compra-se um eu - o consumo como formador da identidade

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Universidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes Departamento de Relações Públicas, Publicidade e Turismo Guilherme Ferracioli Muezerie Compra-se um Eu: O consumo como formador da identidade São Paulo 2015

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Page 1: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

Universidade de São Paulo

Escola de Comunicações e Artes

Departamento de Relações Públicas, Publicidade e

Turismo

Guilherme Ferracioli Muezerie

Compra-se um Eu:

O consumo como formador da identidade

São Paulo

2015

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Universidade de São Paulo

Escola de Comunicações e Artes

Departamento de Relações Públicas, Publicidade e

Turismo

Guilherme Ferracioli Muezerie

Compra-se um Eu:

O consumo como formador da identidade

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à Escola de

Comunicações e Artes como

requisito parcial para a obtenção do

título de bacharel em Comunicação

Social com habilitação em

Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. João

Carrascoza

São Paulo

2015

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Page 5: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

Banca examinadora

Espaço reservado às observações da Banca

Examinadora responsável pela avaliação deste

trabalho, apresentado em _____ de dezembro de

2015, na Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo.

Examinador 1:

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Examinador 2:

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Examinador 3:

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Agradecimentos

Este texto é um pouco mais do que um

simples trabalho acadêmico. É um exercício para a

vida. Aqui vão os agradecimentos para as pessoas que

estiveram nela durante os últimos anos e que

continuarão por vários outros:

À minha mãe e ao meu pai. A ele, por sempre me

deixar ser quem eu quero. A ela, por nunca me deixar

ser qualquer um.

Aos meus tios. Além de exemplos pra mim, sem o

apoio deles, eu não estaria aqui hoje.

À Família Futsal, pelas vitórias dentro e fora de

quadra.

Aos amados: Giu, Dé, Dani, Karina, Aída, Tulio,

Maluf, Alice e Barbara.

Page 10: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

Diego e Guilherme, que estão nessa comigo desde o

começo.

Natália Tonello e Shayene Metri.

E um obrigado especial ao Giu e à Carla, pelo tempo

que dedicaram na revisão e capa.

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Resumo

Este trabalho propõe uma reflexão sobre

como nossas identidades são construídas a partir do

consumo de bens industrializados. Traça um

panorama das mudanças que vêm ocorrendo no

mundo, desde a modernidade até a pós-modernidade,

e analisa as influências dessas mudanças na

sociedade, no consumo e neste elemento subjetivo

que nos define: a ideia de identidade.

Palavras-chave: Consumo, Identidade, Sociedade de

Consumidores

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Índice

Introdução 13

Parte I 21

Da Revolução Industrial ao século XX 23

Parte II 37

A transição entre os modelos de sociedade 39

Cultura consumista e estratificação 49

Distinção e escalada social 56

O Paradigma do Desejo 68

Tempo versus felicidade 74

Parte III 81

Identidades tardias 83

Transição e fragmentação de identidades 86

Liberdade e fetiche 94

Considerações finais 107

Referências bibliográficas 113

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13

Introdução

unho de 1965. A então iniciante banda

conhecida como “The Rolling Stones”

estava em turnê pelos Estados Unidos. Britânicos, já

haviam gravado alguns álbuns e alcançado razoável

sucesso no Reino Unido, mas a tão cobiçada

fronteira norte-americana ainda era um desafio. Em

certa madrugada durante a turnê, o guitarrista da

banda, Keith Richards, acordou de um sonho. Um

sonho musical. Levantou-se da cama, lançou mão de

seu gravador e registrou a ideia que havia tido. Na

manhã seguinte, encontrou o registro da canção que,

(pouco) mais tarde, seria conhecida no mundo todo.

“Satisfaction” foi o passaporte dos “Stones”

para o estrelato. Sucesso imediato nos EUA, o single

fez dos britânicos famosos e tornou-se um hino - não

só da banda, mas da época e do rock, o movimento

cultural em que se inseria. Diz-se por aí que um dos

fatores que faz determinada canção se eternizar é a

sua capacidade de se apropriar e exprimir o espírito

J

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14

de uma época. Se isso é verdade ou não, pouco

importa. Não há dúvidas de que os “Stones”

conseguiram capturar, em “Satisfaction”, o mundo

que os rodeava com extrema precisão.

Paralelamente ao sucesso da música, o ano de

1965 estava sendo marcante para os americanos.

Lyndon Johnson assumia a presidência com políticas

sociais voltadas para os direitos civis, mas com uma

política econômica liberal e geopoliticamente

expansiva. A Guerra do Vietnã se tornava cada vez

mais dura e o ideal anticomunista transcendia os

campos de batalhas. O consumo massificado torna-se

então a alternativa encontrada para sustentar a

economia, e o consumismo começa a ganhar forma

na sociedade.

Mick Jagger captura esse momento com um

tom irônico, próprio da sua juventude:

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Quando estou vendo minha TV

E aquele homem vem para me dizer

Quão branca minha camisa pode ser

Mas ele não pode ser um homem, porque ele não fuma

O mesmo cigarro que eu

Não consigo, (...)

Rolling Stones, Satisfaction

Entre outras ironias, a banda critica o hábito

do consumo exagerado que já era massificado àquela

altura. Alguns outros aspectos chamam a atenção na

denúncia de Jagger: o homem que vem à TV falar

personifica a intenção de convencimento e

humanização da propaganda e, ainda mais

interessante, reforça a relação de causalidade ou

dependência explícita que existente entre um

produto: o cigarro - e uma característica de

identidade: o gênero masculino.

Ano de 2008, Cidade Tiradentes, zona leste

de São Paulo. Na periferia da grande metrópole, o

funk nacional, gênero nascido no Rio de Janeiro no

final dos anos 1980, domina a cena musical. O

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crescimento econômico acelerado do país,

acompanhado pela elevação do nível dos salários e

do emprego, suporta o surgimento de um subgênero

dentro dessa cena musical: o funk ostentação.

Cantado por representantes das classes mais baixas

da sociedade, o estilo era paradoxal ao se caracterizar

por letras que abordam o uso de artigos de luxo,

como roupas, perfumes, carros, motos e bebidas. O

conceito de ostentação toma conta das letras e do

imaginário criado por elas.

No início, os objetos exaltados eram mais

simples. Quando se popularizou, o “MC Boy do

Charmes”, um dos representantes do gênero, já

assinalava o seu desejo em um Citröen Megane. O

desenvolvimento econômico fazia com que o ícone

de consumo se tornasse acessível. Assim, o sonho era

possível e o sucesso, grandioso. Aos poucos, porém,

a dimensão da glória interferiu ligeiramente na

temática. O Megane deu lugar a Ferraris e Lamborghinis,

motos de luxo e bebidas mais caras.

Page 19: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

17

O fenômeno econômico tinha forte relação

com o fenômeno cultural. A explosão da demanda,

do consumo e do crédito foram usadas como

ferramentas de distribuição de renda e inclusão social.

Antes, essas camadas da sociedade, que tinham boa

parte de seus direitos negados, também não podiam

consumir, muito menos sonhar. Foi natural que a

inserção delas na sociedade - que se deu por meio da

facilitação do acesso a alguns bens de consumo - lhes

conferisse a impressão de que poder de consumo era,

também, sinônimo de cidadania.

As letras expressavam bem esse sentimento.

Autoestima elevada, conquista de poder e status

social, baladas com camarotes regados a álcool,

carros de luxo, joias e poucas preocupações - a não

ser obter a atenção das mulheres mais desejadas.

Também é possível notar alguns produtos-ícones

para esse grupo. Os campeões de audiência: óculos

da Oakley, uísque Johnnie Walker, energético Red Bull,

tênis Nike e motos Honda. Mas, para além da

distinção social, o que esses jovens da periferia dizem

Page 20: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

18

sobre si mesmos ao tentarem se apropriar de tais

símbolos?

Apesar da brutal distância temporal e cultural,

a crítica feita em 1965 e o movimento paulistano que

começou em 2008, de alguma forma, dialogam e se

complementam. E é nesse encandeamento que este

trabalho se apoia. Sua modesta intenção é investigar a

relação que existe entre os produtos industrializados

que consumimos e a maneira como formamos nossas

identidades. Aqui, será traçado um panorama da

transformação do mundo de ontem no mundo de

hoje sob três perspectivas: econômica, social e,

digamos, pessoal.

Primeiro, tentaremos entender, de maneira

geral, como a economia do século XX nos levou a

uma sociedade em que o consumo é parte central das

nossas vidas. Segundo, definiremos algumas das

características da chamada sociedade de

consumidores, além de suas implicações no nosso

modo de vida. Por fim, exploraremos um pouco do

Page 21: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

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conceito de identidade, como o entendimento desse

pensamento mudou ao longo do tempo e suas

características no mundo contemporâneo.

Todavia, antes de começar a leitura, há um

detalhe que não podemos deixar de comentar:

“Satisfaction” é um grito simultâneo de desejo e

frustração. E é esse permanente sentimento de

insatisfação - que a canção reafirma, repetidamente -

que desperta a curiosidade do autor. Aparentemente,

não eram só os “Rolling Stones” que se sentiam

desiludidos e alienados. O próprio funk ostentação

logo viu a amplitude de seu sucesso minguar. Como

prova disso, argumenta-se que, em determinado

momento, o público já não se sentia mais

representado pelos artigos de alto luxo presentes nas

letras e clipes.

Esse grito deve ser objeto de reflexão durante

a leitura do texto.

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20

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21

Parte I

Como surgiram a sociedade de

consumidores e a cultura consumista

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22

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23

Da Revolução Industrial ao Século XX

urante vários séculos, o mundo e as

dinâmicas sociais se organizaram de

maneira muito mais simples do que observamos

atualmente. O homem transitou entre sociedades

agrícolas, extrativistas, migratórias até, finalmente, se

consolidar em uma sociedade que, mais

recentemente, passamos a chamar de “sociedade de

produtores”.

Tal sociedade se caracterizou pela

importância e pelo amplo domínio que o trabalho -

ou atividade produtiva - possuía. Nela, a vida das

pessoas era determinada por sua ocupação. Produzir

e construir eram as ações de maior importância e

maior valor, uma vez que a grande maioria dos

cidadãos eram artesãos que viviam de suas

manufaturas.

No século XVIII, a Revolução Industrial

inaugurou uma nova fase no sistema econômico

D

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24

mundial. O capitalismo comercial, predominante até

então, aos poucos, deu lugar a um capitalismo

industrial, com a supremacia das máquinas sobre o

trabalho humano tornando-se realidade em pouco

tempo. Logo, os antigos artesãos e comerciantes

deram lugar a um novo grupo de cidadãos: os

trabalhadores e operários.

