazeres que lhe complementam a renda fim do mês.

Taperuaba fica a 72 km de Sobral, e tem uma população em torno 8.500 habitantes. O

distrito é um polo de artesanato, exportando para outros estados e países; lá se borda, em

máquinas industriais, de um tudo para recém-nascidos. Esta arte é passada de geração para

geração. Mas os produtos são negociados por atravessadores, que compram o tecido e

pagam de R$ 0,4 a R$ 0,6 pelo bordado. A outra parte da comunidade vive principalmente

da agricultura, aposentadoria e administração pública.

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Page 50: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Ao todo, entre cede e localidades – Valentim, Jurema, Bom Jesus, Puba, Boa Vista,

Bilheira, Vassouras e Serrinha -, são 10 agentes de saúde e duas equipes do PSF.

Socorro diz estar novamente bem adaptada ao distrito e a sua vida profissional; faz o

Curso Seqüencial (2a turma) e pretende continuar lutando por um maior reconhecimento de

sua profissão.

agente de saúde é agente de comunicação

Somos formadores de opinião, estamos levando informação na casa do povo, mas também

estamos recebendo. Tá havendo uma comunicação entre família/comunidade, e o agente

comunitário de saúde. Quando assumimos uma área você passa um período um pouco perdida,

pois é uma questão de estabelecer laços de confiança. Quanto mais a família se sentir segura em

relação ao profissional de saúde, ao agente comunitário, mais informações a pessoa vai te passar, o

que facilita o trabalho, dá uma maior abertura. E a gente acaba se tornando, praticamente, um baú.

Todo tipo de problema, partilhamos as dificuldades do dia a dia, passamos a ter uma participação

ativa, para ajudar a resolver ou só desabafar, já ajuda demais. Esse é o nosso papel, a

comunicação, a fala. Não trabalhamos com medicação, trabalhamos com a comunicação, a

informação.

comunicação é saúde

Se visito uma família, e se eu não tiver certeza, confiança na informação que estou passando, ela

vai sair distorcida, não vai ser bem compreendida. Se não tenho certeza para falar de um

determinado assunto a pessoa percebe a insegurança. É essencial que a informação seja feita com

qualidade e responsabilidade; assim é saúde. Pequenas coisas fazem a diferença na comunicação.

Vamos supor que eu chegue numa casa e a criança está com diarréia e eu digo só os ingredientes

do soro, mas não explico que tem que mexer bastante, que a água tem que ser fervida, de quanto

em quanto tempo deve tomar... Cada lugar que você vai tem que saber e analisar como vai falar,

que palavras e tom de voz usar; tudo varia de família para família.

cultura popular é saúde

A gente tá esquecendo um pouco a nossa cultura popular; é ensinamento dos antigos e só temos

o presente cultivando o passado. Na saúde, fizemos parceria com rezadeiras, porquê funciona.

Muitas pessoas com diarréia (vento caído) procuram as benzedeiras. Temos que respeitar. Se a

pessoa quer levar leva, mas recomendamos uma parceria entre médico e benzedeira porque, com

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Page 51: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

certeza, o resultado será mais rápido. Usamos chás, méis da cultura popular. A cultura popular é

um aliado da saúde.

Fui a uma conferência e achei muito interessante quando uma pessoa colocou que quando foi

criado o agente de saúde eles pensaram em uma pessoa do povo, que falasse a mesma língua, que

acreditasse nas mesmas coisas; mas aos poucos, os agentes estão começando a falar a mesma

linguagem do médico e do enfermeiro. Então, está havendo uma desvinculação entre o povo e o

agente. Estamos passando a adotar uma linguagem científica, isso não é bom. Você é do povo,

nasceu aqui, fala a mesma língua, é parte da comunidade. Essas benzedeiras são suas tias, teus

avôs, conhecidos da família durante anos, é parte tua.

Mas tem coisa da cultura popular que é prejudicial à saúde. Aí conversamos; não dizemos que

não pode fazer ou usar, mas de outras formas dizemos para que ele veja que é prejudicial.

Ivanice Maria de Souza faz questão de dizer da educação e limpeza do povo de São

José do Torto, distrito onde nasceu, mora e atua como agente comunitária de saúde há 12

anos, mesmo tempo que é casada. Ela lembra que, há época, não sabia muito bem porque fez

o concurso para agente, mas hoje brinca dizendo que ainda vai ganhar na loteria mas não

larga o trabalho.

Ivanice comenta de um tempo de muitas dificuldades, quando ia para o serviço montada no

lombo de jumento; dos banhos que deu nas crianças que tinham perdido a mãe e estavam

com sarna; de uma família na qual foi mãe de leite; de outra que pegou uma das crianças

para criar...

Hoje vai até às 92 famílias, principalmente nas fazendas, de moto própria, onde também

traz pacientes e já levou médicos.

São José do Torto, que conta com sete agentes comunitárias de saúde, é um distrito com 14

localidades, por onde se dividem as, em média, 500 famílias. Boa parte da população

trabalha em Sobral, como pedreiro e servente, uma outra parte vai para São Paulo e Rio de

Janeiro e no inverno (de março a junho) trabalham na roça, plantando feijão e milho.

Ivanice, que têm 30 anos, uma filha de seis e a de criação de 12, atua na cede e nas

localidades Torto de Cima, Sanharão, Boa Vista e Ispereira (Pereira dos Aristides). Seu

marido é vaqueiro e contratado da prefeitura para levar alunos das localidades para a

escola. Ela terminou o 2o grau ano passado e foi uma das incentivadoras da abertura do

colégio do distrito para as aulas à noite.

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Page 52: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

agente de saúde é agente de comunicação

É porque a gente leva informação sobre saúde, leva informação da escola e outras áreas que nos

solicitam. Levamos o conselho tutela, preenchemos fichas... Estamos nas famílias todos os dias e

sabemos de tudo ou quase tudo que acontece. Tanto levamos informação, como trazemos para o

posto de saúde informações sobre as casas e as famílias. Conversamos muito com a comunidade.

