compreender a indisciplina na sala de aula

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Revista Portuguesa de Educação, 2006, 19(1), pp. 5-41 © 2006, CIEd - Universidade do Minho Compreender a (in)disciplina na sala de aula: uma análise das relações de controlo e de poder Maria Preciosa Silva & Isabel Pestana Neves Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Portugal Resumo O estudo faz parte de uma investigação mais ampla que procura compreender a relação entre os comportamentos de (in)disciplina e as práticas pedagógicas dos professores e explorar razões subjacentes a essa relação. Teoricamente, a investigação baseia-se no modelo do discurso pedagógico de Bernstein. O estudo centra-se em quatro casos de alunos, de duas turmas de Ciências da Natureza do 6º ano de escolaridade e tem como objectivos: (1) analisar os comportamentos de (in)disciplina em função da interacção entre as disposições sócio-afectivas e a orientação específica de codificação dos alunos para as relações de controlo e de poder que caracterizam o contexto regulador das práticas pedagógicas dos professores; e (2) avaliar em que medida essa interacção permite explicar diferentes níveis de indisciplina. Os resultados sugerem que os comportamentos de indisciplina em sala de aula são o resultado da interacção entre as disposições sócio-afectivas dos alunos para as práticas dos professores e a sua orientação específica de codificação para as relações de controlo que caracterizam o contexto regulador dessas práticas. Sugerem, também, que orientações específicas de codificação distintas para as relações de poder professor/aluno, podem explicar diferentes níveis de indisciplina. Palavras-chave (In)disciplina; Orientação específica de codificação; Disposições sócio- afectivas; Relações de controlo; Relações de poder; Prática pedagógica 05 Isabel Neves 5-41 04.08.2006 14:37 Página 5

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  • Revista Portuguesa de Educao, 2006, 19(1), pp. 5-41 2006, CIEd - Universidade do Minho

    Compreender a (in)disciplina na sala de aula:uma anlise das relaes de controlo e depoder

    Maria Preciosa Silva & Isabel Pestana NevesFaculdade de Cincias, Universidade de Lisboa, Portugal

    ResumoO estudo faz parte de uma investigao mais ampla que procura compreendera relao entre os comportamentos de (in)disciplina e as prticas pedaggicasdos professores e explorar razes subjacentes a essa relao. Teoricamente,a investigao baseia-se no modelo do discurso pedaggico de Bernstein. Oestudo centra-se em quatro casos de alunos, de duas turmas de Cincias daNatureza do 6 ano de escolaridade e tem como objectivos: (1) analisar oscomportamentos de (in)disciplina em funo da interaco entre asdisposies scio-afectivas e a orientao especfica de codificao dosalunos para as relaes de controlo e de poder que caracterizam o contextoregulador das prticas pedaggicas dos professores; e (2) avaliar em quemedida essa interaco permite explicar diferentes nveis de indisciplina. Osresultados sugerem que os comportamentos de indisciplina em sala de aulaso o resultado da interaco entre as disposies scio-afectivas dos alunospara as prticas dos professores e a sua orientao especfica de codificaopara as relaes de controlo que caracterizam o contexto regulador dessasprticas. Sugerem, tambm, que orientaes especficas de codificaodistintas para as relaes de poder professor/aluno, podem explicar diferentesnveis de indisciplina.

    Palavras-chave(In)disciplina; Orientao especfica de codificao; Disposies scio-afectivas; Relaes de controlo; Relaes de poder; Prtica pedaggica

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  • IntroduoUm dos assuntos que emerge frequentemente da conversa entre

    professores o da indisciplina. Trata-se de um assunto que preocupa no sos professores em incio de carreira, mas tambm aqueles que tm j umavasta experincia de ensino. Os primeiros, pelos relatos que vo ouvindo deoutros professores, temem no saber gerir possveis incidentes que surjamnas suas aulas. Os outros, porque j se confrontaram com situaes cujodesfecho final no foi bem sucedido, temem enfrentar situaes idnticas. Seeste assunto preocupa tanto os professores e se sobre ele j se desenvolveuuma vasta investigao, por que razo tm os professores tanta dificuldadeem encontrar solues para este problema? Provavelmente, muitosprofessores desconhecem grande parte da investigao que se faz nestedomnio e alguns dos que a conhecem, possivelmente, no lhe reconhecem adevida utilidade. Trata-se de um problema ao nvel da formao deprofessores, em que as fronteiras entre a investigao e a intervenocontinuam fortemente marcadas.

    De acordo com vrios autores (por exemplo, Amado, 2000), a soluodeve estar mais na preveno do que na correco. Mas como que se podeprevenir quando no se sabe como actuar convenientemente? No s parauma resoluo correcta das situaes de indisciplina, como tambm para asua preveno importante os professores conhecerem os meios de anliseque a investigao lhes pode proporcionar.

    O estudo apresentado neste artigo, usando conceitos fornecidos pelateoria de Bernstein (1990, 2000), procura dar um contributo nesse sentido. Elefaz parte de uma investigao mais ampla (Silva, 2002) em que se procurouanalisar, segundo uma perspectiva sociolgica, a relao entre a (in)disciplinae a prtica pedaggica dos professores no contexto da aula de cincias e asrazes subjacentes a essa relao. Nessa investigao verificou-se que a(in)disciplina parecia estar relacionada com a posse, por parte dos alunos, daorientao especfica de codificao para a vertente reguladora da prticapedaggica das professoras e com as disposies scio-afectivas para essaprtica (Silva, 2002; Silva & Neves, 2004). No presente estudo, procura-seaprofundar estes resultados, analisando os comportamentos de (in)disciplinade alguns alunos, em termos de interaco entre a orientao especfica decodificao para as relaes de controlo e de poder professor/aluno, no

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  • contexto regulador da prtica pedaggica do professor, e as disposiesscio-afectivas para essa mesma prtica. De acordo com este objectivo,estabeleceram-se as seguintes questes de investigao: a) analisar em quemedida os comportamentos de (in)disciplina reflectem a interaco entre aorientao especfica de codificao para as relaes de controloprofessor/aluno, que caracterizam o contexto regulador da prticapedaggica, e as disposies scio-afectivas para essa prtica e b) analisarem que medida diferentes nveis de indisciplina reflectem a interaco entre aorientao especfica de codificao dos alunos para as relaes de poderprofessor/aluno, que caracterizam igualmente o contexto regulador da prticapedaggica, e as disposies scio-afectivas para essa prtica.

    Enquadramento tericoQuando se fala em indisciplina nem sempre se fala do mesmo. Para

    alguns professores, quando um aluno entra na sala de aula com o bon nacabea ou a mascar pastilha elstica considerado indisciplinado, enquantoque para outros professores no . Estes diferentes entendimentos resultampossivelmente de, nalguns casos, a indisciplina se reportar aoscomportamentos e noutros s significaes. Talvez, tambm por isso, aindisciplina aparea definida de forma muito variada na literatura (Amado,1998; Durkheim, 1984; Estrela, 1992; Magalhes, 1992; Silva, Nossa &Silvrio, 2000).

    No presente estudo, considerou-se indisciplina na sala de aula como amanifestao de actos/condutas, por parte dos alunos, que tm subjacentesatitudes que no so legitimadas pelo professor no contexto regulador da suaprtica pedaggica e, consequentemente, perturbam o processo normal deensino-aprendizagem. Neste sentido, os actos e condutas manifestados pelosalunos e legitimados pelo professor, no contexto regulador da sua prticapedaggica, so tomados como comportamentos de disciplina, enquanto queos actos e condutas no legitimados pelo professor, no contexto regulador dasua prtica pedaggica, so tomados como comportamentos de indisciplina. de salientar que, no mbito do enquadramento terico deste estudo, aprtica pedaggica entendida como uma determinada modalidade de cdigopedaggico, ou seja, como uma determinada forma de institucionalizao daorientao elaborada da escola, que pode ser caracterizada,

    7Compreender a (in)disciplina na sala de aula

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  • sociologicamente, com base numa descrio pormenorizada das relaes depoder (classificao) e de controlo (enquadramento) que definem oscontextos instrucional e regulador da sala de aula. O contexto instrucional dizrespeito ao conjunto de conhecimentos e competncias cognitivasdirectamente ligadas com uma dada disciplina ou rea disciplinar, enquantoque o contexto regulador diz respeito ao conjunto de valores, atitudes enormas de conduta que caracterizam os processos de interaco social nasala de aula. Em termos globais, prticas pedaggicas caracterizadas porclassificaes e enquadramentos fortes correspondem a prticas didcticas,centradas no transmissor, enquanto que prticas pedaggicas caracterizadaspor classificaes e enquadramentos fracos correspondem a prticas auto-reguladoras, centradas no aquisidor; entre estes dois tipos extremos possvel haver modalidades de prtica mista que, nalgumas relaes, socaracterizadas por classificaes e/ou enquadramentos fortes e, noutrasrelaes, por classificaes e/ou enquadramentos fracos.