A Revolução Industrial não só determinou o

nascimento dessa nova classe formada pelos

trabalhadores das fábricas, como também influenciou

a mudança radical de cenário das cidades. Aos

poucos, o crescimento econômico e das

oportunidades atraíram cada vez mais camponeses

das áreas rurais em direção à área urbana. O êxodo

rural e o acelerado crescimento dos centros urbanos -

povoados por burgueses e trabalhadores - também

tiveram implicações mais sutis no modo de vida da

época.

Apesar de, em larga medida, viver

subexplorada e submetida às desumanas e

Page 27: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

25

desreguladas condições de trabalho da época, a nova

classe trabalhadora urbana tinha uma renda, fruto de

seus salários. Como estavam afastados de seus locais

de origem e, portanto, de tradições culturais

regionais, restava a esses trabalhadores buscarem

novas formas de divertimento, uma vez que a cultura

erudita dos centros urbanos era dominada pelas elites

e pouco acessível economicamente.

Circos, teatros de rua, óperas, festas

populares e religiosas, como o carnaval, proliferavam

nas cidades e eram um indício do nascimento de uma

cultura “urbano-massiva”. Logo, esse sistema de

produção cultural seguiria o modelo das outras

atividades concentradas nas cidades e começaria a ter

o lucro como objetivo principal de sua elaboração.

Estava, assim, estabelecida uma indústria cultural nas

cidades. Essa indústria de bens simbólicos e

imaginários, que vendia experiências, entretenimento

e emoções é um dos fatores determinantes para

outras rupturas que a vida nas cidades ainda sofreria.

Page 28: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

26

Se a cultura havia deixado de ser uma

expressão popular de tradições e identificação

naquele momento, outro aspecto central da vida

daqueles homens e mulheres habitantes dos centros

urbanos já estava mercantilizado há muito tempo. O

trabalho, superexplorado nas fábricas por meio da

exigência cada vez maior de produtividade e das

divisões e especializações da produção, deixava de ter

caráter humanizador e de construção da subjetividade

do homem, e passa a ser mais uma mercadoria posta

em circulação. Os trabalhadores, que já não eram

donos dos meios de produção, não tinham outra

opção senão vender sua força de trabalho para se

sustentar, sacramentando a definição do trabalho

apenas como uma atividade a ser trocada por

dinheiro.

Se a vida dos operários nas fábricas parecia

difícil durante os séculos que se seguiram às primeiras

revoluções industriais, o século XX começou com

rupturas ainda mais traumáticas. Duas guerras

mundiais e uma crise grave no capitalismo

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27

internacional abalam o sistema e forçam-no a

procurar alternativas para sustentar a produção em

massa derivada das indústrias.

Políticas econômicas praticadas pelos EUA (e

que se refletiram ou encontraram semelhantes em

diversos outros países do mundo, como no Brasil de

Getúlio Vargas), como o New Deal, nos anos

seguintes à Grande Depressão e o Plano Marshall,

depois da Segunda Guerra Mundial, foram

determinantes para rearranjar o sistema produtivo

mundial e estabelecer as condições para que ele se

mantivesse de pé. O ponto central em torno do qual

essas políticas econômicas orbitavam era simples: o

estímulo ao consumo (figura 1).

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28

Figura 1: Americanos aguardando roupas e suprimentos, durante a enchente do rio Ohio em 1937. Ao fundo, lê-se no outdoor: ―O padrão de vida mais alto do mundo‖. Este é um

indício de como as políticas de estímulo ocorriam e eram suportadas pela propaganda ideológica

O sucesso dessas políticas e o pós-guerra

garantiram épocas de bonança para o capitalismo

mundial. O estímulo a um estilo de vida pautado pelo

consumo ganhou outros aliados, sendo um deles um

dos mais representativos e poderosos: a propaganda.

Logo, os esforços publicitários ganharam traços

culturais e o mundo testemunhou a “era de ouro” da

propaganda mundial. Nessa época, chegou ao auge,

também, o famoso “american way of life”, cujos

ícones de consumo e estilo de vida permearam os

sonhos de inúmeras famílias ao redor do mundo.

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29

Em 1931, Frederick Lewis Allen, em seu livro

Only Yesterday: An Informal History of the 1920s, relatou

com precisão o sentimento que o consumo e o

padrão de vida que se estabelecia causavam na

sociedade americana da época:

Ainda sim, o americano podia sonhar com o

romântico dia em que ele venderia seus

produtos comuns por um preço fabuloso e

viveria numa grande casa e teria uma frota

de carros brilhantes e relaxaria nas areias de

Palm Beach. E quando ele olhou para o

futuro do seu país, ele viu uma América livre

– não da corrupção, nem do crime, nem da

guerra, nem do controle de Wall Street, nem

do ateísmo, nem do luxo; pois as utopias do

passado o deixaram cético e indiferente. Ele

viu uma América livre da pobreza e do

trabalho pesado. Ele viu uma ordem mágica

construída em cima da ciência e da

prosperidade: estradas carregadas com

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30

milhões de automóveis, aviões escurecendo os

céus, linhas de fios de alta tensão carregando

– de colina em colina – o poder de dar vida

a milhares de máquinas salvadoras de

trabalho humano, arranha-céus surgindo

sobre antigos vilarejos, vastas cidades

crescendo sobre massas geométricas de pedras

e cimento, urrando com o tráfego

perfeitamente mecanizado e homens e

mulheres inteligentemente vestidos que

gastam, gastam, gastam o dinheiro que eles

ganharam por estarem distantes o suficiente

para prever – em 1929 – o que estaria para

acontecer1 (ALLEN, 1931, p. 107).

1 Tradução livre. Trecho original: “Still the American could spin wonderful dreams-of a romantic day when he would sell his Westinghouse common at a fabulous price and live in a great house and have a fleet of shining cars and loll at ease on the sands of Palm Beach. And when he looked toward the future of his country, he could envision an America set free-not from graft, nor from crime, nor from war, nor from control by Wall Street, nor from irreligion, nor from lust, for the utopias of an earlier day left him for the most part skeptical or indifferent; he envisioned an America set free from poverty and toil. He saw a magical order built on the new science and the new prosperity: roads swarming with millions upon millions of automobiles, airplanes darkening the skies, lines of high-tension wire carrying from hilltop to hilltop the power to give life to a thousand labor-saving machines, skyscrapers thrusting above one-time villages, vast cities rising in great geometrical masses of stone and concrete and roaring

Page 33: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

31

Contudo, a intervenção estatal na economia

mundial durante esse período do século XX

encontrou um limite. Já nos anos 60, o sistema de

produção fordista começou a dar sinais de que já não

conseguia produzir bens e gerar lucros em escala

suficiente. Como aponta David Harvey: “Em

retrospecto, parecia haver indícios de problemas

sérios no fordismo já em meados dos anos 60. Na

época, a recuperação da Europa Acidental e do Japão

tinha se completado, seu mercado interno estava

saturado e o impulso para criar mercados de

exportação para os seus excedentes tinha de

começar” (HARVEY, 1973, p. 89).

Com a crise do fordismo e a crise do

petróleo, os anos 1970 foram particularmente difíceis

para o sistema capitalista. Esses problemas

econômicos desencadearam outros problemas

cambiais e fiscais que, por sua vez, diminuíram ainda

with perfectly mechanized traffic-and smartly dressed men and women spending, spending, spending with the money they had won by being far-sighted enough to foresee, way back in 1929, what was going to happen.”

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32

mais o poder de compra dos trabalhadores.

Consequentemente, as taxas de lucro do sistema

tornaram-se cada vez menores. Rapidamente foi

possível perceber que, para salvar o sistema, era

necessário dinamizar o modo de produção fordista e

encontrar, com urgência, mercados que pudessem

complementar o consumo exacerbado dos bens

produzidos de maneira excedente.

A solução encontrada se deu por meio de

uma prática desenvolvida alguns anos antes no Japão.

A divisão fordista-taylorista deu lugar, então, a um

modo de produção adequado àquela necessidade: o

toyotismo. O novo sistema produtivo inaugura uma

era de diminuição - ou quase completa eliminação -

dos estoques, de produção em pequenos lotes,

sempre com alta exigência no padrão de qualidade.

Houve uma substituição da padronização em prol da

diversificação e da produtividade. Contudo, para este

estudo, a característica mais interessante e relevante

do toyotismo é a questão da personalização dos

produtos.

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33

Aos poucos, consumidores do mundo todo

se acostumaram a ver uma diversidade maior de

produtos nas prateleiras dos mercados. Vendia-se a

ideia de que eles eram feitos de maneira especial,

meticulosamente pensada, personalizada e, por isso,

eram melhores. Relembrando a célebre frase de

Henry Ford sobre o “Model T”: “Todo consumidor

pode ter um carro da cor que ele quiser, desde que

seja preto”.2

O fim dessa era pode ser identificado num

trecho de um texto escrito por Victor Lebow, um

empresário e economista norte-americano. Em 1955,

Lebow escreveu um artigo no “Jounal of Retailing”

sobre o mercado, a indústria e o consumo. Em

determinada altura, ele escreve:

Nossa economia enormemente produtiva

demanda que façamos do consumo nosso

modo de vida, que convertamos a compra e o

2 Tradução livre. Trecho original: “Any customer can have a car painted any colour that he wants so long as it is black”.

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34

uso de bens em rituais, que persigamos

nossas satisfações espirituais e do ego no

consumo. A medida do status social, da

aceitação social, do prestígio deve ser, agora,

encontrada nos nossos padrões de consumo.

O mais básico propósito e significado de

nossas vidas, hoje, expressos em termos de

consumo. Quanto maior a pressão nos

indivíduos para que aceitem os padrões

sociais, mais eles tendem a expressar suas

aspirações e suas individualidades por meio

do que vestem, dirigem e comem – na suas

casas, seus carros, seus padrões de

alimentação e seus hobbies3 (LEBOW,

1955).

3 Tradução livre. Trecho original: “Our enormously productive economy demands that we make consumption our way of life, that we convert the buying and use of goods into rituals, that we seek our spiritual satisfactions, our ego satisfactions, in consumption. The measure of social status, of social acceptance, of prestige, is now to be found in our consumptive patterns. The very meaning and significance of our lives today expressed in consumptive terms. The greater the pressures upon the individual to conform to safe and accepted social standards, the more does he tend to express his aspirations and his individuality in terms of what he wears, drives, eats- his home, his car, his pattern of food serving, his hobbies.”

