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Letícia Lourenço Sangaleto Terron COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À VIDA E DIREITO À LIBERDADE Centro Universitário Toledo Araçatuba 2007

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Letícia Lourenço Sangaleto Terron

COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À VIDA E DIREITO À LIBERDADE

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2007

Letícia Lourenço Sangaleto Terron

COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À VIDA E DIREITO À LIBERDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito com área de concentração em Prestação Jurisdicional no Estado Democrático de Direito, do centro de Pós-Graduação da Instituição Toledo de Ensino de Araçatuba/SP, para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Edinilson Donisette Machado.

Centro Universitário Toledo Araçatuba

2007

Banca Examinadora

_______________________________________

Dr. Edimilson Donizette Machado

_______________________________________

Dra. Norma Sueli Padilha

_______________________________________

Dr. Flávio Bento

Araçatuba, 25 de agosto de 2007.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pois sem Ele, esse sonho não seria possível.

Ao meu orientador, Dr. Edinilson Donisette Machado, por tamanho incentivo e compartilhar de sabedoria.

Aos meus antigos orientadores, Dr. Antonio Scarance Fernandes e Dra. Samyra H. D. F. Naspolini Sanches, que também compartilharam os seus conhecimentos.

Aos meus amigos de curso, Simões e Jaime, sempre dispostos a me auxiliar.

À minha grande amiga Ana Luísa, pelas agradáveis viagens e estadas durante todo o curso.

A toda a minha família, que de uma forma ou de outra, ajudaram-me incondicionalmente.

RESUMO

O presente trabalho aborda a colisão de direitos fundamentais. Discorre sobre o que ocorre quando há o choque entre dois direitos assegurados em um mesmo patamar pela Constituição Federal, em especial o direito à vida e o direito à liberdade, ambos no caput do artigo 5° do mesmo ordenamento. É feita uma análise sobre os direitos fundamentais; histórico, conceito, características e dimensões. Examina o direito à vida e à liberdade, delineando-os individualmente, oferecendo alguns dados necessários na ajuda para a resolução de um conflito. Arrazoa sobre a interpretação constitucional na tentativa de resolver essas divergências, analisando as normas jurídicas, os métodos e princípios para a interpretação constitucional, as funções desses princípios, ficando em destaque os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como fonte segura de solução para as colisões de direitos fundamentais através de uma ponderação no caso real. Analisa o conflito entre o direito à vida e o direito à liberdade nos casos dos seguidores da religião Testemunhas de Jeová, quando necessitam de uma transfusão sangüínea, e também os casos de abortamento permitidos por lei e em especial a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental argüida para que se possibilite o aborto em fetos anencefálicos. As principais conclusões são: a) a importância da garantia dos direitos fundamentais; b) a necessidade de uma interpretação constitucional; c) a relevância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na resolução de colisão de direitos fundamentais; d) a análise de cada caso concreto feito de maneira única; e, e) a prevalência, como regra, do direito à vida frente aos demais direitos.

Palavras-chave: colisão, interpretação, princípios, proporcionalidade, razoabilidade, ponderação.

ABSTRACT

The presente paper aproaches of na objective manner the collision of the fundamental rights. Wat happens when the impact between two assured rights in the same level by the Federal Constitution, in special the rights to life and rights to freendom, both in the caput of the 5° article of the same commandment. An analisis is done about the fundamental rights; historic, concept, characteristics and dimensio. It examines the rigts to life and to freedom, delineating indivually, offering some necessary datum in the help of the resolution of the conflict. It discourses over the constitutional interpretation to the attempt of solving these divergences, analising the juridical rules, the methods and principles to a contitucional interpretation the funccions of these principles, and ramaing in eminence the proportional and rizable principles as a safe source of solution to the collision of the fundamental rights through a consideration in a rela case. It analyses the conflict between the rights to life and the rights to freedom in the cases of the Jeova’s Testemony’s followers when they need a blood transfusion, and also the cases of permited abortions by law and inspecial the action of not execution of the Fundamental Precept, intended to be possible the abortion of brainless fetus. The mains conclusions are: a) the importance of the guarantee of the rights; b)the necessity of a constitucional interpretation; c) the importance of the rights of the provideness and of the rizableness in the collision of the fundamental rights; d) the analisis of each concrete case done of a unique manner; and, e) the prevailment of the rights to life opposite to the other rights.

Key-words: rights, fundamental, life, freedom, collision, interpretation, principles, proportional, rizanable, pondering.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 07

I. DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................... 10

1.1 Configuração histórica dos direitos fundamentais............................................................. 10

1.2 Conceitos de direitos fundamentais................................................................................... 12

1.3 Algumas das características dos direitos fundamentais..................................................... 20

1.4 A classificação dos direitos fundamentais em dimensões................................................. 21

1.5 Dos Direitos Fundamentais em espécie............................................................................. 29

1.5.1 Direito à vida .................................................................................................................. 29

1.5.2 Do direito à liberdade ..................................................................................................... 33

II. DA INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................ 45

2.1 As normas jurídicas: regras e princípios ........................................................................... 45

2.2 A interpretação constitucional e seus métodos.................................................................. 49

2.3 Princípios de interpretação constitucional......................................................................... 52

2.4 As funções dos princípios constitucionais......................................................................... 54

2.5 Existência ou não de hierarquia entre os princípios constitucionais ................................. 59

2.6 Colisão entre normas constitucionais e critérios que resolvem a colisão de regras .......... 63

2.6.1 Princípio da razoabilidade .............................................................................................. 65

2.6.2 Princípio da proporcionalidade....................................................................................... 67

III. A COLISÃO ENTRE O DIREITO À VIDA E O DIREITO À LIBERDADE ................ 75

3.1 O direito à vida em conflito com a liberdade de escolha religiosa pela religião

Testemunhas de Jeová ............................................................................................................. 76

3.2 O direito à vida em conflito com a liberdade da mulher em abortar ................................. 85

CONCLUSÃO....................................................................................................................... 100

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 104

7

INTRODUÇÃO

Entre os direitos fundamentais encontram-se diversos princípios, o princípio

da igualdade, da segurança, da propriedade, do devido processo legal, e entre eles os dos

direitos à vida e à liberdade, que pode-se dizer, primeiramente, que estão no mesmo patamar

dentro da Constituição Federal, sendo normas consideradas com a mesma eficácia e

aplicabilidade.

Doutrinariamente faz-se algumas diferenças entre esses direitos, mas ao

aplicá-los ao caso concreto o problema surge, e neste sentido, vê-se diante da problemática da

colisão dos direitos fundamentais.

A colisão dos direitos fundamentais é um assunto, além de atual, muito

controverso.

Tem-se a idéia de que pelo simples fato de um direito ser considerado

fundamental, nada poderá limitá-lo. Ele é tido como absoluto pela sua ingênua existência,

ainda mais tendo sido considerado, na sua positivação na Constituição Federal brasileira

como sendo cláusula pétrea.

Vale aqui ressaltar, que nem todos os direitos fundamentais são tidos como

cláusulas pétreas pelo fato de não se encontrarem prescritos no artigo 5° da Carta Magna, ou

até mesmo não estarem inseridos no texto constitucional, mas para o presente trabalho,

enfocando o direito à vida e o direito à liberdade encontrados no caput do artigo 5° da

Constituição, não resta dúvidas quanto à sua consideração de imutabilidade.

É sabido que a importância de um direito ser ou não considerado

8

fundamental, pela Constituição Federal, traz muitas prerrogativas, principalmente pelo fato

de eles estarem no ápice, acima de qualquer outro direito quando possivelmente vier a ocorrer

uma colisão entre eles na aplicação ao caso concreto.

Aos direitos fundamentais foi dada uma proteção extra para que estes

ficassem intocáveis, até mesmo aos ataques do legislador e de qualquer maioria do sistema

político.1

Problema ocorrerá, quando dois desses princípios fundamentais, ditos

absolutos, estiverem em uma situação conflitante, onde apenas um poderá prevalecer. A

solução é muito complicada, devido o grau de dificuldade de se desfazer de um direito

fundamental, e somente se dará quando for analisado caso a caso, preponderando aquele que

melhor conseguir resolver a situação do caso real, e infringir menos o outro direito

fundamental não prevalecente.

Essa análise do caso concreto terá como base diferentes critérios de solução,

dentre eles destacando-se os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, através de

uma ponderação. Esses princípios, juntamente com o caso real, é que darão uma base sólida

para uma justa solução na colisão de direitos fundamentais. É o que se pretende com o

presente trabalho.

No primeiro capítulo, é dado enfoque ao significado do direito fundamental,

seus diversos conceitos e características, chegando ao detalhamento dos dois princípios em

destaque, direito à vida e direito à liberdade.

Já no segundo capítulo é discutido as formas de interpretação para esses

direitos fundamentais. Como operar no caso de uma colisão entre esses direitos, analisando o

1 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais. São Paulo: Melhoramentos, 2006, p. 49.

9

princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

E por fim, o terceiro capítulo traz o direito à vida e o direito à liberdade se

confrontando diante das opções tomadas pelos membros da religião Testemunha de Jeová que

proíbem a transfusão sangüínea, mesmo perante um caso gritante de perda de vida; e também

esse mesmo confronto, mas, no caso de aborto.

10

I. DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Configuração histórica dos direitos fundamentais

Todo o regime constitucional, desde a Revolução de 1789, é associado à

garantia dos direitos fundamentais, indicando que o objetivo do governo era uma

Constituição por escrito, declarações de direitos, para que ficassem claros os poderes do

Estado e até onde ele poderia ir para com o cidadão.

Já na Idade Média, podia ser encontrado, também por escrito, um vasto

número de direitos em prol do indivíduo, nos forais.

Entre as declarações, de um lado, e os forais, ou cartas, de outro, a diferença fundamental estava em que as primeiras se destinavam ao homem, ao cidadão, em abstrato, enquanto as últimas se voltavam para determinadas categorias ou grupos particularizados de homens. Naquelas se reconheciam certos direitos a todos os homens por serem homens, em razão de sua natureza; nestas, a alguns homens por serem de tal corporação ou pertencerem a tal valorosa cidade.2

Segundo Canotilho3,

Os direitos fundamentais serão estudados enquanto direitos jurídios-positivamente vigentes numa ordem constitucional ...A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais.

Desde a Revolução citada, as declarações de direitos são umas das

2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo; Saraiva, 2003, p. 296. 3 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 353.

11

descrições do Constitucionalismo, como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho4

[...] a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das Declarações. Destas, a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de 1776, que serviu de modelo para as demais da América do Norte embora a mais conhecida e influente seja a dos ‘Direitos do Homem e do Cidadão’, editada em 1789 pela Revolução Francesa.

Nessas declarações, os americanos procuravam dar sempre respostas ao

exagero do absolutismo, escrevem alguns direitos que julgavam ter, pelo simples fato de

serem cidadãos ingleses.

Para André Ramos Tavares5

Levando-se em conta que para boa parte da doutrina os direitos humanos e as liberdades públicas se equivalem, não se pode deixar de anotar que se reveste esta última expressão de uma inadequação terminológica patente. Dá a idéia de que se contrapõe a um rol de liberdades privadas, quando não é esse o sentido que se quer imprimir à expressão. Por outro lado, o termo “ liberdades” passa a noção de poder de exigir, ou seja, a noção de exigir uma atuação por parte do Estado e dos demais particulares.

Claramente, as liberdades públicas têm hoje um desenho muito mais complexo

do que no fim do século XVIII. Deste modo, Celso Ribeiro de Bastos6 assegura que

esse quadro inicial, contudo, sofreu forte evolução cujas causas dizem respeito à necessidade de enfrentar novas ameaças e novos desafios postos pelos séculos XIX e XX. Os direitos clássicos não desapareceram. Perderam, tão somente, o seu caráter absoluto para ganhar uma dimensão mais relativa surgida da imperiosidade de compartilhar o direito com outros princípios constitucionais.

Até as Constituições do século XX o aspecto individualista reinaria, pois o

indivíduo precisava se defender contra o Estado

4 CANOTILHO, op. cit., p. 285. 5 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 364. 6 BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 171-172.

12

De maneira diversa, contra esse individualismo extremado, foram sidos

adotados direitos em favor dos grupos sociais, o que não se fazia nas primeiras declarações,

passando-se a reconhecer, paralelamente, ao indivíduo, o direito de associação, de modo

inclusivo, como garantia da própria liberdade individual.

Garante Celso Ribeiro Bastos7, que a Declaração Universal dos Direitos do

Homem preocupou-se essencialmente, com quatro ordens de direitos individuais,

Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo: o direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo, encontra-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo nos casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e, finalmente, direito de propriedade. Num outro grupo são tratadas as liberdade públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, de consciência, de religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. Num quarto grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito do trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho8 dita: “O aparecimento dos ‘direitos

econômicos e sociais’ ao lado das ‘liberdades’ nas declarações é o fruto de uma evolução

cujo ponto de partida se encontra bem cedo no século passado.”

Diz Manoel Gonçalves Ferreira Filho9, que a primeira Constituição

brasileira a abraçar em seu texto essa criação, foi a de 1934, sendo acompanhada pelas

posteriores. As anteriores – 1824 e 1891 – como era de se almejar, manifestavam em seu

texto a inclinação à visão individualista dos direitos fundamentais.

1.2 Conceitos de direitos fundamentais

7 BASTOS, op. cit., p.174-175. 8 FERREIA FILHO, op. cit, p. 286. 9 Ibidem, p. 289.

13

Em primeiro plano, tem-se que saber o verdadeiro e real sentido do termo

direito fundamental, o qual seja, uma classe subjetiva do indivíduo, essencial à condição

humana, que por ser perfilhada pelo ordenamento jurídico, pode ser reivindicada

judicialmente.

Sobre o assunto, trata Oscar Vilhena Vieira10 da maneira seguinte

Diretos fundamentais é a denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem constitucional. A Constituição de 1988 incorporou esta terminologia para designar sua generosa carta de direitos. Embora incorporados pelo direito positivo, os direitos fundamentais continuam a partilhar de uma série de características com o universo moral dos direitos da pessoa humana. Sua principal distinção é a positividade, ou seja, o reconhecimento por uma ordem constitucional em vigor.

Encontram-se nomeados direitos fundamentais, aqueles que têm uma

exclusiva dignidade de proteção dos direitos num sentido formal e num sentido material.

Num sentido formal, os direitos fundamentais carecem estar constitucionalizados, ou seja,

hierarquicamente superiores às demais normas do ordenamento legal. No aspecto material,

os direitos fundamentais possuem como fundo, elementos que estabelecem as estruturas

básicas do Estado e da sociedade.11

Diversos autores, com o desígnio de deliberar os direitos fundamentais,

alvitram várias teorias para tanto.

O enigma passa a permanecer, quando se abrangem outros dispositivos

alastrados no texto constitucional que têm conteúdo de direito fundamental, mas que estão

fora dos títulos ordenados de direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de

informação jornalística e a liberdade de cátedra, entre outros.

10 VIEIRA, op. cit., p. 36. 11 CANOTILHO, op.cit., pp. 348 - 349.

14

Como determinar, assim, os direitos fundamentais?

Primeiramente, pode-se asseverar que os direitos fundamentais são aqueles

direitos essenciais à condição humana que foram constitucionalizados, haja vista, o mister do

termo “direitos humanos” para lembrar os direitos inseparáveis ao ser humano protegido

internacionalmente e “direitos fundamentais”, os mesmos direitos protegidos pelo

ordenamento jurídico interno de cada Estado, conforme ilustra Flávia Piovesan12:

Ao tratar da dinâmica da relação entre a Constituição brasileira e o sistema internacional de proteção dos direitos humanos objetiva-se não apenas estudar os dispositivos do Direito Constitucional que buscam disciplinar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas também desvendar o modo pelo qual este último reforça os direitos constitucionalmente assegurados, fortalecendo os mecanismos nacionais de proteção dos direitos da pessoa humana.

Por outro lado, a doutrina, várias vezes, emprega as expressões “Liberdades

Publicas”, “Direitos Fundamentais”, “Direitos Humanos”, “ Direitos do Cidadão”, “Direitos

Subjetivos Públicos”, “Direitos do Homem”, para constituir um mesmo sentido.

A nomenclatura desses direitos traz uma abastança de termos aproveitados,

causando uma certa desordem de definição.

Como denominados direitos fundamentais, têm-se aqueles direitos capitais

do indivíduo e do cidadão, adotados pelo direito positivo do Estado, que dispõe deste, ou de

uma abstenção, ou de um desempenho, no sentido de garanti-los. No Brasil, essa declaração

conglomera vários direitos, tais como: os individuais, os coletivos, os difusos, os sociais, os

nacionais e os políticos.

Já como direitos do homem, seriam os direitos alusivos à condição do

indivíduo como ser humano, que, portanto, estendem-se a toda humanidade, em todos os

12 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1993, p. 48.

15

lugares, sem entrave temporal. Estes direitos, fundamentariam-se no conceito de direito

natural, os quais não necessitariam de serem inventados pelo direito positivo, mas tão

somente, de serem conhecidos e declarados, em pretexto de serem verdadeiros direitos

humanos, expressão esta empregada como unívoco de direitos do homem.

Para André Ramos Tavares13: “a nomenclatura ‘direitos do homem’ carrega

consigo a concepção jusnaturalista, ou seja, a de que o homem, como homem, possui direitos

inerentes a sua natureza”

A expressão direitos do cidadão, monopoliza dois tipos de direitos: os

direitos naturais, que seriam aqueles essenciais à própria essência humana; e os direitos civis,

que competem ao ser humano enquanto partícipe de uma coletividade social civil.

E finalmente os direitos humanos, que são direitos comuns a toda a espécie

humana, a todo homem enquanto homem, os quais, portanto, derivam da sua adequada

natureza, não sendo meras criações políticas14.

Para Canotilho15, direitos do homem e direitos humanos são sinônimos:

“...os direitos fundamentais tal como estruturaram o Estado de direito no plano interno,

surgem também, nas vestes de direitos humanos ou direitos do homem, como um núcleo do

direito internacional vinculativo das ordens jurídicas internas”

Todavia, todos esses direitos citados, direitos fundamentais, direitos do

homem, direitos do cidadão, direitos humanos, direitos naturais, liberdades fundamentais,

liberdades públicas, são todas expressões empregadas para indicar uma mesma categoria

jurídica. A preferência por uma motivada denominação, varia no tempo e no espaço.

Mas contudo, a fórmula que melhor exprime a ocasião em que se pretende

13 TAVARES. op. cit., p. 361. 14 COMPARATO, Fábrio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 20. 15 CANOTILHO, op. cit., p. 228.

16

evocar a defesa do cidadão diante o Estado e os interesses jurídicos de atitude social, político

ou difuso protegidos pela Constituição, indispensáveis à condição humana é “Direitos

Fundamentais”, conforme bem explicam os professores Luiz Alberto David Araújo e Vidal

Serrano Nunes Junior16.

Os mesmos autores asseguram que “os direitos fundamentais podem ser

conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade

humana em todas as dimensões17”. No mesmo sentido tem-se Ingo Sarlet18:

Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do se humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

Sintetizando, os direitos humanos são garantias inerentes à essência da

pessoa, albergados como adequados para todos os Estados e positivados nos diversos

instrumentos de Direito Internacional Público, mas, que por fatores instrumentais, não

possuem aplicação fácil e compreensível a todas as pessoas.

Originalmente, era alastrada a designação “direitos naturais”, pois essa

camada de direitos era tida como universal e imutável, decorrente da própria natureza

humana.

Já as expressões “direitos individuais”, “liberdades fundamentais”, e

“liberdades públicas” são designações contemporâneas, mas que estão demasiadamente 16 ARAUJO, Luiz Alberto David; SERRANO Jr., Vidal Nunes. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 78. 17 ARAUJO, op. cit., pp. 81-85. 18 SARLET, Ingo Wolfgang,. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, pp. 35-36.

17

vinculadas a uma concepção específica de Estado, a liberal. Pecam por uma concepção

individualista e anti-estatal dos direitos fundamentais, incompatível com os chamados

direitos sociais, coletivos e difusos que dependem de prestações estatais positivas.

Assim sendo, a designação coletivista é aquela eleita pela tradição

germânica, qual seja, a de “direitos fundamentais da pessoa humana”, ou meramente “direitos

fundamentais”, mas não se esquecendo que a expressão mais empregada nos idiomas

românicos é ”direitos humanos”, que está sujeita a análise de que todos os direitos são

necessariamente humanos, uma vez que, só seres humanos, singularmente ou coletivamente,

têm direitos e deveres jurídicos.

