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11 Ponto de Vista Natureza & Conservação - vol. 4 - nº2 - Outubro 2006 - pp. 11-23 Como lidar com regras pouco óbvias para conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas INTRODUÇÃO A perda e fragmentação dos hábitats naturais são consideradas como as principais causas da extinção de espécies, devido à redução da área de hábitat disponível, à perturbação desse hábitat (especialmente nas suas bor- das), e ao isolamento de pequenas popu- lações nos fragmentos, tornando-as crescente- mente suscetíveis a mudanças ambientais ou a variações demográficas (Fahrig, 2003). Em vista das taxas de desmatamento e fragmen- tação alarmantes em zonas tropicais (Laurance et al., 2001; Achard et al., 2002), a Como lidar com regras pouco óbvias para conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas 1 Jean Paul Metzger, PhD 1 Departamento de Ecologia - Instituto de Biociências – Universidade de São Paulo RESUMO Muitas das regras propostas para a conservação de espécies em paisagens fragmentadas são difíceis de serem colocadas em prática por gestores ambientais. Isto inclui adotar uma abordagem de múlti- plas espécies guarda-chuva, que permitiria perceber a paisagem a partir do ponto de vista e da es- cala das espécies, considerando todo o mosaico, incluindo a permeabilidade da matriz, e identifi- cando os fragmentos e conexões–chave. No presente texto, sugiro uma abordagem para considerar essas questões sem que se tenha um conhecimento biológico detalhado de um número grande de es- pécies. Essa se baseia em uma abordagem de múltiplas espécies guarda-chuva modificada, onde a escolha de espécies guarda-chuva (ou seja, aquelas que têm demandas ambientais maiores do que as demais espécies) é realizada por grupos funcionais. A eficácia das espécies como guarda-chuvas deve ser testada primeiro, usando dados de áreas previamente bem estudadas. Uma vez escolhidas as es- pécies, a abordagem proposta deve inserir algumas características biológicas das espécies em índices estruturais da paisagem (que são então chamados “índices de paisagens ecologicamente calibra- dos”). Para estimar a permeabilidade da matriz, poderiam ser usadas similaridades estruturais e de composição de hábitats com as unidades inter-hábitat da matriz. Finalmente, a teoria dos grafos (aplicada em diferentes campos científicos para descrever a intensidade dos fluxos de informações nas redes) pode ser útil para verificar as condições necessárias para a manutenção de espécies guar- da-chuva. Esta abordagem facilitaria a aplicação de regras não tão óbvias de conservação e parece ser uma boa opção para um diagnóstico rápido das condições mínimas necessárias para manter a biodi- versidade em paisagens fragmentadas. Palavras Chave: Paisagens fragmentadas, conservação da biodiversidade, espécies guarda-chuva, índices de paisagem, matriz inter-hábitat.. 1 [email protected] Ponto de vista

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11Ponto de Vista Natureza & Conservação - vol. 4 - nº2 - Outubro 2006 - pp. 11-23

Como lidar com regras pouco óbvias para conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas

INTRODUÇÃO

A perda e fragmentação dos hábitats naturaissão consideradas como as principais causasda extinção de espécies, devido à redução daárea de hábitat disponível, à perturbação

desse hábitat (especialmente nas suas bor-das), e ao isolamento de pequenas popu-lações nos fragmentos, tornando-as crescente-mente suscetíveis a mudanças ambientais oua variações demográficas (Fahrig, 2003). Emvista das taxas de desmatamento e fragmen-tação alarmantes em zonas tropicais(Laurance et al., 2001; Achard et al., 2002), a

Como lidar com regras pouco óbvias para conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas1

Jean Paul Metzger, PhD1

• Departamento de Ecologia - Instituto de Biociências – Universidade de São Paulo

RESUMO

Muitas das regras propostas para a conservação de espécies em paisagens fragmentadas são difíceisde serem colocadas em prática por gestores ambientais. Isto inclui adotar uma abordagem de múlti-plas espécies guarda-chuva, que permitiria perceber a paisagem a partir do ponto de vista e da es-cala das espécies, considerando todo o mosaico, incluindo a permeabilidade da matriz, e identifi-cando os fragmentos e conexões–chave. No presente texto, sugiro uma abordagem para consideraressas questões sem que se tenha um conhecimento biológico detalhado de um número grande de es-pécies. Essa se baseia em uma abordagem de múltiplas espécies guarda-chuva modificada, onde aescolha de espécies guarda-chuva (ou seja, aquelas que têm demandas ambientais maiores do que asdemais espécies) é realizada por grupos funcionais. A eficácia das espécies como guarda-chuvas deveser testada primeiro, usando dados de áreas previamente bem estudadas. Uma vez escolhidas as es-pécies, a abordagem proposta deve inserir algumas características biológicas das espécies em índicesestruturais da paisagem (que são então chamados “índices de paisagens ecologicamente calibra-dos”). Para estimar a permeabilidade da matriz, poderiam ser usadas similaridades estruturais e decomposição de hábitats com as unidades inter-hábitat da matriz. Finalmente, a teoria dos grafos(aplicada em diferentes campos científicos para descrever a intensidade dos fluxos de informaçõesnas redes) pode ser útil para verificar as condições necessárias para a manutenção de espécies guar-da-chuva. Esta abordagem facilitaria a aplicação de regras não tão óbvias de conservação e parece seruma boa opção para um diagnóstico rápido das condições mínimas necessárias para manter a biodi-versidade em paisagens fragmentadas.