    Segundo Bernstein (1990, 2000), para que um aluno revele umdesempenho apropriado num contexto especfico (instrucional ou regulador)da prtica pedaggica, necessria a aquisio das regras dereconhecimento e de realizao para esse contexto, ou seja, necessrio aaquisio da orientao especfica de codificao para esse contexto (Figura1). A posse das regras de reconhecimento permite fazer a distino entrecontextos atravs da identificao das caractersticas especficas de um dadocontexto, enquanto a posse das regras de realizao cria os meios para aseleco dos significados apropriados ao contexto (realizao passiva) e paraa produo do texto legtimo (realizao activa).

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  • Figura 1 - Orientao especfica de codificao, disposies scio-afectivas e desempenho do aluno em contextos especficos de sala de

    aula (Adaptado de Morais & Antunes, 1993)

    de salientar que, de acordo com o esquema apresentado, quando seconsidera o desempenho dos alunos em termos de comportamentos de(in)disciplina, esse desempenho est a ser analisado em funo da orientaoespecfica de codificao para o contexto regulador da prtica pedaggica emsala de aula. Dado que contextos reguladores especficos da prticapedaggica podem diferir nas relaes de controlo e nas relaes de poderque caracterizam as interaces professor/aluno em sala de aula, poder-se-apreciar a orientao especfica de codificao dos alunos para o contextoregulador da prtica pedaggica em funo de cada um dos dois tipos derelaes (controlo e poder). Nesta perspectiva de anlise, para que os alunosrevelem um desempenho legtimo num determinado contexto regulador (isto, sejam disciplinados) devero possuir a orientao especfica de codificaopara as relaes de controlo que caracterizam esse contexto. Isto significaque os alunos devero ter regras de reconhecimento que lhes permitamreconhecer as relaes de controlo que esto presentes na prtica reguladorado seu professor; significa tambm que devero ter regras de realizao quelhes permitam, no s seleccionar, como significados apropriados prticareguladora especfica do professor, as atitudes e condutas legitimadas nessaprtica (realizao passiva), como actuar em conformidade com essasatitudes e condutas (realizao activa). Se os alunos no possurem, numgrau mnimo, estas regras, significa que no tm a orientao especfica de

    9Compreender a (in)disciplina na sala de aula

    REGRAS DE REALIZA O

    Seleco de Produo significados textual (realizao passiva) (realizao activa)

    ORIENTAO ESPEC FICA DE CODIFICA O DISPOSI ES SCIO-AFECTIVAS

    REGRAS DE

    RECONHECIMENTO

    GOSTO ASPIRA ES E

    VALORES

    DESEMPENHO DO ALUNOComportamentos de

    (in)disciplina

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  • codificao para as relaes de controlo que caracterizam o contextoregulador em causa e, na ausncia desta, podero revelar-se indisciplinados.Contudo, os alunos podero possuir a orientao especfica de codificao eserem igualmente indisciplinados, pois, como tambm evidenciado nomodelo da figura 1, o desempenho num determinado contexto mediadopelas disposies scio-afectivas. Esse desempenho resulta da interacoentre a orientao especfica de codificao e as disposies scio-afectivas.As disposies scio-afectivas correspondem a algo que intrnseco aoindivduo e que tem a ver com a sua motivao e predisposio para produziro texto requerido num determinado contexto. Ter disposies scio-afectivasfavorveis num determinado contexto significa ter gosto e/ou aspiraes evalores para as relaes legitimadas nesse contexto. Assim, mesmo que osalunos tenham, no contexto regulador da prtica pedaggica, a orientaoespecfica de codificao para as relaes de controlo professor/aluno, se nogostarem da prtica (instrucional e/ou reguladora) do professor e no tiveremaspiraes e valores para o texto (instrucional e/ou regulador) requerido pelaescola/professor, podero ser igualmente indisciplinados.

    Em sntese, a indisciplina em sala de aula, considerada na perspectivado nosso modelo de anlise (Figura 1), poder resultar da ausncia deorientao especfica de codificao para as relaes de controloprofessor/aluno, que caracterizam o contexto regulador da prticapedaggica, e/ou de disposies scio-afectivas favorveis para essa prtica.Contudo, como refere Amado (1998, 2000, 2001), podem existir diferentesnveis de indisciplina. Segundo este autor podem ser definidos trs nveis. Oprimeiro, que intitula de "desvios s regras de produo", abrange osincidentes a que imputado um carcter "disruptivo" por causarem"perturbao" ao bom funcionamento da aula. O segundo nvel, "conflitointerpares", contempla os incidentes que traduzem essencialmentedificuldades de relacionamento entre os alunos, podendo tambm traduzir-seem fenmenos de "violncia" e "bullying". Finalmente, o terceiro nvel,"conflitos da relao professor/aluno", inclui os comportamentos que, dealgum modo, pem em causa o poder e o estatuto do professor, abrangendotambm a violncia e o vandalismo contra a propriedade da escola.

    Segundo Crozier e Friedberg (1977), o exerccio do poder no umexerccio solitrio, pois o carcter relacional do poder implica sempre a

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  • possibilidade de negociao e de adaptao dos actores envolvidos nessarelao. Deste modo, mesmo numa relao fortemente assimtrica edesigual, como a relao entre professor e alunos, nenhum actor estcompletamente desprovido de poder. Isto significa que tambm os alunosdispem de uma pequena parcela de poder, embora esta seja, sobretudo, denatureza informal, j que se trata de um poder que no legitimado nem pelainstituio-escola, nem pela sociedade.

    Diversas investigaes tm-se debruado sobre a questo do poderinformal dos alunos e as diferentes formas de o porem em prtica (Delamont,1987; Woods, 1987). Este poder informal um poder de grupo que estdirectamente relacionado com o nmero de alunos que so mobilizadoscontra o professor. De acordo com Delamont (1987), "Para ter poder, umaluno necessita de auxlio dos amigos" (p. 89). Assim, quanto maior for onmero de alunos envolvidos numa dada situao, mais reduzidas sero asassimetrias criadas pelas relaes de poder professor/aluno.

    De acordo com o modelo de que partimos, os diferentes nveis deindisciplina, anteriormente referidos, podero ser perspectivados em funoda interaco entre a orientao especfica de codificao para as relaes depoder professor/aluno, que caracterizam o contexto regulador da prticapedaggica, e as disposies scio-afectivas para essa prtica1. Assim, umaluno com comportamentos de indisciplina, que no tenha a orientaoespecfica de codificao para as relaes de poder professor/aluno poderestar apenas envolvido em incidentes correspondentes aos dois primeirosnveis de indisciplina. O facto de no reconhecer que existe uma assimetriade poder entre professor e alunos e/ou no saber como pode esbater estaassimetria de poder, impede-o de voluntariamente afrontar o professor, ouseja, impede-o de revelar comportamentos que, de algum modo, possam prem causa o poder e o estatuto do professor. O seu comportamentoindisciplinado poder ser apenas reflexo da ausncia de orientao especficade codificao para as relaes de controlo professor/aluno e/ou dedisposies scio afectivas favorveis para a prtica pedaggica do professor.Contudo, se um aluno com disposies scio-afectivas desfavorveis para aprtica pedaggica do professor, possuir a orientao especfica decodificao para as relaes de poder professor/aluno, ele poder envolver-se em incidentes que pem em causa o poder e o estatuto do professor(terceiro nvel de indisciplina).

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  • MetodologiaA perspectiva metodolgica que orientou o estudo foi de natureza

    compreensiva-interpretativa. Foi usada uma linguagem externa de descrioderivada da linguagem interna de descrio desenvolvida por Bernstein(1990, 2000), isto , recorreu-se a uma metodologia baseada numa relaodialctica entre o terico e o emprico de modo a que as preposies tericas,a linguagem externa de descrio e a anlise emprica interagissem entre si.

    Sujeitos do estudoPara este estudo foram seleccionados 4 alunos de duas turmas do 6

    ano de escolaridade: 3 alunos de uma das turmas (X) e 1 aluno da outra turma(Y). Estas turmas, que foram objecto de anlise na investigao mais amplaem que o presente estudo se integra (Silva, 2002), foram leccionadas, nadisciplina de Cincias da Natureza, por diferentes professoras. As prticaspedaggicas das duas professoras revelaram-se bastante diferentes. Aprofessora da turma X usava uma prtica que se aproximava de um modelodidctico, ou seja, uma prtica mais centrada no professor, enquanto aprofessora da turma Y usava uma prtica que traduzia um modelo de prticamista, mais centrada no aluno2. As duas turmas revelaram-se bastantediferentes em termos de comportamento. Os alunos da turma X eramglobalmente muito indisciplinados na aula de Cincias da Natureza, enquantoos alunos da turma Y revelaram-se globalmente disciplinados, apesar de, noano anterior investigao, ambas as turmas, leccionadas pela professora daturma X, terem sido consideradas muito indisciplinadas nesta disciplina.

    Com a seleco dos quatro alunos, pretende-se ilustrar casosrepresentativos de alunos disciplinados de ambas as turmas e de alunosindisciplinados, envolvidos em incidentes que traduzissem nveis diferentesde indisciplina. Dos 3 alunos da turma X, dois foram considerados, pelaprofessora de Cincias, bastante indisciplinados, enquanto o outro foiconsiderado disciplinado. O aluno da turma Y era disciplinado, embora, noano anterior, tivesse estado envolvido em inmeros incidentes disciplinares.

