comparação de metodologias para a purificação de...

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1 Comparação de Metodologias para a Purificação de Betanina Nathana B. Lopes 1 , Letícia C. P. Gonçalves 1 , Vani X. de Oliveira, Jr. 1 , Wilhelm J. Baader 2 , e Erick L. Bastos 1,* 1 Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil 2 Departamento de Química Fundamental, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil Betalaínas semi-sintéticas são obtidas através do acoplamento entre o ácido betalâmico e aminoácidos/aminas ou ciclo-DOPA. Para a obtenção deste precursor betalaínico é necessária a purificação da betanina, principal pigmento da beterraba, que em meio alcalino é hidrolisado formando o ácido betalâmico. Este trabalho compara metodologias para a pré-purificação da betanina a partir do extrato de beterraba (Beta vulgaris, subsp. vulgaris), através da avaliação da eficiência de purificação e do rendimento de cada método. Palavras-chave — betalaínas, betanina, cromatografia, pigmentos naturais I. INTRODUÇÃO interesse do consumidor por produtos naturais tem crescido consideravelmente nos últimos anos por estes serem associados a efeitos terapêuticos e à preservação do meio ambiente. Neste contexto, a descoberta e a semi-síntese (síntese utilizando reagentes obtidos a partir de produtos naturais) de novos pigmentos naturais apresentam grande perspectiva econômica [1,8]. As quatro principais classes de pigmentos naturais são as antocianinas, betalaínas, carotenóides e clorofilas. As betalaínas receberam menor atenção científica do que as outras classes devido à sua ocorrência restrita à maioria das famílias da ordem Caryophyllales e a alguns gêneros de fungos Basidiomicetos. Entretanto, devido à recém-descoberta de sua atividade antioxidante e fluorescência, as betalaínas vêm recebendo maior interesse [2]. Do ponto de vista químico, betalaínas são compostos nitrogenados, resultantes do acoplamento de um cromóforo, o ácido betalâmico, com aminoácidos/aminas (betaxantinas amarelas) ou derivados de ciclo-Dopa (betacianinas vermelho-violáceas) (Esquema 1) [2]. Esquema 1. Estruturas básicas de betacianinas, betaxantinas e seu precursor comum, o ácido betalâmico. A semi-síntese de novas betalaínas depende da obtenção de ácido betalâmico, que pode ser preparado pela hidrólise alcalina de betalaínas naturais como a betanina (Esquema 2). A betanina é o principal pigmento da beterraba, sendo composta por um núcleo betalâmico e uma porção ciclo- DOPA glicosilada [3-5]. Esquema 2. Procedimento para a hidrólise alcalina de betanina, preparação de indicaxantina pelo acoplamento aldimínico entre ácido betalâmico e L-prolina e preparação de betanidina a partir de betanina e β-glicosidase. Tentativas de hidrólise de extrato de beterraba não purificado foram mal sucedidas devido à rápida oxidação do ácido betalâmico e/ou formação de outros produtos [6,7]. Assim, no presente trabalho, aprimoramos as condições de purificação da betanina a partir de extrato bruto de beterraba para que esta pudesse ser hidrolisada gerando o ácido betalâmico. O ácido obtido é fundamental para a semi-síntese de novos pigmentos betalâmicos biocompatíveis com propriedades antioxidantes e/ou fluorescentes [8]. II. PARTE EXPERIMENTAL A betanina foi obtida a partir de extrato de beterraba orgânica fresca, beterraba liofilizada O * Autor de correspondência: E. L. Bastos (e-mail: [email protected]).

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Page 1: Comparação de Metodologias para a Purificação de Betaninaic.ufabc.edu.br/II_SIC_UFABC/resumos/paper_5_230.pdf · 2009-12-09 · 1 Comparação de Metodologias para a Purificação

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Comparação de Metodologias para a Purificação de Betanina

Nathana B. Lopes1, Letícia C. P. Gonçalves1, Vani X. de Oliveira, Jr.1, Wilhelm J. Baader2, e Erick L. Bastos1,*

1Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil 2Departamento de Química Fundamental, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Betalaínas semi-sintéticas são obtidas através do acoplamento entre o ácido betalâmico e aminoácidos/aminas ou ciclo-DOPA. Para

a obtenção deste precursor betalaínico é necessária a purificação da betanina, principal pigmento da beterraba, que em meio alcalino é hidrolisado formando o ácido betalâmico. Este trabalho compara metodologias para a pré-purificação da betanina a partir do extrato de beterraba (Beta vulgaris, subsp. vulgaris), através da avaliação da eficiência de purificação e do rendimento de cada método.