Palavras Chave: Paisagens fragmentadas, conservação da biodiversidade, espécies guarda-chuva,índices de paisagem, matriz inter-hábitat..

1 [email protected]

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conservação da biodiversidade em paisagenstropicais fragmentadas tornou-se uma dasprincipais preocupações da Biologia daConservação.

Inúmeras teorias e abordagens têm sido usadasna tentativa de compreender as paisagensfragmentadas. A Teoria da Biogeografia deIlhas (MacArthur & Wilson, 1967) imprimiu,durante um tempo considerável, uma visãobaseada na riqueza da comunidade, controla-da pela área e pelo isolamento dos fragmen-tos de hábitat a uma fonte estável de espécies,de modo similar às ilhas oceânicas. Logo de-pois, com base principalmente na teoria dasmetapopulações (Hanski & Gilpin, 1997),e nas análises de viabilidade genética e depopulações (Young & Clarke, 2000), a ênfasemudou de comunidades para populações, defragmentos para redes de fragmentos conec-tados por fluxos biológicos. A manutenção deuma espécie em uma paisagem fragmentadaé então vista como o equilíbrio entre o proces-so de extinção local, que depende basica-mente da área e da qualidade do hábitat, e aspossibilidades de recolonização, que depen-dem da conectividade dos fragmentos, ou seja,da capacidade desses fragmentos de receberemfluxos biológicos de fragmentos vizinhos(Moilanen & Hanski, 2001). Mais recente-mente, a ecologia de paisagens colocou as re-des de hábitat em um contexto mais realista,formado por uma matriz heterogênea com-posta por uma variedade de unidades depaisagem modificadas ou introduzidas (e.g.,áreas agrícolas e urbanas, rodovias, florestas).Desta maneira, é dada uma ênfase maior nanoção de conectividade da paisagem, isto éna capacidade da paisagem como um todo defacilitar os fluxos biológicos (Tischendorf &Fahrig, 2001), reconhecendo que todas asunidades têm influência sobre esses fluxos.

Essas diferentes abordagens e teorias propici-am a formulação de uma grande variedadede regras básicas de conservação (IUCN,1980; Forman & Collinge, 1997; Haila, 2002).Muitas dessas regras são relativamente ób-vias e simples de serem colocadas em práticapor gestores ambientais. Por exemplo, frag-

mentos grandes deveriam ser conservadosmantendo-os conectados por meio de corre-dores amplos (Fischer et al., 2006). Mesmosem o conhecimento do tamanho necessáriopara que um fragmento preserve a totalidadeda biodiversidade ou os requisitos mínimosde largura para que um corredor realize suafunção de facilitar o fluxo biológico (se, de fa-to, ele funcionar desse modo), essas questõessão geralmente lidadas caso a caso, usando o“senso comum”: é necessário sempre preser-var os fragmentos maiores e os corredoresmais amplos da paisagem (não obstante, nemsempre o senso comum é uma boa estratégiapara conservação, ver FIGURA 1).

Figura 1. Exemplo de uma paisagem com sete frag-

mentos agindo como hábitat potencial para dezoito

grupos funcionais de espécies com características

biológicas diferentes (Tabela 1). O fragmento FF é o

único a apresentar hábitat para espécies especia-

lizadas. Uma combinação dos grupos de espécies 6

e 11 tem um potencial adequado para uma abor-

dagem de múltiplas espécies guarda-chuva.

