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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE DIVERSIDADE DA AVIFAUNA DA SERRA DA GUIA, SERGIPE E BAHIA AUTOR: BIÓLOGO JUAN MANUEL RUIZ-ESPARZA AGUILAR MESTRADO 2010 i

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    DIVERSIDADE DA AVIFAUNA DA SERRA DA GUIA, SERGIPE E BAHIA

    AUTOR: BILOGO JUAN MANUEL RUIZ-ESPARZA AGUILAR

    MESTRADO 2010

    i

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    NCLEO DE PS-GRADUAO EM ECOLOGIA E CONSERVAO

    MESTRADO EM ECOLOGIA E CONSERVAO

    DIVERSIDADE DA AVIFAUNA DA SERRA DA GUIA, SERGIPE E BAHIA

    AUTOR: BILOGO JUAN MANUEL RUIZ-ESPARZA AGUILAR

    ORIENTADOR: DR. ADAUTO DE SOUZA RIBEIRO

    CO-ORIENTADOR: DR. STEPHEN FRANCIS FERRARI

    SO CRISTVO SERGIPE BRASIL

    FEVEREIRO - 2010

    ii

  • FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    R934d

    Ruiz-Esparza Aguilar, Juan Manuel Diversidade da avifauna da serra da Guia, Sergipe e Bahia / Juan Manuel Ruiz-Esparza Aguilar. So Cristvo, 2010.

    viii, 58 f. : il.

    Dissertao (Mestrado em Ecologia e Conservao) Ncleo de Ps- Graduao em Ecologia e Conservao, Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2010.

    Orientador: Dr. Adauto de Souza Ribeiro.

    1. Bioma Caatinga Brejo de altitude. 2. Aves. I.

    Ttulo.

    CDU 574.4:598.2

    iii

  • iv

  • AGRADECIMENTOS Quero agradecer especialmente aos meus amigos Los Romanticos de la Caatinga

    (Patrcio, Sidney, Raonne, Eduardo e Bruno).

    Agradeo tambm a todos os colegas da primeira turma do Mestrado em Ecologia e

    Conservao da Caatinga.

    A Fundao de Apoio Pesquisa e Inovao Tecnolgica do Estado de Sergipe

    (FAPITEC/SE) pela da bolsa de mestrado.

    A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hdricos (SEMARH)

    especialmente a Sidney e Val por o apoio na logstica para o desenvolvimento deste

    trabalho.

    Aos professores do Mestrado em Ecologia e Conservao, em especial a Adauto de

    Adauto de Souza Ribeiro e Stephen Francis Ferrari, pela oportunidade de trabalhar

    juntos e aprender com sua basta experincia.

    Aos meus amigos do Mxico, em especial Neyra Sosa, Roberto, Fernando Villaseor e

    Laura Villaseor por suas sugestes na melhoria deste trabalho.

    A meu amigo Leonardo por seus conselhos, e cachaas compartilhadas.

    A famlia Accioly por adotar mais dois filhos, pelo apoio incondicional, em especial a

    Agres.

    A nossa famlia Sergipana, Gilton, Angelina, Marcos, Luciana, Mariana, Matheus e

    Bruno, por todos os bons momentos compartilhados.

    A minha tia dona Zefa da Guia, uma pessoa maravilhosa e nica que muda a realidade

    do povo do Serto, por todo o apoio e facilidades outorgadas para a realizao deste

    estudo, mais principalmente por todo o carinho.

    Aos colaboradores de campo, principalmente Patrcio, Juliana, Douglas, Junior, Raonne,

    Eduardo, Wedna, Francis e Daniel por ter experimentado a famosa feijoada no

    cemitrio.

    Finalmente a todos os alunos da primeira turma em Ecologia e Conservao e aqueles

    colegas que por alguma razo no aparecem aqui, mais que sabem que sou grato.

    v

  • DEDICATRIA

    SUB UN ESCALN MAS EN ESTA ESCALERA INFINITA

    Dedico esta dissertao a minha famlia, meu Pai Don Esteban, um grande

    exemplo a seguir de carinho e amor incondicional, a minha me Dona Chole, sonhadora

    e perseverante. Aos meus irmos Esteban, Rafael e Marisol, Susana y Vul (junto com

    todos os meus sobrinhos) por seu apoio e carinho incondicional. A minha famlia

    Brasileira, meus sogros Fifi e Dara, cunhadas e concunhados Miriam e Bambam e

    Carina e Roger (junto com todos os meus sobrinhos). Especialmente a minha esposa

    Daniela por no deixar-me desistir nos momentos de enfraquecimento, por me dar um

    exemplo de perseverana e grandes conquistas, mais principalmente por tanto amor.

    Finalmente dedico esta dissertao a meu bom Deus, que sempre esteve comigo me

    dando fora, sabedoria e me guiando para poder conquistar meus objetivos.

    A VOCS...

    vi

  • RESUMO:

    O bioma Caatinga abrange nove estados brasileiros ocupando cerca de 800.000 km2 do nordeste onde a vegetao xerfita dominante. A Floresta Atlntica pode penetrar no bioma Caatinga, no topo de serras e planaltos do semi-rido nordestino sempre acima de 600m de altitude formando relictos de florestas midas denominados de Brejos de altitude, constituindo refgios para vrias espcies desde anfbios, rpteis, aves e mamferos. Na regio do Alto Serto Sergipano, existe uma rea estimada em 20 hectares pouco conhecida com caractersticas similares a um brejo de altitude. Est localizada na Serra da Guia entre os municpios de Poo Redondo (SE) e Pedro Alexandre (BA) a 750 m de altitude. Com o objetivo de contribuir ao conhecimento da avifauna da Caatinga, comparamos a diversidade regional e local de aves da Serra da Guia. A amostragem das aves foi realizada em dois pontos: Caatinga e brejo de altitude. As aves foram capturadas com redes de neblina (100m). De outubro de 2008 a setembro de 2009 foram feitas mensalmente seis sesses de captura: trs na Caatinga, e trs no brejo de altitude. Na Caatinga foram capturados 587 indivduos pertencentes a 82 espcies. As espcies mais abundantes foram: Coryphospingus pileatus (92; 15,6%), Elaenia chilensis (86; 14,6%), Turdus amaurichalinus (24; 4%), Hemitriccus margaritaceiventer (21; 3,5%) e Columbina minuta (18; 3%). Em contrapartida na regio de brejo foram capturados 392 indivduos pertencentes a 65 espcies. As espcies mais abundantes foram: Basileuterus flaveolus (64; 16,3%), Turdus rufiventris (40; 10,2%), Turdus amaurichalinus (28; 7,1%), Sitassomus griseicapillus (23; 5,8%) e Elaenia mesoleuca (18; 4,5%). O valor do ndice de diversidade Shannon-Wiener foi significantemente maior na rea da Caatinga (H=3,62) do que na rea do brejo (H=3,41; t = 2,66; gl = 140,57; P < 0,05). Os valores dos ndices de Jaccard (49%) e Morisita-horn (31%) mostraram que as duas reas compartilham menos da metade das espcies de aves. Das 98 espcies capturadas 13 espcies so endmicas do Brasil. O brejo representa uma pequena rea com condies e recursos diferentes da matriz de Caatinga do entorno. Este estudo conclui que h indicadores suficientes para conservao deste brejo como um habitat peculiar. Palavras chave: Brejo, aves, Caatinga.

    vii

  • ABSTRACT: The Caatinga biome occurs in nine Brazilian states and covers some 800,000 km2 of the northeast where this dryland vegetation is the dominant habitat. Atlantic Forest habitat may occur within the Caatinga biome, particularly on hilltops and high plains of the semi-arid region over 600 meters high, forming rainforest relicts called Brejos de altitude which serve as refuges for various vertebrate species of amphibians, reptiles, birds and mammals. One such brejo ise found in the northwestern extreme of the state of Sergipe in the Serra da Guia, an upland area that occurs between the municipalities of Poo Redondo (Sergipe) and Pedro Alexander (Bahia). This particular brejo forest fragment is approximately 20 hectares and occurs at an elevation of 750 m. The primary objective of this study is to increase our basic knowledge of the Caatinga avifauna and investigate local variation in the diversity of birds in the Serra da Guia. Surveys were conducted at two different localities, representing the Caatinga and brejo habitats, respectively. Birds were captured using 100-m mist nets and observed at specific locations with binoculars. Data were collected on a monthly basis during three-day periods in each habitat type between October 2008 and September 2009. A total of 587 individuals representing 82 different species were captured in the Caatinga habitat locality. The most abundant species were: Coryphospingus pileatus (92 individuals; 15.6%), Elaenia chilensis (86; 14.6%), Turdus amaurichalinus (24; 4.0%), Hemitriccus margaritaceiventer (21; 3.5%) and Columbina minuta (18; 3.0%). Abundance (392 individuals) and species diversity (65) were lower in the brejo, where the most common species were: Basileuterus flaveolus (64; 16.3%), Turdus rufiventris (40; 10.2%), Turdus amaurichalinus (28; 7.1%), Sitassomus griseicapillus (23; 5.8%) and Elaenia mesoleuca (18; 4.5%). Diversity of the avifauna was significantly higher in the Caatinga locality (Shannon-Wiener H '= 3.62) than in the brejo (H' = 3.41, t = 2.66, df = 140.57; P

  • NDICE

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    1- INTRODUO............................................................................................. 1

    2- OBJETIVOS.................................................................................................. 7

    3- HIPTESES.................................................................................................. 8

    4- MATERIAL E MTODOS........................................................................... 10

    4.1 rea de estudo.............................................................................................. 10

    4.2 Pontos de amostragem ................................................................................ 12

    4.2.1 rea de Caatinga....................................................................................... 13

    4.2.2 rea de brejo de altitude........................................................................... 14