Palavras-chave — betalaínas, betanina, cromatografia, pigmentos naturais

I. INTRODUÇÃO interesse do consumidor por produtos naturais tem crescido consideravelmente nos últimos

anos por estes serem associados a efeitos terapêuticos e à preservação do meio ambiente. Neste contexto, a descoberta e a semi-síntese (síntese utilizando reagentes obtidos a partir de produtos naturais) de novos pigmentos naturais apresentam grande perspectiva econômica [1,8].

As quatro principais classes de pigmentos naturais são as antocianinas, betalaínas, carotenóides e clorofilas. As betalaínas receberam menor atenção científica do que as outras classes devido à sua ocorrência restrita à maioria das famílias da ordem Caryophyllales e a alguns gêneros de fungos Basidiomicetos. Entretanto, devido à recém-descoberta de sua atividade antioxidante e fluorescência, as betalaínas vêm recebendo maior interesse [2].

Do ponto de vista químico, betalaínas são compostos nitrogenados, resultantes do acoplamento de um cromóforo, o ácido betalâmico, com aminoácidos/aminas (betaxantinas amarelas) ou derivados de ciclo-Dopa (betacianinas vermelho-violáceas) (Esquema 1) [2].

Esquema 1. Estruturas básicas de betacianinas, betaxantinas e seu precursor comum, o ácido betalâmico.

A semi-síntese de novas betalaínas depende da obtenção de ácido betalâmico, que pode ser preparado pela hidrólise alcalina de betalaínas naturais como a betanina (Esquema 2). A betanina é o principal pigmento da beterraba, sendo composta por um núcleo betalâmico e uma porção ciclo-DOPA glicosilada [3-5].

Esquema 2. Procedimento para a hidrólise alcalina de betanina, preparação de indicaxantina pelo acoplamento aldimínico entre ácido betalâmico e L-prolina e preparação de betanidina a partir de betanina e β-glicosidase.

Tentativas de hidrólise de extrato de beterraba

não purificado foram mal sucedidas devido à rápida oxidação do ácido betalâmico e/ou formação de outros produtos [6,7]. Assim, no presente trabalho, aprimoramos as condições de purificação da betanina a partir de extrato bruto de beterraba para que esta pudesse ser hidrolisada gerando o ácido betalâmico. O ácido obtido é fundamental para a semi-síntese de novos pigmentos betalâmicos biocompatíveis com propriedades antioxidantes e/ou fluorescentes [8].

II. PARTE EXPERIMENTAL A betanina foi obtida a partir de extrato de

beterraba orgânica fresca, beterraba liofilizada

O

* Autor de correspondência: E. L. Bastos (e-mail: [email protected]).

Page 2: Comparação de Metodologias para a Purificação de Betaninaic.ufabc.edu.br/II_SIC_UFABC/resumos/paper_5_230.pdf · 2009-12-09 · 1 Comparação de Metodologias para a Purificação

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comercial e betanina em dextrina comercial, sendo comparada a eficiência de quatro metodologias de purificação: 1) cromatografia em coluna de gel de Sephadex G-25, eluente água deionizada; 2) cromatografia em coluna de Silicagel 60, eluente: metanol/água (8:2, v/v); 3) extração líquido-líquido PEG/(NH4)2SO4 e 4) centrifugação seguida de purificação por HPLC semi-preparativo (Fase reversa, coluna C18, 250 cm x 21,20 cm, 15 µm; gradiente 5-20%B em 60 min, sendo A: 1% ácido acético/água e B: 1% ácido acético/60% MeCN/água; 10 mL/min; λmax = 254 nm).

Nos processos cromatográficos 1 e 2, as amostras foram previamente diluídas na fase móvel e acidificadas até pH 3,0, sendo as frações de coloração magenta, que contem a betanina (λmax=536 nm, ε536=6.5×104 M-1s-1), recolhidas e após precipitação em meio ácido de etanol/água (9:1, v/v) foram submetidas à analise cromatográfica em HPLC analítico (Fase reversa, coluna C18, 15 cm x 4,6 cm, 5 µm, gradiente 5-95%B em 20 min, sendo solvente A: 0,1% TFA/água e solvente B: 0,1%TFA/60% MeCN/água; 1mL/min; λmax=536 nm) juntamente com as frações resultantes dos métodos 3 e 4 (Figura 1).

Figura 1. Extração e purificação das amostras de beterraba liofilizada, betanina liofilizada em dextrina e extrato de beterraba orgânica.

