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Curso: Fisioterapia – 1ª Série Disciplina: Ética aplicada à Fisioterapia Prof. Ms. Gilberto Fernandes Por José Joacir dos Santos – Como lidar com a morte Em uma aula de supervisão, o experiente professor Anderson Zenidarci coloca, de surpresa, o tema da morte para uma turma de terapeutas de diversas áreas, entre eles psiquiatras, psicólogos, terapeutas holísticos, acostumados a lidar com o sofrimento humano. Isso provoca reações diversificadas.Alguns sequer opinaram a respeito. Se para um público tão seleto, cujo trabalho é lidar com o desequilíbrio alheio, esse assunto causa espécie, como será então para o público em geral? Zenidarci lembra que com o desenvolvimento social e tecnológico cada vez mais se perde o contato com o abraço, o choro, o lamento, o conforto e o desconforto de lidar com a morte de alguém da intimidade. Parece que a realidade cada vez mais imita os filmes de ficção norte-americanos, onde o sentimento humano é algo odiado pelos extraterrestres, que buscariam eliminar esse “empecilho” da memória celular humana. Ninguém estaria preparado para lidar com a morte, que “junta pessoas e desagrega grupos familiares inteiros e para sempre”. Muita gente chega a pensar que só os outros morrem. Ignoram que morrer é a única certeza da vida. Aos que acreditam na reencarnação, morrer é uma porta que se fecha para que outra seja aberta, fortalecendo o grande ciclo de depuração emocional e espiritual de cada ser. Católicos e judeus jamais chegaram a um acordo a respeito do que acontece depois da morte, por causa da ligação com o imaginário do céu e do inferno e o elo com o pecado. Espíritas e budistas lidam melhor com o assunto. Há deficiência em todos os lados. Contemplação e meditação sobre o assunto da morte e da impermanência são tidas como muito importantes para a tradição budista por duas razões: a) é somente reconhecendo o quanto é preciosa e curta a vida que a ela daremos sentido e a apreciaremos na totalidade; e b) entendendo o processo da morte e nos familiarizando com isso poderemos eliminar o medo e nos prepararmos para o renascimento. Dependendo de como vivemos nossas vidas e do estado de consciência que fazemos isso, poderemos influenciar nossas futuras vidas. Os tibetanos dizem que quem faz aquilo que gosta e coloca nisso todas as 1

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Page 1: Como lidar com a morte

Curso: Fisioterapia – 1ª Série

Disciplina: Ética aplicada à Fisioterapia

Prof. Ms. Gilberto Fernandes

Por José Joacir dos Santos – Como lidar com a morte

Em uma aula de supervisão, o experiente professor Anderson Zenidarci coloca, de surpresa, o tema da morte para uma turma de terapeutas de diversas áreas, entre eles psiquiatras, psicólogos, terapeutas holísticos, acostumados a lidar com o sofrimento humano. Isso provoca reações diversificadas.Alguns sequer opinaram a respeito. Se para um público tão seleto, cujo trabalho é lidar com o desequilíbrio alheio, esse assunto causa espécie, como será então para o público em geral?

Zenidarci lembra que com o desenvolvimento social e tecnológico cada vez mais se perde o contato com o abraço, o choro, o lamento, o conforto e o desconforto de lidar com a morte de alguém da intimidade. Parece que a realidade cada vez mais imita os filmes de ficção norte-americanos, onde o sentimento humano é algo odiado pelos extraterrestres, que buscariam eliminar esse “empecilho” da memória celular humana. Ninguém estaria preparado para lidar com a morte, que “junta pessoas e desagrega grupos familiares inteiros e para sempre”.

Muita gente chega a pensar que só os outros morrem. Ignoram que morrer é a única certeza da vida. Aos que acreditam na reencarnação, morrer é uma porta que se fecha para que outra seja aberta, fortalecendo o grande ciclo de depuração emocional e espiritual de cada ser. Católicos e judeus jamais chegaram a um acordo a respeito do que acontece depois da morte, por causa da ligação com o imaginário do céu e do inferno e o elo com o pecado. Espíritas e budistas lidam melhor com o assunto. Há deficiência em todos os lados.