Essa figura mostra que: i) nem sempre as re-gras óbvias são as melhores: a conservaçãodos fragmentos maiores não permite a con-servação de todos os grupos funcionais; ii)

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grupos funcionais excessivamente exigentestais como os grupos 1, 3 e 5 (que estãoausentes na paisagem) não são guarda-chu-vas adequados para esta paisagem; iii) umaúnica espécie guarda-chuva pode não ser su-ficiente para indicar todos os fragmentosnecessários para a manutenção de todos osgrupos funcionais: seria necessário adotaruma abordagem de múltiplas espécies guar-da-chuva (no presente caso, usando os gru-pos de espécies 6 e 11); iv) as espécies guarda-chuva dos grupos 6 e 11 têm uma combinaçãode diferentes características (principalmente,grandes requisitos de área e baixa capacidadede dispersão - no caso do grupo 6, e especializa-ção de microhábitat com baixa capacidade dedispersão e requisito de área média - no casodo grupo 11); v) os dois “grupos funcionaisguarda-chuva” estão relacionados com umamaior riqueza, porém representam diferentesgrupos de espécies. Desse modo, se a eficáciadas espécies guarda-chuva foi confirmada emum teste anterior, a presença daquelas espé-cies pode ser usada como uma primeira indi-cação da riqueza da espécie.

Por outro lado, algumas sugestões para con-servação não são tão obviamente compreen-didas nem facilmente postas em prática, taiscomo: i) adotar uma abordagem de múltiplasespécies guarda-chuva; ii) perceber a paisagema partir do ponto de vista e da escala de espé-cies; iii) considerar todo o mosaico, incluindoa permeabilidade da matriz; iv) identificar osfragmentos e conexões-chave.

No presente texto, eu discutirei essas sugestõese proporei um possível modo de facilitar o usodessas regras, por meio da adoção de umaabordagem modificada de múltiplas espéciesguarda-chuva.

COMO ESCOLHER UM GRUPO DEESPÉCIES GUARDA-CHUVA?

É bem conhecido que cada espécie responde àfragmentação de seu hábitat de formas difer-entes, dependendo de suas características bi-ológicas (tais como tamanho e história de vi-da). Não obstante, a principal preocupação na

Biologia da Conservação é com a manutençãoda biodiversidade como um todo, incluindotodas as espécies de uma região, suas intera-ções, e a diversidade de hábitats nos quaiselas estão presentes. Qualquer estudoecológico, seja ele mais focado nos processosdo ecossistema ou na estrutura e riqueza deuma comunidade, sempre cobrirá uma pe-quena parcela dessa biodiversidade.Provavelmente, um dos principais desafiospara a conservação da biodiversidade será ex-trapolar o conhecimento adquirido de umaspoucas espécies ou processos para um sis-tema complexo de múltiplas espécies.

Para maior eficácia dos planos de conser-vação da biodiversidade, este conhecimentoparcial precisa representar, de algum modo,todo o sistema. Para assim fazê-lo, várias es-tratégias de conservação são baseadas no es-tudo de espécies representativas, que repre-sentam as respostas de várias outras espécies,ou no estudo de grupos funcionais, i.e, gruposformados pelas espécies que têm os mesmosrequisitos biológicos, e desse modo respon-dem à fragmentação de modo similar.

Adquirir um maior conhecimento das respostasà fragmentação é uma questão complexa querequer dados biológicos detalhados sobrevários tópicos, tais como demografia, capaci-dade de dispersão, interações entre espécies,preferências alimentares e ambientais. Dessemodo, têm sido adotados como atalho os es-tudos sobre um grupo seleto de espécies. Oconhecimento detalhado desse reduzidonúmero de espécies deveria permitir inferiras respostas das outras espécies. Tendo issoem mente, a abordagem de múltiplas espéciesguarda-chuva (Lambeck, 1997) tem sidorecorrente em muitos trabalhos.

As espécies guarda-chuva são definidas comoaquelas que têm maiores demandas ambien-tais do que qualquer outra, de tal modo quefornecendo as condições para a manutençãodaquelas espécies seria possível manter as de-mais. Esses requisitos podem ser de diferentesnaturezas: necessidade de grandes áreas, deproximidade entre os remanescentes de hábi-

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tat, devido às limitadas capacidades de dis-persão e requerimentos específicos de micro-hábitat, por exemplo. Para cada um dessesrequisitos, é possível definir um gradiente dedemanda, sendo as espécies guarda-chuva asmais exigentes. A idéia por trás das múltiplasespécies guarda-chuva é então selecionar umgrupo de espécies altamente exigentes, comdiferentes requisitos ecológicos (Lambeck,1997). Um estudo detalhado dessas espéciesnos permitiria compreender as condiçõesmínimas necessárias para sua persistência, eteoricamente, para todas as outras espéciesmenos exigentes (FIGURA 1). Tais condiçõespodem servir como guia para os planos deconservação.