    4.3 Coleta de dados ........................................................................................... 14

    4.4 Anlise dos dados......................................................................................... 20

    4.4.1 Diversidade Alfa....................................................................................... 20

    4.4.2 Diversidade Beta....................................................................................... 21

    4.4.3 Sazonalidade............................................................................................. 21

    4.4.4 Guildas ..................................................................................................... 22

    5- RESULTADOS E DISCUSSO .................................................................. 23

    5.1 Diversidade Alfa (Hiptese 1) .................................................................... 23

    5.2 Diversidade Beta (Hiptese 2)..................................................................... 26

    5.3 Sazonalidade (Hiptese 3)........................................................................... 29

    5.3.1 Abundncia relativa.................................................................................. 29

    5.3.2 Espcies em estgio reprodutivo............................................................... 31

    5.3.3 Espcies migratrias................................................................................. 31

    5.4 Guildas trficas (Hiptese 4)....................................................................... 34

    6. CONCLUSES E RECOMENDAES..................................................... 40

    7- REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................... 42

    8- ANEXOS....................................................................................................... 51

    ix

  • LISTA DE FIGURAS

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    Figura 1. Localizao geogrfica do Bioma Caatinga no territrio brasileiro. Fonte: elaborao prpria com dados do IBGE, 2004....................................... 2 Figura 2. Fotos de cenas tpicas da Caatinga. Fonte: A) www.brasilescola.com/imagens/caatin4.jpg, B) Foto tirada por S. Feitosa....... 3 Figura 3. Principais brejos de altitude nos estados da Paraba e Pernambuco (Fonte: Vasconcelos, 1971)................................................................................ 4 Figura 4. Perfil esquemtico de um brejo de altitude tpico (Planalto da Borborema AL, PB, PE, RN) do Nordeste do Brasil. Fonte: Tabarelli & Santos, 2004....................................................................................................... 5 Figura 5. Localizao geogrfica da Serra da Guia, na imagem o recorte das cartas topogrficas Piranhas, AL-SE-BA, MI-1596 e Carira, SE-BA, MI-1665.................................................................................................................... 10 Figura 6. Fotos de alguns dos mamferos observados na Serra da Guia (A) Marmosa sp., (B) Monodephis domestica e (C) Didelphis albiventris.............. 12 Figura 7. Localizao dos pontos de amostragem na Serra da Guia no Modelo Digital de Elevao, elaborado no software Global Mapper, com dados do atlas digital de recursos hdricos de Sergipe 2001.................................................................................................................... 13 Figura 8. Vista geral da vegetao do ponto de amostragem 1 (Figura 7), que representa a Caatinga......................................................................................... 13 Figura 9. Vista geral da vegetao do ponto de amostragem 2 (Figura 7), que representa o brejo de altitude............................................................................. 14 Figura 10. I) Estgios de pneumatizao do crnio para passeriformes. Extrado de CEMAVE (1994). II) As partes internas destacadas representam reas sem ossificao, diferenciadas pela cor e ausncia de pontos brancos.............................. 15 Figura 11. Exemplo de conteno da ave para medida do comprimento da asa, mantendo sua curvatura natural. Extrado de Pyle et al. (1987)................. 16 Figura 12. I) Placas de incubao em diferentes fases de desenvolvimento, desde uma ave em estado reprodutor completo onde a vascularizao extrema (a), at uma ave em estado no reprodutor (c), Extrado de Pyle et al. (1987). II) Na foto um exemplo de uma ave em estado reprodutor, notasse ausncia total de penas na parte ventral............................... 16 Figura 13. Fotos resumindo o procedimento de captura: colocao das redes (A); ave capturada (B); ave dentro do saco para o transporte estao de processamento (C); colocao da anilha de plstico colorida e numerada (D); ave anilhada (E); ave com placa de incubao veja Figura 12 (F); verificao do grau de ossificao craniana veja Figura 10 (G); liberao da ave (H)............................................................................................................... 17 Figura 14. A) rede de neblina armada no ponto de amostragem do brejo, B) rede de neblina armada no ponto de amostragem da Caatinga.......................... 18 Figura 15. Exemplos dos espcimes coletados durante o presente estudo e depositados no Departamento de Biologia da Universidade Federal de Sergipe. As etiquetas incluem o nmero do espcime, espcie, local de coleta, sexo, data de coleta, comprimento total, envergadura, peso, contedo estomacal e grau de ossificao craniana........................................................... 19

    x

    http://www.brasilescola.com/imagens/caatin4.jpg
  • Figura 16. Exemplos de stios para busca ativa: no brejo, uma rea de borda (A) e uma rea mais aberta (B): na Caatinga, uma rea perto do aude (C) e uma rea mais aberta (D)...................................................................................

    19

    Figura 17. Espcies mais comuns capturadas nos pontos de amostragem, Basileuterus flaveolus (A), Turdus amaurichalinus (B), Sitassomus griseicapillus (C), Coryphospingus pileatus (D), Turdus rufiventris (E), Elaenia mesoleuca (F), Elaenia chilensis (G), Columbina minuta (H) e Hemitriccus margaritaceiventer (I)...................................................................

    25

    Figura 18. Fotos das espcies migratrias (A) Elaenia chilensis, (B) Turdus amaurochalinus e (C) Columbina picui............................................................. 32 Figura 19. Exemplos de espcies granvoras: A) Columbina minuta, B) Sporophila nigricolis, C) Paroaria dominicana................................................ 34 Figura 20. Exemplos de espcies frugvoras: A) Forpus xanthopterygius macho, B) Forpus xanthopterygius fmea, C) Thlypopsis sordida................... 35 Figura 21. Exemplos de espcies nectarvoras: A) Heliomaster longirostris, B) Chrysolampis mosquitus, C) Eupetomena macroura................................... 35 Figura 22. Exemplos de espcies carnvoras: A) Megascops choliba, B) Rupornis magnirostris, C) Accipiter bicolor..................................................... 35 Figura 23. Exemplos de espcies onvoras: A) Trogon curucui, B) Tangara cayana fmea e macho, C) Euphonia chlorotica macho................................... 36 Figura 24. Exemplos de espcies insetvoras: A) Campylorhamphus trochilirostris, B) Caprimulgus hidundinaceus, C) Todirostrum cinereum...... 36

    xi

  • LISTA DE GRFICOS

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    Grfico 1. Precipitao total mensal do perodo de 2003 a 2009, registrada na estao meteorolgica de Poo Redondo, SE. Dados obtidos do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE) disponvel em http://www.semarh.se.gov.br/meteorologia/...................................................... 11 Grfico 2. Nmero acumulativo de espcies capturadas durante o perodo do estudo (outubro de 2008 a setembro de 2009)................................................... 23 Grfico 3. Nmero cumulativo de espcies capturadas durante o perodo do estudo (outubro de 2008 a setembro de 2009) na rea da Caatinga e do brejo, comparado com o estimador de riqueza Jackknife 1......................................... 23 Grfico 4. Comparao das cinco espcies mais abundantes capturadas nos pontos 1 (Caatinga) e 2 (Brejo) no presente estudo........................................... 26 Grfico 5. Nmero total de espcies capturadas nos dois pontos de coleta comparados com dados de pluviosidade nas mesmas datas na estao meteorolgica de Poo Redondo. Fonte: elaborao prpria com dados do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE)................................................ 29 Grfico 6. Nmero total de indivduos capturados nos dois pontos de coleta comparados com dados de pluviosidade nas mesmas datas na estao meteorolgica de Poo Redondo. Fonte: elaborao prpria com dados do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE)................................................ 30 Grfico 7. Porcentagem de indivduos com placa de incubao nas duas reas comparada com dados da precipitao da estao meteorolgica Poo Redondo Fonte: elaborao prpria com dados do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE)............................................................................................ 31 Grfico 8. Freqncia de captura de Elaenia chilensis ao longo do ano nas duas reas de amostragem.................................................................................. 32 Grfico 9. Freqncia de captura de Turdus amaurochalinus ao longo do ano nas duas reas de amostragem........................................................................... 33 Grfico 10. Freqncia de captura de Myiarchus tyrannulus ao longo do ano nas duas reas de amostragem............................................................................................. 34 Grfico 11. Estrutura de guildas trficas das aves capturadas na Caatinga durante a estao seca e chuvosa....................................................................... 39 Grfico 12. Estrutura de guildas trficas das aves capturadas no brejo durante a estao seca e chuvosa....................................................................... 39 Grfico 13. Estrutura de guildas trficas das aves capturadas no brejo e na Caatinga............................................................................................................. 39

    xii

    http://www.semarh.se.gov.br/meteorologia/
  • LISTA DE TABELAS

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    Tabela 1. Espcies endmicas do Brasil capturadas nos pontos de amostragem. 1Espcie endmica da Caatinga, 2Espcie endmica da Mata Atlntica, NT Quase ameaada , VU Vulnervel ............................................... 27 Tabela 2. Comparao da similaridade de aves entre as reas amostradas e diferentes levantamentos, utilizando o ndice de Jaccard............................... 28

    xiii

  • LISTA DE ANEXOS

    Pgina

    Anexo I. Autorizao SISBIO para atividades com finalidade cientfica.......... 51 Anexo II. Lista das aves registradas.................................................................. 52 Anexo III. Lista das espcies capturadas nos pontos de amostragem classificadas nas diferentes guildas trficas....................................................... 56

    xiv

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    1. INTRODUO

    O mais elementar dos estudos de uma comunidade de aves aquele que busca

    determinar quais so as espcies que a constituem. Uma relao sumria e descritiva das

    aves que ocorrem num bioma, numa provncia, enfim em qualquer regio delimitada por

    algum parmetro geogrfico, ecolgico ou poltico (Pacheco, 2004).

    No Brasil, a distribuio geogrfica das aves comeou a ser compreendida com o

    acmulo de informaes advindas de trabalhos pioneiros, como aqueles de Burmeister

    (1855-56), Pelzein (1868-71), Goeldi (1894-1900), Ihering & Ihering (1907), Snethlage

    (1914), Hellmayr (1929-1949) e Pinto (1938-1944). Em compasso com a prpria

    histria de ocupao e colonizao, no surpreendente que a avifauna da Mata

    Atlntica tenha sido a primeira a ser registrada. Por outro lado, o Sculo XIX foi

    encerrado sem deixar bem delineado o que seria uma avifauna prpria da Caatinga.

    Atualmente, existem vrios estudos de aves no bioma Caatinga, o que tem contribudo

    para gerar uma lista de 460 espcies (Major et al., 2004), mas como os inventrios so

    incompletos, ainda encontramos divergncias, dependendo do autor. Assim, por

    exemplo, Silva et al.(2003) menciona 510 espcies de aves para a Caatinga, ao contrrio

    das 348 espcies citadas por Pacheco et al. (2004).

    No Estado de Sergipe encontramos poucos levantamentos de avifauna. Existem

    alguns relatrios para estudos de impacto ambiental (Filippini & Souza, 1993; Salles,

    2006; Souza et al., 2007; Ruiz-Esparza, 2007, 2008) que fornecem listas de aves da rea

    de interesse, mais na maioria dos casos estes levantamentos so baseados em registros

    bibliogrficos. Em um levantamento mais abrangente, Cordeiro (2008) identificou 839

    espcies de aves com ocorrncia potencial em Sergipe, incluindo espcies tpicas da

    Mata Atlntica e da Caatinga.

