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Shutterstock Ainda incipientes, serviços de empréstimo e aluguel de bicicletas compartilhadas têm contratos com condições abusivas para o consumidor, revela avaliação do Idec em parceria com o ITDP Brasil em quatro capitais Na contramão direitos PESQUISA MOBILIDADE dos

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Ainda incipientes, serviços de empréstimo

e aluguel de bicicletas compartilhadas

têm contratos com condições abusivas para

o consumidor, revela avaliação do Idec em parceria com o ITDP

Brasil em quatro capitais

Na contramãodireitos

PESQUISA MOBILIDADE

dos

bike seja mais baixo. A parte ruim dessa história é que esses serviços que começam a avançar no Brasil têm contratos muito desfavoráveis para o consumidor, reunindo diver-sas cláusulas abusivas, como iden-tificou uma pesquisa realizada pelo Idec em parceria com o ITDP Brasil.

O levantamento avaliou os sis-temas disponíveis em quatro capi-tais brasileiras – Belo Horizonte, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro – e analisou os termos de uso do ser-viço do ponto de vista dos direitos do consumidor. Entre os principais problemas identificados nos con-tratos está a previsão de cobrança dupla de taxas, assim como de que as condições do serviço podem ser modificadas sem aviso prévio.

Com exceção de São Paulo, as capitais avaliadas só contam com um sistema de compartilhamen-to cada, patrocinado pelo banco Itaú (chamados de Bike BH, Bike Brasília e Bike Rio, respectivamen-te). Na capital paulista, além do

Imagine um meio de transporte eficiente, não poluente, bara-to, que contribui para a saúde

pessoal e pública e que, de quebra, melhora a dinâmica das cidades, pacificando o trânsito e humanizan-do os deslocamentos diários. Tudo isso pode ser atribuído à bicicleta. Se ela faz parte de um sistema de compartilhamento, melhor ainda, porque dispensa até a compra para que se possa usufruir dela.

Sistemas de compartilhamento de bikes têm um potencial tão gran-de que, na última década, surgiram cerca de 600 deles em centenas de cidades pelo mundo, segundo o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, na sigla em inglês). Cada sistema tem suas particularidades, mas todos enfren-tam o desafio de ser funcional para o usuário e economicamente viável para seus operadores. No Brasil, o modelo mais adotado é o patrocina-do, custeado por publicidade, o que permite que o valor do aluguel da

REVISTA DO IDEC • Maio 2015 • 19

COMO FOI FEITA A PESQUISAForam analisados os termos de uso dos serviços de compartilhamen-

to de bicicletas em quatro capitais: Belo Horizonte, Brasília, Rio de

Janeiro e São Paulo. Em São Paulo, foram avaliados os dois serviços

disponíveis — Bike Sampa (financiamento do Itaú) e Ciclo Sampa (fi-

nanciamento do Bradesco Seguros) —, enquanto nos demais municípios

há apenas um sistema, financiado pelo Itaú: Bike BH, Bike Brasília e Bike

Rio, respectivamente.

A análise levou em conta o Código de Defesa do Consumidor e outras

normas relacionadas. O objetivo era verificar a clareza e a objetividade

dos contratos e se o consumidor tem seus direitos garantidos ao utilizar

os sistemas de bicicletas compartilhadas oferecidas nessas cidades.

Foram avaliadas também as condições do serviço informadas no site e

pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) das empresas, como

valores cobrado para uso e taxas, período de utilização, prazo de devolu-

ção, número de estações, entre outros aspectos. A pesquisa foi realizada

em março.

Bike Sampa, financiado pela mesma empresa, há um segundo serviço, o Ciclo Sampa, patrocinado pela Bradesco Seguros, que também foi avaliado. De modo geral, os con-tratos dos serviços apadrinhados pelo Itaú são piores. “Eles atribuem ao consumidor a responsabilidade por qualquer problema que ocorra durante o uso das bicicletas. Além disso, são muito confusos e mal escritos”, resume Renata Amaral, pesquisadora do Idec.