Conforme Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior19:

Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade da pessoa humana em todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade). Formam como afirmado, uma categoria jurídica. Isso significa que todos os direitos que recebem o adjetivo de fundamental possuem características comuns entre si, tornando-se assim, uma classe de direitos. Nessa medida possuem peculiaridades individualizadoras, que forjam traços diferencias das demais categorias jurídicas.

A relação desses direitos é meramente exemplificativa, como taxado pelo

artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal, não admitindo dúvidas quanto à existência de

direitos fundamentais decorrentes ou implícitos, como já mencionado.

A acepção desses direitos batizados de fundamentais, envolve diferentes

aspectos. Numa acepção material, podemos afirmar que eles dizem a respeito de direitos

básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado. Depois, em

19 ARAUJO, op.cit., p. 109.

18

definição formal, os direitos são considerados fundamentais, quando o direito vigorante em

um país, assim os qualifica, normalmente, estabelecendo certas garantias para que estes

direitos sejam respeitados por todos.

O conjunto de direitos fundamentais dispõe-se garantir ao ser humano,

entre outros, a reverência ao seu direito à vida, à igualdade e à dignidade; bem como ao

completo desenvolvimento da sua personalidade. Eles garantem a não influência do Estado

na esfera individual, e consagram a dignidade humana. Sua proteção deve ser reconhecida

positivamente pelos ensinamentos jurídicos nacionais e internacionais.

Eles também podem ser definidos como conjunto institucionalizado de

direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade,

por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e a declaração das condições

mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

Assumir quais são os direitos fundamentais, significa adotar que eles “pré-

existem” a qualquer ordenamento jurídico pátrio. São direitos que derivam da própria

natureza humana, como dito anteriormente. Assim, não há como dizer que a Constituição

Federal de 1988 constitui determinadas garantias pessoais em direitos. Ela apenas reconheceu

os esforços públicos e, com caráter declaratório, abarcou tais direitos em nosso ordenamento

jurídico, transformando-os em direitos fundamentais.

Portanto, podemos dizer que o direito fundamental não é uma invenção

legislativa, mas sim, criação de todo uma conjuntura histórica e cultural da coletividade.

Além do que, uma necessidade organizacional.

Os direitos fundamentais não se deparam apenas fixados no artigo 5° da

nossa Constituição, eles permeiam a nossa Lei Maior em vários momentos, aparecendo em

19

vários artigos. Como exemplos os direitos sociais (artigos 6° a 11), os direitos de

nacionalidade (artigos 12 e 13), os direitos políticos (artigos 14 a 16), entre outros. E também

são encontrados além da Constituição Federal, como por exemplo, em tratados assinados com

outros países.

Não se pode confundir, de forma alguma, os direitos fundamentais

com as garantias fundamentais. Estas seriam os enunciados de conteúdo assecuratório, cujo

propósito consiste em fornecer mecanismos ou instrumentos para a proteção, reparação ou

reingresso em eventual direito fundamental violado. Já aqueles, seriam

proclamados constitucionais de invenção declaratória, cujo objetivo consiste

em reconhecer, no plano jurídico, a existência de uma prerrogativa fundamental do

cidadão.

Para Canotilho20,

Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de protecção dos direitos. As garantias traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade (ex.: direito de acesso aos tribunais para a defesa dos direitos, princípios do nullum crimen sine lege e nulla poena sine crimen, direito de habeas corpus, princípio non bis in idem).

Dessa forma, com tal separação, pode-se naturalmente avaliar os direitos e

garantias fundamentais. A livre expressão (artigo 5°, inciso IX) é Direito. O direito de

resposta (artigo 5°, inciso V) é garantia. No inciso X do mesmo artigo, a intimidade e a honra

são direitos, e a indenização prevista é garantia.

20 CANOTILHO, op. cit., p.372.

20

1.3 Algumas das características dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais são tidos como obstáculos prescritos pela

soberania pública aos poderes conferidos do Estado que dela carecem.

Deste modo, fundamentado em alguns autores, entre eles Luiz Alberto

Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior21, vale arrazoar a respeito das características intrínsecas

e extrínsecas dos direitos fundamentais, a dar início pelas intrínsecas e, terminar com as

extrínsecas.

Características intrínsecas:

a) historicidade: o direito fundamental é oriundo de um processo de

conquista da dignidade da pessoa humana, é resultado de um longo processo histórico sempre

em evolução, como já analisado;

b) autogeneratividade: possui legitimidade, pois não é considerado válido,

mesmo antes de ser positivado;

c) universalidade: é destinado ao ser humano em geral, independente de

raça, sexo, cor, credo. A sua essência por si só, já rejeita a idéia de discriminação na aplicação

e garantia desses direitos básicos. Um de seus objetivos é o de garantir que todos os homens

tenham acesso aos direitos fundamentais, num tratamento isonômico que lhe peculiariza, que

deve ser universal.;

d) limitabilidade ou relatividade: não são absolutos, podendo ser aplicados

no caso concreto em menor ou maior alcance. Ao se exercitar tais direitos, muitas vezes um

deles conflitará com outro;

21 ARAUJO, op. cit., pp. 81-85.

21

e) irrenunciabilidade: por ser inerente ao ser humano, não pode ser

renunciado. Têm a faculdade de escolher o momento de exercê-los, em certas hipóteses, mas

nunca de dispor dos mesmos de forma definitiva;

f) concorrência: são direitos acumuláveis pelo indivíduo, sem que um

prevaleça em detrimento de outro.

Características extrínsecas:

a) rigidez constitucional: são submetidos a um processo de modificação

mais gravoso e impõe a compatibilidade vertical das normas infraconstitucionais;

b) direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas: essa espécie de

direito fundamental não está suscetível a reformas da Constituição;

c) os direitos fundamentais têm aplicabilidade imediata.

Levando em conta as peculiaridades dos direitos fundamentais, pode-se

certificar que todos os direitos que as contenham podem ser deliberados como direitos

fundamentais, não importando se estão ou não inseridos entre os dispositivos intitulados como

direitos fundamentais pelo escrito constitucional.

1.4 A classificação dos direitos fundamentais em dimensões

O fato da não utilização do termo geração, é para melhor demonstrar que

uma dimensão de direito fundamental não supera a outra. Muitos autores, devido a esse fato

de sobreposição, preferem utilizar a expressão dimensão de direito fundamental.

O emprego do termo geração, pode dar a entender que as outras gerações

não são mais eficazes, que foram ultrapassadas pelas gerações futuras, ficando obsoletas, um

22

sentido cronológico apenas. Assim, explicita-se a utilização do termo dimensão à utilização

do termo geração.

Norma Sueli Padilha22 retrata bem o assunto sobre as diferenças e

preferências dessas nomenclaturas

Ressalte-se, ademais, que autores, tais com Paulo Bonavides (1999), Willis Santiago Guerra Filho (2003), Antonio Carlos Wolkmer (2003) e Antonio Augusto Cançado trindade (1993) têm demonstrado o equívoco da utilização da expressão “geração” de direitos, que passa a idéia de ocorrência de uma sucessão cronológica e, portanto, de uma suposta caducidade dos direitos de gerações antecedentes, por meio de um processo substitutivo, o que, absoluto, não ocorre. Dessa forma, propõem os autores referidos, a utilização do termo “dimensões que, realmente, melhor demonstra o processo de multiplicidade de direitos coexistentes.

Tal classificação é importante para que se tenha uma noção da formação

histórica do conjunto de direitos hodiernamente reconhecidos, facilitando a compreensão de

alguns aspectos de cada direito.

Primeiramente, cabe relatar sobre os direitos fundamentais de primeira

dimensão.

Esses direitos dominaram o cenário do século XIX. Essa dimensão

é composta pelos direitos civis e políticos, ou melhor interpretando, direitos de

liberdade.

Assim, na obra de Norma Sueli Padilha23

No momento histórico da primeira revolução industrial, ainda eclodia o grito do clamor dos direitos civis pelo cidadão oprimido contra o Estado Absolutista, que lutou, por meio da Revolução Francesa, para bani-lo da vida social e política, pela permanência de espaço para a liberdade individual, abrindo-se, assim, o caminho para a reivindicação e proteção dos direitos individuais mediante a implantação de um Estado Liberal.

22 PADILHA, Norma Sueli. Colisão de direitos metaindividuais e a decisão judicial. Porto Alegre; Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 30. 23 PADILHA, op. cit., p. 23.

23

Tem como titular o indivíduo, e são oponíveis ao Estado, sendo traduzidos

como faculdades ou atributos da pessoa humana, ostentando uma subjetividade que é seu

traço forte.

Os direitos civis têm estima de liberdade na luta contra a burguesia, para a

formação dos Direitos do Homem, elucidados pelos direitos de ir e vir, de pensamento, de

locomoção, de reunião.

Para Paulo Bonavides24

Os direitos de primeira geração têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdade ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem de instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.

Muito embora a subjetividade seja predicado decisivo dos direitos

fundamentais de primeira dimensão, por aclamarem direitos individuais, pode-se proferir que

a universalidade assinalada pela declaração francesa fez com que todos os homens de todos

os tempos confiassem no ideal de liberdade e por ele lutassem.

A declaração de direitos universais do homem colocou em movimento um processo irreversível, que culminou com o reconhecimento interno nos estados modernos, por meio de suas cartas constitucionais, daqueles que foram denominados como a primeira geração de direitos a clamar por reconhecimento perante a autoridade política de um Estado enquanto identificado como propiciador de ordem e justiça social.25

A batalha versus o poder absoluto do Estado, sofreu limitação a partir desse

anseio de liberdade, que foi considerado o primeiro direito a ser reconhecido pelo Estado

como direito civil do cidadão.

24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 517. 25 PADILHA, op. cit., p. 24.

24

A segunda dimensão de direitos fundamentais foi primeiramente composta

de formulação especulativa em palcos políticos e filosóficos, que possuíam enorme cunho

ideológico, e dominaram o século XX. São também conhecidos como direitos sociais.

Inicialmente, esses direitos não tiveram muita credibilidade, porque sua

natureza social exigia do Estado uma essencial prestação de cunho material, que na maioria

das vezes não podia ser cedida.

O Estado sempre trazia como causa da sua precariedade, o não cumprir com

esse tipo de compromisso social, a falta de recursos para atender aos programas sociais.

O prestígio dos direitos fundamentais de segunda dimensão, deriva do

constitucionalismo antiliberal do Estado Social, concebido no século XX, aplicados

principalmente nas Constituições pós II Guerra.

Para Norma Sueli Padilha26 a queda do Estado Liberal teve começo no final

do século XIX,

Desse modo, o final do século XIX assistiu à derrocada do Estado Liberal, premido pela necessária intervenção na vida social e econômica da autoridade estatal, como forma de reação à opressão imposta pelo mercado submetido ao jogo da livre iniciativa de vontades. Viu-se, aí, o clamor das reivindicações, pelo reconhecimento de um direito de classe – o dos trabalhadores, qual seja, um direito com coletividade – um direito social- neles sendo reconhecida a segunda geração de direitos a clamar por acesso à Justiça.

Em virtude de exigirem um comportamento positivo do Estado, a fim de

proporcionar sua concretização, os direitos de segunda dimensão receberam, por certo tempo,

tratamento de normas programáticas, até a formulação da cláusula da aplicabilidade imediata

dos direitos fundamentais (artigo 5°, parágrafo 1°, Constituição Federal).

26 PADILHA, op. cit., p. 26.

25

A segunda dimensão dos direitos fundamentais compreende os direitos

sociais, econômicos, culturais e as chamadas liberdades sociais, tendo rigorosa conexão com

os princípios de igualdade e justiça social.

Fundamenta Paulo Bonavides27

[...] atravessaram, a seguir uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

De tal sorte, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma.

Para André Ramos Tavares28

O Estado passa do isolamento e não-intervenção a uma situação diametralmente oposta. O que essa categoria de novos direitos tem em mira é, analisando-se mais detidamente, a realização do próprio princípio da igualdade. De nada vale assegurarem-se as clássicas liberdades se o indivíduo não dispõe das condições materiais necessárias a seu aproveitamento. Nesse sentido, e só nesse sentido, é que se afirma que tal categoria de direitos se presta como meio para propiciar o desfrute e o exercício pleno de todos os direitos e liberdades. Respeitando os direitos sociais, a democracia acaba fixando os mais sólidos pilares.

O princípio da aplicabilidade contígua dos direitos fundamentais, ativa a

consagração da garantia de sua consumação, porque atravessam de ser direitos individuais e

passam a conter os direitos sociais, estabelecendo do Estado maior participação por meio do

alargamento dos serviços públicos.

Já a terceira dimensão dos direitos fundamentais, que começou a se projetar a partir da década de 60, representa os direitos difusos e coletivos. Aqui, o titular não é mais somente o indivíduo, a pessoa humana em si mesma, e sim, toda uma coletividade. Esses direitos surgem com a solidariedade e a fraternidade, não só entre os indivíduos, famílias e grupos, mas sim em toda a sociedade de forma globalizada.

27 BONAVIDES, op. cit., p. 518. 28 TAVARES, op.cit., p. 370-371.

26

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho29:

Seriam direitos de solidariedade: direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito ao patrimônio comum da humanidade, ao meio ambiente. Proviriam do Direito Internacional e estariam em vias de consagração no Direito Constitucional. Não há porém, uma cristalização da doutrina a seu respeito, forte corrente entendendo não constituírem esses ‘direitos’ mais que aspirações, despidas de força jurídica vinculante.

Preleciona Norma Sueli Padilha30,

Em tais direitos concebidos como de terceira geração, consagrados em meio a um processo de massificação de uma sociedade globalizada e altamente complexa em todos os sentidos, é que se reconhece, na mesma medida de importância que destacamos para a classe dos trabalhadores na consagração dos direitos de segunda geração, o clamor pela defesa do meio ambiente o papel de destaque.

O direito de viver em um ambiente poluído, enquanto reconhecido, como tal, por um ordenamento jurídico, não era, sequer, cogitado, quando foram propostos os direitos de segunda geração, da mesma forma que esses não foram concebidos, quando foram reconhecidas as primeiras declarações de direitos dos homens.

Para Paulo Bonavides31 os direitos de terceira dimensão

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas relevantes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

Na obra Curso de Direito Constitucional, André Ramos Tavares32 cita

A conseqüência mais veemente do reconhecimento dessa categoria ampla de interesses foi a de pôr a descoberto a insuficiência estrutural de uma Administração

29 FERREIRA FILHO, op.cit., p. 290. 30 PADILHA, op. cit., p. 29. 31 BONAVIDES, op. cit., p.523. 32 TAVARES, op. cit., p. 372.

27

Pública e de um sistema judicial calcados exclusivamente no ideário liberal, que apenas comporta a referência individuais, incapaz que é de lidar com fenômenos metaindividuais.

O destino dos direitos fundamentais de terceira dimensão, é a humanidade,

assim abrangido pela compleição da fraternidade e solidariedade entre os povos ligados pelas

ponderações vindas de temas que proferirem respeito à coletividade. A solidariedade junta-se

a liberdade e a igualdade, cultivando um amplo elo entre as nações. Brota a obrigação dos

Estados trabalharem pelo bem comum, e o dever mútuo de consentirem aos interesses da

sociedade. Com a adoção de uma organização metódica de política econômica, haverá a

superação das dificuldades suscitadas pelas disparidades sociais.

E, finalmente, a última dimensão de direito fundamental. Esta está baseada

no direito à democracia.

Segundo Paulo Bonavides33, os direitos da quarta dimensão incidem nos

direitos à democracia, à informação e ao pluralismo, onde deles dependem a concretização da

sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual alvitre o

mundo quebrar-se no plano de todas as analogias e relações de coexistência.

Para essa dimensão de direito fundamental, a democracia há de ser,

essencialmente, uma democracia direta, que se torna cada dia mais admissível, graças aos

aumentos tecnológicos dos meios de comunicação, e amparada legitimamente pela

informação correta e aberturas pluralistas do sistema34.

No que se refere, também, à nomenclatura “direitos fundamentais de quarta

dimensão”, Paulo Bonavides35 salienta que

33 BONAVIDES, op. cit., pp. 524-526. 34 Ibidem, p. 525. 35 BONAVIDES, op. cit., p.525.

28

[...] força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo dimensão ‘substitui’, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como provérbio chinês da grande muralha, a humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos de quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração.

E ainda, “tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que

ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante,

irradicar-se a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico.36”

Portanto, mais uma vez citando o autor supra, “os direitos da quarta geração

compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente

com eles será legítima e possível a globalização política37”.

Norma Sueli Padilha38, em sua obra já mencionada, profere sobre a

existência da quarta e até de uma quinta geração de direitos, mas destaca a diferença que

alguns autores fazem sobre elas. Bonavides, considera a quarta geração de direitos o direito à

democracia, à informação, como já dito acima. Já Bobbio, relaciona essa quarta geração aos

direitos da bioética, à biotecnologia etc.

Na verdade, a aparente e ilimitada, evolução tecnológica, para a qual não se estabelecem sequer, parâmetros éticos, impõe-nos no presente século XXI, a admitir, embora não nos importe destacar, nos parâmetros da presente pesquisa, a ocorrência ainda, de direitos de quarta geração, decorrentes das novas descobertas com relação à biotecnologia, à bioética, à engenharia genética, ao mapeamento do genoma humano e à manipulação do seu patrimônio genético, conforme também referido por Bobbio (1992, p. 10). E até porque não se podem colocar limites não só para a evolução tecnológica senão, também, a complexidade das relações humanas e dos fatos sociais, há quem já afirme, como Wolkmer; Leite (2003, p. 15), uma quinta geração de direitos referentes às tecnologias da informação, do ciberespaço e da realidade virtual.

36 BONAVIDES, op. cit., p. 525. 37 Ibidem, p. 526. 38 PADILHA, op. cit., pp. 29-30.

29

Dessa maneira, fica evidenciado que os direitos de primeira, segunda e

terceira dimensão, juntamente com o da quarta, estão em pleno vigor e eficácia.

1.5 Dos Direitos Fundamentais em espécie

1.5.1 Direito à vida

O direito à vida é um bem inviolável garantido pela Constituição, é o suporte

para todos os demais direitos, pois sem a vida de nada importaria ter os outros direitos

assegurados. É protegido pelo Estado como um direito e uma garantia fundamental, porque

deve ser entendido como um direito da pessoa a uma vida digna.

Conforme Nélson Hungria e Heleno Fragoso39: “Como dizia Impallomeni,

todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos

bens é o bem da vida.”

Nessa mesma linha de entendimento, encontra-se também Alexandre de

Moraes40: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu

asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos

os demais direitos.”

É de se lembrar que sem vida, não podemos falar em qualquer outro direito.

O direito á vida é o direito de não ter findado o processo vital, a não ser pela morte

espontânea e inevitável.

39 HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno. Comentários ao Código Penal. 5ª ed. v.5. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p.15. 40 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 87.

30

A expressão vida, é avaliada no Dicionário41, sob diferentes feitios, nos

quais os que mais evidencia, no que pertine ao direito à vida, são os seguintes:

[...] 3- o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte; existência...5- motivação que anima a existência de um ser vivo, que lhe dá entusiasmo ou prazer; alma, espírito...8- o conjunto dos acontecimentos mais relevantes na existência de alguém; 9- meio de subsistência ou sustento necessário para manter a vida.

Para Maria Helena Diniz42:

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, conseqüentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto erga omnes, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer...Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusulas pétreas, que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar...tem eficácia positiva e negativa...a vida é um bem jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas impeditivas da prática de crueldade inúteis e degradantes.

A vida se aproxima com a simples existência biológica e, o direito a ela é

fundamental, tem como fim um bem muito elevado, sendo um direito essencialíssimo. É

também, um direito intransmissível, irrenunciável e indisponível.

Canotilho43, menciona que o direito à vida é um direito subjetivo de defesa,

pois é irrefutável o direito de o indivíduo assegurar o direito de viver, com a garantia da “não

agressão” ao direito à vida, aludindo também a garantia de uma dimensão protetiva deste

direito à vida. Ou seja, o indivíduo tem o direito ante o Estado a não ser morto por este, o

Estado tem a compulsão de se abster de provocar contra a vida do indivíduo, e por outro lado,

41 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2858 . 42 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 22-24. 43 CANOTILHO, op. cit., pp. 526-533-539.