    Estudos mais sistemticos tm sido realizados na regio litornea, onde Almeida

    (2006) levantou a avifauna da Praia da Atalaia, municpio de Aracaju, e registrou 31

    espcies, nove das quais migratrias. Almeida & Barbieri (2008) identificarem 46

    espcies em uma rea de manguezal em Aracaju, pertencentes a 19 famlias, das quais

    17 espcies eram migratrias do hemisfrio norte. Em seu levantamento do Parque

    Nacional Serra de Itabaiana, DHorta et al. (2005) citam 123 espcies de aves divididas

    em trs grupos: espcies de Mata Atlntica, Caatinga ou de ampla distribuio, das

    quais 29 (23,5%) foram consideradas dependentes de ambientes florestais, 39 (31,7%)

    semidependentes e 55 (44,7%) sem dependncia. Souza (2009) realizou observaes

    1

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    qualitativas em oito localidades do Estado de Sergipe, e registraram 340 espcies em

    reas de mata, cerrados, restingas, manguezais, alagados e ambientes antrpicos.

    O Nordeste do Brasil tem a maior parte de seu territrio ocupado por uma

    vegetao xerfila, de fisionomia e florstica variada, denominada Caatinga. A

    Caatinga ocupa cerca de 11% do territrio nacional, abrangendo os estados da Bahia,

    Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraba, Rio Grande do Norte, Cear, Piau e Minas

    Gerais. Estende-se por cerca de 800.000 km2, o que corresponde a 70% da regio

    Nordeste (Figura 1). Aproximadamente metade das terras recobertas com Caatinga de

    origem sedimentar, ricas em guas subterrneas. Os rios, em sua maioria, so

    intermitentes e o volume de gua, em geral, so limitados, sendo insuficiente para a

    irrigao. A temperatura mdia varia de 24 a 28oC, e a precipitao anual mdia de 250

    a 1000 mm, com dficit hdrico elevado durante todo o ano (Nimer 1979, Silva et al.

    1992, Sampaio et al. 1994).

    Figura 1. Localizao geogrfica do Bioma Caatinga no territrio brasileiro. Fonte: elaborao prpria com dados do IBGE, 2004.

    O termo Caatinga de origem Tupi e significa mata branca, referindo-se ao

    aspecto da vegetao durante a estao seca (Figura 2), quando a maioria das rvores

    perde as folhas e os troncos esbranquiados e brilhantes dominam a paisagem (Prado,

    2003). Essas caractersticas so particularmente comuns em espcies dos gneros

    Tabebuia (Bignoniaceae), Cavallinesia (Bombacaceae), Schinopsis e Myracrodruon

    (Anacardiaceae) e Aspidosperma (Apocynaceae).

    2

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Figura 2. Fotos de cenas tpicas da Caatinga. Fonte: A) www.brasilescola.com/imagens/caatin4.jpg, B) Foto tirada por S. Feitosa.

    A vegetao de Caatinga constituda, principalmente, por espcies lenhosas e

    herbceas de pequeno porte, geralmente dotadas de espinhos e caduciflias, perdendo

    suas folhas no incio da estao seca, e de cactceas e bromeliceas. As famlias mais

    freqentes so Caesalpinaceae, Mimosaceae, Euphorbiaceae, Fabaceae e Cactaceae,

    sendo os gneros Senna, Mimosa e Pithecellobium os com maiores nmeros de

    espcies. A catingueira (Caesalpinia pyramidalis Tul.), as juremas (Mimosa spp.) e os

    marmeleiros (Croton spp.) so as plantas mais abundantes na maioria dos trabalhos de

    levantamento realizados em reas de Caatinga (Drumond et al., 2000).

    Fitossociologicamente, a densidade, freqncia e dominncia das espcies so

    determinadas pelas variaes topogrficas, tipo de solo e pluviosidade. Uma

    caracterstica importante das rvores da Caatinga que as folhas e as flores so

    produzidas em um curto perodo de chuvas enquanto o ecossistema permanece

    dormente durante a maior parte do ano. A vegetao herbcea tambm cresce

    somente durante as chuvas curtas e esparsas (Rizzini et al. 1988).

    Alm de sua considervel diversidade de aves, a Caatinga abriga cerca de 932

    espcies de plantas vasculares (Giulietti, 2004), 187 de abelhas (Zanella & Martins,

    2003), 240 de peixes (Rosa et al., 2003), 167 de rpteis e anfbios (Rodrigues, 2003), e

    148 espcies de mamferos (Oliveira et al., 2003). O nvel de endemismo varia de 3%

    nas aves (15 das 510 espcies; Silva et al., 2003) e 7% para mamferos (10 de 143;

    MMA, 2002; Oliveira et al., 2003) a 57% nos peixes (136 de 240; Rosa et al., 2003).

    Embora os inventrios sejam incompletos, o nvel de endemismo tambm parece ser

    bastante alto para as espcies vegetais (Leal et al., 2003).

    Esses valores sobre a biodiversidade da Caatinga so muito mais altos que as

    estimativas iniciais (Pacheco, 2004; Silva et al., 2004) e so iguais ou mais altos que

    3

    http://www.brasilescola.com/imagens/caatin4.jpg
  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    aqueles registrados para outras florestas secas do mundo (Leal et al., 2003). Mas o

    nmero real de espcies na Caatinga , provavelmente, ainda maior, uma vez que 41%

    da regio nunca foi investigada e uma proporo semelhante permanece subamostrada

    (Tabarelli & Vicente, 2004).

    As Caatingas podem ser caracterizadas como florestas arbreas ou arbustivas,

    compreendendo principalmente rvores e arbustos baixos, muitos dos quais apresentam

    espinhos, microfilia e algumas caractersticas xerofticas (Prado, 2003). As fisionomias

    de Caatinga so muito variveis, dependendo do regime de chuvas e do tipo de solo,

    variando de florestas altas e secas com at 15-20 m de altura, e.g., a Caatinga arbrea

    encontrada de forma espalhada da Bahia e Minas Gerais at o Rio Grande do Norte

    (Andrade-Lima 1975), em solos um tanto melhores e em localidades mais midas, at

    afloramentos de rochas com arbustos baixos esparsos e espalhados, com cactos e

    bromeliceas nas fendas.

    A Caatinga arbrea est restrita s manchas de solos relativamente ricos em

    nutrientes. As florestas mais midas, chamadas de brejos de altitude, estendem-se sobre

    as encostas e topos das chapadas e serras com mais de 600 m de altitude e que recebem

    mais de 1.200 mm de chuvas orogrficas (Andrade-Lima, 1982; Prado, 2003; Veloso et

    al. 1991). Existem mais de 30 reas na Caatinga que so consideradas brejo de altitude

    (Figura 3), os quais representam refgios florestais, uma vez que apresentam afinidade

    florstica com as florestas atlntica e amaznica (Andrade-Lima, 1982).

    Figura 3. Principais brejos de altitude nos estados da Paraba e Pernambuco (Fonte: Vasconcelos, 1971).

    4

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Tipicamente, os brejos de altitude so ilhas de floresta midas cercadas pela

    vegetao de Caatinga. Sua vegetao composta principalmente por espcies tpicas

    da Mata Atlntica, porm, tambm podem apresentar espcies da Caatinga,

    principalmente nas reas de borda. Segundo Vasconcelos (1971), os brejos do Agreste

    (que esto mais prximos costa) estariam mais subordinados Mata Atlntica,

    enquanto que os brejos do serto (que esto mais afastados da costa) seriam mais

    subordinados Caatinga. Os brejos podem constituir verdadeiros refgios para vrias

    espcies de plantas (Andrade-Lima, 1982) e vertebrados (Vanzolini et al., 1980; Mares

    et al., 1985) que ocorrem na Mata Atlntica. Sendo assim, a proporo de espcies da

    Caatinga nos brejos de altitude pode estar correlacionada com a continentalidade.

    Os brejos so reas de exceo dentro do domnio do nordeste semi-rido

    (Lins, 1989). A existncia dessas ilhas de floresta em uma regio onde a precipitao

    mdia anual varia entre 240 - 900 mm (IBGE, 1985; Lins, 1989) est associada

    ocorrncia de planaltos e chapadas entre 500 - 1.100 m altitude (Figura 4), onde as

    chuvas orogrficas garantem nveis de precipitao superiores a 1.200 mm/ano

    (Andrade-Lima, 1960, 1961). Quando comparados s regies semi-ridas, os brejos

    possuem condies privilegiadas quanto umidade do solo e do ar, temperatura e

    cobertura vegetal (Andrade-Lima, 1966).

    Figura 4. Perfil esquemtico de um brejo de altitude tpico (Planalto da Borborema AL, PB, PE, RN) do Nordeste do Brasil. Fonte: Tabarelli & Santos, 2004.

    A maioria dos brejos so disjunes de floresta estacionais semidecidual

    montana (IBGE, 1985), um dos tipos vegetacionais que compem a Floresta Atlntica

    brasileira (Veloso et al., 1991). A hiptese mais aceita sobre a origem vegetacional dos

    5

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    brejos de altitude est associada s variaes climticas ocorridas durante o pleistoceno

    (de 10.000 a 2 milhes de anos atrs), as quais permitiram que a Floresta Atlntica

    penetrasse no domnio da Caatinga. Ao retornar a sua distribuio original, aps

    perodos interglaciais, ilhas de floresta permaneceram em locais de microclima

    favorvel (Andrade-Lima, 1982). Desta forma, Andrade-Lima (op. cit,) considera os

    brejos como refgios atuais para espcies da Floresta Atlntica nordestina dentro do

    domnio da Caatinga.

    Apesar da importncia biolgica dos brejos de altitude, o conhecimento

    cientfico acerca de sua biodiversidade ainda bastante rudimentar. No Estado de

    Pernambuco, foi realizado um levantamento da avifauna em seis brejos de altitude, onde

    Roda & Carlos (2004) encontraram 251 espcies.

    Pretende-se nesta pesquisa realizar o primeiro levantamento da avifauna da

    regio da Serra da Guia, no alto serto sergipano, e a primeira classificao da mesma

    em relao a suas guildas trficas. Alm de inventariar as espcies, ser investigada a

    possvel influncia sobre as caractersticas das comunidades locais de fatores como a

    altitude, tipo de vegetao, e mudanas sazonais nas condies ecolgicas e distribuio

    de recursos.

    6

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    2. OBJETIVOS

    2.1 Objetivo geral Inventariar e caracterizar a avifauna da Serra da Guia, Sergipe, em relao aos padres

    de diversidade ecolgica.