Page 37: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

35

O toyotismo não só marcou o fim da era em

que tudo era produzido em série, como também

configurou-se na alternativa que possibilitou que o

sistema capitalista continuasse sustentável. Deu

início, também, a uma nova fase, na qual os cidadãos

eram, a todo o momento, instigados a consumir,

consumir e consumir. E, ainda pior: foram levados a

crer que consumir todos os bens de consumo

disponíveis era muito mais do que apenas um hábito:

era um estilo de vida. Os então cidadãos foram, aos

poucos, deixando de se reconhecer como tais e

passaram a se entender e a serem entendidos como

consumidores. Da mesma forma, progressivamente

foram acostumados e incentivados a acreditar que

eram especiais, únicos e, por isso, mereceriam

produtos que refletissem tais particularidades. Foi o

início de um intenso processo de individualização

desses “cidadãos-consumidores” que, como veremos

mais adiante, acarretou em consequências mais

complexas para a aquela ingênua sociedade.

Page 38: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

36

Os processos decorrentes desse cenário de

crescente individualização e incentivos irrefreáveis ao

consumo - em larga escala - estão presentes na

maneira como vivemos e nos relacionamos

atualmente. Nossas vidas, nossas subjetividades.

Quem achamos que somos, nossas relações

interpessoais e nossas práticas de consumo

obedecem a esses processos e padrões, de forma

consciente e inconsciente, como será discutido a

seguir.

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37

Parte II

A sociedade de consumidores.

Page 40: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

38

Page 41: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

39

A transição entre dois modelos de

sociedade

intensificação do modelo de estímulo

ao consumo desenfreado, após as

décadas de 1960 e 1970, trouxe consequências que se

refletem na estrutura de nossas sociedades atuais.

Tenham sido graças às forças políticas do mercado

ou à ação direta dos Estados, é certo que o

consumismo se tornou regra:

Para que uma sociedade adquira esse

atributo, a capacidade profundamente

individual de querer, desejar e almejar deve

ser, tal como a capacidade de trabalho na

sociedade de produtores, destacada

(‗alienada‘) dos indivíduos e

reciclada/reificada numa força externa que

coloca a ‗sociedade de consumidores‘ em

movimento e a mantém em curso como uma

forma específica de convívio humano,

A

Page 42: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

40

enquanto ao mesmo tempo estabelece

parâmetros específicos para as estratégias

individuais de vida que são eficazes e

manipula as probabilidades de escolha e

conduta individuais (BAUMAN, 2007, p.

41).

Porém, como aponta Bauman, o momento

histórico anterior nos mostrava características

diferentes das atuais. Para ele, “o „consumismo‟ chega

quando o consumo assume o papel-chave que na

sociedade de produtores era exercido pelo trabalho”

(BAUMAN, 2007, p. 41).

Tal sociedade, chamada de “sociedade de

produtores”, foi o tipo de organização que dominou a

vida humana durante a maior parte de nossa

existência moderna. Esse corpo social era regido por

regras e valores diametralmente opostos aos que

observamos nos dias de hoje - dias que fazem parte

de uma estrutura mais complexa, muito suscetível a

Page 43: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

41

rápidas mudanças e nos quais as relações são mais

frágeis e efêmeras.

O auge da era dominada pelos “produtores‖ foi

a fase de surgimento e crescimento das grandes

indústrias, dos exércitos de massas, com o domínio

moral das regras burocráticas, que exerciam seu

poder em relação ao comportamento das pessoas.

Esse modelo de regulação e dominação da vida

humana, empenhado em implantar disciplina e

subordinação, criou um ideal de comportamento

individual baseado em sua própria padronização e

rotinização.

Uma sociedade engessada, presa aos padrões

tradicionais e que, portanto, tinha a segurança como

valor máximo. Segurança que deveria permear todas

as instâncias daquela sociedade. No que se refere, por

exemplo, ao consumo, os bens mais valorizados eram

aqueles grandes, resistentes e duráveis. Aqueles nos

quais se depositaria a confiança contra as peripécias

que a vida poderia - e provavelmente iria - pregar.

Page 44: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

42

Carros grandes, casas espaçosas, cofres,

eletrodomésticos robustos, joias e outros bens de

valor altíssimo, foram, por muito tempo, sinônimos

de estabilidade, resiliência e perenidade frente ao

sempre imprevisível e incerto destino. E, da mesma

forma que as características desses objetos

representavam por si só um espírito dessa época, as

ide ias de preservação, cuidado e manutenção que

seus donos cultivavam também eram um símbolo

desse paradigma da segurança que regia aquelas vidas.

Esse modelo e essa relação de consumo vão

além da ideia comum de que o desejo das pessoas ao

consumir é, primeiramente, obter e acumular objetos

que proporcionem a elas conforto e respeito. Nas

próprias palavras de Bauman:

A sociedade de produtores, principal modelo

societário da fase 'sólida' da modernidade, foi

basicamente orientada para a segurança.

Nessa busca, apostou no desejo humano de

um ambiente confiável, ordenado e regular,

Page 45: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

43

transparente e, como prova, disso, duradouro,

resistente ao tempo e seguro. Esse desejo era

de fato uma matéria-prima bastante

conveniente para que fossem construídos os

tipos de estratégias de vida e padrões

comportamentais indispensáveis para atender

à era do 'tamanho é poder' e do 'grande é

lindo' (...) (BAUMAN, 2007, p. 42).

A transição do antigo modelo de produção

para o modelo que atendeu às necessidades de

reestruturação do capitalismo também marcou uma

reforma da função dos Estados em suas sociedades e

na regulação de suas economias. Para aumentar a

eficiência do sistema, o Estado capitalista deveria

garantir que os encontros entre capital e força de

trabalho acontecessem de forma eficiente - para os

dois lados - e recorrente.

Tais encontros permitiram que a roda do

sistema continuasse a girar, sem empecilhos, e capital

e trabalho puderam manter sua relação de

Page 46: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

44

interdependência. Os empregadores mantiveram seus

meios de produção ativos e os trabalhadores

continuaram empregados, tendo sua renda e seus

direitos mais básicos preservados. Para o lado do

capital, incentivos fiscais e industriais. Para o

trabalho, um Estado de bem-estar social:

No entanto, para que alcance tal culminação

em todos os encontros, (...), o capital deve ser

capaz de pagar o preço corrente da

mercadoria, estar disposto a fazê-lo e ser

estimulado a agir de acordo com essa

disposição - garantido por uma política de

seguros endossada pelo Estado contra os

riscos causados pelos notórios caprichos dos

mercados de produtos. O trabalho, por outro

lado, deve ser mantido em condição

impecável, pronto para atrair o olhar de

potenciais compradores, conseguir a

aprovação destes e aliciá-los a comprar o que

estão vendo. Assim como encorajar os

capitalistas a gastarem seu dinheiro com

Page 47: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

45

mão-de-obra, torná-la atraente para esses

compradores é pouco provável sem a ativa

colaboração do Estado. As pessoas em busca

de trabalho precisam ser adequadamente

nutridas e saudáveis, acostumadas a um

comportamento disciplinado e possuidoras

das habilidades exigidas pelas rotinas de

trabalho dos empregos que procuram

(BAUMAN, 2007, p. 15).

Esse processo de promoção e qualificação

desses encontros é o que Jürgen Habermas chamou

de "recomodificação" das relações entre trabalho e

capital. Todavia, os Estados nacionais foram

perdendo sua capacidade de suscitar tais encontros. A

partir dos anos 1970, com as crises do petróleo e do

fordismo, a doutrina liberal ganhou força nos debates

econômicos, tendo como objetivos a abertura e a

conquista de novos mercados. Isso forçou os

Estados a diminuírem progressivamente seu poder de

participação e regulação da vida econômica.

Irromperam então diversos processos de

Page 48: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

46

terceirização e privatização e os governos foram

abrindo mão de seu papel e de sua responsabilidade

na promoção da recomodificação.

Aos poucos, a alternativa que restou às

pessoas foi procurar na iniciativa privada por

possibilidades que ajudassem a promover o encontro

de sua mão de obra com o capital. Todavia, ao

relegar essa tarefa à iniciativa privada, os Estados

permitiram que os cidadãos consumissem tais

produtos e serviços movidos por um único interesse:

o retorno financeiro.

No caso da educação, por exemplo, se um

governo deixa de prover alternativas públicas e de

qualidade, e passa a incentivar apenas instituições

privadas, as pessoas passarão a consumir educação

visando ao valor que aquele produto agregará ao seu

currículo e, em última instância, ao que será mais

valioso para os olhos do mercado de trabalho.

Page 49: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

47

Vários problemas emergem quando o Estado

deixa de promover a recomodificação do capital e do

trabalho. O mais grave deles é que, a partir desse

momento, as pessoas deixam de ser apenas cidadãs

ou indivíduos com subjetividades determinadas por

outros fatores, e começam a se tornar seres

semelhantes às mercadorias, com características

individuais - talvez até exclusivas - que lhes conferem

ou aumentam sua valia, como se possuíssem um

valor de mercado.

Não é apenas a falta de influência das ações

governamentais que torna os humanos mais

parecidos com produtos industrializados, é claro.

Contudo, ocorre que o mercado de trabalho é apenas

um - e, na verdade, um dos mais importantes -

mercados nos quais a vida humana está inserida. O

preço que cobramos e o investimento pessoal em

nossa própria mão de obra são mais algumas das

variáveis que devemos planejar nas nossas vidas

particulares. Porém, as regras que determinam esse

Page 50: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

48

jogo de consumo de mão de obra, como relembra

Bauman, valem para todos os tipos de mercado:

Primeira: o destino final de toda mercadoria

colocada à venda é ser consumida por

compradores. Segunda: os compradores

desejarão obter mercadorias para consumo se,

e apenas se, consumi-las for algo que prometa

satisfazer seus desejos. Terceira: o preço que

o potencial consumidor em busca de

satisfação está preparado para pagar pelas

mercadorias em oferta dependerá da

credibilidade dessa promessa e da intensidade

desses desejos (BAUMAN, 2007, p. 18).

Entretanto, diferente do que possa parecer, a

atual condição dos indivíduos participantes da

“sociedade de consumo‖ não se dá pela sua separação

entre agentes consumidores e agentes que serão

consumidos. Pelo contrário: o aspecto mais marcante

de sua condição é que a relação entre sujeitos e

objetos se dá de maneira confusa. É difícil identificar

Page 51: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

49

os limites entre um e outro. Suas diferenças estão

borradas, praticamente apagadas. Nessa sociedade,

todos os indivíduos são, ao mesmo tempo,

mercadorias e compradores: “Na sociedade de

consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem

primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter

segura a sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e

recarregar de maneira perpétua as capacidades

esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável”

(BAUMAN, 2007, p. 19).