III. RESULTADOS E DISCUSSÃO As amostras purificadas foram analisadas no

HPLC analítico, mostrando a eficiência de purificação de cada método (Figura 2).

Figura 2. Cromatogramas das amostras de betanina obtidas pelos métodos

de separação 1 a 4 na região de interesse (5,5 – 8,5 min). Coluna de fase reversa C18, 15 cm x 4,6 cm, 5 µm, gradiente 5-95%B em 20 min, sendo A: 0,1% TFA, água e B: 0,1%TFA, 60% MeCN/água, 1mL/min, λmax=536 nm.

As propriedades óticas das amostras brutas e

purificadas (Figura 3) foram obtidas e analisadas. As amostras brutas apresentam uma banda principal de absorção em 536 nm (betanina) com um ombro em 487 nm referente à betaxantinas também presentes na beterraba.

Figura 3. Espectros de absorção (linha cheia) e fluorescência (linha pontilhada) de extrato de beterraba bruto aquoso e das frações de betanina resultante dos processos de separação estudados para as amostras de beterraba em dextrina, beterraba liofilizada e extrato de beterraba.

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A concentração da betanina/isobetanina foi calculada a partir do valor de absortividade molar da espécie (ε536=6.5×104 M-1s-1), sendo possível calcular o rendimento para cada método e amostra (Figura 4).

Figura 4. Rendimento calculado para as quantidades em massa de betanina/isobetanina obtidas a partir dos métodos de separação estudados.

A partir de betanina purificada em HPLC preparativo coluna fase reversa C18, gradiente MeCN/água:ácido fórmico (0,5%)/água, resultou no isolamento de uma mistura de betanina e seu enantiômero isobetanina com >97% pureza, como aferido por espectroscopia de massas (Central analítica, IQ-USP) (Figura 5).

Figura 5. (A) Cromatograma de amostra de betanina purificada. (Coluna em fase reversa C-18, 5-95% de B em 20 min, sendo A: 0,1% TFA/água e B: 0,1% TFA/60% ACN/ água, 1mL/min). (B) Espectro de massas do pico majoritário. (C) Espectro de UV-vis em 535 nm e [betanina] = 1,45 x 10-

5 mol.L-1 em pH 5.

IV. CONCLUSÕES A extração aquosa na presença de

PEG/(NH4)2SO4 é o método que permite uma boa pré-purificação da betanina a partir do extrato de beterraba, porém a purificação através do HPLC semi-preparativo permite a melhor e, em termos de rendimento, a mais eficiente purificação.

AGRADECIMENTOS FAPESP (JP07/00684-6, DD07/59407-1),

CAPES (PE/2007) e UFABC pelo apoio financeiro; Profs. Drs. Antonio de Miranda (UNIFESP) e Etelvino J. H. Bechara (IQ-USP/UNIFESP) pelo apoio na realização das separações cromatográficas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Allegra, M.; Tesoriere, L.; Livrea, M. A.; Free Red. Res. 41: 335-341

(2007). [2] Grandía-Herrero, F.; Escribano,, J.; García-Carmona, F.; Planta 222:

586-593 (2005). [3] Grotewold, E.; Ann. Rev. Plant Biol. 57: 761-80 (2006). [4] Strack, D.; Vogt, T.; Schiliemann, W., Phytochem. 62: 247-269 (2003). [5] Grandía-Herrero, F.; García-Carmona, F.; Escribano, J.; Phytochem.

Anal. 17: 262-269 (2006). [6] Di Genova, B. M.; Lopes, N. B.; Gonçalves, L. C. P.; Malaspina, T. V.;

Bastos, E. L., Estudo teórico-experimental da influência do pH sobre a estrutura da betanina, In 32a Reunião da Sociedade Brasileira de Química, SBQ: Fortaleza, Ceará, (2009).

[7] Lopes, N. B.; Gonçalves, L. C. P.; Di Genova, B. M.; Bastos, E. L., Comparação de metodologias para a pré-purificação de betalaínas a partir do extrato de beterraba (Beta vulgaris, subsp. vulgaris), In 32a. Reunião da Sociedade Brasileira de Química, SBQ: Fortaleza, Ceará, (2009).

[8] Gonçalves, L. C. P.; Lopes, N. B.; Di Genova, B. M.; Baader, W. J.; Oliveira Jr., V. X.; Bastos, E. L., Propriedades óticas e atividade anti-radicalar de betalaínas, In 32a Reunião da Sociedade Brasileira de Química, SBQ: Fortaleza, Ceará, (2009).