    2.2 Objetivos especficos Inventariar as aves da rea de estudo;

    Comparar a diversidade das aves da rea de brejo de altitude com a da Caatinga

    adjacente e avaliar variaes sazonais nesta diversidade;

    Caracterizar a estrutura trfica das comunidades de aves do brejo de altitude e da

    Caatinga;

    Comparar a avifauna do brejo de altitude com aquela da Mata Atlntica;

    Contribuir ao conhecimento da avifauna na regio da Caatinga do Estado de

    Sergipe, fornecendo subsdios para sua conservao.

    7

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    3. HIPTESES

    Diferentes autores como Terborgh, 1971 e Navarro, 1992, tm encontrado

    padres similares na distribuio de aves ao longo de gradientes ambientais,

    encontrando maior riqueza de aves em partes mais baixas, diminuindo conforme

    aumenta a altitude. A teoria proposta por Terborgh (op. cit) foi baseada em diferentes

    modelos onde a ocorrncia das espcies pode estar limitada condiciones fsicas ou

    biolgicas do ambiente, excluso competitiva e descontinuidade no ambiente. Baseados

    nesta teoria e tomando como principal varivel a diferena de altitude entre a rea do

    brejo e da Caatinga se prope a primeira hiptese operacional:

    Ho: No existe diferena na diversidade local de aves entre as reas de brejo de altitude

    e Caatinga.

    Uma poro da Floresta Atlntica nordestina composta pelos brejos de altitude.

    O termo brejo aplicado a todos os enclaves de florestas midas que ocorrem dentro

    da Caatinga devido precipitao orogrfica (Andrade-Lima, 1982). Dentro da

    Caatinga, os brejos constituem-se em verdadeiros refgios para vrias espcies de

    plantas e vertebrados (Vanzolini et al., 1980; Mares et al., 1985) que ocorrem neste

    bioma. Conforme estes conhecimentos se propem a segunda hiptese operacional:

    Ho: A comunidade de aves do brejo de altitude mais similar quelas encontradas na

    Mata Atlntica do que as da Caatinga.

    A disponibilidade sazonal dos recursos alimentares varivel em funo do

    ambiente. Segundo Sick (1983) a oferta de alimento sazonalmente disponvel provoca

    uma variao sazonal marcante na composio da avifauna, chegando a registrar ciclos

    anuais relacionados com a temporada de chuvas. A terceira hiptese operacional

    sugerida baseada nesta cincia:

    Ho: No existe variao na abundncia das aves ao longo das estaes.

    A estrutura trfica de uma comunidade de aves ao se apresentar equilibrada, ou

    seja, com a presena de espcies de aves de todas as guildas, refletir a qualidade do

    ambiente. Os estudos sobre a estrutura trfica de comunidades de aves podem revelar

    8

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    que perturbaes ambientais levam a um aumento ou diminuio em determinadas

    espcies das guildas trficas (Motta-Jnior, 1990). De acordo a estes estudos, proposta

    a quarta hiptese operacional:

    Ho: No existe diferena na estruturao das guildas trficas das aves ao longo das

    estaes.

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    4. MATERIAIS E MTODOS

    4.1 rea de estudo

    A Serra da Guia (957S, 3752W) faz parte do complexo da Serra Negra, que

    se estende pelos municpios de Canind do So Francisco, Poo Redondo e Pedro

    Alexandre, na divisa dos estados de Sergipe e Bahia (Figura 5). o local mais alto do

    Estado de Sergipe com 750 m de altitude, e em uma das serras do complexo, nasce o

    Rio Sergipe. Do alto, uma imensa plancie se abre diante dos olhos. Da para ver o serto

    alagoano, baiano e sergipano, dependendo do ponto onde se esteja (De Oliveira, 2003).

    Figura 5. Localizao geogrfica da Serra da Guia, na imagem o recorte das cartas topogrficas Piranhas, AL-SE-BA, MI-1596 e Carira, SE-BA, MI-1665.

    O clima desta regio semi-rido. A precipitao pluviomtrica mdia de

    cerca de 750 mm/ano, de forma bastante irregular no espao e no tempo, como mostra o

    grfico 1. Para a elaborao do grfico de precipitao utilizamos os dados disponveis

    da estao meteorolgica mais prxima, a de Poo Redondo, localizada a uma distncia

    aproximada de 30 km da Serra da Guia. Possivelmente exista uma diferena entre o

    clima dos stios, relacionado ao fator altitude, variando dos 200 m em Poo Redondo,

    420 m na localidade Serra da Guia e 750 m no brejo.

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    Grfico 1. Precipitao total mensal do perodo de 2003 a 2009, registrada na estao meteorolgica de Poo Redondo, SE. Dados obtidos do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE) disponvel em http://www.semarh.se.gov.br/meteorologia/

    A definio das estaes seca e chuvosa foi baseada na precipitao total

    mensal, considerando as mesmas datas deste estudo (de outubro de 2008 at setembro

    de 2009), quando menor que 20 mm foi considerada estao seca (de setembro a maro)

    e chuvosa (de abril a agosto).

    Em seu levantamento preliminar da regio da Serra da Guia, Caldas et al.

    (2009), compararam a anurofauna do brejo de altitude com aquela de uma rea de

    Caatinga. Encontraram 15 espcies de anuros divididos em sete famlias. Na rea da

    Caatinga acharam trs espcies endmicas (Physalaemus cicada, Proceratophrys

    cristiceps e Pleurodema diplolister). Na rea do brejo encontraram duas espcies da

    Mata Atlntica: Ischnocnema ramagii, que utiliza ambientes de sub-bosque onde vive

    sobre o folhio (Junc, 2006) e Phyllomedusa bahiana, anuro que possui distribuio

    relictual, segundo Rodrigues (2005). Caldas et al. (2009) afirmaram que a mata mida

    do brejo pode estar contribuindo para a manuteno dessas espcies.

    Durante o desenvolvimento deste trabalho, observamos algumas espcies de

    mamferos no-voadores como jaguarundi (Puma yagouaroundi), tapiti (Sylvilagus

    brasiliensis), veado-catingueiro (Mazama gouazoubira), pre (Galea spixii), moc

    (Kerodon rupestris) e alguns marsupiais Didelphis albiventris, Marmosa spp. (Figura 6)

    e Monodelphis domestica. A diversidade de morcegos foi descrita na dissertao de

    Mestrado em Ecologia e Conservao da Universidade Federal de Sergipe por Rocha,

    2010 (em andamento). Neste estudo, comparou a diversidade de morcegos local, onde

    encontrou 18 espcies na regio, 14 no brejo e 12 na Caatinga. Destaque para ampliao

    da distribuio do Lichonicteris obscura na rea de Caatinga.

    11

    http://www.semarh.se.gov.br/meteorologia/http://www.girafamania.com.br/americano/brasil_fauna_veado.html#catingueiro#catingueiro
  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Figura 6. Fotos de alguns dos mamferos observados na Serra da Guia (A) Marmosa sp., (B) Monodephis domestica e (C) Didelphis albiventris.

    Alguns dos rpteis que podem ser encontrados na regio so cobra-do-capim

    (Liophis poecilogyrus), caninana (Spilotes pullatus), cobra verde (Philodryas nattereri),

    cobra-preta (Pseusoboa nigra), jibia arco ris (Epicrates cenchria), jibia (Boa

    constrictor), serpente-olho-de-gato-anelada (Leptodeira annulata), os lagartos terrestres

    (Cnemidophorus ocellifer, Tropidurus hispidus e T. semitaeniatus), entre outros, (G.S.S.

    Nunes, com. pess.).

    4.2 Pontos de amostragem

    Os pontos de amostragem foram definidos em funo da altitude e a diferena

    entre a vegetao. A figura 7 mostra os pontos de coleta. Nas coordenadas

    95809.38S, 375152,62W, com 420 m de altitude, encontramos o ponto de coleta

    correspondente Caatinga (rea 1) (Figura 8 ). Aproximadamente a 1,5 km de distncia

    em linha reta localiza-se outro ponto de amostragem nas coordenadas 95855.14S,

    375206.23W, com 750 m de altitude, correspondente ao brejo de altitude (rea 2)

    (Figura 9). A distncia entre os pontos de amostragem considerada adequada em

    relao extenso da rea de vida da maioria das aves, com exceo dos carnvoros,

    altamente mveis (Thiollay, 1989) e algumas espcies migratrias (Sick, 1997). Em

    geral, as aves neotropicais utilizam reas de vida que variam de 50 m at 17,5 ha (Duca

    & Marini 2005; Duca et al. 2006; Stouffer, 2007).

    12

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Figura 7. Localizao dos pontos de amostragem na Serra da Guia no Modelo Digital de Elevao, elaborado no software Global Mapper, com dados do atlas digital de recursos hdricos de Sergipe 2001. 4.2.1 rea de Caatinga

    A Caatinga da rea de estudo apresenta vegetao caracterstica da regio

    (Prado, 2003). Algumas espcies dominantes como a catingueira (Caesalpinia

    pyramidalis), umburana (Amburana cearensis), ouricuri (Syagrus coronata), diferentes

    cactceas como mandacaru (Cereus jamacaru) alm de algumas espcies de bromlias

    (Figura 8). A altura das rvores varia de 6 a 8 m. Altitude de 420 metros

    aproximadamente.

    Figura 8. Vista geral da vegetao do ponto de amostragem 1 (Figura 7), que representa a Caatinga.

    13

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    4.2.2 rea de brejo de altitude

    Pequeno fragmento que ocupa uma rea aproximada de 20 hectares, onde a

    altura das rvores varia de 12 a 16 m. A altitude sobre o nvel do mar vai dos 650 at

    750 metros e reconhecido como o ponto mais alto do Estado de Sergipe (Figura 9).

    Encontramos diferentes espcies de orqudeas e bromlias, e algumas espcies

    dominantes como a Myrtacea conhecida como canela de veado (Eugenia candoleana).

    O levantamento e identificao das espcies vegetais esta sendo realizado na dissertao

    de Mestrado em Ecologia e Conservao da Universidade Federal de Sergipe por

    Machado, 2010 (em andamento).

    Figura 9. Vista geral da vegetao do ponto de amostragem 2 (Figura 7), que representa o brejo de altitude.