31

o indivíduo tem o direito à vida perante os outros indivíduos e estes devem conter-se de

praticar atos que atentem contra a vida de alguém. E remata: o direito à vida é um direito,

mas não uma liberdade.

Esse direito está situado no caput do artigo 5°, dentro do Título II, dos

Direitos e Garantias Fundamentais, da Constituição Federal resguardando tanto a vida intra-

uterina, com perspectiva de vida exterior, quanto à vida extra-uterina à sua consumação

efetiva.

Para José Afonso da Silva44,

Vida, no texto constitucional (art. 5°,caput) não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para a morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir e incessante contraria a vida.

Na obra Curso de Direito Constitucional, André Ramos Tavares45,

menciona

[...] nada impede que o Direito confira aos pré-embriões a mesma proteção conferida à vida humana, concedendo-lhes, assim, valor idêntico. Trata-se muito mais de uma opção política, mas opção esta que não pode ser puramente arbitrária, devendo encontrar justificativa que legitime a norma a ser editada, segundo os interesses da sociedade.

Tem-se também a necessidade de referenciar o artigo 2°, do Código Civil:

“A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo

desde a concepção os direitos do nascituro.”

44 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 201. 45 TAVARES, op.cit., p. 401. André Ramos Tavares. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio, p. 629.

32

Não há apenas um direito de vida, a conservação de vida existente, mas

também um direito à vida, ao desdobramento e evolução da vida e até mesmo à consecução

do nascimento com vida.

A vida forma uma conjetura essencial da característica de pessoa, e não um

direito subjetivo desta, sendo tutelada publicamente, isoladamente da vontade dos indivíduos.

O assentimento dos indivíduos é categoricamente ineficaz para mudar esta tutela, não sendo

possível, assim, haver um exato “direito” privado à vida. Neste sentido, são absolutamente

nulos, todos os atos jurídicos nos quais uma pessoa coloca sua vida à disposição de outra ou

se submeta a grave perigo.

Exceções há, nos casos de dependência à experimentação científica

ameaçadora, quando se trata da precaução urgente da saúde da coletividade, de forma

gratuita, por exemplo. Mas essas exceções devem ser submetidas à valoração nos limites da

ordem pública e dos bons costumes.

O direito à vida é garantido e serve como regalia do indivíduo ao

estabelecer um limite à atuação estatal. Dessa forma, é entendido como inviolável, há a

obrigação do Estado e de particulares em não realizar procedimentos que atentem contra o

direito à vida.

O bem da vida passou a não só preocupar o indivíduo, mas também o

Estado. Esse tem o alvo de preservá-la, e assume a disposição de garantir o bem jurídico vida.

Justifica-se, a ingerência estatal no sentido de tutelar, salvaguardar e proteger a vida, por

entendê-la como premissa básica para o exercício de qualquer outro direito fundamental.

A vida é um bem inatingível, não podendo ser violada por terceiros. E é

também, indisponível. Nosso ordenamento não aceita a disponibilidade do direito à vida, por

perfilhar a hegemonia da dignidade da pessoa humana como seu alicerce, e apreender a vida

33

como conjetura básica para que se manifestem os outros direitos fundamentais que, em

conjugado, formam o fundamento mínimo imperativo à dignidade humana.

Assim, o direito à vida é um direito fundamental, garantido pela

Constituição da República, onde o Estado é o seu protetor, interessando a vida não apenas ao

indivíduo, mas a toda sociedade. A vida, atualmente, possui um valor social.

1.5.2 Do direito à liberdade

É reconhecido a todo e qualquer cidadão brasileiro e também estrangeiros

residentes no país o direito à liberdade. Reconhecido pela Constituição Federal, também no

caput do seu artigo 5°, assegurando diferentes tipos de liberdades, é chamado de direito geral

de liberdade, e conseqüentemente reconhecido como um direito fundamental.

Para Canotilho46,

Tradicionalmente ligado aos direitos de defesa perante o Estado, o conceito de liberdades permanece ainda bastante obscuro na doutrina. Proporemos como pontos iluminadores os seguintes. Liberdade, no sentido de direito de liberdade, significa direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, o direito de não ser detido ou aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente condicionado a um espaço, ou impedido de se movimentar.

Esse direito traz inúmeras divergências como o já mencionado direito à vida,

que serão estudadas adiante.

O direito à liberdade pode ser analisado para uma maior facilidade de

compreensão, como já mencionado, de várias formas, pois dentre eles podemos encontrar: a

liberdade de pensamento e expressão; liberdade de crença e convicção; liberdade de opinião;

46 CANOTILHO, op. cit., p. 1181.

34

liberdade de ensino; direito à privacidade ; direito à intimidade; liberdade de associação,

liberdade de reunião e locomoção; direito à informação, direito à informação jornalística e

direito à informação pública.

Na classificação dos direitos fundamentais explícitos relativos ao

pensamento apresentada por Ferreira Filho, tem-se o art. 5º, IV, VI, VII, VIII e

IX 47.

O autor, entende que é necessário dividir a liberdade de pensamento em dois

grupos: liberdade de consciência e liberdade de expressão ou manifestação do

pensamento. No primeiro grupo, encontram-se a liberdade de consciência e de crença (art. 5º,

VI), incluindo a escusa de consciência (art. 5º, VIII) e a liberdade de culto (art. 5º, VI).

Em relação ao segundo grupo tem-se: a liberdade de comunicar o pensamento por

meio de correspondência ou comunicações telefônica, telegráfica e de dados (art. 5º, XII); a

liberdade de expressar o pensamento através da palavra falada (art. 5º, IV e V); a

liberdade de manifestação do pensamento por meio da palavra escrita (art. 5º, IX e art.

220); a liberdade dos espetáculos e diversões (art. 220, §2º); a liberdade de ensino (art. 206,

II).

As manifestações intelectuais, artísticas e científicas são formas de difusão e

manifestação do pensamento, as quais gozam de ampla liberdade.

Para os autores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior48,

[...] a peculiaridade do direito de expressão reside na ausência de juízo de valor (...) a expressão consiste na sublimação da forma das sensações humanas, ou seja, nas situações em que o indivíduo manifesta seus sentimentos ou sua criatividade, independentemente da formulação de convicções, juízos de valor ou de conceitos.

47 FERREIRA FILHO, op. cit., p. 293. 48 ARAÚJO, op. cit., p. 109.

35

Há que se atentar para a liberdade de manifestação artística referente às

diversões e espetáculos públicos e aos programas de rádio e televisão para os quais a

Constituição reserva limites específicos no art. 220, §3º, I e II.

José Afonso da Silva49, traz como exemplos de diversões públicas os parques

de diversões, casa de divertimentos e brinquedos eletrônicos, os quais ficam sujeitos à

regulamentação da lei federal e à classificação enquadrada pelo Poder Público. Em relação

aos espetáculos públicos de que trata o referido artigo, o autor o define como “representação

teatral, exibição cinematográfica, rádio, televisão ou qualquer outra demonstração pública de

pessoa ou conjunto de pessoas”.

Os programas de rádio e de televisão estão submetidos aos princípios

descritos nos quatro incisos do artigo 221, dentre eles o respeito aos valores éticos e sociais da

pessoa e da família.

Insta salientar, que o artigo 5º, inciso IX, traz a impossibilidade de submeter

a liberdade de expressão à censura ou licença, assim como o artigo 13, II do Pacto de São José

da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. A Constituição apenas traz a competência da

União para exercer a classificação de efeito indicativo de diversões públicas e de programas

de rádio e de televisão (artigo 21, inciso XVI).

De importante ressalva para o presente trabalho, é o direito à liberdade de

crença religiosa e de convicção filosófica ou política por meio da declaração de que ninguém

poderá ser privado de direitos em razão delas.

Como ocorre com todo direito fundamental, o limite é a proibição de invocar

a crença religiosa ou a convicção filosófica ou política para eximir-se de obrigação legal a

todos imposta, e recusar-se a cumprir prestação alternativa.

49 SILVA, op. cit., p.253.

36

A liberdade de consciência é um pressuposto da liberdade de manifestação

do pensamento, visto que apenas uma consciência livre poderá dar margem a pensamentos

livres e sua conseqüente manifestação. Nos dizeres de Ceneviva50,

A liberdade de consciência envolve o direito da pessoa comportar-se e pensar, sem restrição, conforme lhe pareça o certo e o errado”. E, aqui, ainda nas palavras do autor citado, “quanto ao fazer e ao comportar-se, desde que não vedado por lei, o limite do permitido está no respeito ao direito alheio.

Desta maneira, a Constituição assegura que todos possam conhecer e julgar

sua realidade livremente e viver em concordância com seus valores, sem temer nenhuma

privação de seus direitos.

Nos dizeres de Ferreira Filho51

A liberdade de crença e de consciência, porém, se extroverte, se manifesta na medida em que os indivíduos, segundo suas crenças, agem deste ou daquele modo, na medida em que, por uma inclinação natural, tendem a expor seu pensamento aos outros e, mais, a ganhá-los para suas idéias. As manifestações, estas sim, pelo seu caráter social valioso, é que devem ser protegidas, ao mesmo tempo que impedidas de destruir ou prejudicar a sociedade.

José Afonso da Silva52 afirma que “fez bem o constituinte em destacar a

liberdade de crença da de consciência”, visto que uma não se confunde com a outra. E,

citando Pontes de Miranda, o autor arremata: “... o descrente também tem liberdade de

consciência e pode pedir que se tutele juridicamente tal direito”.

Em relação à liberdade de crença religiosa, a Constituição ainda consagra o

exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e suas liturgias, na forma

determinada pela lei, que irá definir o modo de proteção dos locais e das cerimônias

50 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 60. 51 FERREIRA FILHO, op. cit., p. 294. 52 SILVA, op. cit., p. 248.

37

religiosas. Outras normas constitucionais que dispõem sobre a liberdade de crença religiosa

são os artigos 19, I; 150, VI, “b” e 210, §1º.

Assim concluem Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior53:

Do conjunto de dispositivos indicados depura-se que a liberdade de religião carrega em seu interior alguns elementos conceituais, que definem o seu regime jurídico, com base nos seguintes pontos: liberdade de fé e de confissão religiosa; direito ao exercício de qualquer religião (liberdade de culto); liberdade de associação religiosa; dever de neutralidade do Estado, que não só deve possuir caráter laico como também não pode favorecer, financiar ou embaraçar o exercício de qualquer religião; ensino religioso de caráter facultativo.

Para José Afonso da Silva54, liberdade religiosa compreende três formas de

expressão: liberdade de crença, liberdade de culto, e a liberdade de organização religiosa. A

liberdade de crença compreende a liberdade de escolher uma religião, de mudar de seita e

também a de não aderir a nenhuma delas e, ainda de ser ateu, o que não permite embaraçar o

exercício de qualquer culto. A liberdade de culto é a liberdade de orar, de praticar atos

próprios das manifestações exteriores em casa ou em público e de receber contribuições para

tanto. A liberdade de organização religiosa, diz respeito à possibilidade de estabelecimento e

organização das igrejas e suas relações com o Estado, que no Brasil há uma separação, pois

tem-se o Estado laico e o que se permite é que haja, por parte do Poder Público, uma

colaboração de interesse público para com as igrejas, na forma da lei, segundo dispõe o artigo

19, inciso I, da Constituição Federal.

A Constituição prevê, também, a imunidade tributária dos templos, na forma

do artigo 150, VI, “b”. Neste contexto, o constituinte também assegurou a assistência religiosa

nas entidades civis e militares de internação coletiva (artigo 5º, VII). Tem-se, ainda, a

53 ARAUJO, op. cit., p. 108. 54 SILVA, op. cit., pp. 247 – 252.

38

previsão do ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas de

ensino fundamental, porém a matrícula é facultativa (artigo 210, §1º). Por fim, foi

contemplado o casamento religioso, com efeito civil, nos termos da lei (artigo 226, §§1º e 2º).

No direito à liberdade de opinião, os autores divergem em relação ao

significado do termo “liberdade de opinião”.

José Afonso da Silva55, entende ser a liberdade de opinião dividida em duas

dimensões: a liberdade de consciência e de crença (art. 5º, VI) e a liberdade de crença

religiosa e de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII).

Nesse sentido, pode-se afirmar que a Constituição protege tanto o direito de

emitir um pensamento e tê-lo respeitado, quanto o direito de abster-se de manifestar o

pensamento. É o que Celso Ribeiro Basto56 denomina “valor de exigência” e “valor da

indiferença”.

Nas palavras de Walter Ceneviva57:

A plena liberdade de manifestação do pensamento tem existência simultânea com os deveres que lhe correspondem, entre os quais o impedimento do anonimato. O exercício daquela é acompanhado pela responsabilidade, em particular para preservar a honra do cidadão (inc. IV), em regra que completa os fins previstos no inciso IX, embora se trate de direitos diversos: o primeiro, a liberdade de manifestação, interessa a toda sociedade, sempre, enquanto o segundo (direito do cidadão atingido), é individual, aplicável em cada caso.

Bem lembra André Ramos Tavares58 que a liberdade de manifestação de

pensamento está intimamente ligada ao princípio democrático, o qual consagra a pluralidade

de idéias e opiniões.

55 SILVA, op. cit., p. 241. 56 BASTOS, op. cit., p. 41. 57 CENEVIVA, op. cit., p. 58. 58 TAVARES, op. cit., p. 425.

39

Acrescenta Alexandre de Moraes59

A proteção constitucional engloba não só o direito de expressar-se, oralmente, ou por escrito, mas também o direito de ouvir, assistir e ler. Conseqüentemente, será inconstitucional a lei ou ato normativo que proibir a aquisição ou o recebimento de jornais, livros, periódicos, a transmissão de notícias e informações, seja pela imprensa falada, seja pela imprensa televisiva.

Seguindo este raciocínio, pode-se afirmar que o direito de opinião ou a

liberdade de pensamento, pressupõe o direito à educação, uma vez que para se formar juízo de

valor a respeito de algo, é necessário que se disponha de dados, os quais são obtidos por meio

do conhecimento adquirido através da informação transmitida pelos livros, jornais, revistas,

rádio, televisão e demais meios de comunicação.

Ademais, é imperioso ressaltar que o dispositivo constitucional que

normatiza a liberdade de pensamento ou o direito de opinião, traz, em sua última parte, a

proibição do anonimato. Isto significa que o exercício desse direito deve ser acompanhado

pela responsabilidade, exigindo-se que o autor do juízo de valor emitido identifique-se, a fim

de que possa responder por eventuais lesões a direitos, causadas pela manifestação de seu

pensamento.

Conclui-se que o Constituinte, optou por declarar o direito de manifestação

de pensamento e limitá-lo, no aspecto do anominato, numa mesma norma, a qual seja o artigo

5º, IV. Outros limites a tal direito fundamental são encontrados no texto constitucional, dentre

eles, o direito de resposta e a indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, V e

X).

A liberdade de ensino, foi consagra pelo texto constitucional no artigo

206, II e III, como um dos princípios do ensino, em relação ao exercício do

magistério

59 MORAES, op. cit., p. 207.

40

Essa liberdade consiste em “poder o mestre ensinar aos seus discípulos o que

pensa, não podendo ser coagido a ensinar o que os outros pensam ser correto”60.

José Afonso da Silva61 chama a atenção para a distinção entre a liberdade de

ensino e a de cátedra, a qual “era mais restritiva, por estar vinculada à idéia de catedrático,

que recebia conotação de titularidade de certos cargos de magistério”. Ao passo que a

liberdade de ensino é dirigida a qualquer professor e abrange, ainda, a liberdade de aprender e

de pesquisar.

Deste modo, a liberdade de transmitir o conhecimento é declarada ao

professor, cabendo aos alunos e pesquisadores o direito de receber o conhecimento ou de

buscá-lo.

Por força desta liberdade, é o professor quem escolhe o objeto do ensino a

ser transmitido, respeitados os currículos escolares e os programas oficiais de ensino. Nesse

diapasão, no exercício de sua profissão, ao professor é assegurado o direito de externar seu

pensamento, através de opiniões a respeito da matéria a ser tratada e, também, o direito de

escolher a forma e a técnica usada para transmitir o conhecimento, sem que haja nenhuma

ingerência administrativa nesse sentido.

No direito à privacidade, cumpre dizer que o termo privacidade, muitas

vezes, é mencionado num sentido amplo, abrangendo, então a intimidade, em virtude de ter

em mente referir-se a todos os assuntos não expostos ao público, inclusive os de ordem

íntima.

Aqui, a proteção da vida privada, a qual se analisará, será tomada em seu

sentido estrito, excluindo-se a intimidade, que será tomada em seguida. Será feito assim,

porque o próprio Constituinte distinguiu a vida privada da intimidade no artigo 5º, inciso X.,

60 FERREIRA FILHO, op. cit., p. 297. 61 SILVA, op. cit., p. 255.

41

haja vista ter mencionado uma e outra no mesmo dispositivo, não se pode conceber que o

Poder Constituinte Originário tenha se utilizado de uma vã repetição.

A vida privada de uma pessoa, compreende aquelas relações que ela

deseja manter ocultas ao público, participando delas apenas seus amigos íntimos e

familiares.

Desta maneira, assuntos como informes de ordem pessoal, as lembranças de

família, a sepultura, a vida amorosa ou conjugal, a saúde física e mental, afeições,

entretenimentos e costumes pertencerão à vida privada da pessoa, se ela os compartilhar com

seus amigos ou ficarão restritos à sua intimidade, em caso de querer mantê-los guardados

somente para si. Por isso é importante o comportamento da pessoa para se delimitar o âmbito

da vida privada, da ceara da intimidade.

O direito à intimidade compreende a faculdade que a pessoa tem de excluir

dos outros, aí incluídos a família, os amigos íntimos e quem mais partilhe de sua vida privada,

seus sentimentos, emoções, pensamentos e orientação sexual.

Neste diapasão, pode-se dizer que a vida de uma pessoa comporta um círculo

grande em que estão insertas as relações públicas do indivíduo, como seus relacionamentos

profissionais, os quais são abertos à sociedade. Dentro deste círculo, encontra-se um menor,

em que se alojam os assuntos que o indivíduo deseja manter ocultos ao público, deles

compartilhando apenas as pessoas que lhe são mais próximas, como familiares e amigos. E,

ainda, dentro deste círculo menor, há uma esfera minúscula, impenetrável a qual abriga

sentimentos que interessam apenas ao seu possuidor.

Em razão de a intimidade ser aquela necessidade da pessoa de ficar em paz,

permitindo que ela controle a intromissão daqueles que compartilham da sua privacidade em

42

assuntos que somente a ela interessa, conclui-se que o direito à intimidade é mais restrito do

que o direito à vida privada.

A liberdade de reunião prevê alguns requisitos, como por exemplo, ser

pacífica, em local aberto ao público, não depender de autorização, com finalidade

lícita etc. É uma manifestação coletiva da liberdade de expressão, mas também um

direito individual de cada participante por poder demonstrar e partilhar em conjunto a sua

idéia.

É considerado um princípio base para um Estado Democrático de Direito,

pois é um direito individual e uma garantia coletiva, onde tem como elementos a pluralidade

de participantes, tempo, finalidade e lugar.

É vedada qualquer interferência estatal ao direito de associação. A este não

cabe limitar a existência de associação, podendo apenas classificá-las.

O direito de informação previsto pela Constituição, em seu artigo 5º, inciso

XIV abarca o direito de obter a informação, de informar e de ser informado, como bem

afirmam Luis Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior62.

O mesmo entendimento tem José Afonso da Silva63 que assim escreve:

“Nesse sentido, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a

difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura,

respondendo cada qual pelos abusos que cometer.”

O autor64 ainda diferencia liberdade de informação de direito à informação,

por se tratar este de direito coletivo e não de direito individual ou profissional, como é a

liberdade de informação.

62 ARAÚJO, op. cit., p. 112. 63 SILVA, op. cit., p. 245. 64 SILVA, op. cit., p. 244.

43

O direito à informação consiste num direito subjetivo público, já que se pode

exercê-lo contra o Estado, de maneira a proibir seu embaraço e permitir a livre investigação.

Sendo, também, considerado direito subjetivo privado, podendo ser cobrado das pessoas

físicas e jurídicas para que prestem ou corrijam a informação.

Os requisitos impostos para a divulgação da notícia têm fundamento no

Estado Democrático Social de Direito, cuja realização pressuponha a participação de uma

sociedade bem informada sobre a coisa pública.

Desta forma, o cidadão, quando for votar em seus representantes, deverá

estar bem informado sobre suas condutas, assim como tem o direito de saber quais as atitudes

que eles têm tomado depois de terem sido eleitos, para, então, formar a sua opinião

livremente.