A abordagem proposta por Lambeck (1997)apresenta três dificuldades práticas princi-pais (ver outras limitações em Lindenmayeret al., 2002). Primeiro, ele considerou que asensibilidade das espécies a perturbaçõespoderia ser inferida, de modo geral, utilizan-

do-se uma única característica biológica (de-mandas por área, especialização de micro-hábitat etc.). Porém, Henle et al. (2004), emuma análise sobre as variáveis de sensibili-dade das espécies à fragmentação, mostrouclaramente que os parâmetros demográficos(tamanho e dinâmica da população, poder dedispersão, potencial reprodutivo, sociabili-dade), características ecológicas intrínsecas(tamanho do corpo, especialização de micro-hábitat, posição trófica, interação com outrasespécies) ou as características biogeográficas(raridade natural, localização biogeográfica ehistórico de fragmentação), quando considera-dos individualmente, não são boas variáveisde sensibilidade à fragmentação do hábitat.Em geral, isto depende da interação de diferentesfatores. Por exemplo, uma espécie especial-izada pode ser considerada mais sensível,porém esta especialização pode ser compen-sada pela grande capacidade de dispersão(como no grupo 7 na FIGURA 1, TABELA 1).Os grandes felinos neotropicais, por exemplo,

GGrruuppoo SSíímmbboolloo RReeqquueerriimmeennttoo CCaappaacciiddaaddee ddee EEssppeecciiaalliizzaaççããoo ddee PPootteenncciiaall ddeeffuunncciioonnaall ddee áárreeaa ddiissppeerrssããoo mmiiccrroohháábbiittaatt gguuaarrddaa--cchhuuvvaa

1 Alto Alto Alto Intermediário

2 Alto Alto Baixo Intermediário

3 Alto Médio Alto Muito Alto

4 Alto Médio Baixo Intermediário

5 Alto Baixo Alto Muito Alto

6 Alto Baixo Baixo Intermediário

TABELA 1. Potencial de grupos funcionais para agir como guarda-chuva, de acordo com seu requerimento de área, capaci-

dade de dispersão e especialização de microhábitat. Os parâmetros biológicos que são usados para definir os Grupos

Funcionais deveriam ser escolhidos de acordo com os principais processos de ameaça conhecidos, que variam de uma

paisagem para a outra

Continua

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costumam ser considerados espécies guarda-chuva já que eles requerem grandes áreas dehábitat. No entanto, além de terem umagrande capacidade de dispersão, muitasdessas espécies parecem tolerar ou cruzar am-bientes alterados com facilidade (veja grupo2). Uma vez mais, essa capacidade de se dis-persar pelas matrizes dominadas pelo homempode compensar a grande demanda por áreas.

Assim, é difícil definir a sensibilidade usandoum único parâmetro (Fleishman et al., 2000),como proposto por Lambeck (1997).

Ao invés de escolher uma espécie guarda-chuva para cada requisito ecológico, eu su-giro definir as potenciais espécies guarda-chuva usando um conjunto de característicasbiológicas. Nesse caso, pode ser útil o con-

GGrruuppoo SSíímmbboolloo RReeqquueerriimmeennttoo CCaappaacciiddaaddee ddee EEssppeecciiaalliizzaaççããoo ddee PPootteenncciiaall ddeeffuunncciioonnaall ddee áárreeaa ddiissppeerrssããoo mmiiccrroohháábbiittaatt gguuaarrddaa--cchhuuvvaa

7 Médio Alto Alto Intermediário

8 Médio Alto Baixo Baixo

9 Médio Médio Alto Intermediário

10 Médio Médio Baixo Baixo

11 Médio Baixo Alto Intermediário

12 Médio Baixo Baixo Intermediário

13 Baixo Alto Alo Baixo

14 Baixo Alto Baixo Baixo

15 Baixo Médio Alto Intermediário

16 Baixo Médio Baixo Baixo

17 Baixo Baixo Alto Intermediário

18 Baixo Baixo Baixo Baixo

Continuação da Tabela 1

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ceito de grupo funcional aplicado à fragmen-tação. Esses grupos podem ser definidos pelaanálise de diferentes características biológi-cas, variando de acordo com a paisagem, co-mo mostrado de forma simplificada nos ex-emplos da FIGURA 1 e da TABELA 1. Assim,é possível identificar grupos de maior oumenor sensibilidade à fragmentação. A es-tratégia de múltiplas espécies guarda-chuvapode então ser a de escolher espécies de gru-pos funcionais potencialmente mais sensíveisà fragmentação.