    4.3 Coleta de dados

    Para a captura de aves utilizamos redes de neblina medindo 3 x 12 metros, com

    malha de 20 mm. Todas as aves capturadas foram cuidadosamente retiradas, e

    transportadas em sacos de pano para a estao de processamento. Posteriormente,

    preenchemos os seguintes dados no formulrio de campo:

    Idade: verificada atravs do grau de ossificao craniana (Figura 10), baseados na

    classificao proposta pelo CEMAVE (1994);

    Sexo: diferenciando macho e fmea quando apresentavam dimorfismo sexual que

    permitisse isto;

    14

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Massa Corprea: peso total da ave, utilizando balana de mola marca Pesola de

    100, 300 e 600 gr;

    Comprimento total: medida tomada com rgua comum da ponta do bico at ponta

    da cauda sem alongar o pescoo;

    Comprimento da asa: medida tomada desde o vrtice flexor da asa at o extremo da

    primaria mais longa, mantendo a curvatura natural da asa ao tomar a medida

    (Figura 11);

    Estgio Reprodutivo: verificado atravs da presena de placa de incubao (Figura

    12), baseado na classificao de Pyle et al. (1987);

    Horrio de captura: baseado no intervalo de reviso da rede;

    Local de coleta: rea onde foi coletada podendo ser o brejo ou Caatinga.

    Todas as aves capturadas foram fotografadas, marcadas mediante uma anilha de

    plstico e finalmente liberadas (Figura 13).

    Figura 10. I) Estgios de pneumatizao do crnio para passeriformes. Extrado de CEMAVE (1994). II) As partes internas destacadas representam reas sem ossificao, diferenciadas pela cor e ausncia de pontos brancos.

    15

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Figura 11. Exemplo de conteno da ave para medida do comprimento da asa, mantendo sua curvatura natural. Extrado de Pyle et al. (1987).

    Figura 12. I) Placas de incubao em diferentes fases de desenvolvimento, desde uma ave em estado reprodutor completo onde a vascularizao extrema (a), at uma ave em estado no reprodutor (c), Extrado de Pyle et al. (1987). II) Na foto um exemplo de uma ave em estado reprodutor; nota-se ausncia total de penas na parte ventral.

    16

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    Figura 13. Fotos resumindo o procedimento de captura: colocao das redes (A); ave capturada (B); ave dentro do saco para o transporte estao de processamento (C); colocao da anilha de plstico colorida e numerada (D); ave anilhada (E); ave com placa de incubao veja Figura 12 (F); verificao do grau de ossificao craniana veja Figura 10 (G); liberao da ave (H).

    Dado que no contamos com licena de anilhador snior do Centro Nacional de

    Pesquisa para a Conservao das Aves Silvestres (CEMAVE), que permitiria a obteno

    das anilhas padro desta instituio, adaptamos abraadeiras de plstico (marca

    Implastec, medida 165 x 2,5 mm) de cores diferentes, que foram colocadas

    cuidadosamente no tarso da ave. O uso de combinaes de cores permitiu diferenciar os

    indivduos recapturados ou observados, para permitir a avaliao da disperso e

    sobrevivncia de indivduos (Peach et al., 1991).

    Foram utilizadas dez redes (Ralph et al., 1996) em dois pontos de amostragem,

    com trs dias de amostragem durante cada ms ao longo de um ano, de outubro 2008 at

    setembro 2009, compreendendo as estaes seca e chuvosa. As revises das redes foram

    17

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    realizadas a cada hora entre as 05:00 e 12:00 horas para captura de aves de hbitos

    diurnos, horrio durante o qual as aves apresentam maior atividade. Durante o perodo

    da tarde as revises foram entre as 16:00 e 21:00 horas para a captura de aves de hbitos

    noturnos.

    As redes colocadas na rea do brejo foram armadas em transectos lineares ao

    longo de uma trilha existente no interior do fragmento florestal, onde a vegetao fica

    mais densa. Na rea da Caatinga as redes foram armadas ao longo de uma trilha

    existente, onde a vegetao fica mais densa (Figura 14).

    Figura 14. A) rede de neblina armada no ponto de amostragem do brejo, B) rede de neblina armada no ponto de amostragem da Caatinga.

    A coleta de espcimes foi realizada somente em caso de bito causado por

    ataques de falconiformes nas redes ou outra causa indeterminada. Os espcimes foram

    taxidermizados, etiquetados e depositados na futura coleo de aves da Universidade

    Federal de Sergipe (Figura 15). A coleta de espcimes foi autorizada pelo IBAMA,

    atravs da licena cientfica nmero 15900-1, expedida pelo SISBIO com data de cinco

    de junho de 2008 (Anexo I). Para os trabalhos dentro da comunidade de quilombolas

    recebemos autorizao da lder comunitria, Dona Zefa da Guia, atual representante

    da comunidade.

    18

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Figura 15. Exemplos dos espcimes coletados durante o presente estudo e depositados no Departamento de Biologia da Universidade Federal de Sergipe. As etiquetas incluem o nmero do espcime, espcie, local de coleta, sexo, data de coleta, comprimento total, envergadura, peso, contedo estomacal e grau de ossificao craniana.

    Para complementar o inventrio de aves da regio utilizamos paralelamente o

    procedimento de buscas ativas (Ambrose, 1989) o qual consiste na realizao de trs

    censos de 20 minutos cada um, em trs reas distintas. As reas foram escolhidas em

    funo de variaes no habitat, sendo no brejo, duas reas mais abertas e uma na borda

    da floresta, e na Caatinga duas reas mais abertas e uma perto do aude local (Figura

    16).

    Figura 16. Exemplos de stios para busca ativa: no brejo, uma rea de borda (A) e uma rea mais aberta (B): na Caatinga, uma rea perto do aude (C) e uma rea mais aberta (D).

    19

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Em cada busca ativa, o observador percorre toda a extenso de cada rea na

    busca de aves. Para estas observaes, utilizamos binculos 8 x 40, e guias de campo

    para a identificao das aves (Major et al., 2004; Sigrist, 2007). As buscas ativas foram

    realizadas durante as primeiras horas do dia, perodo em que as aves apresentam maior

    atividade, e foi realizada pelo menos uma busca ativa para rea da Caatinga e uma para

    o brejo de altitude por ms.

    4.4 Anlise dos dados

    A coleta de campo resultou em um banco de dados que subsidiou a anlise de

    vrios parmetros. O conjunto de coletas forneceu um inventrio das espcies da rea de

    estudo, assim como para cada tipo de habitat, o que permitiu uma anlise sistemtica de

    possveis diferenas ecolgicas entre os mesmos, e tambm, da variao sazonal. Os

    dados de captura permitiram ainda a anlise dos perodos reprodutivos das espcies

    mais abundantes, e alguns parmetros demogrficos da taxocenose como a quantidade

    relativa de machos e fmeas, e de adultos e juvenis. Foram realizadas tambm

    comparaes sistemticas com os dados disponveis para outras comunidades

    representativas de outros ecossistemas.

    4.4.1 Diversidade Alfa

    A eficincia da amostragem foi analisada atravs de curvas de acumulao de

    espcies. Para a construo das curvas comparamos a acumulao de espcies em cada

    ms. Utilizamos o ndice no-paramtrico Jackknife 1 (Burnham & Overton, 1978). As

    anlises foram executadas no programa EstimateS 8.0 (Cowell, 2006).

    Os ndices de diversidade so ferramentas que permitem comparar comunidades

    de distintas localidades ou fases temporais. Podemos definir a diversidade alfa como a

    riqueza de espcies de uma comunidade, considerada homognea (Moreno, 2001).

    Neste trabalho, utilizamos o ndice de diversidade de Shannon-Wiener, para determinar

    a diversidade alfa das duas reas de estudo, mediante formula:

    pipiH ln' =

    onde: pi = proporo de indivduos de cada espcie detectada, e ln = logaritmo natural.

    O ndice de Shannon-Wiener baseado na abundncia proporcional dos

    indivduos de cada espcie e supe que as amostras so aleatrias e temos todas as

    espcies da comunidade includas (Magurran, 1988). Por ser amplamente usado permite

    potencialmente comparar os resultados com outros estudos similares. Tambm, permite

    20

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    avaliar estatisticamente a diferena entre duas comunidades atravs do teste t (Zar,

    1984), o que permite testar nossa primeira hiptese operacional.

    4.4.2 Diversidade Beta

    A diversidade beta ou diversidade entre habitats o grau de variao de espcies

    ou mudana bitica atravs de um gradiente ambiental (Whittaker, 1972, apud Moreno,

    2001), baseada em propores ou diferenas entre comunidades. Estas propores

    podem ser avaliadas baseadas em ndices ou coeficientes de similaridade ou

    dissimilaridade, ou de distncia entre amostras a partir de dados qualitativos

    (presena/ausncia de espcies) ou quantitativos (abundncia proporcional de cada

    espcie). Neste trabalho, utilizamos dois ndices de similaridade: Jaccard e Morisita-

    Horn.

    O ndice qualitativo de Jaccard amplamente utilizado e recomendado quando se

    tem amostras equivalentes (Krebs, 1999). O ndice quantitativo de Morisita-Horn

    considerado robusto, porque leva em considerao a abundncia proporcional das

    espcies, podendo diferenciar espcies abundantes e raras (Moreno, 2001). Utilizamos

    o ndice de Morisita-Horn, para analisar a similitude da composio das aves nas duas

    reas amostradas, considerando as abundncias relativas das espcies.

    O ndice de Jaccard ser utilizado para comparar as espcies do brejo de altitude

    com quelas da Mata Atlntica, da Caatinga do entorno e dos Brejos de altitude de

    Pernambuco (Roda & Carlos, 2004). Como os dados disponveis na literatura so

    qualitativos (presena/ausncia), este ndice permitira testar nossa segunda hiptese

    operacional, sobre maior similaridade entre as aves do brejo de altitude e da Mata

    Atlntica comparada s da Caatinga. Os ndices de diversidade foram calculados

    usando o programa Biodiversity calculator (2009).

    4.4.3 Sazonalidade

    Para testar a terceira hiptese operacional (variao na abundncia das aves ao

    longo das estaes do ano), realizamos uma comparao entre o total das aves

    capturadas em cada ms nas duas reas de amostragem. Utilizamos uma prova de Qui-

    Quadrado () para comparar as duas reas e para comparar as duas estaes (da mesma

    rea), com um nvel de significncia de 0.05.

    21

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    4.4.4 Guildas

    A estrutura trfica de um ecossistema ou de uma cadeia alimentar pode ser

    descrita em termos de indivduos, de biomassa ou de energia. A anlise do contedo

    estomacal e de fezes fornece os melhores dados sobre a composio da dieta para a

    classificao em guildas (Piratelli, 1999). Existe uma variao na alimentao das aves

    ao longo do ano atribudo a oferta de recursos alimentares. Para caracterizar a estrutura

    trfica das espcies de aves nas duas reas, classificamos as aves por guilda alimentar.