    Aspectos metodolgicos geraisDe acordo com os objectivos deste estudo era necessrio saber se os

    alunos tinham, para o contexto regulador da prtica pedaggica das

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  • professoras, a orientao especfica de codificao para as relaes decontrolo e para as relaes de poder professor/aluno e quais as disposiesscio-afectivas dos alunos para a prtica das suas professoras. Para o efeito,foi preciso, por um lado, verificar se, para o contexto regulador da prticapedaggica, os alunos reconheciam as relaes de controloprofessora/alunos, se tinham as regras de realizao para essas relaes,quais as suas disposies scio-afectivas para a prtica pedaggica das suasprofessoras e quais as caractersticas sociolgicas dessas prticas. Por outrolado, foi tambm necessrio verificar, para o contexto regulador da prticapedaggica, se os alunos reconheciam as relaes de poder professora/alunoe se sabiam actuar de modo a enfraquecerem essas relaes.

    Por forma a caracterizar a prtica pedaggica das professoras econhecer o desempenho dos alunos, em termos de comportamentos de(in)disciplina, recorreu-se anlise dos dados provenientes da observao deaulas de Cincias da Natureza das duas turmas a que pertenciam os alunos.Para a caracterizao das prticas pedaggicas, foram construdosinstrumentos que contemplavam relaes tanto ao nvel do contextoregulador, como ao nvel do contexto instrucional3. Para conhecer aorientao especfica de codificao dos alunos para o contexto regulador daprtica pedaggica, quando se considera esse contexto em termos dasrelaes de controlo professor/aluno, e tambm para conhecer as disposiesscio-afectivas dos alunos para a prtica pedaggica das professoras, foiaplicado, numa primeira fase, um questionrio a todos os alunos das duasturmas e depois, numa segunda fase, foi efectuada uma entrevista semi-estruturada aos quatro alunos deste estudo4. Relativamente ao questionrio,as questes que se destinavam a obter dados sobre o reconhecimento dasrelaes de controlo professor/aluno estavam orientadas no sentido de osalunos, perante incidentes crticos de indisciplina observados nas aulas eperante diferentes modalidades de prtica pedaggica, representados embanda desenhada5, identificarem respectivamente: (1) o tipo de controlo maisfrequentemente utilizado pela sua professora; (2) a modalidade de prticareguladora que mais se assemelhava da sua professora. As questes quevisavam obter dados sobre as regras de realizao centravam-se tambm emincidentes observados nas aulas e representados em banda desenhada, masestavam orientadas no sentido de os alunos identificarem as atitudes maislegitimadas pela professora no contexto regulador da sua prtica. Finalmente,

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  • para conhecer as disposies scio-afectivas dos alunos para a prticapedaggica das suas professoras, solicitou-se que indicassem, justificando,entre vrias modalidades de prtica pedaggica, tambm representadas embanda desenhada, as que mais gostavam, fazendo-se depois a comparaocom o tipo de prtica da respectiva professora, que havamos previamentecaracterizado, com base na observao das suas aulas.

    Relativamente entrevista, as questes que a orientaram servirampara consolidar/aprofundar os dados respeitantes orientao especfica decodificao para as relaes de controlo professora/aluno, presentes nocontexto regulador da prtica pedaggica e os dados respeitantes sdisposies scio-afectivas; serviram, tambm, para analisar, quanto aocontexto regulador, a orientao especfica de codificao dos alunos para asrelaes de poder professora/aluno. De salientar que, para esta entrevista, sedefiniram primeiro as questes a abordar e, em seguida, construiu-se umguio com essas questes. Depois, fez-se a pilotagem da entrevista a fim dese identificar a eficcia das questes, relativamente aos objectivos previstos,e introduziram-se as alteraes necessrias.

    Quatro casos de alunosOs quatro alunos considerados neste estudo evidenciaram uma forma

    de estar na sala de aula muito diferente. Dois revelaram, com grandefrequncia, comportamentos de indisciplina, enquanto os outros dois secomportaram de acordo com o que era legitimado no contexto regulador daprtica da sua professora, ou seja, revelaram-se disciplinados. De entre osque foram considerados indisciplinados, verificou-se que os tipos decomportamentos que manifestaram eram muito diferentes. Um destes alunos,embora indisciplinado, apenas se envolveu em incidentes relacionados com odesrespeito pelas regras de funcionamento da aula, enquanto o outro, paraalm de se envolver neste tipo de incidentes, revelou, sobretudo,comportamentos que visavam atingir premeditadamente a autoridade e oestatuto da professora. A anlise dos quatro casos, tem como principalobjectivo sugerir, no mbito do quadro terico utilizado, hipteses explicativasda ocorrncia de comportamentos de disciplina e de indisciplina e damanifestao de diferentes graus de indisciplina.

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  • O caso do MarcoO Marco era aluno da turma indisciplinada (turma X) e tinha, no

    momento da recolha dos dados deste estudo, 14 anos. Era muitoindisciplinado e acumulava j trs repetncias, tendo a primeira ocorrido no 4ano de escolaridade e as outras duas no 5 ano. Vivia juntamente com a me,uma irm e o padrasto, numa zona da periferia da cidade de Lisboa. Opadrasto era servente de pedreiro e estava, na altura em que contactmos oMarco, desempregado. A me trabalhava como embaladora numa pequenaempresa e a irm, de apenas 10 anos, era estudante. Quanto ao pai biolgicodo Marco constatou-se que este no mantinha qualquer relacionamento como filho. O Marco dizia mesmo que no o conhecia. As habilitaes acadmicasdo agregado familiar do aluno eram baixas. A me frequentou o ensinopreparatrio, mas no o completou e o padrasto tinha apenas o 2 ano deescolaridade.

    O desempenho deste aluno, a nvel do contexto regulador, erafrequentemente ilegtimo, ou seja, era um aluno frequentementeindisciplinado. Era o lder da turma e a sua influncia sobre os colegas erabastante notria. Para alm de no cumprir as indicaes dadas pelaprofessora como, por exemplo, passar o que estava escrito no quadro oufazer as tarefas solicitadas, afrontava-a frequentemente e, por vezes, chegoumesmo a amea-la e a insult-la. Levantava-se constantemente para falarcom os colegas ou ento para lhes tirar objectos. Era, geralmente, ele queenviava mensagens para os colegas no sentido destes actuarem de acordocom o plano que concebera. No entanto, por vezes, assumia o papel de"aluno bem comportado", mostrando-se atento e interessado. Sempre que istoacontecia, logo de seguida, comeava a denunciar os colegas, dizendo queestavam a fazer "isto" ou "aquilo" e que dessa forma no conseguia estaratento. Implorava mesmo que a professora actuasse junto dos colegas. claro que toda esta encenao fazia parte de uma estratgia que elecombinara com os colegas. Veja-se a seguinte situao ocorrida numa dasaulas observadas:

    A professora questiona os alunos acerca da grande circulao [circulaosangunea] e, nessa sequncia, faz uma pergunta ao Marco que parecia estaratento. Ele tenta responder, mas logo de seguida diz, "no me consigoconcentrar! Olha ali uma revista pornogrfica! Voc no v as revistas que elestm ali?". Perante a denncia do aluno, a professora interveio dizendo para um

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  • dos alunos que suspeitou estar na posse da revista "Vou chamar a empregada. falta de respeito. Tu tens falta de respeito, tenho que te mandar...". Estavalanado o caos. Ningum assumia ser o dono da revista e esta passava de unsalunos para os outros sem que a professora a conseguisse reter. Por fim umaluno atirou-a pela janela.

    Pelo que se observou, este incidente no ocorreu por acaso; o Marcoactuou premeditadamente, prevendo o que iria suceder.

    Segundo a classificao que Amado (1998, 2000, 2001) faz dos actosde indisciplina, admite-se que o comportamento do Marco, no decorrer dasaulas observadas, se manifestou nos trs nveis de indisciplina propostos,tendo-se mesmo verificado um predomnio de actos correspondentes aoterceiro nvel, j que a sua actuao estava muito virada para a afronta daprofessora.

    De acordo com o modelo de anlise utilizado, verificou-se, a partir daresposta ao questionrio, que este aluno identificou claramente o tipo decontrolo mais frequentemente utilizado pela sua professora e seleccionou, deentre diferentes modalidades de prtica reguladora, representadas em bandadesenhada, a que mais se assemelhava da sua professora. Deste modo,considerou-se que o aluno reconhecia, para o contexto regulador da prticapedaggica, as relaes de controlo professora/aluno (possua as regras dereconhecimento). Verificou-se tambm, a partir da anlise da entrevista, queo Marco foi capaz de identificar as atitudes e condutas que eram legitimadaspela professora no contexto regulador da sua prtica. Por exemplo, perante aquesto: "Como que se devem comportar para que a vossa professora deCincias os considere bem comportados?", o aluno respondeu "[...] estarmoscalados, falarmos na nossa vez, s sairmos do lugar quando a stora derautorizao, no interromper a aula, no prejudicarmos a aula... no comeara falar com os outros colegas coisas sem ser da aula". Atendendo a que aprofessora utilizava apenas um mtodo expositivo, assumindo o aluno umpapel passivo, onde as atitudes mais valorizadas eram a obedincia professora e s regras, esta resposta do aluno sugere que ele possua, parao contexto regulador da prtica pedaggica, as regras de realizao passivapara as relaes de controlo professor/aluno. Contudo, a sua conduta na aulaera bastante diferente da que referiu, o que levaria a supor que isso ou sedevia falta de regras de realizao activa para actuar de acordo com as

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  • relaes de controlo que caracterizavam o contexto regulador da prticapedaggica da sua professora e/ou falta de disposies scio-afectivasfavorveis para essa prtica.