Não adianta só levar a informação, tem que conversar e ensinar. É conversando que muitas vezes

evitamos um mal e não precisa tomar remédios e ir ao posto.

comunicação é saúde

Se você se comunica com alguém, estamos passando alguma coisa, informação. Quando uma

pessoa da família está com algum problema e não fala e continua doente, isso não é saúde e não é

comunicação; mas quando a pessoa procura a gente pra falar de seu problema, nós vamos poder

ajudar na solução. Isso é saúde. Essa é uma comunicação para a saúde. E doença não é só estar

com uma febre, uma dor. Mas tem muita doença na mente das pessoas por falta de uma conversa

bem conversada. Ouvindo os problemas e conversando é melhor que qualquer remédio.

cultura popular é saúde

... Às vezes as pessoas deixam até de acreditar em coisas que é benefício para a saúde delas, que

não faz mal a nada para tomar medicamente. Cultura popular é saúde. Até para a gente passar as

informações. Cada lugar tem sua educação diferente. Nós aqui temos muita cultura; o pessoal aqui

é muito bom. Se alguém passa dificuldade todos ajudam. Hoje o povo tá mais educado, estuda e a

cultura tá mudando com a necessidade do povo.

Lucineide de Oliveira Marques, 36 anos, é casada e mãe de três filhos. Agente

comunitária de saúde há 5 anos, divide seu tempo com as funções de dona de casa - acordo

feito com o marido para trabalhar fora. Ela atua no bairro Junco e assiste 376 famílias.

Como são muitas, ela diz que vai nas casas com maior necessidade todo mês e as outras vai

mês sim, mês não. Lucineide, que é agente de saúde há 5 anos, nasceu no município praiano

de Camucim/CE, mas veio com seis meses de nascimento morar em Sobral. Ela era do PSF

do bairro Alto do Cristo, onde atuou por um ano e, em uma redivisão de áreas, veio para o

Junco, bairro considerado área nobre da cidade, onde boa parte dos moradores trabalham

na Grendene, mas a maioria é comerciante. Ela informa que o que mais se trata no bairro é

hipertensão e diabetes.

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Lucineide tem outras duas irmãs também agentes de saúde e que fazem o Seqüencial na

mesma 2a turma de Lucineide, que terminou o 2o grau só por conta de entrar para o Curso.

Mas houveram surpresas; há princípio conhecimentos que Lucineide não esperava

aprender: “me empolguei demais pois achava que ia aprender a verificar pressão, olhar a

doença na família. Mas não foi nada disso, trabalhamos é a saúde, a prevenção e a visão de

família que mudou.”

agente de saúde é agente de comunicação

A gente leva informação e conhecimentos. Traz informação da comunidade para o posto, vice-

versa. Levamos até um esclarecimento maior sobre um remédio que a pessoa tem que tomar. Acho

que somos um meio de comunicação que funciona. Às vezes uma pessoa vai se consultar no posto

mas não conta tudo para a enfermeira, o médico, tem vergonha; aí pelo nosso convívio diário e

sermos da comunidade, a pessoa tem mais intimidade. Assim, passam pra gente informações que

se fornecesse na hora da consulta ajudaria para a resolução do problema, por exemplo, que apanha

do marido, que tem vários parceiros... Em geral as pessoas não têm uma confiança maior de

desabafo e com a gente elas se abrem melhor. É uma confiança gratificante para nossa profissão.

Vejo que a comunicação é um instrumento de muita valia para a saúde.

comunicação é saúde

A pessoa estando bem informada é uma medida de prevenção. A comunicação é um meio tão

bom para a saúde que é gratificante quando tem alguém menos esclarecido e você, numa conversa,

num bate-papo bem descontraído, passa um conhecimento que até a própria pessoa nunca tinha

pensado que aquela idéia poderia melhorar a sua vida. Comunicação e saúde é como se fosse um

elo, caminham bem juntas. É muito gratificante quando a gente chega numa casa e a pessoa fala

que estava doida que a gente chegasse porque estava com um negócio na cabeça e queria

conversar ou perguntar. Cria uma confiança quando você dá uma informação bem dada.

cultura popular é saúde

Se você ver o quanto de influência nas comunidades tem essas rezadeiras e os chás que elas

fazem... Sempre na rua tem aquela que planta tudo, que quando uma pessoa precisa elas dão. As

pessoas acreditam também que a diarréia é vento caído; dá o soro, mas vai na rezadeira. Não sou

eu, nem você pra dizer o contrário, é o que as pessoas acreditam. Na minha área tem duas

rezadeira e eu deixo o soro com elas. Porque o que a rezadeira diz todos acreditam muito. Eu acho

isso muito bonito. A cultura popular é saúde porque não informa nada de ruim para as pessoas,

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visa o bem estar. O pessoal mais antigo, mais experiente, que não acredita na modernidade, dá

certo mesmo o que elas fazem, é incrível. Se não levar para rezar, as pessoas já acreditam que o

remédio do doutor não serve.

OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

O médico Antônio Carlile Holanda Lavor terminou a faculdade em 1964, como diz,

no “ano da dolorosa”. Passou um ano no Rio de Janeiro estudando microbiologia e voltou

para o Ceará, onde permaneceu por três anos (de 1966 a 1968) no Instituto de Medicina

Preventiva, até ser fechado, quando o diretor foi considerado subversivo. Depois desse

período, Carlile foi para Brasília, onde viveu por 10 anos. Trabalhou no Hospital Escola da

Universidade de Brasília, quando idealizou, juntamente com alguns dos 80 professores do

curso de medicina, com dedicação exclusiva, e sua esposa, a assistente social Miria Campos

Lavor. Ele lembra de como o ambiente de trabalho era fecundo para as pesquisas. Voltou

para o Ceará, após um concurso de sanitarista da Secretaria de Saúde do Estado, quando

começou a se dedicar a saúde pública na região de Iguatu, morando em Jucás, também no

Ceará, onde nasceu. A experiência de Planaltina, no Distrito Federal, foi adaptada para o

sertão cearense, com condições bem mais precárias. Quando o médico Carlile Lavor assumiu

a Secretaria de Saúde do Estado de 1987 a 1988, os agentes comunitários de saúde viraram

experiência em todo o Estado, foram 6 mil agentes. Carlile foi um dos fundadores do PMDB

e posteriormente do PSDB, partido de que faz parte até hoje. Ele trabalha no governo do

Estado do Ceará, na Escola de Saúde Pública, com o aprimoramento da especialização da

estratégia Saúde da Família, promovendo uma melhor qualificação para os profissionais, e

na Escola de Saúde da Família Visconde de Sabóia de Sobral, com a implementação do

Curso Seqüencial para Agentes Comunitários de Saúde, primeiro do gênero no Brasil.

agente de saúde é agente de comunicação

Esse foi um dos primeiros pontos que a gente conversou no início da experiência do agente

comunitário, em Brasília - de 1974 a 78. Nessa época, um dos livros que trabalhamos foi

Comunicação ou Extensão, do professor Paulo Freire. Ele trata do que os agrônomos chamavam

extensão rural; que era a idéia de estender o conhecimento que os agrônomos tinham para os

agricultores. E o Paulo Freire discutia, com esses profissionais, que as pessoas não recebiam o

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conhecimento dessa maneira. Então Freire fala do processo de comunicação, onde a pessoa fala,

mas também tem que escutar, para ver como a pessoa está recebendo aquela informação; assim,

vai se construindo um conhecimento. O contrário do que Paulo Freire chamava de educação

bancária, como que depositando um conhecimento no outro.