Cultura consumista e estratificação

desenvolvimento da “sociedade de

consumo‖ se deu de forma gradual,

conforme o estímulo ao consumo foi se tornando

mais intenso e corriqueiro. Essa cultura consumista,

com o tempo, tornou-se tão banalizada que tomou

para si, inclusive, as relações humanas: “Esse feito

notável foi alcançado mediante a anexação e

O

Page 52: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

50

colonização, pelos mercados de consumo, do espaço

que se estende entre os indivíduos - esse espaço em

que se estabelecem as ligações que conectam os seres

humanos e se erguem as cercas que os separam”

(BAUMAN, 2007, p. 19).

Para Bauman, na “sociedade de consumidores”, as

relações humanas acontecem da mesma forma que as

relações de compra e venda de produtos. Os seus

participantes, então, se definem, ainda que de forma

subjetiva e inconsciente, como mercadorias

disponíveis num imenso mercado de relações

humanas:

Os encontros dos potenciais consumidores com

os potenciais objetos de consumo tendem a se

tornar as principais unidades da rede

peculiar de interações humanas conhecida, de

maneira abreviada, como ‗sociedade de

consumidores‘. Ou melhor, o ambiente

existencial que se tornou conhecido como

‗sociedade de consumidores‘ se distingue por

Page 53: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

51

uma reconstrução das relações humanas a

partir do padrão, e à semelhança, das

relações entre os consumidores e os objetos de

consumo (BAUMAN, 2007, p. 19).

Nesse mercado, em que não se pode precisar

o que - ou quem - é objeto de consumo e o que - ou

quem - é consumidor, tudo é homogêneo. Na

realidade, todos os integrantes desse mercado são

parte de um mesmo ciclo incessante de mercadorias

que esperam encontrar seu destino nas mãos de um

comprador que, por sua vez, consome, pois espera

conseguir encontrar seu destino nas mãos de outro

consumidor que, por sua vez, consome, pois espera

conseguir encontrar seu destino nas mãos de outro

consumidor que, por sua vez…

Esse ciclo vicioso que agoniza os

consumidores/mercadorias é natural: a esperança

fundamental desses sujeitos é construir determinada

subjetividade que seja - e aparente ser - uma

mercadoria com atributos suficientemente atraentes,

Page 54: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

52

que os destaquem da “massa de objetos indistinguíveis”

(p.21). Em outras palavras, todos querem consumir,

ao mesmo tempo em que desejam ser consumidos

para se destacar dos demais. Aqui, os atos de

“consumir” e “ser consumido” têm uma relação

recíproca de causa e consequência.

Tal arranjo social só poderia nascer graças a

uma cultura consumista massificada. Para Bauman,

“cultura consumista é a maneira irrefletida pela qual

os indivíduos se comportam, sem considerar quais

são seus objetivos de vida e os meios para alcançá-

los” (BAUMAN, 2007, p. 20). Dessa forma, a

“sociedade de consumidores” representaria, também, um

conjunto de condições existenciais que estimulam os

indivíduos a abraçar a cultura consumista - ainda que

de maneira acrítica.

Os estímulos que a “sociedade de consumidores”

cria atingem a todos, sem exceção. Homens,

mulheres, crianças e indivíduos de diferentes classes

sociais estão sujeitos a abraçar a cultura consumista e

Page 55: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

53

defini-la como o estilo de vida a ser seguido. E, mais

do que um estilo de vida, estão propensos a viver

essa cultura como “um direito e um dever humano e

universal” (BAUMAN, 2007, p. 73). A questão que se

impõe aqui é que a “sociedade de consumidores”,

estimulada por uma cultura consumista massificada,

institui a todos, sem distinção, o consumismo como

estilo de vida obrigatório. Uma regra tácita, mas que

prevê consequências graves àqueles que não a

seguem.

Tal sociedade está preparada - e tem o hábito

- de interpelar seus participantes a todo o momento e

os avaliarem segundo sua cultura e suas regras. Dessa

forma, pode avaliar - recompensando ou punindo -

seus membros de acordo com a sua capacidade de

desempenho de consumo e, em última instância,

acaba por desencadear um processo de estratificação,

inclusão e exclusão a partir desses parâmetros.

A ‗sociedade de consumidores‘, em outras

palavras, representa o tipo de sociedade

Page 56: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

54

promove, encoraja ou reforça a escolha de um

estilo de vida e uma estratégia social

consumistas, e rejeita todas as opções

culturais alternativas. Uma sociedade em que

se adaptar aos preceitos da cultura de

consumo e segui-los estritamente é, para todos

os fins e propósitos práticos, a única escolha

aprovada de maneira incondicional. Uma

escolha viável e, portanto, plausível - e uma

condição de afiliação (BAUMAN, 2007,

p. 73).

Em adição ao poder de avaliação e segregação

que a cultura consumista impõe incessantemente aos

seus afiliados, ela estabelece o esforço individual

como o único fator responsável pelo sucesso ou pelo

fracasso de seus membros. Esses consumidores são,

então, alvejados por diversos estímulos discursivos

que os farão acreditar que as ferramentas para atingir

o sucesso, a autoestima e o status social que desejam

estão ao alcance de suas mãos, basta um pouco de

empenho. Porém, “consumidores de ambos os sexos,

Page 57: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

55

todas as idades e posições sociais irão sentir-se

inadequados, deficientes e abaixo do padrão a não ser

que respondam com prontidão a esses apelos”

(BAUMAN, 2007, p. 74).

Dessa forma, todo e qualquer cidadão que

não consiga desempenho satisfatório no ambiente de

consumo será marginalizado de forma irrevogável.

Em suas interpelações, a sociedade julga improcedente

qualquer argumento que sugira causas estruturais,

históricas ou externas ao indivíduo para justificar tal

fracasso. Por isso, consumir faz-se algo tão

necessário. É, ao mesmo tempo, um investimento e

uma condição de salvação. Consumir da maneira

correta e na quantidade fundamental garante não só

pertencimento, mas também uma posição de

destaque.

Page 58: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

56

Distinção e escalada social

ara muitos autores, o consumo, na

sociedade atual, assume papel de dos

principais fatores que estabelecem diferenças sociais

entre indivíduos. Ainda que as organizações sociais se

deem majoritariamente pela determinação dos grupos

que chamamos comumente de classes sociais, cada

ser humano busca diferenciar-se dos demais no

contexto em que se insere. Em maior grau, busca

distinguir-se dos indivíduos de classes sociais

diferentes e, em menor grau, dos próprios

participantes de sua classe social.

Para Pierre Bourdieu, é o habitus o princípio

gerador de todas as práticas humanas. Ele estaria

intimamente relacionado ao gosto individual de cada

ser humano, mas - por mais contraditório que isso

pareça - ele é semelhante entre todos os membros de

uma mesma classe social. Dessa forma, é quase

P

Page 59: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

57

instintivo concluir que o habitus define os estilos de

vida de cada uma delas:

O estilo de vida é um conjunto unitário de

preferências distintivas que exprimem, na

lógica específica de cada um dos subespaços

simbólicos, mobília, vestimenta, linguagem ou

hexis corporal, a mesma intenção expressiva,

princípio de unidade de estilo que se entrega

diretamente à intuição e que a análise destrói

ao recortá-lo em universos separados

(BOURDIEU, 1983, p. 83/84).

Neste momento, é pertinente colocar uma

observação. Pertencer a um grupo - ou mesmo se

definir como membro de um grupo - significa, em

linhas gerais, escolher e tomar para si todas aquelas

características e atribuições pertencentes a tal grupo

e, da mesma forma, excluir ou renegar tudo aquilo -

Page 60: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

58

ou a maior parte - que pertence ao campo de outros

grupos.4

Nesse sentido, Bourdieu traça algumas

diferenças básicas entre as diferentes classes sociais

no que diz respeito aos seus comportamentos,

hábitos de consumo e acesso a informações e cultura.

Para o autor, as classes populares, por sua

condição econômica e social desprivilegiada, têm

uma característica de conformismo e hedonismo na

maneira como consomem. Esse perfil é, justamente,

consequência do fato de que seu poder de consumo

está restrito aos itens mais básicos e que lhe garantem

sobrevivência. Por sua educação rudimentar e acesso

falho à informação, essas classes detêm apenas um

conhecimento técnico e ignoram o conhecimento

teórico, o que as diferenciam daqueles que são donos

de posições de privilégio.

4 Kath Woodward, em seu livro Understanding Identity, mostra uma série de componentes da identidade humana. Um dos pontos mencionados é que as identidades são relacionais. Isto é: elas são construídas por meio de relações de diferença, como “nós” e “eles”.

Page 61: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

59

As classes mais altas, dos setores mais nobres

de uma sociedade, são definidas como o contraponto

exato das classes mais inferiores. São tidas como a

vanguarda do consumo e estendem esse hábito

àqueles itens que podem ser considerados

dispensáveis para o encaminhamento satisfatório de

suas vidas. Ou seja, vivem uma vida de luxo. São os

donos dos meios de produção e, por uma relação de

causa e consequência, são também os donos do

conhecimento teórico e científico dentro da

sociedade.

Ao mesmo tempo, a classe intermediária,

também chamada de “pequeno-burgueses”, encontra-se

em fase de transição em relação às duas classes já

citadas. É fruto da ascensão social e, portanto,

originária das classes mais baixas. Como tal, não

possui grande conhecimento acadêmico - ou teórico,

porém se diferencia, pois apresenta o que Bourdieu

define como “boa vontade cultural”. Ou seja, a classe

intermediária está disposta a buscar e consumir cada

vez mais cultura. E consome, pois, consegue

Page 62: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

60

reconhecer o valor que existe na arte e cultura, mas

não detém o conhecimento necessário para

completar satisfatoriamente esse processo de

apropriação cultural. Dessa forma, é induzida a

“comprar” cultura, arte e conhecimento para

consumi-los, mesmo que seja um tipo de

manifestação mais próxima de sua realidade (figura

2).

Figura 2

Page 63: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

61

Fica evidente o caráter de oposição com que

as classes sociais se determinam. Soma-se a isso um

processo de transição dessa autodeterminação, no

qual a classe média tenta se afastar da herança das

classes subalternas e se aproximar da tradição cultural

das classes dominantes. Contudo, para a camada

mediana, a impossibilidade de completar sua

apropriação cultural lhe obriga a se contentar com as

formas mais industrializadas de arte e cultura.