Contemplação e meditação sobre o assunto da morte e da impermanência são tidas como muito importantes para a tradição budista por duas razões: a) é somente reconhecendo o quanto é preciosa e curta a vida que a ela daremos sentido e a apreciaremos na totalidade; e b) entendendo o processo da morte e nos familiarizando com isso poderemos eliminar o medo e nos prepararmos para o renascimento. Dependendo de como vivemos nossas vidas e do estado de consciência que fazemos isso, poderemos influenciar nossas futuras vidas. Os tibetanos dizem que quem faz aquilo que gosta e coloca nisso todas as suas habilidades morrerá em estado de graça. Aquele que transforma a vida em uma mediocridade morrerá bem. Até aqueles que nem sabem que vivem não terão medo na hora da morte. Então, a gente poderia se esforçar para não sofrer tanto com algo que é tão simples e rápido. Na verdade o sofrimento é para quem fica.

Diante da morte de alguém todas as ligações com a pessoa são trazidas à superfície e nessa leva de energia vem ódio, rancor, raiva, o dito e o não dito. Se houvesse, no ocidente, uma cultura de trabalho com as pendências emocionais talvez a morte não provocasse sofrimento nem medo. Não há possibilidade de alguém escapar da morte. Até Jesus teve que encarar para poder soltar o corpo orgânico e chegar o mais próximo possível do humano, como era a sua gloriosa missão. Vários estudiosos chamam a atenção para o fato de que mais de 5 bilhões de pessoas vivas hoje, quase ninguém estará vivo daqui a 100 anos.

A vida tem um limite definido, inflexível e a cada momento nos trás mais perto do seu fim. Estamos morrendo desde o momento em que nascemos, aqui e agora, neste momento em que escrevo e no que você lê. A morte sempre vem em um momento inesperado. Tudo o que nos separa da próxima vida é um respiro. A única maneira de fazer a vida feliz e bela é praticar coisas e pensamentos positivos e se

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distanciar de coisas, pessoas e pensamentos negativos. A duração da vida é incerta. O jovem pode morrer antes do velho, o saudável antes do enfermo. Há muitas causas e circunstâncias que levam à morte mas poucas estão cheias da essência da vida.

Até as coisas que sustentam a vida podem nos matar: comida, carros etc. A fraqueza e a fragilidade do corpo físico contribuem para a incerteza da duração da vida. O corpo pode facilmente ser destruído por doenças ou acidentes. A única coisa que nos pode ajudar na hora da morte é o nosso desenvolvimento mental-espiritual. A única coisa que segue em frente é o nosso espiritual-mental, com as impressões positivas e negativas do carma antigo não-resolvido e do recentemente construído ou adquirido. Já se sabe que não se leva nada físico. Família, amigos e o mais habilidoso curador não podem evitar a morte de um ente querido.

Dinheiro, posição, bens, nada poderá ajudar. Até o nosso precioso corpo também não poderá colaborar. Temos que deixá-lo para trás como uma concha, uma casca vazia, um casaco velho e rasgado assim como o fazem as cigarras na primavera de Brasília. Chorar, gritar, fazer escândalos e demonstrações teatrais talvez ajudem a sensibilizar os parentes na partilha dos bens, mais nada. Dependendo da consciência mental/espiritual do morto, isso só traz confusão em um momento tão delicado, onde a gente começa a lidar com as próprias impressões da vida. Todo morto escuta e vê tudo o que acontece no momento em que sai definitivamente do corpo. Portanto, falar besteira junto ao morto é comprar brigas eternas. A literatura espírita sobre isso é vasta e rica. Não há lugar para alegação de ignorância.

Ramatis está nas bancas há anos. É evidente que grupos religiosos presos à própria interpretação da Bíblia têm dificuldade de entender aquele livro sagrado e nele perceber os relatos de mortes, ressurreições e reencarnações. Eles também morrerão.Como lidar, então, com a morte, também conhecida como “passagem”? Simples: chorar o que tiver que chorar; pedir perdão e perdoar o morto, de coração, de forma que os laços sejam soltos para sempre.

Respeitar o fato de quem parte leva consigo muitas lembranças e que naquele momento está em estado de choque. Rezar é o melhor presente, mesmo para aqueles que nunca foram de oração. Soltar os laços com o morto sem estender a soltura aos que ficam não adianta de nada. O ideal é deixar morrer tudo o que estiver relacionado com quem morre. Reerguer as relações em novas bases emocionais e viver o que de melhor a vida puder dar. Quanto mais reivindicar o morto, mais ele estará presente e com ele os ganchos e confusões mentais. Aquelas visitinhas ao cemitério, cheias de reclamações e choro, podem não servir para nada porque na grande maioria dos casos o morto não está perto da ossada. Pode estar perdido em seus pensamentos ou até já ter reencarnado. Há um caso na minha família onde a mãe chorava todo aniversário da filha morta na infância. Cansada, foi a um centro espírita pedir uma orientação e o médium disse. Que filha? A mãe repetia o nome e data de falecimento. O médium abriu bem os olhos, chamou bem perto e disse ao seu ouvido: cale a boca que ela está do seu lado! A mulher tremeu e olhou para os lados procurando o espírito. O médium a chamou novamente e, puxando o filho mais novo dela que estava bem ali ao seu lado, disse: aqui, olhe! Pouco tempo depois foi que a mulher percebeu, entre outras coisas, que o filho mais novo havia catado por toda a casa tudo o que restou da “irmã” morta e guardado junto dos seus brinquedos. Muitos vivem a vida inteira presos aos mortos, ignorando os vivos.