Eu considero o agente como essencialmente uma pessoa de comunicação. Não essa de massa,

mas de pessoa a pessoa, de casa em casa, intensiva. Não é só comunicar, é ajudar a resolver o

problema. Por vezes, uma família não vacina seu filho por não encontrar a vacinadora, então, o

agente discute com a mãe os problemas/motivos que ela teria para não vacinar, por exemplo. Não

é só a comunicação pura, mas solidária, como estou chamando. Quer ajudar a solucionar um

problema. É algo mais além da comunicação, não é só passar aquela mensagem. Quer que leve a

um comportamento (a pesar de toda comunicação talvez querer levar a isso); o agente de saúde faz

mais coisa do que simplesmente transmitir a mensagem. A comunicação do agente passa

conhecimentos de saúde para as famílias e ele tem que saber como passar do médico para as

famílias. O agente de saúde é o transmissor dessa comunicação, desde o início ele é visto assim.

comunicação é saúde

O ex-padre Ivan Ilich, pensador que morreu há pouco tempo, trabalhou muito a idéia da

autonomia das pessoas em relação a saúde; dos médicos não serem donos da saúde da gente, isto

é, de sermos capazes de construir nossa saúde com autonomia. É claro que uma cirurgia você não

pode fazer em casa, mas muita coisa você pode. Aí é que entra o processo da comunicação para

chegar essa informação às pessoas. Como temos grande parte da população sem maior acesso a

leitura, tinha o rádio, mas a informação geralmente era pouca, a leitura, com uma documentação

maior não chegava nas pessoas, os agentes de saúde chegaram nesse processo de levar essas

notícias. Hoje você pode ter acesso a muitas informações sobre saúde, hoje não é só médico que

sabe. Muita coisa de prevenção você pode resolver com um processo de comunicação.

cultura popular é saúde

Todos os povos do mundo vêm acumulando conhecimentos de saúde. Plantas que são venenosas,

outras curativas; a quinina, que os índios descobriram que era boa para combater a malária, isto é

uma descoberta milenar, que vem se acumulando; essas experiências são chamadas de cultura

popular. A ciência pega esses conhecimentos, leva para o laboratório, testa e boa parte são

desapropriados das pessoas, ficam na mão da ciência e as pessoas acabam perdendo o

conhecimento de que eram donas. Muitos medicamentos das indústrias farmacêuticas vieram dos

chás; outra questão: o conhecimento sobre higiene do povo grego, que há mais de 2 mil anos já

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sabiam que não se deveria morar nas regiões pantanosas, pois trazia doenças. Mas muita coisa se

perdeu, porque esse conhecimento foi acumulado nas bibliotecas, guardado nos livros. Só no

Renascimento, na Idade Moderna é que se recuperou muitos dos conhecimentos dos gregos e

árabes.

Aqui mesmo, no meio dos índios, eles sabiam da importância de viver isolados, que a chegada de

gente de fora trazia doenças. Aí chegou a tuberculose, o sarampo etc. e não puderam se defender

com a invasão portuguesa e espanhola.

O agente comunitário, cada vez mais, e principalmente agora com o Curso Seqüencial, é capaz

de traduzir esse conhecimento científico que hoje está na mão dos profissionais, receber esse

conhecimento e distribuir para a população, vivê-lo junto com a população. O agente é da

comunidade, mas também é do serviço de saúde. E é difícil você pertencer ao serviço de saúde,

que é muito hierarquizado, e manter a fidelidade à sua comunidade. Esse é um dos pontos que

estão sendo trabalhados no Seqüencial, ele sobe de nível para ver se reforça a capacidade dele de

se manter fiel à comunidade. Pois se o conhecimento dele é pequeno, ele mais facilmente pode ser

cooptado pelo serviço de saúde, para obedecê-lo e perder seu vínculo com a comunidade. O

Seqüencial quer ser ferramenta para conquistar, para a comunidade, esse conhecimento/poder da

saúde. É a população se apropriando do seu conhecimento e resolvendo o que fazer com ele e não

só obedecendo tudo o que o médico disser. Assim é importante você ter a sua cultura para reforçar

a autonomia e não fazer somente o que o médico receita.

Ivandro da Costa Sales é sociólogo, nasceu em Taperoá, no sertão da Paraíba. De onde

partiu para estudar filosofia em Roma. Em sua cidade natal é popular dizer que Ivandro foi

para o Vaticano estudar com o Papa, pois no Brasil não tinha mais ninguém para ensiná-lo.

Depois foi fazer mestrado em sociologia, na Bélgica, e recentemente doutorou-se em serviço

social, na área de estado e políticas públicas. Há um longo tempo trabalha prestando

assessoria a movimentos populares, a sindicatos, a órgãos governamentais e à academia

(Universidade Federal e PUC do Rio de Janeiro, Universidade Federal da Paraíba e

Universidade Estadual Vale do Acaraú) nas áreas de gestão democrática e educação

popular. Agora, o professor também presta consultoria na capacitação dos preceptores na

Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia. Ivandro é uma figura muito

popular, doce e considerado por muitos um grande mestre em humanidades. Não se pode

perder os assados de carneiro e as buchadas de bode nas agradáveis festas que promove em

sua casa, no bairro do Junco, onde sempre, em roda, todos dançam e cantam cirandas de Lia

56

Page 57: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

de Itamaracá. Pessoa animada, por anos foi um dos grandes incentivadores do carnaval em

Taperoá e não perde o Bloco da Saudade e o Bloco da Lira, do carnaval no Recife antigo.

agente de saúde é agente de comunicação

Acho que é, se pensarmos em uma comunicação em um sentido mais amplo, sobre a saúde e

muitas coisas. Eles passam informações e mais coisas, com outras linguagens sobre modo de

viver, de morrer, de se precaver. Passam o que existe sobre política de saúde, as coisas que vem do

ministério, das secretarias, das prefeituras, do PSF. Tanto comunicam do ponto de vista de

informação, como da cultura. Acho que levam e passam as informações do modo deles, a partir da

compreensão que eles têm disso tudo, de saúde, doença; passam do jeito deles, com a cultura

deles.