Assim, uma informação somente será considerada notícia, se verdadeira, se

necessária à realização da democracia e se imparcial.

Se o jornalista emite sua opinião, após ter transmitido a notícia, trata-se do

exercício acumulado de dois direitos distintos, a saber: liberdade de opinião e liberdade de

informação jornalística.

Os ilustres Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior65

entendem que a liberdade de informação jornalística é composta pela liberdade de proferir a

notícia (informação sobre o fato relevante para o indivíduo na sociedade em que vive) e pela

liberdade de fazer a crítica (opinião).

A liberdade de informação jornalística pode concorrer com outras liberdades,

como é o caso da liberdade de opinião, quando o jornalista transmite a notícia, e logo após,

65 ARAÚJO, op. cit., p. 112.

44

emite a sua opinião. Por força de tal característica, o exercício de um direito não anula o

exercício do outro.

É importante lembrar que a Constituição, ainda prevê uma espécie de

contraditório para o sujeito a respeito do qual a informação é divulgada, o qual seja o

direito de resposta, previsto no artigo 5º, inciso V, além de trazer no mesmo dispositivo a

previsão de indenização por eventual dano material, moral ou à imagem que a notícia venha

causar.

O direito de informação pública, consiste na prerrogativa que todo indivíduo

tem de receber, dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular ou de interesse

coletivo ou geral.

Note-se que a Constituição impôs a obrigação de prestar informações apenas

aos órgãos públicos, conforme preceituam os artigos 5º, inciso XXXIII e 37, caput.

É importante salientar, que a divisão do direito à liberdade aqui feita, foi

apenas para ressaltar as diferentes formas de liberdade, sendo de suma importância para o

presente trabalho o direito à liberdade de crença, de consciência e de culto.

45

II. DA INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 As normas jurídicas: regras e princípios

Verificar o conceito de norma jurídica traz uma enorme controvérsia

doutrinária, pois não é uma ciência exata, onde as palavras têm um significado único. No

direito, as palavras têm significados amplos, dificultando sua interpretação apropriada.

Maria Helena Diniz66 sobre o assunto dita: “Isto nos leva a pensar na

necessidade de buscar, com absoluta objetividade, o conceito da norma jurídica, pois não

existe entre os juristas certo consenso na definição da norma jurídica”.

A ciência do direito preocupa-se com o estudo do dever-ser, e não do ser,

propriamente dito, como o faz a ciência exata.

As normas jurídicas, servem de direção para um bom convívio social, por

serem entendidas como mister de conduta onde determina alguns valores escolhidos pela

própria coletividade, para uma melhor organização social.

Para a solução desse impasse, não é possível ficar sem recorrer à Filosofia do

Direito, como salienta Maria Helena Diniz67

O problema do conceito da norma jurídica parece, à primeira vista, pertencer mais à Ciência do Direito do que à Filosofia do Direito; contudo a definição da norma jurídica é tarefa que excede à competência de qualquer ciência jurídica particular. O conceito da norma jurídica é um problema supracientífico, isto é, filosófico.

A norma jurídica, por conseguinte, define-se como o fez Goffredo Telles Jr.; imperativo autorizante, conceito este que é, realmente, essencial, uma vez que é a síntese dos elementos necessários que fixam a essência da norma jurídica. A norma jurídica sem qualquer um destes elementos eidéticos afigura-se incompreensível, uma

66 DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1. 67 Ibidem, p. 6.

46

vez que tirar qualquer desses elementos integrantes de sua unidade essencial equivale a destruí-la. Deveras, uma norma jurídica que careça do autorizamento será uma norma moral, e, sem anota da imperatividade, será apenas uma lei física. Encontraremos sempre esses dois elementos onde quer que se encontre a norma jurídica68.

A mesma autora sintetiza: “são normas jurídicas as leis e seus artigos,

contratos e suas cláusulas, regulamentos, sentença etc.”69.

Já para Canotilho70 as normas jurídicas se subdividem em regras e princípios,

A teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios (...). Abandonar-se-á aqui essa distinção para, em sua substituição, se sugerir: (1) as regras e princípios são duas espécies de normas; (2) a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas.

Segue o autor71, analisando sobre os princípios e as regras jurídicas,

mencionando que os princípios, hierarquicamente superiores, são normas com um grau de

abstração relativamente elevado, enquanto as regras, hierarquicamente inferiores, são normas

com grau de abstração relativamente reduzidos. Os princípios gozam de certa

indeterminabilidade na aplicação ao caso concreto, enquanto as regras são suscetíveis de

aplicação direta, imediata.

Para Robert Alexy72,

“Tanto lãs regras como los princípios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos puedem ser formulados com la ayuda delas expresiones deônticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición. Los principios, al igual que lãs reglas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de um tipo muy diferente. La distinción entre reglas e principios es pues uma distición entre dos tipos de normas.

As regras exigem, proíbem ou permitem que alguma coisa seja feita de forma

definitiva, sem exceção alguma, e são resolvidas com base na validade.

68 DINIZ, op. cit., p. 151. 69 Ibidem, p. 146. 70 CANOTILHO, op. cit., p. 1086. 71 Ibidem, p. 1086. 72 ALEXY, Robert, Teoria de los derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1999.

47

Já os princípios, diferentemente das regras, não proíbem, exigem ou

permitem algo definitivo. Eles são normas, que conforme a realidade dos fatos, resolverão

algo da melhor maneira possível, e são resolvidas com base no peso.

Os princípios interar-nos-ão, aqui, sobretudo na sua qualidade de verdadeiras normas, qualitativamente distintas das outras categorias de normas ou seja, regras jurídicas. As diferenças qualitativas traduzir-nos-ão, fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida (...); a convivência dos princípios é conflitual (...), a convivência de regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se.(...)73.

A noção de princípio está vinculada a idéia de fundamento, base, pressuposto

teórico que orienta determinado sistema, portanto, são normas que sustentam todo o

ordenamento normativo, tendo por função principal conferir racionalidade sistêmica e

integralidade ao ordenamento constitucional.

Assim Edilsom Pereira de Farias74 assenta

Os princípios passam a ter uma importância destacada no campo do direito constitucional. A moderna teoria constitucional descobriu que os princípios (notadamente aqueles com respaldo na Lei Maior) formam ‘o coração das Constituições contemporâneas’ e, portanto, são instrumentos valiosos para uma adequada interpretação constitucional. Ademais, essa perspectiva principialista (assentada em princípio) acaba mesmo desembocando em uma nova concepção da Norma Fundamental, a saber: a Constituição como norma jurídica obrigatória. Ou seja, que as normas (princípios e regras constitucionais independentemente de sua estrutura, possuem igual força normativa obrigatória e ‘vinculam o legislador e o intérprete da Constituição e em geral a todos’. Com isso abandona-se, definitivamente, a doutrina que classificava as normas da constituição em preceptivas e programática e que negava, às estas últimas, caráter de força de lei.

A violação de princípio jurídico é muito mais grave que a transgressão de

uma norma qualquer, uma vez que agride a todo o sistema normativo, nas palavras de Celso

73 CANOTILHO, op. cit., p. 1087. 74 FARIAS, op. cit., pp. 24-25.

48

Antonio Bandeira de Mello75

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Os princípios jurídicos são imposições normativas, sobrepostas prontamente

à resolução de determinada articulação social, não sendo mais vistos como expressões

abandonadas, sem aplicação concreta.

Os princípios têm uma grande vantagem em relação às regras, eles possuem

uma abertura, pois na medida que acontecem alterações na sociedade, as interpretações dos

princípios vão-se acomodando, vão-se adaptando fixamente às alternativas do meio sócio-

político em que agem.

Segundo Humberto Ávila76, os princípios são mandados de otimização,

sendo aplicáveis em vários graus de acordo comas possibilidades normativas e fáticas.

Normativas porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se

contrapõem; e fáticas porque o conteúdo dos princípios depende dos princípios como normas

de conduta só podem ser determinados quando diante dos fatos.

Diversos são os critérios de distinção entre regras e princípios

jurídicos, dentre eles a idéia de peso ou importância dos princípios, a identificação dos

princípios como mandados de otimização e os princípios entendidos como juízo de

concorrência77.

75 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 748. 76 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 1999. 77 FARIAS, op. cit., pp. 26-34.

49

A idéia de peso ou de importância só estaria presente nos princípios, ficando

evidente quando dois ou mais princípios entrassem em colisão, ou seja, o fator analisado seria

o de peso ou importância na escolha do melhor princípio a ser aplicado ao caso real, não

sendo possível essa aplicação às regras.

Já os princípios, como mandados de otimização, assevera que os princípios

são analisados proporcionalmente dentro do caso concreto, diferentemente das regras, que

sempre devem, ou não, ser aplicadas integralmente.

E finalmente, o princípio como juízo de concorrência, tem como diferença

básica, entre princípio e regra, o momento da interpretação e aplicação do direito.

2.2 A interpretação constitucional e seus métodos

Para que se possa interpretar uma Constituição, é necessário a interpretação

da norma constitucional, preocupar-se com o seu significado.

Para André Ramos Tavares78

É viável admitir uma prática da hermenêutica especificamente constitucional. Isso ocorre por força da presença de uma série de ocorrências particulares que exigem uma consideração específica e própria no trato da norma constitucional. A postura exigida do intérprete é diferenciada, já que a Constituição ocupa o grau último da ordem jurídica. Assim, a supremacia da Constituição quanto às demais normas do Direito é uma especificidade própria da qual decorre uma série de limitações a seu intérprete, podendo-se citar a denominada ‘interpretação conforme a Constituição.

Canotilho79 dita três aspectos importantes para a interpretação da

Constituição

78 TAVARES, op. cit., pp. 74-75. 79 CANOTILHO, op.cit., pp. 1126-1127.

50

(1) interpretar a constituição significa procurar o direito contido nas normas constitucionais; (2) investigar o direito contido na lei constitucional implica uma actividade – actividade complexa – que se traduz fundamentalmente na adscrição de um significado a um enunciado ou disposição lingüística (“texto da norma”); (3) o produto do acto de interpretar é o significado atribuído.

Para Barroso80,

A hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especulativo, cujo objetivo é a formulação e a sistematização dos princípios e regras de interpretação do direito. A interpretação é atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto. A aplicação de uma norma jurídica é o momento final do processo interpretativo, sua concretização, pela efetiva incidência do preceito sobre a realidade do fato. Esses três conceitos são marcos do itinerário intelectivo que leva à realização do direito. Cuidam eles de apurar o conteúdo da norma, fazer a subsunção dos fatos e produzir a regra final, concreta, que regerá a espécie.

Existem diversas maneiras ou métodos de como interpretar a Constituição.

Para que se possa fazer uma melhor interpretação, é necessário um conjunto de métodos, e

não um único método aplicado separadamente.

Para os direitos fundamentais e suas colisões, não é possível uma solução

adequada in abstrato, pois essa solução só poderá ser feita quando estiverem todos os

elementos do caso concreto.

Norma Sueli Padilha81, sobre o assunto dita

Em busca da compreensão jurídica dos fenômenos sociais, o jurista moderno haverá de lançar mão de todos os métodos de interpretação colocados à sua disposição, na busca do alcance prático e do significado político, ético e cultural das leis que deverá aplicar. Nesse sentido, a metodologia da interpretação busca a apreensão do sentido das normas para a exata compreensão jurídica dos casos concretos, para o que não pode prescindir da utilização dos diversos métodos de interpretação, muito embora sem esperar que se resolva, definitivamente, a problemática que trava a luta das teorias da interpretação jurídica.

80 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2001, p.103. 81 PADILHA, op. cit., p. 58.

51

Atualmente, é possível uma interpretação envolvendo o juízo discricionário

do intérprete, o qual, por sua vez, encontra limites nos princípios informadores da

Hermenêutica Constitucional, que servem como parâmetros para a ponderação de valores e

interesses.

Para Canotilho82 existem cinco tipos de métodos que podem ser aplicados

para uma melhor interpretação constitucional.

O primeiro método citado, é o método-jurídico, que tem como base que

interpretar uma Constituição, é a mesma coisa que interpretar uma lei. Equipara uma

interpretação constitucional a uma interpretação legal.

O segundo método, é o método tópico-problemático, que consiste em

adequar a norma constitucional ao caso em concreto, há um pluralismo de intérpretes.

O método hermenêutico-concretizador diferencia-se do método acima, no

fato de que o intérprete aqui, concretiza primeiramente a norma para depois analisar o

problema.

Já o quarto método, o método científico-espiritual ou método valorativo, tem

como base a ordem de valores, e a interpretação não visa dar respostas aos conceitos

constitucionais. Tem um pensamento filosófico-jurídico não muito fácil.

O último método analisado pelo autor, é a metódica normativo-estruturante,

que está acoplada à resolução de casos objetivos, e tem como tarefa, investigar as muitas

funções do direito constitucional.

De acordo com Luis Roberto Barroso83, existem quatro tipos de métodos

para interpretação constitucional: a interpretação gramatical; a interpretação histórica; a

interpretação sistemática; e a interpretação teleológica.

82 CANOTILHO, op. cit., pp. 1136-1139. 83 BARROSO, op. cit., pp. 124 - 144.

52

O primeiro método de interpretação, consiste em que a análise da

Constituição deve ser feita através de suas palavras, do sentido estrito que suas palavras

trazem. O limite da interpretação, é o sentido comum das palavras encontradas no corpo da

Constituição.

A interpretação histórica é o segundo método analisado pelo autor, traz em si

uma retrospectiva de como foi elaborada a lei, qual a real intenção do legislador ao editar a

norma. Mas, há também um limite para essa interpretação para que não ofendesse o

princípio democrático, pois não é possível que fique estática ao tempo e às mudanças trazidas

com ele.

Já a interpretação sistemática, prega por uma interpretação total das normas a

serem analisadas. Ele acredita, que uma norma ponderada, sozinha, pode perder o seu

verdadeiro significado, devido a unidade do ordenamento jurídico, e que a Constituição pode

perder a sua completa harmonia, caso isso ocorra.

O último método interpretativo, a interpretação teleológica, preza a análise

da finalidade da norma, o seu verdadeiro valor. O ordenamento jurídico existe para amparar

algumas necessidades, e deve ser ponderado da melhor maneira para que acata a sua real

finalidade de criação.

2.3 Princípios de interpretação constitucional

É claro que os direitos fundamentais têm uma alta carga de valor, ficando

possível a colisão entre eles, porque esses valores estão sujeitos a variações conforme as

mudanças da sociedade e, precisam de uma interpretação caso a caso de um juízo

discricionário.

53

Para que o intérprete, diante da colisão de direitos fundamentais, possa ter

segurança na escolha de um direito fundamental, existem princípios específicos no auxílio da

interpretação constitucional. Eles servem como condições para esta interpretação.

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie84.

Analisado na sua essência, os princípios constitucionais, são sem dúvida, um

resumo dos valores mais relevantes da ordem jurídica, constituindo a base de uma ordem

jurídica.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por Barroso85

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico....

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais....

Segundo Canotilho86, tem-se a verificação de alguns princípios.

O princípio da unidade da Constituição, motiva o exame do escrito

constitucional como um todo, como um sistema que precisa combinar cláusulas discrepantes,

brotando para o intérprete o gravame de detectar na Constituição as normas

84 BARROSO, op. cit., p. 149. 85 Ibidem, p. 151. 86 CANOTILHO, op. cit., pp. 1148-1151.

54

relacionadas ao caso, coligar eventuais conflitos entre elas e considerá-las em conjugado para

sua solução.

A concordância prática, ou princípio da harmonização, divulga uma

decorrência lógica do princípio da unidade da Constituição pois, idênticos aqueles, os valores

e direitos fundamentais carecem ser harmonizados, no caso palpável, por meio de cautela de

ajuizamento que vise consolidar ao máximo os direitos constitucionalmente resguardados, não

se necessitando, por meio de uma acelerada ponderação de bens ou valores in abstrato,

desamparar um direito a custa de prevalência do outro.

Também, muitas vezes anexado ao princípio da unidade da Constituição, está

o princípio do efeito integrador, que tem como acepção, que na solução dos embates, deve

dar-se prioridade aos discernimentos que beneficiam a relação política e social e o apoio da

integração política.

O princípio da máxima efetividade ou princípio da eficiência, ou ainda,

princípio da interpretação efetiva, consiste no fato de que tem que se dar a uma norma o

significado de maior eficácia que puder. É muito utilizado no caso de confronto entre os

direitos fundamentais.

E por última análise, cabe ressaltar o princípio da força normativa da

Constituição, que equivale dizer, que na resolução de problemas jurídicos, deve-se dar

preferência a interpretação que maior eficácia dará a uma lei fundamental.

2.4 As funções dos princípios constitucionais

Tem-se ciência que os princípios, juntamente com as regras, são normas

jurídicas. Os princípios, contudo, desempenham dentro do sistema normativo um papel

55

desigual ao das regras. Estas, por apresentarem casos hipotéticos, possuem o claro papel de

adequar, direta ou indiretamente, as relações jurídicas que se condizem nas molduras

peculiares por elas proporcionadas. Não é dessa maneira com os princípios, que são normas

genéricas dentro do sistema.

Para Canotilho87 os princípios são multifuncionais

Do discurso antecedente afigura-se legítima uma primeira ilação: aos direitos fundamentais não poderá hoje assinalar uma única dimensão (subjectiva) e apenas uma função (proteccção da esfera livre e individual do cidadão). Atribui-se aos direitos fundamentais uma multifuncionalidade, para acentuar todas e cada uma das funções que as teorias dos direitos fundamentais captavam unilateralmente.

José Albuquerque Rocha88, aponta pelo menos três funções aos princípios em

direito em geral: função fundamentadora; função orientadora da interpretação; e função de

fonte subsidiária.

Tem-se também, além dessas três funções mencionadas outras funções,

[...] qualificar, juridicamente, a própria realidade a que se referem, indicando qual a posição que os agentes jurídicos devem tomar em relação a ela, ou seja, apontando o rumo que deve seguir a regulamentação da realidade, de modo a não contravir aos valores contidos no princípio e, tratando-se de princípio inserido na Constituição, a de revogar as normas anteriores e invalidar as posteriores que lhes sejam irredutivelmente incompatíveis.89

Diz-se, assim, que os princípios têm eficácia positiva e negativa:

[...] por eficácia positiva dos princípios, entende-se a inspiração, a luz hermenêutica e normativa lançadas no ato de aplicar o Direito, que conduz a determinadas soluções em cada caso, segundo a finalidade perseguida pelos princípios incindíveis no mesmo; por eficácia negativa dos princípios, entende-se que decisões, regras, ou mesmo, sub princípios que se contraponham a princípios serão inválidos, por contraste normativo.90

87 CANOTILHO, op. cit., p. 1308. 88 ROCHA, José Albuquerque. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros ,1999, p.46. 89 Ibidem, p.47. 90 ESPÍNOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999, p. 55.

56

Dentre as funções do princípio, destaca-se que, eles são limitadores da

aspiração do aplicador do direito. Além deles servirem como base para interpretação,

servem assim, para que a justiça seja feita ao caso concreto, dentro de uma razoabilidade, e

quanto mais o magistrado procurar torná-los eficazes, mais válida será sua decisão. Em

contra partida, carecerá de legitimidade a decisão que desrespeitar esses princípios

constitucionais.

O princípio, enquanto “mandamento nuclear de um sistema”91, desempenha

formidável função de fundamentar a ordem jurídica em que se fixa, fazendo com que as

relações jurídicas, que entram ao sistema, busquem nos princípios constitucionais sua base.

Os princípios, assim, enquanto valores, são “a pedra de toque ou o critério com que se afere

os conteúdos constitucionais em sua dimensão normativa mais elevada.”92

Assim, José Albuquerque Rocha93,

[...] os princípios, até que por definição, constituem a raiz de onde deriva a validez do conteúdo das normas jurídicas. Quando o legislador se apresta a normalizar a realidade social, o faz, sempre, consciente ou inconsciente, a partir de algum princípio. Portanto, os princípios são idéias básicas que servem de fundamento ao direito positivo. Daí a importância de seu conhecimento para a interpretação do direito e elemento integrador das lacunas legais...

Vê-se, dessa maneira, que os princípios são utilizados como base das

disposições políticas fundamentais adotadas pelo constituinte, e apregoam as importâncias

superiores, que geram a invenção ou reorganização de um Estado. Ao findar um princípio,

perde-se os alicerces e as linhas mestras das instituições.