Outros ignoram a vida e elaboram todos os dias a própria morte. Quanto mais ignorância mais o drama é perfeito e o prejuízo emocional maior. Este é um assunto que deve ser falado em casa da mesma forma e naturalidade que hoje é tratado o uso da camisinha. A nova era favorece a quebra de padrões. As crianças de hoje já nasceram preparadas não só para chorar a morte como para ir aos enterros e entender o ciclo da vida, segundo o qual tudo o que nasce um dia morre e outro dia renasce.Viveríamos muito melhor se nos tivessem falado da morte logo na infância e que a vida é um conjunto de emoções boas e ruins. Tendo consciência do prazo em aberto para o desenvolvimento desse processo, talvez

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pudéssemos priorizar os melhores momentos, as melhores experiências, e em vista disso primar pelo equilíbrio de considerarmos a morte como um momento natural da vida.

Os oito ciclos da morte e a função dos cinco elementos Os estudiosos Tati Rinbochay e Jeffrey Hopkins dizem no livro “Death, Intermediate State and Rebirth in Tibetan Buddhism”, que no momento da morte passamos por oito rápidos ou longos ciclos onde o corpo afrouxa-se e dissolve-se para soltar o espírito que o abrigou. Em cada ciclo o ser que morre entra em contato com o mundo da carne e o do espírito. No primeiro ciclo, do elemento terra, o inconsciente começa a perceber cores e formas, numa sucessão de imagens. O corpo emagrece, braços e pernas se soltam e a sensação é de afundar na terra. Em seguida os membros encolhem-se, o corpo enfraquece e perde o poder. As imagens ficam turvas e misturam-se na claridade e na escuridão. Parece uma miragem. Não se pode abrir ou fechar os olhos.

O corpo perde o brilho. A força acaba. Começa o segundo ciclo, do elemento água. Agregam-se os sentimentos de dor, prazer, neutralidade e conhecimento básico de igualdade. O inconsciente perde a capacidade de reconhecimento do prazer e da dor. Saliva, açúcar, urina, sangue e fluidos regenerativos secam gradualmente. A consciência corporal não mais consegue experimentar as sensações do inconsciente. Perde-se a audição e a captação dos sons internos e externos.

Tudo parece fumaça e assim abre-se o terceiro ciclo, o do elemento fogo. Nossa consciência espiritual acessa nomes e memórias de pessoas próximas (amadas e odiadas). Perde-se o olfato. Não tem mais sentido a alimentação nem os contatos físicos. Esquece-se nomes e imagens das pessoas próximas. A respiração fica cada vez mais fraca e a expiração mais forte. Vê-se flashes de luz branca e suave, aquela descrita como túneis por pessoas que estiveram à beira da morte. Começa o quarto ciclo, o do elemento ar.

Perde-se a memória do que se fazia. Vão-se os sabores e a consciência da língua. O ar move-se para o coração. Pára-se de respirar e de expirar. O corpo já não obedece a comando algum. A língua fica seca e menor. A raiz da língua fica azul e perde suas funções. Experimenta-se a sensação de puxões. Os corpos sutis se sobressaem. O quinto ciclo começa com o ar saindo dos canais do coração e indo para o canal do topo da cabeça. A confusão mental estabelece-se e vê-se intensos clarões de luz branca. A memória física dissolve-se, passando a função à memória sutil.

O sexto ciclo vem com o ar dos canais esquerdo e direito, abaixo do coração, fixando-se na base da espinha. Sente-se vácuo e intensa luz vermelha. Ventos de cima e de baixo juntam-se no coração, cumprindo o sétimo ciclo. Há vácuos de escuridão e entra-se em completo estado de inconsciência. Todos os ventos dissolvem-se em um, muito sutil, como um sopro final no coração. As luzes não aparecem mais. O espírito está solto e deixa o corpo. Começa o contato com o outro lado.

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