Eles eram pessoas da comunidade, que depois passam a ser agentes governamentais, passam dois

tipos de coisas, o que eles são como comunidade e se comportam também como agentes

governamentais. Por muitas vezes, decodificam uma mensagem estranha ao seu mundo do dia a

dia, uma linguagem que é da burocracia, da administração, das políticas, dos projetos; é uma

coisa, de fato meio esquizofrênica. Por exemplo, morrer é ser levado a óbito, ninguém da

comunidade fala assim. Penso que é um jeito de tirar o sentimento, virou estatística. Não é a

tristeza da morte, ou até o alívio de Deus ter levado, mas uma coisa asséptica.

comunicação é saúde

Uma boa comunicação, que passa uma mensagem de uma concepção de saúde menos

medicalizante, de menos remédio, aí é saúde. Tem um tipo de comunicação que é saúde, outro tipo

é doença; a mensagem que passa a ideologia dos laboratórios internacionais, aí não é saúde não, é

mercadoria.

Há a informação de conteúdo, mas o modo de vida, de dizer, o corpo, os gestos, o

comportamento, também estão comunicando.

cultura popular é saúde

A cultura popular é o modo de sentir, pensar, agir, se expressar; agora, na cultura popular tem

um núcleo de sabedoria que tem muita coisa que foi inculcada, que é a ideologia dominante , então

eu diria que não é, nem é saúde. Diria que a cultura popular é para ser apurada, aprofundada para

poder virar saúde.

A cultura popular tem um senso comum, incoerente, pouco sistematizado, pouco profundo, e tem

o bom senso que é a sabedoria. A sabedoria é saúde, o senso comum é saúde e doença.

57

Page 58: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

A nossa cultura forma as pessoas para pensar de um jeito, sentir de outro e agir de outro, e a

cultura é um pouco assim, meio esquizofrênica. A cultura popular é saúde se ela juntar mais o

sentir, o pensar e o querer e aprofundar mais.

A questão para mim é como tomar em consideração a cultura, agora, sempre para mudá-la,

sempre para aprofundá-la. Tem que se criar sempre condições da cultura ser enriquecida com

outros elementos. A cultura popular é o modo como o povo está sentindo, vivendo, agindo,

amando, sonhando... Esta cultura popular, que tem elementos profundos de sabedoria, de

existência, de história, tem mesclado com ela toda uma ideologia.

Não dá para começar por outra parte da vida da enfermeira Maria Inês Vasconcelos

Amaral, de 46 anos, se não dizendo que é uma figura apaixonada pelo trabalho do agente

comunitário de saúde. Inês começou estagiando no governo estadual no projeto de educação

e saúde escolar, que atuava junto a professores das áreas periféricas de Fortaleza. Aí

conheceu as favelas e o corpo profissional das escolas.

Depois prestou concurso para a Secretaria Estadual de Saúde e, por motivo do período que

passou de resguardo do primeiro filho e reorganizações da Secretaria, passou a coordenar o

projeto no qual era estagiária. Assim, conheceu todas as unidades de saúde de Fortaleza que,

no período, ainda eram responsabilidade estadual. Ela lembra que nesse momento passou a

viver o dia-a-dia das unidades.

Inês tem quatro filhos e voltando da licença maternidade do terceiro começou a se envolver

com a elaboração da criação do agente comunitário de saúde. Ela já tinha alguma

experiência com a Pastoral da Criança, da igreja católica, e após período de ajustes com os

ideais políticos do projeto, que era do governo estadual, de corpo e alma se integrou à

proposta.

Com o estouro da seca em 1987, viajou todo o interior e aprendeu sobre os males desse

período, “as pessoas vão secando, se desencantando, vi famílias na estrada indo embora.

Com isso aprendi a ser gente”, lembra com pesar, mas sem faltar esperança na fala.

Aí, em 1991, o Ministério da Saúde, de olho nos resultados que o Ceará obteve com a

implementação dos agentes nas comunidades, Inês começou a viajar pelos estados do

nordeste para a implementação do Programa. Pisciana forte de fala e doce que só para o

entendimento, passou a coordenar o Programa dos Agentes de Saúde e o Programa Saúde

da Família.

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Page 59: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Trabalhou em Maracanaú, em uma proposta de levar o Saúde da Família para as grandes

cidades do Ceará, passou também por Caucaia e, ao final de 2001, foi colaborar na

implementação da Residência em Saúde da Família de Sobral. Daqui não saiu mais. Agora

Inês é diretora da Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, a primeira

do gênero no Brasil.

agente de saúde é agente de comunicação

O agente foi pensado como um agente de informação, mas o trabalho dele, a forma como ele se

conduz acho que tem mais capacidade de ser um agente de comunicação, porque consegue

compartilhar mais, comunicar mesmo, compreender, falar. Na saúde talvez estejamos mais

acostumados como um agente de informação; acreditamos que a saúde tem um certo saber, que

tem que ser informado às pessoas, e que essa informação vai chegar até a família, que

automaticamente vai tomar uma atitude e mudar de vida, ou coisa parecida. Mas o agente é aquele

que aproxima a informação que tem; digere, conversa com a população, adequa às realidades. Isso

é mais comunicação.

Quando o agente de saúde foi pensado, tínhamos dois problemas reais. As crianças morriam de

desidratação e de doenças que poderiam ser prevenidas com vacinas. E a Saúde tinha vacina e os

sais de hidratação. O que queríamos era que chegasse essa informação a todas as famílias do

Ceará. Foi o que informamos para o agente de saúde. Nós informamos, mas ele comunicou à

população. Ele realmente conseguiu fazer não só que as famílias tivesse essa informação da vacina

e do soro, mas que pudessem compreender isso na sua cultura, trabalhar essa informação e tomar

uma atitude muito mais sua por ter compreendido. O agente fez isso de uma forma muito mais

respeitosa com a família. O agente, em geral, faz uma visita domiciliar, nós, muitas vezes,

fazemos uma invasão domiciliar. É da nossa cultura usar a pressão. É uma cultura herdada dos

jesuítas, da igreja católica. Assim achamos que educamos o outro e mantemos ele sob controle.