    Neste estudo no realizamos anlises do contedo estomacal ou fezes para a

    classificao das aves nas diferentes guildas, porm utilizamos informaes disponveis

    na literatura (Motta-Jnior, 1990; Sick, 1997; Piratelli & Pereira, 2002; Santos, 2004 e

    Nascimento et al., 2005). Definimos a guilda alimentar utilizando como critrio

    principal classificao dos autores, quando uma espcie foi classificada na mesma

    guilda em pelo menos trs estudos.

    Foram utilizados seis guildas no presente estudo:

    (a) Insetvoro: alimentao baseada em insetos;

    (b) Granvoro: alimentao baseada em sementes;

    (c) Frugvoro: alimentao baseada em frutos;

    (d) Onvoro: alimentao baseada em frutos, artrpodes e pequenos vertebrados;

    (e) Nectarvoro: alimentao baseada em nctar;

    (f) Carnvoro: alimentao baseada em grandes insetos, pequenos e mdios

    vertebrados.

    Posterior a classificao das aves nas guildas alimentcias, realizamos a

    somatria total das massas corpreas das aves capturadas durante a estao seca e

    chuvosa. Para realizar a comparao da biomassa, utilizamos mdia mensal pela

    diferena entre o nmero de meses das estaes do ano. Esta anlise serve para testar a

    quarta hiptese operacional, sobre as diferenas sazonais na estruturao das guildas

    alimentcias entre os diferentes tipos de habitats. Realizamos uma prova de para

    comparar as mdias das biomassas por guilda nas duas estaes (da mesma rea), e no

    geral nas duas reas amostradas, com um nvel de significncia de 0.05.

    22

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    5. RESULTADOS E DISCUSSO

    5.1 Diversidade Alfa (Hiptese 1)

    Entre outubro de 2008 e setembro de 2009, capturamos 925 indivduos (54

    recapturas) pertencentes a 98 espcies de 27 famlias, a partir de um esforo de captura

    de 6000 horas rede (12 metros de rede = 1 hora rede). Todas as espcies foram

    registradas at o dcimo ms do estudo (Grfico 2).

    Grfico 2. Nmero cumulativo de espcies capturadas durante o perodo do estudo (outubro de 2008 a setembro de 2009).

    No grfico 3 temos o nmero cumulativo de espcies em cada ambiente

    comparado com o considerado pelo estimador de riqueza Jackknife 1. Na rea da

    Caatinga capturamos 82 espcies, contra as 101 estimadas. Na rea do brejo capturamos

    65 espcies, contra as 91 estimadas no Jackknife 1. Em ambos ambientes todas as

    espcies foram registradas at o dcimo ms do estudo.

    Grfico 3. Nmero cumulativo de espcies capturadas durante o perodo do estudo (outubro de 2008 a setembro de 2009) na rea da Caatinga e do brejo, comparado com o estimador de riqueza Jackknife 1.

    23

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Alm das aves capturadas nas redes de neblina, foram acrescentadas lista final

    as espcies registradas nas buscas ativas, totalizando 140 espcies para a regio da Serra

    da Guia (Anexo II). A metodologia de redes de neblina utilizada principalmente para

    captura de aves de sub-bosque ou de tamanho menor, deixando fora quelas de grande

    porte ou que utilizam outros estratos. Portanto, com a combinao das buscas ativas,

    conseguimos incrementar 42 espcies ao inventrio da regio da Serra da Guia. Este

    nmero difere das 107 espcies relatadas por Souza (2009) para a mesma regio.

    Nmeros similares foram encontrados por Roos et al. (2006), no levantamento

    da regio de Caatinga do Lago Sobradinho, atravs de censos visuais e capturas com

    redes de neblina foram registradas 145 espcies de aves, sendo 59 espcies registradas

    de forma auditiva ou visual. Esta discrepncia pode estar relacionada a diferenas no

    esforo amostral, mtodos de levantamento ou experincia do observador.

    Trabalhos indicam que redes de neblina podem ser eficientes na captura de

    espcies crpticas que no sejam facilmente detectadas ou identificadas a partir de

    mtodos que realizam contagens (Karr, 1979), portanto o uso de redes junto com algum

    mtodo de contagem permitir ter um inventrio representativo da rea.

    No ponto 1 (Caatinga), foram capturados 587 indivduos pertencentes a 82

    espcies (26 famlias). As cinco famlias mais abundantes em ordem decrescente foram

    Tyrannidae (19 espcies; 23,2% do total), Trochilidae (8; 9,7%), Thamnophilidae (7;

    8,5%), Emberizidae (7; 8,5%) e Columbidae (6; 7,3%). Juntas elas correspondem a

    53,3% das espcies capturadas. As cinco espcies mais abundantes em ordem

    decrescente foram o Coryphospingus pileatus (92 indivduos; 15,6% do total), Elaenia

    chilensis (86; 14,6%), Turdus amaurichalinus (24; 4,0%), Hemitriccus

    margaritaceiventer (21; 3,5%) e Columbina minuta (18; 3%). Juntas elas correspondem

    a 41,0% dos indivduos capturados no ponto 1.

    O granvoro Coryphospingus pileatus, foi a espcie mais numerosa encontrada

    na rea da Caatinga neste trabalho, foi tambm a espcie mais abundante em cinco das

    oito reas de Caatinga no levantamento quantitativo de Olmos et al. (2005).

    No ponto 2 (Brejo), capturamos 392 indivduos pertencentes a 65 espcies (22

    famlias). As cinco famlias mais abundantes em ordem decrescente foram Tyrannidae

    (16 espcies; 24,6% do total), Thamnophilidae (7; 10,7%), Thraupidae (5; 7,6%),

    Trochilidae (5; 7,6%) e Emberizidae (4; 6,1%). Juntas elas correspondem a 56,9% das

    espcies capturadas. A principal diferena aqui em comparao com ponto 1 a

    substituio da famlia Columbidae pela Thraupidae. As espcies mais abundantes no

    24

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    brejo foram Basileuterus flaveolus (64 indivduos; 16,3% do total), Turdus rufiventris

    (40; 10,2%), Turdus amaurichalinus (28; 7,1%), Sitassomus griseicapillus (23; 5,8%) e

    Elaenia mesoleuca (18; 4,5%). Juntas elas correspondem a 44,0% dos indivduos

    coletados nesta rea.

    A diferena entre dados quantitativos utilizados neste estudo e qualitativos

    usados por Roda & Carlos (2004), no permite comparar as espcies mais abundantes.

    No nvel de famlia podemos comparar as mais comuns, entre os brejos de altitude de

    Pernambuco e Paraba, a Catinga e o brejo da Serra da Guia. A famlia mais abundante

    foi Tyrannidae nos trs estudos. A Fringillidae no aparece entre as mais comuns na

    Serra da Guia, mas relativamente muito rica em brejos de altitude de Pernambuco e

    Paraba.

    O gnero Basileuterus abrange 21 espcies, distribudas desde Mxico at o

    sudeste do Brasil. Dificilmente encontramos alguma espcie do gnero abaixo dos 600

    metros de altitude, pelo que suas populaes ficam isoladas por qualquer vale mais

    baixo (Terborgh, 1971). Basileuterus flaveolus considerado tpico de floresta tropical

    decdua (Stotz et al. 1996) foi a espcie mais abundante no brejo.

    Das cinco espcies mais abundantes em cada ponto (Figura 17, grfico 4),

    apenas uma, Turdus amaurichalinus, foi comum aos dois.

    Figura 17. Espcies mais comuns capturadas nos pontos de amostragem, Basileuterus flaveolus (A), Turdus amaurochalinus (B), Sitassomus griseicapillus (C), Coryphospingus pileatus (D), Turdus rufiventris (E), Elaenia mesoleuca (F), Elaenia chilensis (G), Columbina minuta (H) e Hemitriccus margaritaceiventer (I).

    25

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Grfico 4. Comparao das cinco espcies mais abundantes capturadas nos pontos 1 (Caatinga) e 2 (Brejo) no presente estudo.

    No que se refere a diversidade entre as duas reas estudadas, verificou-se que o

    valor do ndice de diversidade Shannon-Wiener foi significantemente maior na rea da

    Caatinga (H=3,62) do que na rea do brejo (H=3,41; t = 2,66; gl = 140,57; P < 0,05).

    Esta anlise permite rejeitar a hiptese nula, que no existe uma diferena significativa

    na diversidade local das duas comunidades de aves.

    Os valores do ndice de diversidade so razoveis quando comparados com

    outros levantamentos de aves, assim variam desde H = 3,33, H = 3,36 e H = 4,18

    (Donatelli et al. 2004, Cavarzere et al. 2009, Antunes 2005), respectivamente, em

    florestas estacionais em So Paulo, at H = 4,25 encontrado por Lyra-Neves et al. 2004

    na Mata Atlntica em Pernambuco.

    5.2 Diversidade Beta (Hiptese 2)

    Dentro da rea da Caatinga capturamos maior nmero de indivduos e espcies.

    Algumas das espcies dominantes so granvoras, diferente do brejo, onde algumas das

    espcies dominantes foram insetvoras. Das 98 espcies capturadas, 13 so endmicas

    do Brasil. Seis espcies foram capturadas na rea do brejo e dez na Caatinga (Tabela 1).

    26

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Brasil tem um alto nmero de espcies em extino, cerca de 120 espcies so

    encontradas em alguma categoria de risco. Das espcies capturadas neste estudo

    encontramos quatro espcies classificadas em alguma categoria de risco de acordo com

    a Lista Vermelha de Espcies Ameaadas da Unio Internacional para a Conservao

    da Natureza (IUCN, 2009), duas quase ameaadas (NT) e duas vulnerveis (VU).

    Tabela 1. Espcies endmicas do Brasil capturadas nos pontos de amostragem. 1Espcie endmica da Caatinga, 2Espcie endmica da Mata Atlntica, NT Quase ameaada , VU Vulnervel.