    Pensando que o Marco, na primeira aula assistida, teve umdesempenho que correspondeu ao que disse que deveria ser ocomportamento dos alunos naquela aula e pensando tambm que, noutrasaulas, durante algum tempo, ele assumiu essa conduta, admite-se que oaluno tinha a realizao activa para as relaes de controlo professora/aluno.Assim, uma vez que o aluno possua, para o contexto regulador da prticapedaggica da sua professora, as regras de reconhecimento e as regras derealizao para as relaes de controlo professor/aluno, isso significa quepossua, para o contexto em anlise, a orientao especfica de codificao.Contudo, em relao s disposies scio-afectivas, os dados do questionrioindicam que este aluno no gostava da prtica da sua professora, j querespondeu ter preferncia por uma prtica que continha caractersticasopostas s caractersticas observadas na prtica pedaggica da suaprofessora (caracterizada, globalmente, por enquadramentos fortes). Estesdados so confirmados na entrevista, quando, perante a questo "Gostas daforma como a professora se relaciona convosco?", o aluno diz:

    "No meu caso no gosto. Eu fao qualquer coisinha e ela comea logo aosgritos comigo, comea-me logo a ameaar que me manda para a rua, que memanda logo para conselho disciplinar, que me vai pr uma participao em cima[...] A minha disciplina preferida Cincias. O que est l a estragar tudo aprofessora. Esta stora que eu tenho apanhei-a duas vezes e nos outros anosapanhei outras storas que eram excelentes [...]".

    Alm do Marco no gostar da prtica pedaggica da professora,tambm foi perceptvel, pelas conversas que se manteve com o aluno e coma sua directora de turma, que no existia na famlia uma valorizao dodiscurso da escola. Por exemplo, o facto do Marco ser indisciplinado emalgumas disciplinas no constitua um factor de preocupao por parte do seuencarregado de educao. Para este, o Marco estava na escola porque aescolaridade era obrigatria, mas no ano seguinte todos os problemasestariam solucionados porque iria trabalhar. Segundo Neves e Morais (1993)as relaes sociais que se estabelecem no seio da famlia, particularmenteentre o pai e a me e tambm entre os pais e os filhos, representam umaprtica reguladora implcita e tcita, atravs da qual os filhos se apercebem

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  • de mltiplas relaes sociais que so valorizadas na famlia/comunidade.Assim sendo, tambm a desvalorizao que a famlia do Marco fazia daescola acabava por ser percepcionada por ele, podendo conduzir ausnciade aspiraes/valores para o texto regulador exigido pela prtica daprofessora, o que se reflectiria nas suas disposies scio-afectivas. Comefeito, se o aluno no gostava da prtica pedaggica da professora e,simultaneamente, no tinha aspiraes e valores relacionados com o discursoda escola, as suas disposies scio-afectivas para a prtica pedaggica daprofessora seriam fortemente desfavorveis. Assim, o desempenho ilegtimodo Marco parece resultar do facto das suas disposies scio-afectivas paraa prtica pedaggica da professora serem desfavorveis, j que possua aorientao especfica de codificao para as relaes de controloprofessor/aluno que caracterizavam o contexto regulador da prtica da suaprofessora.

    Isto pode constituir uma razo explicativa do comportamento deindisciplina deste aluno. No entanto, por que razo os seus comportamentosreflectiam um nvel de indisciplina superior ao dos colegas? Emborareconhecendo o poder legtimo da professora, o Marco tentava subvert-lo.Como se pode ilustrar, atravs resposta que deu na entrevista questo "Porque que os alunos tinham um mau comportamento na aula de Cincias daNatureza", ele mostra que reconhecia, para o contexto regulador da prticapedaggica, as relaes de poder professora/alunos:

    "Gostam de ver a professora irritada com os alunos. Muitas vezes no estamossatisfeitos com as atitudes dela [professora] e depois a gente no pode fazernada, a stora tem sempre razo, ento desta forma que a gente faz. A stora que manda, depois s vezes a gente no fica l muito contente dela fazeralgumas coisas, como no podemos fazer nada, fazemos isso [...] a gentenumas aulas temos respeito, quela [professora] no temos respeito nenhum[...]".

    Na verdade, s na posse deste reconhecimento que se justifica queo aluno diga "a stora que manda [...] como no podemos fazer nada,fazemos isso". Alm disso, perante a questo "Se vocs quiserem, achas queconseguem impedir que a professora de Cincias concretize o que tinhaprevisto fazer na aula?", ele diz:

    "Sim, se a gente se combinar e se tiverem de acordo, basta entrarem 4 ou 5,pronto, para estragarem uma aula, ou at, se for preciso, trs. Se for um no

    18 Maria Preciosa Silva & Isabel Pestana Neves

    05 Isabel Neves 5-41 04.08.2006 14:37 Pgina 18

  • causa nada, agora se forem trs a stora no tem a certeza de quem , nopode mandar para a rua porque no sabe quem [para impedir que aprofessora d a aula], gritamos, mandamos papeis, metemos papelinhos dentroda caneta e mandamos. Mandamos as borrachas contra os estores. O Ricardobate porta, a stora vai l mas no v ningum e volta para trs [...]. Quantomais, melhor!"

    Isto revela que o Marco tambm sabe como pode proceder paraenfraquecer as relaes de poder professor/aluno. O aluno tem conscinciaque, atravs de uma actuao em grupo, consegue aumentar o seu poderinformal e consequentemente diminuir o da professora, o que denota que temas regras de realizao para o enfraquecimento das relaes de poderprofessor/aluno que definem o contexto regulador da prtica pedaggica.

    Em sntese, uma vez que o Marco revelou ter, para o contextoregulador da prtica pedaggica da professora, a orientao especfica decodificao para as relaes de controlo professor/aluno, o seu desempenhoilegtimo parece ser o resultado da ausncia de disposies scio-afectivasfavorveis para a prtica pedaggica da professora. Por outro lado, o nvel deindisciplina em que se enquadravam grande parte dos seus actos (terceironvel) parece ser o resultado dele reconhecer, no contexto regulador daprtica pedaggica, as relaes de poder professor/aluno e actuar de modo aenfraquecer essas relaes, ou seja, parece ser o resultado de ter aorientao especfica de codificao para as relaes de poderprofessor/aluno, associado ao facto de ter disposies scio-afectivasdesfavorveis para a prtica pedaggica da professora.

    O caso do RicardoO Ricardo era tambm um aluno da turma X considerado, pela

    professora, como muito indisciplinado. Tinha, na altura da recolha dos dados,14 anos e contava j com duas reprovaes, uma no 4 ano e outra no 5 anode escolaridade. Vivia com o pai, a me e um irmo mais velho, de 21 anos,que era na altura estudante universitrio. O pai trabalhava como motorista,enquanto a me era empregada domstica, sendo as habilitaesacadmicas de ambos, respectivamente, 5 ano do liceu e 4 classe.

    O Ricardo era um aluno muito instvel, variando frequentemente a suaconduta. Adorava conversar e distraa-se com grande facilidade, j que se

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  • deixava envolver, pelos colegas, nas sucessivas brincadeiras que planeavam.De um modo geral, era o lder da turma (o Marco) que o instigava a participarnas diversas situaes ilegtimas que planeavam. Contudo, a sua conduta, aocontrrio da de outros colegas, no se pautava pela agressividade com aprofessora. Do que se observou, em vrios momentos da aula, ele assumia opapel de "palhao". Levantava-se sem autorizao da professora, iaconversar com os colegas e durante o trajecto aproveitava para fazer"palhaadas". Quando estava sentado encontrava-se sistematicamente aconversar com o colega do lado e, quando este no estava, aproveitava paraconversar com os colegas da frente. Raramente estava atento ao que aprofessora dizia e tambm muito raramente passava o que era escrito noquadro ou colaborava no que lhe era solicitado. Alm disso, envolvia-se emdiscusses com os colegas que, algumas vezes, terminaram em agresses,no s verbais, como fsicas. Contudo, de referir que, apesar dodesempenho deste aluno ser frequentemente ilegtimo, tinha caractersticasdiferentes do desempenho do Marco. A actuao do Marco estava muitovirada para a afronta da professora, ou seja, toda a sua conduta visava atingi-la, enquanto que a conduta do Ricardo estava mais associada acomportamentos que perturbavam o funcionamento da aula e provocavam odisfuncionamento das relaes com os seus colegas. De acordo com aclassificao que Amado (1998, 2000, 2001) faz dos actos de indisciplina,poder-se- pensar que o comportamento do Ricardo se integrava nos primeiroe segundo nveis.