A melhor coisa que a comunicação pode fazer hoje é a gente aprender que temos que respeitar o

que o outro quer. Mas, como profissional, queremos que a informação chegue até a população, que

haja uma comunicação para que ela tome uma decisão baseada em mais informações. A intenção é

que a pessoa tome a decisão por ela, e não que a gente decida pela pessoa. E o que o agente de

saúde tenta é digerir a informação de um jeito que a pessoa possa tomar sua decisão. As pessoas

que conviveram mais perto do agente de saúde aprenderam a ter esse respeito e compreensão com

o outro, e também descobriram que não sabem tantas coisas.

59

Page 60: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

comunicação é saúde

É preciso, para acontecer a comunicação, que um tenha conhecimento do outro a ponto que eu

absorva, compreenda, partilhe da idéia que o outro tem. Como eu utilizo essa informação, como

entra na minha cultura ... aí se estabelece a relação de comunicação. Se eu compartilho mesmo

com o outro eu me comunico. Acredito muito nessa relação de pessoa a pessoa, mas acredito que

outras formas de comunicação podem estabelecer uma sinergia. Mas acredito que as pessoas

devem voltar a valorizar as relações interpessoais. A comunicação pode ser tão danosa quanto

qualquer remédio errado. Por exemplo, é mais danoso um professor desanimar os alunos que um

médico fazer uma cirurgia errada. Um professor mata a cabeça de uma sala inteira. A

comunicação tem que ter um senso de responsabilidade com o que diz, como diz... Se tivermos

mesmo comunicação que partilha, sinérgica, podemos gerar no outro mais autonomia, que é

fundamental para que as pessoas possam ter saúde, cuidar da sua própria vida, tomar suas

decisões. E nessa compreensão de saúde como felicidade, qualidade de vida, como a gente queira

chamar, uma forma melhor de ser, viver e conviver, todas as coisas tem uma relação fundamental

com a saúde, e a comunicação também.

cultura popular é saúde

Cultura é toda forma de manifestação das pessoas. Mas me parece sempre que cultura popular é

coisa de gente que é pobre, menos instruída. Acho isso estranho. Temos que respeitar a cultura do

outro. Tem coisas que culturalmente a gente adquire, que são positivas para que a gente tenha uma

vida mais pró-ativa, e tem coisas da nossa cultura que a gente deve refletir para ver se não é

melhor pensar de uma forma diferente, pois não é sadia para a convivência. É da nossa cultura, por

exemplo, usar o castigo como forma de pressionar o outro a agir. Isso parece que não é bom para

gerar autonomia e pessoas mais sadias e sabidas; devíamos começar a refletir para mudar. Às

vezes quando as pessoas me falam em respeitar a cultura popular, me parece que tem um povo

pobre e lascado, que não sou eu, que tenho que respeitar por que tudo que ele aprendeu é cultural e

tenho que aceitar. Não; tenho que compreender, respeitar, mas encontrar uma forma de me

comunicar para estabelecer uma relação e dizer que, por exemplo, colocar pó de café em ferimento

não é saudável. Está comprovado cientificamente que não é. Acho que não é bom pra gente

quando vejo uma pessoa que entra na universidade e começa a falar de povo como se não fizesse

parte dele. Ajudaria a gente a respeitar melhor o outro se a gente não se achasse diferente.

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Page 61: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

Seu Manoel leva pacientes, traz remédio, ouve queixas e ajuda a resolver problemas da

comunidade do distrito de Aprazível, onde mora há 21 anos e é motorista da Secretaria de

Desenvolvimento Social e Saúde há 12. Manoel Francisco de Brito, de 49 anos, nasceu

em Angicos, no município cearense de Cariré, a 30 km de Sobral, e trabalhou em São Paulo

por 11 anos, também como motorista.

Pai de três filhos, tem o 2o grau completo e uma faculdade de dois anos de Teologia, pela

Universidade Vale do Acaraú (UVA). Há mais de 30 anos é fotógrafo de casamentos,

aniversários e batizados, serviço com o qual diz já ter ganho um bom dinheiro.

No Aprazível é uma equipe de PSF, que conta com nove agentes comunitárias de saúde. Ao

todo elas atuam nas 967 famílias, distribuídas pela cede e localidades - Pau D’árco, Pedra de

Fogo, São Domingos e Ipueiras

No distrito, em geral, as famílias vivem da agricultura - milho e feijão, que se planta agora

para colher em maio - e do comércio. Também é famosa, em Aprazível, a movimentada

Feira de Confecções. A maioria dos vendedores vem de Fortaleza, mas os compradores são

de toda parte, como dos estados do Maranhão e Piauí. O horário da Feira é curioso; ela

funciona de sexta a noite e vai direto até às 11 horas da manhã do sábado.

Seu Manoel é presidente da Associação Comunitária e está tentando montar com a

comunidade uma granja. Mas afirma que eles só vão conseguir alguma coisa com a união de

todo mundo.

agente de saúde é agente de comunicação

Acredito que sim, porque ele luta com todas as pessoas; acompanha do pequeno ao grande. O

agente acompanha o paciente antes de chegar no médico; até nós, motoristas das unidades,

lutamos bastante com o paciente, levamos, trazemos, interna nos hospitais; a noite não tem

ninguém da equipe, e também nos fins de semana...

É o agente que repassa as informações de quem tem que ser internado, quem temos que levar.

Eles nos orientam sobre os pacientes. Informam nas comunidades os dias do dentista, dos

médicos. Todos vivem praticamente sobre a orientação delas. Elas chegam nas casa e identificam

a família todinha, os pacientes correm nas casas delas qualquer dia e hora.

comunicação é saúde

A comunicação é muito útil para a saúde, pois é através dela que vamos fazendo o trabalho, na

medida que é necessário. Os pacientes reivindicam às agentes, para levar para Sobral, tirar ponto,

dia do especialista... Então, acredito que sem essa comunicação nós não faríamos saúde como é

61

Page 62: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

feita. O trabalho ficaria muito sem sentido. Antes das agentes e da equipe médica na localidade,

sem o carro, as pessoas adoeciam e era tudo difícil. A comunicação ajuda muito e sem ela não era

feito o trabalho.

cultura popular é saúde

A cultura popular é de cada localidade e até no trabalho da saúde, se a gente não obedecer essa

cultura, não faz o trabalho como é para ser feito, ou que agrade as pessoas. Aí, você tá falando

uma língua e os pacientes outra. Então, quando a gente chega na localidade temos que atender as

pessoas como elas são. A gente leva o mesmo atendimento, mas temos que atender as pessoas de

acordo com sua cultura. Temos que respeitar a cultura de cada um. Temos áreas que as pessoas

são mais exigentes, dá mais problema específico de saúde.