Essa mistura de gêneros, essa confusão de

ordens, essa espécie de bricabrique onde se

alinham os produtos legítimos ‗fáceis ou

ultrapassados‘, fora da moda,

desclassificados, portanto, desvalorizados -

posto que um símbolo de distinção

apropriado com atraso perde tudo que faz

seu valor distintivo - e os produtos ‗médios‘ -

do campo de produção em massa, é a imagem

objetivada da cultura pequeno-burguesa

(BOURDIEU, 1983, p. 112).

Page 64: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

62

Já para Jean Baudrillard, o consumo: “É uma

função social de prestígio e de distribuição

hierárquica” (BAUDRILLARD, 1996, p. 10).

Tal função tem como maior objetivo a

distinção social. Segundo Baudrillard, essa

diferenciação acontece porque o valor de troca de

uma mercadoria, ou bem de consumo, supera sua real

necessidade, ou seu valor de uso, graças à ideologia

ligada a esse produto. É o que ele chama de “troca-

signo”: existe um significado real para a existência

desse objeto e para a sua troca.

Para o autor, ainda, os objetos e sua

existência, posse e consumo são signos da ascensão

social que os consumidores buscam incessantemente.

O objetivo de cada indivíduo é ser reconhecido como

parte de determinada classe, ou ser aceito por um

determinado grupo, ainda que todos busquem se

diferenciar dentro desses mesmos contextos. Nota-se

um paralelo com o momento histórico, em meados

Page 65: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

63

do século XX, quando a indústria encontrou no

toyotismo uma maneira mais eficaz de produzir. Na

lógica do sistema capitalista, essa é a força que

empurra o desenvolvimento econômico, sendo o

consumo o centro do progresso.

Contudo, há alguns detalhes que nos

impedem de assegurar que o consumo, por si só,

pode estabelecer a pretendida distinção social. Para

Baudrillard, a ambicionada ascensão social por meio

do consumo é, na verdade, um movimento cíclico

que ilude o consumidor. O autor alerta que não é

apenas o objeto consumido que determina a

distinção:

Podemos certamente num primeiro tempo,

considerar os objetos em si próprios e a sua

soma como índice de pertença social, mas é

muito mais importante considerá-los, na sua

escolha, organização e prática, como suporte

de uma estrutura global do ambiente

circundante, que é simultaneamente uma

Page 66: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

64

estrutura ativa de comportamento

(BAUDRILLARD, 1996, p. 17).

É preciso adicionar à analise outras

características, como a maneira que o produto é

usado, como ele foi comprado, com qual finalidade e

assim por diante. Por isso, é possível notar a ideia de

que existe um choque de classes no que se refere ao

consumo de bens. Mesmo que cidadãos de classes

diferentes consumam o mesmo produto, eles ainda o

farão de maneiras muito diversas. Dessa forma,

existiriam dois grupos diferentes no campo do

consumo: um grupo de pertença, que detém os

objetos como se tivesse um direito adquirido sobre

sua posse; e um grupo de referência, que busca a

todo momento se aproximar do primeiro grupo. É

nessa relação que está todo o jogo de construção da

distinção e o embate entre as classes (figura 3).

Page 67: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

65

Figura 3: O Bonde do Canguru fez sucesso na cena do funk ao afirmar que têm tudo o que querem:

carros r motos de luxo, dinheiro e mulheres.

Além dessa relação, há outro fator - ainda

mais importante - que impede que o consumo seja

fator de ascensão social: a brutal obsolescência dos

produtos que é imposta pela indústria atualmente.

Essa particularidade é central para que o consumidor

esteja preso em um ciclo que não o tirará do lugar na

escala social, pois, como aponta Bourdieu, a

satisfação de um desejo leva à criação de outro

desejo.

Page 68: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

66

Mas o contínuo atendimento dessas vontades

tem efeitos diferentes para cada classe social. Para as

mais baixas, tais novas necessidades não passam de

supérfluas, algo que extrapola a necessidade básica,

sendo, portanto, um luxo. Já para as classes mais

altas, elas são, de fato, necessidades. Assim, já é

possível notar que a distinção não vem apenas da

capacidade de cada cidadão em consumir, mas sim da

capacidade individual em continuar consumindo. E,

como aponta Baudrillard, quando uma classe inferior

consegue atingir determinado nível de consumo, as

classes mais altas - na intenção de se manterem

diferentes - rapidamente trocarão seus objetos por

outros mais novos, mais valiosos e mais notáveis.

Lembrando de Hobbes, em ―O Leviatã‖:

E ao homem é impossível viver quando seus

desejos chegam ao fim, tal como quando seus

sentidos e imaginação ficam paralisados. A

felicidade é um contínuo progresso do desejo,

Page 69: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

67

de um objeto para outro, não sendo a

obtenção do primeiro outra coisa senão o

caminho para conseguir o

segundo.......Assinalo assim, em primeiro

lugar, como tendência geral de todos os

homens, um perpétuo e irrequieto desejo de

poder e mais poder, que cessa apenas com a

morte (HOBBES, 1651, p. 60).

O Leviatã trata da natureza do homem e da

sua relação com a sociedade e com o Estado. Nesse

trecho, Hobbes postula que o que nos move,

enquanto humanos vivendo fora de sua condição de

natureza, é a satisfação de novos desejos, o que nos

levaria à felicidade. Porém, segundo essa linha de

raciocínio, se a vida é uma sucessão de satisfação e

nascimento de desejos, pode-se afirmar que a

permanência nessa lógica da cultura consumista

também nos relega a uma condição de aflição e

paralisia, pois o desejo íntimo e a busca pelo

progresso e desenvolvimento dentro da estrutura de

Page 70: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

68

classes não se completam exclusivamente por meio

do consumo.

O Paradigma do Desejo

frase de Thomas Hobbes se adequa

perfeitamente à definição que

pretendemos fazer da “sociedade de consumidores”. A

relação profunda que existe entre os homens, a

satisfação dos seus desejos e a busca pela felicidade

são, também, pilares nos quais sociedade e economia

voltadas para o consumo se sustentam.

No mundo dominado pelos consumidores, a

satisfação dos desejos tem um papel de destaque,

afinal, é esse um dos objetivos de qualquer relação de

compra. Todavia, esse modelo representa uma

quebra de paradigma em relação ao antigo modelo da

“sociedade de produtores”. É uma aparente contradição:

se antes a segurança era o valor máximo, tendo a

A

Page 71: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

69

estabilidade, a prudência e a durabilidade como os

grandes atributos de tudo aquilo que era consumido,

o modelo em que o consumo é ilimitadamente

estimulado não pode partilhar de tais

particularidades.

As mesmas propriedades também eram

transmitidas pelos pesados cofres de aço em

que eram guardadas as joias entre as

periódicas exibições públicas, da mesma

forma que as minas, torres de petróleo,

fábricas e ferrovias que permitiam o

suprimento constante de rubis e diamantes e

os protegiam do perigo de serem vendidos ou

empenhados, e pelos palácios ornamentados,

no interior dos quais os proprietários das

jóias convidavam seus convivas a admirá-las

de perto - e com inveja. Eles eram tão

duradouros quando se desejava e esperava

que fosse a posição social, herdada ou

adquirida, que representavam (BAUMAN,

2007, p. 44).

Page 72: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

70

Se consumismo e durabilidade não podiam

coexistir, por razões lógicas e práticas, logo, um novo

modelo precisava surgir e tomar conta dos valores da

recente sociedade de consumidores. Rapidamente, as ideias

de segurança e longo prazo foram banidas do

imaginário coletivo. De certa forma, passaram até a

causar certa repulsa e foram associadas a outras ideias

de conotação negativa, como o tédio e a monotonia. Os

valores dominantes na nova sociedade são o exato

oposto: rapidez, agilidade e efemeridade.

Assim como aponta Hobbes, ao falar da

natureza humana, a essência dessa sociedade baseada

no consumismo não está na satisfação dos desejos

por meio das compras de bens quaisquer. A chave

para sua compreensão reside no fato de que o que a

sustenta - e, em última instância, o que a move - é o

volume crescente de novos desejos que ela estimula.

Page 73: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

71

Dificilmente poderia ser de outro jeito, já que

o consumismo, em ajuda oposição às formas

de vida precedentes, associa a felicidade não

tanto à satisfação de necessidades (como suas

‗versões oficiais‘ tendem a deixar implícito),

mas a um volume e uma intensidade de

desejos sempre crescentes, o que por sua vez

implica o uso imediato e a rápida

substituição dos objetos destinados a

satisfazê-la‖ (BAUMAN, 2007, p. 44).

Podemos afirmar que, se temos essa

quantidade excessiva de desejos que tem sido

estimulada pela estrutura da cultura consumista,

ficamos plenamente satisfeitos ao fazer uma compra?

Essa pergunta também evidencia outra

particularidade sobre a sociedade de consumidores. Na

verdade, a série infinita de desejos que sustenta essa

economia não pode dar-se ao luxo de ser satisfeita.

Pelo menos não completamente. É isso que explica a

existência dessa sucessão frenética de aspirações que

notamos. Se nossos desejos fossem plenamente

Page 74: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

72

satisfeitos, pela lógica, não teríamos novos desejos e,

dessa forma, a economia voltada para o consumidor

fracassaria.

É a contradição planejada e necessária para a

sobrevivência do sistema. Sistema esse que vende

uma ilusão, pois a maior promessa da sociedade de

consumidores é que ela é o único - ou o melhor -

modelo de sociedade que pode de fato proporcionar

as soluções para todas as aspirações individuais. Não

obstante, a promessa se alimenta da mentira: é

justamente a insatisfação crônica que mantém essa

proposição sedutora.

A sociedade de consumo prospera enquanto

consegue tornar perpétua a não-satisfação de

seus membros (e, assim, em seus próprios

termos, a infelicidade deles). O método

explícito de atingir tal efeito é depreciar e

desvalorizar os produtos de consumo logo

depois de terem sido promovidos no universo

Page 75: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

73

dos desejos dos consumidores (BAUMAN,

2007, p.64).

O papel das promessas aqui é de

protagonismo. Todas essas mensagens que circulam

pela sociedade, por definição, devem ser exageradas ou

falaciosas, a fim de garantir a futura frustração e/ou

um consequente novo desejo (figura 4). Seria de se

esperar que, aos poucos, esses discursos perdessem

relevância ou credibilidade, porém sua profusão e

seus exageros são de tal ordem que podem manter

viva a crença no consumo como solução, alívio e

causador da felicidade.