CONDIÇÕES DESFAVORÁVEIS

A regra que mais merece aten-ção do consumidor é a que trata do extravio da bike. Todos os con-tratos preveem que o consumidor deve pagar uma multa salgada (de

Principaisregras abusivasl Os contratos patrocinados pelo

Itaú (Bike Sampa, Bike BH, Bike Rio e Bike Brasília) cobram uma multa, inclusive em caso de roubo ou furto da bicicleta com apresentação de B.O.

l Segundo todos os contratos, o consumidor pode ser acionado judi-cialmente em caso de não devolução da bicicleta.

l As empresas não se responsabi-lizam por acidentes de quaisquer tipos, ainda que causados por falha de manutenção.

l Nos contratos patrocinados pelo Itaú, os dados pessoais dos usuários cadastrados não têm garantia de privacidade, uma vez que não são especificados os usos que a empresa pode fazer deles.

l Os serviços financiados pelo Itaú preveem que as cláusulas podem ser modificadas unilateralmente pela empresa, rescindindo contrato ou alterando valores, por exemplo.

Para Thiago Benicchio, gerente de Transportes Ativos do ITDP Brasil, é importante ressaltar que os siste-mas de bicicletas compartilhadas são recentes e os problemas e dificuldades, tanto para as empresas quanto para os usuários, ainda estão surgindo, assim como as soluções. “Os sistemas de bike sharing são caros e complexos, difíceis de implementar e, mais ainda, de manter com bom funcionamen-to”, pontua. Desde o ano 2000, 82 sistemas de compartilhamento encer-raram suas atividades em diversos países, segundo o Instituto. “É claro que os contratos precisam se adequar à legislação brasileira de proteção ao consumidor, mas, em um primeiro momento, a preocupação foi fazer os serviços funcionarem”, avalia.

A boa notícia é que mesmo em sociedades extremamente litigiosas, como os Estados Unidos, o serviço está

mais de R$ 1 mil) se não devolver a bicicleta. Em caso de roubo ou furto, mediante apresentação de boletim de ocorrência (BO), os serviços patrocina-dos pelo Itaú apenas reduzem o valor da multa. Além disso, ambos estipu-lam que o consumidor ainda pode ser acionado judicialmente e ter de pagar outros encargos, o que seria uma dupla penalização. “Essa regra coloca o consumidor em desvantagem exces-siva, condição vedada pelo Código de Defesa do Consumidor [CDC]”, ressal-ta a advogada do Idec Livia Cattaruzzi. Ela explica que cláusulas abusivas como essas são nulas, de acordo com o CDC, e que podem ser facilmente contestadas judicialmente. Mas haja dor de cabeça se a empresa insistir em aplicar essas regras sem cabimen-to. Confira outras condições abusivas identificadas nos contratos no quadro da página 19.

20 • Maio 2015 • REVISTA DO IDEC

PESQUISA MOBILIDADE

Como funciona cada serviço

Bra

de

sco

Se

gu

ros

Itaú

Prazo de Custo após

Multa por entrega

Multa por Multa por

Número Região Período de tolerância Horário de

período

após horário de extravio da bike

danos Assistência

Sistema

de estações atendida uso gratuito para entrega funcionamento gratuito

funcionamento

à bike

técnica da bike

Paulista,, R$ 50

Zona Oeste R$ 5 a cada Sem (disponível

Ciclo Sampa 18 e Zona Sul

30 minutos 15 minutos 6h às 22h 30 minutos

R$ 200 multa

R$ 1.380 R$ 50 em até 5 km

da capital da estação)