Acho que não seja... mas da mesma forma eu digo que é porque se na cultura das pessoas eles

fizerem o trabalho como deve ser feito, nos ajuda muito e até evita problemas. Por exemplo,

distribuímos filtros e tem pessoa que acha que não é necessário pois na época da mãe, ou da avó

não tinha nada disso e não eram doentes. Isso é da cultura delas. Temos que promover a saúde em

cima da cultura deles. Com alguns temos que falar mais e com outros menos. Têm muitas coisas

que nós usávamos antigamente da cultura popular, de medicamente, que é melhor que da farmácia.

Francisca Lopes de Souza é assistente social, com especialização em Gestão, Sistemas e

Serviços de Saúde, pela Escola de Formação em Saúde da Família de Sobral. Francisquinha

é de Tianguá, município cearense na Cerra Grande, onde frio e névoa fazem parte do dia a

dia. Viveu lá até os sete anos, com os avós e a mãe – o pai faleceu quando ela tinha dois anos.

Foi para Fortaleza morar com uma tia; por lá trabalhou um bocado em serviços domésticos.

Fez o 3o grau na UECE (Universidade Estadual do Ceará), único curso de serviço social do

estado. Em junho de 1998 veio para Sobral trabalhar na Secretaria de Saúde, no

ambulatório de DST/Aids e no que foi chamado de embrião do Caps (Centro de Atenção

Psicossocial).

Francisquinha é bem conhecida em Sobral por ter sido uma das pessoas que fechou o

manicômio da cidade, o hospital psiquiátrico Guararapes, chamado de Dr. Remo. Com mais

de 30 anos de funcionamento, era particular, conveniado ao SUS e referência para 54

municípios da região e estados próximos.

Após várias histórias de homens e mulheres que sofreram violências físicas e sexuais, um

paciente foi espancado e morto. A Secretaria de Saúde instalou uma junta interventora, em

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Page 63: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

março de 2000, da qual Francisquinha fazia parte; a idéia era humanizar o espaço. Mas,

como ela mesma comenta, como humanizar e reorganizar um hospício? A equipe se rebelou

diante do encontrado, e foram criando a rede substitutiva - o hospital dia e a residência

terapêutica. Em junho de 2000 foi decretado o fim do Guararapes. No início da intervenção,

Francisquinha ficou grávida e o trabalho era pesado, não tinha hora nem dia para ir aos

municípios vizinhos conversar com as famílias que tinham parentes internados.

Agora, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Saúde já recebeu dois prêmios, inclusive

um concedido pelas mão do próprio presidente Lula, como uma das experiências exitosas em

saúde mental. Hoje, com 35 anos, e uma filha de três, Francisca é preceptora de área na

Escola e uma das coordenadores do Curso Seqüencial para Agentes Comunitários de Saúde.

agente de saúde é agente de comunicação

Acho que o agente de saúde foi pensado para ser um profissional tarefeiro, isto é, para cuidar das

coisas do dia a dia, do auto-cuidado, principalmente porque tinha vínculos com as famílias, era da

comunidade e sabia das necessidades e valores. Sinto que os agentes seriam esse profissional da

comunicação; agora não sei se ele tem conseguido fazer isso, se sabe como fazer ou se faz. Acho

que foram tão tolhidos e burocratizados ao longo dos anos, têm que dar conta de tantas rotinas,

tantos papéis, que acho que a essência dele foi se perdendo.

No início ele era uma pessoa do povo, para trabalhar como o povo, nas coisas do povo: a vida

cotidiana. Aí vem o sistema de saúde e diz que agora vai ter que fazer tantas visitas, preencher

estatísticas. Ele passa a ter que responder exigências que o sistema delega que, por muitas vezes,

acaba se desvinculando dos movimentos dentro da comunidade. Acaba sendo um profissional da

saúde que cumpre as tarefas, do jeito que o chefe manda. No final do mês deve prestar contas, o

que fez e deixou de fazer. E esse potencial de agente de comunicação pode ir se perdendo. O

Seqüencial pretende estar resgatando esse potencial quando discute auto-estima e a inserção dele

como uma pessoa da comunidade e que as atividades que ele desenvolve não têm que ser aquelas

meramente burocratizadas; que ele pode e deve ser uma pessoa da comunidade, estar se

envolvendo com os grupos da comunidade, potencializando os movimentos, as organizações, as

tradições e a cultura da comunidade. Buscar dentro dele algo adormecido ou sufocado pelo

excesso de funções que assumiu. Hoje, se a educação, a saúde, o lazer, o esporte ou a habitação

querem chegar às famílias, é o agente de saúde que eles buscam. Ele acaba sendo o meio que todas

as políticas públicas, programas e ações encontram de chegar às comunidades.

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Page 64: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

comunicação é saúde

Comunicação é saúde. Temos diversas formas de massificar a informação, mas às vezes não

consigo me comunicar com a população. Na dengue isso é claro; em geral, qualquer pessoa sabe

dizer exatamente como pode se prevenir, quais cuidados deve ter com ela e com o ambiente. Mas,

por que aquilo não gera uma mudança de atitude, de comportamento? Por que também, por muitas

vezes, eu tenho a informação mas não consigo transformar aquilo em uma coisa de saúde,

positiva? Para mim, comunicar significa ouvir, não só falar. Comunicação é saúde, quando

falamos e escutamos. Às vezes a informação na saúde é muito unilateral. Na saúde a gente acha

que damos toda a informação necessária e a pessoa não se previne porque não quer, uma vez que

ensinamos tudo, passamos todas a informações... Na saúde utilizamos muito informação como se

tivéssemos falando de comunicação.

cultura popular é saúde

Os saberes e as práticas da cultura popular são saúde e devem ser valorizados, considerados e,

em alguns casos, retratados. Por muitas vezes, vamos passando o rolo compressor da ciência e

vamos desqualificando saberes, pois não podem ser provados cientificamente. Então, não tem

valor. Vamos atropelando, abafando, sufocando. O profissional que está na saúde pública, que

consegue ver a cultura popular como saúde, redefine sua prática como profissional e cidadão. Já

pensou o que é sentar na frente de um profissional que, diante de ti, desqualifica tudo que você

diz, que você passou a vida inteira ouvindo e acreditando, no que sua avó e mãe disse? Vou deixar

de acreditar na minha mãe e avó, com as quais eu tenho laços afetivos, para acreditar em um

desconhecido que me atende por 10 minutos? O que vai prevalecer na minha vida, as minhas

histórias, lembranças ou coisas ditas por alguém que chega do nada. Às vezes eu não consigo me

comunicar, crio uma barreira, porque não valorizei, não ouvi e não refleti.