Figura 4: A Chevrolet prometeu algo que, provavelmente, o Monza não pode cumprir

Page 76: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

74

Tempo versus felicidade

uito além do enorme poder de

satisfação dos desejos dos

consumidores, que pretensamente afirma possuir, a

sociedade de consumo promete para seus participantes, a

todo momento, uma ideia ainda mais utópica e,

possivelmente, inalcançável: a felicidade em seu valor

máximo.

A ideia de segurança em longo prazo, que foi

substituída pela satisfação hedonista dos nossos

desejos, também promulgou uma alteração em nossa

relação com o tempo. Se antes as pessoas viviam com

o pensamento na preservação, conservação e

planejamento para se precaver das peripécias do

destino, vivendo com os pensamentos no amanhã,

atualmente, os desejos enfileirados e satisfeitos como

uma produção em série tendem a nos forçar a viver e

buscar contentamento no tempo presente, relegando

o amanhã a um papel de segundo plano.

M

Page 77: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

75

É a ideia de que o tempo deixou de ser linear

e passou a ser “pontilhista”: uma série de intervalos

sem conexões entre si, em que o mais relevante é o

instante, o momento. A ideia de progresso e de

continuidade já não existe mais e deu lugar a um

modelo no qual cada ponto, ou momento, é uma

oportunidade única e indispensável de felicidade.

Esse novo modelo vem bem a calhar para a sociedade

de consumidores: num contexto em que os desejos são

recicláveis, o tempo e os momentos que os compõem

também devem ser.

A instabilidade dos desejos e a

insaciabilidade das necessidades, assim como

a resultante tendência ao consumo

instantâneo e à remoção, também

instantânea, de seus objetos, harmonizam-se

bem com a nova liquidez do ambiente em que

as atividades existenciais foram inscritas e

tendem a ser conduzidas no futuro previsível

(BAUMAN, 2007, p. 45).

Page 78: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

76

Cada divisão do ―tempo pontilhista‖ é uma

oportunidade inegociável para ser feliz. Mas se essa

oportunidade não se concretiza no valor máximo

dessa sociedade, ela deve ser logo deixada para trás e

trocada por uma nova. Parar no tempo, nesse

sentido, é o erro mais grave que se pode cometer,

pois: “A sociedade de consumidores talvez seja a

única na história humana a prometer felicidade da na

vida terrena, aqui e agora e a cada „agora‟ sucessivo.

Em suma, uma felicidade instantânea e perpétua”

(BAUMAN, 2007, p. 60).

Com tantas ofertas ao dispor de todos e com

tantas chances sucessivas de ser feliz, e sendo o

consumo a ferramenta mais adequada para tal, o ideal

de felicidade deve ser até mais do que um anseio ou

um valor. Em última instância, a felicidade também é

uma métrica de avaliação do sucesso individual na

sociedade de consumidores. Se o sucesso em viver o estilo

consumista é um fator de estratificação, por

consequência, ser feliz também deve ser um método

Page 79: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

77

importante para determinar o lugar de cada indivíduo

nessa cultura.

Na verdade, essa é uma relação que pode ser

direta: não só porque a felicidade é o “valor máximo”

dessa sociedade, mas também porque é possível

observar uma grande quantidade de marcas vendendo

a felicidade por meio de seus anúncios. Essa

quantidade descomunal de felicidade que nos rodeia

o tempo todo tem, porém, seu lado perverso. O que

vemos, na verdade, pode ser entendido como

obrigatoriedade; e não como oportunidade. E viver

consumindo para cumprir essa obrigação da cultura

consumista pode, contraditoriamente, não nos

beneficiar com os sorrisos do contentamento:

(...) o consumo não é um sinônimo de

felicidade nem uma atividade que sempre

provoque sua chegada. O consumo, (...), não

é uma máquina patenteada para produzir

uma quantidade crescente de felicidade. O

contrário parece ser válido: como os relatórios

Page 80: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

78

coligidos com muito cuidados pelos

pesquisadores deixam implícito, entrar numa

‗esteira hedonista‘ não faz aumentar a soma

total de satisfação de seus praticantes. A

capacidade do consumo para aumentar a

felicidade é bastante limitada; não pode ser

estendida com facilidade para além do nível

de satisfação das ‗necessidades básicas de

existência‘ (...). E com muita frequência o

consumo se mostra desafortunado como ‗fator

de felicidade‘ quando se trata das

‗necessidades do ser‘ ou da ‗auto-realização‘

de Maslow (BAUMAN, 2007, p. 62).

Olhando para a questão sob a perspectiva

coletiva, as economias estruturadas para o consumo,

que são as mais desenvolvidas, também tendem a não

apresentar níveis de satisfação pessoal proporcionais

ao seu aumento de renda - e, presume-se, de

consumo. Ao contrário: esses cidadãos tendem a

sofrer cada vez mais com depressões, estresse, longas

jornadas de trabalho e relacionamentos deteriorados.

Page 81: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

79

É essa economia consumista que promove

deslealdade, derruba a autoconfiança, aumenta a

insegurança e causa os mais variados medos que,

concomitantemente, ela pretende aliviar.

O grande fascínio da cultura consumista é,

justamente, a oportunidade de começar de novo. Mas

se as múltiplas chances de renascer e se reinventar

são, na verdade, a única alternativa que essa sociedade

nos oferece - já que a opção por planos e

pensamentos de longo prazo deixou de ser viável, o

que resta aos cidadãos-consumidores é a “contínua

reconstrução da auto-identidade, com a ajuda dos kits

identitários fornecidos pelo mercado” (BAUMAN,

2007. p. 66).

Page 82: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

80

Page 83: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

81

Parte III

Tipos de identidade e o fetiche em que

acreditamos ao consumir

Page 84: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

82

Page 85: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

83

Identidades tardias

questão da identidade é explorada pelas

ciências sociais há muito tempo.

Diversas concepções do que compõe essa ideia, do

que é subjetividade e como elas são construídas, em

diferentes épocas da história humana, têm sido

discutidas. É um assunto complexo, abstrato e, mais

importante: composto por um vasto leque de

particularidades, o que faz dessa uma discussão

multifacetada. Por isso, alguns cuidados são

imprescindíveis. Há diversas formas de construir,

determinar e, até mesmo, perceber uma identidade

pessoal, afinal, como diz Bauman, “Perguntar „quem

é você‟ só faz sentido se você acredita que pode ser

outra coisa além de você mesmo” (BAUMAN, 2007,

p. 25). Religião, nacionalidade, etnia, gênero e uma

série extensa de características contribuem para a

formação do eu (figura 5). Porém, neste capítulo,

discutiremos como o consumo - e toda estrutura

social que o cerca - influencia a formação de nossas

identidades, além das implicações desse processo.

A

Page 86: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

84

Figura 5: A crise dos refugiados sírios que chegam à Europa: os imigrantes que têm suas

nacionalidades e seus direitos questionados e, em breve, também serão forçados a se questionar

sobre suas identidades.

A questão central dessa discussão se baseia no

fato de que os tempos modernos - a depender do

autor: pós-modernidade, modernidade tardia,

modernidade líquida etc. - estão forçando uma

intensa transformação do conceito que, desde o

Iluminismo, tínhamos cristalizado como a definição

da ideia de identidade. Imputava-se a ela a

incumbência de “definir o próprio núcleo ou essência

de nosso ser e fundamentar nossa existência como

sujeitos humanos” (HALL, 1992, p. 10)

Page 87: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

85

Atualmente, discute-se sobre o eventual

processo de “descentramento”, ou deslocamento, das

identidades modernas. Esse processo teria sido

deflagrado no momento em que as sociedades

modernas entraram em contraponto fundamental

com as sociedades tradicionais. É a mesma relação de

oposição existente entre a sociedade de produtores e

a sociedade de consumidores. Um modelo voltado

para segurança, perenidade e com o longo prazo

sempre em vista; outro, pensado para o tempo

presente, efêmero, em que tudo se transforma com

uma velocidade nunca antes vista.

Para as sociedades tradicionais, os costumes e

os hábitos eram meios de lidar com o espaço e com o

tempo. Justamente por essa razão, eram sociedades

em que o passado exercia forte influência, e as

mesmas práticas sociais se repetiam de forma

recorrente. Já as sociedades modernas

caracterizaram-se pelas mudanças rápidas e

constantes, além da análise e da reavaliação, a todo o

momento, dessas práticas sociais. Complementa-se a

Page 88: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

86

isso o fato de que as sociedades da modernidade

tardia são estruturadas nas diferenças entre seus

sujeitos e construídas sobre os antagonismos e

distinções sociais que tomam conta de toda a sua

estrutura. Isso produz diferentes “posições de

sujeito”, ou identidades (HALL, 1992, p. 17), que se

relacionam e se articulam, mas que mantêm seus

alicerces abertos e parcialmente indefinidos.

“Esse processo produz o sujeito pós-

moderno, conceptualizado como não tendo uma

identidade fixa, essencial ou permanente” (HALL,

1992, p. 18).

Transição e fragmentação das

identidades

maneira como a identidade e a

subjetividade das pessoas é analisada A

Page 89: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

87

mudou durante os séculos. Tais mudanças, como dito

acima, se deram pelas adaptações e evoluções nos

modos de vida, pelos avanços tecnológicos e

científicos e pelas transformações na economia e nas

relações comerciais das sociedades. Para Hall, são

três os tipos de sujeitos que podem ser observados

com mais clareza, ao longo desse processo histórico:

o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o

sujeito pós-moderno, por ordem de aparição a partir

das modificações citadas.

Em consonância com as mudanças que o

Iluminismo propôs, o “sujeito iluminista”

apresentava a ideia de se tratar de um ser

autocentrado e indivisível. Extremamente racional,

seria dono de uma natureza interna carregada consigo

desde o nascimento e que não se alteraria mesmo

durante o desenvolvimento da vida. Esse núcleo

imutável de cada ser humano é o que se chamava se

“identidade”.

Page 90: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

88

As transformações associadas à modernidade

libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis

nas tradições e nas estruturas. Antes se

acreditava que essas eram divinamente

estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto,

a mudanças fundamentais. O status, a

classificação e a posição de uma pessoa na

"grande cadeia do ser" — a ordem secular e

divina das coisas — predominavam sobre

qualquer sentimento de que a pessoa fosse

um indivíduo soberano (HALL, 1992, p.

18).

Tão logo a sociedade ganhou contornos

“modernos”, essa concepção de sujeito se alterou. A

ideia que passou a prevalecer salientava que a

identidade era influenciada pela mediação entre o

sujeito e o meio em que ele estava inserido. Assim, a

concepção de uma individualidade imutável, inerente

ao âmago de cada ser humano perdeu influência. Nas

sociedades modernas, o indivíduo já não era mais

entendido como um ser autônomo e alheio às

Page 91: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

89

condições externas; suas características naturais não

eram suficientes (figura 6).