Verdadeiramente, a função principal dos princípios, talvez, seja a de servir

de norte para aquele que interpreta o direito.

91 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 230. 92 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 254. 93 ROCHA, op. cit., p. 46.

57

Essa função dos princípios, ou seja, a função orientadora da interpretação ou

função hermenêutica94, advém da necessidade de encontrar fundamentos para o direito. Nas

palavras de José Albuquerquer Rocha95,

[...] decorre logicamente de sua função fundamentadora do direito. Realmente, se as leis informadas ou fundamentadas nos princípios, então devem ser interpretadas de acordo com os mesmos, porque são eles que dão sentido às normas. Os princípios servem, pois, de guia e orientação na busca de sentido e alcance das normas.

Nesse mesmo entendimento encontra-se Edilsom Pereira de Farias96

Como cânone hermenêutico, os princípios são úteis em primeiro lugar para dirimir dúvidas interpretativas ao ajudar a esclarecer o sentido de determinada disposição de norma. Assim, os princípios orientam a interpretação, contudo, a singularidade dos princípios no campo da interpretação é que eles servem de guia para a sua própria aplicação. Isso acontece porque os próprios princípios carecem de interpretação, e o agente jurídico terá que primeiramente interpretar os princípios retores de sua interpretação.

Os princípios, servindo de bússola para a interpretação do direito, asseguram

à dupla interpretação da regra, uma interpretação que melhor se assemelhe com o princípio.

Servindo como fonte interpretativa, fica evidenciado sua função de limitação

à discricionariedade judicial, evitando que o magistrado evoque algo não baseado nas leis

existentes, pois tem-se que ter sempre como alicerce, um princípio para não fazer seu

julgamento de forma discricionária97.

Outra função dos princípios, é a de fonte subsidiária ou função regulativa.

Aprende-se que o ordenamento jurídico é completo, e que o juiz terá que

julgar a qualquer preço, nunca podendo alegar de que não é capaz de fazer um julgamento

justo, por não haver norma adequada para resolver a questão.

94 FARIAS, op. cit., p. 50. 95 ROCHA, op. cit., p. 47. 96 FARIAS, op. cit., p. 50. 97 FARIAS, op. cit., p. 51.

58

Dessa maneira, na categoria de fonte subsidiária do direito, os princípios

serviriam como componente integrador ou feitio de preenchimento de lacunas do

ordenamento jurídico, na presunção de deficiência da lei aplicável à condição típica.

Os princípios devem ser analisados, juntamente com a analogia e os

costumes. Se o juiz não encontra disposição legal capaz de resolver o caso concreto, deverá se

socorrer de outros meios que sejam eficazes para uma solução coerente.

Nos dizeres de José de Albuquerque Rocha98,

[...] nos casos de lacunas da lei, os princípios atuam como elemento integrador do direito. A função de fonte subsidiária exercida pelos princípios não está em contradição com sua função fundamentadora. Ao contrário, é decorrência dela. De fato, a fonte formal do direito é a lei. Como, porém, a lei funda-se nos princípios, estes servem como guia para a compreensão de seu sentido (interpretação), ou como guia para o juiz suprir a lacuna da lei, isto é, como critério para o juiz formular a norma ao caso concreto.

Mas, foi conferida normatividade aos princípios, tendo assim, um

aproveitamento obrigatório, afastando seu modo supletivo.

Foi explicitada, nesse capítulo, a força normativa dos princípios, não

podendo aceitar que o princípio seja reprimido à categoria de mero instrumento supletivo em

caso de lacuna da lei.

Também nesse entendimento, Edilsom Pereira de Farias99

Além da função hermenêutica, os princípios são fonte de Direito no caso de lacunas. Na ocorrência de omissão de lei (art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil), os princípios possibilitarão aos juízes a colmatação da lacuna, conduzindo, assim, a integração e desenvolvimento do direito. Nessa hipótese, os princípios são normas primárias que regulam imediatamente a conduta de seus destinatários, além de constituírem premissa da argumentação jurídica utilizada na aplicação dos mesmos.

98 ROCHA, op. cit., p. 47. 99 FARIAS, op. cit., pp. 51-52.

59

Em um caso concreto, havendo conflito entre lei e um princípio

constitucional, é claro que este último será aplicado, pois com a sua inserção na Constituição

Federal ficou demonstrada a sua força.

Conforme Paulo Bonavides100

[...] de antiga fonte subsidiária em terceiro grau nos Códigos, os princípios gerais, desde as derradeiras Constituições da segunda metade deste século, se tornaram fonte primária de normatividade, corporificando do mesmo passo na ordem jurídica os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional.

Fica claro assim, que os princípios constitucionais são de suma importância

para o mundo do direito e resolução de seus problemas, pois atuam como normas de conduta e

não simplesmente como orientador para a aplicação de outras normas.101

2.5 Existência ou não de hierarquia entre os princípios constitucionais

Assunto de muita polêmica, é o fato de os princípios encontrarem-se

escalonados de forma hierárquica ou não dentro do ordenamento jurídico.

Sabe-se que o ordenamento jurídico, está repleto de normas de diferentes

valores e diversos níveis normativos.

Como já analisado, os princípios estão inseridos nas normas jurídicas e se

essas são hierarquicamente escalonadas, pode-se, assim aceitar, que existe hierarquia entre os

princípios.

Nesse diapasão, Geraldo Ataliba citado por Ruy Samuel Espínola102 ressalta

que

100 BONAVIDES, op. cit., p. 254. 101 FARIAS, op. cit., p. 52. 102 ESPÌNOLA, op. cit., p. 165.

60

[...] o sistema jurídico [...] se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios que, de seu lado, assentam-se em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os princípios menores. Estes subordinam certas regras que, à sua vez, submetem outras [...].

E também, Norma Sueli Padilha103, mencionando Paulo Bonavides

E, à medida que os princípios foram colocados no topo da hierarquia constitucional contemporânea, a importância jurídica do valor assumiu uma dimensão de normatividade sem precedentes, já que ‘os princípios são valores e, sendo valores são também normas, com uma dimensão de juridicidade máxima’. Dessa forma, o reconhecimento dos princípios-valor enquanto norma, representa um grande avanço da ciência constitucional, que durante muito tempo concedeu, por meio das denominadas programáticas, um ‘salvo-conduto’ para as ‘omissões do constitucionalismo liberal no campo da positividade social do Direito.

Todavia, o problema não é tão simples assim. É necessária uma apreciação

um pouco mais aprofundada sobre o assunto.

Se houver a existência de princípios constitucionais e princípios

infraconstitucionais, dúvida não restará em afirmar que os princípios constitucionais são, em

ordem hierárquica, superiores aos infraconstitucionais.

Nesse sentido, encontra-se Oscar Vilhena Vieira104, ao analisar o parágrafo

3°, do artigo 5°, da Constituição Federal, onde trata de possível conflito entre uma norma

constitucional e um tratado

Essa discussão remete necessariamente à questão das cláusulas superconstitucionais ou pétreas de nosso ordenamento. Conforme disposto pelo art. 60, § 4°, IV, de nossa CF, não poderão ser objeto de deliberação aqueles projetos de emenda que tendem a abolir, entre outros valores, os direitos e garantias individuais. Neste sentido, parece que os direitos originalmente reconhecidos pela Constituição não podem ser suprimidos por direitos derivados de tratados, ainda que tenham sido aprovados com quorum de emenda.

103 PADILHA, op. cit., pp. 127-128. 104 VIEIRA, op. cit.,p. 42.

61

Sobre o assunto, Maria Helena Diniz105 se manifesta citando Hans Kelsen

Logo, se as normas conflitantes, total ou parcialmente, forem postas, concomitantemente, com um só ato do constituinte e pertencentes ao mesmo escalão, os critérios lex superior derrogat legi inferiori e lex posteriori derrogat legi priori não poderão ser aplicados: assim, se as normas forem totalmente antinômicas, dever-se-á interpretar o fato no sentido de que se deixou ao órgão aplicador a opção entre elas; se forem parcialmente conflitantes, deve-se entender que uma limita a eficácia da outra; se impossível for qualquer uma dessas interpretações, deve-se concluir que o constituinte prescreveu algo sem sentido.

Mas, a complicação advém, quando trata-se exclusivamente dos princípios

constitucionais. O já citado Geraldo Ataliba106, ao abordar a propósito dos princípios

encontrados na Constituição assegura que

[...] mesmo no nível constitucional, há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionada pelos princípios. Estes harmonizam, em função da hierarquia entre eles estabelecidas, de modo a assegurar plena coerência interna ao sistema [...].

Aparentemente, produz-se um entendimento de que existe sim, uma

hierarquia entre os princípios constitucionais. Mas, não é evidente que seja desta maneira.

O que entende-se, é que em um mesmo plano constitucional, existem normas

cujo devaneio é mais intenso que as outras.

Citando novamente Oscar Vilhena Vieira107

O que se pode dizer sem maior medo, no entanto, é que ao alertar para a existência de direitos fundamentais decorrentes da Constituição, portanto não expressos em seu texto, o constituinte originário buscou deixar uma porta aberta aos intérpretes da Constituição para o alargamento dos direitos por ela defendidos.

Dessa forma, é possível haver ocorrências em que existam normas

constitucionais em visível conflito, cogitadas entre si, o que não, necessariamente, constitui

105 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 63-64. 106 ESPÌNOLA, op. cit., p. 65. 107 VIEIRA, op. cit., p.44.

62

pronunciar, que uma ou outra, é hierarquicamente elevada quando encontradas em um mesmo

plano.

É sabido que um direito fundamental é reconhecido como tal, para

que ele tenha um grau de superioridade mais elevado que os outros direitos, não ditos

fundamentais.

Ficam esses direitos, no ápice de uma hierarquia, caso haja um conflito de

direitos, os mencionados direitos fundamentais estarão no topo das escolhas públicas.

Assim, toda vez que houver conflitos entre direitos, analisar-se-á, se entre eles, existe um

direito dito fundamental. Se assim houver, não restará dúvida de que esse é que deverá

prevalecer, pois existe sobre ele um manto, que o protege de todo e qualquer confronto entre

direitos.

Oscar Vilhena Vieira108 sobre o assunto dita,

Ainda no que se refere à hierarquia das normas de direitos fundamentais, a CF estabelece, por intermédio de seu art. 60, § 4°, IV, que não poderão ser objeto de deliberação as emendas tendentes a abolir ‘os direitos e garantias individuais’. Deve isto significar que as emendas, para efeito de abolição dos direitos fundamentais, devem receber o mesmo tratamento das lei e demais atos normativos infraconstitucionais? Se restringirem um direito fundamental, devem simplesmente ser consideradas inválidas? Em outras palavras, deu-se aos direitos fundamentais uma posição de supremacia não apenas frente às normas infraconstitucionais, mas também sobre atos que se incorporariam à Constituição, com a mesma hierarquia das demais normas constitucionais? Sim, o constituinte de 1988 parece ter criado uma superesfera de proteção aos direitos fundamentais, entrincheirando-os contra os ataques eventualmente perpetrados pelo legislador, seja ele ordinário ou reformador.

Sobre cláusulas pétreas André Ramos Tavares109 dita

Inserem-se na mesma noção de normas de alta relevância, porque, nesse caso, foram dotadas de uma garantia também especial: a imutabilidade. Quando a Constituição preceitua que não poderá ser objeto de emenda constitucional a proposta tende a abolir: “I - a forma federativa de Estado; II – o voto direito, secreto, universal e periódico; III – a separação dos poderes; IV – os direitos e garantias individuais’(§4°do art. 60), ‘o que finalmente propicia é uma proteção agregada em benefício de certas partes da Carta que o constituinte considerou credoras de um plus

108 VIEIRA, op. cit., pp. 48-49. 109 TAVARES, op. cit., p. 95.

63

de segurança. (...) Quer isto dizer que implicitamente se reconhece a estes uma certa importância, a suficiente para endurecer seus mecanismos de garantia”.

Fica evidenciado, dessa maneira, que os direitos fundamentais, são

considerados limites diante de qualquer vontade, por serem consideradas cláusulas pétreas.

Mas, em alguns casos, poderá ocorrer um choque entre esses direitos

fundamentais, gerando assim, um grande impasse.

2.6 Colisão entre normas constitucionais e critérios que resolvem a colisão de regras

A palavra antinomia, tem como significado, o conflito advindo dentre

dois ou mais preceitos, quando estes se contrapõem ou se contrariam, e para que esses

conflitos sejam solucionados, é preciso um sistema jurídico capacitado para tal resolução.

Ao conflito entre duas normas, entre dois princípios ou entre uma norma

e um princípio, dá-se o nome de antinomia110.

Canotilho111 dita que o fato de existirem “fenômenos de tensão” entre os

diversos princípios existentes, é porque a Constituição é um sistema aberto de princípios,

e esse fato se dá devido ao compromisso social das várias idéias diferentes e muitas vezes

antagônicas. E continua

A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a conseqüente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma <lógica do tudo ou nada>, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o <seu peso> e as circunstâncias do caso.112

110 DINIZ, op. cit., p. 15. 111 CANOTILHO, op. cit., pp. 1107-1108. 112 Ibidem, p. 1108.

64

Existem diferentes critérios encontrados para a solução dos conflitos de

regras.

O primeiro critério a ser analisado, é o da hierarquia, onde a lei superior

derroga a lei inferior. Sempre que existir um conflito entre duas normas constitucionais, será

analisado, independente de qualquer outro critério, o fator da superioridade da norma. Uma

norma de nível mais alto terá preferência à outra norma de nível inferior. Assim, a

Constituição sempre terá a preferência entre as demais leis.

O critério cronológico é o segundo critério adotado para resolução dessas

colisões, ou seja, lei posterior derroga lei anterior. Aqui, a lei que advém depois, tem

preferência à lei que veio primeiro. As normas têm que estar no mesmo patamar, ou ambas

estarão dentro da Constituição ou ambas estarão, por exemplo, dentro de leis, caso contrário

recairá sobre elas o primeiro critério já analisado. Equivale a edição da norma, a última a ser

editada, fica predominante.

O último critério a ser analisado, será o da especialidade, onde a norma

especial terá preferência à norma geral. Uma norma é especial, quando traz consigo um algo a

mais que a norma geral não trouxe. Ela tem tudo o que a norma geral tem e um plus a mais,

traz detalhes da matéria analisada que a norma geral não traz.

Aplicando-se esses critérios caberá, provavelmente, uma solução ao caso

concreto, juntamente com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

2.6.1 Princípio da razoabilidade

O princípio da razoabilidade não está claramente inserido, de forma

expressa, na Constituição Federal de 1988. Isto, entretanto, não consente se conclui, estar este

65

princípio distante do sistema constitucional nacional, pois, é admissível auferi-lo tacitamente

de alguns dispositivos constitucionais, como, além do mais, vem sendo reconhecido pela

jurisprudência dos tribunais brasileiros.

A redação final da Constituição de 1988, todavia, excluiu a menção expressa ao princípio da razoabilidade. É certo, todavia, que se inscreveu, expressamente, no inciso LIV do art. 5° do due process of law, com a dicção seguinte: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’.113

Este princípio, está intimamente ligado com a garantia do devido processo

legal, e o princípio da igualdade, e é uma decorrência do Estado Democrático de Direito,

tendo seu ápice na Constituição norte-americana. Para muitos autores, ele se funde com o

princípio da proporcionalidade, mas para uma melhor apreciação, ambos serão analisados

separadamente.

Não se pode confundir, de maneira alguma, razoabilidade com a garantia do

devido processo legal. A razoabilidade, é um princípio geral de interpretação, existente para a

segurança de todos os princípios e garantias constitucionais, e não somente do devido

processo legal.

O princípio da razoabilidade está densamente unido aos princípios da

interpretação constitucional. É base forte para que se tenha uma interpretação correta dos

escritos constitucionais, apresentando uma opção de ação do juiz para a produção do mais

perfeito resultado.

Suzana Toledo Barros114, enseja razoabilidade como sendo

Desde logo uma idéia de adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, eqüidade, traduz aquilo que não é absurdo, tão-somente o que é admissível.

113 BARROSO, op. cit., p. 231. 114 BARROS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, p. 68.

66

Razoabilidade tem, ainda, outros significados, como por exemplo, bom senso, prudência e moderação.

Para Barroso115,

O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.

A razoabilidade é um misto de valores a serem analisados na atuação do

Estado. Ela pode ser chamada de razoabilidade interna116, que é a avaliada dentro da lei e

traz um afinidade entre os motivos, os meios e os fins. É preciso uma relação coerente entre

os três, para que não se rompa o nexo de aplicação da razoabilidade.

Há também a razoabilidade externa117 da norma, que consiste numa

adequação à Constituição Federal. Não basta a norma ter razoabilidade interna, ter nexo, é

preciso ter uma razoabilidade perante a Lei Maior. Se a lei desobedecer a valores anunciados

ou não, no texto constitucional, não será autêntica nem razoável à luz da Constituição, ainda

que o fosse internamente.

De fato, a aferição da razoabilidade importa em um juízo de mérito sobre os atos editados pelo Legislativo, o que interfere com o delineamento mais comumente aceito da discricionariedade do legislador. Ao examinar a compatibilidade entre meio e fim, e as nuances de necessidade-proporcionalidade da medida adotada, a atuação do Judiciário transcede à do mero controle objetivo da legalidade. E o conhecimento convencional, como se sabe, rejeita que o juiz se substitua ao administrador ou ao legislador para fazer sobrepor a sua própria valoração subjetiva de dada matéria. A verdade, contudo, é que, ao apreciar uma lei para verificar se ela é ou não arbitrária, o juiz ou o tribunal estará, inevitavelmente, declinando o seu próprio ponto de vista do que seja racional ou razoável.118

115 BARROSO, op. cit., p. 219. 116 Ibidem, p. 221. 117 Ibidem, p. 221. 118 BARROSO, op. cit., p. 225.

67

No Brasil o princípio da razoabilidade é aplicado de forma ainda tímida,

pois é dado ao Poder Público muito espaço para que ele atue de forma discricionária.

Assim, comenta Paulo Bonavides119 que a razoabilidade é axioma do direito constitucional

moderno, funcionando como regra que limita a ação do poder estatal na esfera da

juridicidade.

Assim,

[...] o princípio da razoabilidade é um mecanismo de controle da discricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou atos administrativos quando: (a) não haja relação de adequação entre o fim visado e o meio empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; (c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha.120

O princípio da razoabilidade está infimamente entrelaçado com o princípio

da isonomia, pois que para criar leis incide em discriminar, por demasiados discernimentos,

fatos e indivíduos. Desta maneira, a razoabilidade será o ponto chave para se verificar se a

diversificação é positiva e legítima.121

2.6.2 Princípio da proporcionalidade

Como mencionado no item anterior, a proporcionalidade e a razoabilidade,

para uma boa parte da doutrina e do Supremo Tribunal Federal, não podem ser consideradas

como sinônimos, mesmo pressupondo que ao falar em razoabilidade fala-se em

proporcionalidade.

119 BONAVIDES, op. cit., p. 436. 120 BARROSO, op. cit., p. 239. 121 Ibidem, p. 239.

68

Para Canotilho122 também é evidente a diferença de conceitos

O princípio da proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao problema da limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições administrativa de liberdade individual. É com este sentido que a teoria do estado o considera, já no séc. XVIII, como máxima suprapositiva, e que ele foi introduzido, no séc. XIX, no direito administrativo como princípio geral do direito de polícia. Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso, foi erigido à dignidade de princípio constitucional. Discutido é o seu fundamento constitucional, pois enquanto alguns autores pretendem derivá-lo do princípio do estado de direito, outros acentuam que ele está intimamente conexionado com os direitos fundamentais. Na qualidade de regra de razoabilidade – desde cedo começou a influenciar a jurisprudência dos países de Common Law. Através da regra da razoabilidade, o juiz tentava (tenta) avaliar caso a caso as dimensões do comportamento razoável tendo em conta a situação de facto e a regra do precedente. Hoje, assiste-se a uma nítida europeização do princípio da proibição do excesso através do cruzamento das várias culturas jurídicas européias.

Tanto o princípio da proporcionalidade, quanto o princípio da razoabilidade,

têm como finalidade apresentar critérios à restrição da ação do Poder Público, dando base à

aplicação dos direitos fundamentais dos indivíduos.

No direito nacional é defendido a impossibilidade de se separar os dois

princípios mencionados, havendo até quem diga que a proporcionalidade é uma faceta do

princípio da razoabilidade123.