Maria Viana Albuquerque Costa é enfermeira há 24 anos e trabalha no PSF do

bairro Alto da Brasília há três anos. A graduação fez na Universidade Vale do Acaraú

(UVA), em Sobral, ainda quando era particular. Tem Especialização em Enfermagem

Obstétrica e Residência em Saúde da Família, pela Escola de Sobral. Viana nasceu no sertão

perto de Caracará, como seus outros 10 irmãos, e veio para Sobral bem pequena.

Hoje com 51 anos, casada e com três filhos, Viana começou sua vida profissional na saúde

como auxiliar de enfermagem, no hospital Santa Casa e em 1983, começou a trabalhar para

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Page 65: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

a prefeitura e depois para o Estado, por onde atua na Unidade Mista, no bairro Sinhá

Sabóia.

Na Unidade Alto do Cristo são duas equipes e ao todo nove agentes comunitários de saúde,

onde cada uma atende, em média, 200 famílias. Viana ainda comenta que os principais

problemas do bairro são as doenças de prevalência da infância, como desnutrição e

escabiose, e que lá tem uma grande incidência de uso de drogas. Boa parte da população é

desempregada, mas alguns trabalham no comércio e na Grendene.

agente de saúde é agente de comunicação

Principalmente entre a comunidade e o restante dos profissionais do PSF, tanto traz informação

para a equipe, como para outras instâncias da secretaria de saúde. Ele tá diretamente envolvido

com a comunidade, conhece os problemas da comunidade; através deles é que a gente sabe o que

está ocorrendo. Para ter informações sobre a comunidade, qualquer entidade, governamental ou

não, procuramos é o agente de saúde. A gente fala aqui uma frase que não sei nem de quem é: ‘o

agente de saúde são nossos olhos’. Se não fossem eles, como a gente teria essas informações.

comunicação é saúde

A comunicação faz parte da saúde, como de qualquer segmento da vida da gente. Se você tem

uma doença e não se comunica com alguém, provavelmente você não vai poder tratar porque não

vai ter ajuda. No sentido da prevenção, se você não tem informação pela televisão, seção

educativa feita pelo agente de saúde, enfermeiro ou médico, não freqüenta a unidade de saúde...

não vai ter informação para se prevenir. Sem a comunicação, como a pessoa vai ter uma

informação sobre uma determinada doença?

cultura popular é saúde

Aí entra os costumes e o que as pessoas acreditam. É a mesma coisa de você chegar aqui e

contestar meus conhecimentos de enfermeira; não vou ter confiança em você e vou ficar com pé

atrás.

Os medicamentos fitoterápicos, os medicamentos caseiros servem e resolvem e temos que nos

aliar a essa cultura. Além do conhecimento científico que temos, devemos nos aliar aos

conhecimentos populares.

Muitas vezes a pessoa não tem uma doença, mas acredita que tá e aí a rezadeira reza e melhora.

Talvez seja como um psicólogo. A cultura popular influi na saúde. Temos que respeitar os

costumes e as práticas. Devemos nos aliar e não desrespeitar os costumes. Devemos estabelecer

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Page 66: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

parcerias para sermos acreditados e resolver problemas. Assim se passa confiança para a

comunidade. A não aceitação da cultura do outro pode criar barreiras de entendimento entre

população e profissional de saúde.

Vamos a alguns rápidos, e por agora últimos, comentários, baseados no que se lê nas respostas às

perguntas:

“...se a educação, a saúde, o lazer, o esporte ou a

habitação querem chegar às famílias, é o agente de

saúde que eles buscam. Ele acaba sendo o meio que

todas as políticas públicas, programas e ações

encontram de chegar às comunidades.”

Assistente social Francisquinha

agente de saúde é agente de comunicação

O agente de saúde é intrinsecamente um agente de comunicação, chamado para levar

informações às comunidades, é um comunicador terminantemente interpessoal, por sua relação

com o mundo do seu bairro, da sua localidade. Ele usa a ferramenta comunicação como suporte

das informações pertinentes que são levadas às comunidades. Assim, é claro para esse

profissional, ou é cada vez mais presente no seu dia a dia profissional, que comunicar é

compartilhar, compreender, falar e ouvir. Mas, na Saúde ainda há muitos profissionais que

informam e não se comunicam. Pois comunicação, em geral, para o grupo, é um processo

dialógico. Comunicação é conversar, é troca de experiências, é envolvimento. É conseguir levar a

informação que se deseja, mas também, para boa parte dos entrevistados, essa informação só é

passada, isto é, chega ao seu fim, se fizer parte de um processo lento de diálogo paciente e

participativo. Comunicação é confiança, é estabelecimento de laços afetivos. Esse diálogo sem

intermediação, interpessoal, promovido pelo agente comunitário, profissional de elo entre

comunidade e posto de saúde, traz confiança para a mudança de hábitos. A comunicação

interpessoal do agente promoveria uma comunicação viva, relacional e uma mudança de hábitos

necessária para a promoção e prevenção da saúde, com vistas a uma melhor condição de vida para

as comunidades.

66

Page 67: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

“Quando uma pessoa da família está com algum

problema e não fala e continua doente, isso não é saúde

e não é comunicação; mas quando a pessoa procura a

gente pra falar de seu problema, nós vamos poder

ajudar na solução. Isso é saúde. Essa é uma

comunicação para a saúde.”