    De acordo com os dados obtidos atravs do questionrio, verificou-seque este aluno identificava, globalmente, as caractersticas do contextoregulador da prtica pedaggica da sua professora, assim como o tipo decontrolo mais frequentemente utilizado por esta, fazendo supor quereconhecia, para este contexto, as relaes de controlo professora/aluno.Contudo, e ainda de acordo com o questionrio, verificou-se que o Ricardopossua, em grau baixo, a realizao passiva para as relaes de controloprofessor/aluno, dado que no conseguiu seleccionar todos os significadosconsiderados relevantes no contexto regulador da prtica pedaggica daprofessora. Na entrevista, quando se perguntou "Como que teriam de secomportar para que a professora os considerasse bem comportados?", eledisse:

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  • "Estarmos calados, fazermos as coisas que a stora manda, no falarmos todosao mesmo tempo quando a stora faz uma pergunta, levantar o dedo no ar ouento pedir licena para fazer uma pergunta, [...] quando queremos falar comum colega pedir autorizao stora [...]".

    Esta resposta sugere que o Ricardo seleccionou alguns dossignificados associados ao contexto regulador da prtica da sua professora.Contudo, o facto de o aluno referir que "Eu quase que no fao essasbrincadeiras, eu o que fao quando a aula de Cincias est uma secaagarro, fao um desenho [] ou ento fico a falar com o meu colega", apesarde ter sido muito evidente, na observao das aulas desta professora, que aconversa entre alunos no era permitida, mostra que ele no foi capaz deseleccionar todos os significados atribudos pela professora ao contextoregulador da sua prtica pedaggica. Assim, considera-se que o alunopossua, num grau baixo, as regras de realizao passiva para as relaes decontrolo professor/aluno. Quanto s regras de realizao activa para asmesmas relaes, se se atender, por um lado, ao desempenhofrequentemente ilegtimo revelado pelo aluno e, por outro lado, ao baixo graude realizao passiva, lcito pensar que o grau de realizao activaalcanado seria tambm muito baixo. Deste modo, apesar de se considerarque o aluno tinha as regras de reconhecimento, como os dados sugeremnveis baixos de realizao (passiva e activa), admite-se que no possua aorientao especfica de codificao para a prtica reguladora, quando seconsideram as relaes de controlo professor/aluno.

    Relativamente s disposies scio-afectivas de referir que oRicardo no gostava da prtica da professora. Os dados do questionriomostram que ele preferia uma prtica caracterizada por enquadramentosfracos ao nvel dos contextos instrucional e regulador, contrariamente ao quese observava na prtica da sua professora (caracterizada globalmente porenquadramentos fortes). Quando, face a vrias modalidades de prticapedaggica, representadas em banda desenhada, se perguntou ao aluno dequal que gostava mais, ele respondeu: "Gostava que fosse como aprofessora do Andr [prtica reguladora de enquadramento fraco] porqueassim no gritava e os alunos no ficavam to agitados [...]" e "gostava maisda aula da Jacinta [prtica instrucional de enquadramento fraco] porque assimaprendia mais matria e outras coisas [...] ao mesmo tempo que estava

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  • descontrado aprendia mais coisas de cincias". O desfasamento entre o tipode prtica que dizia gostar e a que recebia poderia ter contribudo para que assuas disposies scio-afectivas para a prtica pedaggica da professorafossem desfavorveis. No entanto, na entrevista, diz "[..] mesmo que no segoste da stora, ns no podemos escolher a stora, o que a minha me diz,no tens que gostar da stora, s tens que estudar para teres uma nota parapassares". Isto indica que havia uma valorizao da escola por parte dafamlia do Ricardo, (o que no surpreendente j que tinha um irmo quefrequentava o ensino superior) e tal valorizao pode justificar a posse dealgumas aspiraes e valores no sentido do que legitimado pelaprofessora/escola. Assim, o facto do Ricardo no gostar da prticapedaggica da professora, mas poder ter algumas aspiraes para o textorequerido pela escola/prtica, leva a admitir que as disposies scio-afectivas seriam globalmente favorveis.

    Atendendo anlise efectuada, considera-se que o desempenhoilegtimo do Ricardo se poderia dever, entre outros factores, ausncia deorientao especfica de codificao para as relaes de controloprofessor/aluno, no contexto regulador da prtica pedaggica.

    de sublinhar que apesar deste aluno ser indisciplinado, os seuscomportamentos, como foi referido anteriormente, integram-se apenas nos 1e 2 nveis de indisciplina, no se observando comportamentos integrados no3 nvel. Uma possvel justificao para isso prende-se, possivelmente, com ofacto deste aluno no ter, para o contexto regulador da prtica pedaggica, aorientao especfica de codificao para as relaes de poderprofessor/aluno. Quando, na entrevista, diz "O poder do professor quandoum professor forte e no tem medo de nada. Tem poder sobre a turma e aturma respeita-o. Acho que esta professoa no tem poder nenhum [...]", oRicardo revela no reconhecer as relaes de poder professor/aluno. Poroutro lado, quando diz "Diziam-me [os colegas] para atirar com isto, fazerbarulho, andar a correr [...]. Fazemos estas brincadeiras em grupo, no sei ,mas s vezes por causa da aula estar mesmo chata, chata, no ter interessee assim fica mais divertida", evidencia que no tem as regras de realizaopara enfraquecer essas relaes de poder.

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    05 Isabel Neves 5-41 04.08.2006 14:37 Pgina 22

  • O caso do TiagoO Tiago, tambm aluno da turma indisciplinada (turma X), era muito

    bem comportado. Tinha 11 anos e nunca tinha reprovado. Vivia apenas coma me, j que o pai se encontrava temporariamente no estrangeiro, ondeexercia a profisso de electromecnico. A me era contabilista e tinha na suaactividade profissional uma funo de chefia. Frequentou o Curso Geral doEnsino Secundrio, mas no o chegou a completar, enquanto que o marido,o pai do Tiago, completou o Curso Complementar do Ensino Secundrio.

    O Tiago era um aluno com um desempenho, a nvel do contextoregulador, bastante regular e legitimado pela professora. Raramente estatinha de o chamar a ateno pelo seu comportamento. Mesmo quando oscolegas tentavam envolv-lo em actos de indisciplina, ele tentava afastar-se,no tomando partido das brincadeiras, facto que tambm transpareceu daentrevista que lhe fizemos, quando, por exemplo, diz:

    "Eles [colegas] esto mesmo atrs de mim. Eu sei quem que faz isso,mandam papis e escondem coisas, tiram os estojos, muitas vezes comeama atirar canetas pelo ar... eu no ligo, mas, por exemplo, quando olho para omeu colega do lado ele no passa as coisas e fica l a ouvir as anedotas e entranas brincadeiras que eles fazem".

    Pela anlise dos resultados do questionrio e tambm pela anlise daentrevista, verificou-se que o Tiago tinha as regras de reconhecimento e asregras de realizao passiva para o contexto regulador da prtica pedaggicada sua professora, quando se consideram as relaes de controloprofessor/aluno. Quando se perguntou "como que se deveriam comportarpara que a professora ficasse satisfeita com o vosso comportamento", o alunodisse:

    "No falarmos nas aulas, no andarmos levantados, estarmos quietos, passaras coisas do quadro, porque seno no aprendemos a matria que a stora esta dar, responder na nossa vez, isso tambm muito importante, pois se umresponde e o outro est a falar ao mesmo tempo, a stora no gosta ...,fazermos as tarefas que a stora manda, obedecermos stora".

    Uma vez que o Tiago revelou possuir, para o contexto regulador daprtica pedaggica, as regras de reconhecimento e as regras de realizaopassiva para as relaes de controlo professor/aluno e como, pelaobservao das aulas, se constatou que tinha um desempenho legtimoconsistente, ou seja, possua para este contexto a realizao activa,

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  • considerou-se que tinha a orientao especfica de codificao para asrelaes de controlo professor/aluno. Relativamente s disposies scio-afectivas, verificou-se que o Tiago no gostava da prtica da professora. Naresposta questo, "Qual das prticas [reguladora e instrucional],representadas em banda desenhada, que gostas mais?", o Tiago respondeu"Eu gostava que a minha professora fosse como a do Andr [prticareguladora de enquadramento fraco] porque gosto de professoras fixes, quenos tratem como esta professora, explica com calma o que est mal [...]" e"Gostaria que fosse como a da Jacinta [prtica instrucional de enquadramentofraco] porque estava mais vontade, podamos tirar dvidas de coisasdiferentes e conversar com os colegas sobre alguma dvida, num trabalho degrupo". Contudo, embora no gostasse da prtica pedaggica da professora,tinha aspiraes e valores, certamente reflexo da sua socializao primria,que o levavam a produzir o texto legitimado pela professora/escola. Apropsito da questo "Por que que tu no fazes aquele tipo de coisas [actosde indisciplina] que os teus colegas fazem?", ele respondeu:

    "porque eu gosto de ter boas notas a tudo. Eu no vivo com o meu pai e entoa maior parte das vezes sou eu que tenho de tomar conta da casa, porque aminha me trabalha at tarde, ento eu quero ser alguma coisa na vida e queroter boas notas que para a minha me se orgulhar de mim".