O Direito Administrativo aplicou o princípio da proporcionalidade como um

desenvolvimento do princípio da legalidade, ficando, o conceito de proporção unido

exclusivamente as penalidades. Após, passou-se a decretar que as ações administrativas

fossem adaptadas a execução dos desígnios da lei, e que os meios utilizados não arranhassem

em demasiado os direitos dos cidadãos124.

Para a autora ora mencionada, Suzana de Toledo Barros125,

[...] a expressão proporcionalidade tem um sentido literal limitado, pois a representação mental que lhe corresponde é a de equilíbrio: há nela, a idéia

122 CANOTILHO, op. cit., pp. 261-262. 123 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 68. 124 BARROS, op. cit., p. 35. 125 Ibidem, p. 71.

69

implícita de relação harmônica entre duas grandezas. Mas a proporcionalidade em sentido amplo é mais do que isso, pois envolve também considerações sobre a adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de um determinado direito.

Segundo Humberto Ávila126,

“...pode-se definir o dever da proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados.”

O princípio da proporcionalidade para os alemães, leva o nome de proibição

de excesso, e para os americanos de razoabilidade.

O princípio da proporcionalidade se divide em três outros subprincípios: da

adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, sendo os três aplicados

juntamente, conseguirão atingir o que procura o operador do direito.

O princípio da adequação, também conhecido como princípio da idoneidade,

é o primeiro a ser analisado dentro do princípio da proporcionalidade. Inicialmente, verifica-

se se o meio selecionado foi propício para o surgimento do resultado. Assim, leva-se em

consideração a eficácia do melhor meio para a obtenção do fim almejado.

Assim, Suzana de Toledo Barros127, cita sobre os princípios da adequação e

da proporcionalidade

Entendido o princípio da proporcionalidade como parâmetro a balizar a conduta do legislador quando estejam em causa limitações aos direitos fundamentais, a adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida, pois, se não for apta para tanto, há que ser considerada inconstitucional.

126 ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever da proporcionalidade. Revista do Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 215, p. 175, jan/mar 1999. 127 BARROS, op. cit., p. 74.

70

Por esse princípio, pode-se perceber que necessitam ser adotados conceitos

adequados à abrangência da intenção calculada no preceito que pretende exercer. A avaliação

utilizada deve ser relacionada à consecução dos fins da lei. Segundo Canotilho128, a

adequação

Pressupõe a investigação e a prova de que o ato administrativo é apto para e conforme os fins justificativos de sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Este controlo, há muito debatido relativamente ao poder discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece maiores dificuldades quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade de conformação do legislador.

Não há necessidade de a adequação ser totalmente fiel ao meio e ao fim

desejado, podendo existir uma adequação parcial entre meio e fim, pois o juízo de adequação

se dará na presença do caso concreto e a lei é uma vontade de quem a criou, sendo apenas

abstrata, e somente o tempo dirá seus problemas129.

É conciso que as medidas abraçadas pelo Poder Público se desvendem capaz

de abranger os escopos almejados.

Canotilho130 também reconhece o princípio da adequação como sendo

princípio da conformidade e dita que

[...] impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Conseqüentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim. Este controlo, há muito debatido relativamente ao poder discricionário e ao poder vinculado da administração, oferece maiores dificuldades quando se trata de um controlo do fim das leis dada a liberdade de conformação do legislador.

128 CANOTILHO, op. cit., p. 264. 129 BARROS, op. cit., 75. 130 CANOTILHO, op. cit., p. 264.

71

Resumindo, o princípio da adequação parte da apreciação do nível de

eficácia dos meios disponíveis para abranger o fim desejado, verificando a sua

idoneidade.

Após avaliado o princípio acima, será a vez de analisar se o meio selecionado

é necessário. O princípio da necessidade consiste em verificar qual será o menor prejuízo para

o indivíduo, será aplicada a solução que for menos grave.

O princípio da proporcionalidade vida permitir um perfeito equilíbrio entre o

fim almejado e o meio empregado. No entendimento de Humberto Ávila a proporcionalidade,

então, “destina-se a estabelecer limites concreto-individuais à violação de um direito

fundamental – a dignidade da pessoa humana – cujo núcleo é inviolável.”131

Esse princípio também é conhecido como princípio da exigibilidade ou

menor ingerência possível, pois exige a constatação de que para atingir determinada

finalidade não teria outra opção possível menos onerosa para o indivíduo.132

Estabelece que o Poder Judiciário descubra se o meio empregado para atingir

a finalidade querida, é que lança menor detrimento aos indivíduos do caso concreto, que

dentre as medidas existentes foi sugerida a menos grave, e que menos reduzia os direitos

fundamentais do indivíduo.

Canotilho133 acrescenta que

O princípio da exigibilidade não põe em crise, na maior parte dos casos, a adopção da medida (necessidade absoluta) mas sim a necessidade relativa, ou seja, se o legislador poderia ter adaptado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos.

131 ÁVILA, op. cit., p. 151. 132 CANOTILHO, op. cit., p. 264. 133 CANOTILHO, op. cit., p. 265.

72

Suzana de Toledo Barros134

O pressuposto do princípio da necessidade é que a medida restritiva seja indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa. Assim, explicam-se os dois núcleos (ou subprincípios) a que LERCHE referiu-se: o meio mais idôneo e a menor restrição possível.

E menciona ainda

[...] se se puder afirmar a arbitrariedade da eleição de uma medida restritiva em face da ausência de autorização para que o legislador possa efetivá-la, não se estará diante de um caso de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da proporcionalidade, mas de um caso de desrespeito à Constituição por violação do princípio da reserva da lei. Um exame preliminar, para se certificar de que o legislador está autorizado a impor restrições a determinado ou determinados direitos fundamentais, revela-se indispensável. A sujeição de uma lei restritiva de direito ao controle da proporcionalidade tem como pressuposto ter sido examinada a questão dessa autorização.135

Descobrindo-se que o meio utilizado não é o melhor para ser empregado,

ferindo claramente o princípio da proporcionalidade, é indispensável que se mencione outra

medida para ser aplicada. Não é cabível, a utilização de um meio qualquer, somente para

garantir um fim desejado. É necessário que não se afete os direitos fundamentais do cidadão, e

que se tenha pleno contentamento na intenção legal.

Dessa maneira,

A necessidade de uma medida restritiva, bem de ver, traduz-se por um juízo positivo, pois não basta afirmar que o meio escolhido pelo legislador não é o que menor lesividade causa. O juiz há de indicar qual o meio mais idôneo e por que objetivamente produziria menos conseqüências gravosas, entre os vários meios adequados ao fim colimado. ALEXY caracterizou-a da seguinte forma: para a consecução de um fim F, exigido por um direito D1, existem, pelo menos, dois meios, M1 e M2, que são igualmente adequados para promover F. M2 afeta menos intensamente o titular D1, já que M1 restringe um outro direito seu D2. Para atingir F e realizar D1 é indiferente se eleja M1 ou M2, mas para o titular dos direitos D1 e D2 só M2 é exigível136

134 BARROS, op. cit., p. 76. 135 BARROS, op. cit., p. 77. 136 Ibidem., p. 78.

73

Assim, verifica-se que nem sempre o que é adequado será necessário, mas

sempre o que for necessário será adequado, e que a necessidade de uma restrição de direito

fundamental deverá sempre vir acompanhada de provas.

O último princípio a ser analisado, dentro do princípio da proporcionalidade,

e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

É o complemento ao princípio da adequação e da necessidade, pois esses

dois muitas vezes não são capazes de decretar a justiça ao caso concreto.

Assim, o princípio da proporcionalidade strictu sensu, complementando os princípios da adequação e da necessidade, é de suma importância para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido. A idéia de valores e bens é exalçada137.

Dessa maneira, fica certo que o juiz, além de analisar a adequação e a

necessidade do meio para a obtenção de um fim, tem também que verificar se há um

desequilíbrio nessa relação onde o enfoque é dado à preferência de um interesse ou bem sobre

outro.

Diferentemente dos princípios da adequação e da necessidade, é aqui que

será ponderada a inconstitucionalidade da lei, verificando que uma lei, ao dar um certo tipo de

garantia ao direito de um indivíduo, esbarra com outra lei, afetando outro direito, ocorrendo o

que se chama de colisão entre direitos.

Mais uma vez mencionando Suzana de Toledo Barros138,

Representando esta situação, ter-se-ia que, se o meio M1 propicia a melhor realização do direito D1, mas impõe uma carga coativa exacerbada ao direito D2, está autorizada uma ponderação entre as vantagens proporcionadas a D1 e o prejuízo a D2, de maneira que o juiz pode concluir pela inviabilidade da medida adotada, em razão da desproporção verificada entre o meio utilizado e o resultado obtido.

137 BARROS, op. cit., p. 80. 138 Ibidem., p. 81.

74

Em conformidade com o mencionado, Canotilho139 explana

Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coactiva da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como princípio da ‘justa medida’. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de medida ou desmedida para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

Conforme o princípio da proporcionalidade strictu sensu, é almejado obter

parâmetros para a decisão dos conflitos ocorridos entre princípios constitucionais, onde o

Poder Judiciário é convocado a determinar pela prioridade de um princípio em prejuízo de

outro ou outros, perfilhados corretos pelo ordenamento constitucional. Esse princípio, percebe

os princípios, como preceito de otimização relacionado às possibilidade jurídicas, enquanto

que os princípio da adequação e da necessidade recorre-se às probabilidades de fato.

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito, juntamente com os

princípios da adequação e da necessidade, forma o já estudado princípio da

proporcionalidade.

Após feita a análise dos caminhos percorridos para uma possível solução da

colisão de direitos fundamentais, passa-se a demonstrar algumas dessas colisões e suas

soluções.

139 CANOTILHO, op. cit., p. 265.

75

III. A COLISÃO ENTRE O DIREITO À VIDA E O DIREITO À

LIBERDADE

O direito à liberdade e o direito à vida, ambos analisados no primeiro

capítulo, inúmeras vezes colidem entre si. Não é possível afirmar, que sempre, o direito à

vida sobreporá qualquer outro direito fundamental, pois dessa maneira ficaria fácil a resolução

de colisões quando tivesse um direito à vida ameaçado por qualquer outro direito

fundamental.

Exemplo claro, é que, se o direito à vida fosse sempre superior aos demais

direitos, não seria aceito pelo Código Penal o aborto em caso de estupro, pois não existe risco

à vida da mãe em relação ao feto. Aqui, conflitam dois direitos fundamentais: o direito à vida

do feto e o direito à honra da mulher, que foi vitimada pela violência. O legislador, preferiu,

ao avaliar os interesses jurídicos avaliados, prestigiar a honra da mulher em prejuízo da vida

do feto, ou seja, prevalece o direito à dignidade da pessoa humana frente ao direito à vida.

A colisão se dará pelo simples fato de que os direitos fundamentais não são

ilimitados e absolutos, surgindo assim uma certa relatividade, que somente será solucionada

frente ao caso concreto.

Cada caso concreto tem peculiaridades que só ao analisá-lo, individualmente

e isoladamente, é que poderá ter uma decisão acertada e única.

Será feito uma abordagem dos temas que conflitam direito à vida com a

liberdade religiosa, em particular com a religião Testemunhas de Jeová e sua opção por não

poder fazer transfusão de sangue; e também, a colisão ocorrida entre o direito à vida e o

direito à liberdade de opção da mãe pelo aborto, tanto de fetos normais quanto de fetos

anencefálicos.

76

3.1 O direito à vida em conflito com a liberdade de escolha religiosa pela religião

Testemunhas de Jeová140

Inúmeras religiões foram criadas, devido ao fato dessa multiplicidade, que se

deu graças ao alargamento das opiniões da coletividade e da garantia à liberdade religiosa.

Assim, surge também, a obrigação de uma absorção das situações a elas intrínsecas, na

acepção de ter uma compreensão social.

Dessa maneira, surgiu a Religião Testemunhas de Jeová, conhecida por ser

um grupo religioso que atribui sua doutrina a uma revelação divina especial.

Encontra-se em evidência na mídia e no Judiciário, pelo fato de que essa

denominação não permite seus componentes a se submeterem a transfusões de sangue, total

ou parcial, ou seja, de seus componentes primários, glóbulos vermelhos e brancos, plaquetas e

plasma. Acredita ser proibido essa intervenção pela interpretação por parte de algumas

passagens bíblicas.

Dessa maneira, como em qualquer outra religião, diversos dogmas fazem

parte do ensinamento das Testemunhas de Jeová, sendo que o fato de não acolherem terapia

médica com transfusão de sangue é de saber público, e gerador de ampla polêmica no meio

médico e jurídico.

Os membros da Testemunhas de Jeová, crêem tão piamente em suas bases

religiosas, que receber sangue é proibido de qualquer forma, mesmo sendo uma emergência

que coloque em risco a vida do paciente, criando assim, um impasse jurídico, pois se a

transfusão não for realizada, há a possibilidade de seqüelas irreversíveis ou até mesmo a

morte do paciente; ou, se houver a transfusão, o religioso poderá se sentir rejeitado por seu

grupo, perdendo até mesmo, parte de sua identidade, ficando caracterizado assim para sempre,

140 Jornal Tribuna do Brasil, 21 de junho de 2006. Disponível em: http://www.tribunadobrasil.com.br/ imprimir.php?ned+1719&ntc+21630 Acesso em: 08 maio 2007.

77

pois mesmo que se cure da doença física, a vida espiritual do paciente com Deus, ficará

possivelmente comprometida, conforme sua crença.

E, mais uma vez, é aqui que surge uma colisão de direito fundamental, pois

ambos são direitos assegurados pela Constituição Federal, em seu artigo 5°; a liberdade de

crença, de consciência e de culto e também o direito à vida.

Como já mencionado, o direito à vida é a base de qualquer outro direito

humano. A Constituição Federal, dita que o direito à vida é fundamental e inviolável, devendo

ser protegido com prioridade, pois serve de suporte para o exercício dos demais direitos.

Para José Afonso da Silva141,

Vida, no texto constitucional (art. 5°, caput) não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.

A vida não é somente considerada como um interesse individual, mas como

um interesse de toda uma comunidade, onde o Estado tem o empenho de preservá-la.

Ao indivíduo cabe fazer tudo que a lei não o proíba, ficando livre para fazer

suas escolhas pessoais, incluindo o direito à liberdade religiosa, pressupondo a sua livre

manifestação, que pode vir a colidir com o direito fundamental à vida.

Assim, há que se entender que o direito à liberdade de consciência e de

crença, são importâncias desiguais, que se equiparam no grau que a Constituição abriga a

recusa à prática de alguns atos, devido à autonomia pessoal, que pode ou não ser de ordem

religiosa. Define-se, dessa forma, que a recusa dar-se-á por pretextos de foro pessoal,

141 SILVA, op. cit., p. 201.

78

consolidando em persuasões pessoais, e será garantida, desde que não contradiga a ordem

pública ou não ofenda outro valor que, considerando o caso concreto, imponha-se como

elevado e, assim, impere.

Atualmente, em muitos casos, devido ao avanço da medicina, não é

mais necessária a transfusão de sangue em algumas cirurgias. Existe já hoje, um bisturi

que ao cortar, cauteriza os vasos sanguíneos, evitando uma grande perda de sangue. Nas

cirurgias de coração, existe a utilização de uma máquina parecida com as de hemodiálises,

que mantém o sangue do paciente circulando fora do corpo sem precisar passar pelo

coração142.

Mas, mesmo com toda essa nova tecnologia, nem sempre é possível evitar a

morte se não for feita uma transfusão sangüínea, e é esse conflito que deve ser resolvido.

Para Edílsom Pereira Farias143, ao tratar sobre a solução para colisão de

princípio, dita que

[...] não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso ou importância relativa de cada princípio, a fim de escolher qual deles no caso concreto prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro.

Analisado o caso concreto, e tendo em mente que nenhum direito

fundamental é tido como absoluto, deve-se ponderar os princípios envolvidos, para que a

conclusão final provoque o mínimo de prejuízo ao princípio não priorizado no caso real. Essa

colisão, não se demonstra totalmente sem definição, é perfeitamente possível na medida que

se utiliza mecanismos específicos da Interpretação Constitucional, já analisados no capítulo

anterior, buscando-se harmonizar os valores envolvidos.

142 Jornal Tribuna do Brasil, 21 de junho de 2006. Disponível em: http://www.tribunadobrasil.com.br/imprimir. php?ned+1719&ntc+21630. Acesso em: 08 maio 2007 143 FARIAS, op. cit., p. 208.

79

Nesse sentido, tem-se Norma Sueli Padilha144

A metodologia da interpretação busca a apreensão do sentido das normas para a exata compreensão jurídica dos casos concretos, para o que não pode prescindir da utilização dos diversos métodos de interpretação, muito embora sem esperar que se resolva, definitivamente, a problemática que trava a luta das teorias da interpretação jurídica.

Ainda sobre interpretação, afirma Engisch, citado também por Norma145

[...] que bem pode ter razão aqueles que dizem que a questão do correcto método interpretativo, quer dizer, do escopo último da interpretação, não pode ser decidida de uma vez por todas no sentido desta ou daquela doutrina, mas antes, está esse método na dependência das particulares tarefas que lhe cumpra levar a cabo. Aplicado ao Direito significa isto que depende da função jurídica da interpretação, da atitude do intérprete perante a lei em cada caso e, em certas circunstâncias, mesmo da estrutura da ordem jurídica e de regras legais positivas, a questão de saber qual dos métodos é o correcto.

Dessa forma também, Farias146 traz que para a saída da colisão é necessário

que se use a metodologia proposta pela doutrina

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, caberia inicialmente ao interprete-aplicador, determinar o tatbestand (âmbito de proteção) dos direitos envolvidos, isto é, aquelas situações de fato protegidas pela norma constitucional, com o escopo de verificar a existência ou não de uma verdadeira colisão, porquanto esta primeira etapa poderia excluir desde logo a hipótese de colisão, sendo esta apenas aparente.

Nesse caso, de negativa de transfusão de sangue pelas Testemunhas de

Jeová, é evidente que a colisão não é somente aparente, ficando ultrapassada a fase de

verificação de conflito.

Assim, após certificada a existência de uma colisão de direitos fundamentais,

cabe ao intérprete-aplicador, de acordo com Edílsom Pereira de Farias147, solucionar o

conflito através da realização de uma ponderação dos bens envolvidos, apontando sempre o

144 PADILHA, op. cit., p. 58. 145 Idem. 146 FARIAS, op. cit., p. 121. 147 Ibidem, p. 122.

80

mínimo sacrifício dos interesses em jogo, podendo conduzir-se pelos princípios da unidade

da Constituição, da concordância prática e da proporcionalidade, e outros, trazidos pela

doutrina.

É necessária a utilização da técnica da ponderação entre os valores em

conflito, na qual o intérprete, ao final, usa principalmente, da proporcionalidade, efetuando

opções, mas sempre vislumbrando consolidar ao máximo os direitos constitucionalmente

resguardados. Assim, cumpre averiguar o teor especial dos valores em embate em cada

hipótese do caso real.

E citando Alexy, o mesmo autor 148 continua

Conquanto o princípio da concordância prática não exija uma ponderação entre os direitos colidentes “em termos matemáticos” ou “quantitativamente mensuráveis”, todavia, o processo da ponderação é racional, isto é, podem ser fundamentados os enunciados que estabelecem as condições de harmonização e, se for necessário, a preferência de um direito sobre outro oposto num caso concreto de direitos fundamentais. Uma fundamentação consiste, segundo R. Alexy, na ponderação, a saber: “a afetação de um direito só é justificável pelo grau de importância de satisfação de outros direito oposto.”

Mais uma vez Alexy, agora citado por Canotilho149

[...] necessidade as regras do direito constitucional de conflitos deverem construir-se com base na harmonização de direitos, e, no caso de isso ser necessário, na prevalência ( ou relação de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro (D1 P D2). Todavia, uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro (D1 P D2)C, ou seja, um direito (D1) prefere (P) outro (D2) em face das circunstâncias do caso (C).

Canotilho150 cita que

A ponderação é um modelo de verificação e tipificação da ordenação de bens em concreto. Não é, de modo algum, um modelo de abertura para uma justiça “casuística”, “impressionística” ou de “sentimentos”. Precisamente por isso, é que o método de balancing não dispensa uma cuidadosa topografia do conflito nem uma justificação da solução do conflito através da ponderação.