Uma segunda limitação da abordagem deLambeck relaciona-se à dificuldade de sele-cionar espécies guarda-chuva. Em termos es-tatísticos, é uma tarefa simples testar se a pre-sença de uma determinada espécie permiteinferir com precisão a presença de outras es-pécies ou a riqueza de uma comunidade(Chase et al., 2000; Fleishman et al., 2001; MacNally & Fleishman, 2002). A dificuldade rela-ciona-se à falta de dados necessários(Lindenmayer et al., 2002), ou à incapacidadede uma espécie guarda-chuva em particularservir como indicadora da presença de outrasespécies. Por exemplo, Rubinoff (2001)mostrou que uma espécie considerada guar-da-chuva para vertebrados (a ave Polioptilacalifornica, Muscicapidae) não serve comoguarda-chuva para invertebrados (no caso detrês espécies de borboletas), o que limitagrandemente o uso dessa espécie como guar-da-chuva. Acredito que esteja claro que oteste sobre a eficácia das espécies guarda-chu-va deveria considerar uma variedade de es-pécies mais ampla e não continuar restrito apequenos grupos de espécies que pertençamao mesmo grupo taxonômico. Esse teste deveser realizado usando os bancos de dados deprojetos onde tenha sido feito um censo bi-ológico intensivo das diferentes comunidadesem ecossistemas ou paisagens similares àque-les que se considera para conservação. Por ex-emplo, o Projeto de Dinâmica Biológica deFragmentos Florestais possui o maior bancode dados biológicos sobre a AmazôniaCentral Brasileira (Laurance & Bierregaard,1997; Bierregaard et al., 2001), permitindo quese realize a escolha e o teste de espécies guar-

da-chuva para esta região. Testar a eficácia deuma espécie guarda-chuva é um passo essen-cial para o sucesso dessa abordagem.

A terceira limitação da abordagem deLambeck está na escolha de espécies ade-quadas ao grau de fragmentação do hábitatna paisagem estudada. Não vale a pena usaruma espécie excessivamente exigente se ograu de degradação ambiental estiver muitoavançado (ver os grupos 3 e 5, FIGURA 1). Ou,inversamente, seria de pouca utilidade tra-balhar com espécies guarda-chuva não-exi-gentes, se a paisagem comportar uma espéciemais exigente (e.g., espécies do grupo 11). Aoescolher o grupo de espécies guarda-chuva, éimportante lembrar que há um gradiente dedemandas ambientais. Sugiro que a escolhade um limiar de demandas deva ser feita deacordo com a meta de conservação a ser al-cançada, que por sua vez dependerá do graude fragmentação. Desse modo, em muitaspaisagens perturbadas seria, a princípio,melhor trabalhar com espécies guarda-chuvanão excessivamente exigentes (uma espécie“sombrinha”, tal como o grupo 10), emborasob condições mais favoráveis seja possívelescolher espécies altamente exigentes (umaespécie “guarda-sol”, tal como o grupo 5). Aeficácia das ações de conservação baseadasnessa abordagem dependerá da escolha certadas espécies guarda-chuva.

COMO VER A PAISAGEM DO PONTO DE VISTA DAS ESPÉCIES?

Para entender o que determina a persistênciade uma espécie em uma paisagem fragmenta-da seria necessário compreender como a es-trutura da paisagem é percebida pela espécie(FIGURA 2), e então associar essa estruturaaos principais processos que agem na sua ex-tinção e dispersão. Assim, ao invés de definira paisagem conforme critérios humanos, e deforma indistinta para todas as espécies dohábitat (usando métricas de paisagem semqualquer base biológica), é necessário com-preender a paisagem através dos “olhos” daespécie estudada (as espécies guarda-chuvadefinidas acima).

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Figura 2. Três diferentes pontos de vista da mesma

paisagem, de acordo com os grupos de espécies 2, 9 e 14

(ver Tabela 1). Esta paisagem apresenta sete fragmentos

(“nós”, na teoria dos grafos). As conexões biológicas po-

tenciais são representadas por linhas (“bordas”); a ca-

pacidade de carga ou a qualidade do hábitat é represen-

tada pela densidade de pontos; o número de símbolos de

grupos funcionais representa sua abundância.

Isto significa ser capaz de perceber a estrutu-ra da paisagem e captar sua função paraaquela espécie em particular. Os compo-nentes estruturais da paisagem (fragmentos,corredores e matrizes) devem ser definidosde acordo com seu uso (e.g., alimentação,abrigo ou procriação) e/ou sua integridadecomo hábitat. A escala apropriada paraanálises de paisagens, em termos de extensãoe resolução espacial, depende também dascaracterísticas da espécie. Assim, a extensãoda paisagem deveria ser definida de acordocom a capacidade de dispersão da espécie:quanto maior a capacidade de dispersão,maior será a extensão da paisagem que pos-sivelmente poderá influenciar a manutençãodessa espécie (Pearson, 1993; Metzger, 2000;Steffan-Dewenter et al., 2002). Em termos fun-cionais, seria necessário compreender comocada elemento da paisagem influencia apersistência da espécie, particularmenteconhecendo os fatores locais principais quelevam à extinção (tamanho e qualidade dofragmento), a capacidade dos corredores emfacilitar a movimentação (Uezu et al., 2005),os efeitos de barreira das estradas (Forman& Alexander, 1998), e a importância dasmatrizes como hábitats secundários(Antongiovanni & Metzger, 2005), fontes deespécies predadoras, parasitas, ou filtros paraos fluxos biológicos. Esse conhecimento de-talhado pode ser obtido somente apóspesquisas intensivas e para um pequenonúmero de espécies, e muitas vezes nem mes-mo essas informações estão disponíveis paraos gestores ambientais. Como alguém pode-ria ter sucesso na obtenção de uma coletamínima de dados que permita uma aproxi-mação da percepção do espaço pela espécieem questão?