    Este discurso ilustra bem que existiam aspiraes e valores no sentidode obter boas classificaes e, por conseguinte, mesmo no gostando daprtica pedaggica da professora ele considerava que valia a pena fazer umesforo e ter um bom desempenho no contexto regulador, j que isso seriaessencial para conseguir os resultados que desejava. Deste modo, o Tiagotinha no s a orientao especfica de codificao para as relaes decontrolo professor/aluno, como tambm disposies scio-afectivasglobalmente favorveis para a prtica pedaggica da professora.

    Porm, no deixa de ser tambm interessante constatar que o Tiago,tal como o Marco, reconhecia, para o contexto regulador da prticapedaggica, as relaes de poder professora/aluno e conhecia o modo deenfraquecer essas relaes de poder, sabendo mesmo como actuar para oconseguir, ou seja, este aluno tinha tambm, para o contexto em anlise, aorientao especfica de codificao para as relaes de poderprofessor/aluno, como se pode ver pelos seguintes excertos da entrevista:

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  • O poder da professora para mim quando se consegue impor e fazer respeitar.Ela [professora] tem poder... mas depois como j no tem muita fora... comoeu j disse, mandar o Hugo para a rua e depois comearem todos amanifestarem-se e... acabar por dizer afinal j no preciso. Eles acabamsempre por conseguir o que querem [...] [as brincadeiras que decorriam nasaulas] era para gozar com a stora e impedir que d a aula. Eles at j esto aconseguir que l uns colegas, falam com eles e acho que j esto a conseguiraumentar o grupinho. Eu acho que eles sabem o que esto a fazer. Porexemplo, nesse tal grupinho, o Paulo fica l ao p da porta e depois 3 ou 4desse grupinho vo l para trs de mim, por exemplo, comeam a falar com oLus e o Lus comea a falar com eles e chama o Nuno ateno e depois oNuno comea tambm a falar com eles e depois comeam tambm as meninase depois quando damos por conta a sala j est toda numa barulheira.

    Quando o Tiago diz "o poder da professora para mim quando seconsegue impor e fazer respeitar. Ela [professora] tem poder []", indica quereconhece as relaes de poder professor/aluno. Alm disso, tambm naentrevista, quando diz "o que eu acho que impede mais a professora de dar aaula o facto deles falarem, insultarem, dizerem parvoces, estaremconstantemente a levantar-se do lugar para ir buscar as canetas que atiraram[...]" revela que capaz de seleccionar os significados inerentes a umenfraquecimento do poder da professora, ou seja, revela que tem as regrasde realizao para o enfraquecimento das relaes de poderprofessora/aluno. Contudo, como o Tiago tinha disposies scio-afectivasglobalmente favorveis para a prtica da professora, o facto de possuir aorientao especfica de codificao para as relaes de poderprofessor/aluno, no o levava a actuar de forma a pr em causa essasrelaes de poder.

    O caso do PauloO Paulo era aluno da turma disciplinada (turma Y), tinha 14 anos, e era

    o segundo ano que frequentava aquela escola. Vivia, na altura, com o pai e ame, embora anteriormente, durante alguns anos, tivesse vivido apenas coma me no Arquiplago do Aores. Acumulava j trs repetncias, duas dasquais tinham ocorrido no primeiro ciclo, o qual frequentara naqueleArquiplago. O pai era jornalista e a me funcionria administrativa, sendo assuas habilitaes acadmicas respectivamente frequncia de um cursosuperior numa Universidade e o curso geral dos liceus.

    25Compreender a (in)disciplina na sala de aula

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  • De acordo com o nmero de participaes de natureza disciplinar,relativas ao ano anterior investigao, e tambm de acordo com asinformaes prestadas, quer pela professora de Cincias da Natureza do 5ano, quer pela Directora de Turma desse ano, o Paulo, no 5 ano, era bastanteindisciplinado na aula de Cincias da Natureza. Era considerado um dosalunos mais indisciplinados da turma. Assumia frequentemente uma condutaque no era legitimada pela professora, perturbando o funcionamento da aula.O prprio aluno, na entrevista, descreve assim as suas aulas de Cincias daNatureza no 5 ano:

    [...] a stora no tinha... deixava-nos falar, no metia ordem na sala, deixava-nos fazer tudo. Sentava-nos l atrs no cho, com o caderno aberto e a storano fazia nada, por isso que a gente no aprendia nada. Ela praticamente nodava aula, porque no conseguia dar e tambm no sabia dar muito bem. Noconseguia porque a gente fazia muito barulho e agora com esta stora j no[...] s vezes at nos chamava nomes e essas coisas. Ficava irritada [...] oobjectivo era chatear a stora que era para no haver aula. Muitas vezes nohavia aula.

    Apesar dos professores e alunos que conheciam a turma do Paulo, no5 ano, serem unnimes no s em relao indisciplina que ocorria na aulade Cincias daquela turma, mas tambm em relao conduta do Paulo,aquilo que se observou no 6 ano era muito diferente do que o alunodescreveu. Embora, por vezes, mostrasse alguma resistncia na realizaode determinadas tarefas, a professora acabava sempre por convenc-lo aaderir. Para alm deste tipo de reaco, que sucedia muitas vezes, o Paulono revelava uma conduta que afectasse a relao professora/aluno. Osnicos incidentes, apenas observados no 1 perodo do ano lectivo, diziamrespeito relao aluno/aluno. O Paulo tinha um mau relacionamento com umcolega da turma e, por vezes, na prpria aula, proferia alguns comentriosmenos correctos para com ele. Contudo, segundo a professora, no terceiroperodo, j eram bons amigos.

    O Paulo revelou, assim, ter alterado bastante a sua conduta, na aulade Cincias, do 5 para o 6 ano e quando foi confrontado, na entrevista, comessa mudana, as razes que nos apontou foram:

    [A professora deste ano] mais simptica, traz cassetes para a gente ver,vamos a visitas de estudo, fazemos trabalho em grupo e a gente gosta e no

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  • faz muito barulho. Este ano podemos fazer perguntas vontade. O anopassado, primeiro, no tnhamos oportunidade para fazer as perguntas e depoisno havia perguntas para fazer, porque a gente no ouvia nada do que aprofessora dizia. [...] a stora do ano passado era rabujenta, sempre a gritar.Este ano [] A gente gosta mais como a stora ensina, ela no deixa fazerbarulho e ensina melhor. A stora fica a falar connosco depois das aulas, antesdas aulas.

    De acordo com os dados do questionrio, o Paulo revelou possuir, parao contexto regulador da prtica pedaggica, o reconhecimento das relaesde controlo professor/aluno e, em grau mdio, a realizao passiva para estasmesmas relaes. A aquisio deste grau foi confirmada atravs dos dados daentrevista feita ao aluno, pois quando se lhe perguntou, como que sedeveria comportar para que a sua professora de Cincias o considerasse bemcomportado, ele disse: "Temos de ter pastilhas fora da boca, bem sentados,sem fazer barulho, sem estar a falar com o colega do lado e sem chatear aprofessora, respeit-la". Esta descrio mostra que o aluno no seleccionoutodos os significados inerentes s relaes de controlo professora/aluno pois,embora enfatizando o respeito pelas regras e referindo o respeito pelaprofessora, mostra descurar o respeito pelos colegas, que era uma dasatitudes mais valorizadas pela sua professora no contexto regulador daprtica pedaggica. Apesar do aluno possuir, apenas em grau mdio, arealizao passiva para as relaes de controlo professor/aluno, apresentava,na aula, uma conduta que se aproximava do que era legitimado pelaprofessora no contexto regulador da sua prtica, o que significa que tinha asregras de realizao activa para as relaes de controlo professor/aluno e,portanto, os significados que conseguia identificar naquele contexto e arelao que estabelecia entre eles eram suficientes para o levarem a actuarem conformidade com as atitudes e condutas que eram mais valorizadas pelaprofessora. Assim sendo, poder-se- considerar que o Paulo possua, para ocontexto regulador da prtica pedaggica da sua professora, a orientaoespecfica de codificao para as relaes de controlo professor/aluno.

    Relativamente s disposies scio-afectivas, de acordo com osdados do questionrio, constatou-se que ele gostava de uma prticapedaggica de enquadramento fraco, tanto na sua vertente reguladora, comona sua vertente instrucional, caractersticas que, na globalidade, estavampresentes na prtica pedaggica da sua professora. Contudo, h que salientar

    27Compreender a (in)disciplina na sala de aula

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  • que as aspiraes para o texto legitimado pela prtica da professora,nomeadamente para o texto instrucional, eram fracas. Tanto pelo que seobservou nas aulas, como pelo que a professora disse, este aluno nogostava de trabalhar, fazendo o possvel por trabalhar pouco. Sempre que setratava de uma tarefa em que tinha de escrever mostrava alguma relutnciaem faz-la. No entanto, a professora, atravs de um controlo pessoal,conseguia convenc-lo a aderir ao trabalho. Como o aluno gostava do tipo deinteraco professora/aluno acabava sempre por produzir o texto legitimado,o que refora a importncia do gosto pela prtica da professora nodesempenho do aluno, tanto a nvel do contexto regulador, como do contextoinstrucional. A mudana de comportamento do Paulo do 5 para o 6 anoparece, assim, estar relacionada com o facto de ele ter a orientao especficade codificao para as relaes de controlo professor/aluno quecaracterizavam o contexto regulador da prtica pedaggica da sua professorae de possuir disposies scio-afectivas globalmente favorveis para a prticapedaggica da professora.