Figura 6: René Descartes, pai da filosofia moderna, do pensamento cartesiano e formulador

da frase:

Os sujeitos, na verdade, determinavam suas

identidades na relação com as pessoas de seus

círculos. Elas eram responsáveis pela mediação entre

o ambiente, os valores, as tradições, a cultura e aquele

sujeito. Essa concepção, contudo, não excluiu a ideia

de uma “natureza” internalizada em cada pessoa: ela

só estaria submetida às influências e à mediação que a

interação com a sociedade pressupõe. As outras

diferentes identidades e valores disponíveis no corpo

social terminavam de constituir a subjetividade de

Page 92: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

90

cada indivíduo. Essa interação entre sujeitos e

sociedade - sujeitos projetando a si mesmos na

sociedade e internalizando valores e significados

provenientes dela - alinhou os sentimentos

individuais ao lugar que cada um ocupava nessa

estrutura. Dessa forma, as identidades e valores

coletivos tornaram-se intimamente ligados,

unificados e influenciáveis mutuamente.

Ainda era possível, no século XVIII,

imaginar os grandes processos da vida

moderna como estando centrados no

indivíduo ‗sujeito-da-razão‘. Mas à medida

em que as sociedades modernas se tornavam

mais complexas, elas adquiriam uma forma

mais coletiva e social. As teorias clássicas

liberais de governo, baseadas nos direitos e

consentimento individuais, foram obrigadas a

dar conta das estruturas do estado- nação e

das grandes massas que fazem uma

democracia moderna. As leis clássicas da

economia política, da propriedade, do

Page 93: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

91

contrato e da troca tinham de atuar, depois

da industrialização, entre as grandes

formações de classe do capitalismo moderno.

O empreendedor individual da Riqueza das

Nações de Adam Smith ou mesmo d'O

capital de Marx foi transformado nos

conglomerados empresariais da economia

moderna. O cidadão individual tornou- se

enredado nas maquinarias burocráticas e

administrativas do estado moderno (HALL,

1992, p. 20).

No contexto da modernidade tardia,

argumenta-se, foram justamente as mudanças dessas

estruturas sociais que, ao se relacionarem com os

indivíduos, promoveram o “surgimento” do “sujeito

pós-moderno”. Ao mesmo tempo, aconteceram

mudanças nas estruturas sociais, que se refletiram nas

identidades “disponíveis” na sociedade, e mudanças

nas identidades individuais. Além disso, o próprio

processo de identificação dos indivíduos na cultura já

Page 94: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

92

não se dava da mesma forma, tornando-se mais

transitório.

Essa concepção de sujeito pós-moderno

surgiu a partir da metade do século XX. Para Hall, o

“descentramento” das identidades, que resulta nessa

nova concepção, teria diversos motivos. A

reinterpretação da teoria marxista identificou que o

homem - tido como o autor independente de sua

própria história - era, na verdade, subordinado ao

contexto que lhe fora deixado por seus antepassados

e não tinha o poder soberano sobre seu destino. Os

estudos na área da psicanálise de Freud deram origem

à noção de que a identidade humana se dá, também,

em um ambiente inconsciente e subjetivo. Isso

acarretou circunstâncias de contradição, construção e

interpretação pessoal permanentes. O sistema

linguístico, na visão de Saussure, também teria papel

relevante nesse processo: a linguagem, para ele, era

um sistema social, externo ao controle humano. Ao

homem, caberia apenas a sua manipulação; e não o

controle completo sobre todos os seus significados,

Page 95: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

93

interpretações e contradições. A questão do “poder

disciplinar”, de Michel Foucault, adiciona a ideia das

instituições que exercem um papel de controle social

e disciplinam os homens: oficinas, quarteis, escolas,

prisões e hospitais. Por fim, movimentos sociais,

como o feminismo, que colocam em debate questões

de gênero, classe, papeis e obrigações sociais, além

dos limites entre o público e o privado.

Essas transformações sociais e

reinterpretações da questão da identidade dão a

origem a um novo modelo do que é o sujeito

humano: desprovido de um cerne fechado, fixo e

unificado. As identidades no mundo pós-moderno,

dominado pela globalização e pelo consumo de

massas, são múltiplas, contraditórias e encontram-se

em constante definição.

Page 96: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

94

Liberdade e fetiche

s ideias de Bauman sobre as identidades

no mundo atual estão plenamente de

acordo com as ideias apresentadas por Hall. Para

Bauman: “A fragilidade e a condição eternamente

provisória da identidade não podem mais ser

escondidas” (BAUMAN, 2005, p.22).

Porém, quando analisamos a questão

identitária não só sob a luz da sociologia clássica,

assim como Hall, mas também sob o conceito da

sociedade de consumidores, notamos outros aspectos

determinantes para sua formação no mundo líquido-

moderno. Hoje, o consumo tem papel fundamental

na definição de muitas das características e valores

que acreditamos dispor. Para além do fato de que a

sociedade de consumo pressupõe a fugacidade de diversos

aspectos da vida, o consumo - que também apresenta

seu caráter de alta frequência e ciclicidade - tomou

para si a responsabilidade de complementar nossas

identidades, por meio dos objetos disponíveis em

A

Page 97: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

95

abundância no mercado. Cada compra realizada, cada

produto usado, cada ingresso adquirido nos oferece a

chance exclusiva de construir uma narrativa particular

sobre nós mesmos.

Esse processo de formação das identidades

no mundo pós-moderno, especialmente no mundo

dominado pelas regras do consumo de massas, se dá

pelas noções de autoafirmação e de pertencimento

dos indivíduos na sociedade. Os sujeitos buscam

escolher os componentes de suas identidades e,

posteriormente, procuram reconhecimento de

determinado grupo.

É o que Bauman nos afirma:

Ainda que o que a pessoa esteja lutando

para exibir e tornar reconhecido esteja

destinado pelo ator a preceder, antecipar e

predeterminar a escolha da identidade

individual (atribuições étnicas, raciais,

religiosas ou de gênero reivindicam pertencer

Page 98: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

96

a essa categoria do eu), é o impulso de seleção

e o esforço de tornar a escolha publicamente

reconhecível que constituem a autodefinição

do indivíduo líquido-moderno (BAUMAN,

2007, p. 141).

Como se vê, a estrutura do sujeito pós-

moderno, definido por Hall, permanece indefinida na

fase líquida da modernidade. Essa abertura de nossas

definições pessoais está sujeita à influência da cultura

consumista, que oferece aos sujeitos, via mercado,

infinitas oportunidades de escolha para que a

subjetividade de cada um seja confortavelmente

complementada. Porém, seguindo a lógica da cultura

consumista, tais subjetividades são planejadamente

efêmeras, a fim de serem brevemente trocadas por

novas o mais rápido possível.

Construir planos longevos ou cultivar

identidades fixas e bem definidas ao longo de toda a

vida são reflexões das quais fugimos constantemente.

Page 99: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

97

As duas ideias se opõem à noção de liberdade de

escolhas que nós, cidadãos-consumidores, tanto

valorizamos. Costumamos achar que a grande

variedade de opções que vemos à nossa volta é o

maior indício da liberdade do qual gozamos. O livre

arbítrio em relação ao que consumir é um valor

inestimável e irrevogável dentro da sociedade de

consumidores. “A identidade coesa, firmemente fixada e

solidamente construída seria um fardo, uma

repressão, uma limitação da liberdade de escolha.

Seria um presságio da incapacidade de destravar a

porta quando a nova oportunidade estiver batendo”

(BAUMAN, 2005, p. 60).

Contudo, não nos damos conta de que todas

as opções que nos são oferecidas já estão

previamente planejadas e chegam aos pontos de

venda já concluídas, disponíveis apenas para serem

consumidas. Nossa ideia de liberdade não inclui o

poder de decisão sobre a produção de tantos

materiais. Não escolhemos suas características,

quantidades, tempo de vida útil e assim por diante.

Page 100: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

98

Também não temos a possibilidade de optar por não

consumir. Vivemos sob o constante risco de sermos

expulsos da sociedade se não cumprirmos,

reiteradamente, os ritos do consumo (figura 7).

Figura 7

Logo, se o estilo de consumo que praticamos

é determinante na formação nossas identidades

individuais, mas, ao mesmo tempo, somos obrigados

a consumir mais e mais a todo o momento, numa

frequência cada vez mais alta, é possível inferir que a

construção de nossas identidades por meio do

consumo não se dá de forma livre. Porém, enquanto

indivíduos e cidadãos, acreditamos em uma ilusão de

liberdade: tais identidades, tão frágeis e efêmeras, é

Page 101: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

99

que nos dariam a possibilidade de sermos livres.

Porém:

Uma escolha que essa liberdade não iria

reconhecer, garantir ou permitir é a decisão

(ou mesmo a capacidade) de continuar se

apegando à identidade já construída, ou seja,

ao tipo de atividade que também pressupõe, e

necessariamente exige, a preservação e

proteção da rede social na qual a identidade

se baseia ao mesmo tempo em que a reproduz

ativamente (BAUMAN, 2007, p. 136).

O postulado de Bauman nos deixa claro que,

na sociedade de consumidores, as identidades são frágeis e

se alteram a todo momento. Isso acontece porque

seus integrantes são interpelados pelas regras da

cultura consumista e, dessa forma, incentivados a

substituírem suas recém adquiridas identidades por

novos produtos. A todo o momento. Bauman relata

um caso curioso para ilustrar esse fenômeno:

Page 102: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

100

Após a introdução das ‗multas em

decorrência do congestionamento‘ para quem

dirigir carros no centro de Londres, ser

‗piloto de motoneta‘ se tornou imediatamente

algo obrigatório para os londrinos

preocupados com a moda (mas não,

obviamente, por muito tempo…). Não foi só

a motoneta que se tornou ‗um must‘, mas

também os trajes especialmente desenhados,

indispensáveis para qualquer um que deseje

apresentar em público sua nova ‗identidade

de piloto de motoneta‘ - como uma jaqueta de

couro da Dolce & Gabana, um tênis

vermelho da Adidas, um capacete prateado

da Gucci ou óculos de sol ao estilo atlético

com lentes amarelas da Jill Sander…

(BAUMAN, 2005, p. 91).