Acredito que uma boa alternativa poderia sero uso de índices de paisagem ecologicamentecalibrados (Vos et al., 2001). Considerandoque a resposta da espécie à fragmentaçãodifere com a paisagem, e que esta é percebidade forma diferente dependendo da espécie,esses autores propõem avaliar a estrutura deuma paisagem fragmentada usando métricasque combinem as características das espécies e

Espécie 14

Espécie 4

Espécie 9

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das paisagens. Desse modo, ao invés de con-siderar somente a área do fragmento, seriamelhor levar em conta a relação entre a áreado remanescente e o requerimento espacial daespécie, de modo a avaliar a capacidade de su-porte da espécie naquele fragmento. Do mes-mo modo, a conectividade de um determina-do fragmento pode ser avaliada consideran-do-se as distâncias aos fragmentos vizinhos(característica da paisagem) bem como umparâmetro que pondere a contribuição dosfragmentos vizinhos de acordo com a capaci-dade de dispersão da espécie (característicaespecífica da espécie). Assim, é possível teruma primeira idéia de percepção da espéciesobre o modo como a capacidade de suporte ea conectividade do fragmento estão influen-ciando os riscos de extinção e as possibili-dades de colonização, dois dos processosprincipais que atuam sobre a persistência dasespécies em paisagens fragmentadas.

A substituição de índices estruturais da pai-sagem, puramente descritivos e espaciais, poríndices que considerem a escala ecológica dasespécies pode ser um passo essencial para acompreensão da paisagem considerando apercepção da espécie em foco.

COMO CONSIDERAR TODA APAISAGEM, INCLUINDO A MATRIZ?

A fragmentação é um processo que modificatoda a paisagem e não somente a distribuiçãoespacial de um de seus hábitats (McGarigal &Cushman, 2002). Além da redução e da sub-divisão dos remanescentes de hábitats, a frag-mentação também promove a expansão deoutras formas de uso da terra, criando fron-teiras entre elas, aumentando a heterogenei-dade do mosaico, afetando a permeabilidadeda matriz aos fluxos biológicos. A despeitodas limitações de um grande número de estu-dos sobre fragmentação com relação ao efeitoda área e ao isolamento do hábitat, há indí-cios claros de que tanto a composição quantoa configuração de todo o mosaico afetam ascomunidades fragmentadas (Laurance, 1991;Gascon et al., 1999; Metzger, 1998; 2000;Viveiros de Castro & Fernandez, 2004). Os

fragmentos são cada vez mais vistos não co-mo análogos a ilhas, mas pelo contrário, co-mo remanescentes de hábitat imersos emtipos diferenciados de hábitats circundantes(Wiens, 1995).

Uma matriz inter-hábitats pode agir modifi-cando as taxas de dispersão e colonização(Stouffer & Bierregaard, 1995); propiciar hábi-tats secundários para as espécies focais oupara as espécies generalistas (Antongiovanni& Metzger, 2005); oferecer ambiente para in-vasores, sendo assim fonte de perturbações(Cantrell et al., 2001); e determinar a severi-dade do efeito de borda (Mesquita et al.,1999). Os efeitos da matriz são tão claros quea vulnerabilidade à fragmentação foi inversa-mente relacionada à capacidade das espéciesem usar a matriz (Gascon et al., 1999). Essesautores observaram essa relação com aabundância de pássaros, mamíferos e saposem matrizes e fragmentos na AmazôniaCentral Brasileira (norte de Manaus), confir-mando que a matriz pode afetar a resposta àfragmentação. Uma maior permeabilidade damatriz aos fluxos biológicos pode atenuar osefeitos da fragmentação, e servir como umaalternativa de manejo para aumentar a conec-tividade da paisagem.

Os estudos sobre fragmentação devem, então,considerar essa permeabilidade e assim seri-am necessários dados sobre a abundância dasespécies e usos (e.g., hábitat secundário, áreade passagem ou de alimentação) que elasfazem das diferentes matrizes. Porém, muitasvezes esse tipo de dado não está disponívelpara planejadores ambientais e há poucasoportunidades de obtê-los em um curtoperíodo de tempo. Qual seria a alternativa?