    Nmero de indivduos

    capturados no/na: Espcie Nome comum

    Brejo Caatinga

    Anopetia gounellei Rabo-branco-de-cauda-larga 1

    Picumnus fulvescens 1 / NT Pica-pau-ano-canela 1

    Thamnophilus pelzelni Choca-do-planalto 13

    Herpsilochmus pectoralis1/VU Chorozinho-de-papo-preto 4 4

    Hylophilus amaurocephalus Vite-vite-de-olho-cinza 2 2

    Cantorchilus longirostris Garrincho-de-bico-grande 5 6

    Caprimulgus hirundinaceus 1 Bacurauzinho-da-caatinga 5

    Heliomaster squamosus Bico-reto-de-banda-branca 1

    Herpsilochmus sellowi 1 / NT Chorozinho-da-caatinga 2

    Hemitriccus furcatus 2 / VU Papa-moscas-estrela 1

    Schistochlamys ruficapillus Bico-de-veludo 4

    Sporophila albogularis Golinho 4

    Paroaria dominicana1 Cardeal-do-nordeste 1

    Foram capturadas 13 espcies endmicas do Brasil, ao tentar definir os

    endemismos por bioma (Caatinga ou Mata Atlntica) encontramos uma complicao.

    Para Mata Atlntica esto definidos os endemismos (Brooks et al., 1999), mais na

    Caatinga existe uma divergncia para identificar as espcies endmicas deste bioma.

    Para Benck & Maurcio (2002), 11 espcies so consideradas endmicas ao bioma

    Caatinga, diferente de Cracraft (1985) que listou 20 txons representativos do centro

    de endemismo Caatinga, enquanto que Haffer (1985) listou 10 espcies como

    27

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    representativas da rea de endemismo Caatinga. Stotz et al. (1996) consideram 20

    txons como endmicas (ou quase endmicas) da Caatinga. Neste trabalho utilizamos

    esta ultima classificao.

    Segundo Olmos et al. (2005) um dos problemas para definir quais so as aves

    endmicas da Caatinga determinar os limites da Caatinga propriamente dita. O

    complexo da Caatinga destaca-se entre as outras provncias fitogeogrficas por ser,

    aparentemente, a mais rica em paisagens de exceo ou enclaves (Fernandes & Bezerra,

    1990). As condies de altitude, drenagem, geomorfologia e tipos de solo determinam a

    existncia de uma grande diversidade de fitofisionomias que, de forma paralela ao que

    ocorre com o Cerrado, variam de formaes ralas e abertas a verdadeiras florestas.

    Os resultados das capturas das aves nas duas reas de coleta indicam que ambas

    as reas compartilham menos da metade das espcies de aves, como mostra o ndice de

    diversidade beta de Morisita-Horn (0,31) e Jaccard (0,49).

    Na tabela 2 temos os resultados da comparao atravs do ndice de Jaccard das

    aves capturadas e detectadas nas buscas ativas com outros levantamentos disponveis na

    literatura, com o intuito de testar a segunda hiptese operacional.

    Tabela 2. Comparao da similaridade de aves entre as reas amostradas e diferentes levantamentos, utilizando o ndice de Jaccard.

    Stio 1 2 3 4 5 6

    1 1

    2 0,20 1

    3 0,39 0,17 1

    4 0,30 0,29 0,24 1

    5 0,29 0,25 0,24 0,32 1

    6 0,31 0,25 0,24 0,28 0,31 1

    1 = Caatinga, Serra da Guia, SE (presente estudo); 2 = Mata Atlntica, MG (Faria et al., 2006); 3 = Brejo de altitude, SE (presente estudo); 4 = Brejo de altitude, PE (Roda & Carlos, 2004); 5 = Mata Atlntica, PARNA Serra de Itabaiana, SE (DHorta et al, 2005); 6 = Agreste, RVS Mata do Junco, SE (Souza et al., 2007).

    O maior valor foi de 0,39 entre as aves do brejo da Serra da Guia e Caatinga

    fornecendo uma base para rejeitar nossa segunda hiptese nula. Um fator importante na

    semelhana entre a avifauna do brejo e da Caatinga da Serra da Guia pode estar

    relacionado proximidade geogrfica dos pontos de coleta. O valor maior de

    diversidade beta entre o brejo e a Caatinga da Serra da Guia correspondeu a uma

    28

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    distncia de 1.5 km, o menor valor entre o brejo da Serra da Guia e Mata Atlntica de

    Minas Gerais, apresentam uma distncia entre os pontos de coleta de 1000 km. Tendo a

    distncia como fator limitante entre a comparao.

    Este resultado fortalece o conceito de Vasconcelos (1971), que afirma que os

    brejos do Agreste (que esto mais prximos costa) estariam mais subordinados Mata

    Atlntica, enquanto que os brejos do serto (que esto mais afastados da costa) seriam

    mais subordinados Caatinga. Assim, o Brejo da Serra da Guia, inserida no alto Serto

    sergipano, localizado a 139 km da costa, apresenta uma avifauna mais similar

    Caatinga.

    5.3 Sazonalidade (Hiptese 3)

    5.3.1 Abundncia relativa

    O nmero de espcies capturadas na rea do brejo comparadas Caatinga foi

    maior nos meses de outubro, fevereiro, maro e abril. A partir de maio houve uma

    diminuio das espcies do brejo (Grfico 5), talvez relacionada com a temporada de

    chuva.

    Grfico 5. Nmero total de espcies capturadas nos dois pontos de coleta comparados com dados de pluviosidade nas mesmas datas na estao meteorolgica de Poo Redondo. Fonte: elaborao prpria com dados do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE).

    Durante os primeiros sete meses de coletas (outubro at abril) o nmero de

    indivduos capturados nas duas reas no apresentou um padro definido, e na maioria

    dos meses, um maior nmero de indivduos foi capturado no brejo (Grfico 6). A partir

    de maio, houve uma diminuio marcante na rea do brejo, coincidindo com o pico das

    chuvas na regio. Ao mesmo tempo, a abundncia de indivduos na Caatinga aumentou

    sensivelmente e permaneceu em um nvel relativamente alto at o final do estudo.

    29

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Grfico 6. Nmero total de indivduos capturados nos dois pontos de coleta comparados com dados de pluviosidade nas mesmas datas na estao meteorolgica de Poo Redondo. Fonte: elaborao prpria com dados do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE).

    O aumento no nmero de indivduos coletados na rea da Caatinga no incio da

    temporada de chuva pode estar relacionado sazonalidade de recursos hdricos e

    trficos (tais como floraes e frutificaes). Na rea do brejo teve uma reduo entre

    os indivduos coletados quando comea a temporada de chuvas, esta diferena pode ser

    relacionada a diferenas de temperatura e exposio ao sol, pois, apesar de no termos

    dados quantitativos a respeito deste fenmeno, a diferena de temperatura entre as

    pocas chuva e seca foi claramente perceptvel.

    Os fatores determinantes desta diferena incluiriam a maior altitude do brejo,

    sua cobertura vegetal mais densa, e possivelmente, sua maior umidade. Enquanto na

    Caatinga esta variao possivelmente esteja mais relacionada com a sazonalidade ao

    longo do ano (seca e chuva) do que por questes de complexidade do hbitat (Santos,

    2004).

    Das 54 recapturas 36 foram na Caatinga e 18 no brejo, a exceo de Elaenia

    spectabilis capturado em dezembro na Caatinga e recapturado em abril na rea do brejo,

    todas as recapturas foram nas respectivas reas de captura. Com estas informaes no

    temos argumentos suficientes para contestar a questo: as aves da Caatinga esto se

    refugiando no brejo durante a seca, ou as aves do brejo aproveitando a disponibilidade

    de recursos da Caatinga durante as chuvas?

    Os resultados do teste entre o nmero de indivduos capturados na estao

    seca e chuvosa mostrarem uma variao. Na rea da Caatinga no teve diferena

    significativa ( =1,336; gl= 1; p= 0,2478, com correo de Yates) aceitando a hiptese

    nula. Na rea do brejo teve diferena significativa ( =131,452; gl =1; p

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    5.3.2 Espcies em estgio reprodutivo

    Foram identificados 108 indivduos em estado reprodutivo, pertencentes a 47

    espcies. Na rea do brejo foram identificados 58 indivduos contra 50 na Caatinga. O

    ms com mais indivduos proporcionalmente em estado reprodutivo na rea do brejo foi

    maio, na rea da Caatinga isto aconteceu no ms de maro. No Grfico 7 podemos

    observar uma diferena entre o nmero de indivduos com placa de incubao ao longo

    dos meses do ano nas reas. Ou seja, no existe uma sincronia nas temporadas

    reprodutivas da avifauna do brejo e da Caatinga. Na rea do brejo o pico mximo no

    nmero de indivduos em estado reprodutivo coincidiu com a maior precipitao.

    Grfico 7. Porcentagem de indivduos com placa de incubao nas duas reas comparada com dados da precipitao da estao meteorolgica Poo Redondo Fonte: elaborao prpria com dados do Centro de Meteorologia de Sergipe (CEMESE).

    5.3.3 Espcies migratrias

    As espcies migratrias so categorizadas de acordo com sua rea de reproduo

    (Hayes, 1995) e de acordo com as definies deste autor, migratria neotropical

    aquela que se reproduz na Amrica do Sul e migra para o hemisfrio norte durante a

    estao no reprodutiva. Numerosas espcies de aves apresentam movimentos

    migratrios no continente sul-americano (Sick, 1985). Stotz et al. (1996) definem como

    migratrias 420 espcies de aves nerticas que migram para o Neotrpico, das quais

    pelo menos 97 espcies so parcialmente migratrias. Neste trabalho foram capturadas

    31

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    quatro espcies classificadas como migratrias: Elaenia chilensis, Turdus

    amaurochalinus , Myiarchus tyrannulus e Tyrannus melancholicus (Figura 18).

    Figura 18. Fotos das espcies migratrias (A) Elaenia chilensis, (B) Turdus amaurochalinus (C) Myiarchus tyrannulus e (D) Tyrannus melancholicus.

    Migraes locais ou parciais so difceis de serem detectadas devido ao nmero

    pequeno de observaes, dificuldade de detectar a origem da migrao (pela ausncia

    de observaes em outras regies) e existncia de migraes em que apenas parte da

    populao de desloca (Alves, 2007). Esses tipos de migrao ocorrem, por exemplo,

    com espcies de Elaenia (Medeiros & Cavalcanti, 1987; Marini & Cavalcanti, 1990).

    Elaenia chilensis, ave da famlia Tyrannidae, com distribuio desde a Colmbia

    at a Terra do Fogo, ao longo dos Andes, apresenta migraes ao longo do Uruguai,

    Paraguai e Brasil (Meyer de Schauensee, 1970). A espcie s foi capturada entre maro

    e julho (Grfico 8), com um pico claro de abundncia na Caatinga em junho. Resultados

    similares encontrados por Lima (2003) apontam como o pico de migrao da espcie na

    regio do Raso da Catarina entre os meses de abril, maio e junho de 2002. Esta espcie

    contribui grande parte da diferena geral entre brejo e Caatinga em termos de nmeros

    de indivduos, e do pico de junho (Grfico 6).