Os motoristas londrinos rapidamente

substituíram suas identidades, motivados por uma

interferência externa. Seja por causa da restrição

Page 103: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

101

imposta pela lei, ou por causa da influência de alguma

possível propaganda que incentivou o uso das

motonetas como alternativa, o fato é que os ex-

motoristas recorreram ao consumo de produtos

industrializados para construir, reforçar, e promover

a autoafirmação e o pertencimento de suas novas

identidades. Além das motonetas, que possivelmente

tinham uma razão prática para serem consumidas, a

construção e a afirmação de suas subjetividades

exigiram a aquisição de um “kit identitário”, recheado

de itens de marcas famosas que, em conjunto,

transmitiram socialmente os significados necessários

para que seus donos fossem entendidos como os

pilotos mais modernos de motonetas do centro de

Londres.

É certo que, de forma muito breve, esses

itens estavam ultrapassados, assim como, com efeito,

as identidades que, em conjunto, eles compunham.

Dessa forma, as lojas logo estariam repletas de novos

itens que garantiriam aos consumidores requalificar a

identidade já antiquada. Quem sabe o antigo

Page 104: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

102

motorista - e, rapidamente, já antigo piloto de

motoneta - não se tornou um ciclista? Para isso, seria

necessário um kit com capacete, luvas, roupas

esportivas, óculos, tênis adequados e, claro, uma

bicicleta. Talvez, em outra possibilidade, esse

transeunte do centro de Londres tenha decidido usar

o transporte público como alternativa de

deslocamento. Para isso, ele precisou abandonar os

itens que já havia comprado e os substituiu por

roupas formais, um sapato mais confortável, fones de

ouvido, gorros, cachecóis, uma edição do jornal

diário e um café do Starbucks.

A maior atração de uma vida de compras é

a oferta abundante de novos começos e

ressurreições (chances de ‗renascer‘). Embora

essa oferta possa ser ocasionalmente percebida

como fraudulenta e, em última, instância,

frustrante, a estratégia da atenção contínua à

construção e reconstrução da auto-identidade,

com a ajuda dos kits identitários fornecidos

pelo mercado, continuará sendo a única

Page 105: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

103

estratégia plausível ou ‗razoável‘ que se pode

seguir um ambiente caleidoscopicamente

instável no qual ‗projetos para toda a vida‘ e

planos de longo prazo não são propostas

realistas, além de serem vistos como

insensatos e desaconselháveis (BAUMAN,

2007, p. 66).

A “oferta fraudulenta” a que Bauman se

refere no trecho acima está relacionada com a

condição em que se dá a produção e o consumo dos

bens na sociedade de consumidores. Na sociedade de

produtores, a natureza do trabalho era escondida por

uma relação mercantilizada e pela venda de sua

capacidade. Já na sociedade de consumidores, a

subjetividade humana é camuflada por essa relação

entre consumidores e mercadorias, fazendo com que

sua verdadeira natureza se anuvie por trás de um

fetiche.

Se, antes, o fetichismo da mercadoria, para

Marx, omitia a interação humana que estava por trás

Page 106: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

104

da venda da força de trabalho, o que se vê atualmente

é que o fetichismo da subjetividade, para Bauman,

esconde a natureza inegavelmente humana que reside

no conceito de subjetividade. Porém, as relações de

consumo dessa sociedade ocultam esse caráter, como

se tentassem transferir o poder de construção das

subjetividades para os objetos trocados nas relações

de compra.

A ideia de fetiche pressupõe um aspecto de

fingimento, de disfarce, de devaneio. Já o conceito de

subjetividade define essa concepção como aquele

conjunto de aspectos, características ou condições

que transformam indivíduos em sujeitos. Dessa

forma, é cruel concluir que as relações de compra e

consumo, que nos são impostas a todo momento,

determinam a criação de uma ilusão em relação

àquilo que achamos que somos e pretendemos ser

(figura 8).

Page 107: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

105

Figura 8

Toda vez que usamos o cartão de crédito para

realizar uma compra de um bem de consumo,

estamos contratando uma mentira sobre nós

mesmos. Aquele objeto que carrega a promessa de

nos tornar pessoas melhores, mais bonitas, mais

adequadas, mais modernas tem um poder restrito e

temporário de cumprimento da sua incumbência. Em

um primeiro momento, é possível que o objetivo da

compra seja, de fato, alcançado. Podemos realmente

nos sentirmos melhores, mais belos ou nos

adequarmos socialmente a uma situação por conta

dos objetos que compramos e ostentamos. No

entanto, é impossível afirmar que eles estabelecerão

uma relação com o que há de mais íntimo e subjetivo

em nós. Esses itens, na melhor das hipóteses, se

relacionarão de forma eficiente com nossas

Page 108: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

106

aparências ideais. No jogo social de signos e

significados, isso pode ser suficiente. Porém, é pouco

se quisermos atribuir a eles a responsabilidade de

completar nossa existência de forma mais profunda.

A frase de Hall elucida bem o que se entende

pelo fetiche das mercadorias. Identidades formadas por

meio do consumo, mesmo que tenhamos a

consciência de sua transitoriedade, não passam de

uma ilusão.

“Se sentimos que temos uma identidade

unificada desde o nascimento até a morte é apenas

porque construímos uma cômoda estória sobre nós

mesmos ou uma confortadora „narrativa do eu‟”

(HALL, 1992, p. 80).

Page 109: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

107

Considerações finais

esse relato sobre a vida baseada no

consumo que levamos, pudemos

percorrer algumas das características mais básicas da

sociedade de consumidores, bem como alguns aspectos

sobre a maneira como acreditamos definir nossas

identidades.

É nítida a influência que as decisões

econômicas têm na vida das pessoas. Mais nítido

ainda é o fato de que tais decisões pouco consideram

- ou percebem – sua capacidade de influência. Por

um lado, o desenvolvimento econômico se coloca

como o grande viabilizador do desenvolvimento

humano. Assume o papel de responsável por fazer,

metaforicamente, o planeta girar e se mover, além de

promover o desenvolvimento tecnológico que tanto

impacta a qualidade e a maneira como vivemos

nossas vidas, nossas relações, valores e visões de

mundo. Contudo, pelo outro lado, tal

desenvolvimento também é responsável pela radical

N

Page 110: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

108

quebra de paradigmas sociais no mundo pós-

moderno. Gozamos dos benefícios econômicos, mas

pagamos um preço alto para sustentar esse modelo.

Grandes resultados da organização

econômica do século XX, o advento da sociedade de

consumidores e a disseminação da cultura consumista,

provocaram consequências dramáticas para a vida em

comunidade: a cultura do lixo, do grande descarte de

materiais, o consumo não sustentável dos recursos

naturais - que Bauman também define de forma clara,

entre outros.

A mudança de modelo econômico

transformou nossa relação com o trabalho, com

nossos grupos e com os objetos que nos cercam.

Para se fazer uma análise do consumo é importante

notar que os frutos de nossa produção deixaram de

ser símbolo de segurança e estabilidade para serem

sinônimos de distinção, notoriedade, respeito, bom

gosto e, por último, responsáveis por construir

nossas subjetividades. A presença de bens de

Page 111: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

109

consumo no nosso cotidiano só aumenta, à medida

que a propaganda e o crédito continuam estimulando

a alta demanda, enquanto as indústrias restringem sua

produção a bens com prazo de validade

extremamente breve. Essa relação material, como era

de se imaginar, não poderia resultar em algo saudável.

Pelo contrário: o exagero extremo sob o qual nos

submetemos à vida de consumo tende a, na maioria

dos casos, nos trazer consequências graves,

especialmente do ponto de vista pessoal.

Ao aceitarmos a lógica do consumo - que, na

verdade, nos é imposta como regra - como condutora

do resto de nossas vidas, trazemos para esses setores,

também, toda a lógica das relações consumistas.

Tornamo-nos seres extremamente individualistas,

mercantilizamos nossas relações, permitimos que

tudo se torne efêmero e passageiro, assemelhamo-

nos mais a mercadorias ambulantes do que a sujeitos,

desejamos e precisamos ser consumidos por

terceiros, afastamos de nós a política e as soluções

coletivas, nos sentimos agoniados e ansiosos, libertos

Page 112: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

110

e aprisionados ao mesmo tempo, detentores do

poder de escolha, mas oprimidos pela obrigação de

escolher. E sempre inseguros sobre qual decisão

tomar.

O consumo é, por si só, uma atividade

solitária. Não prevê a construção de ligações

duradouras, sejam elas de qualquer natureza. Da

mesma forma, os poucos vínculos interpessoais que

nos sobram estão empobrecidos: se dão à luz e

semelhança de relações de compra e venda. Sendo

assim, o descarte e a substituição desses vínculos são

quase certos. Acreditamos no fetiche de que as

mercadorias que consumimos têm o poder de

transferir suas características - ou promessas -

diretamente para as nossas individualidades. Cremos,

cegamente, na propaganda que humaniza tais

produtos. E, uma vez que depositamos tanta

credibilidade nisso, passamos a acreditar que temos o

direito - quase divino - de receber produtos sob

encomenda, de acordo com nossas - fajutas e

efêmeras - personalidades. Cresce o nosso

Page 113: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

111

individualismo. Somos seres mimados, acostumados

a receber o afago do mercado. Alternativas de

consumo que não se adequem sob medida às nossas

demandas nem serão consideradas. Logo, tudo o que

é público, coletivo e que, por natureza, tem um

caráter genérico e pouco individual, não será capaz de

nos satisfazer. Porém, não somos capazes de

enxergar que não há individualidades representadas

no consumo de bens: ainda são produtos feitos em

massa, genericamente idealizados para suprir

qualquer tipo de identidade que se pretende imaginar.

Por fim, é o hedonismo, com o qual também

nos habituamos, que mais nos frustra. Nossas

identidades estão postas em xeque a todo momento,

necessitando serem repostas e substituídas, para que

possamos cumprir nosso primeiro e mais básico

desejo: sermos felizes. É um ciclo vicioso do qual

não se vê saída. Consumimos, inventamos uma nova

identidade, somos consumidos, consumimos mais,

inventamos outra identidade, somos consumidos e,

assim, sucessiva e indefinidamente.

Page 114: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

112

Essa é chave para entender o grito de

descontentamento dos “Rolling Stones”, ainda nos

anos 1960. Grito esse que não foi o único, muito

menos o último. Geração após geração, vemos

exemplos de jovens contestando essa lógica e o caso

do funk não é diferente. Ainda que não se possa

explicar o seu declínio unicamente pela negação da

vida consumista - pelo contrário, aqueles jovens

ainda desejam consumir cada vez mais, a diminuição

dos níveis de consumo produzida pela crise provoca

reflexão.

A questão que resta é: quanto mais

precisaremos consumir para nos darmos conta de

que nossas vidas podem ser menos vazias de sentido?

Page 115: Compra-se um Eu - O consumo como formador da identidade

113

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