Agente de Saúde Ivanice

comunicação é saúde

A comunicação é uma ferramenta do campo Saúde, uma vez que faz parte de todos os campos do

conhecimento. E assim pode ser dito quando utilizada para a promoção e prevenção. Comunicação

é Saúde quando se dá o diálogo, a reciprocidade, troca de conhecimentos: esse tipo de informação

é Saúde. Esclarecer é comunicar e quando a pessoa busca esclarecimento ou obtém uma

informação que não tinha, isso pode contribuir para a melhoria de vida daquela pessoa, daquela

família. Quando a informação se dá a partir do código, da cultura, da própria pessoa que estamos

querendo sensibilizar, ela tem crédito, é uma comunicação de troca, esclarecedora. Assim a Saúde

acontece e a comunicação também. A comunicação bem feita gera confiança. Com relação a

diversas áreas do conhecimento, como na Saúde, o processo de comunicação pode contribuir para

a autonomia das pessoas. E essa comunicação dialógica é libertadora e saudável. É uma

comunicação que compartilha idéias. E o trabalho do agente de saúde é terminantemente através

da comunicação.

“Você é do povo, nasceu aqui, fala a mesma língua, é

parte da comunidade. Essas benzedeiras são suas tias,

teus avôs, conhecidos da família durante anos, é parte

tua.”

Agente de saúde Socorro

cultura popular é saúde

Quando a saúde pública desconsidera e desqualifica a cultura popular está desqualificando a

própria história de uma sociedade, do povo brasileiro. E acaba atropelando e impondo conceitos,

valores formas de saber, ser e pensar saúde e doença. E, ter discernimento para contribuir com a

mudança do que tem que mudar, e com a permanência do que merece se manter, enfim, respeitar a 67

Page 68: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

cultura, pode contribuir com o trabalho do agente de saúde, uma vez que esse profissional já tem

uma profunda relação com a cultura local. É passível para o grupo que informar na própria cultura

da família, pode levar a mudanças de hábitos verdadeiros. Com a área do conhecimento Saúde

reconhecendo que as pessoas têm formas diversas de encarar e viver no mundo, significa valorizar

e não ignorar um processo natural de construção da identidade das comunidades. Reconhecer a

ancestralidade, trabalhar a partir dos costumes locais, inclusive para transformar algumas culturas

que, comprovadamente podem prejudicar as famílias no caminho de melhores condições de vida,

contribui na amenização dos conflitos e leva em conta a diversidade e o respeito às diferenças.

Muitos agentes e outros profissionais da saúde entrevistados afirmam que mantêm costumes

antigos pelo simples (ou complexo) fato de terem sido passados de geração para geração, mas

reconhecem que as manifestações culturas podem ser consideradas práticas de Saúde pelo simples

fato de existirem e também sugerirem atividades terapêuticas; como exemplo, em Sobral, temos o

Bumba-Meu-Boi e as rezadeira (a Prefeitura organizou em 2002 um encontro com as rezadeiras e

os profissionais da Saúde, o que criou um vínculo de trabalho entre eles). Cultura popular é algo

dinâmico, que envolve de tradições a organizações comunitárias. Acreditam, ainda, na importância

da cultura, mas também na necessidade de sua transformação/mudança quando interfere

negativamente na vida da população. Mas em vários momentos há contradições entre o

pensamento biomédico e o senso comum, e em outros tantos momentos já se utiliza a própria

cultura popular para a mudança de hábitos. A sociedade está em movimento, assim como a cultura

popular, de onde a base do conhecimento teórico é extraído.

APONTAMENTOS

Bom, ressaltamos, aqui, a pertinência desse estudo por alguns motivos, como a constatação de

que a atuação desse profissional (o agente comunitário de saúde) pode contribuir para uma melhor

qualidade de vida nas comunidades onde atua e também pela decisão do governo federal de ter

acatado a necessidade da delimitação do espaço COMUNICAÇÃO nas recomendações à

implantação do Curso Técnico para Agentes Comunitários de Saúde (assunto que tratei na

introdução e no capítulo sobre o próprio Curso Técnico).

Acreditamos na construção de um processo de mobilização, a partir de uma comunicação que

contribua para a circulação dos mais diversos sentidos. A luta é para que a disputa pelos espaços

hegemônicos de fala, de comunicação e de saúde seja mais equilibrada, isto é, que as pessoas 68

Page 69: Comunicação - a base do trabalho do agente comunitário de saúde de Sobral-CE

consigam ter mais possibilidades na repartição do poder de produzir e fazer circular os discursos o

os sentidos da saúde e da sociedade.

Acreditamos que “só se pode falar em comunicação quando se trabalha no sentido de criar

condições para os atores sociais se converterem em atores políticos” (Araújo, 2000). Essa

passagem se dá quando há o reconhecimento da pertinência de seus saberes em temas que lhes

interessem e digam respeito, o acolhimento de suas vozes e discursos, a consideração de suas

propostas.

A questão que se impõe é não só permitir, mas favorecer que venham à tona os outros lados, com

suas mais variadas dimensões e cores; é lutar contra a mão única de referências e quereres. A

comunicação descentralizada, plural, polifônica, está no cerne dessa questão.

Um ponto crucial para que não compactuemos com uma produção comunicacional

homogeneizada, que não contribui para a percepção da diversidade reinante, como pensa o

estudioso Bernardo Toro13, referenciado por Araújo (2000, p. 13), é a associação do imaginário à

paixão: “a forma como a paixão se mobiliza é através de imagens e representações” e os

comunicadores deveriam contribuir “para converter discursos lógicos, metas e propósitos formais

em imaginários que movam a paixão” (Araújo, 2000, p. 13 e 14).

Bom, esse pensamos ser, por agora, o papel de um agente de comunicação – e mais

especificamente o papel desse agente comunitário de saúde: atuar com informações polifônicas,

imaginários e paixão.

O Agente Comunitário de Saúde em geral, mas tratando principalmente do recorte que nesse

trabalho pude dar, isto é, o agente de Sobral, no Ceará, estado primeiro a ser implantado o

Programa dos Agentes de Saúde, tem discutido e constata o poder deste profissional para

contribuir na implementação de políticas públicas, justamente pelo seu contato e imersão na

cultura e comunidades onde atua. Ele é um agente de comunicação; a comunicação para a

mobilização social e qualidade de vida. Agente que pode agir para o respeito às culturas, sabendo

ouvir, se relacionando interpessoalmente com sua comunidade, se envolvendo com a população.

13 TORO, Bernardo. Mobilização e democracia: a construção da América Latina. In: Montoro, Tânia S. (coord.). Comunicação e Mobilização Social. Brasília, DF: UNB, 1996a. p. 26-40. (Série Mobilização Social, v.1)

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