    Na tentativa de perceber melhor a mudana de desempenho destealuno, do 5 para o 6 ano, procurou-se tambm analisar se o Paulo tinha aorientao especfica de codificao para as relaes de poderprofessor/aluno. De acordo com os dados da entrevista, foi possvel inferir quereconhecia, efectivamente, as relaes de poder professor/aluno e que sabiacomo enfraquecer esse poder, isto , tinha as regras de realizao para omicro-contexto dessas relaes, como se pode verificar quando se refere aoque acontecia nas aulas de Cincias do 5 ano:

    [...] fazamos em grupo, porque a professora quando eram muitos, em grupo,no mandava os cinco para a rua ou assim. Se fosse um s ia logo para a rua[...] ningum gostava de ter aula com a stora. No queriam ter aula com ela[]. Combinvamos que amos fazer uma grande confuso, que amos atirarpapelinhos, no sei para onde... e pronto. [...] Se ns quisermos a professorano consegue dar a aula, a gente est sempre a fazer asneiras, ento a storano consegue dar a aula.

    Apesar de o Paulo ter a orientao especfica de codificao para asrelaes de poder professor/aluno, o seu comportamento disciplinado no 6ano parece ser o resultado de ele possuir, no s as disposies scio-afectivas globalmente favorveis para a prtica da professora(nomeadamente o gosto pela prtica da professora), como a orientao

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  • especfica de codificao para as relaes de controlo professor/aluno. Afrase seguinte, dita por este aluno, refora esta interpretao "Esta[professora] este ano impe respeito, mas se ns quisermos tambm fazemosrebaldaria este ano, no sentimos necessidade".

    Consideraes finaisDa anlise dos quatro casos, sistematizada na figura 2, parece claro

    que a (in)disciplina, em sala de aula, pode resultar, entre outros factores, dainteraco entre a orientao especfica de codificao para o contextoregulador da prtica pedaggica, quando se considera esse contexto emtermos das relaes de controlo professor/aluno, e as disposies scio-afectivas para a prtica pedaggica do professor.

    Figura 2 - A (in)disciplina em funo da interaco entre as disposiesscio-afectivas para a prtica pedaggica do professor e a orientaoespecfica de codificao para as relaes de controlo professor/aluno

    que caracterizam o contexto regulador dessa prtica

    Se o aluno no possui a orientao especfica de codificao, porqueno reconhece as relaes de controlo professor/aluno e/ou porque no sabe

    29Compreender a (in)disciplina na sala de aula

    ORIENTA O ESPEC FICADE CODIFICA O PARA ASRELAES DE CONTROLO

    PROFESSORA-ALUNO

    DISPOSIES SCIO-AFECTIVAS PARA A

    PRTICA PEDAG GICA

    POSSUI FAVOR VEIS DESFAVOR VEIS

    COMPORTAMENTOINDISCIPLINADO

    RICARDO

    RICARDO

    NO POSSUI

    TIAGO EPAULO COMPORTAMENTO

    DISCIPLINADO

    MARCO COMPORTAMENTOINDISCIPLINADO

    MARCO

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  • como actuar de acordo com o que requerido nesse contexto, o seudesempenho tender a ser ilegtimo, em termos de comportamento disciplinar(caso do Ricardo). Contudo, mesmo que o aluno possua esta orientaoespecfica de codificao, se as suas disposies scio-afectivas para aprtica pedaggica do professor forem desfavorveis, o seu desempenhotender a ser igualmente ilegtimo (caso do Marco). Deste modo, odesempenho do aluno s se revelar legtimo e consistente quando as duascondies se verificarem em simultneo, ou seja, quando o aluno revelar, parao contexto regulador da prtica pedaggica do professor, a orientaoespecfica de codificao para as relaes de controlo professor/aluno edisposies scio-afectivas favorveis para a prtica pedaggica (casos doTiago e do Paulo).

    Apesar da orientao especfica de codificao ser uma condioessencial para um desempenho legtimo, de acordo com os casosapresentados, ela no se apresentou como uma razo, s por si, fortementejustificativa do comportamento dos alunos. As disposies scio-afectivasparecem ter influenciado bastante o desempenho destes alunos. De salientarque isso s se tornou perceptvel quando se entrou em linha de conta comtodos os indicadores que podem estar associados s disposies scio-afectivas (gosto, aspiraes e valores). De facto, s uma anlise maisdetalhada das disposies scio-afectivas permitiu compreender que, quandoos alunos possuem, no contexto regulador da prtica pedaggica, aorientao especfica de codificao para as relaes de controloprofessor/aluno, o seu desempenho, em termos de comportamentos dedisciplina, poder ser legtimo, quer o aluno goste da prtica pedaggica daprofessora, embora no tendo aspiraes e valores para o texto legitimadopela escola (caso do Paulo), quer se verifique a situao inversa (caso doTiago).

    Quando se introduz na anlise, dos casos de indisciplina, a orientaoespecfica de codificao para as relaes de poder professor/aluno (ver Fig.3), o estudo sugere que um aluno indisciplinado que no tem a orientaoespecfica de codificao para essas relaes (caso do Ricardo), tende arevelar comportamentos de indisciplina pouco acentuados (1 e 2 nveis). Istoporque a indisciplina ser apenas o resultado de o aluno no saber agir deacordo com o que legitimado na prtica reguladora, ao nvel das relaes de

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  • controlo professor/aluno. Alm disso, se o aluno no reconhece as relaesde poder professor/aluno e/ou no sabe como deve actuar para asenfraquecer, no procurar afrontar o professor, ou seja, no procurar prem causa a sua autoridade e o seu estatuto. Contudo, se o aluno possuir aorientao especfica de codificao para as relaes de poderprofessor/aluno e, simultaneamente, tiver disposies scio-afectivasdesfavorveis para a prtica pedaggica do professor (caso do Marco), osseus comportamentos de indisciplina tendem a ser acentuados (3 nvel).Neste caso, o aluno sabe como actuar para enfraquecer as relaes de poderprofessor/aluno e, como no gosta da prtica do professor e no temaspiraes e valores para o texto legitimado pela escola/professor, tertendncia em actuar no sentido de enfraquecer essas relaes de poder. desublinhar que, nesta situao, as disposies scio-afectivas parecem serdeterminantes no desempenho do aluno. Com efeito, mesmo quando o alunopossui a orientao especfica de codificao para as relaes de poderprofessor/aluno, se ele tiver disposies scio-afectivas favorveis,provavelmente no se envolver em incidentes de indisciplina (casos do Tiagoe do Paulo).

    Figura 3 - Diferentes nveis de indisciplina: Interaco entre asdisposies scio-afectivas para a prtica pedaggica do professor e aorientao especfica de codificao para as relaes de controlo e de

    poder que caracterizam o contexto regulador dessa prtica

    31Compreender a (in)disciplina na sala de aula

    ORIENTA O ESPEC FICADE CODIFICA O PARA AS

    RELAES DE PODERPROFESSORA-ALUNO

    POSSUI

    3 NVEL DE INDISCIPLINA MARCO

    ORIENTA O ESPEC FICADE CODIFICA O PARA ASRELAES DE CONTROLO

    PROFESSORA-ALUNO

    DISPOSIES SCIO-AFECTIVAS PARA A

    PRTICA PEDAG GICA

    POSSUI DESFAVOR VEIS

    MARCO

    RICARDO

    RICARDO

    NO POSSUI

    1 E 2 NVEIS DE INDISCIPLINA

    NO POSSUIFAVOR VEIS

    RICARDO

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  • Em sntese, poderemos afirmar que, de acordo com o nosso modelode anlise, a indisciplina, em sala de aula, pode ser explicada pela ausnciada orientao especfica de codificao para as relaes de controloprofessor/aluno que caracteriza o contexto regulador da prtica pedaggicado professor ou pela posse de disposies scio-afectivas desfavorveis paraessa prtica. De acordo com a mesma anlise, os diferentes graus deindisciplina, que os alunos podem manifestar em sala de aula, podero serinterpretados em funo da sua orientao especfica de codificao para asrelaes de poder professor/aluno que caracterizam o contexto regulador daprtica pedaggica do professor.

    No sendo inteno do estudo fazer generalizaes, com base naanlise efectuada, de realar que os quatro casos apresentados soilustrativos de diferentes comportamentos de (in)disciplina, frequentementeocorridos em sala de aula e, nesse sentido, podem facultar dados importantesde reflexo. Alm disso, como o estudo se baseia num modelo que permiteexplicar diferentes situaes de indisciplina, ele poder contribuir para indicarnovas perspectivas de anlise, que podero ser importantes em termos deinvestigao educacional e de interveno pedaggica. Se os professores,em vez de procurarem receitas, investirem mais numa reflexo baseada emanlises desta natureza podero, certamente, encontrar formas mais eficazesde resolver os seus problemas de indisciplina. Alm disso, tratando-se aindisciplina de um fenmeno complexo, quanto maior for o nmero deinteraces que se consigam analisar, maior ser tambm a compreenso dosignificado sociolgico de indisciplina e dos diferentes nveis que esta podeassumir.