    Grfico 8. Freqncia de captura de Elaenia chilensis ao longo do ano nas duas reas de amostragem.

    32

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    As migraes altitudinais e de grande escala so conhecidas para algumas

    espcies da famlia Turdidae. Aps a reproduo, populaes meridionais migram em

    grande escala, procurando regies setentrionais mais quentes (Alves, 2007). Segundo

    Sick (1997), Turdus amaurochalinus ocorre em grande parte do Brasil (em Belm,

    ocorre apenas durante a migrao). Em algumas reas a espcie aparece apenas em

    determinada poca do ano, enquanto em outras, as migratrias podem obscurecer as

    populaes residentes.

    Foram capturados 52 indivduos do T. amaurochalinus, dos quais 53,8% no

    brejo. Com exceo de novembro e dezembro sempre se realizou capturas em pelo

    menos uma das reas (Grfico 9). Os picos de captura foram registrados em maro no

    brejo (15 indivduos), e em julho na Caatinga (13).

    Grfico 9. Freqncia de captura de Turdus amaurochalinus ao longo do ano nas duas reas de amostragem.

    Segundo Stotz et al. (1996), Myiarchus tyrannulus apresenta migraes parciais,

    capturamos 16 indivduos dos quais 75% foram capturados na rea do brejo e 25% na

    rea de Caatinga. Como ilustra o grfico 10 unicamente foram capturados durante os

    meses de novembro a janeiro.

    33

  • Diversidade da avifauna da Serra da Guia, Sergipe e Bahia Ruiz-Esparza 2010

    Grfico 10. Freqncia de captura de Myiarchus tyrannulus ao longo do ano nas duas reas de amostragem.

    Apenas trs indivduos de Tyrannus melancholicus foram capturados, dois na

    Caatinga em maro e junho, e um no brejo durante o ms de abril. Algumas estimativas

    sugerem que 60-70% das aves do Cerrado e do Pantanal realizam migraes sazonais, e

    um valor similar pode ser verdadeiro para as Caatingas (Olmos et al., 2005).

    5.4 Guildas trficas (Hiptese 4)

    As aves exploram recursos alimentares variados. Essa diversidade de

    alimentao justifica a atrao de certas espcies a um habitat especfico. As guildas

    demonstram a relao das espcies com o meio em que vivem (Villanueva & Silva,

    1996).

    Os granvoros (Figura 19) so bem representados por espcies das famlias

    Columbidae e Emberizidae. Em reas mais abertas, bem como as clareiras, so

    compostas por gramneas e contribuem para a presena de alguns Columbdeos e

    Emberizideos (Telino-Jnior, 2005).

    Figura 19. Exemplos de espcies granvoras: A) Columbina minuta, B) Sporophila nigricolis, C) Paroaria dominicana.

    34

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    As aves de dietas mais especializadas como as frugvoras (Figura 20), indicam a

    presena de plantas frutferas. De acordo com Willis (1979), Anjos (1998) e Guilherme

    (2001), os frugvoros apresentam maior capacidade de deslocamento, podendo procurar

    alimento em outros fragmentos florestais desde que no estejam muito distantes.

    Figura 20. Exemplos de espcies frugvoras: A) Forpus xanthopterygius macho, B) Forpus xanthopterygius fmea, C) Thlypopsis sordida.

    As aves nectarvoras representadas pelos Trochilidae (Figura 21) possuem

    espcies que so comumente encontradas em reas de capoeira e no interior de

    fragmentos florestais (Guilherme, 2001). Estas aves so eficientes em explorar reas de

    vegetao secundria onde existam flores nativas ou exticas disponveis ao longo do

    ano.

    Figura 21. Exemplos de espcies nectarvoras: A) Heliomaster longirostris, B) Chrysolampis mosquitus, C) Eupetomena macroura.

    As aves carnvoras (Figura 22) so representadas pelos Accipitridae, Falconidae

    e Strigidae. So consideradas espcies de topo de cadeia trfica (Efe, 2001). Em geral

    apresentam tamanho corporal grande.

    Figura 22. Exemplos de espcies carnvoras: A) Megascops choliba, B) Rupornis magnirostris, C) Accipiter bicolor.

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    As aves onvoras (Figura 23) so representadas por algumas espcies das

    famlias Tyrannidae, Turdidae, Coerebidae, Thraupidae e Trogonidae. Segundo

    Almeida (1982) o nmero de espcies onvoras em geral maior nas matas menos

    alteradas.

    Figura 23. Exemplos de espcies onvoras: A) Trogon curucui, B) Tangara cayana fmea e macho, C) Euphonia chlorotica macho.

    As espcies insetvoras (Figura 24) so representadas pelas famlias Tyrannidae,

    Trochilidae, Picidae, Thamnophilidae, Dendrocolaptidae, Vireonidae, Parulidae. Para

    Almeida (1982), levando-se em conta somente o nmero de espcies, as insetvoras

    aumentam em matas mais alteradas.

    Figura 24. Exemplos de espcies insetvoras: A) Campylorhamphus trochilirostris, B) Caprimulgus hidundinaceus, C) Todirostrum cinereum.

    Vrios autores relacionam a dieta com o tipo de ambiente. Silva (1986) props

    que uma dieta mais variada seria favorecida em ambientes perturbados. Exceto por

    Motta-Jnior (1990), que determinou guildas baseando-se na anlise de fezes, as guildas

    que tm sido utilizadas pela maioria dos autores que carecem de fundamentao

    rigorosa quanto s preferncias alimentares das espcies.

    Diante da falta de literatura especializada com uma classificao padro para

    determinar as guildas trficas das aves, existe uma complicao para esta classificao.

    Neste trabalho utilizamos informaes disponveis na literatura (Motta, 1990; Sick,

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    1997; Piratelli & Pereira, 2002; Santos, 2004 e Nascimento et al., 2005). O critrio

    principal foi a classificao na mesma guilda trfica em pelo menos trs estudos.

    Todas as espcies capturadas foram classificadas por guilda trfica (Anexo III).

    Na rea da Caatinga (Grfico 11) os insetvoros tiveram maior contribuio na biomassa

    na estao seca, seguidos dos granvoros, frugvoros, onvoros e carnvoros.

    Diferentemente, na estao chuvosa, onde os onvoros tiveram maior contribuio,

    seguidos dos insetvoros, granvoros, frugvoros, e nectarvoros.

    Os resultados do teste de na rea da Catinga mostrou que os onvoros

    (=307,89; gl=1; p

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    Ao comparar a estrutura trfica do brejo e da Caatinga os onvoros e insetvoros

    contriburam com maior biomassa nas duas reas. Segundo Bernardi e Soares (2003) os

    insetos so o recurso mais abundante em vrios ambientes explorados pela avifauna.

    Uma diferena na estrutura trfica foram os granvoros melhor representados na rea da

    Caatinga. A diferena dos ambientes explica este fato, o ponto de coleta da Caatinga

    encontra-se mais perto de reas mais abertas. Segundo Telino-Jnior (2005) estas reas

    mais abertas bem como as clareiras so compostas por gramneas que contribuem para a

    presena de alguns granvoros.

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    Grfico 11. Estrutura de guildas trficas das aves capturadas na Caatinga durante a estao seca e chuvosa.

    Grfico 12. Estrutura de guildas trficas das aves capturadas no brejo durante a estao seca e chuvosa.

    Grfico 13. Estrutura de guildas trficas das aves capturadas no brejo e na Caatinga.

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    6. CONCLUSES E RECOMENDAES

    As comunidades de aves do brejo e da Caatinga foram diferentes em termos de

    composio (diversidade alfa e beta, espcies dominantes) e estrutura (guildas trficas).

    A diversidade de aves foi menor no brejo e apresentou diferena significativa com a

    diversidade de aves da Caatinga. Os resultados dos ndices de similitude mostraram que

    as duas reas compartilham menos da metade das espcies de aves.

    Baseado na comparao da comunidade de aves do brejo da Serra da Guia com

    as da Caatinga, do agreste, da Mata Atlntica e de outros brejos de altitude, conclumos

    que a avifauna do brejo da Serra da Guia mais subordinada Caatinga adjacente,

    tomando em considerao um possvel efeito da distncia entre as reas comparadas.

    As temporadas reprodutivas das espcies foram diferentes. Na rea de brejo o

    aumento proporcional entre as espcies reprodutivas coincidiu com o incio da

    temporada de chuva. Com estas informaes podemos concluir que no existe uma

    sincronia nas temporadas reprodutivas da avifauna do brejo e da Caatinga.

    A estrutura trfica da comunidade de aves apresentou uma diferena na rea da

    Caatinga, na estao chuvosa predominaram os onvoros e na seca os insetvoros. Na

    estao chuvosa no brejo os insetvoros apresentaram maior contribuio na biomassa,

    enquanto na estao seca foram os onvoros.

    Uma sugesto para futuros trabalhos utilizando guildas trficas seria a anlise

    das fezes para classificao prpria da guilda trfica. Toma-se em conta a dificuldade

    para agrupar as espcies nas diferentes guildas assim como a diferena entre a

    alimentao das aves ao longo do ano e nas diferentes etapas de vida (L.E.G. Villaseor,

    com pess).

    Algumas espcies merecem estudos mais especficos, por exemplo, dada a

    caracterstica do gnero Basileuterus que dificilmente pode ser encontrada abaixo dos

    600 metros de altitude, podem ser utilizadas tcnicas de telemetria para monitorar as

    populaes de B. flaveolus que permitira conhecer o grau de isolamento, movimentos

    populacionais e reproduo em outros lugares similares. Destaca-se a importncia da

    conservao da rea de brejo que sustenta uma populao possivelmente isolada de B.

    flaveolus.

    Das quatro espcies migratrias capturadas nas redes, Elaenia chilensis, e

    Myiarchus tyrannulus apresentarem uma poca definida para a migrao. Enquanto

    Turdus amaurochalinus, e Tyrannus melancholicus no apresentarem um padro

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    definido em quando a poca de migrao. Destacando a importncia de futuros

    trabalhos com estas espcies para identificar as temporadas de migrao.

    A presena de outras espcies migratrias na regio da Serra da Guia foi

    registrada. A pomba-de-bando Zenaida auriculata foi registrada nas buscas ativas

    durante os meses de maio at agosto. A gara-vaqueira Bubulcus ibi