Em minha opinião, a melhor opção é aceitar opressuposto de que a permeabilidade/quali-dade da matriz para uma espécie ou grupo deespécies em particular está diretamente rela-cionada com a similaridade estrutural ou decomposição dessa unidade em relação aohábitat nativo. Por exemplo, uma floresta se-cundária é assim muito mais permeável aosfluxos biológicos das espécies florestais do

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que uma área de pasto, e esta, por sua vez,será mais permeável do que as áreas urbanas.Nessa avaliação, parâmetros fisionômicos ououtras características relevantes podem serusados para definir a integridade ou quali-dade do hábitat, tal qual empregada emíndices de integridade do habitat (“habitatsuitability index function”; Brooks, 1997;Akçakaya et al., 1995). Aqueles parâmetrospodem ser combinados em um Sistema deInformações Geográficas, de modo a criarimagens de “qualidade”, logo permeabili-dade, da matriz para cada espécie estudada(e.g., as espécies guarda-chuva previamentedefinidas).

Esse tipo de dado será de grande ajuda paraprever os fluxos biológicos por toda a pai-sagem. Por exemplo, ao invés de considerarque a intensidade dos fluxos biológicos entredois fragmentos está diretamente relacionadaà sua distância espacial, é possível afirmarque os fluxos variarão com a distância efetivaou a distância menos “onerosa”, consideran-do também a resistência da matriz a essesfluxos (FIGURA 3). A presença de uma estra-da entre dois fragmentos pode aumentar sig-nificativamente o “custo” dessa passagem(distância efetiva), de modo que os fluxos se-jam bem menores do que o esperado de acor-do com a distância mais curta (distância espa-cial). Os valores de permeabilidade podemser usados em vários modelos, como aquelesdas teorias dos grafos (Urban & Keitt, 2001) ede metapopulação (Hanski, 1994; Moilanen &Hanski, 1998), aproximando aqueles modelosà complexidade real das paisagens.

COMO DEFINIR FRAGMENTOS E CONEXÕES-CHAVE PARA FINS DE CONSERVAÇÃO?

Os gestores ambientais costumam enfrentarproblemas de manejo de mosaicos previa-mente estabelecidos, onde as questões maispertinentes estão relacionadas à persistênciade uma espécie ou à manutenção da biodi-versidade se um remanescente ou um corre-dor for removido, ou se a matriz for modifi-cada. Nessas circunstâncias, um gestor ambi-

ental deveria estar ciente de quais elementosda paisagem são essenciais para a conser-vação das espécies. Como identificar esseselementos com limitados conhecimentosbiológicos (como costuma ser o caso)?

Uma vez que uma variedade de espéciesguarda-chuva tenha sido selecionada, os

Figura 3. Taxas esperadas de dispersão entre fragmentos,

de acordo com as distâncias espacial e efetiva (con-

siderando a permeabilidade da matriz). A espessura das

setas indica a intensidade dos fluxos biológicos espera-

dos. Uma matriz mais escura é mais resistente aos fluxos,

enquanto que uma mais clara é menos resistente.

Notas: A despeito da curta distância espacial entre os

fragmentos A e B, a distância efetiva é muito maior pelo

efeito de barreira de uma estrada. Os fluxos somente são

possíveis porque a barreira apresenta uma brecha (tal co-

mo as passagens superiores ou inferiores projetadas para

o cruzamento de animais). A distância espacial entre os

fragmentos A e D é igual à distância entre os fragmentos

B e C; porém, devido à diferente permeabilidade da ma-

triz, a distância efetiva entre A e D é menor.

Distância espacial

Distância efetiva

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Jean Paul Metzger

biólogos da conservação podemusar diferentes modos de identi-ficar elementos-chave: regressõesentre presença/ausência/abun-dância das espécies e tamanho econectividade do fragmento(Wiens, 2002); funções de incidên-cia (Hanski, 1997); ou combi-nações dos modelos de viabili-dade populacional (e.g., Akçakayaet al., 1995; Lindenmayer &Possingham, 1995) com que con-siderem a escala ecológica dasespécies (Vos et al., 2001). Nãoobstante, a viabilidade dessasabordagens restringe-se às espé-cies bem conhecidas ou às pai-sagens com intensivos levanta-mentos biológicos.