    Notas1 Embora numa outra perspectiva de anlise, os estudos realizados por Morais e

    Antunes (1993) e Antunes (1999) j haviam utilizado os conceitos de orientaoespecfica de codificao e de disposies scio-afectivas para investigar aaquisio do texto regulador em contextos de aprendizagem cientfica. Antunes(1999) desenvolveu tambm uma anlise sobre a distino feita, pelos alunos, entrepoder e controlo nas relaes professor/aluno em contextos de sala de aula.

    2. Em termos globais, a prtica da professora da turma Y aproximava-se dasmodalidades de prtica que estudos anteriores (e.g. Rocha & Morais, 2000; Pires,Morais & Neves, 2004) tm revelado ser favorveis aprendizagem cognitiva e

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  • scio-afectiva de todos os alunos. Essa prtica era, entre outros aspectos,caracterizada por enquadramentos fracos ao nvel da ritmagem (dando aos alunosmaior tempo de aprendizagem) e das regras hierrquicas (atravs de uma relaode comunicao de natureza inter-pessoal) e por enquadramentos fortes ao nveldos critrios de avaliao (atravs de uma explicitao clara dos textosconsiderados legtimos nos contextos instrucional e regulador da prticapedaggica).

    3. Os instrumentos de caracterizao da prtica pedaggica foram adaptados deinstrumentos utilizados em investigaes anteriores (ver, por exemplo, Morais &Neves, 2003) e podem ser consultados em Silva (2002).

    4. O questionrio e o guio da entrevista podem ser consultados em Silva (2002). 5. Em anexo apresenta-se, a ttulo ilustrativo, extractos do questionrio.

    AgradecimentoAs autoras agradecem editora Lawrence Erlbaum Associates a autorizao dada parausar, neste artigo, texto do artigo Power and control in the classrooms: understandingstudents disruptive behaviours, a ser publicado em 2007 na revista Pedagogies.

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    33Compreender a (in)disciplina na sala de aula

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    05 Isabel Neves 5-41 04.08.2006 14:37 Pgina 34

  • UNDERSTANDING DISRUPTIVE BEHAVIOURS IN THE CLASSROOM: ANANALYSIS OF CONTROL AND POWER RELATIONS

    AbstractThe study is part of a broader research which intended at understanding therelation between students disruptive behaviours and teachers pedagogicpractices and finding out reasons underlying that relation. Theoretically it isbased on Bernsteins theory of pedagogic discourse. The study is centred onfour students, from two science classes of the 6th year of schooling (ages 11-12), who had showed distinct behaviours. It adresses the following objectives:(1) analyse students behaviours in terms of the interaction between theirsocio-affective dispositions and their specific coding orientation for power andcontrol relations that characterise the regulative context of teacherspedagogic practices; (2) analyse the extent to which specificities of theinteraction may explain different levels of disruptive behaviours. The studysuggests that disruptive behaviours in the classroom are the result of theinteraction between students socio-affective dispositions to teacherspedagogic practices and their specific coding orientation to control relationsthat characterise the regulative context of those practices. It also suggests thatdistinct specific coding orientations to power relations between teacher andstudents may explain distinct levels of disruptive behaviours.

    KeywordsDisruptive behaviours; Specific coding orientation; Socio-affectivedispositions; Power relations; Control relations; Pedagogic practice

    35Compreender a (in)disciplina na sala de aula

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  • COMPRENDRE L`(IN)DISCIPLINE DANS LA SALLE DE CLASSE: UNE ANALYSEDES RELATIONS DE CONTRLE ET DE POUVOIR

    RsumLtude fait partie d`une investigation plus large qui essaie de comprendre larelation entre les comportements d(in)discipline et les pratiques pdagogiquesdes professeurs et exploites les raisons sous-jacents cette relation.Thoriquement, linvestigation se fonde dans le modle du discours pdagogiquede Bernstein. Ltude se centre en quatre situations dlves, de deux classes deSciences Naturelles de la sixime anne de scolarit et a comme objectives: (1)analyser des comportements d(in)discipline en fonction de linteraction entre lesdispositions socio-affectives et lorientation spcifique de codification des lvespour les relations de contrle et de pouvoir qui caractrisent le contextergulateur des pratiques pdagogiques des professeurs; et (2) valuer dansquelle msure cette interaction permet lexplication de diffrents niveauxdindiscipline. Les rsultats nous font voir que les comportements dindisciplinedans la salle de classe sont le rsultat de linteraction entre les dispositions socio-affectives des lves envers les pratiques des professeurs et leur orientationspcifique de codification pour les relations de contrle qui caractrisent lecontexte rgulateur de ces pratiques. Ils montrent, aussi, que les orientationsspcifiques de codification diffrentes pour les relations de pouvoirprofesseur/lve, peuvent expliquer diffrents niveaux dindiscipline.

    Mots-cl(In)discipline; Orientation Spcifique de Codification; Dispositions Socio-Affectives; Relations de Contrle; Relations de Pouvoir; Pratique Pdagogique

    Recebido em Outubro/2005Aceite para publicao em Junho/2006

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    Toda a correspondncia relativa a este artigo deve ser enviada para: Isabel Pestana Neves,Departamento de Educao, Faculdade de Cincias, Universidade de Lisboa, Edifcio C6 - 1 piso,Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal. e-mail: [email protected]

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  • Anexo 1

    Parte 1, Cena 2

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  • Parte 1, Cena 2

    1 - Por que razo o Z Gato est a ser indisciplinado?Coloca uma cruz ( x ) nas situaes que considerares de indisciplina(podes assinalar mais do que uma frase).

    1 - Porque como no passa para o caderno o que est no quadro,no est a ser responsvel. [Responsabilidade]

    2 - Porque ao atirar papelinhos professora, no est a respeitara professora. [Respeito pelo professor]

    3 - Porque como est sem ateno s explicaes da professora,no respeita as regras da turma. [Respeito pelas regras]

    4 - Porque ao distrair os colegas com a sua brincadeira, no esta respeitar os colegas. [Respeito pelos colegas]

    Objectivo: Analisar o grau de evidncia das regras de realizao passiva para aprtica reguladora das professoras

    2- Se indicaste mais do que uma frase anteriormente, coloca-as porordem de importncia (da mais importante para a menos importante),utilizando para isso os nmeros atribudos a cada frase.

    Objectivo: Analisar o grau de evidncia das regras de realizao passiva para aprtica reguladora das professoras

    3- Se a tua professora de Cincias se tivesse apercebido do que sepassou, o que que ela teria dito ao Z Gato?Coloca uma cruz ( x ) na resposta que indica melhor a reaco da tuaprofessora.

    A - Z, o melhor dares-me o invlucro dessa caneta, porqueassim ests a distrair-te e no prestas ateno aula. [Controlopessoal]

    B - Z, vais acabar com essa brincadeira, porque as regras daturma so para cumprir. [Controlo posicional]

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  • C - Z, isso uma falta de respeito para comigo e para com os teuscolegas, porque ests a prejudicar o nosso trabalho. [Controlopessoal, com explicitao]

    D - Pra imediatamente com isso e guarda o invlucro da caneta.[Controlo imperativo]

    Objectivo: Analisar o grau de evidncia das regras de reconhecimento docontexto regulador da prtica pedaggica da professora

    4 - Indica qual das reaces A, B, C e D achas que maisadequada para levar o Z Gato a melhorar o seu comportamento?

    Objectivo: Conhecer a concepo dos alunos acerca da modalidade de prticapedaggica mais propcia a um clima de disciplina

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  • Parte 2, Cena 1

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  • Parte 2, Cena 11 - Achas que a tua prof. de Cincias tem uma actuao mais parecida

    com a professora da Marta [E+], com a professora do Pedro [E++] ou com aprofessora do Andr [E-]? Porqu?

    Objectivo: Analisar o grau de evidncia das regras de reconhecimento docontexto regulador da prtica pedaggica das professoras

    2 - Se pudesses escolher gostavas que a tua professora de Cinciasda Natureza fosse como a da Marta [E+], como a do Pedro [E++], ou como ado Andr [E-]? Porqu?

    Objectivo: Conhecer as disposies scio-afectivas (gosto) para o contextoregulador da prtica pedaggica das professoras

    3 - Com qual das professoras do Pedro [E++], da Marta [E+] ou doAndr [E-] que achas que os alunos da tua turma teriam piorcomportamento? Porqu?

    Objectivo: Conhecer a concepo dos alunos acerca da modalidade de prticapedaggica mais propcia a um clima de indisciplina

    4 - Com qual das professoras do Pedro [E++], da Marta [E+] ou doAndr [E-] que achas que os alunos da tua turma teriam melhorcomportamento? Porqu?

    Objectivo: Conhecer a concepo dos alunos acerca da modalidade de prticapedaggica mais propcia a um clima de disciplina

    41Compreender a (in)disciplina na sala de aula

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