Bike Sampa 273* Não informada 60 minutos 15 minutos 6h às 22h

R$ 5 a cada Não há R$ 350 R$ 1.000 Não há

Não 60 minutos informado

Com B.O Sem B.O

60 minutos R$ 3 nos (seg. a sáb.) primeiros

Bike BH 41 Não informada e 90 minutos

15 minutos 6h às 23h 30 min; R$ 5 a

Não informada R$ 350 R$ 1.350 R$ 50 R$ 50

(dom. e feriados) cada 30 min

Bike Brasília 32 Não informada 60 minutos 15 minutos 6h às 00h

R$ 5 a cada R$ 5 R$ 350 R$ 1.350 R$ 50

R$ 50

60 minutos

Bike Rio 60

Zona Sul 60 minutos 15 minutos 6h às 00h

R$ 5 a cada R$ 5 R$ 350 R$ 1.350 R$ 50

R$ 50

e Centro 60 minutos

*Nem todas inauguradas

REVISTA DO IDEC • Maio 2015 • 21

Contratos com as prefeituras

Além dos problemas nos contratos com os usuários, outra questão são os con-

tratos firmados entre as empresas que operam o sistema de bike e as prefeituras. O ITDP Brasil avaliou o da cidade de São Paulo, que deve rever o contrato com as operadoras nos próximos meses, e concluiu que ele é pouco transparente. “Os dados operacionais de fluxo para o plane-jamento do sistema e para verificar se ele está funcionando bem não são acessíveis”, diz Benicchio.

Ele explica que, a partir da

implementação inicial dos sistemas de compartilhamento de bikes, cabe às prefeituras avaliar, junto com as operadoras, melhorias no siste-ma, como a integração com a rede de transporte público (terminal de ônibus, estações de metrô e trem) e com ciclovias, além da minimização de danos por vandalismo e mau uso. Na reavaliação que deve ocor-rer em breve em São Paulo, o espe-cialista espera que a integração com o sistema de transporte público seja considerado e que os dados sejam mais transparentes.

florescendo, o que é um sinal de que os problemas podem ser resolvidos. “Assim como os consumidores pre-cisam de proteção básica e os con-tratos precisam garantir a entrega de um serviço excelente, as empresas precisam de um ambiente legal que torne seus serviços viáveis”, acredita Colin Hughes, diretor de políticas e avaliação de projetos do ITDP. “O principal desafio é tornar esses siste-mas economicamente viáveis. Muitas operadoras estão assumindo grandes riscos no modelo de negócios e isso precisa ser levado em conta se o compartilhamento de bikes for um desejo da sociedade”, complementa.

AINDA ENGATINHANDO

A pesquisa avaliou também as características gerais dos serviços. Nas quatro capitais, ainda é baixa a densidade de pontos para retirar e devolver as bicicletas: entre 0,01 a 0,18 estações por km2, sendo o

melhor resultado apresentado pelo Bike Sampa. O ideal, segundo o ITDP, seriam 10 a 16 estações por km2, a fim de garantir uma distân-cia fácil de percorrer a pé entre um ponto e outro.

A disponibilidade de bikes é baixa também, segundo os parâme-tros do ITDP. O ideal seria ter de 10 a 30 bicicletas para cada grupo de mil moradores. Mas no caso do Ciclo Sampa, por exemplo, há apenas uma bicicleta para cada 66 mil habitantes. “A baixa densidade de estações, concentradas apenas em regiões centrais, e de bikes dis-poníveis tornam o sistema ainda pouco confiável e abrangente para o usuário como forma de transporte público”, destaca Renata Amaral.

Os sistemas de todas as cidades oferecem um período de uso gra-tuito do serviço, mediante cadastro prévio. Nos patrocinados pelo Itaú, o prazo é de 60 minutos, com exce-

ção do de BH, que disponibiliza 90 aos domingos e feriados. No Ciclo Sampa, são 30 minutos gratuitos. A forma de cobrança pelo cadas- tro varia bastante de um sistema para outro.

Todos os serviços oferecem assistência técnica. No Ciclo Sampa, contudo, há restrição de alcance: só pode ser solicitada num perímetro de até 5 km da estação. Em todos os casos, há a previsão de uma taxa, que no contrato do Bike Sampa não está informada, e nos demais é de R$ 50. Confira mais detalhes sobre as condições dos serviços na página 20. O Idec notificou as empresas responsáveis pelos serviços sobre os resultados da pesquisa, apenas a Serttel, responsável pelos sistemas patrocinados pelo Itaú, respondeu. Ela disse que analisaria os supos-tos abusos e que, caso identifi- casse irregularidade, faria os ajus- tes necessários.