148 FARIAS, op. cit., p. 124. 149 CANOTILHO, op. cit., p. 1194. 150 Ibidem, p. 1163.

81

Para Alexandre de Moraes151, “O direito à vida tem um conteúdo de proteção

positiva que impede configurá-lo como direito de liberdade que inclua o direito à própria

morte”.

Acredita-se ser o direito à vida um direito preponderante, e a transfusão

sangüínea deve ser feita, protegendo-se a vida em detrimento da liberdade religiosa.

Em 1995, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferiu a seguinte

decisão152:

Cautelar. Transfusão de sangue. Testemunhas de Jeová. Não cabe ao Poder Judiciário, no sistema jurídico brasileiro, autorizar ou ordenar tratamento médico-cirúrgico e/ou hospitalares, salvo casos excepcionalíssimos e salvo quando envolvidos os interesses de menores. Se iminente o perigo de vida, é direito e dever do médico empregar todos os tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade deste, e de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada por motivos religiosos. Importa ao médico e ao hospital demonstrar que utilizaram a ciência e a técnica apoiadas em séria literatura médica, mesmo que haja divergências quanto ao melhor tratamento. O judiciário não serve para diminuir os riscos da profissão médica ou da atividade hospitalar. Se transfusão de sangue for tida como imprescindível, conforme sólida literatura médico-científica (não importando naturais divergências), deve ser concretizada, se para salvar a vida do paciente, mesmo contra a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que haja urgência e perigo iminente de vida (art.146, §°3, inc.I, do Código Penal). Caso concreto que não se verificava tal urgência. O direito à vida antecede o direito direito à liberdade, aqui incluída a liberdade de religião. É falácia argumentar com os que morrem pela liberdade, pois aí se trata de contexto fático totalmente diverso. Não consta que morto possa ser livre ou lutar por sua liberdade. Há princípios gerais de ética e de direito, que aliás norteiam a carta das Nações Unidas, que precisam se sobrepor às especificidades culturais e religiosas; sob pena de se homologarem as maiores brutalidades; entre eles estão os princípios que resguardam os direitos fundamentais relacionados com a vida e a dignidade humanas. Religiões devem preservar a vida e não extermina-la [...] Abrir mão de direitos fundamentais, em nome de tradições, culturas, religiões, costumes, é, queiram ou não, preparar caminho para a relativização daqueles direitos e para que venham a ser desrespeitados por outras fundamentações, inclusive políticas [...]. É o voto.

Dessa maneira, as sentenças judiciais têm chegado à conclusão de que deve

priorizar o direito à vida, hipótese básica, como já dito, a prática da liberdade religiosa.

Após a morte, não será admissível exercer algum tipo de liberdade, nem ao menos batalhar

por ela.

151 MORAES, op. cit., p. 320. 152 TJRGS. Apelação Cível n° 595000373. 6ª C.C. Rel. Des. Sérgio Gischkow Pereira. Julgada em 28.03.1995.

82

Assim foi a decisão, datada em 30 de julho do corrente ano, da juíza Luciana

Monteiro Amaral, autorizando os médicos do Hospital São Salvador a fazer transfusão

sangüínea no idoso José Paz da Silva sem necessidade de autorização de qualquer membro da

família.

Malgrado haja previsão constitucional acerca do direito à crença, insta salientar que nenhum direito é absoluto, porquanto encontra limites nos demais direitos igualmente consagrados na Constituição Federal. Assim, havendo conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, deve ser utilizado o princípio da harmonização. No presente, caso, resta evidente o conflito acima referido, haja vista que a CF também garante o direito à vida, comentou a juíza, entendendo que, entre o direito à vida e o direito à crença, deve prevalecer o primeiro153.

Outra determinação para que ocorresse a transfusão sangüínea foi da juíza

Jaqueline Teixeira, que também mandou prender pai e filha que impediram a transfusão em

Irani Barbosa, de 78 anos, mesmo já tendo sido determinada judicialmente.

Pai e filha foram presos, no sábado (3/7), no Rio de Janeiro, por ordem da juíza por impedirem que médicos do Hospital Salgado Filho fizessem a transfusão de sangue – determinada por ordem judicial. A família é da seita Testemunhas de Jeová, que condena transfusões. Irani, mãe de Marlene, foi internada no Hospital Salgado Filho com anemia profunda e recusou-se a fazer transfusão de sangue. Os familiares foram chamados pelos médicos para que autorizassem o procedimento, mas também não permitiram que fosse feito. Como alternativa, os médicos recorreram à juíza plantonista, que determinou a transfusão. Manuel e Marlene não permitiram mesmo assim. A juíza, então, determinou a prisão dos familiares e a transfusão foi feita154.

Cezar Roberto Bitencourt155, sobre a questão da transfusão de sangue resistida,

trata da seguinte maneira

A transfusão determinada pelo médico, quando não houver outra forma de salvar o paciente, está, igualmente amparada pelo disposto no artigo 146, § 3°, do CP. Eventual violação da liberdade de consciência ou da liberdade religiosa cede ante um bem jurídico superior que é a vida, na inevitável relação de proporcionalidade entre bens jurídicos tutelados.

153 Consultor Jurídico – Conflito de direitos – Autorizada transfusão de sangue em testemunha de Jeová, 30 de julho de 2007. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/58028? display-mode=print. Acesso em: 30 jul 2007. 154 Consultor Jurídico – Testemunhas de Jeová – Pai e filha são presos ao impedir transfusão de sangue, 08 de julho de 2004. Disponível em 30/07/2007, http://conjur.estadao.com.br/ static/text/26215?display-mode=print. Acesso em: 30 jul 2007. 155 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 134.

83

Na mesma linha de pensamento, sopesando o artigo 146 do Código Penal, tem-

se Damásio Evangelista de Jesus156

Na primeira hipótese a vítima é constrangida a submeter-se a intervenção médica ou cirúrgica. Para o CP, mesmo sem o consentimento da vítima ou de seu representante legal, não há tipicidade do constrangimento, desde que a intervenção ou a cirurgia seja determinada por iminente perigo de vida. Trata-se de hipóteses de estado de necessidade de terceiro, capitulado pelo CP como excludente de tipicidade.

Existe também, o perigo do médico incorrer sua conduta omissiva no artigo

135 do Código Penal (crime de omissão de socorro), caso não socorra a vítima necessitada de

seus cuidados.

Outra enorme discussão, ainda sobre o assunto da transfusão sanguínea, ocorre

no caso que envolve menor de idade, onde seus pais são adeptos a religião Testemunhas de

Jeová, e não permitem que seus filhos menores de idade se submetam a esse feito. O Estatuto

da Criança e Adolescente, vislumbra que pelo poder familiar, é dever de todo pai zelar pela

saúde e vida dos filhos, e também encaminhá-los na vida religiosa, até que possam decidir

sozinhos que caminho irão tomar.

Neste caso, em especial, a opção de não fazer a transfusão de sangue envolve

a vida de terceiro menor de idade, que não pode responder por si só, e que muitas vezes ao

tornar-se maior, nem será adepto dessa convicção religiosa; e sendo-lhe negado essa

transfusão sangüínea, não chegará a vida adulta para poder ter a liberdade de decidir sobre sua

opção religiosa.

Atualmente, a posição entendida por parte dos Tribunais de Justiça e dos

Conselhos de Medicina, é de que no caso excepcional de risco iminente à vida de menores, é

dever do médico utilizar-se de todos os meios para salvar o paciente, mesmo que a vontade de

156 JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 250-251.

84

seus familiares seja contrária a essa decisão, motivada por preceitos religiosos, pois o direito à

vida é individual e não pertence aos pais.

O Tribunal de Justiça de Goiás também decidiu nesse mesmo sentido,

quando o juiz Itaney Francisco Campos, da 8ª Vara Cível de Goiânia, concedeu liminar

autorizando o Instituto de Hemoterapia de Goiânia a fazer uma transfusão sangüínea no

menor Marcos Ferreira de Araújo, que tem leucemia. O pai do menor, simpatizante da religião

Testemunhas de Jeová não tinha permitido o procedimento com o argumento de que sua

religião não permite.

O pedido à justiça foi feito pelo próprio Instituto de Hemoterapia. De acordo com o juiz, negar a vida a uma criança de oito anos de idade em razão de convicções religiosas contraria o Estado Democrático de Direito. As informações são do Tribunal de Justiça de Goiás. Em seu despacho, o juiz Campos salientou tratar-se de um caso caracterizado pelo conflito entre duas garantias fundamentais asseguradas pela Constituição: o direito à vida e o direito à liberdade de crença. Mas apesar de considerar que nessas situações a Justiça busca encontrar um ponto de equilíbrio e harmonização dos princípios constitucionais, o juiz observou que no caso a harmonia seria impossível, pois o reconhecimento de um dos direitos fatalmente excluiria o outro.

“Assim, fulcrado em convicções pessoais e na busca pela pacificação social, caracterizada pelo oferecimento de uma prestação jurisdicional revestida de sua sempre almejada efetividade teleológica e concreta, ressalto que a vida, bem maior de todos, deve prevalecer diante do citado direito de liberdade de crença”, decidiu157.

Alexandre de Moraes158 dita que “tratando-se de pacientes menor ou incapaz,

eventual recusa dos pais ou responsáveis leva ao imediato suprimento do consentimento pelas

autoridades judiciárias.”

O artigo 227 da Carta Magna preceitua que

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação , à educação, ao

157 Consultor Jurídico – Acima da crença – juiz autoriza transfusão em filho de testemunha de Jeová, 29 de setembro de 2005. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/ 38309?display-mode+print. Acesso em: 30 jul 2007 158 MORAES, op. cit., p. 125.

85

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ao analisar também esse artigo, fica evidenciado que é dever do Estado

intervir em favor do menor, quando sua família manifestar vontade contrária à vida ou ao seu

bem-estar.

Após uma análise de ponderação, no fato da transfusão se apontar

indispensável à conservação da vida do menor, não seria admissível deixar de fazê-la e,

baseada na religião dos pais, dispor exatamente daquela vida que necessita de muito cuidado

pelo ordenamento jurídico: o menor, criança, adolescente. Não se enxerga proporcionalidade

alguma em abdicar da vida de quem nem ao menos tem amadurecimento para escolher

determinada crença religiosa.

Em vista do analisado, fica sem sentido algum suprimir o direito à vida em

face do direito à liberdade religiosa de não aceitar uma transfusão sangüínea, pois do que

valeria ter uma liberdade se não se tem mais a vida para poder usufruir desse direito.

3.2 O direito à vida em conflito com a liberdade da mulher em abortar

Esse tema não pode ter início sem antes analisado onde é que tem começo a

vida. A análise do começo da vida é essencial no tema aborto.

É controversa a discussão sobre onde tem começo a vida humana159.

Muitos acreditam que a vida humana tem seu início a partir do momento que

o cérebro passa a funcionar e assim, as ondas cerebrais começam a ser notadas. Essa corrente,

159 VARGA, Andrew C. Problemas de bioética. Traduzido por Pe. Guido Edgar Wenzel. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2001, p. 67-68.

86

tem por base, o fato de que a morte é registrada quando há falta dessas ondas cerebrais. O feto

passa a ter essas sinapses por volta da 18° semana de vida, e se a legislação brasileira prevê

que os órgãos podem ser extraídos e doados a partir do fim das ondas cerebrais, o mesmo

discernimento deveria ser considerado para os embriões.

Alguns, crêem que a vida humana se dê através do início dos movimentos

espontâneos do feto no útero materno, e é facilmente percebido pela mãe.

Para a Corte Suprema Americana, em 1973, o que divide um feto humano de

um feto não-humano é sua viabilidade de sobrevivência fora do ventre da mãe. A partir do

momento em que o feto poderia sobreviver sem o útero materno, este passaria a ser

considerado ser humano, antes disso não.

Há uma corrente que acredita que a humanidade começa após o nascimento

com vida, quando a criança se torna independente da mãe.

Outra forte corrente, é a que preserva a vida a partir do momento da

concepção ou fecundação. Para Ives Granda Martins160, em uma recente entrevista a revista

Época retratou que

Isso não foi colocado no texto da Constituição, mas era absolutamente desnecessário. A vida só pode começar num determinado momento. No momento em que somos um zigoto, somos únicos. Se a vida não deve ser preservada, o Projeto Tamar também não tem que proteger os ovos das tartarugas porque elas não são tartarugas.

Também recentemente, e na mesma linha de pensamento, em uma

reportagem da Revista Consulex161 sobre o assunto, o Subprocurador-Geral da República,

Cláudio Fonteles, menciona que o direito à vida se dá com a fecundação. “A audiência

160 Revista Época, 16 de abril de 2007. 161 Revista Jurídica Consulex, 15 de junho de 2007.

87

pública evidenciou que à linha de argumentação jurídica que desenvolvi se une outra linha, de

motivação estritamente científica, à demonstração da tese posta: o início da vida se dá com a

fecundação.”

Como foi visto, inúmeras são as teorias de segmento para o começo da

vida; teoria da concepção, teoria da implementação do sistema nervoso, teoria dos sinais

eletroencefálicos, etc.

Pode-se, a princípio, afirmar que, pela permissão em nosso ordenamento

jurídico do uso dos contraceptivos DIU e pílula do dia seguinte, que não deixam que o ovo ou

zigoto se alojem no útero, é que a vida se dê com a nidação, processo em que o óvulo

fecundado se fixa no útero da mãe.

Melhor explicando, no Brasil é permitido o uso indiscriminado

dos métodos contraceptivos Dispositivo Intra-Uterino e da pílula do dia seguinte, este último

podendo ser tomado até setenta e duas horas após a relação sexual tendo seu eficaz efeito.

Ambos contraceptivos não deixam, exclusivamente, que o ovo se aloje no útero. Existe a

fecundação ou a concepção, o que não há é a sua fixação na parede do útero materno.

Se a teoria adotada fosse realmente a da fecundação, como reitera Ives

Granda Martins e Cláudio Fonteles, deveria ser imediatamente proibido esses dois tipos de

métodos contraceptivos no Brasil, passando a ser permitido apenas os métodos que não

deixassem ocorrer a fecundação, pois, para que o DIU e pílula do dia seguinte

tenham eficácia é por que já ocorreu a fecundação e eles são utilizados para que a fixação

desse ovo não seja possível na parede do útero. Assim sendo, chega-se a conclusão que

para essa corrente, o DIU e pílula do dia seguinte são abortivos pelo simples fato desses

dois contraceptivos terem função apenas de inibir a nidação, e não de impossibilitar a

fecundação.

88

Após essa análise feita, é que se optou por utilizar a teoria da nidação

como a teoria mais aceita para o início da vida.

Há enorme discordância acerca de qual seria a objetividade jurídica e

quem seria o sujeito passivo do crime de aborto. Para Damásio Evangelista de Jesus162, o

objeto jurídico do aborto é a vida da pessoa humana e o sujeito passivo é o feto. Entretanto,

salienta o autor que, no caso do aborto provocado sem o consentimento da gestante,

existiriam dois objetos jurídicos, protegendo o Direito Penal também, a incolumidade física e

psíquica da gestante. Dessa maneira, há dois sujeitos passivos: o feto e a gestante.

Diversos seguidores, dessa opinião formada por Damásio, baseiam-se

pela posição do tipo legal dentro do Código Penal, pois esse artigo se encontra no capítulo

dos crimes contra a vida. Assim, se o Código Penal protege a vida do feto, ele é detentor de

bens jurídicos, e dessa forma, é sujeito passivo de delito.

Já Mirabete163 afirma que “Sujeito passivo é o Estado, interessado no

nascimento, e não no feto, que é o produto da concepção, que não é titular de bens jurídicos,

embora a lei civil resguarde os direitos do nascituro.”

A primeira corrente parece ser a mais acertada ao proteger piamente o

direito à vida do feto, considerando ele sujeito passivo do crime de aborto.

Tem-se como conceito de aborto “a interrupção dolosa da gravidez, com

expulsão do feto ou sem ela”164. O aborto, é a interrupção do processo da gravidez, com a

morte do feto. O Código Penal pune o abortamento, podendo ser apontados seis

procedimentos particulares: 1) provocado pela própria gestante ou auto-aborto (artigo 124, 1ª

162 JESUS, op. cit., p. 414. 163 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999, p. 685. 164 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio XXI: O dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

89

parte); 2) consentimento da gestante em que outrem lhe provoque o aborto (artigo

124, 2ª parte); 3) aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (artigo 125);

4) aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (artigo 126); 5)

aborto qualificado (artigo 127); e 6) aborto legal (artigo 128), que não é considerado

crime.

Os tipos de abortos contidos no artigo 128 do Código Penal são

conhecidos como aborto necessário e aborto sentimental. O primeiro, também conhecido

como terapêutico, é o aborto praticado quando não há outro meio para salvar a vida da

gestante. Já o aborto sentimental, também denominado ético ou humanitário, é permitido no

caso de gravidez resultante do crime de estupro.

Para que ocorra os abortos permitidos pelo atual ordenamento jurídico, é

preciso verificar a sua justificativa.

Todos os argumentos comparam o valor da vida humana em desenvolvimento com algum outro valor. O raciocínio é o seguinte: no caso de valores morais conflitantes, quando apenas um valor pode ser respeitado, que a escolha lógica e moral seja em favor do valor maior.165

Em diversos casos, o abortamento tem fácil explicação e entendimento

por parte das pessoas, pois ocorre quando o ovo não tem chance de se desenvolver, por

exemplo, ficou alojado nas trompas. Nesses casos, não há dúvidas de que o feto

precisa ser retirado, pois não tem a mínima possibilidade de sobrevivência deste, e se

não for feito, há a possibilidade de morte da gestante. Esse tipo de aborto é conhecido

como aborto necessário ou aborto terapêutico, e deve sempre ser praticado por médico,

165 VARGA, op. cit., p. 70.

90

tratando-se de exato estado de necessidade, aceito como justificativa legal ou exclusão de

ilicitude.166

Aqui, na realidade, nem existe um verdadeiro conflito de direitos, pois é

evidenciado que o direito à vida da mãe deve preponderar sem sombra de dúvidas sobre o

direito à vida de um feto, que foi comprovado que não se desenvolverá em hipótese alguma, e

que causará, com certeza, a morte da gestante.

Na opção pelo aborto necessário, há a possibilidade da perda de duas

vidas, e com ele tem-se a estimativa de salvar a vida da gestante, assim, pelo menos, um

direito à vida será preservado.

O outro tipo de aborto permitido pelo Código Penal, é quando a gravidez

é ocasionada por estupro.

A mulher cuja gravidez é causada por estupro é uma vítima de violência cruel e desumana. Sua angústia mental e seu sofrimento psicológico são o resultado de uma gravidez forçada, contra a sua vontade. Estupro, em sentido jurídico, é o termo legal para uma relação sexual ilícita com uma mulher que consente e está abaixo da idade legal para poder permitir um consentimento livre, mas ajudará a esclarecer nossa avaliação moral, quando limitarmos nossa consideração ao estupro e ao incesto em que a mulher é forçada, contra a sua vontade. Argumenta-se que, nestes casos trágicos, o grande valor da saúde mental de uma mulher que engravida, em virtude de um estupro ou incesto, pode ser assegurado melhor através do aborto. Também se diz que a gravidez causada por estupro ou incesto é resultado de uma grave injustiça e que a vítima não estaria obrigada a levar a gravidez até o fim. O feto continuaria a recordar-lhe, durante nove meses, a violência cometida e apenas aumentaria a sua angústia mental. Raciocina-se que o valor da saúde mental da mulher é maior do que o da vida do feto. Além, do mais, sustenta-se que o feto é um agressor contra a integridade da mulher e da sua vida pessoal; é justo e moralmente defensável repelir um agressor, mesmo matando-o, quando este é o único meio de defender valores humanos e pessoais. Conclui-se, então, que o aborto é justificável nestes casos.167

Para que esse aborto seja possível de ser realizado, é necessário o

consentimento da gestante, ou então, de seu representante legal caso esta seja incapaz. Esse

166 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em defesa da vida. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12. 167 VARGAS, op. cit., p. 72.

91

consentimento, é requisito básico para que esse aborto seja realizado, pois vai do abalo que

esse crime causou à mãe. Algumas mulheres, por motivos aqui não relevantes, optam por

quererem levar essa gestação adiante.

Heleno Fragoso168 ditava que

[...] justifica-se plenamente o aborto em tais circunstâncias, desde que praticado por médico, com consentimento da gestante ou de seu representante legal, tendo-se em vista a violência e a estupidez da fecundação. O estupro é em regra obra de um anormal sexual, ébrio ou degenerado, cuja reprodução é altamente indesejável: a proibição do aborto nesses casos não atenderia aos interesses da sanidade da estirpe.