Em minha opinião, uma abordagem alternati-va mais fácil e útil é fornecida pela teoria dosgrafos (Gross & Yellen, 1999). Essa teoria temsido aplicada para descrever a intensidadedos fluxos de informações nos diferentestipos de redes, tais como aqueles formadospor sistemas viários, computadores, e hierar-quias corporativas. Na ecologia de paisagens,essa teoria tem sido usada como uma alterna-tiva às análises estruturais (Cantwell &Forman, 1993; Keitt et al., 1997; Urban &Keitt, 2001). Os grafos são então consideradoscomo um grupo de fragmentos de hábitat (ou“nós”, na terminologia dos grafos) conecta-dos por vértices (ou “bordas”) (FIGURA 2).Esta conexão somente ocorre se os fragmen-tos estiverem suficientemente próximos eseparados por uma matriz permeável, de mo-do que os fluxos biológicos possam ocorrerentre si. Uma vez que tenhamos definido osgrafos de uma paisagem em particular, seugrau de conectividade poderá ser avaliadocom mensurações simples: quanto maior ografo (e.g., medido pelos números de nós ou adistância entre nós opostos), maior será suaconectividade. Com estes dados, é possíveleliminar facilmente um nó ou borda(conexão) em particular e observar a perda deconectividade na paisagem (FIGURA 4). Aimportância de cada fragmento ou conexão

pode ser assim avaliada, permitindo umaprimeira identificação dos elementos-chaveda paisagem (Keitt et al., 1997) para amanutenção de uma espécie focal. Como adefinição do grafo depende de uma claradefinição dos hábitats (nós) e conexões (bor-das), e ambos os parâmetros são específicosda espécie (FIGURA 2), serão obtidos difer-entes grafos numa mesma paisagem para es-pécies com requisitos diferentes. Uma vezmais, as espécies guarda-chuva deveriam serusadas como um atalho para a identificação

Figura 4. Exemplo de uma simulação identificando os

elementos-chave de uma paisagem. As linhas represen-

tam as conexões para uma espécie com baixa capacidade

de dispersão na ausência do fragmento E. A despeito de

sua pequena área e baixa riqueza, este fragmento tem um

papel fundamental na paisagem porque permite a

conexão entre os fragmentos F e D e G com as espécies

de baixa capacidade de dispersão. Sem o fragmento E, os

grupos funcionais 11 (um “grupo guarda-chuva”), 12, 17 e

18 desapareceriam do fragmento F.

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Como lidar com regras pouco óbvias para conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas

de elementos-chave para um grande númerode espécies. A principal vantagem dessa abor-dagem é que ela requer poucos dados bi-ológicos, facilitando seu uso para fins deplanejamento ambiental.

CONCLUSÃO

Muitas regras propostas para a conservaçãoda biodiversidade em paisagens fragmen-tadas são difíceis de serem colocadas emprática. Um modo promissor de aplicar essasregras se baseia na escolha de um grupo deespécies guarda-chuva. Usando essas espé-cies, seria necessário tentar compreender osrequisitos mínimos para sua persistência emtermos de área, adequação de hábitat, e arran-jo de fragmentos. Um primeiro e rápido diag-nóstico dessas necessidades pode ser obtido,mesmo na ausência de dados biológicos deta-lhados, utilizando: métricas que combinemconhecimentos biológicos básicos e caracterís-ticas da paisagem; índices de similaridades es-truturais para inferir a permeabilidade da ma-triz; e a teoria dos grafos para ajudar a deter-minar os elementos-chave da paisagem.Obviamente, esta abordagem não substitui to-do o conhecimento detalhado sobre os proces-sos ecológicos que agem sobre o crescimentopopulacional ou a extinção, necessários paraanalisar plenamente a persistência de espéciesem uma paisagem fragmentada. Porém,parece ser uma boa abordagem alternativa àanálise puramente estrutural da paisagem(e.g., conservar fragmentos grandes e bemconectados) quando dados biológicos detalha-dos não estiverem disponíveis.

A eficácia dessa abordagem dependerá da es-colha precisa de espécies guarda-chuva, algoque em si não costuma ser uma tarefa fácil.Primeiro, seria necessário testar se a presençadessas espécies está significativamente rela-cionada com a co-ocorrência de um grandenúmero de outras espécies, usando áreas pre-viamente bem estudadas. Segundo, a escolhadeveria ser feita de acordo com o grau defragmentação e por grupo de espéciesdefinidas pelo seu comportamento biológicoem relação à fragmentação. Esta abordagem

combina uma análise dos processos ecológi-cos que levam à extinção (que variam de acor-do com o grupo funcional) com estudos de-talhados de um restrito grupo de espécies (es-colhidas entre os “grupos funcionais guarda-chuva”). Acredito que a compreensão de co-mo as diferentes espécies guarda-chuva respon-dem à mesma paisagem, e de como essas es-pécies guarda-chuva respondem a diferentesestruturas de paisagem, pode nos levar à apli-cação de regras pouco óbvias para a conser-vação biológica, e desse modo encontrar ascondições mínimas necessárias para a preser-vação de um grande número de espécies empaisagens fragmentadas.

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