A gravidez advinda de um estupro, é uma gravidez resultante de um

crime, e analisando friamente, não é a gestante que tem que pagar por esse crime pelo resto

da vida.

É uma violação ao direito à intimidade da mulher, que em muitos

casos chega ao suicídio por não agüentar a pressão de gerar um filho resultado de uma

afronta a sua liberdade, integridade e dignidade. Há, normalmente, uma morte psicológica

da gestante, e para que isso não aconteça é que o Código Penal permitiu esse tipo de

aborto.

Nesse caso de permissão de aborto, há também a colisão de dois

direitos fundamentais. Mas diferente do primeiro, em que a gestante corre risco de

vida, e que há colisão entre dois direitos à vida. Nos casos de abortamento de um feto

advindo do crime de estupro, tem-se que fazer uma escolha entre o direito à vida desse feto,

ou o direito à liberdade de escolha da mãe, e cabe a mulher ou seu representante legal,

decidir se opta pela vida do feto, ou pelo direito à liberdade de poder abortar. Assim, é de

168 NOGUEIRA, op. cit., p. 13.

92

suma relevância o fato desse feto ter sido fruto de um crime, punido pela legislação

brasileira.

Dessa forma, o Código Penal optou, nesses casos, pela prevalência do

direito fundamental à liberdade da gestante, como já dito no início deste capítulo.

Muito se tem discutido sobre uma possível alteração no Código Penal, Parte

Especial, para a inclusão de mais um tipo permissivo de aborto; o aborto eugênico ou

piedoso, que seria possível de ser realizado para se evitar o nascimento de crianças com

anomalias graves.

Para a corrente que visa esse novo tipo legal, o argumento é “É melhor para

a criança não nascer do que levar uma vida sobrecarregada de doenças geneticamente

mutilantes. O aborto é recomendado em casos em que certos defeitos são descobertos durante

o desenvolvimento do feto.”169

Para a corrente contrária a esse novo tipo de aborto permissivo,

atestam a falta de conhecimento ou condições de detectar dados seguros sobre anomalias

fetais.

O Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, publicado pela Portaria n.

304, de 17 de julho de 1984, prevê essa nova modalidade de aborto legal praticado por

médico quando “há fundada probabilidade, atestada por outro médico, de o nascituro

apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais” (artigo 128, III).

O médico Thomaz Rafael Gollop, em artigo bastante esclarecedor sobre o assunto, e com sua experiência de atendimento de mais de três mil casais em exames pré-natais para um diagnóstico de malformação fetal, examina a questão do aborto eugênico sob o prisma médico e informa que ‘na área de minha especialidade, a ultra-sonografia e outros exames de alta precisão fornecem hoje dados muito mais seguros sobre a saúde do feto nos casos de riscos, nos quais, dado um quadro adverso, o casal deveria

169 VARGAS, op. cit., p. 73.

93

ter o direito de escolher livremente pela continuação ou interrupção da gravidez (Boletim do IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 12, jan. 1994)170

Em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, obriga-se o médico a não

se calar ao descobrir a anomalia.

Argumenta-se que o aborto eugênico é feito, basicamente, por causa da criança e, apenas secundariamente, por causa da mãe ou de ambos os genitores. Regulamentações recentes da Corte de Apelação de Nova York e da Corte Suprema de Nova Jersey responsabilizam, legalmente, os médicos por nascimentos anormais, no caso de omissão em advertir a paciente de que ela talvez possa dar à luz uma criança anormal. Se a negligência de um médico priva uma mulher do direito legal de um aborto, pode ser obrigado a pagar os danos de um “nascimento falho”. 171

Desde 1989 juízes brasileiros reconhecem aborto de fetos sem cérebro.

A primeira decisão judicial no Brasil autorizando uma gestante a interromper a gravidez por anencefalia do bebê aconteceu em Rondônia, em 1989. A primeira em São Paulo data de 1993. O ginecologista Thomaz Gollop, autor das informações e diretor do Instituto de Medicina Fetal, disse que no Brasil já chegaram à Justiça cerca de 3.000 casos de anencefalia. “Em 97% das ações, os juízes autorizaram a interrupção da gravidez”, afirmou Gollop.172

No Brasil, já em 1992 e 1993, dois casos foram julgados pela interrupção da

gravidez.

Em dezembro de 1992, o Juiz Dr. Miguel Kfouri Neto, de Londrina, autorizou a interrupção de uma gestação na qual havia sido diagnosticada anencefalia. Em dezembro de 1993, entramos com ação em São Paulo e obtivemos do Juiz de Direto Dr. Geraldo Francisco Pinheiro Franco autorização para interromper gravidez de 23 semanas em feto portador de acrania A nosso ver, são essas demonstrações claras onde o avanço da ciência médica procurou e obteve apoio e sensibilidade da classe jurídica.173

O Anteprojeto autoriza o aborto em caso de anomalias graves e irreversíveis,

tanto física quanto mental.

170 NOGUEIRA, op. cit., p. 15 171 VARGAS, op. cit., p. 73. 172 Folha Online – Cotidiano – Juízes reconhecem aborto de feto sem cérebro desde 89 – 02/07/2004. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u96408.shtml. Acesso em: 04 julh 2007. 173 NOGUEIRA, op. cit., p. 16.

94

Esse anteprojeto, deveria somente viabilizar o aborto, em casos em que o

feto não teria sobrevida fora do útero materno, ou uma sobrevida ínfima, como aconteceram

nos julgados acima descritos, e não permitir o abortamento nos casos de anomalias graves e

irreversíveis.

Nos casos de impossibilidade de vida extra-uterina é que o aborto deveria

ser permitido, com a autorização da gestante ou de seu representante legal, feito por um

médico, e com a certeza dessa anomalia fornecida por outro especialista.

Não deveria prever a possibilidade de abortamento, pelo simples fato de o

feto desenvolver uma anomalia grave ou até mesmo irreversível, pois é assegurado o direito à

vida também desse feto imperfeito. A imperfeição não pode gerar um direito maior do que o

direito à vida.

Uma anomalia irreversível, que não prevê sobrevida fora do útero materno e

que está trazendo muita polêmica, é a anencefalia.

Como conceito de anencefalia tem-se

A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação fetal congênita do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico. Conhecida vulgarmente como ‘ausência de cérebro’, a anomalia importa a inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central – responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas algumas funções inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal. Como é intuitivo, a anencefalia é incompatível com a vida extra-uterina, sendo fatal em 100% dos casos. Não há controvérsia sobre o tema na literatura científica ou na experiência médica.174

Para a corrente que acredita que a vida começa com a formação do sistema

neurológico (pois o fim da vida se dá com a morte cerebral), não haveria dúvida quanto ao

não cometimento do crime de aborto, caso seja praticado, pois sem a formação desse sistema

174 BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45/DF.

95

neurológico não existe vida, e assim, não há crime de aborto, porque este visa dar proteção à

vida do feto.

Mas, não é pacífico como já visto, quando se dá o começo da vida. No

Brasil, a corrente que prepondera é a da nidação, devido ao fato já mencionado, de ser

permitido o Dispositivo Intra Uterino e a pílula do dia seguinte, que não permitem a fixação

do ovo na parede do útero.

Para essa corrente, não é viável o abortamento, pois com o alojamento do

zigoto na parede do útero, já há vida, e assim estaria comento-se crime de aborto.

Especificamente no caso de fetos anencefálicos, que está mais que

comprovado que não têm sobrevida fora do útero materno, ou apenas instantes de vida fora

do ventre, a análise deveria ser feita de uma forma menos rigorosa com relação ao direito de

vida desse feto.

Aqui, na realidade, não haveria o porquê da análise de conflito entre dois

direito fundamentais, direito à vida e direito à liberdade da gestante em abortar, pois a vida

para esses fetos não passa de algo abstrato, irreal, sem possibilidade de ser alcançada. Sem

dúvidas, para o caso confirmado de anencefalia, o mais acertado seria prevalecer, pelo

princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, o direito à liberdade da mulher em poder

abortar, se quiser, pois não é justo fazer com que essa gestante suporte toda uma gravidez,

para ao final passar por um sepultamento.

O foco da atenção há de voltar-se para o estado da gestante. O reconhecimento de seus direitos fundamentais, a seguir analisados, não é a causa da lesão ou direito de outrem – por fatalidade, não há viabilidade de uma outra vida, sequer um nascituro, cujo interesse se possa eficazmente proteger. É até possível colocar a questão em termos de ponderação de bens ou valores, mas a rigor técnico não há esta necessidade. A hipótese é de não-subsunção da situação fática relevante aos dispositivos do Código Penal. A gestante portadora de feto anencefálico que opte pela antecipação terapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais que imunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva.175

175 BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45/DF.

96

Nos casos comprovados de anencefalia, o meio utilizado para pôr fim ao

sofrimento da mãe, seria uma antecipação terapêutica do parto e não um aborto, como já

sopesado.

[...] a antecipação do parto em casos de gravidez de feto anencefálico não caracteriza aborto, tal como tipificado no Código Penal. O aborto pela doutrina especializada como ‘a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto da concepção). Vale dizer: a morte deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Não é o que ocorre na antecipação do parto de um feto anencefálico. Com efeito, a morte do feto nesses casos decorre da má-formação congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorridos os nove meses normais de gestação. Falta a hipótese de suporte fático exigido pelo Código Penal.176

Márcia Regina Machado Melaré177 em um artigo intitulado Livre Arbítrio –

A mulher deve decidir sobre aborto de feto sem cérebro, diz o seguinte

Pelo conceito de aborto legal, no Brasil, a interrupção da gravidez pode ocorrer em fetos com total potencialidade de vida, mas, por terem sido gerados por estupro ou em razão de a gestação causar risco de vida à mãe, a interrupção pode ser autorizada. Ora, se a legislação brasileira já aceita o aborto de feto com potencialidade de vida, deve permitir os procedimentos médicos para a interrupção das gestações de fetos inviáveis. Não podemos, também, deixar de considerar a abordagem científico-pragmática: se a legislação declara morto um paciente, após a constatação de sua morte cerebral (inclusive para fins de transplante de órgãos), a interrupção da gestação de um feto anencefálico se compatibiliza com essas hipóteses legalmente prevista.

Em agosto de 2004, foi concedida uma liminar possibilitando a antecipação

terapêutica do parto de fetos anencefálicos, em virtude do instrumento de Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF 45/DF, argüida pela Confederação

Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), por seu advogado Luis Roberto Barroso, mas

o Tribunal, dois meses depois, negou deferimento a essa liminar.

Consta dessa Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental,

que os princípios violados são o da dignidade da pessoa humana, da legalidade,

176 BARROSO, Luis Roberto. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 45/DF. 177 Consultor Jurídico – Livre arbítrio – A mulher deve decidir sobre aborto de feto sem cérebro, 18/01/2005. Disponível em <http://conjur.estadao.com.br/static/text/32456?display-mode=print. Acesso em: 30 julh 2007.

97

da liberdade, da autonomia da vontade, e o direito à saúde, todos de uma única pessoa, a

gestante.

Na mesma linha de pensamento encontra-se o desembargador Silvio Arruda

Beltrão178, da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que acatou o pedido de

uma gestante em Mandado de Segurança, no início de 2004.

Cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade e, seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no Âmbito da medicina.

Inviável fica a discussão de uma colisão de direitos fundamentais nos casos

de fetos anencefálicos, pois não existe realmente um conflito entre direito à vida do feto e o

direito à liberdade da gestante, como bem argumentado por Luis Roberto Barroso179 na

Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental,

Como já exposto, na gestação de feto anencefálico não há vida humana viável em formação. Vale dizer: não há potencial de vida a ser protegido, de modo que falta à hipótese o suporte fático exigido pela norma. Com efeito, apenas o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo de aborto. Assim, não há como se imprimir à antecipação do parto nesses casos qualquer repercussão jurídico-penal, de vez que somente a conduta que frusta o surgimento de uma pessoa ou que causa danos à integridade física ou à vida da gestante tipifica o crime de aborto.

E continua, citando os escritos de Nelson Hungria, muito mesmo antes de se

conhecer a anencefalia.

Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que se caracteriza o aborto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico; se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto,

178 Jurid – Gestação interrompida- Justiça de PE autoriza aborto de cérebro anencefálico, 2004. Disponível em: https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p+jornalimpressaojornal&ID+34913. Acesso em: 04 julh 2007. 179 BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45/DF.

98

para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto.180

De acordo com Edílsom Pereira de Farias181,

Haverá colisão entre os próprios direitos fundamentais (colisão entre os direitos fundamentais em sentido estrito) ‘quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular’. Noutras palavras, quando o tatbestand (pressuposto de fato) de um direito interceptar o pressuposto de fato de outro direito fundamental.

Mais uma vez, nos casos de anencefalia, como já verificado, a colisão do

direito à liberdade da gestante com o direito à vida do feto, deve ser analisado de uma forma

diferenciada, e até mesmo, regulamentada pelo ordenamento jurídico, em razão de não haver

um direito à vida, propriamente dito, a ser protegido.

Duas recentes decisões, entre outras, proferidas por dois Tribunais de Justiça

distintos, admitiram essa antecipação terapêutica do parto pelos mesmos motivos acima já

mencionados.

O primeiro é o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que em data de 11 de

abril do corrente ano, concedeu permissão a uma gestante para interromper a gravidez de seis

meses e meio. A anencefalia foi comprovada após a realização de três exames de ultra-

sonografia. A permissão do aborto foi conferida porque o Tribunal de Justiça ponderou o

risco para a gestante e o irremediável comprometimento da vida do feto182.

A outra decisão, mais atual ainda, datada em 29 de junho de 2007, da 1ª

Vara Criminal de Goiânia, dada pelo juiz-substituto André Avancini D’Ávila, também

intensifica a necessidade de regulamentação pelo ordenamento jurídico desse tipo de aborto.

180 BARROSO, Luis Roberto. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45/DF. 181 FARIAS, op. cit., p. 117. 182 Jurid – Justiça autoriza aborto de feto com anencefalia- Tribunal de Justiça de Minas levou em conta o risco para a gestante. Parto será realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 12/04/2007. Disponível em: https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p+jornalimpressaojornal&ID+34913. Acesso em: 04 julh 2007.

99

Lembrando que a anencefalia é incompatível com a vida extra-uterina, André Avancini observou que este tipo de aborto – chamado aborto eugênico – é considerado uma atitude piedosa, em que o feto é portador de anomalia grave e incurável. Para o juiz, em 1940, quando foi regulamentado o aborto humanitário – autorizado nos casos em que a gestação resulta de estupro – a medicina não dispunha dos avanços tecnológicos de atualmente. “Se houvesse à época esses avanços para diagnósticos atuais, com muito mais razão teria sido contemplado expressamente o aborto eugênico”, comentou183.

Não restam dúvidas, de que o abortamento do feto com anencefalia,

cuidadosamente confirmado, não deveria ser considerado crime, pois é um caso de

atipicidade da conduta, pela simples ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo

penal aborto.

Essa regulamentação se daria no simples sentido da gestante optar por

prosseguir ou não com a gestação. Seria dada a essa geradora de um feto anencefálico, o

direito da liberdade de escolha de querer carregar, ou não, em seu ventre, um feto com nulas

possibilidades de sobrevivência fora de seu corpo.

183 Jurid – Juiz autoriza aborto de feto anencefálico, 2007. Disponível em: <https://secure.jurid.com.br/new/ jengine.exe/cpag?p+jornalimpressaojornal&ID+34913.> Acesso em: 04 julh 2007.

100

CONCLUSÃO

Fora aqui analisado, um tema muito controverso e atual, sobre como

solucionar possíveis colisões entre direitos fundamentais, que estão no mesmo patamar de

hierarquia, dentro de um mesmo ordenamento jurídico.

O presente trabalho, tem como foco, a análise de somente dois desses

direitos fundamentais, ou seja, o direito à vida e o direito à liberdade; o que ocorre

quando esses dois direitos entram em choque em um caso concreto; como solucionar

esse problema; qual direito deve prevalecer; e o menor detrimento do direito que não

predominou.

Foi necessário para esse estudo verificar diferentes informações sobre os

direitos fundamentais propriamente ditos.

As divergências já começam pela nomenclatura desses direitos. Há autores

que os chamam de direitos humanos, outros de direitos dos cidadãos, e alguns, ainda, de

direitos do homem. Mas, a mais ideal nomenclatura, após essa análise feita, é de direitos

fundamentais.

Inúmeras características são apontadas a esses direitos, mas somente algumas

delas, consideradas pertinentes, foram acopladas ao trabalho.

Quanto às dimensões dos direitos fundamentais, também foram encontradas

diferenças. Não somente à nomenclatura, dimensões ou gerações de direitos fundamentais,

tendo sido optado por dimensões dos direitos fundamentais, mas, inclusive, com relação à

quais direitos estariam dentro de qual dimensão.

101

Ao direito à vida e ao direito à liberdade foi dado um enfoque especial,

trazendo o possível sobre ambos, que pudesse, ao decorrer do trabalho, ajudar na solução de

uma colisão.

Ao verificar a interpretação constitucional, pode-se perceber, que só seria

possível uma resolução de conflito, quando aplicados os princípios constitucionais de uma

maneira ponderada, dando ênfase aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Dentre outros princípios, esses dois citados, são de suma importância na apreciação do caso

concreto.

Quando se fala em colisão de direitos fundamentais, vem logo a mente algo

de difícil e minuciosa resolução, porque se trata de um confronto entre direitos essenciais à

pessoa humana, sendo inevitável o preterimento de um deles.

Foram discorridas, nesse trabalho, algumas colisões ocorridas entre o direito

à vida e o direito à liberdade, como nos casos dos adeptos à religião Testemunhas de Jeová e

nos casos de aborto.

Em ambos os conflitos, o direito à vida é que deve prevalecer, em razão do

simples fato, de que sem a vida de serventia alguma teria o direito à liberdade.

Para os seguidores da religião Testemunhas de Jeová, não há a

possibilidade, em hipótese alguma, de ser feita uma transfusão de sangue. É preferível que a

pessoa humana venha a óbito, do que seja acometida a uma transfusão sangüínea.

Assim, inúmeras decisões judiciais foram e ainda estão sendo proferidas a favor dessas

transfusões.

Para as ocorrências de aborto, foram examinados os casos de abortamento

necessário e sentimental, já assegurados pelo artigo 128 do Código Penal.

102

Existe um anteprojeto para a mudança da parte especial desse Código, que

vigora desde 1940, na intenção de que seja incluído, no mesmo artigo já citado, um terceiro

inciso que contenha permissão para o aborto eugênico, ou seja, para a possibilidade do

abortamento de fetos com anomalias graves ou irreversíveis.

Esse anteprojeto, deveria vislumbrar a possibilidade de aborto, somente nos

casos de fetos sem perspectiva alguma de vida fora do útero materno, ou ainda, com uma

sobrevida ínfima, como ocorre nos casos de fetos com anencefalia. Aqui, o direito à liberdade

de escolha da mãe deveria preponderar sobre o direito à vida do feto (um direito, na verdade,

não existente fora do útero materno); diferentemente do que trata o anteprojeto atual, que visa

o direito ao abortamento de fetos com anomalias, mas que têm uma possibilidade de vida e

inclusive de uma inclusão social.

Foi examinado, por fim, a Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental 45/DF, argüida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde,

através do advogado Luis Roberto Barroso, que visa a possibilidade de aborto para os casos

de fetos portadores da anomalia de anencefalia.

Nos casos citados, fica demonstrado que o direito à vida é preponderante aos

demais direitos fundamentais, pois de que vale os demais direitos após a morte. E mais: que

toda a regra tem exceção, como por exemplo os casos de permissão do aborto de um feto

resultante de um crime de estupro, onde é estabelecido que o direito à intimidade, à saúde, à

liberdade de escolha, dentre outros, da gestante, deve ser priorizado; e também nos casos de

fetos anencefálicos, onde não há possível de vida humana em formação, e que do mesmo

modo, todos esses direitos da gestante devem prevalecer.

É necessária uma modificação na parte especial do Código Penal,

principalmente relacionada aos casos de aborto, permitindo que a mulher possa optar pelo

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prosseguimento ou não da gravidez, mas, somente nos casos em que o feto não tenha chances

de sobrevivência fora de seu ventre, e não pelo simples fato de nascer com deformidades, em

razão, mais uma vez frisando, de que a deficiência não pode determinar um direito maior do

que o direito à vida.

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